II Simpósio Brasileiro de Recursos Naturais do Semiárido – SBRNS “Convivência com o Semiárido: Certezas e Incertezas” Quixadá - Ceará, Brasil 27 a 29 de maio de 2015 doi: 10.18068/IISBRNS2015.rechid264

ISSN: 2359–2028

SENSIBILIDADE DA VAZÃO REGULARIZADA À FORMA DO AÇUDE: CASO DO AÇUDE MARENGO, MADALENA - CE Antonia Tatiana Pinheiro do Nascimento1, Bruno Silva Pereira2, Pedro Henrique Augusto Medeiros3 1

Graduanda em Engenharia Ambiental e Sanitária, IFCE - Campus de Maracanaú, [email protected] Eng. Ambiental e Sanitarista, Mestrando em Tecnologia e Gestão Ambiental, IFCE, [email protected] 3 Eng. Civil, Professor do Instituto Federal do Ceará – IFCE - Campus de Maracanaú, [email protected] 2

RESUMO: O semiárido nordestino apresenta características climáticas e geológicas que provocam escassez hídrica, o que induz à construção de açudes para o abastecimento das comunidades. A oferta hídrica dessas estruturas é quantificada de forma associada à garantia de fornecimento, que é um indicador do percentual de falhas no fornecimento para uma vazão de retirada programada para um açude. Nesse contexto, o conhecimento da forma dos reservatórios é fundamental, uma vez que a geometria impacta a capacidade de regularização, sendo sua análise de grande importância para quantificação da disponibilidade hídrica dos açudes e para a gestão integrada dos recursos hídricos. Diante do exposto, este trabalho tem como objetivo avaliar quantitativamente a influência da geometria do açude Marengo em Madalena - CE, sobre sua disponibilidade hídrica. Foi realizado o balanço hídrico do açude Marengo admitindo-se diferentes geometrias, sendo possível concluir que a vazão regularizada por açudes, especificamente o açude Marengo, é bastante sensível à geometria. Observouabertura e da concavidade do açude, respectivamente, produziria uma redução da vazão regularizada. PALAVRAS–CHAVE: Disponibilidade hídrica, geometria, pequeno açude, semiárido SENSITIVITY OF THE WATER YIEL TO RESERVOIR SHAPE: CASE STUDY OF THE MARENGO RESERVOIR, BRAZIL ABSTRACT: The semiarid northeast of Brazil presents climatic and geological features that cause water scarcity, which leads to the construction of dams for the water supply of communities. Water availability from such structures is quantified in association to the reliability, which is an indicator of the percentage of supply failure in providing a withdrawal programmed for a dam. In this context, knowledge of the shape of the reservoirs is critical, since the geometry impacts the water yield capacity, and its analysis is of major importance for quantification of water availability and for the integrated water resources management. Given the above, this work aims to evaluate quantitatively the influence of the geometry of the Marengo reservoir in Madalena - CE on the water supply. The water balance of the Marengo reservoir was computed assuming different geometries, from which one can conclude that the water yield by reservoirs, specifically the Marengo, is very sensitive to the to an increase of the opening and the concavity of the reservoir, respectively, produce a reduction in the water yield. KEYWORDS: Water availability, geometry, small reservoir, semiarid, Brazil

Recursos hídricos

INTRODUÇÃO As regiões semiáridas se caracterizam pelo déficit hídrico e por um elevado saldo positivo de energia solar (ANDRADE et al., 2010). O Nordeste brasileiro está localizado em região semiárida caracterizada por aspectos hidroclimatológicos particulares como: baixo índice de precipitação e alta evaporação. Aliado a estes fatores, os solos são rasos sobre rochas no embasamento cristalino, tendo por consequência uma acentuada insuficiência hídrica. Segundo Alexandre (2012), o acesso à água é deficiente em frequentes anos secos, o que impõe grandes restrições às populações mais carentes. Deste modo, a alta demanda por água induz à construção de reservatórios superficiais, armazenando água durante o período chuvoso para o período de estiagem (de ARAÚJO et al., 2004), minimizando assim o problema da disponibilidade hídrica. No Nordeste, a açudagem é a principal tecnologia para manter o abastecimento das comunidades rurais, reduzindo o êxodo para os grandes centros urbanos. No entanto, uma densa rede de pequenos reservatórios tem sido construída pelo homem nordestino sem planejamento adequado. Segundo de Araújo e Medeiros (2013), essas redes têm se formado em outros países, mas apresentam diferenças como, o porte que é relativamente grande, um projeto técnico (em geral os pequenos açudes no Nordeste são construídos sem acompanhamento técnico) e são dispostos em “cascatas”. No Brasil, a escassez de dados sobre os pequenos reservatórios, bem como o gerenciamento destes, causam diversos conflitos socioambientais. Contudo, estes sistemas são a única fonte de abastecimento das comunidades nordestinas. Por exemplo, a COGERH (Companhia de Gestão de Recursos Hídricos do Ceará) monitora aproximadamente 150 açudes, todavia de Araújo e Medeiros (2013) relatam que somente na Bacia do Alto Jaguaribe existem quase 4.700 açudes. Segundo Molle e Cadier (1994), os açudes Nordestinos apresentam características bastante variáveis quanto a suas formas geométricas, as quais podem ser caracterizadas por dois coeficientes: coeficiente de abertura K, que indica a abertura e inclinação do vale barrado e o coeficiente de forma α, que expressa a concavidade das encostas. O conhecimento da geometria é importante, por exemplo, para se quantificar a capacidade de regularização de vazão por reservatórios superficiais. A regularização das águas pode ser entendida como ajustamento da oferta à demanda, portanto, as características hidrológicas e a forma dos reservatórios são de extrema importância para entender o comportamento dos açudes em relação ao acúmulo de água (CAMPOS, 2005). Diante do exposto, este trabalho tem como objetivo avaliar quantitativamente a influência da geometria do açude Marengo em Madalena - CE, sobre sua disponibilidade hídrica.

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MATERIAL E MÉTODOS O estudo foi desenvolvido no Assentamento 25 de Maio, localizado no Município de Madalena, Ceará. O assentamento possui uma área de 23.000 ha onde residem 586 famílias com atividades econômicas voltadas para a agricultura, apicultura e pecuária extensiva. Segundo Pinheiro (2011), a média pluviométrica na região é da ordem de 600 mm (série histórica de 1988 a 2009). A área de estudo está nas cotas altimétricas 250 a 360 m, com formação geológica do período Pré-Cambriano (rochas do embasamento cristalino). O assentamento, inserido na Bacia Hidrográfica do Banabuiú (BHB), possui 11 açudes de pequeno porte e um de médio porte (açude Marengo). O açude Marengo, objeto deste estudo, possui capacidade de 16,8 hm³, tendo uma bacia hidrográfica de aproximadamente 120 km². O balanço hídrico pode ser definido como a relação entre os fluxos de água que entram e que saem de um sistema definido no espaço e o volume armazenado durante um intervalo de tempo (HELLER; PÁDUA, 2010). A simulação do balanço hídrico para quantificação das vazões regularizadas pelo açude Marengo foram realizadas com base na Equação 1: Vt+1 = Vt + (Esc.+ Pres) – Ev – R – Vert

(Eq. 1)

Em que as variáveis, calculadas mensalmente, são: Vt+1 (m³) – volume armazenado ao final do mês; Vt (m³) – volume armazenado no início do mês; Esc. (m³) – escoamento estimado da bacia hidrográfica; Pres (m³) – precipitação diretamente no açude; Ev (m³) – volume evaporado do açude; R (m³) – volume retirado para uso; Vert (m³) – volume vertido. Com a carência de dados de escoamento na área de estudo foi utilizado o balanço hídrico no primeiro momento para calcular a lâmina de escoamento mensal da bacia a partir de dados mensais, cedidos pela COGERH, de volume acumulado nos açudes Fogareiro e Pirabibu, localizados no município de Quixeramobim. Conhecendo-se Vt+1 e Vt na equação 1, foi possível calcular Esc. As lâminas mensais de escoamento nas bacias dos dois açudes estudados foram obtidas pela razão entre os volumes mensais de escoamento e as áreas das respectivas bacias hidrográficas para o período de 1998 a 2012. Admitindo que a região seja homogênea e que a lâmina de escoamento seja uniforme, gerou-se uma série de escoamentos mensais ao açude Marengo, localizado na área de estudo. Foram utilizados os dados de escoamento do açude Fogareiro no período de 1998 a 2001, e os dados gerados para o açude Pirabibu no período de 2002 a 2012, totalizando uma série de 15 anos de dados. Além da série de volumes mensais afluentes (obtida da simulação dos açudes Fogareiro e Pirabibu), para a simulação do açude Marengo foram utilizados dados de precipitação dos postos pluviométricos de Boa Viagem e Madalena (dados obtidos do Sistema de Informações

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Recursos hídricos

Hidrológicas da ANA - http://hidroweb.ana.gov.br/). Os dados de evaporação mensal foram obtidos das Normais Climatológicas (INMET, 2009), referentes ao posto de Quixeramobim. Portanto, simulações no Açude Marengo foram realizadas, testando diferentes vazões de retirada, para as quais foram calculadas as garantias de fornecimento, obtendo-se assim a curva de garantia. Para se avaliar a influência da geometria do açude Marengo sobre sua capacidade de regularizar vazão, procedeu-se uma análise de sensibilidade da vazão regularizada variando-se os coeficientes de forma e abertura do açude (Equação 2) com base nos valores obtidos por Pereira (2014), que estudou a geometria de 358 pequenos açudes no semiárido cearense e encontrou valor médio de α igual a 3,11 e valor mediano de K igual a 1.336. V = K . h

(Eq. 2)

Em que: V (m³) – volume acumulado; h (m) – profundidade; K – coeficiente de abertura; – coeficiente de forma. Na análise de sensibilidade foram testados valores de  e K no intervalo compreendido entre os percentis 10 e 90 da amostra de açudes estudados por Pereira (2014), que determinou esses coeficientes a partir das curvas cota-área-volume disponíveis dos açudes. RESULTADOS E DISCUSSÃO A partir da simulação de balanço hídrico do açude Marengo admitindo sua geometria real, foi possível construir a curva de garantia do mesmo (Figura 1), a qual relaciona valores de vazão regularizada pelo açude a uma garantia de fornecimento. Campos (2005) relata que os reservatórios recebem os deflúvios e transforma em sagria pelo vertedouro, evaporação e em regularização de vazão, portanto, é notável na Figura 1 a tendência de redução da vazão regularizada para um aumento da garantia, causada pelo aumento das perdas por evaporação e vertimento à medida que volumes maiores são mantidos no reservatório. A Figura 2a apresenta a análise de sensibilidade da vazão regularizada para o coeficiente K. Do gráfico pode-se observar que o aumento do coeficiente de abertura provoca uma redução da vazão regularizada, já que com maior área da superfície do açude, há um aumento das perdas por evaporação. Um dos fatores que colaboram para a redução do coeficiente K é o assoreamento dos reservatórios. De Araújo e Medeiros (2013) mostram a influência do assoreamento na disponibilidade hídrica em uma simulação para o açude Canabrava, onde para o ano de 1944 a vazão regularizada do açude com 80% de garantia era de aproximadamente 37%, com a mesma garantia cem anos depois a retirada diminuiu para 30%. De forma análoga, uma redução do coeficiente, ou seja, um reservatório com a forma

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mais fechada, provoca um aumento na vazão regularizada, pois a superfície do açude diminui, reduzindo as perdas por evaporação. O coeficiente α comporta-se de forma ainda mais sensível (Figura 2b), pois pequenas alterações resultaram em incisiva mudança na vazão regularizada, o que pode ser bem observado para a garantia de 95%. O gráfico ainda ilustra que quanto menor for o coeficiente de concavidade maior será a vazão regularizada.

Figura 1. Curva de garantia de vazões do açude Marengo – Madalena, Ceará

a) Coeficiente de abertura – K

b) Coeficiente de forma - 

Figura 2. Análise de sensibilidade da vazão regularizada pelo açude Marengo à geometria CONCLUSÕES É possível concluir que a vazão regularizada por açudes, especificamente o açude Marengo, é bastante sensível à geometria. Observou-se que um aumento dos coeficientes K e

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Recursos hídricos

, o que corresponderia a um aumento da abertura e da concavidade do açude, respectivamente, produziria uma redução da vazão regularizada. Esse resultado se explica pelo aumento da área inundada para uma mesma lâmina de água nesses casos, produzindo um aumento das perdas por evaporação e, consequentemente, a redução da vazão regularizada. Outra conclusão importante é de que a sensibilidade é maior para elevadas garantias de fornecimento hídrico. A título de exemplo, um aumento de 50% no coeficiente K provoca um impacto de aproximadamente -2% na vazão regularizada com 40% de garantia, enquanto essa mesma alteração de 50% no coeficiente K provoca um impacto de -13% na vazão regularizada com 95% de garantia. Ou seja, se o reservatório é operado com elevada garantia, há uma maior sensibilidade à forma do açude. REFERÊNCIAS ALEXANDRE, D.M.B. Gestão de pequenos sistemas hídricos no semiárido nordestino. Tese (Doutorado em Engenharia Agrícola) – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2012. ANDRADE, E.M.; PEREIRA, O.J.; DANTAS, F.E.R. Semiárido e o manejo adequado do capital natural. Ed. Il. Color. 408 p., 2010. CAMPOS, J.N.B. Dimensionamento de reservatórios: o método do diagrama triangular de regularização. Ed. Expressão Gráfica e Editora, 112 p., 2005. de ARAÚJO, J.C.; DÖLL P.; GÜNTNER, A.; KROL, M.; ABREU, C.B.R.; HAUSCHILD M.; MENDIONDO, E.M. Water scarcity under scenarios for global climate change and regional development in semiarid Northeastern Brazil. Water International, v. 29, p. 209-220, 2004. de ARAÚJO, J.C.; MEDEIROS, P.H.A. Impact of dense reservoir networks on water resources in semiarid environments, Australian Journal of Water Resources, v. 17, p. 87100, 2013. HELLER, L.; PÁDUA, V.L. Abastecimento de água para consumo humano. 2. Ed. UFMG, 2010. INMET – Instituto Nacional de Meteorologia. Normais Climatológicas do Brasil 19611990. Edição revista e ampliada. Brasília, DF, 2009. MOLLE, F; CADIER, E. Geometria dos Pequenos Açudes. 3. Ed. Recife: SUDENE, 131 p. (SUDENE. Hidrologia Nº29), 1994. PEREIRA, B.S. Caracterização Geométrica de Pequenos Açudes no Semiárido Cearense. Monografia (Departamento de Meio Ambiente) – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará, Maracanaú, 2014. PINHEIRO, L.S. Proposta de índice de priorização de áreas para saneamento rural: Estudo de caso Assentamento 25 de Maio. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente) – PRODEMA, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2011.

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