Jogar com textos1 Aproximações entre leitura e jogo nos videogames do gênero roguelike Ivan Mussa2 Resumo Observar um jogo em funcionamento é perceber a convivência de várias formas comunicativas que se movimentam a partir da ação do jogador e da programação da máquina. A apreensão do sentido se dá a partir das consequências das ações e dos dados que são exibidos na tela. É possível relacionar este tipo de experiência com a da leitura? Neste artigo, abordamos este problema com base em um entendimento do conceito de texto e leitura. Concentraremos a análise empírica em três jogos do do gênero roguelike – Rogue (1980), NetHack (1987) e Dungeons of Dredmor (2011) –, com o objetivo de mostrar como caracteres individuais conseguem veicular não só um significado préestabelecido, mas também a sensação de espaço e a possibilidade de ação sobre o software.

Palavras-chave Jogo; leitura; dados; processos Introdução As aproximações possíveis entre o ato de jogar e o de ler podem ser mais numerosas do que se infere inicialmente. Esta hipótese é possível apesar das diferenças materiais da mídia do livro e do videogame. O livro consiste em um suporte que organiza textos e que comunica através do encontro com o leitor e sua forma específica de ler. O videogame acontece como processo, quando se aperta um botão que reposiciona bits no disco rígido, dados que se associam a uma programação alegórica do espaço que se manifesta na tela através da compreensão e atuação sobre a interface. Se nos concentrarmos na definição de texto de Donald McKenzie (2004), imagens, sons, vídeo e arquivos digitais também podem ser lidos. McKenzie argumenta desta forma em busca de uma sociologia dos textos que compreenda o 1

Trabalho apresentado no GT ARTE, IMAGEM, ESTÉTICAS E TECNOLOGIAS DE COMUNICAÇÃO do VII Congresso de Estudantes de Pós-Graduação em Comunicação, na categoria pós-graduação. UFRJ, Rio de Janeiro, 15 a 17 de outubro de 2014. 2

Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPGCOM/Uerj). www.conecorio.org

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livro a partir de outros suportes que documentam sua atuação na sociedade – desde mapas até gravações de áudio. No jogo eletrônico, de forma análoga, é possível codificar binariamente todos estes tipos de texto: mapas, sons, espaços simulados, objetos animados e texto escrito fragmentado em hiperlinks e em simulações procedimentais. Enquanto o processo de leitura estende-se para fora do livro através de outros formatos textuais, o produto “fechado” do jogo gerencia tipos diferentes de texto internamente, programados em uma máquina lúdica. O objetivo deste artigo é reunir as semelhanças existentes entre o processo de leitura do livro e o de ação no jogo, a partir da pluralidade de formatos textuais. Nesse sentido, partimos da definição de texto de McKenzie rumo a um entendimento do jogo que envolva a leitura de textos e a interação como uma dinâmica lúdica. Em última análise, propomos esta semelhança como sendo o estabelecimento de relações entre diversas espécies de informações textuais. Esta lógica será desenvolvida a partir da análise de três jogos do gênero roguelike: Rogue (1980), NetHack (1987) e Dungeons of Dredmor (2011). O videogame como objeto material é formado e usado de diversas formas. No entanto, é possível identificar padrões nestes processos (formação e experiência do jogo). Estes padrões permitem concluir que existem diferenças significativas do jogo em relação ao livro. Este fato não impede que façamos relações entre leitura e jogo, por dois motivos. O primeiro é que, assim como qualquer mídia computacional, os jogos eletrônicos são constituídos binariamente. Através da linguagem binária, um computador pode representar qualquer outro tipo de mídia (KITTLER, 1995). Certamente perdem-se características materiais, já que todas estas mídias serão apresentadas a quem as consome através de uma tela formada por pixels e uma interface gráfica. No entanto, é razoável afirmar que parte da experiência permanece análoga, sobretudo no que se refere ao sentido das palavras ou da aparência das imagens, por exemplo. Sendo assim, é possível ler no jogo através destas representações. O segundo motivo é que o jogo é uma dimensão da vida humana que mantém relações com práticas como a filosofia, a poesia ou o direito (HUIZINGA, 2000). Experimentar com os sentidos de algo é uma forma de ação lúdica que pode ser www.conecorio.org

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executada em um processo de escrita, por exemplo. É possível considerar a linguagem como um programa com o qual podemos executar uma função prática (passar uma mensagem, por exemplo). No entanto, é possível experimentar com as formas de como fazer isso e, neste momento, pode ocorrer a brincadeira comas palavras – podese jogar com a escrita (FLUSSER, 1985, p. 16). Talvez o mesmo possa ocorrer com a leitura: existe o fim prático de compreender um sentido, mas também pode existir o lúdico na hora de jogar com as relações entre este sentido e outros fatores (subjetividade do leitor e/ou outros textos). Usaremos este raciocínio como premissa para criar a hipótese de que é possível ler no jogo e jogar com a leitura. Distanciamentos Sendo assim, a leitura no jogo acontece a partir de características próprias deste tipo de mídia. Embora o jogo digital possa representar imagens, textos, sons e etc., esta não parece ser sua propriedade fundamental. Caso fosse, estaríamos lidando apenas com um suporte que reúne todas as outras formas de sentido textual (e mesmo assim, modificadas pela simulação). Embora esta seja uma instância importante, ela não é a única. Nos referemos a ela como “exibição de dados” (CRAWFORD, 1989). Dados são os formatos textuais presentes no jogo, e fazem parte do discurso que estruturam através de sua formação. Para Ian Bogost, a “retórica digital tende a focar na apresentação de materiais tradicionais – especialmente texto [escrito] e imagens – sem atentar para os fundamentos computacionais desta apresentação”3 (BOGOST, 2007, p. 28). A capacidade de representar diversos tipos de texto não é a única propriedade que define os videogames ou outras mídias computacionais. Eles também são capazes de estabelecer relações entre estes textos: modificar seu estado, vinculá-los entre si ou simular agentes autônomos capaz de agir sobre a representação. Além de dados, os videogames podem simular processos. Aqui é possível escapar de uma definição insatisfatória de “interatividade”. Ela pode ser usada para descrever apenas a possibilidade de “discussão e 3

Livre tradução de: “digital rhetoric tends to focus on the presentation of traditional materials— especially text and images—without accounting for the computational underpinnings of that presentation.” www.conecorio.org

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retroalimentação mediadas por computadores” (BOGOST, 2007, p. 25). Neste tipo de definição, não se encontra o computador ou software como suporte comunicativo, mas como mediador. A interatividade pode acontecer independentemente da computação, em outras práticas que possibilitam a discussão e retroalimentação, como o discurso oral. Então, o que diferencia os videogames de outras mídias? Não necessariamente a interatividade, mas sim o fato de serem constituídos de ações. Cada apertar de botões gera movimento de bits e correntes elétricas, e o processo de jogo só funciona a partir deste tipo de fenômeno. Ao contrário do que acontece com filmes ou fotografias, que são também fruto de ações e processos, o seu produto final é uma imagem fixa ou uma sequência de imagens em movimento. Nos videogames, o produto em si é “ação material” (GALLOWAY, 2006, p.2). Podemos dizer que quando um jogo constrói relações entre dados e os resultados destas relações são exibidos através de ações, está acontecendo um “processo” (CRAWFORD, 1989). Sendo assim, um jogo eletrônico é dividido basicamente entre dados e processos. Dados sendo diferentes formatos textuais exibidos para o jogador (letras, símbolos, imagens, sons, etc.). Processos são ações contínuas que alteram o estado dos dados (um tiro que mata um inimigo, uma aeronave que levanta vôo, um carro que acelera, etc.). Aproximações O processo de leitura não produz sentido necessariamente através da alteração da estrutura material do texto, como acontece no videogame. No entanto, existe uma forma de compreender o ato de leitura como uma ação, uma forma de abordar o texto e de unir-se a ele para produzir sentido e efeitos no mundo. Se pensarmos a leitura como sendo “somente uma operação abstrata de intelecção”, podemos esquecer que ela é também “por em jogo o corpo, é inscrição num espaço, relação consigo ou com o outro” (CHARTIER, 1991). Ler não é apenas reconstruir o sentido dos símbolos que aparecem no suporte, mas sim uma prática alterada pelos tipos de relações que uma determinada comunidade constrói com e em volta da produção e comunicação textual.

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É possível relacionar diretamente este tipo de pensamento com o estudo do lúdico. Primeiro porque jogar “transcende as necessidades imediatas da vida e confere um sentido à ação” (HUIZINGA, 2000, p. 5). Jogar, portanto, é também produzir sentido através de ações e, assim como a leitura, é uma prática condicionada pelo momento histórico, pelas particularidades de cada comunidade humana e pelo balanceamento entre liberdade de apropriação e limitações impostas por fatores externos e internos: Toda história da leitura supõe, em seu princípio, esta liberdade do leitor que desloca e subverte aquilo que o livro lhe pretende impor. Mas esta liberdade leitora não é jamais absoluta. Ela é cercada por limitações derivadas das capacidades, convenções e hábitos que caracterizam, em suas diferenças, as práticas de leitura. Os gestos mudam segundo os tempos e lugares, os objetos lidos e as razões de ler. (CHATIER, 2009, p. 77)

Portanto, o livro “pretende impor” uma forma de produção de sentido específica, já que é fruto de intenções específicas de um autor. Mas as limitações não vêm apenas das escolhas do autor e da formatação material do suporte: elas atuam também através dos recursos que cada leitor possui para “conversar” com o texto; recursos estes que são influenciados pelo contexto histórico, social e espacial. Johan Huizinga (2000) trata o jogo como uma “função cultural”, ou seja, como algo que contribui para a formação das culturas e que está presente em diversos níveis nas comunidades humanas (e até nos animais), civilizadas ou não. O autor procura demonstrar efeitos deste fenômeno através da exposição de elementos lúdicos na poesia, filosofia e direito, por exemplo. Parece razoável supor que as formas de jogar, independente de serem condicionadas ou condicionadoras, estão em associação contínua com a cultura, sendo também alteradas pelo tempo e pelo espaço. Ao lado das regras de um jogo, estes fatores condicionarão a atuação do jogador e de sua liberdade de se expressar através da ação. No mundo dos jogos eletrônicos, a relação entre jogar e ler parece clara, sobretudo através da convivência de diferentes manifestações textuais. “Como linguagem, suas formas e sentido derivam de outros textos; e enquanto ouvimos, vemos ou lemos, ao mesmo tempo estamos reescrevendo-o” (McKENZIE, 2004, p. 13). Se pensarmos nas propriedades de textos eletrônicos, tanto nos livros quanto nos

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jogos, “o suporte material confunde a distinção entre o autor e o leitor, entre autoridade e apropriação” (CHARTIER, 2009, p. 91). No livro, a possibilidade de intervenção no texto se expande, enquanto no jogo, ela é a própria funcionalidade básica da mídia. Desta forma, videogames são programas organizados segundo regras escolhidas por seus criadores, que permitem uma determinada amplitude de ação, ao mesmo tempo que determina limites para esta liberdade. Nos parágrafos seguintes, tentaremos demonstrar através da breve análise de três jogos do mesmo gênero como sua disposição gráfica comunica um sistema ativo, através de um texto formado por diversos formatos. Rogue – textos que comunicam ações O primeiro objeto empírico que usaremos para ilustrar as formas de jogo através da leitura manifesta esta relação de forma quase literal. Rogue (1980) aproveita-se de um sistema de codificação de caracteres chamado de ASCII (American Standard Code for Information Interchange). O sistema foi reconfigurado para relacionar um conjunto de caracteres (números, letras e símbolos de pontuação, por exemplo) com um conjunto de objetos e elementos do jogo (corredores, monstros, o personagem do jogador, moedas de ouro, etc.

Imagem que traduz os caracteres do sistema ASCII em objetos do jogo

É possível perceber que a relação entre caracteres funciona entre a comunicação visual (formato dos corredores e das salas) e um código simbólico arbitrário. Para jogar Rogue com maior aptidão, o jogador precisa aprender aos

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poucos o que cada símbolo significa. Isso funciona através da varredura da tela, quando o jogador analisa a configuração do que ela o apresenta. O jogador pode aprender a “língua” do jogo. Uma íngua que se baseia em texto escrito, mas que reconfigura seus significados para veicular a sensação de espaço e do posicionamento de objetos neste espaço. A comunicação, porém, não se dá apenas através do significado dos símbolos. Mesmo a configuração espacial dos corredores é formada por dados estáticos exibidos ao jogador através do monitor do computador. No entanto, estes dados formam um texto. Quando o jogador lê este texto, ele percebe não só que existe um dragão vermelho no meio do corredor, mas também pode imaginar possibilidades de ação: dar meia volta ou enfrentar o dragão para conseguir o pergaminho mágico atrás dele? A leitura do texto ainda pode permitir ao jogador perceber os processos que cada escolha desencadeará. É possível perceber que existem duas portas: uma delas pode permitir fugir do dragão. A outra necessita que se enfrente o dragão. Cada uma dá acesso a um corredor sem iluminação, que podem esconder armadilhas ou ameaças. A porta guardada pelo dragão protege um corredor um pouco mais curto (21 casas contra 23 da porta segura). Se o jogador estiver em boas condições, pode matar o dragão, tomar a poção que está “atrás” dele, coletar o pergaminho e ir até o ouro através do corredor menor. Ou pode desistir do pergaminho e ir até o ouro através do corredor maior, caminho um pouco mais arriscado. É importante perceber como a leitura do texto formado pelos caracteres do jogo remete a possibilidades de ação. Os significados de cada símbolo são, sem dúvida alguma, importantes. Mais importantes, porém, são as cadeias de causa/consequência formatadas pela relação entre eles. Quando o jogador executar sua escolha estará efetivando o produto daquilo que leu (texto formado pelos dados do jogo) com aquilo que escolheu (sequência de ações que julgou ser mais interessante). NetHack – Textos e ambientes comunicativos O jogo NetHack vem de um outro jogo – Hack (1985) – inspirado em Rogue. Hack foi responsável por repetir elementos de seu predecessor, modificar alguns e incorporar novas funções (como a possibilidade de comprar armas e outros artefatos

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em lojas, por exemplo). Inicialmente, NetHack também fazia uso da codificação em ASCII, mas modificando a relação entre símbolo e elemento no jogo, justamente para traduzir as novas funcionalidades e possibilidades de ação. Estes jogos são apenas o início da linhagem de videogames que nasce de Rogue. Inicialmente, eles procuravam adicionar funcionalidades e criar uma experiência inspirada em jogos de “RPG de mesa”, principalmente na franquia Dungeons and Dragons. Logo, porém, os jogos começariam a arriscar novas temáticas e funções. Esta linhagem continua se desenhando até hoje, e ficou conhecida como o gênero roguelike (“parecido com Rogue”). NetHack é um exemplo interessante para evidenciar a dinâmica do gênero e seu movimento da década de 1980 até hoje. Isso porque é um jogo que, de certa forma, ainda está em desenvolvimento. Seu lançamento em 1987 sucedeu novas versões que estão sendo desenvolvidas até hoje, além de jogos que “bifurcaram” o desenvolvimento e deram origem a adaptações com características próprias. O jogo é desenvolvido em código aberto, o que garante a colaboração no seu desenvolvimento. Durante os mais de 20 anos de desenvolvimento, em dado momento um grupo criou uma versão de NetHack que substituía os caracteres do sistema ASCII por unidades gráficas que desenhavam o objeto ao qual o símbolo correspondia. As unidades são feitas de maneira com que se conectem com suas “vizinhas”, construindo um espaço contínuo e que facilita a compreensão do jogador, como é possível perceber na comparação abaixo.

Duas versões de NetHack: à esquerda, a versão exibida em ASCII; à direita, uma instância com unidades gráficas

Embora tenha uma visualização mais amigável, é possível perceber, ao jogar as duas versões, que o jogo mantém semelhanças na prática que exige do jogador. Isto www.conecorio.org

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porque a relação entre os textos permanece a mesma, apesar da exibição destes ser muito diferente. O jogador ainda precisa percorrer os níveis das cavernas em busca de itens que o ajudem no trajeto em direção ao último nível. Os inimigos que povoam os corredores ainda causam o mesmo tipo de dano ao jogador, e é preciso recorrer às mesmas táticas de batalha ou fuga. A troca para um sistema totalmente imagético parece apenas melhorar a percepção espacial da caverna e comunicar mais habilmente as características dos personagens e itens. Além das lojas nas quais o jogador pode comprar e vender objetos, o jogo também possui uma inovação interessante no campo da inteligência artificial. Nele, os itens espalhados no chão, como artefatos mágicos, por exemplos, podem ser usados não só pelo jogador como pelos monstros e inimigos que se movimentam pelo espaço. Isto dinamiza o desafio, já que um monstro de baixo nível pode oferecer muito mais perigo se estiver equipado de itens poderosos que “achou” nos corredores. Esta característica que adiciona variação à jogabilidade é também uma forma de demonstrar a dimensão ativa do texto do jogo, que muda não só através do que o jogador faz, mas também da atividade dos agentes autônomos. Dungeons of Dredmor – Multiplicidade de textos O gênero roguelike passou a ter uma enorme gama de jogos que são constituídos de imagens, e o sistema ASCII logo ficou restrito aos jogos antigos e a tentativas de reproduzir a experiência da interface 100% alfanumérica. Jogos como Dungeons of Dredmor, porém, redirecionaram o uso do texto escrito para informações a respeito de itens, mensagens e tutoriais para o jogador e informações adicionais sobre o que está acontecendo no jogo. O som também passou a fazer parte da gama de recursos do gênero, graças ao desenvolvimento da reprodução de som em 16 e 32 bits. No caso de Dredmor, o som, as frases escritas e a visualidade do jogo mostram como a união dos textos pode reforçar um mesmo tipo de sensação para a experiência. O jogo, além de ter forte tendência cômica, é uma sátira às convenções do gênero roguelike. Mesmo assim, mantém várias características dos roguelikes, como a extrema dificuldade, as cavernas niveladas nas quais o jogador precisa se aprofundar, e a

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“morte permanente” (não é possível salvar o jogo: uma vez morto, o personagem é apagado e o jogador deve começar do zero). Todas estas mecânicas foram instituídas por Rogue. O jogo as satiriza através dos personagens caricatos, do humor no texto escrito e também através das possibilidades de ação. Por exemplo, a habilidade “Killer Vegan”, se selecionada pelo jogador, garante poderes adicionais, mas também o enfraquece caso decida atacar “animais bonitinhos” (“cute animals”).

“Tela de morte” de Dungeons of Dredmor

Como um exemplar bem mais recente de roguelike, Dungeons of Dredmor se mostra com intenções distintas de seus predecessores (por exemplo, o caráter cômico), ao mesmo tempo que mantêm os recursos mais canônicos do gênero. É um exemplo de como o uso de diferentes tipos de texto pode funcionar como uma união para construir uma experiência que coerente (neste caso, coerente em relação às intenções cômicas e satíricas do jogo). E também um exemplo de metamorfose de um gênero de jogo, que sofre influência da época em que foi feito, da acessibilidade e nível tecnológico dos computadores, das práticas de jogo que estão em voga, etc. Considerações finais Através dos exemplos, é possível perceber o desenvolvimento da leitura no jogo como a compreensão daquilo que se pode ou não fazer no jogo. Os diferentes formatos de texto – caracteres em Rogue e em NetHack ou as imagens na versão posterior de NetHack e em Dungeons of Dredmor – buscam comunicar possibilidades

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de ação. Os dados (formatos textuais) veiculam ao jogador o contexto que aguarda sua intervenção, além de apresenta-lo as ações às quais o ambiente o submete, como os ataques dos monstros que ocupam os três jogos analisados. Assim como, ao ler um texto, o leitor atribui sentido através da sua interpretação do significado, o jogador atribui novos sentidos através dos seus modos de agir. E assim como a interpretação do leitor navega entre condições e liberdades impostas pela forma e conteúdo do livro, os processos de jogo também se encontram na gama de possibilidades organizadas pelas regras. Estas estipulam o que é possível e o que é impossível (JUUL, 2005, p.58). Sendo assim, também estabelecem condicionamentos e constroem espaço para a escolha. E, além disso, um gênero de jogo é algo tão maleável quanto as condições sob as quais evolui, e as mudanças na forma de jogá-lo são influenciadas pela sua constituição material, mas também influenciam os caminhos que os criadores do jogo escolherão para construir os contextos para a experiência dos jogadores. O livro e o jogo são produtos condicionadas pelo estado das comunidades que os desenvolvem, assim como os processos que ambos desencadeiam: a leitura e os processos de jogo. Os dois conversam um com o outro: o lúdico está na experimentação e no exercício da liberdade do leitor quando este pratica a leitura e gera novos sentidos; a leitura está no jogo quando o jogador combina o sentido dos textos e exerce sua liberdade lúdica através das ações que escolhe executar no sistema. Referências BOGOST, Ian. Persuasive Games: The Expressive Power of Videogames. Cambridge, MA: MIT Press, 2007. CHARTIER, Roger. O mundo como representação. 1991. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40141991000100010&script=sci_arttext (acessado 15/8/2014). ______. A aventura do livro: do leitor ao navegador. São Paulo: Editora Unesp, 2009. FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta. São Paulo: Hucitec, 1985. GALLOWAY HUIZINGA, Johan. Homo Ludens. São Paulo: Perspectiva, 2000. JUUL, Jesper. Half-Real: Video Games between Real Rules and Fictional Worlds. Cambridge, Massachusetts: MIT Press, 2005. www.conecorio.org

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KITTLER, Friedrich. There is no software. 1995. Disponível http://www.ctheory.net/articles.aspx?id=74 (acessado 15/08/2014).

em:

MCKENZIE, Donald F. Bibliography and the sociology of texts. Cambridge: Cambridge University Press, 2004.

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