FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA NÚCLEO DE SAÚDE DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA MESTRADO ACADÊMICO EM PSICOLOGIA

JOVANIR LOPES DETTONI

AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DO PROFESSOR SOBRE O PROCESSO DE ESCOLARIZAÇÃO NO SISTEMA PENITENCIÁRIO ESTADUAL EM PORTO VELHO

PORTO VELHO 2015

JOVANIR LOPES DETTONI

AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DO PROFESSOR SOBRE O PROCESSO DE ESCOLARIZAÇÃO NO SISTEMA PENITENCIÁRIO ESTADUAL EM PORTO VELHO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Fundação Universidade Federal de T Rondônia, como requisito avaliativo para obtenção do título de Mestre em Psicologia. Linha de pesquisa: Psicologia Escolar e Processos Educativos Orientadora: Profª. Drª. Maria Ivonete Barbosa Tamboril

PORTO VELHO 2015

FICHA CATALOGRÁFICA BIBLIOTECA PROF. ROBERTO DUARTE PIRES

PIRES D483r Dettoni, Jovanir Lopes. As representações sociais do professor sobre o processo de escolarização no sistema penitenciário estadual em Porto Velho / Jovanir Lopes Dettoni. - Porto Velho, Rondônia, 2015. 155 f. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Ivonete Barbosa Tamboril Dissertação (Mestrado Acadêmico em Psicologia) - Fundação Universidade Federal de Rondônia – UNIR.

1. Sistema prisional. 2. Reinserção. 3. Representação social. I. Tamboril, Maria Ivonete Barbosa. II.Fundação Universidade Federal de Rondônia – UNIR. III.Título. CDU: 159.9

Bibliotecária Responsável: Edoneia Sampaio CRB 11/947

FOLHA DE APROVAÇÃO

Jovanir Lopes Dettoni

As representações sociais do professor sobre o processo de escolarização no sistema penitenciário estadual em Porto Velho

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Fundação Universidade Federal de Rondônia, como requisito avaliativo para obtenção do título de Mestre em Psicologia. Linha de pesquisa: Psicologia Escolar e Processos Educativos Aprovação em: 21/12/2015

BANCA EXAMINADORA

Profª Drª Maria Ivonete Barbosa Tamboril (UNIR)

Prof. Dr. Francisco Estácio Neto (UFF)

Profª Drª Aparecida Luzia Alzira Zuin (UNIR)

Queridos pais, quem sou devo a vocês. Queridos irmãos, cuja distância é medida com o coração. Queridos amigos, minha extensão familiar por opção.

AGRADECIMENTOS

Ao corpo docente do curso de mestrado, em especial à minha orientadora, Profª Drª Maria Ivonete Barbosa Tamboril; Aos servidores que atuam nas unidades da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Madeira Mamoré; Aos membros do Conselho da Comunidade na Execução Penal da Comarca de Porto Velho; Aos colegas da Fundação Universidade Federal de Rondônia.

“A educação na prisão não é apenas ensino, mesmo que devamos ter certeza de que a aprendizagem de conhecimentos básicos esteja assegurada. [...] a educação deve ser, sobretudo desconstrução/reconstrução de ações e comportamentos” (MAEYER, 2006, p. 22)

RESUMO

DETTONI, J. L. As representações sociais do professor sobre o processo de escolarização no sistema penitenciário estadual em Porto Velho. Porto Velho. 2015, 158f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) - Fundação Universidade Federal de Rondônia, Porto Velho, 2015. O presente estudo tem por objeto as representações sociais dos docentes que atuam nas prisões. Para tanto, visa compreender o processo de escolarização no sistema penitenciário estadual existente em Porto Velho-RO. Tal abordagem tem em vista a atual preocupação no sentido de contribuir para o processo de reinserção das pessoas que se encontram privadas de liberdade no sistema prisional. Incluí-las socialmente tornou-se, na última década, tema central de vários estudos, seminários, conferências e fóruns que acontecem em âmbito regional, nacional e internacional. Para atingir tal objetivo, opta-se pela pesquisa qualitativa, sendo tratado o material coletado com base na análise de conteúdo proposta por Laurence Bardin. Nesta perspectiva, adota-se o levantamento bibliográfico, a análise documental e a pesquisa de campo como os principais recursos metodológicos para aproximação da realidade. De posse dos dados coletados, destaca-se o contexto escolar no sistema prisional rondoniense, em especial a única instituição de ensino voltada aos apenados de Porto Velho, denominada Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Madeira Mamoré, como lócus de investigação. Para tanto, busca-se conhecer, através do relato de quatro profissionais que atuam como docentes neste espaço, suas representações sobre escolarização no sistema prisional. Ao investigar essa realidade, trazendo à luz os efeitos da educação nesse contexto, assume-se como referencial teórico a Teoria das Representações Sociais, difundida por Serge Moscovici e norteada pelas ideias de Denise Jodelet. Os resultados demonstram que as possibilidades de reinserção social dos apenados são mínimas nestes ambientes, tendo em vista que o poder estatal reforça a exclusão destes indivíduos já socialmente marginalizados, pois não se garante atendimento às necessidades básicas de sobrevivência e dignidade humana. Constatação essa que faz sugerir a ampliação do acesso escolar e laboral no sistema prisional rondoniense, em especial à compreensão de que todos os profissionais que atuam diretamente nas prisões são agentes de reinserção. Palavras-Chave: Sistema prisional. Reinserção Social. Educação. Escolarização.

ABSTRACT

DETTONI, J. L. Social representations of the teacher about the educational process at the state prison system in Porto Velho. Porto Velho. 2015, 158p. Dissertation (Master in Psychology) - Federal University of Rondônia, Porto Velho, 2015. This study 's purpose is the social representations of teachers who work in prisons. Therefore, seeks to understand the process of schooling in the existing state prison system in Porto Velho. Such an approach aims at the current concern to contribute to the process of reintegration of persons who are deprived of their liberty in prisons. Include them socially has become in the last decade, a central theme of several studies, seminars, conferences and forums that take place at the regional, national and international levels. To achieve this goal, we opts for the qualitative research, being treated material collected based on content analysis suggested by Laurence Bardin. In this perspective, adopts the literature review, document analysis and field research as the main methodological resources to approach reality. Armed with the data collected, there is the school context in Rondônia prison system, especially the only educational institution dedicated to the inmates of Porto Velho, called State School of primary and secondary Madeira Mamore, as research locus. To this end, we try to find to know, through the report of four professionals who work as teachers in this space, their representations about education in prisons. When investigating that reality, bringing to light the effects of education in this context, it is assumed as a theoretical reference the Theory of Social Representations, broadcast by Serge Moscovici and guided by the ideas of Denise Jodelet The results show that the chances of social rehabilitation of convicts are minimal in these environments, considering that the state power reinforces the exclusion of these individuals already socially marginalized, because there is no guarantee meeting the basic needs of survival and human dignity. This finding does suggest the expansion of educational and occupational access in Rondônia prison system, especially to the realization that all professionals who work directly in prisons are rehabilitation agents. Keywords: Prison system. Social reintegration. Education. Schooling.

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CEP

Comitê de Ética na Pesquisa

CAAE

Certificado de Apresentação para Apreciação Ética

a.C

antes de Cristo

Art.

Artigo

CNPCP

Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária

Confintea

Conferência Internacional sobre Educação de Jovens e Adultos

DMF E.E.E.F.M

Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio

EJA

Educação de Jovens e Adultos

InfoPen

Sistema Integrado de Informações Penitenciárias

LDB

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

LEP

Lei de Execução Penal

MEC

Ministério da Educação

ONU

Organização das Ações Unidas

Penfem

Penitenciária Estadual Feminina

PNDH3

Programa Nacional de Direitos Humanos

SEAPEN

Secretaria de Estado Administração Penitenciária

SEDUC

Secretaria Estadual de Educação

SEJUS

Secretaria de Estado de Justiça

TCLE

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Unesco

Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

SUMÁRIO

1

INTRODUÇÃO ............................................................................................. 12

1.1

O Âmbito da Problemática ......................................................................... 16

1.2

Objetivos da pesquisa ................................................................................ 20

1.3

Estrutura do trabalho ................................................................................. 20

2

METODOLOGIA........................................................................................... 22

2.1

O conceito de representação social como instrumento de pesquisa.... 22

2.2

O cenário da pesquisa ............................................................................... 30

2.3

Seleção dos sujeitos para a coleta de informações ................................ 31

2.4

A coleta de dados ....................................................................................... 32

2.5

Plano de Análise da pesquisa ................................................................... 33

3

A PRISÃO AO LONGO DA HISTÓRIA........................................................ 35

3.1

As prisões na antiguidade ......................................................................... 36

3.2

As prisões na Idade Média ......................................................................... 40

3.3

As concepções de prisão na modernidade .............................................. 41

3.4

O sistema prisional brasileiro: do passado ao presente ........................ 44

3.4.1

O sistema prisional no Estado de Rondônia ................................................. 48

4

POLÍTICA EDUCACIONAL E PROCESSO DE ESCOLARIZAÇÃO NO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO .......................................................... 51

4.1

Educação e profissionalização.................................................................. 56

4.2

Direito à educação como processo de reinserção social ....................... 58

4.3

Rotina dos professores dentro dos presídios ......................................... 62

5

REPRESENTAÇÃO SOCIAL DOS DOCENTES ......................................... 64

5.1

A Teoria da Representação Social ............................................................ 64

5.2

Resultados: Análise e discussão do conteúdo........................................ 80

5.2.1

Representações sociais quanto à identidade docente.................................. 83

5.2.1.1 Diferenças de professor intra e extramuro .................................................... 89 5.2.1.2 Valorização da atividade docente ................................................................. 96 5.2.2

Representações sociais quanto ao perfil do reeducando ........................... 101

5.2.3

Representações sociais quanto à concepção de justiça ............................ 111

5.2.3.1 Atuação governamental .............................................................................. 113 5.2.3.2 Direitos humanos ........................................................................................ 117 5.2.4

Representações sociais quanto à educação e reinserção social ............... 125

5.2.4.1 Sistema de ensino modular ........................................................................ 130 5.2.5

Sugestões para a melhoria do processo de escolarização na prisão ......... 132

6

CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................... 144

.

REFERÊNCIAS .......................................................................................... 148

.

APÊNDICE A - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO.......................................................................................... 158

12

1 INTRODUÇÃO

As constantes mudanças no pensamento coletivo ocasionam alterações nos parâmetros comportamentais da sociedade que, em muitos casos, significaram avanço e progresso, mas, em outros, constituíram elementos de retrocesso. Aliadas a estas transformações estão as alterações de alguns valores, até então considerados dogmáticos, vivificando historicamente as relações entre o homem (pessoa) e seus direitos aos objetos (coisas). A essa mesma linha de alterações vincula-se a figura do Estado, como promotor do bem social, da cidadania e da ordem, apregoando, sob a divisão estruturada dos poderes: a representação dos valores sociais transformando-os em regramentos pelo Legislativo; ao Executivo, a efetivação do cumprimento destes regramentos pré-estabelecidos para a promoção do bem-estar social e; ao Judiciário, a resolução dos conflitos de interesses pessoais, embasando-se principalmente em regras e valores. Em paralelo, a aquelas pessoas agirem de modo considerado danoso pelo Estado poderão ser enviadas para estabelecimentos carcerários, como instituições fundamentais para a manutenção da harmonia social pressupostamente assegurada. Dadas as devidas proporções, a condenação, o cárcere ou mesmo o sistema prisional alimentam a ideia representada pela separação entre o joio e o trigo, como se os então indivíduos condenados à prisão deixassem de ser pessoas, compusessem outra categoria, fora da ordem normatizada. Portanto, ou não são reconhecidos como partícipes pela sociedade “livre” ou “civil” (constituindo uma sociedade própria, um corpo estranho que precisa ser expelido para posterior civilidade) ou, distintamente, são considerados defeituosos (constituídos em vícios, uma falha na fabricação humana que precisa de reparo). Ainda que de forma sucinta, esses dois olhares distintos para quem é encaminhado a prisão gera terminologias semelhantes, mas eivadas de conteúdos díspares. Ao primeiro, tem-se a ressocialização, pois não apenas sua identidade enquanto ser pertencente a uma sociedade desconhece a civilidade, como a própria sociedade

em

que

vive

não

a

possui.

Assim,

precisará

passar

pela

13

institucionalização prisional para se despir de suas convicções e adotar os ensinamentos e dogmas estatais para se tornar uma pessoa normal. Quanto ao segundo olhar, denominado pela reinserção social, compreendida de forma mais moderada, tem-se que o apenado pertence à sociedade “civil”, contudo, parte de suas atitudes indicam desvios ou fraquezas de valores que precisam ser corrigidos ou reforçados durante seu período de institucionalização. Nesse sentido, ao ingressar no ambiente prisional, há de se compreender que esta “sociedade dos prisioneiros” passa a ser comprimida tanto física como psicologicamente, pois, ao iniciar o cumprimento de pena na prisão, parte dos direitos civis são retirados do apenado, bem como seus pertences pessoais. Desse modo, entra-se pobre1 na prisão, não apenas em termos materiais, como forma de represália ao não cumprimento das ordens estatais. Dadas as diferenças com a sociedade “livre” ou “civil”, a singularidade do ambiente prisional, bem como suas especificidades, faz do pós-cumprimento da pena um grande desafio, haja vista que além de se preocupar com o saber propriamente dito, precisa romper com as amarras da discriminação. Esse formato de medida compreende uma das situações mais evidenciadas ao longo da história humana, o estigma de apenado ou de ex-apenado, tendo em vista que esse já pagou a sua dívida com a sociedade. Assim, tecnicamente falando, trata-se de ressocialização ou reinserção social? A ressocialização visa, acima de tudo, “libertar” o indivíduo para novos modos de vida, para a “civilização”. Contudo, se assim efetivamente o fosse, ao sair regularmente do sistema prisional, a história social do egresso seria zerada. Não lhe haveria qualquer mácula ou fama negativa de comportamento, afinal, se trataria de uma nova pessoa. Já a reinserção objetiva que a conduta realizada pelo indivíduo fora da normalidade não mais ocorra, que este não mais se preste ao descumprimento das vontades sociais legalmente estabelecidas. Sua vida, seus atos e suas interrelações

1

“[...] a prisão não é apenas a retirada do homem do mundo normal da atividade e do afeto. É principalmente a entrada num universo artificial onde tudo é negativo, impondo um sofrimento estéril, pois ninguém extrai qualquer benefício do encarceramento: nem o preso, nem sua família, nem a sociedade”. (HENTZ, 1995, p. 81).

14

não são desconsideradas. Não se trata de um sujeito dissocializado ou em vias de pré socialização2, despersonalizado. Para exemplificar, tenha-se em mente um ex-presidiário. Embora venha a ser legalmente um egresso do sistema prisional, difusamente a sociedade o discrimina como marginal e passará a trata-lo como tal, dificilmente proporcionará condições de tratamento igualitário, resgate ou reinserção social. Em linhas gerais, a sociedade não sabe lidar com o diferente, com o que não está normalizado. Conforme Goffman (1974), as prisões podem ser compreendidas dentre as instituições totais. Seu controle total ou seu fechamento é simbolizado pela barreira física em relação ao mundo externo e por proibição à saída, muitas vezes planejada no esquema físico, por exemplo: portas fechadas, grades, muros altas, arames farpados, serpentinas, poços. Instituições estruturalmente dispostas quase sempre afastadas, em ilhas, florestas, pântanos ou locais menos habitados. Assim, as prisões fundamentam-se por seu papel disciplinador, que possuem o caráter suposto ou exigido de transformar os indivíduos, sem dar opção de ressocialização, palavra de entendimento complexo na visão da sociedade. Por isso, a pena deve ter uma finalidade humanística para que realmente alcance o seu objetivo que é reinserir o apenado na sociedade, de modo que este não mais volte a delinquir. O fato de o indivíduo ser punido pelo Estado, por ter praticado qualquer delito não dá ao agente estatal o poder de privá-lo, além de sua liberdade, de sua dignidade, porque a dignidade humana está configurada dentre os fundamentos da República Federativa do Brasil, inciso III do art. 1° da Constituição Federal de 19883. Entretanto, nem sempre é exatamente assim. Não se precisa de muito tempo para se olhar nos noticiários e encontrar situações prisionais em que haja negação de direitos fundamentais, contrárias aos direitos previstos tanto na Constituição brasileira de 1988, quanto na declaração dos direitos do homem e do cidadão de 1789. Tratamentos estatais semelhantes aos adotados no Carandiru (São Paulo 2

3

“Socialização é o processo de tornar indivíduos sociáveis, capazes de viver harmoniosamente no contexto social. Segundo Rocher (1976) socialização „é o processo pelo qual ao longo da vida a pessoa humana aprende e interioriza os elementos socioculturais de seu meio, integrando-os na estrutura de sua personalidade sob a influência da experiência de agentes sociais significativos e adaptando-se ao ambiente social em que deve viver‟” (LISBOA, 2014, p. 116). A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político.

15

SP), Presídio Central (Porto Alegre - RS) e Urso Branco (Porto Velho -RO) não são exceções, embora devessem sê-lo, mas, acabaram por ser exemplos de programas privativos de liberdades. No entanto, ao término de 2009, através da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, o governo federal aprovou a terceira versão do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH3), na qual se determinava como meta a implantação de mecanismos de escolarização nos presídios, através da proposta de ação governamental 327. Isso se deu em virtude dos diversos termos e instrumentos firmados pelo Brasil perante a Organização das Nações Unidas (ONU), durante a convenção de Viena de 1993. Termos como reinserção, ressocialização, reingresso ou mesmo inclusão tornaram-se chavões, adotados amplamente em campanhas políticas. Por vezes, posteriormente, esquecidos de que são objetivos da administração pública, sob a face do estado social de direito. Ao observar sobre a reinserção social pelos egressos do sistema prisional, seu principal instrumento de garantia para efetivação de uma política inclusiva é a Lei N.º 7.210, de 11 de julho de 1984, popularmente denominada Lei de Execução Penal ou simplesmente LEP. A LEP trata da garantia de realização da inclusão social no sistema penitenciário brasileiro e no seu âmbito consta a ressocialização do apenado, através da educação formal, como exigência das políticas de inclusão social, e estas, tão debatidas no final do século passado e se estruturando neste século. Todavia, a efetivação desta Lei só é possível se atrelada aos dispositivos legais brasileiros, relativos ao direito à educação. Mas, a inclusão deve ser de fato efetivada a garantir o Ensino Fundamental, este, obrigatório e gratuito a todos, inclusive para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria, como é o caso da maioria dos presos, como determina o artigo 208 da Constituição brasileira vigente4. A própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei nº 9.394/96) ratifica este direito e considera dever estatal o acesso ao Ensino 4

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria; I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996).

16

Fundamental. Isto significa dizer que o Poder Público pode ser acionado juridicamente para que as pessoas tenham este direito garantido nas situações em que não se cumpriu as determinações constitucionais. Esta reflexão pode ser feita com relação também ao oferecimento da educação aos presos. Se a educação é um direito de todos e dever do estado como preconiza a Constituição brasileira, também deve ser assegurado as pessoas que estejam na condição de privados de sua liberdade. Atualmente, o modo mais utilizado de reintegração social tem sido através da escolarização, por isso, a proposta de levantar o âmbito da problemática da educação prisional para nortear esta pesquisa.

1.1

O Âmbito da Problemática

Após breve constatação das condições de vida dos apenados brasileiros e suas raras ou quase nulas possibilidades de reinserção, é notório que o número de encarcerados no Brasil tem aumentado progressivamente ao longo do tempo. Segundo informações do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen), a população carcerária no Brasil, em 2010, era de 496.251 presos. Já em junho de 2015, conforme dados do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário

(DMF) e do Sistema

de Execução de Medidas

Socioeducativas, este número saltou para 711.463. Nesta mesma ótica, em 2010, o sistema penitenciário no estado de Rondônia possuía 7.426 encarcerados. Porém, já em 2015 o número atingido em Rondônia passou a 9.921, o que indica no quinquênio rondoniense um crescimento superior a 33% da população encarcerada. Esses dados fazem do Brasil o terceiro país do mundo em número de população prisional, perdendo apenas para os Estados Unidos (2.228.424) e China (1.701.344). Por falta de dados mais recentes, vale ressaltar que, em 2010, dentre os presos em estabelecimentos penais rondonienses, 6.013 não chegaram ao ensino médio, o que implica dizer que mais de 80% da população carcerária deste estado não teve acesso à escolarização obrigatória.

17

A questão da educação carcerária é tratada na LEP especificamente na Assistência Educacional. Mediante esta norma5, o apenado deve ter formação escolar no interior do presídio e também ser preparado quanto ao aspecto profissional. Além de ter formação, é necessário desenvolver habilidades e potencialidades conforme as suas aptidões. Nesse sentido, a prestação estatal à assistência educacional ao preso no Brasil, orientada pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), através da Resolução Nº 14, de 11 de novembro de 1994, define regras mínimas para o tratamento de prisioneiros. Neste documento, especialmente no Capítulo XII, relativo às instruções e assistência educacional, fica estabelecido o seguinte: Art. 38. A assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso. Art. 39. O ensino profissional será ministrado em nível de iniciação e de aperfeiçoamento técnico. Art. 40. A instrução primária será obrigatoriamente ofertada a todos os presos que não a possuam. Parágrafo Único - Cursos de alfabetização serão obrigatórios para os analfabetos. Art. 41. Os estabelecimentos prisionais contarão com biblioteca organizada com livros de conteúdo informativo, educativo e recreativo, adequados à formação cultural, profissional e espiritual do preso. Art. 42. Deverá ser permitido ao preso participar de curso por correspondência, rádio ou televisão, sem prejuízo da disciplina e da segurança do estabelecimento.

Contudo, vale ressaltar que há quase 40 anos antes dessa resolução do CNPCP, já em 1955, por meio de Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção do Crime e Tratamento de Delinquentes, ficaram aprovados procedimentos semelhantes a todos os indivíduos reclusos, constando 95 regras em seu anexo, dentre as quais: 1) Devem ser tomadas medidas no sentido de melhorar a educação de todos os reclusos que daí tirem proveito, incluindo instrução religiosa nos países em que tal for possível. A educação de analfabetos e jovens reclusos será obrigatória, prestando-lhe a administração especial atenção. 2) Tanto quanto for possível, a educação dos reclusos deve estar integrada no sistema educacional do país, para que depois da sua libertação possam continuar, sem dificuldades, a sua educação. 5

No Art. 17 da LEP está posto que a assistência educacional ao condenado e internado compreende a instrução escolar e a formação profissional.

18

Assim, tratando-se de preceito fundamental, não há como compreender legalmente a concepção de que a educação no sistema prisional brasileiro seja tão pouco efetivada, seja usada como privilégio ou então oferecida como barganha por bom comportamento, a não ser mediante representação social punitiva aos encarcerados. Partindo dessa premissa buscam-se saber quais são as representações sociais dos professores quanto ao processo de escolarização nos presídios. Por representação social, há de se entender a “forma de conhecimento prático, elaborado e compartilhado no meio social, contribuindo à construção das visões e ações dos grupos”. (MOSCOVICI, 1978a, p. 72). Segundo a teoria das representações sociais, ao compreender que os indivíduos são sujeitos ativos e afetos à influência das interações sociais no processo cognitivo (através dos mais diversificados modos de comunicação e experiências vivificadas), as ideias e valorações expostas pelos grupos sociais em que pertença determinado indivíduo exercerá, sobre este, influência na postura de condutas mediante os objetos representados. Desse modo, considerando o processo de escolarização no sistema penitenciário estadual em Porto Velho como objeto representacional, pressupõe-se haver influência desta sobre as condutas do professor que atua no ambiente prisional. A fim de compreender essas disparidades no trato social, o problema da investigação é: Quais são as representações sociais dos docentes que atuam na educação formal6 quanto ao processo de escolarização no Sistema Penitenciário Estadual em Porto Velho? Mobilizo

esse

questionamento

para

a

realidade

educacional

dos

estabelecimentos prisionais brasileiros, cujas modalidades oferecidas são de dois tipos: A Educação de Jovens e Adultos (EJA), e os programas pontuais como os telecursos, devido o desinteresse e a pouca orientação do Ministério da Educação (MEC), por um longo tempo, forçando os estados a se organizarem quanto ao número de vagas letivas nos estabelecimentos prisionais. De acordo com cada entendimento e condições objetivas de realização, os diferentes estados federativos, 6

Nos dizeres de Gadotti (2005, p. 2) “A educação formal tem objetivos claros e específicos e é representada principalmente pelas escolas e universidades. Ela depende de uma diretriz educacional centralizada como o currículo, com estruturas hierárquicas e burocráticas, determinadas em nível nacional, com órgãos fiscalizadores dos ministérios da educação”.

19

em meios as suas possibilidades, desenharam para si sistemas conforme suas conveniências educacionais. Para se ter uma noção, muitos se utilizaram de programas análogos de outras regiões, repetindo projetos ou mesmo tentando aplicá-los integral ou parcialmente ao sistema prisional próprio. Somente nos últimos cinco anos é que a maioria das secretarias responsáveis pela administração penitenciária começou a organizar um setor específico para assuntos educacionais. Contudo, ainda é frequente o embate entre os órgãos e setores encarregados pelas atividades educacionais e as secretarias e setores encarregados pela administração da segurança prisional. Nesse sentido, saber definir a política de escolarização pensada pelo Estado para os privados de liberdade, bem como a representação dos professores que vivenciam este processo de escolarização é de fundamental necessidade para que programas e projetos relacionados à reinserção social tenham maior efetividade, sendo possível, também, minimizar os preconceitos difusos, já cristalizados na e/ou pela sociedade. Nessa seara, o foco da pesquisa se direciona a um lugar particular: o Estado de Rondônia, Município de Porto Velho. Cabe salientar que as informações divulgadas e relativas aos presídios do Estado de Rondônia, bem como as condições de vida por eles oferecidas, são mormente conhecidas até mesmo internacionalmente por rebeliões, chacinas e violações à dignidade. Eis, portanto, uma das particularidades que lhes são postas. Outro fator é caracterizado pelo pouco material científico à disponibilidade de elementos

psicológicos

(tais

como

sensibilidade,

agressividade,

estresse,

inteligência e vontade) que se relacionam e se condicionam ao meio em que se situam no processo de escolarização dos presos. Sendo assim, a fim de subsidiar a questão central, faz-se necessário indagar sobre: Como é representado o quadro educacional prisional em Porto Velho segundo a percepção dos entrevistados? Que informações concernentes ao processo de escolarização no ambiente prisional estadual em Porto Velho atravessam os discursos e práticas dos docentes que nela atuam? Existe outros objetos que se articulam à representação da escolarização no ambiente prisional por parte de seu professorado?

20

Para tratar desses assuntos subsidiários, é necessário destacar os objetivos que serão levantados no item a seguir.

1.2

Objetivos da pesquisa

O objetivo geral desse estudo consiste em conhecer as representações sociais dos docentes que atuam no processo de escolarização formal dentro do sistema prisional de Porto Velho-RO. Os

objetivos

específicos

desenvolvidos

nesse

estudo

foram

respectivamente: - Analisar o entendimento dos docentes entrevistados e as representações deles sobre o processo de escolarização do sistema penitenciário estadual de Porto Velho; - Apontar os fatores que contribuíram para a constituição dessas representações sociais, - Identificar através das produções discursivas dos sujeitos, participantes da pesquisa: a atitude, o tipo de informação e o campo de representação das quais emergem as representações dos referidos sujeitos sobre o processo de escolarização no sistema penitenciário estadual de Porto Velho. Assim, para que aludidos objetivos sejam alcançados, escolheu-se o uso da teoria das Representações Sociais, de Serge Moscovici, por compreendê-la como a combinação de fatores (históricos, culturais e cognitivos) que se inter-relacionam para demonstrar o processo psicológico de conhecimento e atuação psicológica de comportamentos individuais e em grupo.

1.3

Estrutura do trabalho

Esta dissertação está dividida em seis seções. A primeira seção compreende a Introdução desta pesquisa, onde se apresenta um breve relato sobre a importância da reinserção social como política de inclusão no ambiente prisional. No âmbito da problemática contextualizam-se o problema da pesquisa, as questões norteadoras bem como objetivos, geral e os específicos.

21

A segunda seção correspondente à metodologia utilizada para a realização desse estudo. São expostos: o tipo de pesquisa e seus fundamentos, o instrumento de pesquisa, os materiais para coleta dos dados e a forma de seleção da amostra. A terceira seção compreende os aspectos históricos da pena e da prisão e a ideia de punição nos primórdios da humanidade, na Idade Média e no mundo Moderno, focalizando as mudanças instituídas no cenário das prisões ao longo do tempo. Ainda se analisa o contexto das prisões no Brasil, dos seus primórdios aos dias atuais. Expõe-se o sistema prisional vigente, os principais dispositivos legais, desde a Constituição Brasileira de 1988, passando pelo Código Penal. Já a quarta seção discorre a respeito das políticas públicas brasileiras voltadas para as pessoas em privação da liberdade, dando destaque a Lei de Execução Penal; Regras mínimas para o tratamento do preso no Brasil; Diretrizes Básicas de Política Criminal e Penitenciária. Tem-se que a reinserção social dos apenados requer uma necessária mudança em padrões comportamentais e tendo claro que a educação pode contribuir para isso. A quinta seção cuida de expor a representação social dos docentes. Apresenta primeiramente a teoria das representações sociais, pois, suas premissas conceituais e metodológicas têm servido como referência amplamente suscitada em estudos e debates transdisciplinares, para, na sequência, desenvolver a análise e discussão das entrevistas realizadas com a amostra de professores que lecionam nos estabelecimentos prisionais. Nas considerações finais, faz-se uma reflexão sobre a importância da educação e da psicologia educacional no sistema prisional. Para obtenção de êxito neste trabalho é necessário que passemos a descrever sobre a metodologia que foi utilizada durante a pesquisa.

22

2 METODOLOGIA

A metodologia trata de um conjunto de métodos, técnicas e instrumentos de pesquisa. Cada tipo de pesquisa se utiliza de um determinado método, e este, por sua vez, indica as melhores técnicas para alcançar o objetivo desejado no desenvolver do estudo. Preliminarmente, tendo em vista que a presente investigação envolve coleta de dados de seres humanos, o procedimento metodológico necessitou atender a todas as exigências éticas e científicas vigentes. Assim, esta dissertação é decorrente da pesquisa encaminhada ao Comitê de Ética na Pesquisa (CEP) da Fundação Universidade Federal de Rondônia, na qual se obteve o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 24635413.7.0000.5300, mediante aprovação ao respectivo colegiado pelo parecer nº 678146. Dito isso, retomemos a exposição dos critérios metodológicos adotados, fazendo-se necessária a narrativa sobre o conceito de representação social como instrumento de pesquisa.

2.1

O conceito de representação social como instrumento de pesquisa

A teoria de representações sociais é bastante nova no cotidiano científico. Utiliza-se e fala-se deste tema há mais tempo, mas por poucos estudiosos, a sua divulgação se deu em 1961, por Serge Moscovici, considerado no campo da psicologia social a grande referência no assunto. Outros estudiosos também cooperam neste intuito, dentre eles: Spink (1993), Guareschi e Jovchelovitch (1995) e Jodelet (2001). A partir da década de 1960 as representações sociais foram assunto de debates, estudos e com ela as ciências sociais ganharam um novo conceito de instrumento de pesquisa que facilita em muito a compreensão do comportar-se do homem em seu ambiente social. Assim, o tema da pesquisa em foco, além de inovador no campo da psicologia escolar, serve de referência nas diferentes pesquisas e áreas de conhecimento, tendo em vista a transdisciplinaridade em que se envolvem as

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representações sociais. Contudo, há de se ressaltar que a abordagem pretendida neste trabalho versa a esfera da psicologia social. O processo de formação da teoria de representação social partiu da representação coletiva7 de Durkheim (Da divisão do trabalho social). Este pensador não teve interesse em aprofundar a questão do processo de organização do pensamento e entendia a representação coletiva como algo estático, por corresponder a estabilidade dos fenômenos, ficando assim, sem a mobilidade e circulação das representações. No entanto, embora Moscovici se inspire em Durkheim, percebe a representação de modo diferente. Atualmente as representações sociais são ativas, dinâmicas e se destacam pela multiplicidade e rapidez de informação. Nesse sentido, Durkheim criou as representações de modo amplo, por serem oriundas de fenômenos psíquicos e sociais e também por se envolver no campo mitológico, ideológico e científico, mas não questionava o surgimento do processo organizacional do pensamento. Jodelet (2002, p. 21-22) vem corroborar com esta afirmação dizendo que: Durkheim (1895) foi o primeiro a identificar tais objetos como produções mentais sociais, extraídos de um estudo sobre a ideação coletiva. Moscovici (1961) renovou a análise insistindo sobre a especificidade dos fenômenos representativos nas sociedades contemporâneas, caracterizadas por: intensidade e fluidez das trocas e comunicações; desenvolvimento da ciência, pluralidade e mobilidade sociais.

Observar-se que houve mudanças no conceito de representação social na perspectiva de diferentes autores. Para Rocha (1997), a teoria de Moscovici é centrada

nos

fenômenos

sociais

representativos,

deixando

de

lado

as

transformações e os avanços que ocorreram desde o surgimento da teoria. Ainda declara que “o que caracteriza a elaboração de um conceito psicossocial no qual se torna possível dialetizar as relações entre indivíduo e sociedade” (ROCHA, 1997, p. 21).

7

“[...] Ela é o tipo psíquico da sociedade, tipo que tem suas propriedades, suas condições de existência, seu modo de desenvolvimento, assim como os tipos individuais, muito embora de outra maneira. [...] As funções jurídicas, governamentais, científicas, industriais, em uma palavra, todas as funções especiais são de ordem psíquica, uma vez que elas consistem em sistemas de representações e de ações; no entanto, elas estão evidentemente fora da consciência comum“ (DURKHEIM, 1930/1999, p. 50-51).

24

Esse novo conceito vem explicar como se manifestam e se processam na mente humana as relações do homem com o seu meio, e ainda, como forma ou modifica a conduta individual em coletiva e social. A representação social é vista por Moscovici (1978a, p. 26) como: “uma modalidade de conhecimento particular que tem por função a elaboração de comportamentos e a comunicação entre indivíduos” Conhecimento este que ajuda na elaboração de normas e regras que favorecem a comunicação dos membros de uma sociedade propiciando bom relacionamento social. Esse autor comenta ainda que: As representações sociais são entidades quase tangíveis. Elas circulam, cruzam-se e se cristalizam incessantemente através de uma fala, um gesto, um encontro, em um universo cotidiano. A maioria das relações sociais estabelecidas, delas estão impregnados. Sabemos que as representações sociais correspondem por um lado, à substância, tal como a ciência e os mitos correspondem a uma prática científica e mítica. (MOSCOVICI, 1978a, p. 41).

Essas representações são incessantemente expressas através de falas e gestos. Estão, tanto no mundo interior quanto exterior do sujeito, pois, tais ideias não se separam dos referidos objetos, mas se renovam constantemente na criação ou recriação de novos conceitos. A representação social na visão de Jodelet (2002, p. 22) “é uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo prático, e que contribui para a construção da realidade comum a um conjunto social”. Este conceito é o mais aceito na visão dos cientistas por atuar na elaboração da sociedade. Conforme Jodelet (2002, p. 17), as representações sociais perpassam por toda realidade social circulando “nos discursos, são traduzidas pelas palavras e veiculadas em mensagens e imagens midiáticas, cristalizadas em condutas e em organizações materiais e espaciais” fixando-se nas condutas dos indivíduos. A representação social foi criada como forma de conhecimento cognitivo social que envolve todos os sujeitos no seu todo, tanto no aspecto interior quanto exterior, envolvendo o lado afetivo como o lado prático, normativo, que foram interiorizados nos indivíduos, visando modelos de comunicação e conduta a partir das relações sociais em que todos estão interligados. Questiona-se o como e o porquê da formação das representações sociais e sua atividade. Nesta teoria foi observado através de estudos, que não há separação

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entre o conhecimento no campo das ideias com o do campo externo, empírico. Demonstrando que existe interação entre o mundo ideal com o real de cada sujeito, formando assim o conceito de acordo com as informações criadas e recriadas na sua mente. As representações sociais “em sua atividade representativa, o sujeito não reproduz passivamente um objeto dado, mas de certa forma, o reconstrói constituindo-se como sujeito, situando-se no universo social e material” (ROCHA, 1997, p. 23). Atividade esta que é constituída através da cooperação entre a ideia ativa e o objeto passivo, no intelecto. Assim, a união do interno com o externo é que torna o homem um ser ativo e atuante na sociedade. Dessa forma, dá-se o processo psíquico, porque o objeto em contato com a ideia torna-se presente na mente e, portanto, familiar ainda que o objeto esteja distante empiricamente. Jodelet (2002, p. 22-23) afirma que: De fato, representar ou se representar corresponde a um ato de pensamento pelo qual um sujeito se reporta a um objeto, este pode ser tanto uma pessoa, quanto uma coisa, um acontecimento material, psíquico ou social, um fenômeno natural, uma idéia, uma teoria etc; pode ser tanto real quanto imaginário ou mítico, mas é sempre necessário. Não há representação sem objeto. [...] Por outro lado, a representação mental – como a pictórica, a teatral ou a política – apresenta esse objeto, o substitui toma seu lugar; torna-o presente quando ele está distante ou ausente.

Na mente o distante se torna próximo e até mesmo real. Nesse sentido, Sêga (2000, p. 129) esclarece a exposição de Jodelet, ao explicitar que: A representação é sempre a atribuição da posição que as pessoas ocupam na sociedade, toda representação social é representação de alguma coisa ou de alguém. Ela não é cópia do real, nem cópia do ideal, nem a parte subjetiva do objeto, nem a parte objetiva do sujeito, ela é o processo pelo qual se estabelece a relação entre o mundo e as coisas.

Assim, ela é aceita por se realizar nos meios sociais, não se compreende quando se torna um processo individual. A sua realização se processa através das relações e comunicações sociais. Neste momento, levanta-se a seguinte pergunta: Por que essas representações sociais são criadas? Para responder, voltamos a utilizar Moscovici (1978a, p. 54) ao aduzir que “a finalidade de todas as representações é tornar familiar algo não-familiar, ou a própria familiaridade”. Uma

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ideia para ser memorizada precisa ser familiar, só assim se transforma em conceito. Os conceitos são apreendidos e reutilizados em novas circunstâncias. Nesse sentido, Moscovici comenta que no processo psíquico há dois mecanismos importantes que ficam na memória e nas ideias retiradas das conclusões passadas. Estas duas se traduzem em ancoragem e objetivação. Assim: O primeiro mecanismo tenta ancorar ideias estranhas, reduzi-las a categorias e imagens comuns, colocá-las em um contexto familiar. Assim, por exemplo, uma pessoa religiosa tenta relacionar uma nova teoria, ou o comportamento de um estranho, a uma escala religiosa de valores. O objetivo do segundo mecanismo é objetivá-los, isto é, transformar algo abstrato em algo quase concreto, transferir o que está na mente em algo que exista no mundo físico [...]. Esses mecanismos transformam o não familiar em familiar, primeiramente, transferindo-o a nossa própria esfera particular, onde nós somos capazes de compará-lo e interpretá-lo; e depois, reproduzindo-o entre as coisas que nós podemos ver e tocar, e, consequentemente, controlar. (MOSCOVICI, 1978a, p. 61).

Assim, para Moscovici (1978a, p. 78) ancorar significa classificar, dar nome a alguma coisa. Ao passo que objetivar “[...] é descobrir a qualidade icônica de uma ideia, ou ser impreciso, é reproduzir um conceito em uma imagem”. Para ele, ambos os mecanismos (ancoragem e a objetivação) são formas como tratamos com a memória, sendo que a ancoragem classifica, rotula, fixa ou exclui acontecimentos, objetos e pessoas à memória (por isto o autor alega que esta é voltada para dentro), enquanto o mecanismo de objetivação trata de extrair imagens e concepções mentais (fragmentando ou agregando-as) para uma possível reprodução destas no mundo exterior (sendo por isto um mecanismo mais voltado para fora). Assim, o processo de objetivação de uma ideia é voltado para fora do sujeito, isto é, é exteriorizado aos outros. Estes precisam entender as imagens que estão na mente, caso isto não ocorra, não é possível ser compreendido, uma vez que as ideias não conseguiram ser conhecidas por outras pessoas. Foi assim que surgiu a gramática8 para os povos conseguirem comunicar suas ideias. Esse direcionamento de ideias “tira daí conceitos e imagens para juntá-los e reproduzi-los no mundo exterior, para fazer as coisas conhecidas a partir do que já é conhecido” (MOSCOVICI, 1978a, p. 78). Neste aspecto, questiona-se quando uma representação é social. Como resposta, tem-se que uma representação é considerada social quando apresenta três dimensões: imagem, informação e atitude. 8

Aristóteles (384 AC)

27

A primeira dimensão trata da imagem, esta é considerada a representação. Esta dimensão está na mente de cada grupo social. A segunda dimensão refere-se à organização mental e estrutural do conhecimento de um determinado conteúdo ou objeto social de um grupo, a qual é conhecida como informação. As representações surgem das opiniões. O seu campo de atuação está na ideia, a imagem ideal de modelo social levado ao conteúdo concreto e limitado pelas proposições ligadas a um aspecto do objeto de representação. A terceira dimensão é a atitude, nesta o agir e o comportar é voltado nas representações para o social, a orientação é global. Moscovici (1978a, p. 49) afirma que: [...] se uma representação social é uma preparação para ação, ela não o é somente na medida em que guia o comportamento, mas, sobretudo na medida em que remodela e reconstitui os elementos do meio ambiente em que o comportamento deve ter lugar.

A representação social prepara a ação visando modificar a atitude do sujeito e a do meio ambiente em que ele vive. Ao abordar essas três dimensões de Moscovici, retoma-se a meta do trabalho, que consiste na representação social dos docentes no sistema prisional em Porto Velho. Busca-se levantar, através das entrevistas com os professores envolvidos nesta pesquisa, as atitudes dos profissionais da educação de apenados, se são favoráveis ou não na utilização de orientação, aos alunos com relação à sua função desempenhada nos presídios. Os diversos tipos de experiências, informações e conhecimentos adquiridos no decorrer da vida orientam as atitudes a serem tomadas. O campo de representação ou imagem, ou seja, os aspectos específicos sobre a avaliação que suscitam determinados tipos de atitudes dos professores, apoiados em seus diferentes tipos de informação; as condutas e orientações que emergem dessas representações, tal como descreve Moscovici (1978a, p. 221) “Nossas idéias, nossas representações são sempre filtradas através do discurso de outros, das experiências que vivemos, das coletividades as quais pertencemos” Estudos mais recentes feitos por Alves-Mazzotti (1994), Camargo (1997), Rangel (1994), Rocha (1997, 2001) consideram que através da teoria das

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representações sociais possa se alcançar os processos de produção dos sistemas de significação9 socialmente compartilhados, inclusive na área educacional. Desse modo, desaparece a dicotomia entre individual e social, pois as representações sociais são produzidas e passam a ser levadas em consideração com a análise das atitudes práticas, como a experiência, tanto no campo individual quanto no coletivo. Destas atitudes surge a produção, criação e recriação das ideias nas atividades práticas sociais, as quais fomentam a interação educativa e social do indivíduo no seu meio. O objetivo de criar mudanças tanto no aspecto interior quanto exterior do sujeito envolvido em questão é de propiciar condições de adaptações diferentes no mundo social tão diverso em nossos dias. Caso não ocorra essa inclusão, a sociedade passará a ter mais problemas para enfrentar, devido ao aumento dos desadaptados sociais. Por isso, a educação é a principal ferramenta a ser utilizada para alcançar o objetivo social e educacional. Alves-Mazzotti (1994, p. 61) declara que “a intenção propalada de propiciar mudanças através da educação exige que se compreendam os processos simbólicos que ocorrem na interação educativa, e esta não ocorre num vazio social”. A interação social ao utilizar a linguagem10 se condiciona a cultura. A sociedade, na medida em que vai se tornando complexa, proporciona o surgimento dos meios técnicos de comunicação e da mídia, enquanto as formas de linguagem facilitam a comunicação e a assimilação de conteúdos proporcionando a interação educativa. Assim, a interação educativa necessita se processar através da psicologia social na pesquisa educacional, onde o ser humano que vive em sociedade busca em seu mundo interior; e o mundo social é buscado pelo sujeito individual. Esta complementação é a interação do sujeito com o social, pois nem um nem outro são destituídos de informação, logo não existe o vazio social, e sim, o processo de educação pela via educativa. A representação social surge de pensamentos formados e estruturados através da cultura, religião, filosofia, ideologia, mitologia, história e outros campos do 9

“Segundo Peirce, um signo é qualquer coisa que está para alguém no lugar de algo sob determinados aspectos ou capacidades” (ECO, 2000, p. 10). 10 Por linguagem entende-se um jogo indefinido de palavras. Os humanos a utilizam para se comunicar de forma variada, mediante palavras, frases e símbolos, além de vários outros sinais comuns ao grupo.

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saber. Por isto, a representação é vista como produto social. Para complementar a questão, Spink (1993, p. 56) comenta dentro desta linha que: “[...] a pesquisa visa depreender os elementos constitutivos das representações: as informações, imagens, opiniões, crenças [...]” e, ainda neste campo, “é consenso entre os pesquisadores da área que as Representações Sociais, enquanto produtos sociais, têm sempre que ser referidas às condições de sua produção” (SPINK, 1993, p. 90). Assim, para Spink (1993), o produto social extraído das representações são as ideias, os pensamentos, não soltos, mas sim estruturados, organizados. Nesse contexto, analisam-se os diversos saberes como: culturais, mitológicos, ideológicos, e as suas relações em um determinado grupo. É deste modo que distingue os aspectos centrais dos periféricos e a interação entre as mudanças com a dinâmica da representação social através do comportamento de cada grupo. Nesta pesquisa de mestrado, em que a representação social proposta pela psicologia social é tida como marco teórico, estudam-se as representações dos professores que lecionam nos intramuros dos estabelecimentos prisionais. Para isso, utiliza-se da metodologia no aspecto qualitativo. Portanto, deve-se analisar o conteúdo e o processo de representação desses profissionais. Dentre a variedade de instrumentos de coleta de dados, opta-se pela entrevista, justamente no intuito de maximizar a possibilidade de conversação e obtenção de informações representacionais dos entrevistados, tal como responde Humberto Maturana em entrevista à Sacramento e Vieira (2004): O conversar é um fluir na convivência, no entrelaçamento do linguagear e do emocionar. Ou seja, viver na convivência em coordenações de coordenações de fazeres e de emoções. Por isso é que digo que tudo o que é humano se constitui pela conversa, o fluxo de coordenações de coordenações de fazeres e emoções. Quando alguém, por exemplo, aprende uma profissão, aprende em uma rede de conversações.

Nesse sentido, a análise do material coletado será feita a partir das entrevistas desses docentes. Com isto, busca-se levantar o campo onde estruturam as representações sociais dos professores. Objetiva-se, ainda, conhecer suas atitudes diante de tais representações. O campo de pesquisa deste estudo será desenvolvido na subseção a seguir.

30

2.2

O cenário da pesquisa

A pesquisa foi realizada na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Madeira Mamoré, cuja atuação ocorre dentro das unidades prisionais estaduais do município de Porto Velho, capital do estado de Rondônia. A Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Madeira Mamoré (também chamada Rio Madeira Mamoré) possui uma situação sui generis em Rondônia, por ser a única escola pública estadual autorizada a oferecer em Porto Velho escolarização aos apenados, exatamente por abranger alunos contidos no sistema prisional por privação de liberdade. Além disso, a escola, local da pesquisa encontra-se desconcentrada em seis unidades escolares, ramificadas nos seguintes estabelecimentos prisionais: Unidade A – antes denominada Unidade Escolar Penfem, localizada no interior da Penitenciária Estadual Feminina, na região central da cidade. Nesta unidade se encontra o setor administrativo da E.E.E.F.M. Madeira Mamoré. Unidade B – antes denominada Unidade Escolar Panda – localizada no interior da Penitenciária Estadual Edvan Mariano Rozendo. Unidade C – antes denominada Unidade Escolar Ênio Pinheiro – localizada no interior da Penitenciária Estadual Ênio Pinheiro dos Santos. Unidade D – antes denominada Unidade Escolar Vale do Guaporé – localizada no interior do Centro de Ressocialização Vale do Guaporé. Unidade E – antes denominada Unidade Escolar Urso Branco – localizada no interior da Penitenciária Estadual de Segurança Máxima José Mário Alves da Silva. Unidade F – constitui a mais nova unidade criada pela E.E.E.F.M. Madeira Mamoré, localizada no interior do Presídio Aruana. Essa referida escola atualmente possui seu quadro de servidores totalmente preenchido, nos mesmos moldes de qualquer outra escola convencional gerida pelo Governo do Estado de Rondônia, com diretoria, secretaria e corpo docente completo.

31

2.3

Seleção dos sujeitos para a coleta de informações

A fim de selecionar os sujeitos (professores) para a coleta de informações desta pesquisa, entrou-se em contato algumas vezes com a diretoria da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Madeira Mamoré informando-lhe sobre tais objetivos. Na sequência, ficou combinado que durante a próxima reunião de professores, seria cedido horário para exposição desta pesquisa e convite aos docentes para participação nas entrevistas. Como o número total de professores da escola compreendia pouco menos que uma vintena, a proposta de entrevista foi feita a todos, entretanto, pouco mais de 20% dos professores manifestaram interesse. Assim, foram agendadas e realizadas separadamente tais entrevistas, conforme as disponibilidades de tempo de cada um dos participantes. Como a participação docente nesta pesquisa consiste em ato voluntário, foi possível realizar a entrevista com os quatro professores que se interessaram em participar, voluntariamente, deste estudo. Tendo em vista que os demais docentes não entregaram o Termo de Consentimento livre e Esclarecido (TCLE) preenchidos (devolvendo-os em branco ou mesmo manifestando verbalmente o desejo de não ser gravado), a amostra resume-se aos quatro docentes. Por esta razão, orientou-se a análise desta dissertação por considerar exclusivamente o material de informações coletado dos referidos sujeitos que firmaram expressamente o TCLE. Desse modo, passa-se a apresentar os quatro docentes sujeitos de nossa investigação, os quais, para garantia de anonimato, serão identificados nesse estudo apenas por siglas (R1, R2, R3 e R4). Na mesma situação, contextos pessoais como idade, sexo, instrução e disciplina lecionada deixaram de ser expostas, tendo em vista o sigilo assegurado. Sendo assim, caracterizam-se: R1 e R4 – possuem mais de 10 anos na docência, atuando também há mais de 10 anos no sistema prisional. R2 e R3 – possuem mais de 10 anos na docência, atuando há menos de 10 anos no sistema prisional. Convém ressaltar que todos os entrevistados atuam indistintamente nas seis unidades escolares da E.E.E.F.M. Madeira Mamoré.

32

2.4

A coleta de dados

Os quatro professores da escola anteriormente citada aceitaram participar deste estudo de cunho qualitativo. Foram utilizadas entrevistas individuais como instrumento ao acesso das representações

sociais

dos

docentes

que

desenvolvem

suas

atividades

educacionais em prisões. As entrevistas foram gravadas em áudio e transcritas de modo literal, suprindo-se nomes e elementos de identificação direta, conforme disposto no termo de consentimento livre e esclarecido aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Unir e firmado pelo entrevistado. Para se garantir maior liberdade, foi facultado aos entrevistados (antes da entrevista) que escolhessem um local cômodo para entrevista, cujo tempo poderia variar de acordo com a fluidez da conversa. Somente a partir disso é que se deu início às entrevistas individuais (realizadas diante de um gravador de áudio). A decisão de escolher a técnica de entrevista como instrumento de trabalho para coleta de dados foi inspirada em Gaskell (2002, p. 73) ao sustentar que: Toda pesquisa com entrevistas é um processo social, uma interação ou um empreendimento cooperativo, em que as palavras são o meio principal de troca. Não é apenas um processo de informação de mão única passando de um (o entrevistado) para outro (o entrevistador). Ao contrário ela é uma interação, uma troca de idéias e de significados, em que várias realidades e percepções são exploradas e desenvolvidas.

O objetivo de se utilizar da entrevista individual encontra-se na visão de Gaskell (2002, p. 75) como: “[...] uma conversação um a um, uma interação díade e possibilita que a cosmovisão pessoal do entrevistado seja explorada em detalhe” Essa técnica utilizada proporciona relação dialogal através da interação entre entrevistado e entrevistador. Justamente por isso há maior interação de ideias entre os envolvidos e assim se percebem as representações sociais. Conforme Gaskell (2002), a utilização da entrevista como técnica de pesquisa é muito relevante, pois traz vantagens quando aplicada nos estudos de representação social. Apresenta a possibilidade de se debater o conteúdo em profundidade até chegar nas raízes das atitudes, comportamentos e opiniões dos entrevistados.

33

Outra vantagem ressaltada é a condição de visualizar as reações nos processos de convergência e divergência de opiniões e conceitos dos entrevistados, podendo, ainda, levantar temas ou assuntos comuns de interesse público, como também, tópicos hipotéticos. Nesse sentido, embora as entrevistas abordem genericamente assuntos como reinserção, justiça e identidade profissional, cada entrevistado contribuiu diretamente com a abertura para subtemas e novas perguntas, chegando-se ao final da entrevista com os principais tópicos considerados importantes por cada um dos entrevistados. Nesse sentido, a mínima estrutura da entrevista serve praticamente como origem para um diálogo mais profundo e ao mesmo tempo amplo sobre o sistema educacional aplicado no sistema prisional e alguns aspectos da representação social que o circunda.

2.5

Plano de Análise da pesquisa

O procedimento de apreciação crítica adotado neste trabalho de cunho qualitativo recorreu-se ao método de análise de conteúdo, proposto por Bardin (2011, p. 40), o qual consiste em “[...] um conjunto de técnicas de análise das comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens”. Nesse sentido, o conteúdo dito pelos entrevistados durante a pesquisa encontra-se sistematizado através de três fases: descrição, dedução e interpretação, a fim de se constatar as representações sociais vivificadas pelos professores no processo de escolarização em ambiente prisional. Assim, para se proceder ao desenvolvimento por análise de conteúdo dos dados coletados, estes foram organizados de acordo com as seguintes fases: a) Fase da descrição ou preparação do material: - realização de entrevistas registradas através de gravação em áudio; - transcrição integral das falas dos entrevistados; - supressão na transcrição de termos identificativos de autoria dos entrevistados; - desmembramento do texto transcrito para compreensão do núcleo;

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b) Fase da inferência ou dedução: - codificação do texto em unidades de contexto e unidades de registro de cada entrevistado; - reagrupamento das transcrições de acordo com as categorias de cada entrevistado; - confrontação dos posicionamentos de cada entrevistado com seus próprios argumentos transcritos em outras unidades; - unificação das categorias, unidades de contexto e unidades de registro; c) Fase de tratamento e interpretação - observações individuais e gerais dos dados codificados; - análise reflexiva para obtenção de representação. Nesse sentido, durante a análise deste trabalho, foram identificadas as seguintes categorias (C) e unidades de contexto (UC): C – Representações sociais quanto à identidade docente UC: Definição da atividade docente no ambiente prisional UC: Valorização UC: Reação da sociedade C – Representações sociais quanto ao perfil do reeducando UC: Distinção entre aluno, reeducando e apenado UC: Expectativas ao reeducando UC: Respeito em sala UC: Desempenho acadêmico C - Representações sociais quanto à concepção de justiça UC: Atuação governamental UC: Atuação dos Direitos Humanos C – Representações sociais quanto à educação e reinserção social UC: Investimento governamental UC: Sistema de ensino modular UC: Crença na reinserção C – Sugestões para a melhoria do processo de escolarização na prisão Na seção relativa à análise e discussão dos dados, essas categorias serão tratadas separadamente. Contudo, por ora, retomemos a exposição dos aspectos históricos da pena e dos estabelecimentos prisionais, os quais passam a ser aprofundados na próxima seção.

35

3 A PRISÃO AO LONGO DA HISTÓRIA

Por questões meramente pedagógicas, a cronologia histórica para a compreensão do ambiente prisional foi dividida neste trabalho de acordo com a concepção clássica, em quatro idades, a contar a partir do aparecimento da escrita: Antiga (inicia aproximadamente em 4000 anos a.C. e vai até a queda do Império Romano do Ocidente, no ano de 476), Média (conta a partir do ano 476 e vai até a tomada de Constantinopla, em 1453), Moderna (inicia-se em 1453 e vai até a Revolução Francesa, no ano de 1789), e Contemporânea (a partir da Revolução Francesa até os dias atuais), uma vez que em cada uma destas épocas os crimes, as prisões e as punições eram diferentes. Desde os mais remotos tempos, antes mesmo de se considerar Idade Antiga, a humanidade vive sob normas, regras, tanto no campo social, religioso e econômico, sendo o seu descumprimento punido. Observa-se através de estudos especializados em arqueologia e antropologia a relação acentuada das pessoas com os fenômenos místicos e religiosos (NUNES, 2005). A este vínculo proibitivo dava-se o nome de tabu. O tabu, conforme Santiago (2011), era considerado a primeira norma da manifestação humana de obediência. Sendo assim, o direito, de modo geral, através das suas normas, regras, incidências, constitui também um tabu. O indivíduo que violasse algumas dessas normas que existiam era considerado um infrator, pois violava o tabu. Isto, por si só, já era suficiente para que fosse punido pelo totem (o representante máximo das instituições repressivas). Justificando, assim, o oferecimento da vida do infrator e de seus apoiadores como uma forma de promover a paz coletiva. O costume aparece como expressão da legalidade, de forma lenta e espontânea, instrumentalizada pela repetição de atos, usos e práticas. Por ser objeto de respeito e veneração, e ser assegurado por sanções sobrenaturais, dificilmente o homem primitivo questionava sua validez e sua aplicabilidade. (WOLKMER, 2006, p. 19)

Vale ressaltar, conforme Luhmann (1983), que as sociedades existentes no contexto pré-histórico se valiam muito mais do parentesco, dos laços sanguíneos e familiares para o desenvolvimento de suas regras.

36

Ao mesmo tempo, tendo em vista que estes vínculos institucionalizavam não apenas um indivíduo, mas tinham praticamente a função de indivisibilidade do grupo, de não individualização, caso uma pessoa praticasse um ato considerado impróprio ou errado pela sociedade, esta muito provavelmente puniria com severidade toda a família da pessoa envolvida, situação considerada vingança primitiva. Essas tradições culturais ao lado das crenças religiosas, compartilhadas pelos grupos sociais, serviram para consolidar ideias gerais de direito e de justiça, de certo e errado, exercendo forte domínio sobre a mente e os corpos desses povos. Assim, quem não se submetesse livremente à vontade dominante sofreria penalidade corporal, inclusive seus familiares. Uma dessas punições era a pena de morte, aplicada de distintas maneiras: torturas, afogamentos, fogueiras, lançados à sorte e aos animais, empalação11, entre outras. O desenvolvimento dessa forma de justiça, bem como sua organização social constituiu uma regra popular que se tornou universalmente admitida nesta época, a retaliação, servindo de base para a antiguidade.

3.1

As prisões na antiguidade

Falar na Idade Antiga é retomar feitos que compreendem a civilização egípcia, fenícios, babilônios, a Grécia antiga e o império romano. Neste período, era comum o infrator ser expulso do grupo familiar e social, ser banido com a intenção de evitar a má influência aos demais membros da sociedade. No decorrer do tempo, as sociedades começaram a se organizar melhor e a criar sistemas de punição aos réus. Sistema este, que objetivava a repreensão das ações através da pena de morte. As prisões passaram a servir de depósito de réus no aguardo de seus julgamentos. Enquanto os presos esperavam as punições lhes eram aplicadas técnicas de tortura, por isso, o presídio passou a ser considerado suplício. Ao longo da história percebe-se que nas civilizações antigas o direito de talião, ou Jus Talione é o que regia a maioria das civilizações antigas. Esta forma de compreender a justiça se faz através da máxima “olho por olho e dente por dente, 11

“Suplício antigo que consistia em espetar um condenado, pelo períneo, numa estaca aguda que lhe atravessava as entranhas” (MICHAELIS, 2009)

37

mão por mão e pé por pé”. A mesma encontra-se destacada nos versículos 23 a 25, capítulo 21 de Êxodo. A origem do Jus Talione12, conforme Boschi (2002), está associada à prática social, aos frequentes conflitos existentes entre as civilizações da época. Nela se declara como deve ser a retribuição das penas aos infratores e apenas a estes. Elas devem ter a mesma medida, a pena mais pesada seria para quem cometesse algum delito aos nascidos livres. No Código de Hamurabi13, Capítulo XII, relata sobre as penas e delitos diferentes entre escravos e homens livres, variando de acordo com a classe social em que se encontrava o réu e a vítima. Por sua vez, a cultura hebraica ressalta o uso do Jus Talione. Quem ferisse alguém e se este viesse a morrer, o infrator deveria pagar com sua morte. Cada civilização adotou um instrumento diferente de punição aos homens que não seguissem as normas da sociedade em que viviam. Conforme a lei dos hebreus, existem diferentes tipos de delitos e de acordo com cada um há uma penalidade diferenciada. O apedrejamento era a forma mais comum utilizada para a pena capital. Os delitos são classificados contra: o semelhante, a honestidade, a honra, a propriedade, a divindade. A execução das penalidades ia da lapidação do patrimônio (a mais comum), passando à morte por fogo ou decapitação. Nestas penalidades incluíam ao condenado o suplício: pelo apedrejamento, açoite, mutilações, até os incestuosos, a fogueira mais rara acontece. No início da República romana, em 450 a.C., surge a Lei das Doze Tábuas14. Esta lei trata detalhadamente, sobre a aplicação das penas aos elementos que praticassem delitos. A Roma antiga possuía cativeiros, conhecidos hoje como prisões, desde 1700 a.C. Enquanto os egípcios levaram mais tempo para manter custódia sobre seus escravos 1280 a.C. No entanto, em torno de 525 a.C. os

12

O jus talione compreende “indiscutivelmente uma conquista. Na primitiva vingança, desconhecia-se o princípio da personalidade da responsabilidade criminal, porquanto, em face do ato lesivo praticado por um indivíduo, não era punido ele, ou não só ele, mas outros ou todos aqueles que lhe fossem solidários. Já com a pena do talião aparecia a noção da personalidade da responsabilidade e o castigo alcançaria o autor da ofensa” (GARCIA, 2008, p. 14) 13 “Hamurabi (Rei da Babilônia) organiza a sociedade babilônica com base na propriedade privada, em ordem hierárquica de base feudal e trata o crime de tal forma, que por ele se percebe uma cultura solidamente disciplinada” (GAVAZZONI, 2002, p. 43) 14 Consistia na compilação normativa da época, a qual se encontrava em doze tábuas de madeiras afixadas no fórum romano, para que todo cidadão pudesse conhecer as leis e a elas cumprir.

38

homens eram conduzidos a trabalharem na construção das obras públicas e no cultivo da terra dos faraós. Os lavradores pagavam impostos estipulados pelos faraós, sendo estes proprietários de toda terra do Egito e quem não conseguisse pagar era punido até mesmo com a vida. Outros tipos de pena, como a flagelação, a prisão, internação e o anátema15 consideravam a morte civil do culpado, utilizado aos infratores que tentavam contra princípios religiosos. A prisão é local onde o delinquente aguarda seu julgamento ou aplicação da pena. Tanto nas doze tábuas, quanto nos livros canônicos, quanto no talmude e no código de Hamurabi são vistos como início da sistematização do tratamento dado à vítima e ao criminoso. Percebe-se que é a origem da burocratização das penas. A repressão é uma das primeiras conquistas alcançadas neste campo. Dependendo do tipo de delito cometido e da condição social dos envolvidos, eram estabelecidas diferentes tipos de penas adotadas. Na antiguidade, a ideia da privação de liberdade não era tida como sanção penal. Embora neste período já existisse a reclusão das pessoas que cometessem delitos, o aprisionamento dos indivíduos não era o de pena, e sim o de guarda-los, conserva-los fisicamente bem até o momento do julgamento, conforme se expressa no Digesto Justiniano 48.19.8.9.16 Segundo Santiago (2011), tanto na Grécia quanto no Egito, Pérsia e Babilônia, utilizam crueldades no ato de encarcerar e executar as penas. A prisão era para conter e manter sob custódia e torturar os infratores, delinquentes e criminosos com objetivo de exercer a punição que seria imposta. As masmorras também serviam para abrigar presos provisoriamente. Segundo o autor, todo delito, o que para nós, atualmente, passa longe de ser considerada infração penal era considerado crime: entre eles estar endividado e não conseguir pagar suas dívidas. Na época, ao aprisionar um indivíduo, este não era conduzido às cadeias ou presídios, eis que estas instituições ainda não existiam do modo como conhecemos hoje. Os réus eram levados em diversos locais que serviam de clausuras, tais como:

15

“Anatematizado, amaldiçoado. sm 1 Rel Catól Excomunhão. 2 Condenação. 3 Execração, maldição, opróbrio. 4 Reprovação enérgica, repreensão solene” (MICHAELIS, 2009). 16 “Carcer enim ad continendos homines, non ad puniendos haberi debet” (JUSTINIANUS, 2005), que traduzido livremente indica que o cárcere existe para conter os homens, não para puni-los por seus erros.

39

torres, castelos, conventos abandonados, calabouços, aposentos em ruínas. O interesse era guardar os acusados até o seu julgamento ou execução. Para Foucault (2004, p. 47): O suplício se inseriu tão fortemente na prática judicial, porque é revelador da verdade e agente do poder. Ele promove a articulação do escrito com o oral, do secreto com público, do processo de inquérito com a operação de confissão; permite que o crime seja reproduzido e voltado contra o corpo visível do criminoso, faz com que o crime, no mesmo horror, se manifeste e anule.

O sofrimento causado pela tortura até a morte era acreditado como devido, ao crime cometido pelo torturado. Há relatos históricos que confirmam as primeiras práticas de certo tipo de aprisionamento ou reclusão sendo praticado como pena. Uma pena muito utilizada era o confinamento imposto pelo senhor de terras ou nobre a algum escravo ou indivíduos não considerados como plenamente cidadãos, os de classe mais baixa. Tal condição era imposta para se punir alguma conduta. “E, nesse contexto, a classe social era elemento determinante, ou seja, a prisão como pena surge somente com base numa diferenciação de classe” (SANTIAGO, 2011, p. 56). O conceito de que um indivíduo era menos que o outro (preconceito social) justificava a imensa variedade de penalidade (das mais brandas às mais cruéis). Assim, quando era necessário castigar um escravo, os juízes, por equidade, delegam tal tarefa ao pater famílias17 que pode determinar a sua reclusão temporária ou perpétua no referido ergástulo18. A razão de tal tratamento se deve ao valor que contém a vida humana naquela época, considerando o criminoso ou acusado já como sem nenhum valor. Dessa forma, pouco importava as condições de tratamento destinadas ao criminoso. A pena de tortura para descobrir a verdade, a cela em que o indivíduo ficava era chamado de antessala; nos dias atuais ainda é possível encontrar essas posições desumanas. A prisão era considerada nessa época uma situação de perigo, em verdade um adiantamento da extinção física do indivíduo. Não havia uma segurança para 17

“[...] o caráter arcaico do poder que o pater familias tinha sobre seus descendentes era revelado pela total, completa e duradoura sujeição destes àquele, sujeição esta que tornava a situação dos descendentes semelhante à dos escravos, enquanto o pater familias vivesse” (MARKY, 1995, p. 155) 18 “sm (lat ergastulu) 1 Antig rom Calabouço no qual eram confinados os escravos. 2 Cárcere, calabouço, masmorra”. (MICHAELIS, 2009). O ergástulo consistia no local da privação de liberdade temporária ou perpétua do escravo ou indivíduo preso por dívida na propriedade particular de seu dono ou credor, podendo haver trabalhos forçados.

40

instituir a pena, podendo o juiz por livre vontade aumentar, ou diminuir a referida pena.

3.2

As prisões na Idade Média

A Idade Média, que é lembrada principalmente pelo feudalismo ocidental, pela formação de monarquias centralizadas e pela cultura medieval divide-se em dois períodos: a alta e a baixa Idade Média. Na Baixa Idade Média19 predomina o direito individualista sobre a aplicação das sanções, voltadas aos delitos oriundos da perda da paz ou imposição de fiança. Esta é utilizada para indivíduos que cometem pequenos delitos, visando diminuir o avanço da violência nas sociedades. Com o direito individualista qualquer pessoa pode agredir ou matar o condenado, sem ter que responder por tal ação. Com isto, as pessoas ficam sem proteção social e ocorrem as piores punições em praças públicas, como forma de laser para o povo, este período é considerado o mais violento e sangrento da Idade Média. A sociedade, nessa época, é aristocrata e a situação social dos homens é determinada pela sua relação com a terra. O poder financeiro é totalmente detido pelos senhores feudais, o rei encontra-se enfraquecido frente a estes. A hierarquia é mantida pelo rei, mas enfraquecido financeiramente. A seguir vem o clero, pois a igreja católica possui a maior extensão de terras, vindo, em sequência, a alta e pequena burguesia. Só depois é que surgiam os cavaleiros na escala social, o rei é quem lhes doava terras. Abaixo dos cavaleiros vêm os que trabalham nos campos (hoje conhecidos como agricultores). Os servos são indivíduos que nada possuem e trabalham para os senhores feudais; vivem na miséria (SOUZA, 2006) e sem direito nenhum. Souza (2006) acrescenta, ainda, que é na antiguidade que se inicia a prisãocustódia, que é decorrente da troca da liberdade pela prestação pecuniária por dívidas de natureza civil. Contudo, o custodiado ficava detido por seu credor até o momento em que pudesse sanar a dívida paga. Assim, a institucionalização dos cuidados prisionais só passou a ser da atribuição estatal na Idade Média, com a criação das prisões de Estado, sendo que

19

Período que vai do século XI ao século XV é a chamada Baixa Idade Média.

41

estas, por sua vez, eram aplicadas aos adversários políticos do governante e aos inimigos do Estado. Bitencourt (2005) menciona a criação de outro tipo de prisão, também neste período, denominada prisão eclesiástica aplicada aos que se recusam seguir as ideias da igreja, ficando aprisionados em mosteiros, visando obter uma reflexão e modificação das suas ideias e atitudes. A pena consistia em ficar isolado na escuridão, sem alimento, submetendo o corpo a sofrimento físico no intuito de se purificar moralmente ou, ao menos, não contagiar outro indivíduo. Era a Igreja responsável por definir quem eram os indivíduos considerados desviantes, criminosos ou marginais, assumindo o papel determinante na punição destes

sujeitos,

os

mosteiros

eram

utilizados

também

como

lugar

de

encarceramento dos desviantes das condutas segundo o olhar da Igreja. Na Idade Média, são ressaltados os valores morais e humanísticos; a igreja predominava nesses aspectos, influenciando nas punições, utilizando-se da vontade de Deus. Em seu nome aplicavam-se sanções rígidas e dolorosas, visando obter correção moral dos homens. Ainda nesse período aplicavam-se penas cruéis. Para a sociedade a reclusão era um bem necessário. A prisão tem a função de punir e excluir o infrator do meio social e as sanções servem para causar medo e pânico aos servos dos senhores feudais para que não tentem fugir ou cometer crimes para se livrarem da miséria. Ainda na Idade Média a questão penal foi mais bem definida no sentido de prisão, mas, quanto à crueldade das penas, pouco melhorou em relação à Idade Antiga. Passemos, então a abordar a prisão na modernidade.

3.3

As concepções de prisão na modernidade

A Idade Moderna remete ao período das grandes navegações, às reformas protestantes, ao iluminismo, ao absolutismo, ao mercantilismo e ao colonialismo europeu nas Américas e no continente africano. Devido a tantos eventos diversos, o termo modernidade pode indicar compreensões díspares. A Modernidade, conforme Koselleck (1985) é uma terminologia que possui uma gama de processos semânticos, utilizados tanto para indicar temporalização, democratização, ideologização e politização. Assim, indica tanto um período

42

histórico quanto para demonstrar ruptura de passado. Pode também definir tanto um sistema oriundo das forças da modernização e desenvolvimento, centrado, sobretudo, na premissa de que toda causa de cima para baixo, vinda de Deus ou do sobrenatural foi substituída definitivamente por causas de baixo para cima, frutos do desígnio e produtividade humana, tal qual o processo de secularização por que passa a cultura ocidental, como também se entende na sociologia política de Weber (1968) como uma modalidade de dominação. As prisões na idade moderna continuam servindo de contenção e guarda dos réus até a aplicação das penas (BITENCOURT, 2005). Os indóceis e os desviantes são excluídos do meio social para que busquem uma mudança de atitude na sua conduta, para reinserir no corpo social, isto ocorre quando é considerado novamente normal. Essa atitude gera novas irregularidades na sociedade. Para Santiago (2011), neste contexto, a educação vive uma verdadeira revolução e as ideias sobre a prisão e as penas não acompanham este processo, pelo menos não no aspecto físico devido o surgimento de instituições de correção. Um dos exemplos de instituição de correção criados nesse período foram as “casas de trabalho”20. Nesse sentido, Boaçalhe (2007) comenta que tais casas foram importantíssimas em prol da formação disciplinar e ética do infrator para sua vida profissional, objetivando reintegrá-lo à sociedade e diminuir a criminalidade. Vale ressaltar que pobreza e criminalidade tinham grande similitude no tratamento estatal, eis que o benefício aos pobres pelo poder do Estado equivalia a pena dirigida ao criminoso. Em parte, a justificativa apresentada se compreende no contexto exploratório social, tendo em vista que esta instituição surgiu no período da revolução industrial, devido à necessidade de mão de obra operária em larga escala na confecção de produtos, que na visão de Foucault (1997) é necessário adestrar, disciplinar, formatar o operário aos mecanismos produtivos para fixa-lo no trabalho. Ao agir sobre a conduta do indivíduo de modo meticuloso, atribuindo-lhe horários fixos e determinados para trabalhar, comer, levantar, fez com que o corpo do indivíduo se torne alvo de conhecimentos, saberes tão importantes na cultura atual. A ressocialização atua na normalização do sujeito, quer se aplique do corpo 20

As Casas de Trabalho foram estabelecidas na Inglaterra no século XVII. Segundo a Lei dos Pobres adotada, em 1834, só era admitida uma forma de ajuda aos pobres: o seu alojamento em casas de trabalho com um regime prisional; os operários realizavam aí trabalhos improdutivos, monótonos e extenuantes; estas casas de trabalho foram designadas pelo povo de "bastilhas para os pobres”. (MARXISTS, 2015).

43

para o espírito ou que parta da vontade para a carne. As “casas de trabalho” desempenham estas funções. Na modernidade, o contexto prisional incorpora um aspecto ressocializador ao delinquente, o qual, comparado ao homo ferus21, terá que se moldar às normas estabelecidas pelo Estado, como aspecto de seu processo civilizatório. Exatamente neste período que se inicia o que será muito debatido no futuro, pois começa o mal a ser retribuído com o mal. O poder nesta época é visto como disciplinador da ordem e da produção. Isto é uma forma de racionalidade dada historicamente, pois o homem é forçado a pensar para agir. A partir desse momento estipula-se também a privação de liberdade como forma de sanção penal. É na mudança que espera um novo regime de verdades, que possa ser introduzido o ideal (princípio da legalidade) no direito penal visando o fim da criminalização sem prévia cominação legal. Somente as leis podem fixar as penas para os delitos; e essa autoridade só pode ser do legislador, que representa a sociedade unida por meio de um contrato social. Nenhum magistrado pode, com justiça, infligir penas a outros membros dessa mesma sociedade. Mas, uma pena agravada além do limite fixado nas leis, é a pena justa acrescida de outra pena: não pode, assim, um magistrado sob qualquer pretexto de zelo, ou do bem público, aumentar a pena estabelecida para um cidadão delinquente. (BECCARIA, 1999, p. 21).

A pena só pode ser estabelecida com base nas leis e não por impulsos. Assim, a legislação penal do século XIX visa ajustar-se ao homem e não mais procurará o que é socialmente útil (FOUCAULT, 2002), pois, pode cair em um erro e não conseguir readaptar o indivíduo. No entanto, para Santiago (2011), a sanção penal em relação ao ideal utilitário não se deve atentar exclusivamente à intenção de vingança pelo Estado, mas, pelo contrário, deve ser utilizado como forma do delinquente ou réu não volte a cometer novos delitos. A pena precisa servir de impedimento e de exemplo a outros jovens para que não cometam os mesmos erros.

21

“HOMO FERUS. Animal humano que, devido ao isolamento total de outros seres humanos, foi privado, durante os primeiros anos de vida, de interacção com eles factor essencial para a sua socialização e que, por este motivo, não adquiriu, ou o fez apenas de forma rudimentar, personalidade e cultura” (LAKATOS; MARCONI, 1998, p. 311).

44

Quanto

à

prisão

no

contexto

contemporâneo,

esta

será

tratada

especificamente na realidade brasileira, sendo para tanto necessário expor algumas considerações prévias.

3.4

O sistema prisional brasileiro: do passado ao presente

O Sistema Prisional Brasileiro atualmente não difere muito do que acontecia no passado e, principalmente, no resto do mundo. O Brasil, no contexto colonial era refém de Portugal, que impunha a sua política, dentre elas, a marcante, era a perseguição aos índios e a escravidão dos negros são aspectos que dão maior visibilidade a definição do que significou prisões e penas desde nossos primórdios. Inúmeros castigos eram aplicados de forma cruel. Os mesmos eram diferenciados quanto à classe social, sendo os mais dolorosos castigos dirigidos aos pobres e escravos, enquanto aos nobres ou seus protegidos, ou ainda, os protegidos pela corte não sofriam penas. A pena quase sempre culminava na morte do acusado. Sobre este aspecto, relata Santiago (2011, p. 46): [...] nos primórdios da história brasileira, é nítida uma distinção de classe para o tratamento e encaminhamento dado às questões de penalização. Praticamente não se encontram registros de tensões deste tipo entre homens de posse, mas o mesmo não pode ser dito sobre negros, índios e pobres, de um modo geral.

Sobre esse aspecto, segundo registros históricos, Cabral de Mello (2003) expõe que já em 1670, enquanto vigente o sistema de Capitanias Hereditárias, estas pleiteavam junto à coroa portuguesa o poder de aplicar a condenação à pena de morte, sem necessidade de recurso para algumas classes sociais. No mesmo sentido, Carvalho Filho (2004, p. 185) afirma: “A impossibilidade de aplicação da pena de morte nas próprias capitanias incomodava as autoridades locais e era considerada fator de incentivo à criminalidade.” Sem a possibilidade da apelação à coroa, os menos favorecidos economicamente (escravos, índios e homens livres em condições subalternas) sofreriam distinção em suas penalidades, servindo de exemplo a não ser seguido pelos futuros infratores. Ao longo do século XVIII esse quadro se modificou. O poder de condenar à morte pessoas despidas de qualidade superior, sem apelo, foi conferido a governadores e ouvidores de diversas

45

capitanias, paulatinamente, com a criação de juntas de justiça. O objetivo era acabar com a impunidade. A carta régia que concedeu esta jurisdição às autoridades de Minas Gerais, em 1731, justificou a medida pelos „muitos e continuados delitos que se estão fazendo [...] por bastardos, carijós, mulatos e negros‟ porque „não viam o exemplo de serem enforcados‟ (CARVALHO FILHO, 2004, p. 186).

Assim, a ideia da pena aos menos afortunados estava intimamente ligada à condenação do réu à morte. Somente após a proclamação da Independência, em 1822, surge a prisão preventiva no Brasil, com a promulgação da Constituição Imperial de 1824 (art. 179 § 8°), o que passa a representar um avanço positivo no cenário prisional nacional. A custódia preventiva visa possibilitar maior e melhor condições de investigação sem violar os direitos do cidadão. Art.179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte. [... ] XVIII. Organizar–se-ha quanto antes um Código Civil, e Criminal, fundado nas solidas bases da Justiça, e Equidade. (BRAZIL, 1824, p. 17).

Assim, percebeu-se na carta de 1824, que as injustiças existentes na prática, não somente nas prisões, eram contraditórias à teoria jurídica do país. Nessa constituição há garantias de segurança individual, mas na realidade acontecia o contrário. Pode-se matar sem receber punição, enquanto no papel eram abolidas as torturas, nas senzalas os escravos eram levados ao tronco, postos na gargalheira. Os castigos de açoite continuam. Os seus senhores os consideram seus donos, donos de suas vidas, supremos juízes. Existem ainda ideias libertárias que mascaram a realidade social do país, ignorando a grande distância entre a lei e a prática no meio social. No Brasil república (1890), foi extinta a pena de morte, mas em contrapartida se inseriu no sistema penal a prisão perpétua. Em 11 de outubro de 1890 foi criado o Código Penal da República, através do Decreto n. 847. Este documento apresenta várias modalidades de prisões, bem como de penas e seus efeitos, e ainda indica a aplicação de modos de execução, o que cai em contradição. Somente em de 07 de dezembro de 1940, com o sancionamento do código Penal, Decreto-Lei nº 2.848, que outras inovações foram pensadas no sistema penitenciário brasileiro. Segundo Thompson (2002, p. 89), “a lei penal brasileira é uma barreira de defesa do indivíduo

46

em face do poder punitivo do Estado”. Neste código, de acordo com o Art. 32, as penas são as seguintes: I - privativas de liberdade; II - restritivas de direitos; III - de multa. Este código acena para as classes mais desfavorecidas economicamente, com a possibilidade de pagamento de multa. Mas como pagar se não possui condições? A possibilidade de pagar pelos delitos, via multa, atinge somente aos indivíduos pertencentes às elites. Nesse ínterim, é sancionada a Lei de Execução Criminal, Lei nº 3.274, que dispunha sobre normas gerais de regime penitenciário. Contudo, discussões sobre o sentido e a necessidade de maior proteção da pessoa humana guiaram a concepção de um novo texto normativo, a Lei de Execuções Penais (Lei nº 7.210/84), numa compreensão da titularidade de direitos, devendo ser assegurados pelo Estado. Tal conjunto de direitos foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), em que a necessidade de proteção da pessoa humana e o reconhecimento de direitos mínimos a todos e a necessária proteção do sujeito perante o Estado, passam a dispor de direitos e garantias para que as mesmas sejam efetivadas. A par deste conjunto de normas, o Estado, alegando maior articulação de grupos criminosos e o surgimento de megaestruturas voltadas ao crime passa a propugnar a necessidade de enrijecimento do processo de cumprimento da pena, razão pela qual é concebido o famoso Regime Disciplinar Diferenciado. De acordo com o Sistema de Informação Penitenciária (InfoPen)22 junho de 2011, o Brasil continha 513.802 presos em todo seu sistema prisional, num total de 1.237 estabelecimentos penais (entre penitenciárias, cadeias públicas, casas de albergado, colônias agrícolas e hospitais de custódia). Em 2014, o número ultrapassou a marca de 607.700, segundo o Ministério da Justiça. Já em junho de 2015, a marca atinge 615.933 pessoas presas distribuídas em 1424 unidades

22

“O Infopen é um programa de coleta de dados do Sistema Prisional Brasileiro, atualizado pelos respectivos gestores estaduais, com informações estratégicas envolvendo informes referentes aos estabelecimentos penais, seus recursos humanos, logísticos e financeiros sobre a população prisional. O Infopen estatística é a plataforma de registro de indicadores gerais e preliminares, preenchidos com dados agregados pelas Secretarias Estaduais responsáveis pela custódia das pessoas privadas de liberdade”. (BRASIL, 2012).

47

prisionais. Vale salientar que este número não contabiliza os indivíduos menores de idade, mantidos em privação de liberdade por medida socioeducativa.23 Contudo, vale ressaltar que o número de vagas disponibilizadas em todo o país, somando-se os estabelecimentos prisionais atinge 371.459, o que incide na superlotação da capacidade de atendimento humano nos presídios. Em outras palavras, a média de superlotação nacional é de 65,8 %, ou seja, onde deveriam ser tratados dez indivíduos existem mais de dezesseis. Conforme o relatório24 da organização não governamental Human Rights Watch (sobre violações dos direitos humanos no mundo) as prisões brasileiras estão em condições desumanas devido ao excesso da população carcerária, a má alimentação, as péssimas condições sanitárias, a proliferação de doenças nas celas e precariedade da assistência médica. Comparando-se o relatório acima com as condições dos presídios em registros datados de 1777 por Howard, verifica-se que, embora tenham se passado mais de 230 anos, a realidade da barbárie prisional pouco se alterou. Sobre esta comparação, Gonçalves (2009, p. 11) comenta: A higiene era inexistente, os reclusos viviam amontoados em espaços exíguos devido à sobrelotação e o contágio físico e moral era diário, pois juntava-se o reincidente com o recluso primário, o recluso saudável com o recluso doente, o condenado por crimes graves com o condenado por crimes leves e o criminoso já velho com o delinquente juvenil. O crime era ensinado e aprendido e a correção era impossível. Para quem, como Howard, elegia como função principal da execução da pena de prisão a reeducação – “Make them diligent and they will be honest” (fá-los diligentes e eles serão honestos) – tais condições de vida eram absolutamente intoleráveis.

Retomando a realidade prisional brasileira, há prisões cautelares sem motivos adequados, presos com penas vencidas, sem advogados ou defensores ou por longo tempo sem serem julgados. Na prisão feminina a situação tende a ser mais precária: falta de assistência médica, grávida sem acompanhamento pré-natal, falta de acomodação para amamentação, falta de berçários e creches.

23

Medidas socioeducativas são medidas aplicáveis aos adolescentes que praticaram atos infracionais (conduta descrita como delito). Tais medidas vão da advertência à internação (privação de liberdade) e focam principalmente no caráter educativo. 24 Relatório Mundial 2014: Brasil (HUMAN RIGHTS WATCH, 2014).

48

3.4.1 O sistema prisional no Estado de Rondônia

O órgão responsável pelo gerenciamento do Sistema Prisional em Rondônia foi inicialmente denominado Secretaria de Estado Administração Penitenciária (Seapen), criada pela Lei Complementar n° 304 de 14 de setembro de 2004. Contudo, sofreu modificações pela Lei Complementar n° 412 de 28 de dezembro de 2007 que alterou sua denominação para Secretaria de Estado de Justiça (Sejus), e o organograma, criando coordenadorias entre outras modificações. Segundo dados oficiais obtidas junto ao Ministério da Justiça/Departamento Penitenciário (BRASIL; DEPEN, 2014), através do levantamento nacional de informações penitenciárias Infopen, a situação prisional no Estado de Rondônia é a seguinte: Em quantitativo de presos, possui número absoluto de 7.631, obtendo a 5ª maior taxa de aprisionamento do país, com 436,4, ficando atrás apenas de Mato Grosso do Sul, São Paulo, Distrito Federal e Acre. Isto implica em dizer que, para cada 100 mil habitantes, pouco mais de 436 estão alojados em unidades de privação de liberdade. Do total de presos, o Estado de Rondônia possui o menor índice nacional de custodiados sem julgamento, sendo 16% os que estão presos sem condenação, de modo provisório. Também, se comparado à realidade nacional, seus custodiados possuem um dos menores índices de atraso ao prazo máximo no aguardo de julgamento, sendo 27%. Além da unidade prisional federal, existem 50 unidades prisionais estaduais (estabelecimentos penais) em funcionamento no estado. O somatório de presos nas unidades estaduais é de 5996. Quadro 1- Estabelecimentos penais do Estado de Rondônia

Estabelecimentos Penais por tipo de Destinação

TOTAL

Presos provisórios

17

Regime fechado

8

Regime semiaberto

6

Regime aberto

5

Medida de segurança

1

Diversos tipos de regime

3

Patronato

1

Outro

7

49

Sem informação

2

Total

50

Fonte: Infopen (BRASIL; DEPEN, 2014).

Importante destacar que das 50 unidades prisionais atualmente existentes, 18 foram criadas a menos de dez anos no estado, no intuito de desafogar a superlotação existente e reduzir a precariedade com que os apenados vinham sendo tratados. Note-se que 29 das construções existentes não foram construídas para essa finalidade, mas tiveram suas estruturas adaptadas para servirem de estabelecimento prisional. A taxa de ocupação do sistema prisional em Rondônia em junho de 2014 apresenta índice de 127%, ou seja, a proporção de pessoas presas é maior que o número total de vagas. Também em virtude disto, 16 unidades prisionais acolhem de forma mista homens e mulheres privados de liberdade, sendo que 27 estabelecimentos atuam apenas para os presos masculinos. Porém, apresentar dados gerais não demonstra situações mais específicas, tendo em vista que, em função da localização ou mesmo da estrutura prisional, várias unidades possuem mais de 4 pessoas para acomodações destinadas a apenas um indivíduo. Dentre todos os presos de Rondônia, apenas 24% possuem 35 anos de idade ou mais, sendo 70,6% considerados negros. Quanto à escolaridade, 70% dos presos não possuem o ensino fundamental completo. Quanto ao tipo de crime cometido, 74,4% dos crimes envolvem furto, roubo ou tráfico. Nesse sentido, vale ressaltar que o ordenamento jurídico vigente, expresso no artigo 1º da Lei de Introdução do Código Penal Brasileiro considera crime: [...] a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente. (BRASIL, 1941).

Como média geral, cada preso recebe apenas 1,4 visitas por mês de seus familiares. Quanto à estrutura de atenção à saúde, mais de 60% das unidades não possuem qualquer módulo de saúde e apenas 14 delas possuem médicos em regime de visita semanal. Isto significa que 4.354 presos não dispõem de serviço de saúde. No quadro funcional para atendimento prisional em todo estado de Rondônia existem 23 médicos contratados.

50

Entretanto, se passarmos para os dados parciais de 2015, obtidos junto ao Conselho Nacional de Justiça (BRASIL; CNJ, 2015), o número total de presos em Rondônia, somados os regimes fechado, semiaberto e aberto, chegamos a 8.290, o que implica em superlotação de 35%, ao passo que se fosse contar todos os indivíduos em situação de privação de liberdade, os dados aumentariam para 9.764. A taxa de mortalidade intencional nos presídios de Rondônia é maior que a taxa nacional dos presídios, taxa nacional prisional que representa mais de seis vezes a mortalidade por crimes letais em todo Brasil. Soma-se a isto que, de acordo com CNJ, 18 estabelecimentos estão marcados com situações péssimas, 8 são considerados ruins e apenas 7 estão indicados como estando em boas condições para manter pessoas presas. Outro elemento que convém ressaltar é que até 2005 não existia escola de administração penitenciária no estado de Rondônia, a qual, atualmente é responsável pela formação de agentes penitenciários que atuarão no interior dos estabelecimentos penais, trabalhando diretamente com os apenados. Assim, os agentes penitenciários formados posteriormente a essa criação puderam ser instruídos em técnicas menos danosas à integridade física e mental dos reclusos, dentro de uma perspectiva de direitos humanos. Contudo, a falta de equipamentos adequados e estrutura muitas vezes sucateada dificulta o trato pessoal entre agentes penitenciários e apenados mantidos encarcerados. Por ser a prisão um dos lugares à reinserção do apenado na sociedade, é de importância tratar do direito e processo de escolarização nos presídios.

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4 POLÍTICA EDUCACIONAL E PROCESSO DE ESCOLARIZAÇÃO NO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

Em 2005, no Brasil, iniciou-se um amplo debate sobre o direito dos presos. Os Ministérios da Educação e da Justiça, reconhecendo a importância da educação para este público, propuseram uma articulação nacional para implementação do Programa Nacional de Educação para o Sistema Penitenciário, formulando diretrizes nacionais. A referida proposta, apoiada pela UNESCO, culminou em 2006 com o “I Seminário Nacional de Educação para o Sistema Penitenciário”. Em 2010 foram publicadas as Diretrizes Nacionais: Educação em Prisões", visando regulamentar as práticas educacionais dentro do sistema prisional brasileiro. Embora existam reações adversas por uma grande parte da sociedade brasileira, que compreende que o dispêndio econômico no sistema prisional consista em mero gasto ou desperdício de divisas, mantendo-se numa postura utilitarista, não havendo motivo para investir em quem não dá retorno para a sociedade. Sobre esta questão, Saviani (2007, p. 87) afirma que: Essa situação atinge o seu paroxismo na conjuntura atual, marcada pela hipertrofia dos mecanismos de mercado, em que tudo, desde a visão de sociedade até as decisões mais específicas referentes à vida pessoal dos indivíduos, passa pelo crivo mercadológico [...]. Está aí a raiz das dificuldades por que passa a política educacional. As medidas tomadas pelo governo, ainda que partam de necessidades reais e respondam com alguma competência a essas necessidades, padecem de uma incapacidade congênita de resolvêlas.

Contudo, ainda que não fosse considerada a possibilidade de retorno destes apenados que só estão cumprindo um tempo de suas vidas no sistema prisional e que, ao terem a progressão de regime ou mesmo o seu cumprimento estarão de volta ao seio social, pois alguns apenados terão que cumprir pena por período superior a expectativa de vida, mesmo assim, teria direito aos estudos, já que a educação é um direito constitucional de qualquer indivíduo e dever do Estado (art.206, IV CF). Neste sentido, todos os seres humanos, independentemente de cor, raça, classe social, idade ou cometimento de infração penal têm o direito de usufruir do ensino, objetivando alcançar outros direitos existentes na sociedade para obtenção

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de melhor condição social. A aquisição de conhecimento é fundamental no desenvolvimento integral do indivíduo. Levando-se em consideração que a política educacional brasileira está redigida como texto normativo, no intuito de emitir diretrizes para abranger toda área nacional e as peculiaridades nela existentes, convém expor um breve comentário de cunho legal, para contribuir com o entendimento de alguns termos que são adotados nessa dissertação. O art. 1º da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, estabelece que “A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais” (BRASIL, 1996). Contudo, o que o Estado disciplina é apenas uma parte dessa educação, realizada em instituições próprias (denominados de estabelecimentos de ensino, ou convencionalmente designados de escola), principalmente por meio de ensino, destinadas ao trabalho e à prática social, que passa a ser chamada educação escolar. A educação escolar compreende a educação básica, a educação profissional e tecnológica e a educação superior. Ao dividirmos por faixa etária a educação básica, tem-se o oferecimento de: a) para crianças - pré-escola, educação infantil e ensino fundamental; b) para adolescentes - ensino fundamental e ensino médio ou educação profissional técnica de nível médio; c) jovens e adultos – educação de jovens e adultos. Quanto à educação profissional e tecnológica, abrange adolescentes, jovens e adultos. Já a educação superior é destinada a jovens e adultos. Paralelamente, as infrações legais que incidem em privação de liberdade estão regradas principalmente na Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 e no DecretoLei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Este Decreto-Lei estabelece em linhas gerais a imputabilidade penal a quem possuir dezoito anos de idade ou mais (jovens e adultos) e cometer crime, podendo condena-los à privação de liberdade em estabelecimento prisional, enquanto a Lei trata da privação de liberdade aos adolescentes (entre doze e dezoito anos de idade) punidos com medida socioeducativa de internação a ser cumprida em estabelecimento educacional por conduta descrita como crime, entretanto, a eles denominada ato infracional.

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Comparando-se esses distintos textos normativos temos que o direito à educação assegurado constitucionalmente deve ser provido pelo ente estatal formalmente em instituições escolares diversas, conforme a faixa etária, atendendo modalidades diferentes ao ensino e à educação escolar. Assim, ao se tratar de privação de liberdade, tanto se incide no sistema prisional quanto no sistema socioeducativo. Entretanto esta dissertação trata de discutir apenas sobre o processo de escolarização prisional, ou seja, da educação escolar obtida dentro nos presídios e oferecida formalmente mediante a modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA). Feita a explicação acima, cabe agora esclarecer aqui a diferença entre a educação formal e não formal. A educação formal é encontrada nas escolas e universidades, seus objetivos são específicos e claros. O Ministério da Educação controla e fiscaliza a educação formal através do currículo nacional. Este currículo é a diretriz educacional e nele contém estruturas hierárquicas e burocráticas. É educação formal quando o conhecimento é adquirido através da escola, este é sistemático e atua preferencialmente no ensino fundamental, médio e superior, sendo exercida “pelas gerações adultas sobre aquelas que não estão ainda maduras para a vida social” (DURKHEIM, 1975, p. 51). Ela visa desenvolver no educando qualidades, aptidões e habilidades exigidas pela sociedade em que vive. Hoje, após o desenvolvimento industrial, a escola se esforça em assumir papeis que não são de suas funções. Desenvolve atividades que eram compreendidas e ensinadas pela educação informal. A educação não formal ou informal é diferente por ser mais difusa, com menos burocracia e hierarquias. Não há necessidade de este sistema ser sequencial, hierárquico e progressivo. A sua duração é livre e variável, podendo ou não fornecer certificado ou avaliação de aprendizagem. A educação informal é oriunda das organizações sociais diversas da escola. Seu conceito muda o espaço onde a transmissão de conteúdo ocorrerá em forma de adestramento. A diferenciação entre educação formal e informal, além da última ser muitas vezes mais rápida através de cursos livres de pequena duração, são exercidas na prática laboral.

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As sociedades ágrafas possuem educação informal. Funciona como adestramento e socialização, esta mistura transmite valores e hábitos. Nas civilizações antigas, a arte de ler e a de escrever eram de responsabilidade dos pais, as profissões eram passadas de pais para filhos. As técnicas e habilidades eram transmitidas pela família. As escolas estão inseridas na sociedade e com a democratização do ensino, as tarefas desenvolvidas pela família vão sendo assumidas pelo sistema escolar. Nesse sentido, inspiradas pelo ensinamento de Broofover, Lakatos e Marconi (1998, p. 84-85) assim expressam suas palavras: “É importante que o sistema educacional, por ser mais abrangente, continue ensinando ciência e tecnologia e não permita mudanças nos sentimentos e crenças relacionadas às relações humanas”. Muitas vezes nos presídios a educação informal é ministrada por organismos não governamentais, através de trabalhos (diversificados), com intuito de promover a reinserção. Paulo Freire (2001, p. 102), defende a aplicação de uma nova metodologia nos estabelecimentos prisionais, que visa abarcar os direitos humanos, sendo esta uma educação para a liberdade, conhecimento este “crítico do real e com a alegria de viver”. Mas, para o autor, é preciso fazer isso de forma crítica e não de forma ingênua. Na

teoria

de

Freire,

a

eficácia

do

processo

educativo

depende

essencialmente da liberdade do educando, só assim o aluno irá participar do seu processo educativo ativamente. A escola deve sair da fase tradicional e deve caminhar para a fase progressista, sendo que o docente deve ajudar o aluno a se ajudar, buscando conscientizar-se e descobrir os seus valores. Quando entro em uma sala de aula devo estar sendo um ser aberto a indagações, à curiosidade, às perguntas dos alunos, a suas inibições; um ser crítico e inquiridor, inquieto em face da tarefa que tenho – a de ensinar e não a de transferir conhecimento (FREIRE, 2002, p. 21).

O processo da construção do conhecimento educativo só é possível através do diálogo entre educando e educador. A prática é essencialmente dialógica.

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Segundo o processo educativo na pedagogia progressista libertadora de Freire, o aluno deve ser levado através do docente a tomar consciência de seus interesses e se dispor a lutar por eles. Deve também se libertar de preconceitos e buscar o desenvolvimento da aprendizagem através da consciência. O educador deve esclarecer e despertar a consciência do educando em relação à realidade em que o mesmo vive. No entendimento de Santiago (2011), esta é a educação que deveria ser veiculada no sistema prisional brasileiro. Todavia, o ensino no sistema penitenciário tem sido oferecido como se fosse numa escola regular, com o único intuito de alfabetizar os presos. Contudo, quando alguém resolve questionar tal modelo, poucos estão dispostos a discutir como esta educação pode contribuir para a emancipação do preso, no momento em que saia da prisão. Por certo que o ensino formal voltado ao apenado do sistema prisional seja de algum modo ligado à EJA, até porque nenhum apenado é menor de idade. Porém, por mais proximidade que a EJA possua com o público adulto, esta não totaliza os anseios e características peculiares do alunado em situação de privação de liberdade. Necessitam-se, portanto, de reflexões metodológico educacionais a este público diferenciado. Recentemente, foram aprovadas as Diretrizes Nacionais para a oferta de Educação para Jovens e Adultos em Situação de Privação de Liberdade nos estabelecimentos penais, Parecer CNE/CEB N. 4/2010, que preconiza no seu Art. 2º o seguinte: As ações de educação no contexto de privação de liberdade devem estar calcadas na legislação educacional vigente no país, na lei de execução penal, nos tratados internacionais firmados pelo Brasil no âmbito das políticas de direitos humanos e privação de liberdade, devendo atender as especificidades dos diferentes níveis e modalidades de educação e ensino e são extensivas aos presos provisórios, condenados, egressos do sistema e aqueles que cumprem medidas de segurança. (BRASIL; MEC, 2010).

Sem sombra de dúvidas que essa norma amplia a efetividade do oferecimento de educação para muitos apenados, como medida de apoio à formação dos mesmos. Outro avanço significativo constante no referido parecer faz menção à formação do docente: “Art. 11 Educadores, gestores e técnicos que atuam nos estabelecimentos penais deverão ter acesso a programas de formação inicial e continuada que levem em consideração as especificidades da política de execução penal.” (BRASIL; MEC, 2010).

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Percebe-se que no âmbito da legislação passou a se pensar nos docentes contratados para esse serviço, não mais como professores com as mesmas habilidades dos que lecionam nas escolas convencionais, mas como profissionais que devem estar preparados para atender essa clientela distinta, tendo em vista a existência de peculiaridades no processo de escolarização no sistema prisional brasileiro.

4.1

Educação e profissionalização

Segundo o Plano Diretor do Sistema Penitenciário do Estado de Rondônia (2008) existiam 10 unidades penais do Estado, possuindo salas de aula e cursos profissionalizantes para 482 internos, sendo 444 na alfabetização e no ensino fundamental e 38 no ensino médio. De 2008 até 2014, conforme dados do Infopen, a disponibilidade de atividades educacionais no estado foi ampliada, tendo o Estado atualmente capacidade de oferecer serviço para 11% dos presos. Embora o número total não seja muito, o aumento é significativo. Atualmente, existem 38 salas de aula nos presídios estaduais, sendo estas distribuídas nas 19 unidades prisionais, perfazendo a capacidade total de 567 alunos por turno. Não foram citados alunos apenados que cursam o ensino superior tendo em vista a inexistência deste ensino dentro do presídio. Há vários detentos saindo da instituição prisional para cursar faculdade, outros já estão em liberdade provisória, todos com tornozeleira eletrônica. É sabido que a porta principal para a reinserção social advém da educação, tanto para os apenados quanto para os internados. Deste modo, a abertura concedida aos detentos de continuarem a estudar fora do presídio atende uma das necessidades de ressocialização dos apenados, exclusos da sociedade. O quadro 2 mostra a evolução no oferecimento de atividades educacionais por apenados no Estado de Rondônia

57 Quadro 2- tipo de atividade educacional

Tipo de atividade educacional

Total de aluno

Alfabetização

195

Ensino fundamental

569

Ensino médio

162

Ensino superior

7

Curso técnico (acima de 800 horas de aula)

8

Curso de formação inicial e continuada

48

Total

989

Fonte: Infopen (BRASIL; DEPEN, 2014).

Vale ressaltar que além dos apenados que se envolveram nas atividades descritas acima, outros 61 apenados ainda se beneficiaram do programa de remição pela leitura em 2014, como incentivo à remição pelo estudo. Outra informação importante, desta vez obtida diretamente pela diretoria da EEEFM Madeira Mamoré, para o município de Porto Velho é que em 2013 existiam 559 reeducandos matriculados nesta escola, enquanto que em 2014 este número reduziu para 224. Em 2015 este número passou para 596. A justificativa obtida com a própria diretoria é devido a não realização das matrículas para instalação da modalidade modular. Importante ressaltar que de 2008 para os dias atuais houve a criação, em Porto Velho, de salas de aula também no Centro de Ressocialização Vale do Guaporé e na Penitenciária Estadual de Segurança Máxima José Mário Alves da Silva. Além disso, todas as unidades prisionais estaduais dessa capital agora integram a EEEFM Madeira Mamoré. Esta situação somente foi possível tendo em vista o termo de preparação técnico pedagógico firmado pela Sejus, que resultou no Plano Operativo Estadual de Educação. Ao ouvirmos através dos meios de comunicação a respeito dos gastos 25 que o Brasil tem feito para continuar mantendo os presos nos ambientes prisionais, bem como se nos depararmos com as atuais condições que estes estabelecimentos oferecem, ficamos absurdamente chocados. Entretanto, se tomarmos por exemplo, outros países onde os detentos são melhor tratados e repreparados ao retorno

25

Aproximadamente 5 milhões de dólares por ano.

58

social, a cifra aumenta substancialmente26. Tal investimento é grande, mas seu sucesso também o é. Todavia, no Brasil, o que prospera é o insucesso. As cadeias são consideradas verdadeiras escolas do crime e não locais de readaptação social. O valor efetivamente investido nessa atividade é ínfimo. Nem sempre o valor que acaba sendo noticiado pelos meios de comunicação é verdadeiramente aplicado. É necessário, antes de tecer comentário, conhecer a realidade in loco para entender ao menos algumas das fragilidades do sistema prisional brasileiro. Ressalta-se que no ordenamento brasileiro há muitas normas, regras e leis que garantem aos apenados a sua assistência total. Infelizmente, a mera existência cartular (ainda que constitucionalmente) não enseja sua aplicação fática. A legislação brasileira não é cumprida in totum, nem para os apenados nem para os cidadãos, nem no âmbito da educação e nem no da segurança pública. Vislumbra-se o aumento nas verbas educacionais de modo geral, como também maior inclusão social. O discurso pode ser bem-intencionado, mas na prática, o governo, de modo geral, fica a dever. A falta de investimento no ambiente de estudo, como na formação geral de professores aptos a desenvolverem suas atividades é grande. Não é tangível ao preso, em seu dia a dia, o acesso às leis que existem, pois, os instrumentos que deveriam ser utilizados visando mudança na conduta dos presos não existem e os benefícios desejados são praticamente inexistentes. O descumprimento das leis e regras quanto ao atendimento do apenado favorece sua reincidência no crime, pois, ao sair do estabelecimento prisional para enfrentar o mercado de trabalho estará menos preparado do que entrou, justamente por falta de instrução específica, de formação escolar ou laboral que lhe possibilite a profissionalização e a renda, consequentemente, não haverá reinserção.

4.2

Direito à educação como processo de reinserção social

Praticamente toda forma de civilização atual vive sob a égide de uma norma basilar, a qual, no ordenamento brasileiro é popularmente chamada constituição federal. Nela, acostam-se direitos e deveres a todas as pessoas. Alguns destes 26

A titulo exemplificativo, são gastos 61 milhões de dólares na Suíça, apenas para manutenção prisional.

59

estão relacionados à individualidade; outros, por sua vez, denominados direitos sociais, vinculam-se no intuito de reestabelecer o equilíbrio social. Neste sentido, a constituição federal elenca-os: Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: [...] V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação. Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (grifos nosso).

Assim, a educação realizada mediante o oferecimento do Estado pelo processo de escolarização precisa ser realizada almejando-se estas três metas: o desenvolvimento pessoal, a qualificação laboral e o exercício da cidadania. Oferecer menos que isto é simplesmente descumprir sua função estatal de propositor da melhoria das condições de vida aos hipossuficientes. Entretanto, não só apenas na Constituição Federal estão contidas as normas relativas ao direito de educação. A LEP, em seu art. 17 informa que a assistência educacional (dever do Estado) compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso e do internado. Observe-se que não há restrição na LEP a esse respeito, remetendo-se apenas à formação profissional. Portanto, a restrição dos apenados ao ensino superior reside muito mais no estigma social. Esta abjeta estigmatização advém de: a vivência prática (em geral, pouca instrução dos presos, advindos de classe econômica baixa, preso, pobre, prostituta); a ideia de penalização difusa de quem vive no cárcere (uma vez preso será sempre marginal, como não respeitou direitos dos outros que lhe sejam oportunizados apenas o mínimo de direito); a vingança coletiva (preso tem que sofrer, preso não é gente, se não pode mais ser castigado corporalmente então que sofra); e a pena como fim (preso devia ficar atrás das grades o resto da vida). Não é preciso ir muito longe neste caminho para entender que nenhum desses elementos subjetivos de estigmatização foi acolhido pela norma. Ao invés disto, foram todos

60

refutados pelo ordenamento brasileiro e pelos tratados internacionais no qual é signatário. Ora, se soubéssemos da existência de um inocente no regime fechado, ou de alguém de boa índole no mesmo ambiente prisional que demonstre capacidade, parecer-nos-ia tão difícil negar-lhes a faculdade de aprender uma profissão de nível superior? Se os apenados não fossem “monstros tão cruéis e aterrorizantes ao imaginário popular que praticamente os descaracteriza de qualquer pingo de humanidade” não teriam eles o direito a receberem correta interpretação do que vem a ser formação profissional? Ao invés disso, é lhes aplicada automaticamente a sanção da opinião pública: „Preso é preso, não pode e pronto!‟ Não importa se educação é direito ou se a política carcerária incentive a profissionalização e o retorno à sociedade? Há ainda quem vá dizer, como autômato, considerando o estudo um lazer: „Não importa se é direito‟. Que o preso perca o tempo dele todo na cadeia, que permaneça ocioso, mas que não ganhe a chance de entrar numa universidade. Opinião semelhante aos que entendem que „professor não trabalha, só dá aula‟. A Convenção relativa à Luta contra a Discriminação no campo do Ensino, promulgada pelo Decreto nº 63.223, de 6 de setembro de 1968, na qual o Estado brasileiro também é signatário, apregoa que: [...] o termo "discriminação" abarca qualquer distinção, exclusão, limitação ou preferência que, por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião pública ou qualquer outra opinião, origem nacional ou social, condição econômica ou nascimento, tenha por objeto ou efeito destruir ou alterar a igualdade de tratamento em matéria de ensino, e, principalmente: a) privar qualquer pessoa ou grupo de pessoas do acesso aos diversos tipos ou graus de ensino; b) limitar a nível inferior à educação de qualquer pessoa ou grupo. (BRASIL, 1968)

Enquanto a educação, em todos os seus níveis, não for entendida como fundamental ao desenvolvimento humano, à formação social e profissional, pouco possível será garantir uma melhora efetiva nos padrões sociais e no reingresso daqueles que cumpriram suas penas. Entendimento semelhante quanto à necessidade de se garantir direito à educação das pessoas encarceradas está presente no item 47 do tema VIII do Plano de Ação de Hamburgo (Declaração de Hamburgo), o qual se encontra aprovado na

61

V Conferência Internacional sobre Educação de Jovens e Adultos (Confintea), conforme segue: Reconhecer o direito dos detentos à aprendizagem: a) informando os presos sobre as oportunidades de ensino e de formação existentes em diversos níveis, e permitindo-lhes o acesso a elas; b) Elaborando e pondo em marcha, nas prisões amplos programas de ensino, com a participação dos detentos, a fim de responder às suas necessidades e aspirações em matéria de educação; c) Facilitando a ação das ações não-governamentais, dos professores e dos outros agentes educativos nas prisões, permitindo, assim, aos detentos o acesso às instituições educativas, estimulando as iniciativas que tenham por fim conectar os cursos dados na prisão com os oferecidos fora dela. (CONFERÊNCIA INTERNACIONAL SOBRE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS, 1999)

A própria Constituição assim narra em seu art. 208: “O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um”. Além disso, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada em 1948 em Assembleia Geral, reafirma em seu artigo 26: 1. Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O ensino técnico e profissional deve ser generalizado; o acesso aos estudos superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito. 2. A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos do homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das actividades das Nações Unidas para a manutenção da paz. (ONU, 1948, grifos nosso).

Quanto ao direito fundamental à educação, o ordenamento jurídico declara que o mérito para aferição de capacidade é o processo seletivo (aprovação no vestibular ou nas provas do exame nacional do ensino médio). Assim, uma vez comprovado o mérito do interessado, legítimo seu direito à educação superior, classificado por Alexy (1997, p. 484) como direito definitivo à prestação. Nesse modo, a não promoção de parcerias do Estado com diferentes instituições (universidades e entidades de educação profissional) implica no efetivo impedimento à formação profissional, técnica, tecnológica ou superior ao apenado que tenha se demonstrado seu aprendizado e, portanto, detentor desse direito por comprovação de mérito. Assim, o agente público que agir deste modo irá gerar

62

restrições

por

imprecisão

interpretativa,

fato

que

não

configura

ato

de

discricionariedade, mas sim discriminação, em total afronta a princípios sociais, aos direitos instituídos constitucionalmente e à essência da função do Estado de Direito.

4.3

Rotina dos professores dentro dos presídios

Embora a atuação docente não seja a principal para o processo de aprendizagem do reeducando, não há como negar sua importância, até porque a exigência legal determina o oferecimento formal do ensino, e este principalmente será realizado com a exposição laboral do docente em sala de aula, na prisão. Como parte de toda instituição total, a exemplo dos estabelecimentos prisionais, cada ambiente contido no intramuros é controlado. Nada entra, sai ou permanece sendo feito sem a permissão da administração da instituição, gerida e fiscalizada pelos agentes penitenciários e comandada pelo diretor da unidade prisional. Embora a escola e, portanto, a sala de aula esteja vinculada a atividade da Secretaria Estadual de Educação (SEDUC), todo ambiente prisional que a circunda é atribuição da SEJUS. Assim, para que os professores e os reeducandos possam ingressar nas salas de aula, passam necessariamente por ambientes guardados pelos agentes penitenciários. Vale ressaltar que os objetivos e as prioridades funcionais de professores e agentes penitenciários, embora intimamente ligadas, são extremamente distintas. Enquanto é atribuída ao docente (vinculado à SEDUC) a função de promover a reinserção do reeducando através da escolarização, ao agente penitenciário (vinculado à SEJUS) é atribuída a vigilância pela manutenção da punição devida ao apenado. Note-se que o mesmo indivíduo privado de liberdade passa a ser visto, identificado, descrito e representado de modo diverso por agente penitenciário ou docente, já iniciando nisso o tratamento a ele adotado. Por vezes, esses distintos olhares chegam a ser antagônicos. Agentes penitenciários impedem ou dificultam a atribuição dos professores e professores impedem ou dificultam a atribuição das atividades destinadas aos referidos agentes.

63

Ao chegarem às unidades prisionais, todo material portado ou levado para uso em sala de aula pelos professores é verificado pelos agentes. Caso o material seja considerado “lesivo à segurança”, os agentes possuem total autoridade para vetar o ingresso. Tenha-se por base que folhas grampeadas, cadernos ou mesmo canetas são considerados materiais lesivos à segurança nos estabelecimentos prisionais federais. Embora o rigor ao ingresso de objetos nos presídios estaduais seja mais brando, vale ressaltar que o veto da segurança é decisão terminal. Assim, pouquíssimos materiais podem ser levados à sala para complementar o assunto abordado na aula, além do material didático básico (que via de regra fica na sala de aula). Ao ingressar na unidade prisional, os professores têm seus materiais revistados, passam por detectores de metais e muitas vezes são questionados dos motivos pelos quais levam tais materiais. Em geral, objetos metálicos não podem ser portados ou utilizados, mesmo que seja um ilhós de tênis ou mesmo uma aliança. Em contrapartida, os reeducandos (ou apenados que assistem aula) podem passar por revistas íntimas antes e depois das aulas, para que a segurança seja garantida. Ocorre que, para poder ingressar, o reeducando tem que estar previamente de banho tomado, caso contrário não será retirado de sua cela. Nas unidades estaduais, docente e reeducandos compartilham o mesmo ambiente da sala de aula que fica trancada até o final do horário da aula. Esta „cela de aula‟ ainda pode conter agentes penitenciários para garantir a segurança e a conduta dos reeducandos. Assim, nesta sala trancafiada ficam os que estão matriculados nas aulas e o docente. Por vezes, dependendo do tratamento do presídio, o ambiente da sala de aula intramuros é de completo silêncio, local onde os reeducandos ficam de cabeça baixa, para não representar intimidação aos agentes que vigiam a conduta da sala e só se escuta a voz do docente. Contudo, em outras unidades prisionais, geralmente em que a vigilância não se faz tão presente e ostensiva, a sala de aula consegue fazer o papel de lugar de diálogo, ambiente de aprendizado. Assim, mais do que simplesmente indicar como proposta governamental a implantação de escolas nos ambientes de privação de liberdade, importa saber de que maneira efetivamente o processo de conhecimento e desenvolvimento humano é percebido nestes ambientes prisionais, para que a reinserção social possa ser satisfatoriamente realizada.

64

5 REPRESENTAÇÃO SOCIAL DOS DOCENTES

Neste trabalho a perspectiva teórica que utilizaremos para tratar o tema desta dissertação é a Psicologia Social, em especial, a noção de “representação social”. Esta é apresentada na presente seção como instrumento teórico adequado para avaliar elementos importantes da dinâmica educacional no âmbito do sistema penal.

5.1

A Teoria da Representação Social

Partimos da compreensão da sociabilidade humana como elemento essencial de sua natureza, facilmente corroborada pela expressão aristotélica: “o homem é um ser social”. Por não estar isolado de suas companhias, ele interage com a coletividade, de modo a não romper com sua cultura, com o grupo com o qual convive ou com seus anseios individuais. Nesse sentido, os jargões “saber qual seu papel no mundo” e “contribuir para o bem da sociedade” exprimem cristalizadas composições sociais correlatas ao senso de pertencimento dos indivíduos: Frente a esse mundo de objetos, pessoas, acontecimentos ou ideias, não somos (apenas) automatismos, nem estamos isolados num vaio social: partilhamos esse mundo com os outros, que nos servem de apoio, às vezes de forma convergente, outras pelo conflito, para compeendê-lo administrá-lo ou enfrenta-lo. Eis por que as representações são sociais e tão importantes na vida cotidiana. (JODELET, 2001, p. 17)

O homem, por ser um ser social, desde pequeno depende de outros e também se relaciona com eles, esse processo é contínuo e infinito. Para Jodelet (2001, p. 17), a necessidade das representações está relacionada ao posicionamento tomado frente à vida, eis que: Sempre há necessidade de estarmos informados sobre o mundo à nossa volta. Além de nos ajustar a ele, precisamos saber como nos comportar, dominá-lo física ou intelectualmente, identificar e resolver os problemas que se apresentam.

65

O querer mais informações e o desejo de aprender como agir para estar com os outros é especificamente o campo da psicologia social. Esta necessidade do ser humano de estar junto aos seus pares incide, além de outras situações, na percepção da representação social como elemento imanente para compreensão do desenvolvimento da pessoa. A psicologia social aborda as representações sociais no âmbito do seu campo, do seu objeto de estudo a relação indivíduo-sociedade e de um interesse pela cognição, embora não situado no paradigma clássico da psicologia: ela reflete sobre como os indivíduos, os grupos, os sujeitos sociais, constroem seu conhecimento a partir da sua inscrição social, cultural etc., por um lado, e por outro, como a sociedade se dá a conhecer e constrói esse conhecimento com os indivíduos. Em suma, como interagem sujeitos e sociedade para construir a realidade, como terminam por construí-la numa estreita parceria – que, sem dúvida, passa pela comunicação. (ARRUDA, 2002, p. 128).

A palavra comunicação vem da origem latina communicatio, significando tornar comum, remetendo também à communis, que implica em algo compartilhado por vários. Disto, entende-se que a comunicação é uma interação básica para o homem enquanto ser sociocultural. O conceito de cultura é amplo e diferente, conforme a área do conhecimento em que se vai atuar suas conotações são diversificadas. Seu termo vem da origem latina colere, cultivar ou instruir; cultus, cultivo, instrução. Não há ser humano desprovido de cultura a não ser recém-nascido e o homo ferus. Toda sociedade tem cultura, não existindo uma superior a outra. Cultura na visão antropológica tem significado amplo e “engloba os modos comuns e aprendidos da vida, transmitidos pelos indivíduos e grupos em sociedade.” (LAKATOS; MARCONI, 1998, p. 128). Edward Burnett Tylor, em 1871, elaborou o primeiro conceito de cultura27 ao escrever “cultura primitiva”. Afirma-se nesta obra que cultura é: “aquele todo complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes

27

“CULTURE or Civilization, taken in its wide ethnographic sense, is that complex whole which includes knowledge, belief, art, morals, law, custom, and any other capabilities and habits acquired by man as a member of society. The condition of culture among the various societies of mankind, in so far as it is capable of being investigated on general principles, is a subject apt for the study of laws of human thought and action” (TYLOR, 1871, p. 1), que traduzido livremente indica: Cultura ou civilização, tomado em seu sentido amplo etnográfico, é o complexo que inclui conhecimento, crença, arte, moral, lei, costume e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade. A condição da cultura entre as diversas sociedades da humanidade, na medida em que é capaz de ser investigado em princípios gerais, é um assunto relativo ao estudo das leis do pensar e agir humanos.

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e todos os outros hábitos e aptidões adquiridos pelo homem como membro da sociedade” (MARCONI; PRESOTTO, 2006, p. 22). Malinowski (1962, p. 43) descreve a cultura como “[...] o todo global consistente de implementos e bens de consumo, de cartas constitucionais para os vários agrupamentos sociais, de ideias e ofícios humanos, de crenças e costumes”. Sendo assim, concebe cultura como ideia. Por sua vez, Kahn (1975) ao tratar do pensamento de Leslie A. White (1949), faz distinção entre cultura e comportamento: Cuando cosas y acontecimientos que dependen del simbolizar se consideran e interpretan en términos de su relación con los organismos humanos, es decir, en un contexto somático, entonces propiamente pueden denominarse conducta humana, y la ciencia correspondiente: psicología. Cuando estas mismas cosas y acontecimientos que dependen del simbolizar son considerados e interpretados en términos de contexto extrasomático, es decir, en términos de su mutua relación más bien que de su relación con organismos humanos, podemos entonces llamarlos cultura (KAHN, 1975, p. 134)

Dessa forma, compreende-se cultura a relação de objetos e fatos quando interpretados simbolicamente num contexto extrassomático, enquanto que o comportamento se daria no contexto somático, no âmbito do indivíduo. Assim, o comportamento fica no campo da psicologia enquanto a cultura pertence a área da antropologia. A cultura para White consiste numa série de coisas reais que podem ser observáveis, examinadas em um contexto extrassomático e há três tipos de significados que são: as ideias; atos evidentes ou atitudes; e objetos materiais. Ruth Benedict (1934, p. 17) conceitua cultura “como um todo, cujas partes estão de tal modo entrelaçadas, que a mudança em uma das partes afetará as demais”, enquanto que Foster (1964, p. 21) a compreende distintamente: Cultura é a forma comum e aprendida da vida, compartilhada pelos membros de uma sociedade, constante da totalidade dos instrumentos, técnicas, instituições, atitudes, crenças, motivações e sistemas de valores conhecidos pelo grupo.

Esse autor considera como comportamento aprendido e engloba elementos materiais e não materiais em seu conceito de cultura. Já para Clifford Geertz (1973, p. 37) “a cultura deve ser vista como um conjunto de mecanismos de controle - planos, receitas, regras, instituições - para

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governar o comportamento”. Sendo assim, haveria uma extensa variabilidade de aspectos para cada povo, com significados historicamente construídos. Esses mecanismos de controle são também chamados por Mead (1934) de gestos significantes ou símbolos significantes, expressados por atitudes, gestos ou outros elementos para indicar significado. “[...] o gesto significante ou símbolo significante [...] provoca no indivíduo que o faz a mesma atitude em relação a ele [...] que a que provoca em outros indivíduos que participam com o primeiro em um dado ato social” (MEAD, 1934, p. 46). E Mead (1934, p. 267) prossegue afirmando: “A organização das reações sociais possibilita ao indivíduo provocar em si não simplesmente uma mera reação do outro, mas uma reação, por assim dizer, da comunidade como um todo". Nesse sentido, Mendonça (2013, p. 375) complementa “O outro generalizado é cultural e envolve quadros interpretativos, valores, instituições e padrões de comportamento naturalizados”. (Grifos do autor). O conceito de cultura se transforma no decorrer do tempo, do espaço e em sua essência: Tylor e Malinowski consideram cultura como ideias, enquanto Foster a vê como comportamento apreendido. Para White cultura é vista como essência, em si mesma, fora do grupo humano. Assim, em linhas gerais, o conceito de cultura possui vários enfoques, dentre eles: conduta, atitudes e crenças. Se formos observar na prática como funcionam, notaremos que estão interligados, como, por exemplo: As crenças e as ideias determinam os valores que atuam nas atitudes que, por sua vez, refletem em padrões culturais28, normas sociais, e estas interferem na conduta individual ou grupal. Nesse sentido: “Toda representação é composta de figuras e de expressões socializadas. Uma representação social é a organização de imagens e linguagem porque ela realça e simboliza atos e situações que nos são ou nos tornam comuns” (MOSCOVICI, 1978b, p. 25). Dessa maneira, a cultura é transmitida tradicionalmente, de geração em geração, através da utilização da linguagem. O homem é o um dos poucos animais que desenvolveu a linguagem dando significados a um conjunto de sons articulados. Processa-se por meios não vocais, 28

Por padrão cultural entende-se o comportamento geral, regularizado e aceito na conduta de determinada sociedade.

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com gestos e expressões (alegria, tristeza, raiva) compreendidos através das experiências adquiridas; por sons inarticulados, inflexões de voz e emoções (reação ao modo de falar e não à palavra); por palavras e símbolos, estas são diferentes conforme a cultura de cada indivíduo. A linguagem, embora possa ter significados diferentes no seu vocábulo, variando conforme cada região, cultura e sociedades, é o principal meio de comunicação humana, logo, as sociedades possuem linguagens diferentes utilizadas no ato de se comunicar. Desta feita, a comunicação é a base das relações sociais das pessoas e por meio dela é que as pessoas interagem e trocam conhecimentos. Dessa maneira: [...] sendo formas de conhecimento, as representações sociais constituem uma vertente teórica da Psicologia Social que faz contraponto com as demais correntes da Filosofia, da História, da Sociologia e da Psicologia Cognitiva que se debruçam sobre a questão do conhecimento. (SPINK, 1993, p. 300).

Assim, considerando que as representações sociais possuem relações inter e intrapessoais para a dinamicidade da reformulação das ideias e do conhecimento, não há porque se negar seu caráter fortemente transdisciplinar. Posicionamento análogo é proposto por Porto (2009, p. 650) ao tratar de Jodelet: Denise Jodelet „insiste sobre a riqueza da noção [de representações sociais], sobre sua vitalidade científica e seu caráter re-unificador das ciências humanas, sobre sua transversalidade, mas, igualmente, sobre sua complexidade‟.

A comunicação pode ocorrer através de palavras, símbolos e significado. Ela “é um processo pelo qual ideias e sentimentos se transmitem de indivíduo para indivíduo, tornando possível a interação social” (LAKATOS; MARCONI, 1998, p. 308). Segundo Batista Mondin (1985, p. 285) a linguagem na visão de Marcuse “é um instrumento de controle do homem pela sociedade unidimensional” enquanto que para Saussure “é a combinação de sons e sinais equivalentes”. Já para Wittgenstein “é questão de uso de certos sons, o significado de uma palavra depende do seu uso” “é expressão espontânea da subjetividade” (MONDIN, 1985, p. 285). Na obra de Ferdinand Tonnis, “comunidades e sociedades”, escrita em 1887, são vistas as relações sociais, definindo-se o dualismo nas concepções de comunidade (como teor étnico ou de grupo) e sociedade (vida pública, relação

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anônima), as quais são compreendidas como criações da vontade do homem. Neste contexto, as relações comunitárias29 são gradativas (fundadas na proximidade de relações, vínculos sanguíneos, proximidade física e intelectual), além de se realizarem em três núcleos espaciais (casa, aldeia e cidade), sendo que os indivíduos necessitariam essencialmente de liberdade das vontades para sua existência. Tais vontades dividem-se em: essencial (ou orgânica) e arbitrária. A primeira compreende as tendências instintivas e orgânicas que dirigem a atividade humana. Apresenta, ainda, três formas, sendo que cada uma delas corresponde a diferentes níveis de atividades, que são: hábito, desejo e memória. O hábito, como relação do organismo com o mundo exterior e a memória como atividade mental produzem o caráter moral individual, que é a base da moralidade, esta é adquirida através da aprendizagem social. A vontade arbitrária ou reflexiva, além de possuir três formas (reflexão, conveniência e conceito), é a forma deliberada ou voluntária que determina a atividade humana em relação ao futuro. A oposição entre a vontade essencial e a arbitrária origina dois tipos de relações sociais, quais sejam: comunidades e sociedades. As comunidades ou grupos sócio comunitários são formados por indivíduos unidos por laços naturais ou espontâneos. A primeira é conhecida como comunidade de sangue (tribo, clã) enquanto a segunda, que é espontânea, é constituída por comunidades de lugar, vizinhança, de espírito baseado na amizade, sentimentos. Podem ainda ser compostas por objetivos comuns que ultrapassem os interesses individuais. Os membros desta segunda comunidade estão unidos geralmente por simpatia, afinidade e cooperação. As sociedades ou complexos associativos são grupos formados na vontade livre de cada pessoa, ou pessoas que formam uma associação para alcançar determinados fins. A união de seus membros é voluntária por visarem o mesmo objetivo final. O contato é de interesse individual; a relação é de competição, concorrência ou indiferença.

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“Sua origem repousaria na consciência da dependência mútua determinada pelas condições de vida comum, pelo espaço compartilhado e pelo parentesco: por isso se realizaria como comunidade de bens e males, esperanças e temores, amigos e inimigos, mobilizada pela energia liberada por sentimentos envolvidos como afeto, amor e devoção” (BRANCALEONE, 2008, p. 100)

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A diferença entre comunidade e sociedade é que a primeira está voltada para consanguinidade e afetividade, enquanto a segunda visa apenas o interesse individual, o “outro” não é levado em consideração a não ser que sirva para o alcance do objetivo, do contrário, o outro é indiferente. Durkheim ao escrever a obra “Divisão do Trabalho Social”, originalmente publicada em 1893, trata de dois princípios básicos: consciência coletiva e solidariedade (orgânica e mecânica). Para ele: “O conjunto das crenças e dos sentimentos comuns à média dos membros de uma mesma sociedade forma um sistema determinado que tem vida própria, podemos chamá-lo de consciência coletiva ou comum” (DURKHEIM, 1930/1999, p. 50). A consciência coletiva envolve a mentalidade e a moralidade do indivíduo. Esta consciência é compartilhada com o grupo. Este tipo de consciência subjuga a consciência individual, e as sanções aplicadas são severas nas sociedades primitivas; da sanção surge o sistema legislativo, que ressalta os valores da igualdade, liberdade, fraternidade e justiça. Já a solidariedade mecânica, por sua vez, é assim definida: [...] pela força que a „consciência coletiva‟ exerce sobre seus membros, e que dispõe de uma moralidade igualmente típica, caracterizada pelo apelo consensual e difuso, o que, por um lado, garante uma forte coesão social e, por outro, dá pouca chance ao desenvolvimento da personalidade individual. [...]A prevalência do “direito repressivo” nesse tipo de sociedade é a notação do alto grau de pressão que incide sobre os indivíduos e que, de certo modo, os encurrala como uma onda uniformizante, sancionando energicamente aqueles que transgridem o caráter obrigatório dos códigos morais vigentes. (VARES, 2013, p. 152-153).

É dentro das coletividades humanas mais simples que se caracteriza a solidariedade mecânica. Esta provém da semelhança entre os indivíduos de um mesmo grupo. Para a manutenção do grupo, a coerção é severa e repressiva, por ser baseada na consciência coletiva. A solidariedade mecânica se transforma quanto ao progresso do trabalho. Paralelamente, a solidariedade orgânica é oriunda da independência dos indivíduos e grupos, implicando em uma consciência individual, mais livre e com maior autonomia. Consiste, assim, em:

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[...] um processo de especialização das funções sociais que conduz os indivíduos a uma relação de dependência mútua [...] assentadas na prevalência das relações econômicas, [que] desenvolvem um tipo de solidariedade funcional que aproxima indivíduos na diferença. (VARES, 2013, p. 153).

O princípio da divisão do trabalho, baseado na diversidade dos indivíduos suscitou o surgimento de um novo princípio voltado a uma moral própria e que deu origem ao princípio de solidariedade orgânica, criada por Durkheim. Dando continuidade ao objeto do presente capítulo, tendo já contextualizado o tema no campo da Psicologia Social, para melhor entendermos o conceito de “representação social”, apliquemo-nos, a seguir, à origem de sua definição: O termo 'representação social', ou 'representação coletiva', foi proposto, como é sabido, por Durkheim, que desejava enfatizar a especificidade e a primazia do pensamento social em relação ao pensamento individual. Para este autor, assim como a representação individual deve ser considerada um fenômeno psíquico autônomo não redutível à atividade cerebral que a fundamenta, a representação coletiva não se reduz à soma das representações dos indivíduos que compõem a sociedade. (HERZLICH, 1991, p. 23).

Desse modo, pode-se dizer que essa representação envolve um ultrapassar, ir além, onde o pensamento abrange a coletividade em geral e não de modo separado. Engloba-se o mundo e a mente. Com o passar do tempo e o empenho de novos teóricos, o termo foi ganhando mais precisão. Assim, uma das definições de maior aceitação entre os pesquisadores da área nos é oferecida por Denise Jodelet (2002, p. 22): “As representações sociais são uma forma de conhecimento socialmente elaborado e compartilhado, com um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social”. Vale ressaltar que o conhecimento natural, espontâneo, obtido por senso comum em decorrência da praticidade é fonte de conhecimento das representações sociais. Dando prosseguimento a sua apresentação do termo, a referida autora acrescenta também que:

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Igualmente designada como saber de senso comum ou ainda saber ingênuo, natural, esta forma de conhecimento é diferenciada, entre outras, do conhecimento científico. Entretanto, é tida como um objeto de estudo tão legítimo quanto este, devido à sua importância na vida social e à elucidação possibilitadora dos processos cognitivos e das interações sociais. Geralmente, reconhece-se que as representações sociais – enquanto sistemas de interpretação que regem nossa relação com o mundo e com os outros – orientam e organizam as condutas e as comunicações sociais. Da mesma forma, elas intervêm em processos variados, tais como a difusão e a assimilação dos conhecimentos, o desenvolvimento individual e coletivo, a definição das identidades pessoais e sociais, a expressão dos grupos e as transformações sociais. (JODELET, 2001, p. 22)

Assim, o conhecimento oriundo do senso comum é um dos objetos de estudo sobre a interação social e a cognição. Deste modo, fica evidenciado o caráter complexo de tal constructo teórico. Resumidamente, e em outros termos, vemos que: [...] a noção de representação social apresenta, como os fenômenos que ela permite abordar, uma certa complexidade em sua definição e em seu tratamento. [...] Por um lado, deve-se levar em consideração o funcionamento cognitivo e o do aparelho psíquico, e, por outro, o funcionamento do sistema social, dos grupos e das interações, na medida em que afetam a gênese, a estrutura e a evolução das representações que são afetadas por sua intervenção. (JODELET, 2001, p. 26)

Dada sua complexidade, parece-nos conveniente, antes de avançarmos no aprofundamento de sua compreensão, traçarmos breves considerações sobre aspectos históricos da Teoria das Representações Sociais. Portanto, convém salientar que a teoria da representação social tem sua base em Moscovici, e, conforme Farr (1995, p. 31) “[...] é uma forma sociológica de psicologia social” que tem sua força no valor simbólico, na representação que corresponda a um ato de pensamento entre o indivíduo e o objeto (ser ou coisa, real ou imaginário) para a melhor compreensão de um fenômeno. De fato, representar ou se representar corresponde a um ato de pensamento pelo qual um sujeito se reporta a um objeto. Este pode ser tanto uma pessoa, quanto uma coisa, um acontecimento material, psíquico ou social, um fenômeno natural, uma ideia, uma teoria etc.; pode ser tanto real quanto imaginário ou mítico, mas é sempre necessário. Não há representação sem objeto. Quanto ao ato de pensamento pelo qual se estabelece a relação entre sujeito e objeto, ele possui características específicas em relação a outras atividades mentais (perceptiva, conceitual, mnemônica etc) (JODELET, 2001, p. 22).

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Representar só é possível, segundo Aristóteles, quando há um objeto e a identificação da ideia com o objeto produz o conhecimento, e deste, o conceito. Retornando à perspectiva histórica, observa-se que: A partir dos anos 60, com o aumento do interesse pelos fenômenos do domínio do simbólico, vemos florescer a preocupação com explicações para eles, as quais recorrem às noções de consciência e de imaginário. As noções de representação e memória social também fazem parte dessas tentativas de explicação e irão receber mais atenção a partir dos anos 80. Como vários outros conceitos que surgem numa área e ganham uma teoria em outra, embora oriundos da sociologia de Durkheim, é na psicologia social que a representação social ganha uma teorização, desenvolvida por Serge Moscovici e aprofundada por Denise Jodelet. Essa teorização passa a servir de ferramenta para outros campos, como a saúde, a educação, a didática, o meio ambiente, e faz escola, apresentando inclusive propostas teóricas diversificadas. (ARRUDA, 2002, p. 128).

Quanto a Moscovici, sua obra seminal (La Psychanalyse, son image, son public, 1961) surge “[...] causando espécie nos meios intelectuais pela novidade da proposta. [...] A teoria aparentemente não vinga de imediato, fazendo sua reaparição com força total no início dos anos 80” (ARRUDA, 2002, p. 128). Tal demora em sua assimilação possivelmente deve-se ao fato de que: A pesquisa de Moscovici, voltada para fenômenos marcados pelo subjetivo, captados indiretamente, cujo estudo se baseava em metodologias inabituais na psicologia da época e dependia da interpretação do pesquisador, fugia aos cânones da ciência psicológica normal de então. Seria preciso esperar quase vinte anos para que o degelo do paradigma permitisse o despontar de possibilidades divergentes. (ARRUDA, 2002, p. 129).

Quanto à contribuição de Jodelet, Brito (2010, p. 31) aduz que a autora contribuiu com o desenvolvimento da teoria abordando “as representações sociais como um conhecimento organizado e partilhado socialmente que edifica a realidade do grupo social, constituindo uma totalidade significante” Para ela, o conhecimento oriundo do senso comum é criado e partilhado pelo próprio grupo social, sendo que seu saber é coletivo. Assim: [...] o caráter social do fenômeno representações pode ser explicado por três critérios: o quantitativo, na medida em que é partilhado por um conjunto de indivíduos, o critério genético, já que é produzido e construído de forma coletiva e o critério de funcionalidade, na medida em que as representações constituem um saber prático (BRITO, 2010, p. 31).

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Para os fins da presente pesquisa, daremos maior ênfase ao critério da funcionalidade das representações sociais. Tal critério é abordado e classificado de diferentes maneiras, variando conforme o autor estudado. Nesse sentido, por exemplo, Abric (1998) pontua quatro funções essenciais das representações sociais: - função de saber prático, possibilitando explicar a realidade a partir do conhecimento do senso comum; - função de identificação, permitindo a manutenção da coesão grupal pois define a identidade do grupo; - função de orientação, norteando as práticas e os comportamentos dentro de um contexto social; -

função de justificativa e avaliação, admitindo explicar e justificar as

condutas. Ora, considerando que “uma representação social é um modo de pensamento sempre ligado à ação, à conduta individual e coletiva, uma vez que ela cria ao mesmo tempo as categorias cognitivas e as relações de sentido que são exigidas” (HERZLICH, 1991, p. 25), podemos compreender melhor a estreita relação da teoria da representação social pela psicologia social, devido ao seu caráter eminentemente prático, com várias teorias visualizadas em outros campos do saber, dentre elas: a memória coletiva30 defendida por Maurice Halbwachs (1950) para a teoria social; a organização social do discurso31 exposta por Edwards e Potter (1992) e Wittgenstein (1953) para a análise do discurso; ou mesmo as representações culturais32 evidenciadas por Sperber (1989) e Chartier (2002). Nesse sentido, [...] nos diversos textos que lidam com as representações sociais enquanto formas de conhecimento prático, são destacadas diversas funções, entre elas: orientação das condutas e das comunicações (função social); proteção e legitimação de identidades sociais (função afetiva) e familiarização com a novidade (função cognitiva) (SPINK, 1993, p. 306).

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Por memória coletiva ou social entende-se “construções coletivas de pessoas e grupos relacionadas ao passado; lugares, datas, palavras e formas de linguagem seriam representações partilhadas por todos aqueles que têm lembranças [...] a memória social não seria uma expressão do que aconteceu no passado, mas uma construção coletiva do passado realizada pelos indivíduos de determinada coletividade” (SANTOS, 2013, p. 57). 31 Por organização social do discurso entende-se a incorporação do imaginário coletivo da cultura social enquanto subjetivação e consciência, frente à representação do real de uma sociedade. 32 Por representações culturais entende-se “o instrumento de um conhecimento mediato que revela um objeto ausente, substituindo-o por uma „imagem‟ capaz de trazê-lo à memória e „pintá-lo‟ tal como é „ou‟ a exibição de uma presença, a apresentação pública de uma coisa ou de uma pessoa” (CHARTIER, 2002, p. 74).

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As funções determinam as relações e as práticas sociais. O próprio fundador da teoria chegou a apresentar suas considerações quanto à funcionalidade das representações sociais: Moscovici atribui quatro funções às Representações Sociais, sendo que essas representações possuem papel fundamental nas relações e práticas sociais. A primeira é a função de saber. As representações, como teorias do senso comum, permitem que os indivíduos compreendam e expliquem a realidade, e facilitam a comunicação social. A segunda é a função identitária. Através das representações os grupos elaboram suas identidades sociais e definem, assim, suas especificidades. A terceira função é de orientação: as Representações Sociais orientam os comportamentos e as práticas sociais. Nas palavras de Moscovici (2003), o sistema de pré-decodificação da realidade, constituído pela representação, é, de fato, um guia para a ação. Por fim, a função justificadora: como as representações orientam os comportamentos, elas permitem também justificá-los. Então, os indivíduos justificam determinadas condutas por meio das representações. (VALLE, 2008, p. 33-34).

Para uma abordagem mais didática do aspecto funcional da Teoria das Representações Sociais, adotaremos aqui esquematicamente a visão moscoviciana do tema. Assim, quanto à função de saber (compreender e explicar a realidade pelo senso comum), entende-se que os conhecimentos obtidos socialmente são repassados, difundindo-se as compreensões individuais de cada um

dos

participantes. Não há de se negar que diante de diferentes conhecimentos, em algum nível de gradação, maior ou menor, os discursos proferidos sempre promoverão alguma influência aos que ouviram, quer sejam estas influências positivas ou negativas. Desse modo, se considerarmos as influências existentes geradas nas relações sociais e somarmos também as advindas das relações de informação, surgirão como resultantes neste contexto coletivo uma grande quantidade de variáveis interligadas por elementos de participação e de cultura durante o processo de obtenção do conhecimento popular repassado às pessoas que nela interagem. Exatamente por se pensar a pessoa como sujeito ativo e de atividade constante em suas interações, Moscovici propõe a reconfiguração da estrutura do processo de relações de Durkheim, delineando sua teoria diante da representação social.

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Segundo essa teoria, a influência das interações sociais no processo cognitivo envolve conceituações e reconceituações palatáveis à massa social. Paralela a abordagem através da representação social, desenvolve-se a teoria do interacionismo simbólico em que o fundamento do comportamento humano funda-se no ato social, aplicando-se interna e externamente, sendo a mente nada mais que uma relação do organismo com a situação, realizada através de uma sequência de símbolos significantes. Schlenker (1980) e Mendonça (2002) esclarecem que quando tais símbolos produzem uma reação adequada em outro sujeito, tem-se um símbolo que evoca ao mesmo significado em ambos os indivíduos envolvidos no processo. Isto é, a relação de símbolos e seus respectivos significados na interação social posta em análise. Nesse sentido, conforme se pode compreender através das leituras de Mead (1982, p. 165) e Carvalho, Borges e Rêgo (2010, p. 146-161), o significado é produto da conduta social em razão da existência de símbolos significantes. Ou seja, os processos mentais dependem da capacidade de identificação destes significados a partir de tais símbolos e da indicação de elementos externos que tenham tal identidade. Tal abordagem dista da leitura de representação social. Este último é moldado a partir de um senso comum coletivo, que influencia na capacidade de apreensão e percepção da realidade posta, afetando os sujeitos envolvidos na análise e da definição de papéis sociais e nos processos de conformação social podendo ser estudados paralelamente a outras variáveis como tempo ou espaço. Essa assimilação conceitual de um determinado termo ou assunto pela população percorre um procedimento denominado ancoragem, no qual o termo é primeiramente decomposto, analisado e assim digerido para, posteriormente, ser sintetizado, aceito e utilizado socialmente. “Num primeiro momento, tudo se estende e se diversifica; num segundo momento, tudo se concentra, recordando-se numa linha por assim dizer vertical”. (MOSCOVICI, 1975, p. 155). Importante é ressaltar que esta flexibilidade ao imaginário social assume três passos. Primeiro, apresentam-se expostas as distinções entre os grupos envolvidos, descontextualizadas da informação. Em seguida, passa-se ao distanciamento conceitual entre o científico positivado e a linguagem comum. Por fim, a assimilação dos termos e conteúdos anteriormente conhecidos apenas no campo científico, interligada ao procedimento de ancoragem. “A ancoragem refere-se à inserção

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orgânica do que é estranho no pensamento já constituído. [...] ancoramos o desconhecido em representações já existentes” (SPINK, 1993, p. 306). Nesse sentido é prudente emitir a seguinte ressalva: Seria um erro, contudo, pensar que os processos de assimilação e contraste operam, na obra de Moscovici, apenas a nível individual. [...] A análise é certamente executada a um nível cultural, e não ao nível do indivíduo. (FARR, 1995, p. 48).

Já quanto à função identitária, ela se configura quando as representações sociais contribuem para a manutenção do grupo e o sentido de pertença de seus membros, protegendo, legitimando e promovendo afetivamente a identidade social. Assim, “[...] uma representação social pode funcionar como atributo de um grupo: ou seja, grupos sociais podem identificar-se, perceber-se, aliar-se ou rejeitar-se através dela” (HERZLICH, 1991, p. 25). Característica esta, marcante nos apenados. Quanto à função de orientação, expressa-se pela capacidade de as representações sociais guiarem os comportamentos e práticas sociais, exercendo função social de norteamento das ações num determinado contexto. Assim, no pensamento de Moscovici sobre esse aspecto das representações sociais, [...] tratava-se de introduzir a noção de uma atividade organizadora sobre o duplo plano cognitivo e simbólico; atividade organizadora de um grupo, ou de um indivíduo enquanto membro de um grupo, que orienta a resposta, já que ela estrutura o estímulo e lhe dá um sentido coletivamente partilhado. (HERZLICH, 1991, p. 24).

A função de orientação deve ser mais utilizada nas escolas para todos os alunos e por todos os professores e não só por alguns. Por fim, quanto à função justificadora, ela se apresenta quando condutas são justificadas por meio da influência de representações sociais, “[...] ou seja, tomando como ponto de partida a funcionalidade das representações sociais na criação e na manutenção de uma determinada ordem social” (SPINK, 1993, p. 306). A justificativa do meio social interferir na ação do indivíduo é observada no meio jurídico quando o advogado vai defender o cliente considerado “réu”. Deste modo, as representações são, essencialmente, fenômenos sociais que, mesmo acessados a partir do seu conteúdo cognitivo, têm de ser entendidos a partir do seu contexto de produção. Ou seja, a partir das funções simbólicas e ideológicas a que servem e das formas de comunicação onde circulam. (SPINK, 1993, p. 300)

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Inclusive, representações sociais podem se prestar à justificação, até, de preconceitos. Nesse sentido, há uma grande frequência no processo de autoestratificação/classificação pelo qual membros de uma sociedade são submetidos e rotulados, inclusive cediços aos mais variados tipos de preconceitos. Assim: Se o preconceito auxilia na manutenção de uma situação estabelecida e se são verdadeiras as mazelas que o progresso tem trazido à felicidade humana, como Freud (1986) e Horkheimer e Adorno (1986) apontaram, é porque a necessidade de dominação é uma parcela da natureza humana que ainda não foi conquistada. (sic) (CROCHIK, 2006, p. 116)

A ética social encontra-se distanciada dos homens, o desejo de buscar a felicidade individual acaba afastando-os da boa conduta e surge assim o querer dominar tudo e todos. É evidente que essa defesa apaixonada se dá por comparação. As diferenças e semelhanças são negadas, como diversidades e especificidades da outra cultura, e o critério para a compreensão passa a ser o da superioridade e da inferioridade que, supostamente baseados em conhecimento científico, passam a garantir essa diferença pela desconstrução da outra cultura. (NOGUEIRA, 2004, p. 104).

Justamente pelo fato da sociedade ainda não ter atingido o grau de crescimento necessário, rotulações são dadas aos cidadãos pelos mais diversos motivos. Por vezes, tais rótulos apenas descrevem os bens e recursos obtidos, objetificando pessoas ou excluindo-as de certos círculos sociais, algumas vezes até mesmo por influxos religiosos, como nos casos da aceitabilidade e integração social por castas ou estamentos. Ressalvadas as exposições de fundo cultural, vale ressaltar que essas divisões na coletividade continuam servindo de alicerce para uma sobreposição de interesses de uns enquanto redução da persona por outros, o que implica, ainda, em diferentes modelos representacionais. Aliás, justamente pela relação exposta entre as representações sociais e suas possíveis justificações dos preconceitos, e até exclusões e estratificações sociais que podem lançar luz ao tema da reinserção social do apenado por meio da educação prisional.

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Também a análise das representações sociais na elaboração da identidade e do papel do docente dentro da cadeia tem aqui grande importância. Ora, É por meio dos significados produzidos pelas representações que damos sentido à nossa experiência de ser professor, aquilo que somos enquanto sujeito. Então, a produção de significados e a produção de identidades que são posicionadas nos (e pelos) sistemas de representação estão estreitamente vinculadas. (VALLE, 2008, p. 32).

Fica claro, portanto, o significativo potencial de influência que a análise das representações sociais pode exercer em processos de transformação da sociedade. Considerando que para a Teoria das Representações Sociais (TRS) “a realidade é socialmente construída e o saber é uma construção do sujeito, mas não desligado da sua inscrição social” (ARRUDA, 2002, p. 131), muito se pode trabalhar por uma sociedade melhor por meio da compreensão do papel das representações sociais. Dessa forma: As representações também influem na constituição do real, na medida em que retornam a esta realidade com idéias expressas em conceitos e imagens que orientam critérios de valores e comportamentos. Nesse sentido, as representações refletem os fatos e refletem-se nos atos. E, assim, os mecanismos de resistência à mudança podem se romper pelo próprio dinamismo (e em todo o dinamismo está a contradição) do processo. As mudanças, então, podem se dar na experiência do sujeito, no objeto de sua representação ou no contexto em que se estabelece a interação entre sujeito e objeto. (RANGEL; TEVES, 1999, p. 59).

Como visto, a leitura do contexto social realizada pela compreensão das representações sociais possibilita não apenas descrever o processo cognitivo de obtenção e substituição conceitual comum pelo qual todas as pessoas estão envoltas, mas favorecer a abrangência pela qual a vivência nos diferentes grupos sociais exercem influência/pressão demonstrando-se geralmente cristalizadas as relações simbólicas entre os membros de um grupo social, contribuindo significativamente para o entendimento dos fenômenos coletivos, pois, as múltiplas dimensões pelas quais se envolvem as representações sociais se distinguem da perspectiva clínica exatamente pelo pertencimento e pela participação que atravessa os sujeitos em seus contextos socioculturais. Assim,

tendo

exposto

a

fundamentação

básica

dessa

perspectiva

psicológica, passaremos, a seguir, para sua aplicação no contexto da atividade docente em âmbito prisional.

80

5.2

Resultados: Análise e discussão do conteúdo

Percebeu-se com a fala dos docentes, que o fato de ensinar no presídio, somente algumas rotinas são diferentes da escola regular, como a entrada de material que é supervisionado pelos agentes de segurança. O processo de ensino é muito semelhante ao de uma escola convencional. Nesse sentido, entende-se que há urgência para que se construam políticas educativas atualizadas para detentos e detentas no Brasil. Segundo a Constituição Federal, a educação é um direito (Brasil, 1988, art. 6º e 205) e não um privilégio. Portanto, entende-se que a educação prisional não está excluída desse direito conforme o art. 1º, inciso III, art. 5º, § 2º. Nesse diapasão, destaca-se que a educação nos presídios faz parte da Educação de Jovens e Adultos (EJA), com objetivos específicos que ultrapassam a EJA, originalmente criada para pessoas em situação de liberdade que apenas não estudaram enquanto eram menores de idade. Embora com outros fins, este tipo de educação auxilia a melhorar as perspectivas de futuro, qualidade de vida e ainda, aos detentos, ocuparem melhor o tempo ocioso e o reingresso na sociedade com valores e atitudes modificadas, proporcionando amplo desenvolvimento. Conforme anteriormente dito sobre a relação docente versus aluno, a mesma é de respeito, cordialidade, valorização e admiração. Atitudes estas bem diferentes do que acontece nas escolas chamadas “comuns”. E no campo profissional, o trabalho desenvolvido com o apenado é de impulsiona-lo a buscar dignidade, por hora perdida e, de readapta-lo integralmente na sociedade. Os entrevistados comentam, ainda, que o ambiente de trabalho é normalmente tranquilo, mas há muitas pessoas além-muro desinformadas e preconceituosas, levando muitos docentes a terem medo de trabalhar na prisão, porque no imaginário cristalizado de muitos sujeitos, os presos não devem estudar, sequer viver. Nessa perspectiva em que os preconceitos reforçam as representações sociais, praticamente não se abre qualquer possibilidade de os apenados se reinserirem socialmente. Paralelamente, Onofre (2007, p. 12), ressalta que: Os presos fazem parte da população dos empobrecidos, produzidos por modelos econômicos excludentes e privados de seus direitos fundamentais de vida. Ideologicamente, como os “pobres” são jogados em um conflito entre as necessidades básicas vitais e os centros de poder e decisão que as negam. São, com certeza

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produtos da segregação e do desajuste social, da miséria e das drogas, do egoísmo e da perda de valores humanitários. Pela condição de presos, seus lugares na pirâmide social são reduzidos à categoria de “marginais” “bandidos”, duplamente excluídos, massacrados, odiados.

Grande parte dos presidiários é oriunda das classes socioeconômicas menos favorecidas, resultante do modelo econômico capitalista que exclui e priva dos

direitos

básicos

e

fundamentais

da

vida.

Os

considerados

pobres,

ideologicamente vivem em conflito entre necessidades vitais e o centro de poder e decisão que as negam. Os presos, em sua grande maioria, fazem parte dos empobrecidos na representação social das sociedades, ficando prejudicadas as condições de se reinserirem no meio social. Um dos elementos mais negativos das instituições carcerária, de fato, é o isolamento do microcosmo prisional do macrocosmo social, simbolizado pelos muros e grades. Até que não sejam derrubados, pelo menos simbolicamente, as chances de „ressocialização‟ do sentenciado continuarão diminutas. Não se pode segregar pessoas e, ao mesmo tempo, pretender a sua reintegração. (BARATTA, 1990, p. 3)

Ao observar o diálogo do pesquisador com os professores individualmente, nota-se que há vários pontos coincidentes em relação às questões pedagógicas, educacionais e pessoais. A análise desses diálogos levanta uma grande variedade de tópicos que coincidem em muitos pontos com o tema tratado nesta pesquisa que é a representação social. Segundo Costa (2013), o momento da análise é um dos mais delicados da pesquisa, é quando o trabalho atinge o momento decisivo, pois ao fazer a crítica interna do trabalho, visa-se o conteúdo da obra, ao seu significado. Isto é, a análise dividida em duas categorias: a crítica de interpretação ou hermenêutica 33 e a crítica do valor interno do conteúdo. O objetivo é analisar as atitudes e entendimentos sobre a representação dos docentes que atuam nos presídios de Porto Velho e suas contribuições práticas para a reinserção social dos apenados.

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Pode ser designada como a arte e a ciência da interpretação. Uma epistemologia não restrita à dimensão formal da construção do conhecimento (COSTA, 2013).

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Os profissionais da educação de modo geral acreditam que através da educação escolar e com boas condições de desenvolver suas atividades haverá uma grande mudança no agir do apenado, que lhe mostrará novos horizontes e patamares diferentes onde possa pôr em prática um novo tipo de vida, saindo para sempre do eterno retorno à prisão. Este novo caminho é a reinserção social. É com esta esperança que os educadores se preparam e procuram desenvolver suas aulas (envolvendo no máximo seus alunos) com maior desempenho e atenção. Essa atitude aumenta e prejudica não só os apenados como também qualquer outro aluno excluído do e pelo meio social. A reinserção dos indivíduos depende também dos materiais didáticos, do ambiente de estudo, de disposição de horário para utilização da biblioteca e elaboração de pesquisas e tarefas. Nos presídios estas condições estão muito aquém do mínimo necessário, porque até os agentes penitenciários de modo geral não gostam e nem se interessam em levar os alunos aos professores nos horários e locais que serão desenvolvidas as atividades. Muitos agentes, quando conduzem os apenados das celas às salas, atrasam meia hora ou mais do horário de ingresso que os alunos deveriam estar. O desinteresse desses agentes prejudica o trabalho dos docentes e assim sucessivamente, chegando até a última instância, que é a sociedade em geral. Nesta, virão mais excluídos que, em pouco tempo, retornarão ao sistema prisional. No diálogo mantido com os entrevistados, estes ressaltam que ser professor é igual em todos os lugares, a rotina com os alunos é a mesma. No presídio a diferença fica na clientela e no como atuar em relação a ela. A visão dos docentes que participaram desta pesquisa em relação aos alunos apenados é de otimismo, esperança, chegando até mesmo ser de alegria, por perceberem que a grande maioria dos presos tem chance e querem se recuperar. Então cabe ao profissional da educação despertar, ativar, motivar o apenado para ir em busca do seu conhecimento e desenvolvimento.

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5.2.1 Representações sociais quanto à identidade docente

Identidade é a clareza da ideia de que eu sou semelhante ao outro, mas não igual, eu sou único, igual apenas a mim mesmo. O reconhecimento do eu se dá quando consigo me diferenciar do outro. O outro mais próximo e importante é a mãe, quando se é criança. O “eu” vai sendo descoberto aos poucos e se inicia na fase infantil. A mãe é a matriz desta identidade. Levanta-se a seguinte questão: quem sou? Para se responder, leva-se muito tempo. Desde a Idade Antiga o homem procura esta resposta, isto é, procura sua identidade. Neste sentido, conceitua-se identidade como sendo: Explicação do sentimento pessoal e a consciência de posse de um eu, de uma realidade individual que torna cada um de nós um sujeito único diante de outros eus; e é, ao mesmo tempo, o reconhecimento individual dessa exclusividade: a consciência de minha continuidade em mim mesmo. (BRANDÃO, 1986, p. 38). Esse autor convida a refletir sobre o “eu” a partir do “outro” que, ao mesmo tempo, é diferente de “nós”. No meio deste complexo emaranhado de “eu”, “outro” e “nós”, descubro meu “eu”. O conceito de identidade une ideias variadas que tenha uma duração extensa, como por exemplo, a nacionalidade, a nação, o nome. A identidade permite que haja relação com os outros “eus” propiciando o reconhecimento de si. O termo é utilizado para delimitar uma unidade das outras. A identidade é mutável, transforma sempre e se adapta a algo com o qual me identifico, acredito e acho semelhante ao meu “eu”. É o modelo identificatório que permite a mudança da “minha” identidade. Identidade e identificação são interligadas, mas não constituem sinônimos. O homem é semelhante ao outro, mas não é o outro. Há casos em que o processo de mudança é tão intenso, confuso, que torna doloroso à pessoa que busca redefinir ou ratificar o seu modo de ser ou estar no mundo. Isto é considerado como identidade em crise, situação muito comum na fase da adolescência. Esta fase é um momento de turbulência interior, e depois de todo o processo mais ou menos doloroso, surge o novo “eu”, a nova identidade. Quanto ao conteúdo das entrevistas, chama atenção a resposta de R2, que ressaltou como o educador precisa encantar, conquistar o aluno, para que este vá à sala de aula.

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Você tem que conquistar para eles quererem ir à sala de aula. É, a princípio, eles vão pra sala de aula por conta da remissão. A princípio! Chegando na escola, eles começam a se envolver. Aí cabe a nós, professores, cada vez mais ir cativando isso, incentivando eles. Aí quer dizer, você tem que apagar todo passado deles pra fazer com que eles acreditem neles, para poder querer ir à escola. E assim, eu acredito que a gente consegue muita coisa. Tem muitos que se interessam. (R2)

O acreditar em si é a retomada da autoestima, da autoconfiança que é passada do docente aos alunos, por isso, todos devem ir à escola em busca do desenvolvimento das suas características pessoais. [...] nós estamos aqui pra ajudar a levar o cidadão que está aqui dentro lá fora, com uma outra mentalidade. [...] E o professor precisa entender que o posicionamento dele é diferenciado e que ele é o agente que pode, ou não, transformar o procedimento de um ser humano que errou, que pecou, que cometeu um crime. (R1)

R1 ressalta como sua função, e de todos os docentes, é de auxiliar os apenados em suas transformações de indivíduos para se sentirem cidadãos. Por isso, ser professor em um presídio é pouco, precisa ter características diferenciadas que só se encontram em um educador. A maestria do educador posta em prática desperta o interesse e a vontade de aprender do aluno, eis que a motivação alheia, ainda que externa, fará com que a motivação interna do estudante se expanda e acabe por contagiá-lo na busca de novos saberes e agir. Vale aqui um adendo de Rubem Alves (1980, p. 11-13): Professores, há aos milhares. Mas professor é profissão, não é algo que se define por dentro, por amor. Educador, ao contrário, não é profissão; é vocação. E toda vocação nasce de um grande amor, de uma grande esperança. (p. 11). [...] Que me entendam a analogia. Pode ser que educadores sejam confundidos com professores, da mesma forma como se pode dizer: jequitibá e eucalipto, não é tudo árvore, madeira? No final, não dá tudo no mesmo? (p. 12). [...] Eu diria que os educadores são como as velhas árvores. Possuem uma face, um nome, uma „estória‟ a ser contada. Habitam um mundo em que o que vale é a relação que os liga aos alunos, sendo que cada aluno é uma „entidade‟ sui generis, portador de um nome, também de uma „estória‟, sofrendo tristezas e alimentando esperanças. Mas professores são habitantes de um mundo diferente, onde o „educador‟ pouco importa, pois o que interessa é um „crédito‟ cultural que o aluno adquire numa disciplina identificada por uma sigla, sendo que, para fins institucionais, nenhuma diferença faz aquele que a

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ministra. Por isto mesmo professores são entidades „descartáveis‟, da mesma forma como há canetas descartáveis, coadores de café descartáveis, copinhos de plástico para café descartáveis. (p. 13).

Dadas as distinções sugeridas acima, ser educador é amar seu aluno, independente de que pessoa ele seja, pois na sala ele é somente aluno. O extraclasse não existe e nem pode existir. Caso o docente não consiga separar estas duas facetas do reeducando (aluno e apenado), é porque não está preparado para exercer a profissão de professor, e muito menos do apenado, porque em vez de ajudá-lo a se preparar para reintegrar à sociedade, o professor estará fazendo o contrário, mantendo o estigma e sobrepondo-o ao lado humano. R3 sintetiza como ele, enquanto docente, se vê para os reeducandos: O docente “é um pouco de oxigênio que ele [o reeducando] recebe” (R3) O educador tem o objetivo de ajudar o aluno a ancorar ideias diferentes e classifica-las, tornando-as conceitos, que serão imagens e leva-las ao mundo exterior, para ser conhecidas por todos. Esta função do professor, segundo Moscovici (1978b, p. 48) é a representação social que é desenvolvida diariamente pelo docente em cela/sala de aula. A atuação do docente está ligada a consciência enquanto profissional. No caso específico de se tratar de educação para apenados, é visto também o perfil docente. Para atuar aqui tem que ter um perfil, porque é uma unidade prisional em que nós devemos tomar todos os cuidados possíveis uma vez que é presídio de segurança máxima em alguns, mas não é muito diferente do professor que atue fora. [...] Mas os professores que estão no sistema tem uma consciência, hoje passam por uma formação [...] Saber que tem alguns critérios diferentes que as escolas normais aí, como segurança, como evitar entrar com determinados objetos, eles passam por revista... Essa é diferença na verdade. A maioria deles são comprometidos, embora haja professores também, como toda escola, uns que deixam a desejar. Mas em sua grande maioria eles são comprometidos com o ensino, pensam no educando como ser humano. É um tratamento diferenciado [...]. (R4)

A sua atuação é dita pelos entrevistados que é igual a de qualquer outra escola fora do presídio. Assim, na fala do entrevistado é possível perceber que ele entende que o que muda é somente o local onde a escola está inserida, afirma também que os alunos são comprometidos, mas se engana pensar que a educação é neutra diante ao alunado, o ambiente social de onde vem interfere muito na

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formação do detento. Nenhuma pessoa é uma ilha, que se basta; o homem forma seu caráter através da relação com o outro, por isso, não é um ser isolado, e sim rodeado de influências que recebe na prisão e da sua comunidade, o profissional precisa ter mais cuidado até mesmo de levar certos objetos para a cela/aula. Os docentes são revistados diariamente e a clientela é diferente das outras salas de aula. É um tratamento diferenciado. Aliás, professor enquanto professor, em qualquer situação, ele teria que ter o acompanhamento psicológico. [...] porque a gente vai se desencantando com algumas coisas que a gente vê. [...] professor aqui termina dando uma de psicólogo. [...] Então, se você for professor, só professor, não basta. [...] Porque se eu for só professor eu não vou ser professor em presídio, eu tenho que ser educador, porque educador eu sou lá fora, eu sou aqui dentro. [...] o meu processo enquanto educadora vai poder perceber essa diferença: “essa menina que não está bem, essa menina que viu...” esses dias a mãe veio visitar, com nove pontos no rosto, que o marido agrediu e tal. [...] Aí você vê que aquela aluna precisa de uma parada [...]. E você tem que dar isso para ela. [...]. Então, nessa hora a gente tem que ter essa sensibilidade que, de repente, nem todo professor tem. (R3)

Continua o entrevistado dizendo que ser apenas professor é insuficiente, não basta para trabalhar com apenados. Precisa de muito mais. Os demais entrevistados acompanham esse entendimento, dizem que para trabalhar em presídio não pode ser só professor de sala de aula, para passar conteúdo. Nas instituições de ensino intramuros necessitam de educadores e não professores. O educador acompanha, ensina, orienta, guia e dá exemplos com atitudes de boa conduta. Verifica-se que suas ideias se comunicam. Se na sociedade é necessário um educador para formar o cidadão, imagine para reeducar, dar novas atitudes comportamentais a esse que já infringiu a lei. É necessário também um acompanhamento psicológico aos professores em geral e, em especial, ao educador que atua nos ambientes prisionais, locais de tanta turbulência e revolta. R3 comenta sobre a necessidade de humanização dos apenados, têm expectativas de adquirirem conhecimento de como manter um bom convívio social. Apesar das contradições do espaço escolar no sistema prisional, Leme (2007, p. 145) aponta sua importância ao dizer que:

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[...] a sala de aula não será mais do que uma “cela de estudo”, uma cela, digamos, onde encontramos lousa e carteiras. Por isso, ousamos chamar a sala de aula no interior de uma penitenciária de “cela de aula”. Não queremos, com isso, estigmatizar esse espaço. Acreditamos que se possa olhar a cela de aula em um sentido positivo. Será nesse espaço que ocorrerá o aprendizado escolar de maneira formal. Esse espaço terá para muitos presos um significado especial. Para alguns, será a primeira oportunidade de aprender a ler e escrever; para outros, a chance de concluir os estudos e esboçar, assim, um futuro diferente.

Atualmente, tanto o docente quanto o aluno têm informações de como funciona a escola no presídio. A partir deste momento, inicia-se a reflexão da real situação dos envolvidos e se engajam na educação buscando transformar o seu futuro. Diante disso o docente deve atuar de forma diferenciada, tendo em vista o contexto de onde está inserido o aluno, conforme as palavras do entrevistado: O tratamento tem que ser diferenciado. Porque são pessoas que são reincidentes, porque são pessoas que muitas vezes psicopatas na verdade, que a sociedade discrimina e acha que não tem solução, mas que no fundo, no fundo, a gente acredita, muitos acreditam e dá um tratamento diferenciado, respeitando sua individualidade. Entendeu? E, acima de tudo, vendo como aluno. (R4)

O entrevistado R4 comentou sobre como deve comportar um docente em ambiente prisional, uma vez que embora o conteúdo a ser ministrado seja o mesmo, seu agir deve ser diferenciado. O perfil do profissional na docência é analisado diferentemente. Muitos professores atuam em unidades de segurança máxima, portanto, exige-se um profissional com características específicas para desenvolver esta atividade. Vejamos, a seguir, o que diz R2: Eu vou falar por mim. Eu não vejo diferença não, porque eu trabalho na unidade prisional enquanto professora da mesma forma que trabalho aqui fora. É lógico que lá tem suas peculiaridades, tem uma série de questões que a gente tem que estar mais atento, no planejamento de aula tem que ser diferenciado, porque lá tem muita coisa que não pode e aqui pode, mas, enquanto professor pra mim é ótimo.

Apesar das diferenças existentes na ação do professor intramuros e extramuros, este trata os apenados com respeito, consideração e bastante paciência quanto ao ensino e a aprendizagem.

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Assim, se você é um professor aqui fora, você age com... vamos dizer, o teu olhar pra sala de aula aqui fora, o mesmo carinho, o mesmo envolvimento é o que você tem que ter lá, agora você tem que estar consciente de que você está trabalhando com pessoas que estão à margem da sociedade, que são marginalizadas e que precisam muito mais de você. Porque, além de ser professor, você tem que olhar o outro lado deles. São pessoas que não acreditam neles. (R2)

Muitos apresentam dificuldades de aprendizagem devido à baixa autoestima, além de várias outras situações determinantes em suas vidas. Mas a atuação, o preparo da aula, o planejamento, tudo acontece da mesma maneira. Até porque eu creio que a maioria dos professores que trabalham aqui no sistema, eles também trabalham fora. Eu acho que não tem ninguém aqui que é exclusivo do presídio e que trabalhe só o presídio a algum tempo. Então a rotina termina sendo a mesma, planejamento, aplicação de vídeos para dinamizar a aula, experimento de produção de sabão, assim, aquilo que a gente faz lá fora a gente faz aqui. Elas coletam, sabe? Então há toda uma dinâmica. Talvez haja algumas restrições em função de algum material que não pode entrar, mas, no geral, a rotina é igual. O perfil, para mim, é o mesmo. (R3)

Na indagação sobre o perfil do professor que atua no sistema carcerário para R3, segundo o que se pode detectar, que não há diferença entre ensinar para presidiário, ou para não presidiário, eis que o trabalho é o mesmo. R3 corrobora com os dizeres de R2 ao afirmar sobre planejamento, e acrescenta que a participação em sala, especificamente no desenvolvimento de algumas atividades que envolvem coleta de material, é inicialmente mais difícil por se tratar de pessoas que se encontram em privação de liberdade. Contudo, os reeducandos se esforçam pedindo para os familiares ajudá-los. Quanto a atuação discente no desenvolver da experiência em sala, esta é semelhante a de qualquer outro aluno. O que eu vejo em termos de atuação do profissional é igual. Agora, a forma como você é recebido pelo aluno é diferente. O preso aqui dentro, ele te dá uma atenção maior do que lá fora. Certo? Assim, o contato pessoa faz com que você sinta mais valorização que aquele contato que a gente tem com o aluno que está em liberdade [...]. (R3)

O entrevistado ainda declara que os alunos apenados são mais carinhosos e atenciosos do que os outros tipos de alunos. Acredita que seja pela falta de poder confiar em alguém que possa ajudá-los a se reintegrar na sociedade, qualidade esta encontrada no educador.

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O professor no sistema prisional... ele é mais do que um professor comum. [...] O professor do sistema prisional precisa ter cuidado com umas ações. Por exemplo, o que ele traz ao presídio na bolsa, como ele se comporta diante dos educandos, o que ele pode fazer para melhorar os questionamentos e os posicionamentos dentro do sistema prisional. [...] nós trabalhamos para inserir o apenado em sociedade, leva-lo de volta à sociedade com outros posicionamentos de vida. Então, o professor não é bem visto, e ele precisa, ele precisa mais do que tudo, entender que ele é diferenciado dentro do sistema. [...] nós somos os olhos da sociedade. (R1)

O entrevistado ao dizer que o docente é o olho da sociedade está afirmando que sua ação é de permitir a reinserção e não a de estigmatização. Nessa seara, a escola tem a função de ajudar, salvar, modificar e transformar o indivíduo, pois estes são objetivos da educação. Os docentes almejam a diminuição da criminalidade através da escola.

5.2.1.1 Diferenças de professor intra e extramuro

Levando-se em consideração as diversidades geográficas no processo de escolarização, tornam-se visíveis e discrepantes as diferenças estruturais em que se encontram as escolas “comuns” ou extramuros e a intramuros. Diferenças de menor monta como material didático, recreio, horários e rotinas também são existentes. Entretanto, considerando que os docentes no intramuros por vezes são também docentes no extramuros, e que o concurso para contratação ao magistério não faz distinção, poderiam ser assimiladas ou sentidas diferenças decorrentes deste contexto? R1 expõe-se categoricamente: Essa diferenciação passa, por exemplo, pela revista da bolsa, quando você entra, pela forma com que você se comporta diante tanto dos agentes penitenciários, da direção do presídio, quanto dos alunos que vão vir pra sala de aula. A forma como você os trata precisa ser diferenciada [...]. (R1)

Se comparado aos demais estabelecimentos educacionais, professor no intramuros, ao entrar no presídio, é tratado de modo diferenciado. Uma dessas diferenças é visivelmente percebida pelo modo de revistar seus pertences, os materiais que podem levar para a sala, bem como seu agir, e o modo de se portar em sala.

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Os reeducandos são vistos pela sociedade somente quando fazem rebeliões, fogem e/ou assaltam. Ninguém ressalta suas qualidades. Os alunos „convencionais‟, quando cometem um ato de vandalismo, ou um crime até na própria escola são vistos como fato isolado, um ato de rebeldia, um caso à parte. Pressupostamente, os governantes até que olham para estes alunos, mas para os apenados não. É ação do professor, pode até acontecer com muitas pessoas que saíram do sistema prisional, saíram de dentro da escola, procuraram outro caminho para andar e estão aí na sociedade: hoje pedagogos. Nós temos já muitos alunos nossos que saíram pra universidade, terminando a universidade e, o que é mais importante, e eu destaco muito às pessoas, 100% de não reincidência desses alunos que saíram de dentro da escola e procuraram estudar, seguir adiante nos estudos, ir pra universidade, ir pras faculdades, 100% de não reincidência. É um dado assim que as pessoas não conseguem visualizar isso, o governo ainda não visualizou isso, mas quem sabe um dia eles consigam entender que só a educação pode jogar esse povo a um caminho diferente. (R1)

Reclamam da não visualização dos governantes (em todas as esferas) quanto a saída da situação de crimes do país pela educação. O que é bastante desacalentador pelos entrevistados. Almejam 100% de não reincidência criminal pela educação e comentam que há ex-presidiários atuando na sociedade como pedagogos. O preconceito é bastante claro em relação a tudo que se refere ao presídio, os docentes comentam que há diferença no tratamento e no respeito da sociedade, do governo, da secretaria de educação, dos agentes penitenciários em relação a eles. Alguns docentes e agentes acham que os apenados não precisam estudar. Mas a maioria acredita no contrário, trabalha para tal e mantém a esperança da reintegração social. Por isso, se dedicam mais ainda nos seus afazeres profissionais para alcançarem o objetivo tão sonhado que é a ressocialização de todos através da escola. Os docentes não se sentem desencorajados e nem estigmatizados por lecionarem para presos. A rejeição que sentem é a que a sociedade lhes atribui, mas esta não os afetam, e sim encoraja-os. E declaram que existe diferença muito grande de tratamento, conforme segue:

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„Nossa, você é louca! Nossa, você não tem juízo! Você tem muita coragem!‟ Enfim, mas eu não me arrependo em nenhum momento [...], até agora, até aqui eu não me arrependo de ter vindo. Aqui eu conheci pessoas com histórias muito diferentes da minha. Aqui eu conheci pessoas que buscaram alternativas erradas para a vida delas, mas também aqui eu conheci pessoas que buscaram uma modificação, a transformação. E eu sei que meu trabalho é muito pouco, é pequeno, é quase nada. Mas eu sei que este quase nada fez diferença na vida de muita gente e aí quando eu falo pras pessoas que eu agradeço a Deus pela loucura e agradeço a Deus por ele ter me posto aqui. (R1)

O entrevistado comenta a satisfação apesar do preconceito por estar lecionando no presídio e se vê bastante estimulado por trabalhar com apenados. Tem consciência de que seu serviço é pequeno, mas continuará por saber que está desempenhando uma atividade que faz a diferença para os apenados, e é com esta atitude que declara: Agora, eu procuro fazer da melhor maneira possível e por isso eu sou uma voz fora dos intramuros, fora dos quatro cantos, das quatro paredes aqui do presídio eu sou uma voz que fala em favor dos apenados, porque, assim como tem muita gente ruim, eu posso te afirmar que a grande maioria é, na verdade, gente que não teve oportunidade. Por isso eu não acho que meu trabalho seja loucura, por isso eu não acho que meu trabalho seja um trabalho... é pequeno ainda, uma gota no oceano, mas está fazendo diferença pra muitas pessoas. Só isso já me valeu a pena. (R1)

Comenta, ainda, que já foi e é desrespeitada por pessoas fora do presídio, mas nunca pelos reeducandos, apenas pelos cidadãos da sociedade em que vive. [...] eu nunca fui desrespeitada. Nunca nenhum aluno, nenhum reeducando, nenhum apenado pediu para eu trazer nada errado, porque é aquela questão que eu lhe falei inicialmente, você tem que estabelecer limites. (R1)

O entrevistado se vê valorizado pelos reeducandos, enquanto nos colégios normais, muitos docentes são espancados e até mortos por seus alunos, por não conseguirem boas notas ou por serem repreendidos por estar com atitudes comportamentais não condizentes com o ambiente escolar. Já o aluno do sistema chamado normal, o regular, ele não valoriza muito a figura do professor, tanto que você vê aí professor morrendo, professor sendo espancado... E eu garanto pra você que dentro do sistema prisional esse negócio não vai acontecer comigo. Tenho certeza! Já fui é... já passei por uma situação dentro de um presídio [...] em que começou um tiroteio dentro do presídio, e eu peguei minha bolsa e coloquei na minha frente e um garoto perguntou

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assim: “R1, você acha que sua bolsa é um escudo?” E eu falei: “É a única coisa que eu tenho!” E eles fizeram um círculo ao meu redor e disseram: “Pra matar você tem que matar primeiro a gente” Nossa, isso ficou marcado na minha vida e eu vi que ali dentro eu sou uma pessoa importante. Que a gente faz, não só eu como meus colegas, que a gente faz a diferença! Nesses 16 anos eu posso garantir pra você, diante de Deus, que eu nunca fui desrespeitada. (R1)

Segue o entrevistado falando que foi protegido pelos seus alunos quando surgiu um tiroteio no presídio. Os alunos o protegeram com seus próprios corpos, sendo esta a maior prova de carinho dada pelos reeducandos ao entrevistado. Em um verdadeiro desabafo, esse profissional expõe como a sociedade o vê e a seus alunos apenados. Já foi ignorado e até chamado de “louco” por trabalhar em presídio. A sociedade tem muito preconceito ainda. Primeiro que: “No presídio? Você tem coragem? Mas eles não querem nada!” Então, assim, as pessoas ainda agem com muito preconceito, muita gente não tem coragem, diz que não teria coragem, diz que eles não querem nada, que são marginais, que a gente deveria estar preocupada com quem está aqui fora para não entrar lá, e não estar preocupado com eles que estão lá. Entendeu? É muito comum as pessoas ignorarem porque eu trabalho num... Outra coisa, muita gente não sabe que no sistema tem escola lá dentro. “ué, mas eles estudam assim normal? E teu contato com eles é, assim, direto?” Pra mim é tranquilo. (R2)

Importante destacar que o indivíduo a que é submetido à prisão é submetido a um conjunto de regras e deveres, mas, também lhe é garantido os direitos e proporcionada a participação nas diversas atividades educacionais e laborais, entre outras, levando-se em consideração as particularidades de cada um. No entanto, quando o sujeito faz parte de um grupo que discute a sua condição, o docente, ao exercer sua função é visto como um bom profissional, preparado para desenvolver suas atividades com criticidade, investiga a cultura institucional, possui autonomia ao tratar de problemas escolares. Ele é produtor de conhecimento e muito admirado pelos alunos. Diferença existe sim. [...] Eles acham que não são capazes de avançar. [...] pra dar uma boa aula lá, você tem que se preocupar muito mais com a aula que você preparou aqui fora, porque aqui você [tem] N recursos que você pode levar pra sala de aula. Lá, você tem limitações. Então tem essa dificuldade, entendeu? [...] A gente tem dificuldade porque a gente não tem como passar atividades extra sala [...] (R2)

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Devido à discriminação, aumentam as dificuldades existentes para lecionar, tudo tem que ser feito em sala de aula, ou melhor, cela de aula.34 Segundo R2, a sociedade os vê como quem está correndo risco de vida. Mas, em sua opinião, fora é pior, por poder ser atacado a qualquer momento e em qualquer lugar. Vive com medo constante. A situação do aluno apenado é muito complexa, sua vida se reduz à cela. Poucos têm oportunidade de trabalhar nas oficinas existentes. O elevado número de presos nas celas (as quais permanecem abarrotadas) dificulta a possibilidade dos alunos desenvolverem alguma atividade na mesma. A falta de espaço, a não seleção de celas específicas para reeducandos e os barulhos constantes são grandes empecilhos. Todo esse contexto dificulta o reposicionamento do reeducando na sociedade. [...] a impressão das pessoas de fora é que é extremamente perigoso trabalhar aqui dentro. Que, de repente, você pode ser agredido, que você pode ser desrespeitado. Então as pessoas se assustam quando ouvem. Tem alguns colegas que dizem que existe até um certo preconceito com o professor que trabalha no sistema (R3)

R3 comenta a discriminação da sociedade em relação aos docentes que trabalham nos presídios, sendo sua reação: Aí eu tomei aquele susto! „Mas no presídio?‟ Então elas me deram a oportunidade de vir, conhecer para fazer assim um perfil da escola e aí definir se eu gostaria de vir para cá ou se eu iria aguardar uma lotação quando houvesse uma vaga. Assim, não era prioridade vir para cá, para elas lá na Seduc. [...] Deu um medinho sim. Mas, assim, no geral é... é tranquilo trabalhar aqui. Embora as pessoas tenham um preconceito sim. (R3)

Assim, percebe-se que não só os docentes, mas toda a sociedade é cercada por preconceito e omissão, não demonstram interesse em entender e nem assumir responsabilidades que, no tocante aos direitos dos apenados, para que possam ter novas oportunidades na sociedade e não deixá-los entregues à própria sorte para não infringirem novamente as leis e retornarem ao presídio. O

profissional

da

educação,

caso

tivesse

a

formação

adequada

especificamente para atuação no âmbito prisional não estaria tão amedrontado com o novo, com o diferente como visto na entrevista. Ser educador não tem limite de 34

Conforme Leme (2007, p. 145).

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espaço, local, ou aluno determinado. Ele é educador e pronto. Por isso deve proporcionar condições de ressignificar a conduta de vida do preso. Quando questionada sobre o receio de trabalhar no presidio R3 respondeu: “Da minha parte, sim! Certo? Da minha parte sim! [...] Aí eu já ouvi uma pessoa gritando de lá: „Ei [R3] vai dar aula aqui agora?‟ Aí eu tomei aquele susto!” Em sua entrevista, R3 fala que também teve receio quando um aluno a amedrontou quanto à nota obtida, por não ter conhecimento de como agir. Existe sempre um cuidado especial no contato com os alunos. O mesmo ocorre fora do presídio, nas escolas tidas por convencionais. Docentes são agredidos não só por palavras, como por tiros, facadas, espancamentos e outros. O medo é o mesmo, mas o objetivo da educação na prisão é de melhorar a qualidade de vida, proporcionando oportunidades de novos conhecimentos, novas atitudes, moral e princípios éticos, dando assim condições de reabilitação social e tornar-se cidadão. Quer dizer, era uma forma realmente de intimidar, de chamar a atenção. Na verdade, então, nós temos pessoas que elas têm alguns transtornos, e esses transtornos, eles podem se manifestar e a gente... aí nós não temos o preparo para fazer esse acompanhamento. Porque aí eles precisam de acompanhamento psicológico [...] não é tão assim maravilhoso, não é 100%, então tem umas coisinhas, mas são poucas assim. É muito gratificante trabalhar aqui. (R3).

Em sua visão, muitas atitudes dos reeducandos são tomadas por carência. [...] ele [o aluno] é muito carente de tudo. Desse contato, ás vezes de conhecimento mesmo [...] déficit de aprendizagem tem [...]. Mais existe a boa vontade [...]. Embora, eles também justifiquem que algumas dessas deficiências que eles apresentam, por exemplo, de memorização, estão relacionadas com as drogas que usaram. (R3).

Apesar das dificuldades de espaço, porque fora da sala não há condições para o aluno fazer tarefas ou estudar, a dificuldade de aprendizagem é comprometida pelo uso de entorpecentes. Então, o nosso espaço exclusivo é a sala de aula. [...] tem sempre uma música, uma televisão, uma conversa paralela. [...] eu tenho que concentrar todos os processos relacionados à aprendizagem na sala e buscar resgatar e equiparar esse grupo e trabalhar com essas diferenças de possibilidades [...]. (R3).

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A fixação de conteúdo só é possível em sala de aula juntamente com o docente. Se o mesmo deixar para outra aula, terá que rever todo o conteúdo, pois os alunos não terão como ler a matéria fora da sala. As pessoas ficam temerosas, acham que a gente tem muita coragem, muitas delas não têm coragem de vir para o sistema prisional. É uma dificuldade que nós temos muito para adquirir pessoas para trabalhar dentro do sistema prisional. [...]. Tem medo de morrer, tem medo de rebelião. [...] a sociedade realmente discrimina muito. (R4).

R4 comenta sobre o preconceito da sociedade que gera o medo de ser morto e dificulta o ingresso de novos docentes. O entrevistado ressalta que além da falta de docentes que queiram trabalhar em presídios, há também falta de proposta didática-pedagógica adequada. Como em todas as escolas existem docentes preparados e despreparados, aqui ocorre o mesmo, mas a discriminação da sociedade em relação ao docente e sua clientela é acentuada. O ambiente de trabalho é diferente dos outros, muito adverso. Educar neste local é difícil, mas não se pode desistir, esmorecer, precisa enfrentar a luta e os desafios para dar um pouco que seja de contribuição para a reinserção. Este pouco atuará diretamente na autoestima do apenado que, futuramente, voltará ao nosso convívio. [...] sabemos o papel que aqui desempenhamos [...]. Lá fora existe essa discriminação. Isso é muito temerário. A realidade acredita que não tem jeito, que marginal é marginal, que são irrecuperáveis, mas os professores, de modo geral, nós não pensamos assim. [...] [acreditamos] na formação e na recuperação, na ressocialização do reeducando. (R4)

Na visão de R4, para a sociedade, marginal é sempre marginal. Não há recuperação, mas os educadores são sempre esperançosos quanto a reintegração de seus alunos. No imaginário da sociedade e dos professores extramuros, o preso não deve estudar. Onofre (2007, p. 12) ressalta que os presos em sua maioria são oriundos da miséria, drogas, desajustes familiares e sociais, como também da segregação econômica, cultural, religiosa, portanto, não possuem espaço na pirâmide social. Logo, são odiados, excluídos, considerados marginais sem possibilidade de se reinserirem socialmente sozinhos.

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5.2.1.2 Valorização da atividade docente

Como anteriormente foi tratado sobre o respeito dos alunos em relação aos professores, faz-se necessário expor contrapontos na representação docente no contexto de valorização, os quais ficam registrados na figura do governo, da educação e de seus reeducandos. Os agentes penitenciários, eles têm sérias restrições com a questão da escola não porque eles não queiram que o aluno estude. É porque é mais trabalho. Tirar um aluno [cela] é mais trabalho. Ele tem que estar de olho porque ele está ali pra coibir o detento de fugir. Se ele está dentro da cela, ele pode até fugir, mas é mais difícil. Na escola, não! Na escola é mais fácil de ele (estalar de dedos) conseguir ludibriar e ir embora. (R1)

A visão de R1 em relação ao agente é de estar preocupado com a sua segurança, e não em atuar como colaborador no aspecto educacional. [...] valorização para o agente [...] em relação da própria segurança dele, em relação a dar recurso, facilitar que ele entenda que o trabalho do professor precisa estar casado com o trabalho dele. [...] nós estamos aqui pra ajudar [...] quando ele está na escola, não está dando trabalho lá dentro, arranjando confusão. [...] pegam o cidadão, dá um curso pra ele de formação dizendo como ele tem que reprimir, mas não diz pra ele como ele tem que tratar... com respeito. (R1)

O profissional de educação solicita que os agentes tenham um curso de preparação educacional para saberem atuar com os apenados. O que atualmente acontece é formação apenas para reprimir, sendo esta a forma que aprenderam a atuar. [...] o professor, a questão da valorização profissional [...] dentro do sistema prisional o governo precisa entender que há uma diferenciação sim! [...] não há valorização profissional na questão do remuneratório. [...] eu preciso todos os dias esperar carona. Se não aparecer uma carona eu não vou. [...] e fica lá o aluno sem aula. [...] a professora não foi porque não passou carona. [...] Mas a professora está lá esperando no ponto passar um colega que lhe dê carona. [...] Só tem uma linha que atende os finais de semana porque tem as visitas dos presídios. Mas durante a semana não tem. [...] A escola tem um ônibus, tem um veículo que está quebrado. E faz aí seis meses que está quebrado e vai continuar quebrado e a gente tem que se virar. „Ah professor, você recebe pra isso!‟ Não, o auxílio transporte que se dá é pro transporte urbano, não pra zona rural. E mesmo que dessem auxílio para a zona rural ele seria pouco. [...] As pessoas acham que correr risco é estar dentro no intramuros do presídio. Não! O correr risco é fora do intramuros do presídio! Porque durante esse tempo eles adquiriram credibilidade no meu trabalho.

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[...] lá dentro eles me contaram isso: „professora, a senhora estava dia tal, na festa tal, na casa tal, assim, assim assado e só nós não entramos por causa da senhora‟ e se fosse um professor que eles não gostassem? Ele estava correndo risco no intramuros? Não, era fora dos muros do presídio. Tudo isso implica na nossa segurança, porque quem vai ficar descoberta é nossa família. E nem os organismos internacionais, nem o Estado se atentou pra isso ainda. Mas esse é um trabalho e precisa ser feito. (R1)

Valorização profissional, no aspecto econômico, de transporte, de melhor qualificação atualmente não existe. Esta melhoria houve até o ano de 2002 para quem trabalhava em presídios, depois desta data acabou. Pelo poder público? Nenhum valor! Nenhum valor! Nenhum professor é valorizado dentro do sistema prisional. [...] Porque professor trabalha dentro das unidades prisionais sem segurança [...] é comum a tuberculose dentro das unidades prisionais. [...] E a gente recebe aluno dentro da sala de aula fazendo tratamento de tuberculose, [...] doenças de pele é comum dentro das unidades prisionais e a gente não recebe insalubridade. A gente sabe que é correr risco. (R2)

A impressão exposta é que o poder público se ilude ao tratar da educação nos presídios. Finge desconhecer em que situação, como e com quem os professores atuam. Doença? A governança estatal desconhece ou, se caso a notícia não seja abafada, alega não ter tido ciência do fato antes. Isto acaba gerando grande desilusão aos professores. Essa questão da saúde, ou falta dela, no ambiente prisional chegou a ser tão latente que o Ministério da Justiça, através do CNPCP emitiu a Resolução nº 02, de 29 de outubro 2015 (BRASIL, 2015), apresentando recomendações no sentido de minimizar a transmissão do HIV, das hepatites virais, da tuberculose e outras enfermidades acometidas entre as pessoas que se encontram nos estabelecimentos de privação de liberdade. Vale, ainda, ressaltar que houve necessidade da Organização das Nações Unidas recomendar ao Estado brasileiro a disponibilização de alimentação adequada às pessoas privadas de liberdade, bem como a distribuição de insumos aos apenados, tais como sabão, escova de dente e barbeador. [...] Se eu entendo que aquela pessoa não merece um atendimento de qualidade, por que é que o professor dela vai merecer? Então, se eu vejo que aquele é qualquer um, então eu vou ver que quem trabalha com ele também [é] como qualquer um. Entendeu? Se para aquela pessoa qualquer coisa serve, então qualquer professor serve. [...] Lá dentro, eles não têm direito a nada. O único direito deles é

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ficar calado, pelo sistema. Então, nós professores é que ainda damos a eles vez e voz pra falar. [...] A educação lá é falha. (R2)

Na citação acima, o educador diz que seu trabalho é igualado para quem ele trabalha; no caso, lecionar no presídio torna-o tão insignificante e desconsiderado quanto o preso. [...] se você fala que é do presídio lá na Secretaria de Educação eles te olham assim (olhar de desprezo) „Uhm! Ih essa não trabalha! Ih essa não... professora que não dá aula. Trabalhar com preso? Para que dar aula para preso?‟ tem muita gente que fala assim: „Para que dar aula para preso?” „Preso não quer nada! Preso quando sair vai ser a mesma coisa! Vai fazer a mesma coisa!” aí você diz: “não, não, existe uma possibilidade‟ (R3)

R3 destaca como ele e os presos são vistos pelos funcionários da SEDUC. Em seu entendimento, a visão desta secretaria é equivocada, pois julga sem conhecer a realidade prisional, pois nem ao presídio vão. Há um evidente preconceito. Não! Eu não vejo essa valorização. Acho que falta uma consciência governamental, política, para que medidas sejam tomadas para, pelo menos, primar pela qualidade do ensino, para que o professor que está dentro do sistema se sinta beneficiado, trabalhe com mais dedicação... não por questão das gratificações em si, mas porque é uma tarefa difícil, é árdua. [...] se o governo pagasse o salário melhor aos professores para que eles pudessem trabalhar só em uma escola. [...] e desse condições financeiras suficientes para viver dignamente, acho que não haveria necessidade de estar aí fora batalhando por outro emprego, se desdobrando, deixando... comprometendo um pouco a qualidade do ensino em função de sua sobrevivência. (R4)

Apesar de todas as dificuldades apresentadas, os professores continuam com seus ideais de recuperação de seus alunos; de levá-los de volta à sociedade como cidadãos. Nós temos a responsabilidade de resgatar essas pessoas. [...] A gente tem que primeiro cultivar esse aluno para ele entender que a escola vai ser boa para ele. [...] não só em termos de remição, mas para a vida dele. Então, a gente tem que fazer ele primeiro gostar da escola, para fazer ele gostar do professor, para poder a gente introduzir os conteúdos. E vendo qual é a maior necessidade deles, qual o assunto [...] Para poder a gente ir adaptando nosso currículo da melhor forma possível para eles. Então é bem mais complicado estar dentro do sistema. (R2)

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Há necessidade de maior investimento na educação carcerária, para isto, foram elaboradas políticas públicas educativas voltadas aos apenados. Em 2010 publicaram um documento onde foram postas estas diretrizes, mas pouco se pode dizer que tenham sido efetivadas. Em 2011, o Decreto nº 7.626, de 24 de novembro veio para estabelecer, ou reestabelecer o elo do preso com o mundo exterior através do professor. Pois este tem o objetivo de resgatar a cidadania perdida do seu aluno apenado. O decreto acima citado expõe taxativamente a relevância ao trabalho do professor de reeducandos. Atos como este é que mantém a esperança de alguns docentes, conforme relata R3: “[...] eu continuo porque eu ainda estou acreditando que possa ter mudanças”. Segundo R3, a transformação, a reinserção se fará através da educação. Para isto, todos os alunos devem se empenhar bastante. Agora é a hora de: „ei acorda, bora que o negócio pode mudar a partir daqui‟ „tu não aproveitou naquela hora, mas aproveita agora' aí vamos correr atrás. Então, na hora em que eu perceber que isso não existe mais, aí não tem razão para eu ficar aqui. [...] a possibilidade de estar trabalhando aqui é perceber mudança. Quando eu vejo uma aluna que diz que quer fazer „ah professora, eu quero fazer faculdade‟ [...] aí você diz: „poxa, existe uma possibilidade!‟ [...]. (R3)

Temos que agir, não podemos ficar esperando o que ainda não aconteceu por falta de interesse até mesmo político. Dá-se a impressão que os governantes, em geral, estão em fase de letargia. Só reagem quando forças estrangeiras atuam sobre eles, mas no campo educacional, como não há ninguém agindo, esta está esquecida. [...] pela questão dos meus alunos, sim! Permaneço por isso. Pela questão estrutural, do sistema ou da própria educação em nível de sistema de gestão, não! A ideia que se tem de sistema gerenciador da educação dentro do governo do estado é que professor que trabalha no presídio ele não trabalha. A ideia que eles têm, mascarada, é essa. [...] Valorização pelo sistema, não mesmo! [...] Tem professor que ganha risco de vida aqui dentro tem professor que ganha vantagem abrangente. Quando eu entrei no sistema, às vezes os presos estavam agitados: „professora e tal, o negócio está pegando!‟ aí eu dizia: „olha, por favor, eu não ganho risco de vida! Eu não sirvo para refém!‟ [...] Embora ganhar [...] não resolve, o risco continua existindo. (R3)

Segundo R3, o desconhecimento, a ignorância e o desinteresse por parte dos administradores educacionais, em relação aos professores e aos reeducandos é

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grande, levando-os a considerarem um completo descaso. Fato este que acaba acelerando o número de marginais em nosso país. Os entrevistados ainda alegam trabalhar em lugar insalubre, mas não recebem por este direito; por isso precisam trabalhar em outros lugares. Não sobra tempo nem condições físicas para se dedicarem mais à função. Esta função (docência no estabelecimento prisional) não representa para eles só expor conteúdo ou ministrar aula, a função docente está ligada a recuperação do apenado, ao reingresso. A vida dos apenados está nas mãos deles. É muita responsabilidade e sem condições para uma boa atuação, como acreditam que deve ser. A ideia que se tem de sistema gerenciador da educação dentro do Governo do Estado é que professor que trabalha no presídio ele não trabalha. A ideia que eles têm, mascarada, é essa. Quando você diz que você tem 27 aulas aqui dentro para outras pessoas de outras instituições que você trabalha, praticamente ninguém acredita. „27 aulas, mas vocês tinham que ter uma carga horária menor‟ porque 27 aulas é lá fora. (R3)

A sociedade pensa, conforme compreensão de R3, que professor de presídio não trabalha. Esse entendimento também aparenta ser compartilhado por servidores da administração pública. Segundo o entrevistado, essa atividade não é sequer valorizada pelos demais profissionais, como se o reeducando não precisasse do acompanhamento pelos educadores, como se fosse indiferente para eles terem ou não professor em sala. Mas a maioria dos professores entrevistados afirma que se funcionar apenas o sistema modular eles não permanecerão, porque não haverá mais sentido. O modular representa o fim da esperança dos professores em atuar diretamente pela reinserção dos reeducandos. Ao mesmo tempo, atuar diretamente com reeducandos permite aos docentes sentir valorização que não é sentida pela sociedade. Os alunos muitas vezes os recebem com interesse, motivação, com uma expectativa de futuro, querer fazer faculdade e continuar os estudos. O contato humano é que lhes dá incentivo e valor. O curso modular é frio, o aluno só vai fazer prova. No presídio não há como os alunos estudarem nas celas, e lá não adianta levar materiais, portanto, a reinserção pela educação ficará quase impossibilitada de acontecer. Segundo as entrevistas obtidas, a educação no sistema prisional está indo de mal a pior. Não há investimento por parte do governo, nem na formação dos

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professores, quanto dos agentes prisionais e dirigentes em geral. Não há ambiente de estudo nem material didático. Se o professor tiver interesse, ele sai a procura ou vai elaborar e comprar com o seu dinheiro, ainda assim, muitas vezes não pode ingressar com algo novo. Na visão dos entrevistados, a educação e os educadores que atuam no sistema prisional são relegados pelos dirigentes do Estado e do país, quando não também pelos próprios colegas da classe profissional. Segundo seus entendimentos, por trabalharem com pessoas menos qualificadas, sentem-se também tratados como menos qualificados. Sentem-se estigmatizados. Para a sociedade, quem atua com „bandido‟ a ele se assemelha, portanto, qualquer coisa está boa. Assim, como são tidos por ociosos, como aqueles que fingem que lecionam, então qualquer condição de trabalho e salário é excelente.

5.2.2 Representações sociais quanto ao perfil do reeducando

O termo reeducando possui algumas concepções distintas. Pode tanto significar “pessoa que está sendo reeducada; Pessoa que cumpre pena em certas penitenciárias consideradas modelo” (MICHAELIS, 2009), como pode ter o sentido de jovem ou adulto atendido por instituição de ensino no sistema prisional após ter sua matrícula efetivada em curso semestral ou curso modular. Compreenda-se que mesmo o Conselho Nacional de Justiça descreve reeducando como um sujeito que cometeu crime, sem qualquer distinção se está estudando ou não, eis que em sua “Cartilha do Reeducando”, assim introduz o assunto: Esta cartilha destina-se a esclarecer os deveres, direitos e garantias dos apenados e presos provisórios, cabendo ao preso cumprir os seus deveres e respeitar as regras referentes à disciplina carcerária, e ao Estado garantir o exercício de todos esses direitos. (BRASIL, CNJ, 2010, p. 7)

De modo semelhante, no Plano Estadual de Educação PEE/RO 2014-2024, reporta-se à expressão “atendimento educacional às pessoas em privação de liberdade” (RONDÔNIA, 2014, p. 64), “educação de jovens e adultos articulada à educação profissional, de modo a atender às pessoas privadas de liberdade”

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(RONDÔNIA, 2014, p. 112), ainda que estejam matriculados em instituição de ensino, sempre que se reporta a apenado, sem qualquer menção a aluno. Contudo, reporta-se ao termo aluno a todos os outros segmentos educacionais, ainda que sejam “alunos sem atendimento educacional” (RONDÔNIA, 2014, p. 51). Vale ainda lembrar que a Portaria nº 0225/2014-GAB/SEDUC, a qual trata especificamente sobre normas regulamentares para atendimento educacional nas etapas e modalidades da Educação Básica aos jovens e adultos privados de liberdade em estabelecimentos penais do sistema prisional do Estado de Rondônia em momento algum cita o termo aluno, fazendo sempre menção ao termo reeducando. Sendo assim, é justamente a terminologia da reeducação que fica sendo repassada pela Secretaria Estadual de Educação aos seus docentes e demais profissionais da educação que atuam nas escolas intramuros. Contudo, ressalta-se que no rigor legal, conforme Manual de Administração do Sistema Penitenciário (RONDÔNIA, 2002), instituído estadualmente pelo Decreto nº 10050, de 6 de agosto de 2002, os presos assistidos educacionalmente são identificados como alunos. Assim, é exatamente nessa indefinição conceitual e ideológica que os entrevistados acabam por se utilizarem do termo reeducando, muito embora tenhase verificado que em suas falas e ações, os tratam justamente além disso, os tratam como verdadeiros alunos. O aluno é visto como pessoa pelos educadores. Estes querem e se esforçam para que os reeducandos consigam aprender e apreender normas, regras, atitudes comportamentais que lhes favoreçam ao retorno social. [...] o que há aqui é que a escola é uma escola normal como outra qualquer apenas o que é diferenciado é a clientela que é diferenciada. Os professores que estão no sistema têm uma consciência [...] vendo como aluno, não como marginal, como uma pessoa excluída da sociedade, marginalizada. Então, ele vê o reeducando como aluno. (R4).

O educador é pessoa consciente, conforme R4 declara em sua entrevista, e vai além, ao afirmar que é muito humano, pois deve ver os apenados como alunos e não bandidos. Enxerga-os apenas como pessoas, como reeducandos, não se interessando pelo que fizeram lá fora. [...] nós trabalhamos para inserir o apenado em sociedade, leva-lo de volta à sociedade com outros posicionamentos de vida. (R1)

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O acreditar dos professores e sua visão de conseguirem reintegrar, readaptar e recuperar os reeducandos consiste na força dos educadores de se empenharem ainda mais para obter um ensino de excelência para os apenados. Há uma consciência por parte dos educadores da responsabilidade que cada um tem. [...] Hoje há uma consciência [...] abriu as portas para formação de professores, [...] convênios com SENAI, SESI e tal aqui dentro do sistema para melhorar. Psicólogos, palestra [...] para que possamos fornecer ao reeducando um ensino de qualidade e [...] reintegrar à sociedade, na melhor forma possível. (R4)

Como dito pelos professores, o perfil, a consciência, a vontade e a coragem são iguais tanto dentro quanto fora do presídio. Mas para a sociedade, bandido é bandido, não merece nem precisa de escola, os professores intramuros também são vistos como loucos. Os outros professores perguntam a estes se não possuem medo de morrer. [...] há muito respeito e consideração dos reeducandos com os professores. É tanto que [...] jamais nem sequer um professor foi feito como refém. [...] Eles gostam da escola. Muitos se dedicam a escola, ajudam a escola de tudo quanto é forma e é isso que faz com que a gente desempenhe esse papel aqui com gratidão. (R4)

Os alunos do sistema carcerário, dito pela maioria dos professores, envolvem-se nas tarefas escolares em sala, mas passar exercícios para que sejam feitos em cela não é algo possível. O barulho da televisão, de música, de conversa atrapalha a concentração e o caderno para muitos tem outra serventia, que é de ser fumado ou servir de travesseiro. Portanto, não é viável que se exija alguma atividade estudantil no tempo que estiverem retornados à cela. Os professores conforme vão se relacionando com os alunos apenados vão ganhando a confiança e conseguindo com que estes interajam com outro colega para fazer atividades de aula. Eles têm muita dificuldade de relacionamento entre eles. As tarefas são efetuadas individualmente. A ação coletiva ainda é muito complicada. Na visão geral dos entrevistados, os presidiários têm poucas oportunidades para desenvolverem a questão de relacionamento, a interação com os outros presos e agentes penitenciários é difícil, complicada. Muitas vezes são até inimigos, por isso preferem se calar. Mas é exatamente na figura do professor educador que eles conseguem confiar, mais do que em profissional que seja somente “professor”. Este

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não lhe proporciona condições de interação professor-reeducando, levando-os a ficarem cada vez mais isolados, reclusos na cela e em si. O respeito dos alunos para com o professor e o seu desempenho escolar é assim representado: Eles desempenham bem! Tem muitos alunos que tem desempenho excelente, inclusive a gente tem aluno que... já tem alunos que estão na universidade, continuam no sistema fechado e está na universidade. A gente tem alunos que, embora não conseguiram êxito pelo ENEM, mas obtiveram notas boas no ENEM e, assim, tem alunos que tem um desempenho muito bom. Lógico que é em número reduzido, mas a gente tem excelentes alunos. (R2)

Os alunos apenados veem os professores com respeito e esperança. O professor R1 coloca de modo enfático um de seus trabalhos criado nos presídios. Hoje a gente já pode esperar muita coisa. Hoje temos aí a realização do Enem que por mérito, foi o primeiro Enem realizado dentro do sistema prisional e nisso eu posso dizer que quem pariu esse filho fui eu. Trouxe o Enem pra dentro do sistema prisional. Hoje a Secretaria adotou essa criança, mas o filho é meu. [...] E o primeiro vestibular da Universidade Federal de Rondônia dentro de um presídio também fui eu quem trouxe. Um trabalho nosso, não só meu mas de outras pessoas dentro do sistema [...] Por isso a gente tem assim um prazer de dizer isso, de que os alunos recebem, eles têm uma receptividade boa e eles podem sim... a educação pode sim mudar a vida da pessoa, basta ela querer. [...] um pouco mais de dedicação dele como um pouco mais de investimento, um pouquinho mais de investimento do Governo, sabe, e um pouco mais de presença da sociedade nós conseguiríamos transformar os presídios em locais realmente de refazimento e conseguiríamos também transformar os presídios em locais de reeducação [...]. (R1)

Os docentes veem os desempenhos dos alunos como muito bons, apesar de ser ainda em número pequeno, mas já é um começo, é uma motivação a mais para si e bom exemplo para os outros. “Temos alunos com desempenho excelente. Temos meninas aí na faculdade, que foram passadas pela escola” (R3) Os entrevistados relatam que se sentem orgulhosos e valorizados quando seus alunos conseguem ingressar em uma universidade. Isto é sinal de bom êxito, tanto da parte do aluno quanto do professor. Ao analisarmos um docente como educador que atua no presídio, observamos que este deve possuir características específicas para desenvolver suas atividades em um espaço diferenciado e com alunos que são totalmente diferentes de quaisquer outros em qualquer outro estabelecimento de ensino. O

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docente iniciante necessita aprender rapidamente tratar não só com culturas diferentes como com conflitos e dilemas próprios deste local de ensino, mas precisa, ainda, adquirir saberes diferenciados para manter melhor o relacionamento com os educandos e, aprender a sobreviver neste local de trabalho. E, infelizmente, este profissional não teve em sua formação preparo e nem experiência para enfrentar tal situação. Em termos de desempenho muitas vezes o professor terá que interagir com aluno apenado de modo que ele sinta confiança nesse profissional, da mesma forma o professor. A partir dessa interação pode esperar a construção e a reconstrução de novos conhecimentos, tendo outros significados. [...] os alunos respeitam! Acho que eles respeitam muito a figura... pra mim eles respeitam mais do que eu esperava quando eu cheguei lá. [...] Os alunos são tranquilos. Tranquilos mesmo. (R2)

O respeito e a confiança entre alunos e professor são mútuos. Isto auxilia o professor no desenvolvimento de suas atividades. Então, segurança não tem. [...] O local onde os agentes ficam dando a dita segurança não tem acesso a mim, a quem estiver lá dentro dessas salas. São duas salas que ficam nessa situação. Por isso que eu te digo, eu tenho segurança nos alunos, apesar de tudo. Senão não entraria lá para dar aula não! (R2)

A segurança e certa tranquilidade sentida por R2 é originária dos alunos. Estes estão dispostos até morrer para salvar o professor que gostam e respeitam. Este sentimento não vem (nem se dirige) aos agentes penitenciários. [...] ele não vem te desrespeitar. É como falei, aí você se sente valorizada, você sabe que está trabalhando com um grupo que está disposto. Que se dispôs. Nem vou levar em conta os que vão lá pela remição. „não, vim para cá por causa da remição‟ Não, cria-se uma relação além da remição. [...] eles valorizam [...] (R3)

R3 sente-se valorizado pelos reeducandos, o que muitas vezes no ambiente extramuros não acontece. Sim, [no ambiente prisional sou] muito respeitado! Muito respeitado. Isso é uma coisa muito gratificante. E todos sentimos assim pelo papel que desempenhamos, pela missão que muitos consideram ato difícil, problemática e perigosa [...] E dar aula no sistema prisional não é fácil. Para mim tem que ter dedicação, tem que ter uma predisposição. Tem que entender que o objetivo aqui é ressocializar, tem que respeitar as diferenças. (R4)

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A missão do educador é árdua, mas bastante recompensadora ao ver seus alunos imbuídos na tarefa de se reinserirem, de demonstrarem valores. [...] eu tenho certeza que esse respeito seja [...] Porque são seres humanos, e como seres humanos eles criam valores. [...] você adquire respeito pela forma como... pelo seu comportamento, pelos seus procedimentos. Em compensação, se eu vir um agente batendo num preso, eu vou me posicionar impedindo imediatamente. Imediatamente! (R1)

O apenado é um ser humano para os professores tanto quanto outra pessoa, portanto, é capaz de adquirir novos valores éticos, morais e sociais e assim conseguirá retornar ao meio social de onde saiu. [...] mas temos umas que têm bloqueios consideráveis. Você fala aqui aí você explicou e ela participa, interage e tal. Aí no outro dia, se você fizer uma prova convencional, com perguntas e respostas e tal... nem sempre ela vai te dar um retorno [...] a memória para eles [...] é comprometida pela droga [...]. Uma quantidade relativamente expressiva. (R3)

R3 deixou claro a sua preocupação com o processo de aprendizagem dos seus alunos, declarando que o professor que atua na educação em prisões necessita utilizar-se de todo seu conhecimento e habilidade para atuar em sala de aula. Precisa compreender o contexto do aluno e saber que todas as atividades serão desenvolvidas em sala, não há como passar tarefa para casa, devido às condições precárias em que estão privados. O uso das drogas interfere em muito na aprendizagem do apenado que a utiliza. Por isso, o professor deve se pautar em valores éticos, morais, solidários, humanos e espirituais, visando atingir condições de melhora no desenvolvimento da conduta e aprendizagem do detento. O trabalho didático é complexo e difícil de ser desempenhado devido às condições específicas de um ambiente de privação de liberdade, em que o foco primário é a segurança e somente depois é que vem a escolarização e sua pouca estrutura. Atrelado a isto, muitos dos matriculados na escola (reeducandos) já possuem limitações individuais decorrentes da drogadição. O desempenho escolar dos apenados falado pelos professores, de modo geral, é bom. Mas existem alguns com sérios problemas de comprometimento intelectual, devido seus próprios vícios. O vício das drogas afeta a aprendizagem e causa transtornos graves devido à dependência química. Esta acarreta consequência quanto à intensidade da

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memorização que é diminuída, e reflete diretamente no processo de aprendizagem que se torna mais lento, desconexo e seu esquecimento tende a ser mais rápido. A aprendizagem de conhecimento quer dizer aquisição de novos conceitos, novos saberes que serão unidos aos antigos ou até mesmo abandonados conceitos velhos e criados novos. Esses saberes podem se dar com a ajuda do professor ou até mesmo sozinho. A aprendizagem é um processo intelectual individual, ativo. É sempre uma nova construção. O conhecimento vem da aprendizagem, é um processo de novas reelaborações construtivas compartilhadas socialmente, na qual possui caráter subjetivo. Nesse sentido: O conhecimento é, dessa forma, resultado da aprendizagem e orienta novas aprendizagens. Nenhum conhecimento é produto de uma invenção casual, mas sim de um processo de reelaboração construtiva do conhecimento socialmente compartilhado. Tal elaboração não possui caráter padrão devido à própria subjetividade humana. (BURNHAM, et al., 2005).

Sem dúvidas que aprender é um ato personalíssimo e assim sendo ninguém pode fazê-lo por outro. Contudo, é no compartilhamento de dados e experiências, na seleção de informações semelhantes e complementares que se processa a aprendizagem. Assim, propiciar o diálogo e o contato com novas experiências e informações possibilita, cada vez mais, a compreensão e a reflexão dos atos praticados e das ações futuras. Entretanto, de acordo com a Política de Saúde para Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas (BRASIL, 2004) a dependência química altera prejudicialmente a estrutura e o funcionamento normal da pessoa, sendo por esta razão considerada uma doença. Sua causa é resultante de fatores físicos, psíquicos, emocionais e sociais que atuam em conjunto de forma acentuada, mais em uma determinada pessoa que em outra. Atualmente, a dependência química é vista como um problema social, pois atinge pessoas de diferentes idades e classes sociais em suas dimensões básicas: biológica, psíquica e social. Embora não se tenham dados precisos a respeito da quantidade de usuários e dependentes químicos nos estabelecimentos prisionais, é sabido que o índice não é pequeno, sendo que muitos destes apenados, quando na condição de reeducandos, possuem um grau maior de dificuldade de concentração.

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[...] de imediato o desempenho é excelente. Eu digo que é acima da média do que se vê lá fora. Entendeu? Se você passa um trabalho de acompanhar um vídeo, discutir e ter que refletir sobre... nossa! Você tem uma riqueza de comentários. Mas na hora de botar no papel, aí você já percebe a limitação para algumas [...] (R3)

A interação entre docente e reeducando é intensamente vivificada no ambiente da sala de aula. Neste sentido é salutar que o professor deixe de ser um mero transmissor de conhecimentos e se torne um guia para o aluno, um incentivador, um motivador, um orientador no ensino e facilitador na aprendizagem, auxiliando os alunos a criarem e desenvolverem os próprios conceitos, atitudes, valores e habilidades que os direcionem no crescimento pessoal, profissional, social, religioso e humano na sociedade em que atuará e viverá. O ambiente educacional (sala de aula) é de extrema relevância no processo de ensino aprendizagem. Ela representa a liberdade, uma zona de segurança. Embora para os olhos de quem a veja de fora, seja apenas uma cela, com grades e cadeado, aos seus participantes tal local vai muito além. É o tempo de tratamento diferenciado, é a possibilidade de esquecer a situação prisional, é um momento do reeducando em contato com a dignidade, é o ambiente mais seguro. É necessário que dentro da educação prisional seja desenvolvida a questão do ambiente em que vive e que o cerca. A sua compreensão deve ser racional visando evitar os problemas que enfrentará ao sair do presídio. Se o apenado conseguir apreender a desempenhar atitudes de influência construtiva, terá maior condição de enfrentar conflitos como preconceito, superstições devido a postura adequada que adquiriu com o desenvolvimento do raciocínio lógico. O apenado envolvido no processo de escolarização necessita resgatar valores essenciais relacionados com a sociedade contemporânea, este resgate é um desafio que também a escola e o professor enfrentam. Juntos, trancados na mesma cela durante o período da aula, professor e aluno executam um novo papel, reconhecem-se como semelhantes e passam a não apenas expor erros ou passar material para ser decorado, mas a proceder a compreensão das falhas e a corrigi-las através do ensino, do desenvolvimento de novos conceitos e habilidades. O

aluno

considerado

reeducando

precisa

também

desenvolver

conhecimentos e habilidades no sentido de: ler, fazer resumos, utilizar-se da biblioteca, elaborar sínteses, interpretar textos, tomar notas, fazer conclusões e introduções,

aprender

como

interpretar

gráficos,

discutir

resultados,

fazer

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experiências, dominar as noções básicas do desenvolvimento científico com os problemas atuais. Intermediar o processo de aprendizagem é a função do professor, incentivar e demonstrar o que realmente os reeducandos precisam saber para se reinserirem à sociedade, após o término da privação de liberdade. Instigar neles o interesse, a curiosidade, o agir de modo reflexivo. Ter motivação é fundamental para o desenvolvimento humano. Quando o educador proporciona um ambiente de incentivo onde o aluno tenha condições de desenvolver as suas competências e habilidades técnicas, científicas, políticas e humanas, este obterá maiores condições para o desenvolvimento do pensamento crítico. O profissional da educação deve desenvolver o raciocínio lógico e crítico do alunado, proporcionando condições para solucionar problemas relacionados ao trabalho e a vida particular, isto é, seu cotidiano; o aluno precisa entender que o estudo vai além da memorização de conteúdos e termos científicos, depende também das relações pessoais. Sobre a questão burocrática e o cotidiano dessa escola, as escolas prisionais acompanham o modelo da escola regular em muitos aspectos, sendo imprescindíveis pauta, presença, carga horária e notas. Mas, o dia-a-dia do presídio difere e muito das escolas regulares. As aulas podem ser interrompidas por vários dias devido a fatores diferentes como fugas, desentendimento entre os detentos ou outra decisão judicial. Ficou claro nessa questão que o sistema educacional prisional no Brasil: [...] que deve ser preservado e enfatizado é que a educação no sistema penitenciário não pode ser entendida como privilégio, benefício ou, muito menos, recompensa oferecida em troca de um bom comportamento. Educação é direito previsto na legislação brasileira. A pena de prisão é definida como sendo um recolhimento temporário suficiente ao preparo do indivíduo ao convívio social e não implica a perda de todos os direitos. (TEIXEIRA, 2007, p. 15).

Segundo o autor acima citado, o afastamento penal do indivíduo de seu convívio social tem por objetivo a recuperação de suas atitudes comportamentais por um determinado período. Contudo, não deve ser privado de seu direito fundamental de educação. Ela é a base da reinserção.

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[...] quando eles estão no período de movimento para reivindicar, se preparando para alguma coisa, em alguns presídios você encontra alguns funcionários que são resistentes, que dificultam sim o horário. Sabe? Pede as meninas às sete e meia, que é quando o professor está chegando, “oh, dá para me liberar as meninas?” no caso das meninas. Então você vai encontrar situações em que ele vai esperar a troca do plantão e esse plantão já está saindo então a gente não vai tirar agora. E aí a gente tira só... Aliás, a gente espera o próximo plantão pra tirar. Então, de repente ao invés de chegar às sete e meia elas chegam às oito e meia. Entendeu? Então, isso já, de certo modo, dá uma travada... e por aí... (R3)

Perguntou o pesquisador se o fato de não retirar os alunos da cela seria frequente, momento em que R3 respondeu: É, não é muito raro de acontecer, depende do plantão também. Tem plantão que quando você pediu, eles já estão liberando, “professor, já está aí, tudo bem, vamos subir” agilizam, mas tem outros que são, eventualmente, mais tranquilos (risos)‟. (R3)

Todos os professores entrevistados reclamaram de grande número dos agentes penitenciários quanto ao desinteresse em auxiliar docentes e reeducandos na reinserção social. Na visão dos entrevistados, não há valorização por parte dos agentes em relação ao trabalho desenvolvido pelos professores, faltando aos agentes preparo para desempenhar a função de auxiliar na reinserção social. [...] boa parte dos alunos são interessados. [...] Os rapazes são mais comprometidos, são mais estudiosos. [...] as mulheres são muito mais desinteressadas, muito mais brincalhonas. Tem uma boa parte que são dedicadas mas tem uma boa parte que não são. [...] não esperava que pessoas tão capacitadas, que poderiam entrar em outra área do conhecimento e realmente resolveram optar pela educação, porque acreditam em educação, porque veem exemplos que tem dentro do sistema e absorveram isso e querem desempenhar essas mesmas atividades aqui. São coisas que nos deixam muito orgulhosos! (R4)

O entrevistado citado acima destaca uma das diferenças entre os gêneros quanto ao interesse escolar. Em síntese: Questiona risco de vida, desinteresse do governo e a dificuldade de encontrar quem queira trabalhar no presídio e cumprir as exigências desta instituição.

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O

professor

se

sente

respeitado

e

gratificado

quando

alunos

superinteligentes optam pela educação, por acreditarem nela e na transformação que ela pode dar na vida das pessoas. Nesse sentido, cabe dizer que o professor que atua no sistema prisional, trabalha com um método de atuação diferenciado da pedagogia, precisa atuar com andragogia35, mas ainda assim diferenciada, pela condição dos alunos em regimes de privação. Pelo fato de viver uma a realidade no dia-a-dia, totalmente diferente dos outros alunos livres, estão sempre dispostos a aprender algo que contribua para suas atividades profissionais ou para resolver problemas reais, no caso de R4 verificou-se nas entrelinhas de sua fala que ele faz isso. O olhar mais condescendente para esses alunos contribui sim no respeito dos alunos por ele. Cabe ressaltar o que diz Nóvoa (2003, p. 14): Os professores não são anjos nem demônios. São apenas pessoas (e já não é pouco!). Mas pessoas que trabalham para o crescimento e a formação de outras pessoas. O que é muito. São profissionais que não devem renunciar à palavra, porque só ela pode libertá-los de cumplicidades e aprisionamentos. É duro e difícil, mas só assim cada um pode reconciliar-se com sua profissão e dormir em paz consigo mesmo.

Percebeu-se também que esse é profissional que colabora para a (re)formação daqueles seres humanos e ao assumir a responsabilidade de educar demonstra a busca pela transformação social, seja ela em uma escola para classes mais favorecidas ou em um presídio.

5.2.3 Representações sociais quanto à concepção de justiça

A

compreensão

de

justiça,

devido

à

enorme

gama

de

ideias

representacionais contidas é uma categoria bastante figurativa. Pode tanto identificar o Estado (na figura do poder judiciário), um compromisso preestabelecido, adequação a costumes ou tradições, um sentimento de satisfação ou mesmo a compreensão de se fazer oposto à injustiça... De igual sorte, não são poucos os autores que sobre este termo se debruçaram para refletir, inspiraram-se para produções artísticas ou empunharam armas para defender suas convicções. 35

Andragogia é a ciência da educação de adultos, enquanto a pedagogia atua com a educação de crianças e adolescentes.

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A justiça rege o comportamento do homem em relação aos outros homens. Segundo Aristóteles36, há dois tipos de justiça: a distributiva e a corretiva. Esta pesquisa trata do segundo tipo, por se referir à imposição das penas aos transgressores. Sua competência pertence exclusivamente ao Estado. Somente ele pode impor esta ação de restituir aos verdadeiros e legítimos donos aquilo que lhes foi tirado. Assim, não apenas é eivada de potencial fático, como possui um grande valor simbólico, mítico, representado divinamente: Tudo regido por um ritual solene, que abandonou a peruca, mas conservou a tradição e o formalismo. Temis, vendada, balança na mão, é o símbolo maior, musa de muitas gerações: o Direito produz ordem e justiça, com equilíbrio e igualdade. Ou talvez não seja bem assim. (BARROSO, 2008, p. 313).

A justiça deve estar voltada ao campo da moral. Preocupar-se com a formação do cidadão acima de qualquer coisa. A justiça induz o cidadão a desenvolver suas atividades sem invadir o campo das outras classes sociais. Na obra de Platão37, ressalta-se a importância de duas classes sociais para manutenção e defesa do Estado, as quais seriam: guerreiros e magistrados. Esta última classe é considerada como detentora do conhecimento, também chamada de sabedoria. Com a união de ambas as classes têm-se a justiça e a temperança. A última coloca os governados em submissão aos governantes. No caso da representação social na visão dos professores em relação aos apenados, nota-se que estes estão justamente presos para apreender ou reaprender as

atitudes

comportamentais

não

bem

desempenhadas

na

sociedade.

Paralelamente, o Estado que os mantém encarcerados, o faz de modo justo? Nesse sentido, uma das possibilidades de se compreender justiça se faz socialmente na oposição à injustiça intolerável, a qual, nos dizeres de Sen (2014, p. 51): […] o tema da justiça não diz respeito apenas à tentativa de alcançar - ou sonhar com a realização de - uma sociedade perfeitamente justa ou arranjos sociais justos, mas à prevenção de injustiças manifestadamente graves […] Por exemplo, as pessoas que faziam campanha a favor da abolição da escravidão nos séculos XVIII e XIX 36 37

Na obra A Politica Na obra República IV

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não se deixavam iludir com o fato de que ao abolir a escravidão o mundo se tornaria perfeitamente justo. Ao contrário, elas alegavam que uma sociedade com escravos era totalmente injusta (entre os autores mencionados acima, Adam Smith, Condorcet e Mary Wollstonecraft estavam bastante envolvidos na apresentação dessa perspectiva). Foi o diagnóstico da injustiça intolerável contida na escravidão que fez da abolição uma prioridade esmagadora, e isso não exigia a busca de um consenso sobre o que seria uma sociedade perfeitamente justa.

Embora os entrevistados da pesquisa não tenham se sentido em condições de falar com propriedade sobre justiça, todos foram contextualizando a justiça que se referiam, por vezes identificada como sistema judiciário, outras, como um deverser, e algumas como a intolerância à injustiça. Neste sentido, a concepção de justiça perpassa a uma atuação dos entes governamentais.

5.2.3.1 Atuação governamental

Por instantes, diante dos relatos dos entrevistados, a justiça é representada como uma verdadeira amiga, próxima. Outras vezes, um ente indiferente às agonias e realidades vivificadas no ambiente prisional. Esta justiça que pode se corporificar em juízes e fiscais, ou ser tão volúvel quanto o éter, que é textualmente igualitária, mas socialmente seletiva. A toda poderosa justiça, que quase tudo pode, mas, por vezes se esquece de ser justa se compreende a “mão do Estado”, sua representatividade

de

atuação,

sua

governabilidade

normatizadora

e

institucionalizante. É diante deste aglomerado de sentidos que se apresenta a justiça aos entrevistados. A justiça tem sido parceira da gente. A justiça, geralmente quando acontecem os entreveres na escola entre secretaria de educação, secretaria de justiça e outros problemas com outras entidades, a justiça geralmente se coloca ao lado da escola, aqui em Rondônia, aqui em Porto Velho principalmente, os juízes das varas de execuções penais eles sempre se posicionam do lado do profissional e isso é muito bom porque eles conseguem ver e entender que nós precisamos que o Estado precise diferenciar a educação dentro da prisão. Não tem como ser igual. Por exemplo: a questão da carga horária, não tem como eu fazer uma carga horária igual a uma carga horária de uma escola chamada de normal. Por que não tem como? Porque existe uma troca de plantão, que ocorre às oito horas da manhã. Significa dizer que o aluno não vai estar na escola às sete e meia. Entendeu? Uma cela, ela tem um banheiro, e tem lá seis alunos, de manhã cedo pelo menos eles precisam fazer a limpeza, a mais óbvia, que é pelo menos escovar os dentes, isso demanda

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tempo. Se ocorrer isso com mulheres, isso piora mais um pouco. Então eles correm pra escola sem tomar café. Chega na escola, é preciso que a escola ofereça esse café da manhã pra eles porque tem um momento que não dá pra estudar com fome. E alguns segmentos travam essa questão da merenda [...] e você sabe que estudar demanda esforço. Esforço físico, esforço mental. E esforço físico e esforço mental consequentemente gera fome, desgaste de energia. (R1).

O professor R1 começa elogiando o poder judiciário por apoiar os professores, mas aos poucos, vai colocando sua visão no aspecto de superlotação das celas e reclama de ter só um banheiro para tantas pessoas. Comenta, ainda, sobre a falta da merenda escolar. Sua percepção foi posta de modo abrangente. Veja bem, na minha concepção não. [...] A gente precisa de escola mais bem estruturada, de um número maior de alunos dentro de sala de aula, de mais condições. Porque a gente trabalha com uma clientela que já não teve acesso à escola aqui fora. [...] E, você tem que ter algo muito mais para oferecer para ele. E o professor fica mais com a conversa [...] a gente já trabalha com um material que já está completamente fora da realidade. [...] Tem que ter sido pensado para aquele aluno que tem todo um conhecimento de vida, mas que não tem o conhecimento de conteúdos que a escola exige. [...] É como eles dizem: „professora, na minha cela agora está com 20 pessoas‟ Como que um ambiente que é para ter 5 pessoas tem 20? E ele vai concluir como a atividade? É cada um que liga uma televisão, porque eles têm acesso a isso. O outro tem um rádio, outros fazem zoada. Não tem condições! Então, quer dizer, na minha... para que tivesse cumprindo de fato seu papel, a escola, ela tinha que ter um espaço onde esse aluno que estuda pudesse frequentar esse espaço para cumprir com as atividades da escola. Mas não tem isso, eles têm a sala de aula e a cela. (R2).

Ao declarar que a justiça não está desempenhando sua função em relação à educação devido à superlotação das celas, identifica-a inicialmente ao poder judiciário e a sua não efetividade, ou melhor, à seletividade quanto a quem se obriga, que dificulta assim a vida dos alunos, principalmente em fazer suas leituras e tarefas escolares. R1 questiona sobre o barulho nas celas que prejudica ainda mais a fixação e apreensão dos conteúdos. Não ter condições de passar atividades fora da sala para ser desenvolvida na cela, fato corroborado por R2 ao expor: “Não, não têm espaço nenhum, só a sala de aula e a cela”. (R2). A sala é o único espaço que os alunos possuem. Isto é, cela e cela de aula, logo, nas unidades em que existem biblioteca, são usadas apenas na presença do professor.

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Eu diria que a justiça... eu diria que é muito difícil você fazer uma avaliação. [...] Eu procuro não me envolver nas questões, digamos assim: „o que fez? por que fez?‟ até porque eu me sinto mais segura assim. [...] Sabe, a gente vivencia essa situação da justiça em relação a eles. [...] Mas, tentando ficar mais do lado de fora. Acompanho, sei que existe um processo de remição em função de estar aqui. Sabe, levo isso em consideração, procurando fazer com que elas permaneçam, algumas vezes querem desistir. [...] mas eu não teria conhecimento para fazer uma crítica ou para falar da justiça. Eu poderia falar de uma forma geral, que a gente vê que a justiça não é para todos, que é injusto um camarada lá em Brasília estar em liberdade e aí de repente tem uma usuária de droga aqui que é dependente e precisaria de atendimento e tal, e que na verdade ela fica presa aqui dentro e que às vezes aqui dentro ainda tem acesso à droga e continua todo o processo [...] Essa avaliação pessoal, mas não como uma avaliação de quem conhece [...] Eles falam: „É justo que o camarada que é rico... professora, a justiça não é para todo mundo! Estou presa aqui, tem fulano que foi preso com não sei quantas toneladas de droga e já saiu! Eu fui pega com umas paranguinhas e tal‟ Então a gente vê essa distorção da justiça, mas não tem como fazer uma crítica, assim, de convicção. A gente faz dentro do aspecto social mesmo. Não é justo, realmente não é justo! (R3).

R3 comenta que não tem como avaliar a justiça de modo isolado, só diante do aspecto social. Existem muitas distorções em sua visão e, a seu ver, também na dos presos. O entrevistado a contextualiza relacionando à remissão, ao crime, ao tempo de permanência institucionalizado. Corporifica a justiça no objeto da sentença. Segundo o entrevistado, na visão dos apenados, a justiça é para os ricos, não para todo mundo. Entretanto, agregam que a injustiça ocorre a quem tem condição econômica, a quem tem condição de estar acima da justiça, identificando-a como uma forma de estratificação social, cabendo aos menos favorecidos a subjugação a penas reais. O professor afirma que procura não se envolver nos motivos da prisão e no tempo de pena dos seus alunos para se proteger. Ficar de fora lhe dá mais segurança. Se pararmos para ouvir o que diz o povo, ouviremos que: as penitenciárias são as verdadeiras escolas do crime. Por vezes, tenta-se alterar esta situação, criam-se medidas paliativas. De modo geral, a justiça não é muito justa, pois há muitos drogados presos convivendo dentro dos presídios com as drogas. A estrutura do sistema penitenciário é deficitária, faltam condições para manter e readaptar o detento. Às vezes os juízes não substituem as penas devido à

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falta de alternativas na fiscalização do cumprimento desta, ficando mais fácil manter o infrator fechado em cela. É mais barato e cômodo à administração econômica ter um carcereiro que “cuida” do cadeado para muitos em vez de ter pessoas que os ajudem a manter a cidadania. Os carcereiros (agentes penitenciários), de modo geral não tem formação apropriada para saber conviver com os presos. Sua formação é voltada ao inimigo, à repressão. Com isso, os tratam como vagabundos até mesmo em sala de aula. Não há investimento na capacitação de funcionários. O presídio é visto como lugar de exceção, até porque não se dá voto nem prestígio, por que investir em algo assim? Em muitos casos, a prisão é o maior problema do preso. R3 continua comentando a diferença de justiça aplicada na prisão, para os ricos e para os pobres. O rico sai rápido e o pobre permanece por longo tempo recluso. Entende como uma justiça socialmente injusta. Infelizmente, há justiça, mas a justiça, ela é muito unilateral. [...] Eu vejo que, a justiça... é mais pobre que está preso aqui. Pessoas marginalizadas pela sociedade na verdade é que estão cumprindo pena e, estão aí fora, há crimes muito maiores, pessoas estão soltas que estão aí livres [...] Infelizmente a justiça, no fundo, no fundo, ela é muito falha nesse sentido. Como se diz: é mais para preto, pobre.. [...] em todos os presídios, o que ocorre é isso. [...] Os crimes de grande desvio de dinheiro, [...] praticamente ninguém cumprindo pena e quando vem, ficam pouco tempo e vão embora. Mas, por exemplo, aqueles que roubaram uma galinha, [...] estão presos, cumprindo integralmente suas penas [...] Todos são „de maior‟, é uma questão opcional. (R4)

R4 faz um desabafo ao afirmar que a justiça não é igualitária ou equitativa. Ao contrário, ela é um instrumento de penalização bastante eficiente para os marginalizados. Só os excluídos socialmente, chamados “ladrões de galinha” são pegos, os outros estão soltos. Em outras palavras, justiça é um fator de segregação legitimado. Cadeia é para os marginalizados. Na visão dos entrevistados sobre o tema justiça, esta é injusta. Basta olhar nos presídios que se encontram encarcerados pobres e negros. Estes perfis são mais excluídos que quaisquer outros. Nota-se que a sociedade é preconceituosa, pois a exclusão social é ressaltada pela cor da pele e nas classes sociais economicamente mais baixas. Em suma, ao analisar as representações expostas, justiça é uma medida de autoridade submissa ao poder econômico.

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Nesse entendimento, Maeyer (2006) destaca a ideia de que a prisão é feita para os menos afortunados. A reclusão de uma pessoa não corresponde com a periculosidade dela, e sim, pela falta de posses, de recursos financeiros, de informação e educação formal. Quando questionado se isso acontece em todos os presídios em que atuou, R4 respondeu: “Isso em todos!” Tal informação pode ser comprovada tendo em vista que mais de 70% dos apenados em Rondônia são negros e com pouca escolarização (ensino fundamental incompleto). O professor deve fazer os alunos refletirem, por exemplo, sobre atitudes tomadas durante um assalto e as consequências dos seus atos que irão interferir depois em toda sua vida. Por isso é preciso pensar bem antes, para depois agir. O assunto deve ser tratado de modo geral, sem citar uma pessoa definida. O assunto tratado se refere ao campo da humanização. O estigma de expresidiário segue o indivíduo pela vida a fora. Ao procurar emprego, o ex-detento ao informar ao pretenso patrão sua condição, este fica com medo e a oportunidade de trabalho é inviabilizada. A falta de confiança da sociedade ao egresso do sistema prisional tira toda a oportunidade de reinserção social do mesmo, ficando com a única opção de voltar à vida antiga, que muitas vezes é infringir a lei. Sem oportunidade na sociedade e com poucos conhecimentos é evidente que não há justiça social, a sociedade está empurrando-o de volta ao crime. Há muito preconceito da sociedade em geral e até da prisional em relação ao delito cometido; cada vez fica mais difícil a reinserção. Depois do erro cometido, a realidade é mais dura, triste. Mas é preciso oferecer perspectiva de futuro, do contrário, as cadeias cada vez mais ficam superlotadas de reincidentes.

5.2.3.2 Direitos humanos

O direito humano no presídio é tido como pura teoria, sem prática. Portanto, é um objetivo que se deve realizar. Na teoria os direitos humanos são para todos, o que não ocorre na prática. Nem todos têm acesso a estes direitos. Direitos humanos, falado em sentido amplo, refere-se a todos os seres humanos independente de qualquer situação: socioeconômica, religiosa, racial e

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sexual ou qualquer outra tipificação. Conforme Hannah Arendt, basta ser humano para se ter direitos. Posicionamento diverso, porém, pode ser conferido em Thompson (2002, p. 106): [...] porque se afigura iníquo inverter grandes somas no sentido de prover de tratamentos humanos, de confortáveis acomodações, de requintes terapêuticos, exatamente os criminosos piores, uma vez que, só podendo a cadeia comum transferir parte da carga, irá escolhê-la, inexoravelmente, de acordo com os critérios antes assinalados. O que implicaria numa justiça às avessas: para os piores, o melhor; para os melhores, o pior.

Todos os entrevistados reclamaram da unilateralidade da instituição Direitos Humanos, pois a família da vítima, ou a própria vítima não recebe apoio desta. Logo, nas entrevistas, têm-se a impressão de que, para a sociedade, os envolvidos em direitos humanos só atuam para proteger criminosos. Ao abordarem Direitos Humanos, não mais representado em uma instituição, apenas contextualizado como direito, são ressaltadas suas características fundamentais, dentre elas: universalidade, indivisibilidade, interdependência e inalienabilidade. Eu acho que é aquela história, uma faca de dois “legumes” [risos]. Existe para defesa, para a defesa do preso tem, para a defesa do cidadão que perdeu alguma coisa, cadê? Nessa hora a gente se questiona. [..] eu vejo que existe toda uma exigência com relação a cobrar que os direitos humanos... que essa situação de respeito ao ser, ela possa existir. [...] Mas, eu fico em dúvida com relação à forma de atuação dos direitos humanos em relação ao cidadão que está do outro lado da situação. [...] quando a gente fala de existir uma entidade de defesa para os direitos humanos, essa entidade está muito mais voltada para a defesa do preso do que do cidadão de uma forma geral. Então eu acho que deveria ter o acompanhamento do preso, em relação aos seus direitos aqui dentro, mas deveria ter um acompanhamento também do cidadão que se viu, digamos, agredido, violentado, morto. A família ter toda uma assistência também para essa questão. Não sei se eu consegui... ser clara. (R3)

R3 deixa explícita sua visão através da fala acima, sendo favorável à reinserção dos apenados, mas condena as atitudes deles e acredita que estes devam cumprir a pena no sistema prisional, onde poderão ser escolarizados e reintegrados na sociedade.

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Quando pensamos na reintegração do detento na sociedade, o que queremos, na verdade, é fazer com que este seja capaz de enquadrar-se num espectro comportamental que não tange só a sua não reincidência criminal, mas que seja capaz de internalizar, assim como obedecer às regras estipuladas pela sociedade em que vive. (SANT‟ANNA, 2014, p. 58)

Todos sabem que enquanto preso, o indivíduo perde alguns de seus direitos, como a liberdade de ir e vir. Com isso, passa a viver isolado da família, da sociedade, da autoimagem e, por vezes, até do nome. Seus pertences pessoais são retirados na entrada do presídio, suas calças são cortadas, seus direitos civis são parcialmente retirados. Na maioria das vezes perdem a privacidade até para sua higiene pessoal. Não obstante estas atitudes, seus parentes que, eventualmente, queiram-lhes visitar serão submetidos às rigorosas revistas íntimas, por vezes extremamente vexatórias. Tudo isso é feito com objetivo de que tenham postura de submissão diante das autoridades. Observa-se, ainda, que o apenado perde sua identidade e identificação. Identificação é modelo de algo com o qual a pessoa se identifica ou se acha semelhante e procura mudar para se tornar parecido. Consiste na observância de noções fundamentais relativas à estrutura e constituição do sujeito psíquico. Do modelo de identificação constrói-se o “eu”, partindo do “outro” que é a referência de identificação, e desta constitui-se a identidade. Segundo o entendimento dos entrevistados, identificam que em geral a sociedade considera que o detento deve ser tratado com mais rigor e viver em piores condições que os pobres (muitas vezes subumanas), mas não conseguem assumir o que pensam. Com isso, o apenado/egresso voltará a cometer delitos ou crimes assim que sair. Precisa-se reintegrá-lo, e não é sendo maltratado que isso acontecerá. O que se pensa e o que acontece é diferente, impera a lei do silêncio. O professor R3 reclama que a instituição de direitos humanos está fazendo só uma parte na visão da sociedade, que é defender o preso. Quem defenderia a vítima? R3 deixa claro em sua fala que deve haver direitos tanto para o agressor quanto para a vítima. [...] é uma sinuca de bico! Porque a gente sabe que existe uma cobrança lá fora, mas que aqui dentro existe todo um sistema fechado onde se fazem as coisas, aí eu venho aqui duas vezes... três vezes na semana e de repente eu encontro uma aluna chateada

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porque está tendo um bacu lá dentro. Algumas coisas foram destruídas da escola, meu trabalho, minha apostila... quantas vezes lá no [presídio], os alunos chegavam com os cadernos já todo molhado, todo arrebentado. Quer dizer, e fora outras situações que é melhor não mencionar, mas a gente sabe que é mais uma vez [...]. Existe um sistema para cobrar, mas existe um sistema fechado que pode disfarçar e não realizar, até onde eu sei. [...] quando os comentários surgem, a gente diz assim: “não, mas existe uma cobrança sim”. (R3)

O pesquisador acrescenta algo mais na pregunta com intuito de colher mais informações: São as mesmas informações que não vão para fora? “É. São aquelas que você não pode abrir a boca. Inclusive enquanto professor você tem que... para permanecer na escola, você tem que fingir que não ouviu, que não viu”. (R3)

Segundo sua fala, a lei do silêncio impera não somente para os presidiários, mas, também, para si e para sua classe profissional, como afirma, quando questionado se isso desgasta a sua vida profissional: Ainda precisa se colocar em prática. As leis existem. A lei que protege a mulher, a lei que protege o menor, elas só precisam ser cumpridas. E também a questão dos organismos internacionais, dos órgãos internacionais. Por quê? Porque é fácil eles chegarem aqui e multar o estado de Rondônia, porque não visa educação, porque não construiu a cela. Mas é difícil entrar aqui dentro e saber do sujeito que está ali dentro, a situação. Porque só olhar por cima, dar um olhar superficial é muito fácil. [...] Porque não adianta ter prédios bonitos, coisas bem feitas se o principal agente desse sistema que é o preso tem uma vida degradante. Não vai à escola porque o agente não gosta. Não vai à escola porque não... não é bem visto. Quem sou eu pra julgar quem pode ou não ir à escola? (R1)

Na fala dos entrevistados, todos reclamam que quem determina, quem vai ou deixa de ir à aula, ou quanto ao obedecer ao horário, é o agente penitenciário. Na visão dos professores, tais agentes não possuem capacitação para desempenhar esta atividade. A função destes seria a de obedecer às ordens, entretanto, não as fazem e acabam criando suas regras: fazem quando querem. Eu entendo a posição da sociedade, embora não comungue na íntegra com o que a sociedade pensa. A sociedade só conhece essas pessoas privadas de liberdade pelo que elas veem na mídia. Cometeu um delito grave, matou, roubou, fez isso, fez aquilo, é marginal, é bandido, é para estar lá e não é para sua defesa. Mas não é bem assim. Ele cometeu um delito, ele tem que pagar pelo seu delito. Mas ele tem que pagar na forma da lei. [...]. Então, quando os direitos humanos defendem ela não está defendendo como as pessoas, muitas vezes como eu vejo colocar [...] Está defendendo

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que os direitos dele, como privado de liberdade, sejam cumpridos. Não é que está defendendo o que ele fez. [...] está defendendo que lá dentro ele tenha uma forma de pagar a sua pena conforme reza a lei. E não é isso o que acontece lá dentro. Vai lá no sistema e pergunta se todos os que querem ir à escola estão indo. Vai no sistema e pergunta se todos que necessitam de médico vão ao médico na hora em que necessitam. Entendeu? Então é complicado falar que os direitos humanos [...] está defendendo bandido. Não é defendendo bandido, está defendendo... eu entendo que está defendendo o direito daquele que cometeu o delito. (R2)

R2 concorda parcialmente com a situação angustiante que vive a sociedade, pois esta não sabe e muitas vezes não quer saber o que acontece com os presos dentro do ambiente prisional. Ao mencionar direitos humanos, contextualiza-o nos organismos fiscalizadores ou de amparo assistencial ao preso (Defensoria Pública, Conselho Penitenciário, Conselho da Comunidade...). Assim, quando tais órgãos fazem vistoria no presídio é para verificar se tanto o Estado quanto o preso estão cumprindo a pena conforme manda a lei, evitando-se interferir na atuação escolar. Além disso, vale ressaltar que as respectivas vistorias, embora rotineiras, ocorram com intervalo de tempo. Dessa forma, eventuais abusos podem facilmente acontecer com os presos (independente se estes querem ou não se redimir do delito e voltar à sociedade) longe do conhecimento destes organismos de proteção dos direitos humanos. O saber transitar livremente entre as regras é que faz com que cada pessoa atue como um verdadeiro cidadão. Esta circulação de direitos e deveres do homem, juntamente com a atuação jurídica auxiliam na solução de conflitos sociais. Nesse sentido, entende-se a fala de R3: [...] Existe um sistema para cobrar, mas existe um sistema fechado que pode disfarçar e não realizar, até onde eu sei. [...] mas a gente sabe que existe uma máscara também sobre o que acontece dentro do presídio e que a gente não pode ver. Às vezes os “dentes” são desrespeitados um com outro e ninguém nunca vai saber, raramente se sabe. [...] para permanecer na escola, você tem que fingir que não ouviu, que não viu. (R3)

R3 expõe sua vivência nos presídios. Exemplifica que ao chegar para lecionar, encontra alunos com os olhos roxos e os dentes quebrados porque sofreram agressões físicas, sem identificar se tais agressões foram ocasionadas por alguém de suas celas ou por outros indivíduos. Mas, a seu ver, o professor, para

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continuar em segurança, ou até mesmo trabalhando lá, finge que não viu e nem ouviu muitas coisas. Retornando assim a questão: onde estão os direitos humanos? Sobre o assunto, não há de se esquecer que “El individuo se ve amenazado em su ser espiritual cuando faltan el derecho a la libertad de profesión, la libertad contractual e la libertad de propriedad” (HÄBERLE, 2003, p. 15). Deste modo, a restrição imposta e admitida legalmente pela clausura no ambiente prisional não pode ser excessiva a ponto de ofuscar a personalidade do apenado, menos ainda poderá a gestão estatal, mediante seus agentes públicos, atuar em maciço arrepio normativo, através de arbitrariedades que configuram verdadeiras lições de criminalidade desferidas ao corpo e ao psicológico dos detentos. Perante as carências individuais e sociais dos reclusos, incube ao Estado recriar as hipóteses de uma mudança que exclua a via da coacção. Por outras palavras: é possível realizar um equilíbrio entre o dever de ajudar os reclusos a evitar a passagem ao acto criminoso e o dever de os proteger contra os abusos de poder fundados no arbítrio e na repressão. (RODRIGUES, 2001, p. 44).

Logicamente, nenhum ambiente oficial de privação de liberdade no Brasil tem como objetivo ampliar o potencial de criminalidade de seus apenados. Contudo, inegável que a gestão pública e mesmo os demais poderes pouco se interessam com o que ocorre intramuros, fazem “vista grossa” desde que o ocorrido não vase aos olhos e ouvidos da mídia internacional, ou implique numa situação em que haverá de se indicar culpados, situação que Goffman (1974) classifica como ajustamentos secundários38. Como visto na categoria justiça, os entrevistados identificam que o sistema prisional age de modo seletivo e que o judiciário tem por hábito ser abafado pelo poderio econômico. Nisto ocorre uma pressão nem sempre velada, uma disputa por poder no sentido de que “quem pode mais chora menos” e, via de regra, quem já foi preso é porque pôde menos. [...] se esse poder é exercido com uma conivência jurídica em que o status de dirigente permite o controle dos internados, por outro, as relações entre esses podem funcionar de forma que as normas burladas não cheguem ao conhecimento dos dirigentes. De maneira

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Por ajustamentos secundários se entende as realizações no submundo das organizações legais. São “[...] meios ilícitos, ou conseguem fins não autorizados, ou ambas as coisas, de forma a escapar daquilo que a organização supõe que deve fazer e obter e, portanto, daquilo que deve ser [...]” (GOFFMAN, 1974, p. 160). Compreendem ações arbitrárias às regras, que “propiciam um sentido de autonomia e autenticidade frente aos constrangimentos da instituição, sendo também capazes de gerar um conjunto de saberes e fazeres que as envolvem em ações cooperativas entre elas em busca de seus interesses” (BUSS-SIMÃO, 2013, p. 156).

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análoga, esses sujeitos elegem aquele que os representa, tendo-o como uma espécie de líder (SANT‟ANNA, 2014, p. 57).

Nesse sentido, envolver-se em situações que fujam ao estrito professorado, ou mesmo representar o interesse dos presos, na lide entre apenado e agente penitenciário, ou apenas entre apenados, coloca a segurança pessoal do docente em risco. Por outro lado, se o educador não se envolve, ou se omite, pode passar a ser visto como alguém parcial, assujeitado ao sistema. [...] uma outra coisa, muito importante, nós somos os olhos da sociedade, o que passa no nosso crivo a gente divide com os outros colegas e divide com a sociedade também. Nas reuniões, nos encontros, nas greves, a gente divide a nossa ansiedade a nossa frustração com a sociedade, dizendo pra eles “oh, lá dentro acontece isso, isso e isso e nós temos que tomar um posicionamento” como já houve professores que fizeram denúncias gravíssimas da direção do presídio, que batia em preso, que maltratava e já houve posicionamento de professores, de colegas nossos, inclusive meu mesmo, de nos posicionarmos contra porque nós estamos aqui pra ajudar a levar o cidadão que está aqui dentro lá fora, com uma outra mentalidade. Então, se a gente compactua com coisa errada, você também é errado, pelo menos peca pelo crime da omissão. E o professor precisa entender que o posicionamento dele é diferenciado e que ele é o agente que pode, ou não, transformar o procedimento de um ser humano que errou, que pecou, que cometeu um crime. É ação do professor (R1)

Vê-se nessa resposta de R1 uma forma de chamar para sua profissão, como agente público, o dever de se posicionar em prol do desenvolvimento humano, da educação, da demonstração prática do que é certo ou errado a se fazer, de ser exemplo aos reeducandos ainda que eventualmente o sistema judiciário, os políticos ou outros órgãos nem sempre o sejam. Para R4, os direitos humanos defendem os marginais. Eu acredito que exista, mas há muita política em cima disso. Muitas vezes só defendem... o marginal na verdade, às vezes até aquele irrecuperável, mas não vê a vítima também [...]. Eu vejo ele muito unilateral, sem ver os dois lados da moeda. (R4)

R4 relata sua opinião de modo semelhante a toda sociedade que desconhecem com profundidade a função das instituições de direitos humanos. Estas servem para que os apenados cumpram suas penas com dignidade, evitandose tratamento desumano. A função dos direitos humanos é muito ampla, defende também a vítima, embora esta quase nunca procure seus direitos. Assim, o pensar

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do povo brasileiro, sobre referidas instituições é de estas apenas surgem no momento de defender a marginalidade. Durante a entrevista, quando o pesquisador complementou com a seguinte indagação: “dizem que os direitos humanos só protege quem está preso. Você está aqui dentro, você vê essa parte?” A resposta do professor foi a seguinte: Não, não vejo! Não vejo! Tenho pouco visto os direitos humanos aqui dentro do sistema. Aliás, nunca vi. Se alguém passou por mim e era dos direitos humanos (riso contido) não percebi. Não vejo essa atuação dos direitos humanos dentro do sistema prisional. Talvez fique só no papel, na questão da política só e tal. Mas dentro do sistema prisional não tenho visto presença dos direitos humanos em situação nenhuma aqui dentro do sistema! Não tenho visto. Então, não sei até que ponto esse “direitos humanos” está realmente protegendo o marginal ou não, porque eu não o vejo dentro do sistema prisional. Em nenhuma das unidades, tendo em vista que nós atendemos todas as unidades prisionais da capital, o Presídio Feminino, o Panda, o Urso Branco, o Vale do Guaporé e Ênio Pinheiro. Não tenho visto ninguém, nenhum representante aqui, ou se dizendo dos direitos humanos aqui para defender alguém ou dar uma assistência a determinado reeducando ou infrator (R4)

E reafirmou: “Não, nunca vi! (riso contido) Sinceramente não! Talvez tenha passado por mim, mas eu nunca...” (R4) Diante dessa resposta, ressalto a visão de Aguirre (1990), quando fala de direitos humanos. Apresentando-o como um direito de todos, isto é, comum a todos. Podemos iniciar citando o direito à vida, em seu sentido mais amplo possível, sem distinguir a origem geográfica, a situação socioeconômica, cultural, religiosa, sexual, incapacidade física e mental; sem distinção alguma que interfira no reconhecimento da dignidade humana, pois esta é intrínseca a todo ser humano. Verifica-se com o transcorrer da dinamização humana e da consequente evolução das sociedades, a incorporação de um conjunto de direitos que, ao longo do tempo, passam a compor os ordenamentos jurídicos na busca da defesa da pessoa humana, seja individual ou coletivamente, em face do Estado e de terceiros. Historicamente, tais construções passaram a ser chamadas de gerações ou dimensões de direitos fundamentais. (SARLET, 2007, p. 50-57). Embora existam autores39 que quantifiquem distintamente o número de gerações existentes, é pacífico o entendimento da existência de pelo menos três: primeira (direitos de cunho individual como os direitos civis e políticos, que imerge 39

Dentre estes Bobbio (1992, p. 5-7), Bonavides (2006, p. 563-570), Sampaio (2002, p. 302) e Honesko (2008, p. 195-197).

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com o constitucionalismo); segunda (direitos de natureza coletiva tais como os direitos sociais, culturais e econômicos) e terceira geração (difusos, como o direito ao desenvolvimento, meio ambiente e comunicação). Aos que compreendem a existências de outras dimensões, integram-se os direitos já existentes e juridicizados (relacionados à engenharia genética e à paz). A inclusão de um país aos direitos humanos é um avanço no sentido civilizatório, humanista e progressista. E é ainda mais uma oportunidade de reinserção aos apenados. No entanto quando se fala em direitos humanos relacionados aos presidiários a resposta da sociedade é quase sempre a mesma; “bandido bom é bandido morto”. (R4) Segundo os entrevistados, se existem direitos humanos eles nunca apareceram em nenhum dos presídios. Mas, existem mesmo pessoas que dizem que os bandidos são amparados pelos direitos humanos. Eles devem defender os direitos dos que estão encarcerados para que as penas sejam cumpridas em conformidade com a lei, desde os mais pobres até o mais rico. Compreendem os direitos humanos como atuantes de modo unilateral, não olham para os dois lados da situação (preso e vítima). Os profissionais da educação acreditam sim na recuperação e na reinserção social dos ex-apenados, porque atuam diretamente através dos conteúdos no novo modo de conduta que cada um precisa adquirir e pôr em prática, tanto dentro do presídio quanto fora, quando estiverem em liberdade. O interesse pelo estudo e a sua trajetória em busca de fazer um curso universitário é que dá a certeza de recuperação de alguns apenados. Se houvessem melhores condições de material didático e empenho de todos os agentes, com certeza a reinserção seria bem maior.

5.2.4 Representações sociais quanto à educação e reinserção social

Quotidianamente, termos como reintegração, ressocialização, reinserção, tratamento, reeducação, reabilitação, dentre tantos outros possíveis são tratados como sinônimos por parte dos meios de comunicação, da administração pública, ou mesmo quando tratado nas conversas corriqueiras e, por vezes, possuem seus

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significados deturpados. Contudo, tais termos possuem distinções etimológicas, ideológicas e representacionais. „Tratamento‟ e „ressocialização‟ pressupõem uma postura passiva do detento e ativa das instituições: são heranças anacrônicas da velha criminologia positivista que tinha o condenado como um indivíduo anormal e inferior que precisava ser (re)adaptado à sociedade, considerando acriticamente esta como „boa‟ e aquele como „mau‟. Já o entendimento da reintegração social requer a abertura de um processo de comunicação e interação entre a prisão e a sociedade, no qual os cidadãos reclusos se reconheçam na sociedade e esta, por sua vez, se reconheça na prisão. (BARATTA, 1990, p. 3)

A reintegração dos reeducandos é o grande objetivo dos professores entrevistados. Acreditam que esta poderia ser enorme, no intuito de atingir a todos, mas, como existe uma diferença entre o ideal e o real, apenas uma parte dos apenados é que têm grandes possibilidades de reintegração social, dependendo principalmente das oportunidades. Estas advêm de melhores condições dadas aos durante o período em que se encontram aprisionados. Se o governo investisse realmente e se os gestores se interessassem mais em cumprir a lei, a situação possivelmente estaria resolvida. Veja-se o que diz R3: Sabe, tem dia que não tem aula. É raro não ter? É! Mas tem dia que não tem. Por quê? Porque: “ah, faltou água lá dentro” e o preso não vem sujo para cá. Tem sua lógica. É um acontecimento, mas gera um transtorno. Então, tem todo um conjunto de situações que maximizam a questão da educação prisional. Fora o desinteresse dos gestores maiores que estão lá em frente à secretaria de educação e de justiça em relação ao que diz a legislação. Preso tem que estudar. A modalidade tem que ser de acordo com o que é a realidade de cada município. Então, não: “hum, vamos fazer para todo mundo” o local tal como eles brincavam nesta sexta-feira. (R3)

Como falar em reinserir ou recuperar, se os alunos não vão à aula por falta de empenho estatal? Que espécie de reinserção é quista pelo Estado se este não propicia sequer água aos privados de liberdade de modo regular? Deste jeito, tornase quase impensável. Eu acredito nessa reinserção para alguns. Passando por todo esse processo relacionado à educação. [...] eu acho que existe uma possibilidade de reinserção. Não de todos! Como eu te falei, tem alguns que nos assustam. Tem alguns que são casos para ser estudados, porque não é só uma questão de má índole, é uma coisa mesmo de transtorno fisiológico, mental, que levam o indivíduo a aquela atitude. (R3)

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[...] vai gastar muito tempo pra sua totalidade, mas eu creio que sim. Na questão de reposicionamento, seria um reposicionamento. Acho que esta é a palavra, que eu descobri agora discutindo isso com você. Mas eu acho que é reposicionamento. Tem uma posição errada e está se reposicionando de uma outra forma. Eu acredito sim, porque se eu não acreditasse... digo pra você assim, que eu não estaria mais no sistema. Eu ainda estou aqui porque acredito piamente! Não todos! Não sou louca de imaginar que não, 100% não. Têm 20% 30% que não tem salvação! (R1)

Como coletado nas entrevistas, a reinserção social em nossos dias não é para todos os apenados porque há presos com problemas mentais e estes precisam de tratamento psiquiátrico, o qual, infelizmente, é escasso ou não acontece. Mas a grande maioria dos reeducandos conseguirá retornar à comunidade. Quando eu vejo uma aluna que diz que quer fazer “ah professora, eu quero fazer faculdade. Ah professora, o Enem!” a preocupação de fazer Enem e tudo... aí você diz: “poxa, existe uma possibilidade!” (R3)

A seguir, R1 conta sua experiência de quando conseguiu alfabetizar sete mulheres. Tal entrevistado também prefere o uso do termo reposicionar ao invés de reintegrar ou ressocializar. Eu alfabetizei 7 gurias do começo da minha carreira do sistema prisional. Graças a Deus, nenhuma das sete voltaram. E teve uma que me disse assim: “Professora, a senhora tirou um tapume, a senhora tirou uma venda que eu tinha nos olhos” [...] Então, dessas 7 pessoas que eu alfabetizei, nenhuma voltou ao sistema prisional. E isso pra mim dá um... graças a Deus... Salvei os 7! Então, eu creio sim na redenção de grande parte das pessoas que estão no sistema prisional. [...] eu falei uma poesia pra eles eu vi assim, 40 homens compenetrados e alguns chorando, ouvindo e absorvendo. [...] ontem eu vi que ali existem seres humanos e que ainda tem redenção sim. Embora não todos, mas a grande maioria sim. E eu creio piamente que meu trabalho, pode ser pequeno, mas ele está fazendo diferença! Eu acredito na redenção sim. (R1)

Segundo R1, suas alunas passaram a enxergar a vida de modo diferente depois de terem sido alfabetizadas por ele. Afinal, o professor conseguiu tirar a trave do desconhecimento, da ignorância de suas vidas, sendo que essas alunas não mais retornaram ao presídio. Essa é a gratificação do professor, ao saber que pode mudar os seus alunos por serem humanos e racionais. Apesar de alguns momentos agirem pior que se irracionais fossem, motivo este de estarem cumprindo suas penas.

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R2 conta, ainda, que ao ler uma poesia para os apenados, percebeu que os homens se emocionaram, chegando até às lágrimas. Assim, continua a falar sobre reinserção: Olha, no modelo que nós temos hoje, ainda é possível. Agora, bem pouco. Poderia ser bem melhor. Ainda é muito, muito timidazinha a matéria, mas eu acredito. Eu acredito. A gente tem alunos que se destacaram e inclusive que trabalham na justiça. [...] Então, assim, eu acredito. Eu acredito que sempre a gente consegue resgatá-los. [...] eu acredito que uma escola bem estruturada, bem planejada, a gente consiga bem mais êxito. Agora, no modelo que a gente tem hoje é difícil! (R2)

É outro professor que nos diz que acreditar é importante e ele acredita sempre. Se um dia deixar de ter esperança, perde o sentido da profissão. Apesar de ser difícil, devido à situação da educação atualmente ser de abandono, ele afirma que ainda continua acreditando no resgate humano dos reeducandos. Acredito! Acredito porque tenho visto isso, tenho presenciado pessoas que realmente estavam aqui dentro do sistema que tinham cominação de 120 anos de cadeia, de 100 anos de cadeia, 80 anos de cadeia e tenho visto pessoas comprometidas querendo mudar realmente. São exemplos aqui dentro. Tem alguns alunos que fazem faculdade, que eram do sistema, que não tinham nem a alfabetização [...] e hoje fazem faculdade fora, fazem curso superior e estão dando exemplo para a gente disso aí. Então é uma coisa assim que me deixa muito orgulhoso, feliz até e me sinto realizado com isso. [...] Tem bastante pessoas que, graças a Deus, a gente percebe a vontade, a garra de querer mudar de vida e veem no estudo a forma dessa mudança. Mudança pelo estudo. Essa transformação! [...] Quer ser exemplo lá fora disso aí e pedem um voto de confiança nas atividades profissionais, nesse sentido. (R4)

As entrevistas levam a entender que os professores acreditam que um número pequeno dos apenados que estão estudando dentro do presídio não conseguem se recuperar, quer seja pela má índole ou por sofrerem transtornos mentais. Mas a grande maioria dos reeducandos poderá ser reinserida na sociedade, tão logo cumprirem suas penas no sistema prisional. Vale ressaltar que o termo “reposicionar”, usado por um dos entrevistados tem, segundo o mesmo, o sentido de reinserção social, de posicionar novamente o egresso no meio social de onde saiu no momento em que foi preso. Afirmam também que havendo maior investimento proporcionará um número maior de reinseridos na comunidade. Apresentam relatos de alunos que se esforçam, estudam e não mais voltam a delinquir. Alguns que entram analfabetos no

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presídio e hoje estão fazendo faculdade fora, servindo de exemplo para os outros apenados e causando orgulho aos professores. Como cada reeducando tem sua identidade, alguns apresentam mais facilidade em assimilar os conteúdos, enquanto outros são mais difíceis, podendo-se levar mais tempo neste trabalho de reinserção. Os entrevistados apresentaram várias possibilidades para aperfeiçoar a situação da reinserção social, e indicam, em sua maioria, que ela se dará pelo viés educacional nos presídios e pelo trabalho. A reinserção social dos indivíduos passa por um processo lento e prolongado. Cada apenado terá que refletir a respeito de si, seu comportamento e sua reinserção na sociedade. Para que isto possa acontecer é necessário que o apenado efetivamente queira, se mantenha motivado. Terá que transformar algumas de suas atitudes e que o retirou do convívio social e o remeteu ao cárcere. Assim: Se o interesse é o motor da educação, esta não é, por princípio, questão de castigo nem de recompensa, mas de adequação entre o que se tem que fazer e o sujeito que o faz: a disciplina está implícita. A escola deve ser ativa, laboratório e não auditório. O trabalho não pode, em hipótese alguma, ser insuportável. A escola constitui um meio social válido por si só e preparatório para as realidades da vida adulta. Nela, o pedagogo é acima de tudo, um „estimulador de interesse‟. (HAMELINE, 2010, p. 24).

Dadas as devidas comparações, enquanto estiver privado de liberdade, é no ambiente escolar existente no cárcere que o reeducando terá um pouco mais de oportunidades para manter viva sua vontade e interesse de criar novos hábitos e posturas que o ajudarão a retornar à sociedade que o puniu. Esta poderá recebê-lo bem ou não, mas, muitas vezes, estas marcas da prisão tendem a permanecer perpetuamente, infelizmente. Entretanto, embora se demonstrem animados com a possibilidade de ver alunos se reinserindo na sociedade e no mercado de trabalho, por terem estudado no sistema semestral presencial, apresentam um grande temor em relação a um outro sistema, denominado modular.

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5.2.4.1 Sistema de ensino modular

O sistema de ensino modular, denominado no ordenamento legal do Estado de Rondônia como Curso Modular, é regido pela Portaria nº1201/11-GAB/SEDUC, desenvolvido a distância e cuja organização consiste nas seguintes características: I - Ensino não presencial, sem cumprimento de horas e dias letivos; II – Avaliação através de exames presenciais; III – Estudo com o(s) módulo(s); IV – Respeito às características do aluno, o ritmo de aprendizagem, seus interesses, suas condições de vida e de trabalho, tendo em vista a idade e a experiência de cada um. [...] Art. 10. O aluno permanecerá com o módulo, quantos dias forem necessários até estar apto a submeter-se às avaliações. [...] Art. 12. As pessoas em privação de liberdade terão o direito à aprendizagem e acesso aos níveis de ensino fundamental e ensino médio do curso modular em articulação com os órgãos responsáveis pela administração penitenciária. (RONDÔNIA, 2011)

Ao que se nota do conteúdo contido na supracitada Portaria, verifica-se que o oferecimento do curso modular tem por meta a flexibilidade de horário e a amplitude de local de estudo, uma vez que, o modo de vida e as atividades sociais aos cidadãos livres implicam em grande mobilidade. Porém, justamente às pessoas em privação de liberdade tal mobilidade não ocorre. Ainda pior é permanecer numa cela com superlotação, local em que dificilmente haverá outro reeducando para compartilhar seu interesse na aprendizagem e atribuir exclusivamente ao aluno do curso modular a responsabilidade por sua boa escolarização ou ao seu fracasso escolar. O aluno que você vê no modular, você vê uma vez [...] Então, modular realmente vai tirar esse papel social que a escola tem que preservar para o aluno. A possibilidade, tira! [...] O modular é frio! Não tem possibilidade. (R3)

O entrevistado acima comenta sobre proposta que vem surgindo em Rondônia e, neste momento em Porto Velho quanto à educação prisional. A modular. Segundo o professor, não há interação neste novo sistema. Ao mudar para o modular, reduz-se drasticamente a chance de humanização, porque o contato professor/aluno passa a ser mínimo. Até mesmo o fato de o professor sorrir a um aluno modular pode ser mal interpretado pelo reeducando, porque o reeducando não

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o conhece e pode levar o sorriso para uma interpretação errada, e achar que o professor quer algo a mais. Não saberá a diferença de um sorriso amigo, de acolhida, de desejo, ou mesmo de deboche. Há por parte do entrevistado a compreensão de que o modular mata o papel social do docente no ambiente de sala. O contato do professor com o aluno é frio. Para ele, a reinserção social passa diretamente pelo contato professor/aluno. O reeducando sente a humanização no procedimento convencional, contudo, no sistema modular R3 não há chance de mudança. Olha, se passar para modular, nenhuma chance de permanecer! Porque não existe razão. Se você tem contato... o contato do modular com o aluno é frio, ele não te conhece. Os meus alunos me conhecem, [...] Então, você tem que estabelecer um vínculo com o aluno. E aí você vai ver aquele aluno no dia do tira dúvidas, mal vai dar tempo de você tirar dúvidas. Esse aluno não vai estudar lá dentro porque não existe ambientação para isso! Entendeu? Então, deixa de existir esse processo de humanização. Porque isso você cria, é uma coisa que vai surgindo. (R3)

Nota-se na fala dos entrevistados que, se o sistema modular se tornar o único procedimento a ser realizado pelos docentes, deixarão de trabalhar nos presídios, por não acreditarem que haja possibilidade de reinserção pelo procedimento exclusivamente modular. Não há condições de se transformar isso em sistema modular! Por quê? O sistema modular é muito claro, significa dizer que eu vou levar um módulo para minha casa ou pra cela, vou estudar esse módulo e venho fazer prova. Meu amigo, se é difícil tirar quinze alunos pra sala de aula, no mesmo horário, tu imaginas chegar para um agente penitenciário a cada dez minutos e dizer: „não, eu vou fazer prova‟ [...] tu imaginas de um por um. Significa dizer que o sistema [...] vai pelo ralo todo o trabalho que nós fizemos! [...] Mas, em nenhum momento eles ouviram os servidores da escola, eles ouviram os alunos da escola. Não foi feito, foi colocado de cima para baixo, imposto de cima para baixo! [...] E a equipe técnica não teve pelo menos a consciência, a honradez de procurar os servidores do sistema e perguntar: „gente, como é?‟ [...] Não vieram e vão impor [...] E a única coisa que nós podemos fazer como servidores é mobilizar a categoria. [...] Mas se for preciso a gente vai até os mecanismos internacionais e vamos provar que esta é uma ação que não pode ocorrer dentro do sistema prisional. [...] o governo diz é que a folha do estado está muito alta [...] Que diminuiria em 50% o número de professores [...] Eu entendo a preocupação deles, mas não justifica sucatear o sistema, a educação feita na prisão em detrimento de qualquer outra pessoa. Por quê? Quem vai entrar na sua casa amanhã é o bandido que passou por aqui e não foi pra escola. Só isso (R1)

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Vale ressaltar que não se está em voga a simples adoção ou não do curso modular no cárcere, mas o que este sistema, se tomado em sua exclusividade, ensejaria como representação social. Primeiro que já não mais se deveria tratar de educação, mas de possível processo de aprendizagem. O trabalho do educador não mais existirá neste procedimento, nem mesmo a responsabilidade estatal, uma vez que bastará entregar as apostilas e os materiais de leitura, denominados módulos, aos apenados e pronto, dever estatal formalmente cumprido. Sem dúvida que o Governo irá reduzir gastos, praticamente metade da mão de obra docente, mas esquecem que o sistema modular exige que o aluno estude fora da sala de aula, em suas celas excessivamente lotadas. A sala de aula servirá como sala de prova. Além disso, tecnicamente, reduzir gastos não implica necessariamente em economia. Entenda-se que a questão de fundo nas respostas dos entrevistados não é se podem existir vantagens com a implantação do curso modular, mas, como imaginam e representam a supressão do sistema convencional pelo modular, pelo novo. Essa inovação, com ares de modernidade não é compreendida como evolução, por sinal, é sentida como rejeição a toda conquista docente, como sentença de morte ao trabalho de educador do professor que atua no presídio. E isto para que? Será que a governança estadual não sabe que nas celas o aluno não tem condições de estudar, ou justamente sabe das dificuldades, mas não se importa? Imagine o tamanho do problema educacional para o futuro. Em síntese: A questão da valorização econômica é gritante, não há nem ônibus para irem trabalhar. Ficam a espera de carona, se não houver, não há como ir ao trabalho. Desse modo, o sistema de educação modular representa para os docentes que lá atuam, muito mais que um inimigo que irá roubar-lhes o emprego, um verdadeiro retrocesso para a reinserção, um sucateamento da educação nos presídios.

5.2.5 Sugestões para a melhoria do processo de escolarização na prisão

Os entrevistados levantam vários pontos que para eles são fundamentais para que haja uma boa reinserção social. Acreditam na possibilidade de haver um número grande de apenados sendo reposicionados na sociedade com certa

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facilidade, bastando apenas um pouco de interesse da parte da administração pública à questão prisional. Basta voltar o olhar para dentro das celas que se saltam aos olhos as péssimas condições em que vivem os presos em Porto Velho. É principalmente com a ajuda da educação e da psicologia é que os apenados podem (re)criar as atitudes comportamentais e psíquicas para retornar a sociedade de onde vieram. Lamentavelmente, por falta de interesse público em programas educacionais mais eficazes, em promoção da justiça social e de incentivo à redução das desigualdades existentes, é que sociedade, de modo geral, precisa se preocupar mais com a situação dos presídios. Veja o que diz R1 ao falar da sociedade: Que a sociedade se posicionasse com mais afinco, com mais vontade, com mais presença. [...] Se a sociedade se posicionar mais [presente] ao sistema prisional, com o olhar voltado pras empresas, colocar empresa aqui dentro, mão de obra barata, investimento baixo e uma sociedade..., tanto a sociedade carcerária quanto a sociedade [em geral] (R1)

Se houver interesse por parte do governo em buscar parcerias para investirem no trabalho dos presos e, se o governo preparar mão de obra qualificada dentro dos presídios, estará investindo nas pessoas que lá estão e na sociedade em geral, tão logo esses retornem à liberdade na condição de egressos. O professor cita um exemplo possível de se realizar com os apenados, que é a criação da fábrica de costura de uniformes escolares. Os presos se sentirão mais úteis e melhor preparados para retornar ao meio social. Então, a gente tem que entender que no sistema prisional eu preciso ter ações diferenciadas para que eles possam me entender que eles podem mudar de vida sim! [...] Então, se fizesse esse casamento de sociedade, governo, justiça e trabalhadores do sistema, aí meu amigo, é o Brasil pro topo, pro ranking das melhores nações no que se tange ao sistema prisional. [...] A situação é essa. Se há uma efetividade desses parceiros, e também os organismos internacionais. Se há essa parceria, nossa Deus, isso mudaria [...]. (R1)

Na opinião de R1, se os órgãos envolvidos com o sistema prisional se unissem e conduzissem suas ações voltadas ao desenvolvimento profissional das pessoas privadas de liberdade, a situação do presídio seria totalmente diferente e o nome do Estado de Rondônia estaria nos noticiários internacionais, mas desta vez,

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pelo lado bom, pela reinserção social que promoveu e, não mais pelo aspecto negativo como já aconteceu. O sucesso da ressocialização, por meio da educação só acontecerá quando, de fato, houver políticas públicas voltadas aos objetivos reais de integração do sujeito na sociedade e não cada um fazendo como faz atualmente. Os organismos internacionais [...], a Corte Interamericana ela precisa ter uma visão menos patrimonial, de prédio. Porque não adianta ter prédios bonitos, coisas bem-feitas se o principal agente desse sistema que é o preso tem uma vida degradante. Não vai à escola porque o agente não gosta. Não vai à escola porque não... não é bem visto. Quem sou eu pra julgar quem pode ou não ir à escola? (R1)

R1 critica os organismos internacionais e a Corte Interamericana que precisam deixar de se preocupar com prédios bonitos para investir no cerne, que é o ser humano. Estes vivem amontoados e com tratamento a gosto do agente penitenciário, que não corresponde em nada com o que necessitam para serem reinseridos. Não, num primeiro momento todos estão aptos a ir pra escola. Quem dera, quem dera pudesse colocar todos dentro da escola. [...] O cidadão vai voltar pra cela cansado, física e mental. Ele não vai ter tempo de pensar em fazer outras bobagens. Porque no outro dia de manhã cedo ele tem que ir pra escola e a tarde ele tem que trabalhar. Eu garanto pra você que muita coisa seria evitada. [...] e o ditado já diz: “cabeça parada, oficina do diabo” [...] e se ele trabalhar e estudar ele vai ter menos tempo pra pensar isso. [...] Basta que o governo, a sociedade, os organismos internacionais e a própria... a própria comunidade de carcerários queira mudar. Se... se mudar, vou te dar um exemplo bem básico. Por exemplo: todas as escolas estaduais elas distribuem fardamento no começo do ano. [...] São 8 espaços prisionais, todos eles lotados de gente. Se o governo do estado colocasse dentro de cada um espaço desse... então, um vai costurar, outro vai pintar a logomarca, e nós vamos distribuir pros alunos do estado inteiro. Economizaria, porque na licitação já vai dinheiro. Economizaria na questão do pagamento. [...] O cara iria trabalhar satisfeito porque ele sabe que a família dele não está passando fome lá fora. Ele iria estar cansado, mas ele teria que ir pra escola no outro horário. [...] Como ocorre em outros países. Agora, se copia o que não presta, mas o que presta não se copia. (R1)

Com a escola oferecendo material pedagógico adequado; a comunidade prisional com diferentes e variados programas laborais em empresas; os agentes preparados psicologicamente para auxiliar os presos, serão proporcionadas melhores condições de vida no presídio e ótima preparação psicológica e

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profissional ao apenado para seu reingresso na sociedade, com êxito. Assim, os estabelecimentos prisionais deixariam de ser considerados “escolas do crime”, locais em que os apenados ficam com tempo totalmente ocioso e acabam passando o dia todo parado, apenas planejando assaltos e fugas. As maiores dificuldades: falta de recursos didáticos [...]; falta de espaço físico [com estrutura adequada]; [...] contato com outras pessoas [...]. Nosso material [didático] é de péssima qualidade! (R2)

R2 comenta que no presídio falta tudo para o preso, inclusive aprender a se relacionar com as outras pessoas. Primeiro, formar agentes penitenciários para trabalhar diretamente com a escola. [...] a visão deles é como agente penitenciário. E para trabalhar com a escola a gente tem que ter o apoio dos agentes. E só o agente tendo uma formação da escola, para ele entender a funcionalidade, para ele entender a importância do aluno estar em sala de aula na hora certa e só retirar o aluno na hora certa. Para ele entender que se o aluno está no “castigo” para ele, que esse aluno, mesmo ainda precisa vir para a escola e depois ele retorna para o castigo. [...] por não ter essa formação, a gente acaba tendo problemas, entendeu? Por exemplo: tirar o aluno no horário da aula. É problema, a gente... tem equipe que chega e faz tudo direitinho, trabalha legal com a escola, daí troca esse agente, aí chega outro agente, então, é complicado. Então, assim, eu começaria fazendo formação para agentes para a escola, professores também para a escola, para poder perceber como funciona a sistemática da escola, e reestruturaria as escolas com cursos didáticos. (R2)

A reinserção social se dá através da relação professor-aluno, mas não apenas. Ela se desenvolve no contexto apenado-liberto, infrator-cidadão. Deste modo se desenvolve inclusive no contato com agentes de segurança, médicos, técnicos, através do contato com todos os servidores públicos e visitas que possam ter. É neste contexto de tratamento que a reinserção ocorre. Entretanto, o que mais se encontra alegado nas entrevistas é a falta de formação humana dos agentes públicos, como fator prejudicial a esta relação. De certo modo, R2 compartilha do entendimento de educação funcional, como auto-reflexão estatal: Ao problematizar a educação e suas possibilidades emancipatórias, parte da ideia inicial quanto às experiências formativas, como marcadas por ações de resistência que se constituem contraditoriamente e dialeticamente contra ao que é estandartizado, padronizado, imposto, regulado e cristalizado na sociedade [...] Adorno afirma que as causas que geraram a barbárie continuam existindo, enquanto persistirem no que têm de fundamental as condições que geram essa regressão. É isso, segundo Adorno, que apavora. Apesar da não-visibilidade atual dos infortúnios em sua

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totalidade, a pressão social continua se impondo à totalidade dos indivíduos. [...] no atual estágio civilizatório, a educação tem sentido unicamente como educação voltada à auto-reflexão crítica. (COSTA, V. 2013, p. 246-247).

É também o Estado, na figura do agente que colabora na educação, que necessita de constante reflexão às condutas adotadas. Precisam fazer cursos para aprenderem a agir. Esta reclamação é encontrada na fala de todos os entrevistados. É no educador que o reeducando se espelha como bom modelo a ser seguido. É comum o aluno não vir para a sala de aula e os agentes dizerem que eles não quiseram vir. [...] “professor, peça pra tirar, ou não tirar e tal...” aí a gente fica naquela: o agente diz que o aluno não quis vir, o aluno diz que o agente não tirou [...] Nós temos alunos lá dentro, no sistema, com muitas habilidades e isso não são exploradas neles. Então, assim, eu acho que também a escola estaria colaborando muito se tivesse esses espaços para a arte lá dentro. [...] a escola tinha que ser voltada de fato ao sistema. O que nós temos não é uma escola pensada para o sistema prisional, a gente tem uma escola lá dentro, de qualquer jeito. Essa é a realidade. [...] Então a gente precisava explorar essas capacidades desses alunos, mostrar para a sociedade o que esses alunos fazem lá dentro. Porque a sociedade aqui fora ela só vê esse... ela não vê meu aluno! Ela vê o bandido, porque foi ele que passou na televisão, porque aprontou e matou e foi lá pra dentro, ou porque roubou e foi lá pra dentro. [...] a escola tem que ser pensada por alguém que vá lá na escola [...]. Que vá lá, que conheça, que visite, que passe uma semana frequentando a escola, vai na sala de aula, assiste aula junto com o aluno que é para ele ver como funciona! (R2)

A escola no intramuros, para R2, deve ser voltada para o sistema prisional, para que possa ser funcional. Desenvolvidas as diferentes habilidades das pessoas privadas de liberdade que lá se encontram. Para isto, precisa ser reformulada, pensada por alguém que a conheça bem para mudá-la. Outra vez a questão da funcionalidade da instituição de escolarização vem à tona, como crítica ao contexto social em que ela deveria representar. Sua insatisfação é comparada a afirmação que “Recrimina especificamente a escola por não saber obter das inteligências o melhor rendimento, desperdiçando o capital intelectual [...] as melhores inteligências estagnam na escola” (HAMELINE, 2010, p. 24). Eu acho que essa aproximação com a sociedade. Sabe, colocar... trazer essas pessoas que já estão num processo bem adiantado de envolvimento, nesse processo todo de cursos [...] depois de um acompanhamento, de um tratamento, botar junto da sociedade. Aí sim, as prefeituras, acho que era obrigação. [...] e a gente pode

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aproveitar para trabalhar essa mão de obra aqui dentro. As meninas fizeram o curso de pintura, de parede, de móveis, mas é... fizeram o curso aí.... então, jogar esse povo no mercado de trabalho mesmo. Jogar na empresa, incentivar as empresas a acolher, que tem o incentivo fiscal [...] acho que o próprio governo tinha que tomar essa providência de aproveitar a mão de obra deles para prevenção. Começa aqui dentro mesmo. [...] Eu escuto elas falarem que “agora não, estou ganhando meu dinheirinho” “por que é que eu vou fazer? Não professora, eu não quero mais essa vida para mim” Então, a receita é trabalho! (R3)

R3 repassa a insatisfação do apenado em não poder ganhar o seu sustento. Muitos já fizeram vários cursos, mas enquanto detentos, não têm onde trabalharem. Os administradores deveriam se empenhar mais para que os apenados não quisessem, ao sair, retornar logo ao estabelecimento prisional, como acontece nos dias atuais. A rua é vista como um local apenas para passar férias, conforme expõe abaixo: [...] a igreja está presente lá dentro, porque eles se envolvem nos movimentos [...]. Aí entra a escola, aí a escola vem com a oferta de conhecimento, com a oferta de escolarização, que tendo uma formação... aí bota esse camarada com a fé, com a educação lá fora e a sociedade não dá oportunidade. Aí ele volta. Então, só isto não basta! Então tem que ter trabalho, porque se tem trabalho se tem dinheiro, dá para ter dignidade, sustentar, comprar uma roupa para o filho, alimentar a família. E aqui dentro ele tem comida de graça, então é melhor voltar. Aqui eles ficam deitados o dia inteiro porque não tem trabalho mesmo. Um ou outro se envolve no trabalho. (R3) [...] Ela queria voltar para passar o natal com os filhos. Então, mas o que aconteceria com ela saindo? Passaria o natal com os filhos? Mas provavelmente ela voltaria se ela não conseguisse o emprego, como a maioria volta. E ela já é reincidente, ela já saiu e já voltou e muitos fazem esse trajeto. A rua vira férias, mas a casa é aqui dentro! Entendeu? Isso reflete na família. (R3) (grifo nosso)

A atuação conjunta da sociedade em torno do apenado seria uma condição para melhorar a vida dos mesmos. A junção da sociedade política, educacional, jurídica, social e religiosa forneceria praticamente toda a sustentação básica de que os apenados tanto necessitam para a reinserção. Entretanto, a falta de apoio das secretarias estaduais (educação e segurança) é registrada por todos entrevistados. A falta de apoio da própria secretaria de educação, limitando a escola em tudo, em materiais, sabe, não dando autonomia à escola. A escola não tem autonomia, inclusive de gestão. [...] as escolas dentro dos presídios elas não terão direito de escolha de seus diretores. (R3)

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Segundo R3, tudo na escola do presídio é diferente e pouco, como se ninguém de lá merecesse ou não valesse a pena. O preconceito é grande e dificulta tanto a vida quanto a identificação do apenado e do ex-presidiário enquanto pessoas, logo, ter recursos para investimentos no humano é algo escasso. [...] você sabe que é uma questão política [...] há dificuldade de locomoção. [...] Sabe, tem dia que não tem aula. [...] “ah, faltou água lá dentro” e o preso não vem sujo para cá. [...] Fora o desinteresse dos gestores maiores que estão lá em frente à secretaria de educação e de justiça em relação ao que diz a legislação. Preso tem que estudar. [...] Então, se falta uma merenda, você já tem que, sabe, trabalhar dobrado porque elas também vem para a escola para merendar, porque a comida do presídio é muito ruim. E aí, por que que falta a merenda? Porque a escola não é gestora do seu... não é ela que tem dinheiro para comprar. [...] como rende quando elas estão bem alimentadas! Parece criança! (R3)

Continua a falar R3 da falta de merenda escolar na escola que se encontra nos presídios. O dinheiro que o governo alega investir no preso é alto, inclusive na parte de alimentação. Paralelamente, relata que segundo os apenados, a refeição normal (marmitex) geralmente chega aos mesmos em péssima qualidade. O entrevistado afirma que o aluno bem alimentado produz mais em sala de aula. Sua sugestão é: “melhorar a alimentação e oferecer merenda escolar boa e farta, como se vê nas propagandas transmitidas pelo governo nos meios de comunicação”. (R3) Em termos semelhantes, consta a manifestação de R4 a respeito de possibilidades para a melhoria da reinserção e do sistema prisional: Criar parcerias, Sejus, Seduc, todos os órgãos envolvidos com o sistema educacional fossem... dessem um apoio não só material, financeiro, psicológico, para que a gente pudesse melhorar a cada vez mais a educação como um todo. [...] infelizmente os recursos da educação não vem para a nossa escola porque a escola ela é discriminada. [...] há dois anos tentando implantar o conselho escolar da escola e por questões burocráticas e até preconceituosas [...] ficam colocando empecilho porque acham que o reeducando não pode participar do conselho [...] Por exemplo: recursos da alimentação, dos reparos da escola, da merenda escolar e outras mais assim que pudessem estar os recursos todos destinados à educação, tanto municipal, federal como estadual para que a qualidade do ensino pudesse melhorar. (R4)

Na resposta de R4 fica claro que só haverá melhoria das condições do sistema prisional quando a sociedade entender que a regeneração não se dá por

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maus tratos, mas sim com engajamento de toda comunidade voltada à recuperação do preso, proporcionando condições dignas de condições de estudo e trabalho. Em igual raciocínio, descreve Barbosa (2011, p. 10): O que pensar, pois, daquelas situações em que o indivíduo se vê subtraído das condições mínimas para a mantença do seu corpo, tais com o acesso ao alimento diário, bem como ao cuidado com a sua saúde? Situações que se multiplicam com a perda cada vez mais acentuada dos laços de solidariedade presentes naquela vida social de conjunto, íntima, interior e exclusiva, repousada na consciência da dependência mútua determinada pelas condições de vida comum, pelo espaço compartilhado e o parentesco.

Assim, a escola no presídio e todo o seu ambiente, conforme entrevista feita a R4, acabam por ser discriminados e reduzem gradativamente os laços de solidariedade. Para isso é urgente combater o preconceito social em relação a esse tipo de escola, aos professores que atuam nesse estabelecimento educacional e, finalmente, aos apenados e ex-apenados. É toda uma situação social mesmo. Quer dizer, a empresa que recebe, o colega que olha de ladinho assim, quando vão lá fora com a pulseirinha, é o olhar que recebem. Então, nós somos preconceituosos. Então, se pudesse existir um trabalho também para a sociedade, no sentido de acolhimento maior, mas o medo na sociedade é muito grande porque a violência é só crescente. [...] um aluno meu trabalhava [numa empresa privada] e aí alguém falou para o pessoal da coordenação que ele era ex detento. E aí não deu outra, aí ele foi posto para fora, embora ele tivesse entrado [aprovado na entrevista de emprego], é lógico que ele não escondeu da pessoa que o levou lá [...] E aí ele voltou para o presídio e eles falam: „R3, a gente volta porque ninguém dá chance‟ não é?! (R3)

O educador fez questão de ressaltar o que enfrenta um ex-apenado na sociedade e como este, muitos outros casos semelhantes se repetem. A sociedade precisa compreender sobre a importância de saber acolher uma pessoa advinda do prisional, tanto no trabalho, na vida social e até na familiar, do contrário, a probabilidade deste indivíduo voltar ao cárcere será maior. [...] se houvesse uma consciência, uma participação mais efetiva para que o conselho escolar fosse criado e que os órgãos, como o Conselho da Comunidade, as „ONG‟s da vida‟ aí pudessem se integrar mais à escola para ajudar a escola no sentido de melhorar, tanto na parte física e estrutural quanto na pedagógica, seria de fundamental importância, porque só teríamos a ganhar com isso. Não só nós como a sociedade como um todo. (R4)

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Fica nítida na fala de R4 a insuficiência de auxílio dos demais órgãos representativos da sociedade em relação à escola, ato que em muito dificulta a atuação de reinserção social e impede um mutualismo, pois, a escola sem maiores investimentos não atende as expectativas a ela imposta e a sociedade não obtém egressos prisionais bem preparados para sua permanência não delitiva. A escola representa o acesso à metamorfose, o correto ponto de retorno, a via detentora da salvação, a libertadora de suas consciências, o ente normalizador. Nesse aspecto, torna-se importante frisar a representação de polos distintos aos agentes estatais, infelizmente, postos em oposição em sua quase totalidade, atuantes no intramuros. Os servidores públicos que vivenciam diariamente a experiência carcerária são regrados e direcionados entre duas secretarias: a SEJUS, que impera pelo controle à segurança; e a SEDUC, interessada na escolarização.

Seus

principais

servidores

públicos

intramuros

(agentes

penitenciários e professores) visualizam o papel do outro como nítida oposição ao seu e, por vezes, o representam como inimigos. [...] a maioria dos agentes vê a gente com outros olhos, eles não veem a gente como educadores. Eles acham que somos inimigos deles na verdade. [...] nem sequer querem tirar os alunos para irem à sala de aula estudar. Eles colocam muito empecilho. Não são todos, tem alguns que são muito parceiros, nos ajudam bastante. [...] às vezes até intimidam, amedrontando os professores: “que está perigoso”, [...] E muitas vezes deixam de tirar alunos pra sala de aula por preguiça, por falta de compromisso, [...] muitas vezes as aulas ficam um pouco comprometidas porque tem que primar pela segurança dos professores também em função do próprio atendimento da SEJUS dentro do sistema com respeito à educação [...] O que eu queria acrescentar é que é a educação que transforma. É a educação que muda! [...] Que fossem aplicados e executados esses projetos que fazem parte dos discursos dos políticos. Que houvesse um comprometimento deles com a educação porque todos sabem que é através da educação que pode existir transformação. Só o livro liberta! Só a educação liberta! É isso! (R4) (grifos nosso)

R4 após comentar sobre o descaso da maioria dos agentes penitenciários em levar os alunos para a sala de aula, ainda comenta que estes amedrontam os professores; os agentes veem os educadores como inimigos. Até a SEJUS não atua como deve em relação à educação, mas, o entrevistado termina declarando que só a educação e o livro libertam.

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Ou seja, não apenas servidores públicos dificultam o processo de escolarização, como também o próprio Estado, na figura de suas Secretarias. Em outro momento R4 afirma: “[...] gostaria que as autoridades envolvidas, que sabem disso não ficassem no discurso. Não ficasse no papel. Que fossem aplicados e executados esses projetos que fazem parte dos discursos dos políticos” A seu ver, este empecilho estatal também ocorre no interior da SEDUC, uma vez que pouco atua efetivamente. Assim, caso se atentasse com maior zelo sobre o valor do resgate de um excluído social, deixaria de lado todo o preconceito demonstrado por seus agentes e estes passariam a cumprir verdadeiramente a função educacional, que é desenvolver habilidades, aptidões e criar competências para o homem (seja infrator ou não) viver bem em comunidade. Entretanto, até dentro da Secretaria de Educação o estigma prisional afeta o comportamento dos servidores. Diante dessa declaração pode-se afirmar que escola propicia, ainda que de forma limitada, o que os apenados anseiam em vários sentidos: oportunidades, condições dignas, melhores tratamentos. Assim, refletir sobre a educação escolar no sistema prisional significa repensar antigas questões, que não foram respondidas devidamente pelo mundo contemporâneo e precisam ser repensadas e respondidas por toda sociedade. Paralelamente, convém salientar que a atuação estatal vem, embora vagarosamente, mostrando-se inclinada ao avanço prático. Em 2009, foi realizado o “I Seminário de Educação em Prisões no Estado de Rondônia”40, evento feito em parceria com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Em dezembro de 2012, promoveu-se o “Fórum Estadual de Educação nas Prisões do Estado de Rondônia”41. Entretanto, somente em 2015 é que uma resposta mais ativa à escolarização no sistema prisional se fez realidade,

40

“Dentre os envolvidos, estão gestores da educação e do sistema prisional, profissionais da educação, agentes penitenciários, membros do Judiciário, iniciativa privada e sociedade civil. [Segundo o secretário de Estado de Justiça de Rondônia]: „É papel do Governo estadual chamar os órgãos e a sociedade para ajudar na construção das políticas e programas educacionais em benefício dos apenados. O Plano de Educação do Sistema Prisional é uma das nossas prioridades e vamos trabalhar para isso‟” (ABIO, 2009). 41 Seu objetivo consistiu em “consolidar a construção do Plano Estadual de Educação nas Prisões. […]Dessa forma, garantir a ampliação de vagas na oferta da educação formal e a qualificação profissional, para conscientizar e educar jovens e adultos privados de liberdade, visando a sua reintegração no mercado de trabalho” (RONDONIAAOVIVO, 2012).

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com a publicação de edital42 de contratação de docentes específicos para atuação nos presídios rondonienses, solicitação amplamente feita pela classe dos profissionais da educação que atuam em conjunto ao sistema prisional desde 2009. Em síntese: os entrevistados afirmam que o Estado deve começar fazendo curso de formação para agentes penitenciários, o trabalho deles deve ser realizado conjuntamente com o dos professores, como também a reestruturação da escola e os cursos didáticos para professores. Quem faz as reformas na escola, que as faça conhecendo como ela funciona, e não tentar fazer mudanças sem conhecer, de trás de uma mesa, de cima para baixo, só piora a situação, dificultando a vida do professor e do aluno. Os entrevistados expõem também três empecilhos: falta de água, de merenda e desinteresse dos agentes penitenciários. Na questão da falta de água os alunos ficam sem aula, por não poderem sair sem estarem asseados; quanto à falta da merenda, a aprendizagem torna-se difícil. Se os reeducandos estão bem alimentados a aprendizagem rende mais; quanto ao desinteresse dos agentes penitenciários, informam que estes evitam levar os alunos para sala de aula, prejudicam o horário de aula e comprometem a atividade do professor a ser desenvolvida naquele dia, bem como dificulta a relação professor-aluno. Tais alegações revelam que o Estado, segundo os entrevistados, a menos que seja pressionado perante a mídia ou pelos órgãos internacionais, não tem maiores interesses quanto à efetiva reinserção social, deixando-se praticamente de lado, qualquer maior investimento aos egressos. Ou seja, aos docentes ouvidos, enquanto estes carregam todo o peso e a fadiga para melhorarem o futuro dos reeducandos, muito mais semelhante a um ato de inclinação moral, praticado por vocação; o Estado, quem efetivamente deveria agir, é representado por um ser indolente e estigmatizador e seletivo quanto a quem punir, uma vez que facilmente 42

“Edital Nº 5/GAB/SEDUC de 12 de março de 2015 - Processo Seletivo Simplificado para contratação de professores, por tempo determinado para atender turmas de jovens e adultos privados de liberdade em estabelecimentos penais do Estado e Rondônia [...] tendo como objetivo o recrutamento e a seleção de candidatos, visando à contratação de 40 (quarenta) Professores Classe “C”, licenciados em pedagogia com Carga Horária de 20 horas semanais, para atender turmas de jovens e adultos privados de liberdade em estabelecimentos penais do Estado e Rondônia, dos anos iniciais do Ensino fundamental de 1º ao 4º, 1º segmento, da Educação de Jovens e Adultos da Rede Pública Estadual - em Sistema Prisional” (RONDÔNIA, 2015, p. 22). Vale ressaltar que as vagas estão assim destinadas: Porto Velho (6), Guajará-Mirim (2), Nova Mamoré (3), Ariquemes (2), Machadinho dos Oeste (1), Jaru (2), Ouro Preto do Oeste (2), Ji-Paraná (3), São Miguel do Guaporé (1), Costa Marques (1), Cacoal (2), Espigão do Oeste (1), Pimenta Bueno (1), Santa Luzia do Oeste (1), Alta Floresta do Oeste (1), Rolim de Moura (3), Nova Brasilândia (1), Cerejeiras (1), Vilhena (3) e Colorado do Oeste (1).

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conseguiria reverter esta situação carcerária se estivesse realmente interessado em aplicar as políticas públicas destinadas ao bem social, conforme preconiza Sant‟anna (2014, p. 58-59): [...] a formação educacional é um instrumento muitíssimo importante para o detento, porém atribuir à educação por si só a responsabilidade de resgate do preso ou egresso do sistema prisional é supervalorizar o seu papel, ao mesmo tempo em que minimiza a responsabilidade das políticas sociais que devem ser postas em prática em consonância com a mesma.

Contudo, tendo em vista a pressão a que são submetidos diariamente os professores que atuam nas unidades prisionais, praticamente sem auxílio externo ou mesmo dos entes estatais, os docentes simplesmente desconsideram a realização de políticas sociais, tendo em vista que estas figuram muito mais no plano das promessas políticas ou mesmo nos discursos teóricos de caráter meramente protelatórios. Assim, são os últimos bastiões da reinserção, os atores que promovem a liberdade, eis que, conforme a representação geral dos entrevistados, expressa na fala de um, só a educação liberta.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo teve por objetivo conhecer as representações sociais dos docentes que atuam no processo de escolarização formal dentro do sistema prisional de Porto Velho-RO. Ficou evidente na fala dos entrevistados que muitas vezes a repressão, as punições e as lógicas de segurança atrapalham o ritmo do processo de ensino e de aprendizagem e que isso constantemente gera um clima de desmotivação entre os reeducandos. Na fala dos entrevistados e no levantamento bibliográfico, em que pese as reflexões e desafios no encarceramento, valendo-se da compreensão de segurança pública e do respeito à pessoa humana, que tais questionamentos em muito distam da realidade vivenciada no sistema prisional. A necessária evolução do sistema prisional como um todo e a necessidade de modificações na estrutura e administração bem como a necessidade de diálogo contínuo entre os diferentes órgãos do Poder Público dão o tom das diferentes compreensões do ensino e da segurança nos presídios. Pensar o homem enquanto titular de direitos e reconhecê-lo enquanto pessoa humana ainda é um desafio, em razão das próprias limitações existentes. O desafio de vencer a literalidade da norma e a efetivação dos direitos e de oportunizar meios de reingresso do apenado ao convívio social bem como de superar as limitações materiais e humanas, numa lenta construção de reconhecimento do outro como pessoa, reconhecido singularmente. Para tanto, além das discussões teóricas sobre meios de acesso à educação ao encarcerado ou de possíveis benefícios usufruídos em razão disso (como a remição), a necessidade de garantir concretamente a ampliação e meios de maior diálogo entre servidores públicos, que se veem separados por concepções distintas; de um lado, professores e a busca da reintegração social pelo estudo; de outro, as autoridades prisionais com o dever de assegurar o cumprimento da pena cominada enquanto aparato de segurança pública. Da mesma sorte que as unidades prisionais guardam o desafio de restringir o preso, afastando-o do exercício da sua liberdade de ir e vir e de separá-los do

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convívio social, acaba por violar outros direitos básicos ao deixar de garantir seu acesso nos termos da lei como o direito a educação. De um lado, a prisão, enquanto instituição repressora, tem através da Administração Penitenciária e dos agentes públicos que a compõem, o papel de constringir e manter a ordem e a segurança internas. Os agentes são treinados para conter eventuais violações; contudo, conforme levantado, registra-se a dificuldade com o reeducando que utiliza o sistema de ensino. Por outro lado, o professor é representado como a porta de reingresso social. Como representante da sociedade extramuros, sua percepção do espaço e das pessoas encontra-se ligado a preconcepções construídas em razão das informações que lhe são conhecidas. O horror e o medo – da violência e do desrespeito – estampam os veículos midiáticos que inundam o coletivo com tal percepção. Este panorama, contudo, é modificado ao longo de suas atividades no sistema carcerário. Passa o professor a se representar como agente real da ressocialização e a ser discriminado em trabalhar com os reeducandos. O medo que o cercava nos primeiros dias, em razão da construção existente, aos poucos é modificada pela sede de desafio para o real exercício de sua vocação, a de educador. Apesar das dificuldades relatadas durante as entrevistas – dificuldades de aprendizagem

em decorrência do uso de

substâncias

entorpecentes,

da

superlotação e o próprio desvio de finalidade dos materiais escolares, a dinâmica própria de uma instituição prisional (como a revista de materiais e a espera da condução dos reeducandos a sala de aula) e seus padrões de segurança – registram os professores a esperança no reingresso social de seus alunos. Nas entrevistas, não se constrói um mundo encantado ou uma carta de desejos, mas a esperança de que a escolarização atue ativamente possibilitando o crescimento de cada um dos encarcerados. Em razão disso, é nítido o retrato dado nas entrevistas de respeito e admiração dos reeducandos pelos seus professores, apesar das dificuldades supracitadas, sendo nítida a sede pelo conhecimento e pela construção de novos conceitos e de uma nova perspectiva de mundo. Em razão das experiências docentes já acumuladas tanto dentro como fora do sistema carcerário, a dedicação do aluno em aprender, apesar das atividades se restringirem ao tempo em sala de aula. Verifica-se que o cárcere não exige para si

146

professores, guiados pela mecanicidade e a uma visão estática de mundo, mas educadores, embebidos da vontade em ensinar e conduzir ao aprendizado e olhar além, percebendo o reeducando como seu aluno e a cela como sua sala; a necessidade de que seus esforços sejam direcionados além de meio para que os reeducandos tenham seus benefícios, mas que reais transformações se operem para os mesmos. Tal

respeito

acaba

refletindo

na

ressignificação

vivenciada

pelos

educadores, ao se sentirem valorizados no exercício de suas funções por parte dos reeducandos, bem como ao criticarem as atitudes de alguns agentes do sistema carcerário por não se verem parte do processo de aprendizagem, necessário para o retorno ao convívio social dos privados de liberdade. Junto a isto, fica nítida a representação social exposta na sensação de descaso estatal aos apenados e, por consequência, a quem se dedique à educação neste ambiente, tendo em vista a “cegueira” estatal quanto ao que ocorre nos presídios e nos perigos a que estão expostos os próprios educadores. Muito mais do que o desprezo do Estado, a discriminação social e de seus pares quanto a ineficácia de seus esforços na atuação perante a sala de aula foi claramente

representada.

Passam

os

educadores

a

serem

infligidos

por

preconceitos análogos aos que seus alunos reeducandos sofrem. Prosseguem os educadores pontuando o aspecto humano necessário no processo de escolarização e a importância da sala de aula para o desenvolvimento da aprendizagem dos reeducandos. Temem que as dificuldades materiais já vivenciadas pela má vontade (ou descaso) estatal sejam potencializadas com o sistema modular. Repassar ao aluno o dever de manter seus estudos em sua cela, já superlotada e repleta de distrações, sem estímulos maiores ao estudo, relegando o professor ao papel de tira-dúvidas, na visão dos entrevistados, é pôr em xeque todo o trabalho já executado e o reconhecimento por parte do Estado do desinteresse no efetivo retorno social. Por conta de um argumento econômico, de redução das despesas estatais com folha de pagamento pessoal, corre-se o risco de agravar a vulnerabilidade e os estigmas às vidas humanas que se encontravam em cuidado do Estado, ainda mais excluídos da sociedade e propensos ao retorno a criminalidade; e da coletividade em geral, o risco generalizado em ver recursos públicos serem desperdiçados longe de alcançar o fim a que se prevê e de uma escalada na violência.

147

A mesma crítica ao aspecto econômico é feita ao se pensar em justiça, contudo, sob viés distinto. Enquanto a economia de recursos for friamente tratada, sem que haja preocupação se os egressos prisionais estiverem preparados para o retorno ao convívio social, o acesso a justiça e a proteção dos direitos são reconhecidos como privilégio dos abastados. Nos relatos dos professores, a justiça é vista como o Poder Judiciário e é visto como parcial – mais benéfico àqueles que detêm recursos para se proteger do cárcere (ou dele sair o mais rápido possível). Tais reflexões quanto a atividade judiciária também incide sobre a forma como se veem os direitos humanos. Apesar da banalizada visão de que os direitos humanos tenham por escopo somente o preso, a realidade vivida por cada um dos entrevistados dista muito do propagandeado. O silêncio e a inibição é uma demonstração disso; a má vontade e a visão parcial dos agentes carcerários reforçam mais ainda como há sérios desafios para compreender e possibilitar a extensão de direitos de forma igualitária e universal. E é a partir de tais colocações que os professores têm bastante vívida a concepção do papel de “reposicionamento”, de recolocar uma parcela significativa de indivíduos na convivência social regular, de uma reinserção social, quando o Estado propiciar meios que facilitem as ações dos educadores. É a esperança de reingresso que mobiliza cada um dos entrevistados a dedicar-se ao seu ofício e buscar arduamente o desenvolvimento da sede por conhecimento, seja ele formal ou informal, dos reeducandos. Por fim, demonstra-se que o Estado é o principal agente responsável e dele dependem: tanto os docentes, para que a esperança do retorno dos reeducandos se processe com os recursos adequados, recursos estes de natureza de infraestrutura, de pessoal (possibilidade de acompanhamento psicopedagógico e formação de equipe de ensino multidisciplinar) e de materiais; quanto a Administração Penitenciária, para manter a ordem e possibilitar a construção de uma consciência nos agentes públicos sob sua tutela do papel da educação e de como estão inseridos neste processo. Desta feita, pretende-se possibilitar que tais questões superem as paredes do cárcere e estejam visíveis a todos, em que velhos preconceitos deem lugar a considerar seres humanos em busca de seu regresso social e docentes imbuídos da função educadora.

SUMÁRIO

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APÊNDICE A - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Resolução nº 196, versão 2012 - Conselho Nacional de Saúde. O presente termo destina-se a esclarecer ao participante da pesquisa “As representações sociais do professor sobre o processo de escolarização no sistema penitenciário estadual em Porto Velho”, desenvolvida pelo pesquisador Jovanir Lopes Dettoni, os seguintes aspectos: Objetivos: Analisar representações sociais dos docentes sobre as condições do Processo de Escolarização no Sistema Penitenciário Estadual em Porto Velho. Metodologia: Pretende-se colher informações, por entrevistas semiestruturadas, dos professores que atuam diretamente com alunos que estejam em regime de privação de liberdade, cruzando-se as informações para a obtenção do perfil docente e os eventuais fatores de reinserção social. Justificativa e Relevância: A política de escolarização prisional bem como a percepção dos professores que vivenciam este processo de escolarização servirão para que os programas e projetos relacionados à reinserção social tenham maior efetividade, sendo possível também minimizar os preconceitos difusos. Participação: A participação ocorrerá por meio de entrevista gravada, a critério de conveniência e aceitabilidade do participante. Desconfortos e riscos: O instrumento de coleta (entrevista semiestruturada) possui perguntas, em sua maioria, de caráter personalíssimo, de modo que o participante ao responder as questões, conforme sua livre convicção, autoriza a divulgação de toda informação colhida. Confidencialidade do estudo: Os dados obtidos e analisados serão disponibilizados publicamente. Entretanto, não será emitido o nome do participante, garantindo-se o anonimato e a não identificação direta do mesmo. Benefícios: A pesquisa levantará os perfis docentes, seus entraves e as concepções educacionais adjacentes aos regimes de privação de liberdade. Tais resultados podem contribuir para a melhoria do processo educacional em presídios. Dano advindo da pesquisa: O participante assume integralmente a responsabilidade pela informação cedida, ficando ciente de que o resultado desta pesquisa, após devidamente tabulado, será divulgado como trabalho científico. Garantia de esclarecimento: Esclarecimentos adicionais poderão ser feitos, a qualquer momento, mesmo durante o procedimento de obtenção dos dados. Participação Voluntária: A participação em qualquer etapa desta pesquisa é livre e não remunerada. Consentimento para participação: Eu estou de acordo com a participação no estudo descrito acima. Eu fui devidamente esclarecido quanto os objetivos da pesquisa, aos procedimentos aos quais serei submetido e os possíveis riscos envolvidos na minha participação. O pesquisador garante prestar esclarecimento adicional caso eu venha solicitar durante o desenvolvimento da pesquisa e o direito de desistir da participação em qualquer momento, sem que esta desistência implique em qualquer prejuízo à minha pessoa ou à minha família, sendo garantido anonimato e o sigilo dos dados referentes a minha identificação, bem como de que a minha participação neste estudo não me trará nenhum benefício econômico. Eu, ____________________________________________________________, aceito livremente participar do estudo acima descrito, desenvolvido sob a orientação da Professora Drª Maria Ivonete Barbosa Tamboril, da Fundação Universidade Federal de Rondônia. A coleta das informações ocorreu em Porto Velho, na data abaixo declarada.

_______________________________ Assinatura do Pesquisador

Data: _____/______/______

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Page 1 of 1. Republic of the Philippines. DEPARTMENT OF FINANCE. Manila. DEPARTMENT ORDER NO.. 14,94_. February 07, 1994. SUBJECT: ...

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ABSTRACT. Our Heart Transplantation Results in Cases with and Witho- ut Mechanical Assist Device. Objective: Left ventricular assist devices (LVAD) give a.

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for receiving tenders for manual entry to BTr's ADAPS, in the c&se ... the Chairperson of the Securities and Exchange Commission or his. authorized ...

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Melquiades DC Castillo - President. 2. Emmanuel Castro - Vice President. The undersigned shall sit as Chairman but without any voting power except to.