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Cole.ção PENSAMENTO Volume 5

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CRITICO

MicMel Lowy Ficha catalográfica CIP - Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

L956m

Lowy, Michael. Método dialético e teoria política / Michael Lowy; tradução de Reginaldo Di Piero. - 2. ed. - Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. (Coleção Pensamento crítico; v. 5)

METODODIALETICO E TEORIA POLITICA

Tradução de: Méthode dialectique et théorie poli tique Bibliografia .

Tradução de Reginaldo Di Piero

I. Ciência política - Teoria - Discursos, ensaios, confe-

rências 2. Luxemburgo, Rosa, 1870-1919 - Crítica e interpretação 3. Marx, Karl Heinrich, 181~-1883 - Crítica e interpretação 4. Materialismo dialético - Teoria 5.. Weber, Max, 1864-1920 - Crítica e interpretação I. Título n. Série .

78-0484

CDD - 320.01 320.532 146.3 330.159411 CDU - 32.001 329.15 162.6 335.5

EDITORA PAZ E TERRA Conselho Editorial Antonio Candído Fernando Gasparian Fernando Henrique Cardoso

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4~ EDIÇÃO

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PAZ E TERRA

F U E L BIBLIOTECA CENTRAL

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DO MESMO AUTOR:

OBJETIVIDADE

E PONTO DE VISTA DE CLASSE NAS CI~NCIAS SOCIAIS

La Théorie de Ia Révolution chez te Jeune Marx - MASPERO 1970 - traduzido para o espanhol, italiano e japonês.


Lucien Goldmann (em colaboração com S. Nair) - Editions SEGHERS - "Philosophes de tous les temps" - 1973.

Antonio

Gramsci

Dialectique et Révolution, esseis de sociologie et d'histoire du marxisme - Editions ANTHROPOS - 1973 - traduzido para o italiano e o espanhol. Les Marxistes et Ia Question Nationale (em colaboração G. Haupt e C. Weill) - MASPERO - 1975.

com

Pour une sociologie des inte/lectuels révolutlonneirestt'Svotution Politique de Lukacs (1909 - 1929) - Press Universitaires de France, 1976. Em tradução para o português, espanhol, italiano, inglês e grego.

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É possivel a objetividade nas ciências sociais? Trata-se de uma objetividade do mesmo tipo que a das ciências naturais, como afirmam os positivistas? Não é a ciência social necessariamente "engajada", quer dizer, ligada ao ponto de vista de uma classe social? Como conciliar esse caráter "partidário" com o conhecimento objetivo da verdade? Essas questões se encontram no centro do debate métodológico na sociologia, na história, na economia política, na antropologia, ria ciência política e na epistemologia há mais de um século. Tentaremos mostrar or ue somente o ma~

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~os é neces:sán econhece, do, os text s do~ marxista~~mentos iniciais) o ao~eira condi a ru tura ep-Istem~~ vismo. I

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O posítlylsmo I'

A idéia central da corrente positivista é de uma simplicidade evangélica: nas ciências sociais, como nas ciências da

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natureza, é necessário afastar os preconceitos ~ as pressuposições, separar os julgamentos de fato dos julgamentos de valor, a ciência da ideologia. ~~~Ó19_9.9. ....Q.\!.c;t9--o

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deira resignação, quer dizer disposição permanente para suportar com G.Qnstância, e sem nennuma esperança de compensação, quaisquer males inevitáveis a não ser como conseqüência de um profundo sentimento das leis invariáveis que regem todos os diversos gêneros dos fenômenos naturais. Portanto é exclusivamente à filosofia positiva que se relaciona uma tal disposição, a qualquer assunto que ela se aplique, e por conseguinte, com relação também aos males políticos". (3) Esse trecho, verdadeira jóia do naturalismo positivista, é um dos raros momentos onde o discurso sociológico burguês se manifesta em toda a sua pureza, por assim dizer em seu estado selvagem. Baseado nele odemos a reender m Ih.ag -o Vo,.f" sentido ~~9ª,g~ro da a avra ositiv 17~.J..~ ~~ \iC ~r, ou melhor --?PQr~lJ.S... gQill.r~Q9..º~~E!2,-~\
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mos a pãJavra com o "Grand Ancêtre", AugustoComte: "Eu entendo por física social a ciência que tem por objeto próprio o estudo dos fenômenos sociais, ccnslderados dentro do mesmo espírito que o dos fenômenos astronômicos, ffsicos, químicos e fisiológicos, quer dizer sujeitos a leis naturais invariáveis, cuja descoberta é a finalidade especial dessas pesquisas" (1). "Sem admirar nem maldizer os fatos políticos e vendo neles essencialmente, como em toda outra ciência, simples sujeitos de observação, a física social considera cada fenômeno sob o duplo ponto de vista elementar de sua harmonia com os fenômenos coexistentes e do seu encadeamento com o estado anterior ... " (2) '. Qs:tlositiv.jsmo c~~tQ .f.!J.Q..dgQl.~~tagQ.S.oJ;>Lê

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~ ~ "Por essas premissas se conclui que o método nas ciências sociais pode e deve ser o mesmo que o das ciências da natureza, com os mesmos métodos de pesquisa e sobretudo com o mesmo caráter de observação "neutra", objetiva e desligada dos fenômenos. As irnpllcações ideológicas conservadoras, reacionárias e contra-revolucionárias dessa concepção são evidentes e aliás explicitamente formuladas por Comte, cuja franqueza não é um dos seus méritos menores:!!'~~~ n tur i a so . -o_~~~-P~., ~~i e n ati o o osl!i~~tece c i.8 -o assiv d..o. atus Iqu _~'l "(O posifivismo) tende pro un amente. por sua natureza, a consolidàr a ordem pública, pelo desenvolvimento de uma sábia resiqnação ( ... ) Evidentemente, não pode existir verda1. A. Comte. "Considérations philosoohloues sur Ia scienceet in POI!tique d'Auguste Comte, Colín, Paris, p. 71.

2. Cours de Pttilosophie tomo IV, p. 214.

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Positive,

Schleicher

Frêres Editeurs,

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.1>,1. A sociedade Rode _~~~~--P ~~~=r{.q;s..~rJlêJ~Ql..~
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les savants", Paris,

1908,

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~!y~f~l,l.c.e_~~~~_Q_~_9-c~~!!L9. (4 ~ Durkheim, mais do que Comte, que se tornará o verdadeiro mestre da sociologia positivista moderna. ,Seu naturalismo sociológico é de origem comtiana, como ele reconhece explicitamente nas Regras do Método Sociológico: "a primeira regra e a mais fundamental é a de considerar os fatos sociais como coisas. ( ... ) Comte, é verdade, proclamou que os fenômenos sociais são fatos naturais submetidos a leis naturais. Devido a isso, ele reconheceu implicitamente seu caráter de coisas' orque não existem senão coisas na natureza". (5) urkheim vai a licar diversas vezes mOd~.los de~ analo ia·I,oDv")~ ~s..!~~~~Qro~~c..'....~ PªJ~~UQe...Q!2.9.i~~~. Por exemplo, segundo Durkhefiií,sociedade é, como o animal, "um sistema de órgãos diferentes onde cada um tem uni papel especial". Alguns órgãos sociais têm "uma situação particular e, se quisermos, privilegiada"; essa situação é totalmente natural, funcional e inevitável: "ela é devida à natureza. do papel que preenche e não a alguma causa estranha a essas funções" Esse privilégio é pois um fenômeno absolutamente normal que encontramos em todo organismo vivo: "é assim que, no animal; a preeminência do sistema nervoso sobre os outros sistemas se reduz

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3. idem, p. 100. 4. cf. Comte, Discours sur I'esprit positif,l 0/ 18, p. 73. 5. Durkheim, Les regles de Ia méthode sociologique. P.U.F., Paris, 1956, p, 15-19.

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ao .direito, ~e pudermos falar assim, de receber um alimento cepções de mundo opostas? A resposta de Durkheim é de mais escolhido. e de apanhar .sua parte antes dos outros". (6) uma ingenuidade desarmante, cheia de "boa vontade"positivis§!!)'.J?ut~~R~B~~vamos uma.!Y~~!l!!~ -t> h.,~ teorias as quais ela não saberia reconhecer valor científico, pois concorre!'ltes que disputam .as tarefas, é inevitável que somentendem diretamente, não a exprimir os fatos, mas a reformáte. os mais aptos em_ca?a tipo de atividade obtenham êxito. . . I~s". Em out~as I vras: o sociól()g.
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O d!scurso durkheimiano, como vimos, passa tranqüilamente da lei da selva às leis naturais da sociedade e dessas aos organismos vivos. Essa espantosa oscilação da démarche é f~ndamerltada sobre uma pressuposição metodológica essencial: a homogeneidade epistemológica do território percorrido, e conseqüentemente, das ciências que o estudam. Pressuposição cujo corolárlo é a exigência central e decisiva de todas as corrent~~ positivistas: "que o sociólogo se coloque no estado de espmto em que estão os físicos, químicos, fisiólogos, quand? se engajam numa região ainda inexplorada, de seu domínio Científico". (9) ,Como pode o cientista social "se colocar no estado de esplri!o" do químico se o objeto de seu estudo, a sociedade, é tambem o objeto de um debate político encarniçado entre con6. 7. 8. 9.

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Durkheim, La diviaion du travail social, P.U.F., Paris, 1960, p. 157-58. idem, p. 369-70. Durkheim,Les rêgles de Ia méthode sociologique, prefácio, p. VIII•. idem, p. XIV.

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t~, ~s formas mu?~ram: o behaviorismc e o tuncionaüsrno substl~Ulra~ .a n:'etafl~l~a cad~ca de Augusto ~o.mte, e. o, ~odelo clberne.tlco substítui ~an~a}osamente o orqarucrsrno biolóqlco de Durkheim. Mas o principio fundamental permanece: o ":lesmo: George A,. L,yndbe:rg, autor de um m~nual d~ socl.ologla moderna rnutto apreCiado nos Estados. Unidos, nao he~ltou em e;screver essa~ Imh.as qu~ 'par:e~em ~Iretamente extr~udas. do 015curso .~e ~"9sofla Positiva: considerando a SOCiologia. como uma crencia natural, estu?~remo~ '! comportame,:,!o SOCial.humano. com o mesmo espírito o.bj~tlvo q~e ~m bióloqo ~stu~a um ninho de abelhas, uma colônia de térmitas. a orgamzaçao e o fl!ncionam,e,:,to de um organismo vivo". (1~~ . _ E necess.ano acrescentar que a te~e postttvlsta da separaçao entre os julgamentos de fato e os julgamentos de valor, da 10. idem, p. 140, 144, 31. (Sublinhado por nós M. L). 11. G. Lundberg, C. Schrag, O. Larsen. Sociology, N. York, 1954, p. 5. cf. também B. Berelson, "Introduction to the Behavioral Science", in The Behavioural Science Today, N. York, 1963, p. 3: "A finalidade científica é estabelecer generalizaçõessobre o comportamento humano sustenta-

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objetivida~uraças à eliminação voluntária das "pré-noções", . lnttuencíoú asoctctoqía muito além dos limites da corrente positivista no sentido estrito. Basta mencionar Max Weber, que dificilmente pode ser classificado. como positivista, que sublinhava aespecificidade das "ciências, da cultura" em relação às ciências naturais, e que, entretanto, acreditava que a ciência social podia e devia ser "sem pressuposições" e "não valerativa" (Wertfrei). ~ Weber, os conceitos das ciências sociais não devem ser 'gladTõsPara atacar adversários" mas somente "rethas de arado para surribar o imenso campo do pensamento contemplativo", porque '~Qé!Q.~"y~qu~..l!"!l.J:!~~ .~~~.çy..i.! __ ,~jJ_ p.r2P-rlQ~.wI9.ªmento "Y~Jº.rt.._~~ ~~~~~,j,r:t~S~(~!9~:' ~E verdade que, em certos escritos metodológiéos, Weber reconh v _

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-~~~~ª-~i~~~ eleçao)~~~en.tl~ ~Q....Çl~~~uestões~L~ Mas ele assinála que. as respostas fornecidas, a pesquisa mesma, o trabalho empírico do cientista, devem estar livres de qualquer valoração, e seus resultados aceitos por todos (13). Como se a escolha das ~e~!!ã_9.d.!3t~~Elt_~lllil ~~mallrucie-rl'GóTám-armassTnala~com muiTa-rãzâà, carater contraditório da posição de Weber que se situa a meio caminho entre o desconhecimento do determinismo social do pensamento sociológico nos positivistas e sua aceitação integral pelos marxistas (14).

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das por evidências ernpmcas reunidas de forma impessoal e objetiva ... O fim último é compreender, explicar e prever o comportamento humano no mesmo sentido em que os cientistas compreendem, explicam e prevêem 'o COmportamento de forças físicas ou de fatores biológicos, ou, o que está mais próximo de nós, o comportamento de bens e preço no mercado econômico". Var também a esse respeito a obra de I. Kon ,Der Positivismus in der Sociologie, Akademie Verlag, Serlif!, 1968. 12. Max. Weber, Le savant et Ia politique, ed. 10/18, Paris, 1959, p. 80-82. 13. cf. Max Weber, "Die Objektivitat sozialwissenschaftlicher und Sozialpolitischer Erkenntnis", in Gesammelte Aufsatze zur Wissenschaftslehre, Tubingen, J.C.S. Mohr, 1962, p. 170, 184. 14. "~~~~iP-ªd~~ ---t/ ~~. Os valores se-ndo~. --:. os de uma ou outra classe social, o que uma perspectiva eliminará como não-essencial, pode ser, ao contrário muito importante em outra... sobre esse ponto, o pensamento de Weber se revela insustentável", Lucien Goldmann, Sciences H"maines et Philosophie. Gontier, Paris, 1966, p. 43. A análise de Goldmann sobre o problema da objetividade nos parece uma das mais interessantes de toda a literatura marxista contemporânea.

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. ". '-0 caráter Jstóris dos fenômenos sociais, transitórios,! perecfveis, susceptfveis de transformação pela ação dos homens. ' ~. A~ parcial entre o sujeito e o objeto do co.nheclmento. -: 3. O fato de que os probl sociais suscitam a entrada em )?go de concepções ntagônica' das diferentes classes sociais. 4. As implicações olftico-ideológica da teoria social: o conhecimento da verdade po e er consequências diretas sobre a luta de classes. E§~~tzõ€ts. ~sJrªttgm~§ntre s!~em com~ õ'í11étóOõdãS Clências~soclals - se.,Ç~ natúrãfistã nã~~j~~~~~a~ e.J>J.~9~.,f~~~~~ rnê~m.bél1).$.J?Q!ls.!§!m~nte no n~a~ rela ao com as~a~s SoC1ãIS~ sões ãOíTiUilão as 'I eologlas '~entlao ~s ~~ Ias e e v~~r ~uoclals mode~ a:emaneira de~ ou ~~cientê'ôUíriCons-:

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social, como toda realidade, é infinita. Toda ciência implica uma escolha, e nas ciências históricas essa escolha não é um produto do acaso, mas está em relação orgânica com uma certa perspectiva global. As_visg"e§d~ da$_clª!is~s soci~~~~

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Por exemplo, a questão que Durkheim coloca na Divisão do Trabalho Social - quais são os fatores que entravam a livre competição dos indivfduos na luta pela vida? - não é de todo "inocente", mas está marcada pela visão do mundo socialdarwinista da burguesia na época do capitalismo concorrencial. Independentemente da "resposta" encontrada por Ourkhelm, essa "questão" vai orientar sua teoria sociológica numa certa 15

direção, dando-lhe um caráter necessariamente "tendencioso". Dito isso. é verdade que a distin ão entre as ciências na~~~~a s utizad :.~~!@a,~

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durante todo um perlodo, as ciências da natureza loram, e\as também, o começo de um combate \deo\óg\co. 00 sécu\o X\J ao X\X, as c\asses dom\nantes c\ér\co-'eudais resisttfam às ciências da natureza que constitularn um desafio a seu sistema ideológico. A astronomia foi durante séculos campo de uma luta de classes encarniçada, ideológica e às vezes mesmo política, e os homens de ciência foram vítimas freqüentemente da repressão dos aparelhos do Estado (G. Bruno, Galileu, etc.). É somente graças à liquidação do modo de produção feudal e o desaparecimento (ou "modernização") de sua ideologia, que a ciência natural se tornou, progressivamente, um terreno "neutro" do ponto de vista ideológico. Entretanto, mesmo no século XVI, a relação epistemotógica entre a ciência astronômica e as classes sociais não era do mesmo tipo que a que encontramos nas ciências sociais. Voltaremos a esse assunto. ~ porque o grau de "engajamento ideológico" não é o mesniõ em todas as ciências sociais (nem o de "neutralidade ideolóqlca" nas ciências naturais) e, no' interior de uma mesma ciência, alguns problemas são muito mais "sensíveis" do que outros: a história da Revolução Francesa desperta evidentemente mais antagonismos com conteúdo de classe do que a das guerras do Peloponeso ...

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~ de um .J.u~o laCtual~ - Segunáo .a- céleDre -formula de 'POf:nêãre: - as prenilSSaSno indicativo não têm conclusão lógiec;t no imperativo. Weber observa com ironia que não poderemos jamais demonstrar cientificamente a exatidão ou o erro de Sermão da Montanha. Bem: isso é totalmente verdadeiro e irrefutável; mas o que os senhores positivistas e Weber esquecem é a relação inversa entre a ciência e o normativo: os valores que orientam, influenciam e condlclonam os julgamentos de fato. Relação que não é lógica mas s~'; ciológica: é o ponto de vista de classe (implicando elementos normativos) que define, em ampla medida, o campo de visi16

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.iJj6de dos fatos, o que uma teoria social "vê" e o que ela . vê,· suas "visões" e seus "enganos", üra, sua miopia e sua hipermetropia. il"

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sua luz e sua ce-

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A. tenta\l'va ec\ét\ca de Mannhe\m

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"~I..... ' Sob o impacto do marxismo, o mito positivista de uma ,dt~lilcia social neutra e assexuada como os anjos da teologia . 'ril~dieval foi severamente abalado. O problema do condiciontiménto social do conhecimento não podia mais ser tão facilmente ignorado. Uma nova tentativa de resolver o problema, nem positivista, nem' marxista, será realizada por um trânsfuga do marxismo, Karl Mannheim, em sua brilhante obra Ideologia e Utopia (1929), que vai fundar um novo ramo da ciência social universitária: ~cjp.!2~J!9 conhecimento. Mannheil1l reconnece,-como O~E9~ social do cien~~condicona sua ers~ctiva, ~_~~~Iha seu ob~ ele percebê nesse objeto e como ~ssa perspec~~~concepçoes~-

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frito ~~ no seio da sociedade. Essas diversas visões particulares só descobrem um aspecto do objeto, uma parte da realidade social: elas são necessariamente unilaterais e fragmentárias. ~~u~d..Q_M~~m..1..l'l.a~E~~_~d~ t~~~~~~s_~~o~ ,.~~.JD.Y!Y-ê~QJ~~~ mentares num todo com re . o", uer dizer, ossibilidade de uma "síntese das perspectivas ~uestão central é eVidentemente:~~e~ai realizar essa síntese? Qual é a classe ou grupo SOCI e pode servir de base a essa, "mediação dinâmica" dos pontos de vista antagônicos? Segundo Mannheim, há um grupo que, por suas características especiais, é capaz de realizar essa tarefa delicada 'e alcançar assim um imo de conhecimento completo e objetivo da realidade: a ihtelli entsia sem yinculoS) (freischwebende Intelligenz), que se encontr rinci ai n e nas uni~ v~rS19~3..5L..11ª~.ln~e~.~~ ... Ora, esses intelectuais que se acreditam "sem víncutos" (e que não estão ligados a nenhuma das duas principais classes em conflito: a burguesia e o proletariado) não são precisamente os que estão presos à classe da qual são na maioria originá17

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rios, e que é a mais próxima de sua situação social, a saber, a pequena b,u'luesia? E será que sua "stntese dinâmica" pode ser outra coisa que não um meio termo eclétlco entre as grandes concepç(l)es do mundo em conflito, meio termo estruturalmente homólogo à posição "intermediária" de. sua camada social? O g-êf.Iero de "síntese" que Mannheim mesmo fabricou constitui u-ma resposta muito esclarecedora a essas questões: em seu livto iLiberdade, Poder e Planificação Democrática ele glorifica um e::tetceiro camir~, um sistema de reformas paclficas e graduais fundamentado na "planificação social", sistema graças ~ qual "a sociedade capitalista contemporânea pode ainda ser equilibrada", ~G.~.tlle~ ~e~m~!lor~~'s àclas e Inferio es, M? ~~~~e't!.--que~ ~a"! Não é mais necessário Insistir sobre o caráter muito pouco "dinâmico" de tal "mediação" ...

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seio do marxismo

Segundo ,Mannheim, o marxismo não aplicou jamais a si mesmo os processos de "revelação ideológica" empregados contra seus adversários, e não levantou jamais o problema da deterrnlnaçêo social de sua própria posição:--tal "auto-revelação" mostraría que o marxismo constitui, enquanto ideologia do proletariado, um ponto de vista tão "partidário" quanto o das ideologias das outras classes (15). -

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~~~ ~.(19)

Na realidade, contrariamente ao que pretende Mannheim (e também, num outro contexto Althusser) ~L~~d~~Et~~~Q~.n~_a,'!1~to. Ele não-somente "revelou" o caráter burguês da ~

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~~om ~~~as econômicas ele já os representantes bém os sociaãstas proletária. ( ... ) A

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o ca~~e~ primeiras obras escrevia: "assim como os economistas são científicos da classe burguesa, assim tame os comunistas são os teóricos da classe ciência produzida pelo rnovlménto histórico

15. Mannheim, K., ldeologie et Utopre, Mareei Riviere, Parls, 1956, p. ,213.

18

M~bse associando a ele em pleno conheclrnento de causa, dei:J,de,ser doutrinária, ela se tornou revolucionária" (16). ;:'~'trata-se de uma obra de juventude (1847), de uma posição Marx "antes da maturidade"? Na realidade, Marx vai reafirr.)e~pl·icitamente no posfácio à segunda edição de O Capital arát-er "engajador" de sua crítica da economia polltlca e :~inserção num ponto de vista de classe: "na medida em \essa crítica representa uma classe, ela não pode represenenão a classe cuja missão histórica é a subversão do modo produção capitalista e a abolição final das classes o etarlado" (17). : Por conseguinte, o método de~ não é "neutro", "posi{' OU .. clentffico-naturalista: ess~étodq,_ que. ~Ie intitula .~mescând~a6~ "'f~s~us por~rqu.e, na compreensao posifiVãêiâsColsas existentes, ele Incluí ao mesmo tempo a inteligência de sua negação, de seu decUnio necessário ... ele é essencialmente crítico e revoluclonário" (18). Numa palavra: Marx considerava sua ciência como revolucionária e proletária e, como tal, oposta (e superior) à ciência conservadora e burguesa dos economistas clássicos. O "cor,.-te" entre Marx e seus predecessores é para ele um corte de classe no interior da história da ciência eco~. Esse ponto de vista era partilhado por ~ que assioalava em- seu célebre texto sobre as fontes do marxismo: "numa ~undamentada sobre a luta de classes~~ ~~~ficialeliberal defen e de uma forma ou de ~avid~

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16. Marx, K., Misêre de Ia Philosophie, ed. Sociales, Paris, 1948, p. 100. Cf. também Engels, F.: "o comunismo, na medida em que é uma teoria, é a expressão teórica da posição do proletariado na luta de classes.•.•• - "Die Kommunisten und Karl Heinzen", in Marx-Engels. Werke, Dietz, Berlin, Band 4, p. 322. 17. Marx, K., Das Kapital r, Werke, 23, Dietz Verlag, Berlin, 1968, p. 22. cf. também L'Adress Inaugurare de ta Internationale, onde Marx opõe "à economia polftica da classe operária" a "economia poHtica da classe média". 18. idem, p. 28, (sublinhado por nós. M. L.) 19. Lenin, "Les trois sources et les trois parties constitutives du marxisme", 1913, in Marx, Engels, Marxisme, Ed. em Ifnguas estrangeiras, Moscou, p. 71. Segundo Lenin "exigir uma ciência imparcial numa socie-

19

Recusando explicitamente toda separação entre ciência_e ideologia revotucionárta, "julgamento de fato" e "julgamento de valor", ob.i~tividade e ponto de vista de classe, Lenin apreende ~~~!!f,L,;,.~em!!l~ SlU~~U~~~~ª,~~~@t~Jif~~qu9Qt~-º9.&nna que "associa o e~Qí[i1Qfs,volUClonário a um cárater altarrientecTenfífTé]5lSêridO a última ,paãVrãcj"âsêTe~~àrlãô~o'faz por acaso, nei!T;lsomente porque o fundador dessa doutrina reunia em si mesmo as qualidades do sábio e do revolucionário: ela as associe na teoria mesma; íntima e indissoluvelmentell (20). A tese do caráter proletário do marxismo é também afirmada por Rosa Luxemburgo em sua polêmica contra Bernstein (21), por Lukács, Korsch e Gramsci; quer dizer, pela corrente Impeopriamente denominada "esquerdista teórica", mas que const;tej na realidade, com Lenin e Trotski, a importante corrente dhílitica revolucionária do marxismo moderno. A contribuição de' Lukács é particularmente importante porque vai precisar o sentido do conceito "ponto de vista do proletariado": não ~e trata da vlvência imediata, da consciência ~~ dacl~~~~ cionalmen,te :a seus an r sse hl t rlco~

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A reraçãc eptstemolõqlca entre o marxismo e o proletariado será ;em compensação negada, sob formas diversas, mas todas as duas marcadas pelo posltivisrno, pelos porta-vozes dO revlslonlsmo e da "ortodoxia" no seio da IIlnternational: os "freres enilelnis" Bernstein e Kautsky. Bernsiteifn exige a compartimentação rigorosa, estanque e absolutaemtre "os fatos" e "os valores",entre a ciência pura (à la',Comte) e a moral pura (à Ia Kant). Uma de suas críticas a Marx é justamente de ter confundido as duas, o que explica em sua opinião o caráter "tendencioso" de suas obras econômlcas, -seu "utopismo" e seus "a prioris". . dade ftJmct~dasobre a escravidão salariada, é ingenuidade tão pueril quanto t;lxi!iiir aos fabricantes que se mostrem imparciais na questão de saber seé' conveniente diminuir os lucros do capital para aumentar os salárioseêos operários". 20. Lenin, "Ce~ que sont les amis du peuple", in idem, p. 102, (sublinhado por nós 'M. L.) 21. "Como a sociedade verdadeira se compõe de classes que têm interesses, aspirações, concepções diametralmente opostas, uma ciência humana geral nas questões sociais, um liberalismo abstrato, uma moral abstrata,são, no momento, uma ilusão, uma pura utopia" in. Réfor~ ou révolution?, Spartacus•. Paris. 1947, p. 75.

... ~.~ ',~ A ciência econômica para Bernstein deve estar acima dos conflitos de' .çtasse, empírica, não partidária, sem pressuposi\ções, numa ~a'avra, positiva: "minha maneira de pensarleria me predisposto mais certamente para a filosofia e para sociologia positivistas", declara ele num ensaio autobiográfico (22). Kautsky era, em prlncfpío, o defensor do "marxismo ortodoxo" contra Bernstein. Na realidade, sua posição sobre o problema da objetividade (entre outras) não estava tão afastada da de Bernsteln: é necessário, segundo ele, distinguir cuidadosamente entre o "ideal socialista" e "o estudo cientrfico das leis de evolução do organismo social". Como revela sua terminologia, a biologia evolucionista de Oarwin era para Kautsky o modelo para a ciência marxista, cuja finalidade seria "a descoberta das leis da evolução comuns às plantas, aos· animais e aos homens" (23). Kautsky vai na realidade fazer suas as premissas metodológicas positivistas de Bernstein e mesmo, em certa medida, as críticas revisionistas ao caráter "tendencioso" dos escritos de Marx: "transparece mesmo algumas vezes em Marx, em sua pesquisa científica, a ação de um ideal moral. Mas ele se esforçou sempre, com razão, para expulsá-lo tanto quanto isso fosse possível. Porque, na ciência, o ideal moral se torna uma fonte de erros, se se permitir lhe prescrever seus fins". (24) O problema é relativamente confuso em Bernstein e Kautsky, porque só abordam a discussão sobre o ponto de vista de classe por meio indireto da ética e do ideal moral. Mas trata-se da mesma questão: a ética não é senão um as ecto da visão ~muJ:ldo ~l.!~JU~~é vi~~ 'tivadeumac~~iVã~~ ~~~ãdia~~

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Em seu último grande escrito teórico A Concepção Materialista da História (1927) Kautsky é mais claro e coerente, explicando que o materialismo histórico é "uma teoria pura22. in Angel, tP., E. Bernstein et l'Evolution du Soeialisme Altemand, Oidier, 1961, Paris, p. 194. 23. Kautsky, K., Die Materialistische GeschichtsauHassung. 1927, Bd. 2, p. 6631. " 24. Kautsky, ~'~,Ethique et conception matérlatiste de I'histolre, citado por Lucien Goldmann, Recherches Dlalectiques, Gallimard, p. 284.

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BIBLIOTECA CEN T'RAL

21

\~}';jjfrr mente científica, que, como tal, não está absol'utamente ligada ao proletariado". Um AQVO aspecto vai ser introduzido blemática da relação entre ciência e ideologia pelo stalinismo caricatura do ponto; de vista do proletariado, que . a I ade o ponto de vista de uma outra camada social: a burocraci . Esse afastamento, ~S$a distorsão vão criar para o s a rrusrno a necessidade de fJma, ocultação ideológica: a burocracia deve esconder totalrnenfa das massas (e às vezes a si mesmo, por um processo de autor1iÜstificação) a defasagem entre sua perspectiva e a do proletàrtado.! Resu ta daí uma i .strumentali a ão e~ ~t~~~~~!ff~~~~ glcas da..•Quroc~t!3~~~ulo::.:~X~f!I~lº _f1la!~ ~surRreende~~~ ~~,-com suas numerosas-reedtções "revistas e cort,g~unção das mudanças de linha da direção do Partido, e se caracterizando todas pela deformação mais grosseira e mais vergonhosa dos fatos históricos. Esae aspecto do stalinismo é suficientemente conhecido, e não há,~bsolutamente necessidade de insistirmos a esse respeito; acr,e,scentemossomente que a "falsificação" não é um elemento:~c~dental, arbitrário ou contingente do stalinismo, mas uma dimElnSãoorgânica e essencial, u c rr ._ ~~~zwr~sentando sob a forma~Í2qnto~~ - - ~~ Mas O mais interessante do ponto de vista epistemológico é que a iiills1irumentalizaçãoda ciência atingiu mesmo as ciências da ~atureza, que foram submetidas a um; processo de "ideologi2!ação", particularmente durante o pertodo 1948-1953. Opunha-se d;e maneira esquemática, brutal e categórica, a clênela proletãrlá à ciência burquesa no campo do 'estudo da natureza em ~tâl e da biologia em particular. Tentava-se (em vão) demonstrar a superioridade da ciência soviéticá, da btolocla pretensamenil:e "proletária" de Lyssenko, sobre a ciência ocidental. renresentada pela biologia "reacionária e burguesa';' de Mendel-Wasserman; isso não somente na U.R.S.S. mas em todo o movimento comunista mundial. Na França, La 'Nouvelle Critique, revista dós intelectuais do P.C.F., organiza' em 1950 um grande colóquío dedicado ao tema "Ciência Burguesa e Ciência Proletária" e publica uma série de artigos em homenagem a Lyssenko. onde o mais notável e saboroso é o' de um certo Francis Cohen. Lyssenko tinha escrito no Izvesfla de".,., .. 22

tn~';llf~"~~~'2/1949 que as descobertas dos biólogos soviéticos só fo':i'::'fliJ1ilL!;~possrveis graças ao "ensinamento de Stalin sobre as trans.~ções quantitativas graduais ocultas, invisfveis, conduzinuma rápida modificação qualitativa fundamental", Francis in clta esse texto do ilustre "biólogo proletário" e o anaO ponto de vista da epistemologia staliniana das ciências: ~Fs'sacitação pede alguns comentários. Ela nos mostra ,,,H'ramenteo processo mesmo de elaboração da ciência târla: o fato experimental na base, depois a interpreta,ajudada pela teoria marxista-Ieninista, mais precisamente pelo capítulo IV da História do PC (b) (25). Vê-se pois j a História do PC (b) essa Summa Theologica staliniana torna não somente a matriz de toda ciência polftica, mas "~ém a fonte do progresso nas ciências naturais. Contra les que ousariam duvidar da pertinência dos escritos de -sobre a ciência biol6gica, sob pretexto de que se trataria ,. , <~m"argumento de autoridade", Francis Cohen proclama "cdí'ti; indignação: . ',.d"Para um comunista, e pelas razões que Desanti expôs aqui, Stalin é a mais alta autoridade cienUfica do mundo.( ... ) Essa é uma razão que esclarece singularmente a questão dos "argumentos de autoridade". Duvidar de uma afirmação feita em tais circunstâncias, é duvidar contra a evidência, a eficácia, a exatidão, a unidade do stalinismo. !:: assimilar um sábio proletário, engajado na construção do comunismo, a um sábio burguês isolado, privado de teoria diretora, irresponsável".(26). O extraordinário artigo de Francis Cohen, exemplo maravilhoso da visão do mundo staliniana, termina pela seguinte apóstrofe, que apaga euforicamente toda distinção epistemológica entre ideologia potltlca e ciência natural: "Só pode havercornpromissoideológico em matéria de ciência, em matéria de luta sindical ou de luta pela paz. O .'/

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25, F. Cohen, "Mendel, Lyssenko et le rôle de Ia science", La Nouvelle Critique, n.? 13. fever, 1950, p. 61. O capitulo IV, redigido por Stalln, contém um "resumo" dos principios do materialismo histórico e dialétlco. 26. idem, p. 62. Desanti, na época membro do P. C .F" tinha escrito em La NouvelJe-Critique, n.? 11, de dezembro de 1949, um artigo intitulado "Staline, savant d'un type nouveau", do qual eis alguns subtitulos: "a ciência staliniana, ciência de partido"; "a ciência staliniana, ciência universal, ciência enciclopédica"; "a ciência staliniana, ciência rigorosa". Acrescentemos em defesa de Desant, matemático muito respeitável e homem de ciência eminente que seu artigo foi escrito "com a ajuda de uma comissão criada especialmente nessa ocasião, presidida por Victor Joannês, membro do Comitê Central".

23

combate da classe operária se conduz também nos laboratórios e o caminho da vitória é, em todos os' campos, mostrado pelo país da classe operária no poder, seu Partido bolchevique e JosephStalin, o guia dos trabalhadores e maior homem de ciência tfe nosso tempo". (p. 70) Num resumo da conferência de La Nouvelle Critique sobre "Ciência Burguesa e Ciência Proletária", a redação da revista expliclta algumas das pressuposições dessa grosseira socloloqização das ciências da natureza: A ciência é "uma ideologia historicamente relativa"; "A prática burguesa" e a "prática proletária" se defrontam e "definem duas ciências fundamentalmente contraditórias: a ciência burguesa e a ciência proletária". Trata-se das ciências sociais, da economia política, da história? Não, trata-se realmente da questão da biologia: "As descobertas mitchourianas e os trabalhos de Lyssenko dependem de tal ciência socialista. Colocar-se sobre suas posições, fazendo seus esses critérios, é a condição de objetividade na discussão científica, na discussão sobre o detalhe clentltíco" (27). ó

Trata .•se, em certo sentido, de um positivismo no sentido inverso. Como o positivismo, não se reconhece distinção metodoíóqlca ftmdamental entre as clênclas sociais e naturais. ~itivismo uer "naturalizar" as ciências históri~ o s1a"in~~i~'jQ~0~~ da natureza. Ele atinge assim o absurdo de uma blo~ retàilã", e:C'ria as condições de possibilidade de uma química, de' uma fábrica e de uma astronomia "proletárias" ... Q-,problema da objetividade. é resolvido pela proclamação canôríicaue doqmática da infálibilidade papal do Guia dos Povos e M~~or Homem de Ciência de Nosso Tempo, mestre dos histortadorea, economistas, biólogos e genéticos, solução que evidentemente tem .8,0; dupla vantagem da simplicidade e da, coerência! .

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-t Louis Althusser foi o herdeiro do grande festival da Ciência proletária dos anos 50. No começo dos anos 60, depois da morte deStalin, o XX Congresso' e a confissão, pelos soviéticos, da impostura de Lyssenko, ele ficou traumatizado: éle recebeu, como escreve, um verdadeiro "choque". Sinceramel127. "La science, idéologie historiquement n.? 15, abril de 1950, p. 46.

24

relative",

in La Nouvelle

Critique,

fé3::rrependido de seus pecados de juventude, procurando o r: ~·nhoda verdade objetiva, Althusser foi tomado de um saniOrro,r diánte do conceito de "ciência proletária", que ele tachar de anátema, não somente na esfera das ciências da sreza (o que seria plenamente justificado) mas em todas as 'ci'as, inclusive, o marxismo: "Em nossa memória filosófica esse tempo permanece <.~mo o dos, intelectuais armados... cortando o mundo com )11_a só lâmina, artes, literaturas, filosofias e ciências, através Jee~'ii'mpiedoso corte das classes - tempo que caricaturalmenfté':pode ser resumido numa palavra, lema existente no vazio: \'~\ciência bur,guesa/ciência proletária". "Dirigentes, para defender contra o furor dos ataques bur:gueses um marxismo então perigosamente aventurado na "biologia" de Lyssenko, tinham relançado essa velha fórmula esquerdista, que já tinha sido a palavra de ordem de Bogdanov e do Proletkult. Uma vez proclamada, ela domina tudo ( ... ) faziam com que tratássemos a ciência, cujo titulo cobria as obras, mesmo de Marx, como a primeira ideologia vinda". (28) A posição que Althusser vai assumir é o avesso simétrico do Lyssenkismo, partilhando com ele o mesmo erro capital: o desconhecimento da diferença (relativa mas essencial) entre história e natureza, ciência histórica e ciência natural, diferença que explica porque não poderia haver genética "proletária", nem história "acima das classes" (ou "não partidária") da Revolução Russa ... Assim também, a aceitação do "espírito de partido" staliniano no passado e a recusa da ciência proletária (no campo das ciências. históricas) atualmente, são fundamentadas sobre o mesmo "erro": ~~~ ~~~: os dois eram adorados juntos no passado, queimados juntos atualmente. Althusser vai se situar conseqüentemente numa posição próxima, em certos pontos de vista, ao positivismo. Aliás, ele não esconde sua admiração por A. Comte "único espírito digno de interesse" que a filosofia francesa produziu "nos 130 anos que se seguiram à Revolução de 1789". (29) >

l., Pour Marx, Maspero, 1965, p. 12. 29. idem, p. 16. cf. também Lénine et Ia Philosophie, Maspero, Paris. 1969, p. 13: A filosofia francesa "só pode ser salva diante de sua própria his-

28. Althusser,

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tória pelos grandes espiritos e Durkheim ... "

sobre os quais ela se lançou, como Comte

25

Em compensação, ele critica severamente, o "esquerdismo teórico" de Lukács e Korsch por terem proclamado que o marxismo é uma ciência proletária e por tê-to oposto à ciência burguesa: "a interpretação historicista-humanista... proclamava 'um retorno radical a Hegel (o jovem Lukács, Korsch), e elaborava uma teoria que colocava a doutrina de Marx em relação de expressão direta com a classe operária. desse tempo qllledata a famosa oposição entre "ciência burguesa" e "ciência proletária", onde triunfava uma interpretação idealista e voluntarista do marxismo como expressão e produto exclusivo da prática proíetãria" (30). Assinalamos en passant Que ~uma inte·~fto J!luito ~s ~á~~ismo corno expressão "di ",~u,' ;roauto exclusivo' da ~ ~é~~e~m!~L@~t~ aos mte!~e~~º céTe6re "consclêncla dêêtasse ãtnburctá"TElli./gerechnetes.Bewusstsein). Althusser vai também criticar Gramsci e seus dlsclpulos italianos, ';parque eles "definem como históricas as condições de todo ~ecimento referente a um objetivo histórico" (31). Para ele,~..:••.. eornpensação, a ciência (social ou natural) tem uma hist~iA ~própria,independente e separada da história social e p()IQ~a,iquerdizer, ela não está condicionada pela luta de class~~~if)~llãOfaz parte do "bloco histórico" (32). Tese que está emii~"ção não somente a Gramsci, esse esquerdista inCOrrig!~.· .•.. ~.ima.s também ao Lênin ortodoxo e cientrfico de Material~,·.. ~...~ .Empirocritncismo (do qual Althusser se reclama freq,~kf1Íl:entel...;g":l~"",e§ç,r~v:i.;a;,!,.','o ....materlausrno- dialético de MarXiilJ?'! ".Is eontém certamente o relativismo, mas não pode ser ··"".lido ao retatlvlsrno, quer dizer, ele reconhece a relativid~,; :;·:.;:todo o nosso conhecimento, não 'no sentido de negar. a ~... ,.e. objetiva, mas ~o sentido de. que os _Iimit~s d.a aproxlmálM
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~~30. Althusser, L, Lire le Capital, 'li, Maspero, Paris, 1966, p. 104. 31. idem, p. 77. 32. 33.

26

idem, p. 93. Ler1in, Materlalism and Empirio-Crlticlsm, Progress Publishers. 1967, p. 123-124.

Moscou,

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~CI~ IdeEI~ A ideologia é, segundo ele, "governada '1Ul eresses ex enores à necessidade mesma do conheci,~!' (34). Dai resulta, implicitamente, que a ciência não é mada senão pela vontade de conhecimento. Para Althusenconseçuinte, é possivel uma ciência social e política Indo interesses "exteriores"; ele supõe, como Durkheim ''''I;:~positivistas, que esses interesses podem ser deixados no ~erior" da pesquisa cientifica, como deixamos as facas nos ",~~tiários no momento de entrarmos num salão de bilhar honesto. Ele supõe também que a ciência de Marx mesmo não era, influenciada por nenhum desses' interesses "exteriores" (:equJvalentealthusseriano dos "julgamentos de valor" nos positivistas). Para ele, Marx inaugurou uma nova ciência, a ciência da história, por um "corte" com a ideologia burguesa da economia clássica. Mas ele não explica de maneira alguma as condições sociais, pol rticas, históricas que permitiram essa ruptura. Já que nega todo laço epistemológico entre a ciência marxista e o proletariado, ele não pode apresentar a cisão entre Marx e seus predecessores senão como um fenômeno puramente intelectual, que se passa na cabeça de Marx, graças a seu gênio extraordinário. (35). E: por Ignorar o caráter socialmente condicionado das ,ciências sociais que Althusser não distingue metodologicamente entre ciências da natureza e ciências da história, o que lhe permite comparar constantemente Marx a Gallleu e Lavolsler, assinalando a slmllltude, ou melhor, a Identidade eplstemol6glca de suas descobertas: "Para compreender Marx, devemos tratá-Io como um sábio entre outros, e aplicar à sua obra cientffica os mesmos conceitos epistemológicos e históricos que aplicamos a outras: no caso a Lavoisier. Marx aparece assim como um fundador de ciência, comparável a Galileu e Lavoisier" (36). Ora, como 'tratar como "um sábio entre outros" esse Marx que escrevia em 1845: "os filósofos até agora só fizeram interpretar o mundo, .cabe agora transformá-to"? A menos que consideremos essa XI tese sobre Feuerbach como o grito exaltado de um jo34. Althusser, L., Llre le CapUal, li, Maspero, Paris, 1966, p. 105. 35. cf. a esse respéito o excelente trabalho de Norman Geras, "Althusserian Marxism: and Exposition and Assessment", in New Left Revlew, fevereiro 1962. 36. Althusser, r., Llre le Capital. 11, Maspero, Paris, 1966, p. 119 (sublinhado por n6s. M. L.)

27

vem "esquerdista teórico" que ainda não atingiu a maturidade completa. .. (37). Há uma passagem de Althusser na qual ele parece se referir aos assuntos que abordamos aqui: "A ciência econômica está particularmente exposta às pressões da ideologia: as ciências da sociedade não têm a serenidade dêjl$ ciências matemáticas. Hobbes já o dizia: a geometria une 0S homens, a ciência social os divide. A 'ciência econômica' é a arena e a entrada em jogo dos grandes combates polilic,os da história" (38), Infelizmente, segundo o contexto onde se encontra esse parágrafo, parece que a "pressão ideológica" só existe para os economistas burgueses; Marx representa uma ciência liberada das "pressões", ascéptica, serena, que não faz senão retomar, num novo campo, as exigências metodológicas "que são impostas de longa data à prática das ciências autônomas", quer dizer, das ciências exatas e das ciências da natureza. O que nos conduz novamente à tendência imunizada do neopositivis~ Ithu~~' tem razão ~~~~de da prá~---uããUfõílomla com rela - ~~ as condi -';$ ,;ietóric .eu r o é absolutlzar essa autonomia trans or<'I\l'''/ . m . c~~Q:~ ru turag~,~~e total. Para ele, a história da ciência econôriliCâ e como afil'S. óNa da ciência química, pontuada por uma descoberta ~~nial que instaura o "corte epistemológico" entre ciência e ~d~010gia, sem nenhuma relação com uma classe social e se41~ppnto de vista. Althusser não parece suspeitar que o laço en~fe )Marx e o proletariado revolucionário não era exa- . tamente d~ .mesma natureza que o laço entre Lavoisier e a burçuesta-revolucíonárta de 1789 ... não porque essa burguesia fez gl,.J~lih;btinaro ilustre sábio, mas porque a descoberta do oxigênio n:~Q tinha nenhuma relação epistemológica com as lutas, aspirações e interesses do Terceiro Estado. Concl;t.tindo: ;: 1) As teses de Althusser estão em contradição expllclta com Marx, que proclamava que sua crítica da economia política representa o ponto de vista do proletariado, assim como

'~enin, que assinalava o caráter "de classe" de toda ciênicJal. \. .. :~! A:lthusser só reconhecia duas possibilidades: :~A ciência social como prática independente com rela'.,à's -lutas sociais e liberada de qualquer ligação de classe que ele defende); :".iA ciência social corno expressão Imediata e exclusiva proletariado (tese injustamente atribuída aos "esquerdistas

';'bo$").

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37.

cf. a interessante introdução de J.M. Brohm ao livro de Jakubowsky, Les Superestructures Idéologiques dans Ia Conception Matérialiste de I'Histo ire, E. D . 1., 1972.

38.

Althusser,

28

L., lire

le Capital,

li, Maspero,

Paris, 1966, p. 165.

·ri

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;iEl.eesquece uma terceira variante, que, em nossa opinião, eisamente a única correta: a ciência históri a ue s slfl'ecess i mente d o to e vista de uma classe mas ue rêlativamente au õno u ~ i i r Ia. i;~:3) Como reação contra o zdanov-Iyssenkismo dos anos SDjAlthusservai jogar no esgoto do "esquerdismo" ao mesmo tempo o bebê: marxista e a água suja staliniana, para se situar .num campo téõrtco minado pelo positivismo. Uma "socJologia do althusserianismo" descobriria provavelmente atrás' de suas teses a resistência (muito compreensível) de algumas camadas intelectuais do P. C. F. contra sua submissão aos imperativos poHticos cambiantes do Partido, pelo reconhecimento da independência e da dignidade do trabalho científico. Entretanto, incapazes de distinguirem a perspectiva histórica do proletariado de sua caricatura burocrática staliniana, eles transformam seu desejo de emancipação em relação ao aparelho do Partido em teoria da isenção da ciência marxista com relação ao proletariado. IV -

Conclusão:

O ponto

de vista do proletariado

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Se admitlrm~~olucionár1Q)~d~~I"~~cw~n!~J!l~.o.t~_.9.J.l fa·oi.J-indireta~~~,

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uma-cfassesoc~~o ar d ara evl-. ~ r I ti is o. Para o relativismo consequente não há ver ade objetiva, há várias verdades: a do proletariado, a da burguesia, a dos conservadores, a dos revolucionários, cada uma igualmente verdadeira ou falsa. Calmos assim na célebre noite relativista onde todos os gatos são pardos, e acabamos por negar a possibilidade de um conhecimento objetivo. Por exemplo, não haveria uma história verdadeira e objetiva da Revolução Francesa, mas diferentes histórias, todas

29

válidas: história contra-revolucionária, história liberal, história jacobina, história socialista. A dd Joseph de Maistre, explicando 1789 pelo castigo divino dos franceses culpados de pecados abomináveis, seria tão boa (ou tão má) quanto a de Jaurés, interpretando os acontecimentos em termos de luta de classe. . . 1.;, Já que tal posição agnóstica é estéril e manifestadamente absurda, é f-orçado reconhecer que alguns pontos .~e vista são relativamel1te mais verdadeiros que outros; ou, para ser mais preciso, que algumas perspectivas permitem uma aproximação relativamente maior da verdade objetiva. Ora, qual éa visão de-mblnde epistel11olo$iCamMte privilegiada, qUal ê O' ponto de vista mais favorável ao conhecimento do real? A pnmerra resposta que podemos ante"êipar resposta correta mesmo se insuficiente - é a seguinte: ~~"~e~.9.t~erio!:.

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conhecer a' ~M--.9~O de mu~1 a ~volucionária até o sécUTõXVlií: o proletariado a partir do século XIX. Com et~,i*o,.é somente do Qonto de vista ~gp, ?_."Gavou ~~..§.~. COJTIOasslnarava Rosa Luxe_-.rrgo: "é única e precisamente porque Marx considerava a ftGnomia capitalista primeiramente como socialista, quer dizendOi ponto de vista histórico, que. ele Pode decifrar seus hieró!lillifl!>s ... " (39). Para os economistas burgueses, as leis capitalistas são leis "naturais" da produção em geral, da produção oeraoeal. O método de Marx, em compensação -.--..:. "escândalo e abominação para a burguesia" - apreende cada forma "por' seu lado transitório", histórico, perecível, porque ele se situ~:lila. perspectiva da classe portadora projeto revotuclonárta. (.~ão é um acaso se Althusser, que nega que a ciência rrail'ixitta se situa do ponto de vista do proletariado, quer também n~gar que o historicismo seja a distinção metodológica c~ita1 entre Marx e a economia polítlca burguesa). Numa pS$sagem bem conhecida da Miséria da Filosofia, Marx ccnstáta que a burguesia tinha proclamado :com razão que as instituições da feudalidade eram históricas, ultrapassadas, arcaicas; enquanto essa mesma burguesia se obstina em apresentar as instituições da ordem capitalista como naturais

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39. Luxemburgo R., Aéforme ou Rêvolutlon, p. 55.

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,!.i~eEiternas. "Assim, houve história, mas não há mais", acrescen!~àH-ronicamente Marx. A burguesia revoluclonárla tinha perca. .IibUlb e denunciado o caráter histórico e transitório do sistema 'feudal; é somente o proletariado que é capaz de perceber e Bentmciar a historicidade do slstema.burquês. Podemos pois concluir com Adam SChaff, que resume a l:>êIteseantecipada pela maior parte dos autores marxistas que se dedicaram ao problema das condições de possibilidade da superioridade epistemológica da "ciência proletária": "Os membros e os partidários da classe colocada objetivamente em situação revolucionária, cujos interesses coletivos e individuais coincidem com as tendências de desenvolvimento da sociedade, escapam à ação dos freios psíqulcos que intervêm na apreensão cognitiva da realidade social; pelo contrário, seus interesses concorrem para a acuidade da percepção dos processos de desenvolvimento, dos sintomas de decomposição da ordem antiga e dos sinais precursores da ordem nova da qual esperam a chegada. ( ... ) Não afirmamos absolutamente por esse fato que esse caminho conduza à verdade absoluta pretendemos unicamente que as referidas posições sejam um melhor ponto de partida e uma melhor perspectiva na busca da verdade objetiva, certamente relativa, mas bastante integral, bastante completa com relação ao nfvel dado de desenvolvlmano do saber humano!' (40). . Essa tese, que afirma pois a superioridade geral do ponto de vista de toda classe revolucionária, parece-nos parcialmente correta, mas suscita um certo número de dificuldades. Sabe-se que no passado a classe conservadora tinha às vezes intuições parciais mais "verdadeiras" ou mais "realistas" que a classe ascendente: como negar, por exemplo, a verdade relativa do contra-revolucionário inglês Bui"ke em sua crttlca do caráter abstrato, a-histórico e arbitrário da ideologia burguesa revolucionária dos "direitos naturais"? ~ por essa razão que Mannheim sustenta a "síntese das perspectivas" das diferentes classes,cada uma tendo sua verdade relativa e parcial. Schaff, na medida em que fala das classes revolucionárias em geral, e não' do proletariado em particular, é obrigado a fazer concessões a Mannheim o aceitar, com reservas, a tese da "multiplicação das perspectivas" para 40. Schatf. A., Hlstolre et Vérité, Ed. Anthropos, Paris, 1971 p. 193, 1943, 326.

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31

"obter uma visão do objeto mais completa; mais global" (41). O que, em nossa opinião, está perigosamente próximo do ecletismo e não resolve nada: qual é o critério que permitiria fazer tal "síntese"? A tese defendida por Schaff subestima a especificidade do ponto ~ vista do proletariado com relação ao das classes revolucioná_s do passado (essencialmente a burguesia ascendente):

~.~__ de classe. O socialismo será cientrfico fã1142r----------------------...-. -~~

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1. A burguesia revolucionária tinha interesses particulares a defender, diferentes do interessa geral das massas popu- ,~ lare~: el~ queria ao mesmo tempo a revolução antifeudal e s~a domma,çao como classe exploradora; o que torna necessária a ocultação ideológica (consciente ou não) de seus verdadei~ ros fins e do verdadeiro sentido do processo histórico. ._.. ~~~~ã~~y§!!§.a~ln.:' teresse,.!cdincide com o aa arande- malõrla e cula finalidaCle-é' aboli-€); áto a mina ão de classe__ '::;... tar o c.t~\Údo histórico de sua luta' ele ~~r~
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ou não o

Por conseguinte, a superioridade epistemológica da peslsa proletárlá, não é somente a das classes revolucionárias geral, mas t~m um caráter particular, qualitativamente difete das outra~1.classes, especifico do proletariado como úl, classe revolucionária e como classe de quem a revoluinaugura o "reino da liberdade", quer dizer a dominação sclente e racional dos homens sobre sua vida social. Nesse tido a ciência proletária é urna forma de transição para a )lcia comunista, a ciência da sociedade sem classes, que ..,<,leráatingir' um grau muito maior de objetividade, porque o l
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42. Ver a esse respe+o Lukács, G., Geschichte und Klassenbewusstein, Luchteranc, 1968, p. 246, 243, 399.

41. jdem, p. 314.

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marxis~~ e, mesmo Marx ou Engels (p. ex, a previsão da lmlnência i(fe! uma revolução proletária na Alemanha em 1848-50), mas t8ifiJ'qémos conhecimentos verdadeiros que poda produzir, no;.~erjor de suas limitações, uma ciência histórica se situanct!> ..mum ponto de vista burguês (p. ex. as análises de HobbessCllbr:ea violência como base do Estado moderno).

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.,,~~~e~~ ~J1>r sua caQêtcldade em Incorporar essas verâad~ p~rcfai~)iürõdUZíciàSpêJ~'~liltrãriãSSan_ o-a ','. , ' ' .i~'. er e ~lficandoL!!.e9a!ldO si.Jas_li~ l):ti~'Q.õ~~de-ciãsse: A atitude contrálíã,Cjlre- proCTãiilãâiíífa_ Tibilldã'
o conhecimento da verdade ob'etiva', e acesso ~

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de -'ula: Iilmããr a indis~~11t~ 'As classes dominamités,a burguesia (e tambéní õs burocratas, num outro context~) têm necessidade de mentiras para manter seu poder. O proletar.iado revolucionário tem necessidade da verdade ...

WEBER E MARX: NOTAS CRITICAS SOBRE UM DIALOGO IMPUCITO

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Diz-se habitualmente que A Ética Protestante e o Espfrito do Caplta1ismo de Weber é um diálogo com o fantasma de Marx, isto é, em certo sentido, efutação do materialismo histórico. As posições de Marx e de er sao requentementé leSl1ffi1dasnos seguintes termos: para Marx, toda tentativa de explicar o racionalisrno ocidental deverá admitir a importância fundamental da economia; e levar em consideração, antes de tudo, condições econômicas; para Weber, em cOI1JPensação,o e~.9Q....cap.LtªJ.!,:;mo só seria o resultado de algumas inflllêocia~da Refçrma. -;",. O problema é claro, e as diferenças entre as duas teses são evidentes; mas há um pequeno fato que destrói a bela harmonia desse quadro claro e evidente: o que apresentamos acima como o "resumo" da concepção de Marx é uma citação literal de ... Max Weber! Em sua introdução ao Gesammelte AufBalze zur Religionssoziologie (1920) - cujo primeiro volume inclui A ~tlca Protestante. " - Weber escreve: "tratar-se-á pois, para começar, de reconhecer os traços distintivos do racionalismo ocidental, depois, de reconhecer sua origem. Toda tentativa de explicação dessa ordem deverá admitir a importância fundamental da economia e levar em consideração, antes de tudo (vor allen) condições econômicas" (1). E isso não é tudo: o 1. /\,lax Weber. L'ethique protestante et I'esprit du capitallsme, Piem, Paris, 1964, p. 25. Cf. Max Weber, Gesammelte Aufsatze zur ReJlgionssozlologie, Tubinge, J. C. M., Mohr, 1920, p. 12.

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