UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E TECNOLOGIAS – CAMPUS XVI LICENCIATURA EM LETRAS COM HABILITAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURAS DE LÍNGUA PORTUGUESA

DIANA LIMA LEVI

A ESCRITA NOS SCRAPS DO ORKUT: INTERAÇÃO VERBAL

IRECÊ 2010

DIANA LIMA LEVI

A ESCRITA NOS SCRAPS DO ORKUT: INTERAÇÃO VERBAL Monografia apresentada para obtenção do grau de licenciada em Letras e Literaturas de Línguas Portuguesas pela Universidade Estadual do Estado da Bahia - UNEB, Departamento de Ciências Humanas e Tecnologias, Campus XVI, Irecê – Bahia. Orientador: Professor Mestre Robério Pereira Barreto.

IRECÊ 2010

TERMO DE APROVAÇÃO

DIANA LIMA LEVI

Monografia aprovada como requisito final para obtenção do grau de licenciada em Letras e Literaturas de Línguas Portuguesas pela Universidade Estadual do Estado da Bahia - UNEB, Departamento de Ciências Humanas e Tecnologias, Campus XVI, Irecê – Bahia, pela seguinte Banca Examinadora:

Professor Mestre Robério Pereira Barreto – Orientador

Professora Especialista Hilderlândia Penha Machado Oliveira

Professora Mestra Laura Dourado Loula

IV

AGRADECIMENTOS

Às minhas queridas amigas Iasmin, Adriana, Melina e Jéssica pelo carinho de sempre. Aos meus amigos conquistados ao longo destes quatro anos: Vilma, Sirlei, Adriano, Eunimária, Ester, Simara, Leila e, em especial, a Isolda e Danila pelo apoio e companheirismo nos momentos mais difíceis dessa trajetória. Ao meu grande companheiro Júnior, que tornou as minhas viagens muito menos cansativas, pela enorme generosidade. Ao meu orientador e amigo Robério por ter acreditado em mim. Aos meus tios Misael e Branca por me amarem tanto. Ao meu irmão Diego pelo amor e apoio, mesmo à distância. Ao meu querido Marciel pelo amor, paciência e companheirismo. E, principalmente, ao meu amor, meu exemplo, minha vida, minha mãe Maria, por não ter me deixado desistir, por ter me pego pela mão e me ajudado a caminhar.

V

Diabo de menino internetinho Sozinho vai descobrindo o caminho O rádio fez assim com seu avô Rodovia, hidrovia, ferrovia E agora chegando a infovia Pra alegria de todo o interior Meu Brasil, meu Brasil bem brasileiro O You Tube chegando aos seus grotões Veredas do sertão, Guimarães Rosa, Ilíadas, Lusíadas, Camões, Rei Salomão no Alto Solimões, O pé da planta, a baba da babosa.

Cordel da Banda Larga (Gilberto Gil)

VI

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

TIC

Tecnologias de Informação e Comunicação

UNEB

Universidade do Estado da Bahia

WWW

World Wide Web

ORKUT

Orkut Büyükkokten

VII

LISTA DE FIGURAS

Figura 1

A interface do Orkut

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Figura 2

Emoticons padronizados do Orkut 2010

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VIII

LISTA DE TABELAS

Tabela 1

Ocorrências frequentes nos scraps

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Tabela 2

Emoticons utilizados nos scraps

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IX

RESUMO A internet tem contribuído para realização de novas formas de interação e assumido uma linguagem própria, caracterizada principalmente pela aproximação ao texto oral, abreviação da escrita e demonstração de emoções. O objetivo deste trabalho é discutir e analisar as formas de comunicação escrita e suas características em situações de interação verbal pela Internet. Para tanto, foi escolhido um espaço relevante desta interação: os scraps do site de relacionamentos Orkut. A fundamentação teórica da pesquisa tem por base as concepções de interação verbal (Bakhtin, 1981), ciberespaço (Lévy, 1996 e 1999) e hipertexto (Xavier, 2004). No término do trabalho, apresentam-se as principais ocorrências observadas nos scraps analisados no que se refere à “linguagem especial” utilizada pelos usuários do Orkut.

Palavras-chave: Interação verbal; Ciberespaço, Hipertexto, Scrap, Linguagem

especial

X

ABSTRACT The internet has contributed to the achievements on new ways and assumed its own language, characterized by the approach on oral text, written abbreviations and emotion manifestations. The aim of this study is to discuss and analyze the written communication forms and their characteristics on verbal interaction situations through internet. That‟s why choose a relevant space of this interaction: the scraps of the relationships site Orkut. Theoretical grounding for this study included the conceptions of verbal interaction (Bakhtin, 1981), cyberspace (Lévy, 1996 and 1999) and hypertext (Xavier, 2004). Then, presents the main events occurred in the comments analyzed in relation to the "special language" used by the users of Orkut.

Keywords: Verbal interaction, Cyberspace, Hypertext, Scrap, Special language

SUMÁRIO INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 11 CAPÍTULO I ........................................................................................................... 17 INTERNET E O CIBERESPAÇO: BINÔMIO CONTEMPORÂNEO ....................... 17 CAPÍTULO II .......................................................................................................... 26 LINGUAGEM E INTERAÇÃO SOCIAL NA ESCRITA DO SCRAPS ...................... 26 2.1 A lingua(gem) escrita: tecnologia intelectual .......................................... 26 2.2. Scraps: processos interativos, sociais e linguísticos ............................. 29 2.3 Hipertexto: lugar de misturas verbais, visuais e sonoras ........................ 36 CAPÍTULO III ......................................................................................................... 42 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS ........................................................ 42 3.1 Scraps: comunicação hipertextual .......................................................... 45 3.2 Comunicação através de Scraps: ação livre da lingua(gem) .................. 47 EFÊMERAS CONSIDERAÇÕES........................................................................... 13 REFERÊNCIAS...................................................................................................... 54

INTRODUÇÃO As mudanças que ocorrem na vida social, decorrentes das Tecnologias da Informação e Comunicação – TIC – refletem e produzem novas formas de viver, de se relacionar e de se comunicar, consequentemente novos estilos de lingua(gem) refletem a mudança social. Novas formas de escrever e falar são incorporados na sociedade contemporânea, sendo, na maioria das vezes, os jovens responsáveis por tais transformações. Atualmente surge este novo suporte à escrita: o ambiente virtual da Internet, Orkut. Nesta pesquisa tem-se como objeto de estudos, a seleção de oito scraps postados no Orkut, dos quais se retiraram exemplos de interpretação e compreensão da escrita digital na web. Com a popularização dos computadores, uma nova cultura, a digital, emergiu e alterou inegavelmente a maneira como as pessoas se relacionam com o manuseio de informação e comunicação. O surgimento da Internet a escrita passou a fazer parte de um sistema de rede interligadas, marcada pela presença de formas híbridas1 de textos – o chamado hipertexto, que mescla sons, imagens, palavras em um espaço a ser trilhado pelo usuário. Para Lévy (1996) um número considerável de pessoas em todo o mundo utiliza a rede de comunicação por computador. No Brasil, desde a implementação da Internet na década de 90, o uso do ambiente virtual vem crescendo continuamente, ampliando as possibilidades de contato com este novo suporte para a escrita. O processo de propagação de textos no meio digital contribuiu para que a realização da escrita seja dotada de algumas particularidades, semelhantes à oralidade, ou seja, o texto escrito se torna uma espécie de transcrição do texto oral, passa a mudar gradativamente sua estrutura lexical para acompanhar a velocidade da fala e a ter um modo de organização mais adequado para esse novo tipo de suporte textual (scrap) ao qual está intrinsecamente ligado. 1

Cf. Bakhtin (1998) o hibridismo é “(...) a mistura de duas linguagens sociais no interior de um único enunciado, é o reencontro na arena deste enunciado de duas consciências lingüísticas, separadas por uma época, por uma diferença social (ou por ambas) das línguas”. (BAKHTIN, 1998, p.156)

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Na rede há a quebra das concepções tradicionais que polarizam oralidade e escrita. Nesse caso, apropria-se de um instrumental técnico “revolucionário”, ou de códigos comunicativos que se constituem objeto conceitual mediado por interação linguística, social e cultural. Observa-se que, nos sites de relacionamento, estão sendo desenvolvidos processos discursivos, formas de enunciado, em que o internauta assume a posição de sujeito discursivo que, por meio de toda diferenciada técnica argumentativa, produz inéditas formas de enunciação. Para os internautas, escrever é conversar, e estas duas ações transformam-se em uma, fundem-se a partir de um único ato: o de teclar. A Internet possibilitou a quebra da distância entre os interlocutores, tornando global o alcance da comunicação. Há uma relação de troca de ideias carregada de significados entre pessoas distantes, que se tornam próximas por uma rede de interação via Internet. Essa possibilidade de interação midiatizada tornou a prática da troca de mensagens via teclado algo comum na contemporaneidade.

A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas lingüísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicológico de sua produção, mas pelo fenômeno da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações, a interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua. (BAKHTIN, 1981, p.123)

Para fazer uso de toda rica convergência multimidiática possível no hipertexto, é preciso conhecer as várias possibilidades técnicas que ele oferece, pois além do texto, o fato de poder contar com mídias altamente expressivas como ícones em movimento, sons e vídeos, para a construção do sentido, exige do autor uma capacidade imaginativa. A modalidade de expressão, construída em um espaço reduzido para acomodar

caracteres,

utiliza

um

grande

número

de

abreviaturas,

siglas,

neologismos, palavras cifradas, estrangeirismos, desenhos, ícones, símbolos e links. Também se codificam emoções, como risos, por exemplo, com o auxílio de palavras ou até mesmo apenas com um amontoado de letras. Esses sinais justapostos constituem um sentido. Entendê-los, muitas vezes, não é fácil para quem não tem familiaridade com a comunicação via Internet.

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Na interação virtual as pessoas têm algo em comum, sujeitos entram em entendimento pelo diálogo, há relevância nas interações ocorridas, os interlocutores internalizam palavras de outros, deixando-se “contaminar” por novos códigos, enfim, se constituindo como sujeitos e da melhor forma possível: de acordo com seus interesses.

As relações dialógicas são relações (semânticas) entre toda espécie de enunciados na comunicação discursiva. Dois enunciados, quaisquer que sejam, se confrontados em um plano de sentido (não como objetos e não como exemplos lingüísticos), acabam em relação dialógica. (BAKHTIN, 2003, p. 123)

Segundo Barreto (2009), tem-se neste caso um modo de comunicação escrita no ambiente virtual com características típicas da oralidade. No ambiente virtual fala e escrita se integram. O processo interativo de produção discursiva na Web implica o uso de código escrito e nas escolhas linguísticas mais apropriadas da linguagem espontânea e informal oral cotidiana. O contexto é compartilhado entre os usuários, construído pela interação entre eles e nas mensagens interagem entre si, sendo interpretadas à sua maneira, por cada pessoa. Os significados são transitórios, as respostas imediatas. A velocidade do código é fator marcante na linguagem emergente. Embora sejam muitas as possibilidades interativas em domínio discursivo digital, poucas delas têm sido tão comentadas ou utilizadas no Brasil quanto o Orkut2. Este site de relacionamento é popularizado por pessoas de várias faixas etárias, que o utilizam informalmente, ampliando os recursos expressivos do texto escrito na possibilidade de articular imagens, palavras e sons. A escrita é ressignificada, diferentemente do suporte papel, há a presença de sinais gráficos que descrevem emoções, manipulando-se os elementos da escrita e incorporando novas formas linguísticas. No interior de uma enorme coordenação de ações, o Orkut também envolve conhecimentos socioculturais que devem ser partilhados por seus usuários. Os

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O Orkut é uma rede social filiada ao Google, criada em 24 de Janeiro de 2004 com o objetivo de ajudar seus membros a criar novas amizades e manter relacionamentos. Seu nome é originado no projetista chefe, Orkut Büyükkokten, engenheiro turco do Google. É a rede social com maior participação de brasileiros, com mais de 23 milhões de usuários.

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enunciados produzidos no site constituem-se em um novo estilo de língua, emanam de interlocutores pertencentes a uma determinada esfera da atividade humana e refletem as condições específicas e as finalidades dessa esfera, tanto por seu conteúdo, quanto por seu estilo verbal e principalmente quanto à construção composicional de um código discursivo mediado pelo computador. Nesse ambiente, como em qualquer outra situação real de uso da linguagem, a escrita cumpre funções sociais que vão além dos escritos formalizados no ambiente escolar. O scrap é um texto, livre, mas ao mesmo tempo codificado, íntimo e público, pode ser secreto e simultaneamente voltado para a sociabilidade. O signo verbal escrito cede lugar aos códigos cifrados usados pelos internautas à medida que simulam o real com novas formas de codificar a língua. Neste processo interativo pode-se, ainda, enviar emoticons3, recursos que auxiliam a transmissão de emoções e sentimentos na interação entre internautas. Isso sobrecarrega menos os textos, pois facilita a comunicação, substituindo-se a linguagem escrita pela expressão visual. Os scraps revelam a característica de “escrever como se fala”, pois tornam a escrita mais rápida e favorecem a dinâmica conversacional, além de torná-la mais íntima e informal como na conversação face a face. É possível que essa “descontração linguística” que se revela pelo uso coloquial das formas e estruturas sintáticas, pela falta de tratamento mais cuidadoso e sofisticado com a ortografia, esteja relacionada a dois fatores: a rapidez na comunicação e a linguagem representativa da oralidade que aparece no meio digital. No Orkut, os signos são formulados consensualmente entre os interlocutores que criam códigos discursivos que dão conta de veicular significado. Há presença de frases incompletas, não obstante o que dizem, pode ou não ter muita importância para o interlocutor específico. A construção do hipertexto, no ambiente virtual Orkut apresenta uma interação objetiva entre leitor e escritor, mesclando características próprias da modalidade oral e produz uma inovadora linguagem particular ao ambiente virtual e

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Forma de comunicação paralinguística, um emoticon, palavra derivada da junção dos seguintes termos em inglês: emotion (emoção) + icon (ícone) (em alguns casos chamados smiley) é uma sequência de caracteres tipográficos, ou, também, uma imagem (usualmente, pequena), que traduz ou quer transmitir o estado psicológico, emotivo, de quem os emprega, por meio de ícones ilustrativos de uma expressão facial.

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seus usuários, linguagem esta que explora os recursos expressivos que somente o hipertexto possibilita. (XAVIER, 2004) Neste território do Orkut, em que o virtual passa a ser mais considerado que o real surge outra forma de linguagem, com incorporação de novos costumes na escrita, comportamento, cultura, e normas, pois há uma despreocupação em expressar-se e usar corretamente as normas gramaticais. Como usuários ativos deste site de relacionamento, os usuários incorporam novos códigos e revolucionam a Língua Portuguesa, pois são neologistas ciberespaciais que, com muita ousadia, criam e recriam novas formas de comunicação. A comunicação escrita – scraps – no suporte virtual possibilita um encurtamento da distância entre emissor e receptor, mesclando a predisposição humana da interação entre indivíduos com a velocidade proporcionada pelo rompimento do condicionamento de tempo e lugar oferecidos pela Internet. Uma vez que o hipertexto se constitui de forma híbrida, incorporando todas as linguagens que o suporte alicerçado nas tecnologias permite, uma concepção dos conceitos de leitura e escrita surge, viabilizando uma análise: como se processa a linguagem escrita na rede social do Orkut?

CAPÍTULO I INTERNET E O CIBERESPAÇO: BINÔMIO CONTEMPORÂNEO Na história da humanidade, o advento da Internet é um retorno dialético às origens da oralidade, ou um (re)encontro entre as sociedades orais e a sociedade digital. A comunicação deixou de ser linear e consecutiva de informações na qual o emissor não tem mais o papel de superioridade e passou para um modelo de interação que valoriza a dinamicidade do processo, onde todos os participantes são atuantes na relação. Hoje, a comunicação digital é ainda mais complexa pelo seu caráter coletivo, interativo, direto e contextualizado. Bakhtin (1981) entende o homem como sujeito da e na História, concebendo a cultura como o meio de existência por intermédio do qual se constitui a natureza humana. Seguindo esta linha de pensamento são imprescindíveis que se considerem as transformações culturais e os novos conhecimentos resultantes da rápida produção e circulação de informações, principalmente a partir do desenvolvimento do computador e da Internet. Neste sentido, compreende-se a Internet como criadora de uma nova sensibilidade cultural e social, propiciadora de outras formas de interação e intersubjetividades. O processo de leitura/escrita presente nos sites construídos por adolescentes é uma atividade que traz em si o dialogismo bakhtiniano, já que o hipertexto digital favorece uma construção dialogada e polifônica. Embora Bakhtin (1981) tenha escrito seus textos numa época em que a Internet era algo ainda impensável, seus conceitos podem ser adaptados para melhor se compreender essa realidade. As dimensões do sistema teórico de Bakhtin (1981) parecem avançar cada vez mais para fora de seus limites fornecendo instrumentos para se pensar questões específicas da linguagem, do pensamento, dos sistemas de signos tal como são vivenciados hoje em nossa cultura. É possível estender a teoria do dialogismo para a compreensão dos produtos escritos em espaços textuais constituídos pelos recursos típicos dos ambientes da Internet. No contexto específico da esfera digital da comunicação, as categorias bakhtinianas dialogismo, polifonia e interação verbal podem ajudar numa compreensão das características da escrita no Orkut (scraps). O homem, no ciberespaço, preserva toda riqueza e complexidade das múltiplas formas de

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expressão da linguagem. É nesse ponto que se pode insistir nos pressupostos deste autor como um terreno extremamente fértil para a concretização de uma reflexão. Para Bakhtin (1981) “a linguagem é um fenômeno eminentemente social, que se processa na e pela interação entre dois ou mais interlocutores” (BAKHTIN, 1981, p.76) e, o que resta a fazer na Internet é interagir com um outro, certamente num outro nível de linguagem. A questão da escrita na Internet conduz a uma discussão de que o código formal da língua portuguesa está sendo agredido e deturpado. Contudo, os usuários da chamada "nova linguagem" tem como objetivo principal a comunicação rápida. A preocupação em escrever "certo", de acordo com a linguagem padrão, fica em segundo plano. O único intuito das pessoas conectadas ao "novo mundo" é comunicar-se de maneira rápida e eficaz. Para isso, a manipulação da língua portuguesa, em função da própria vontade, fica evidente, e isso remete a hipótese de deterioração da Gramática Normativa. Contudo, o fenômeno da manipulação da língua ocorre somente se o indivíduo a conhecer. Os usuários da Internet necessitam ser, no mínimo, alfabetizados e conhecedores do idioma, uma vez que, utilizar o computador e, consequentemente seus programas, requer o conhecimento da linguagem escrita. A língua é um instrumento para a expressão do pensamento que deve atender às necessidades dos seus falantes.

Para além da imobilização da linguagem, a escrita é uma nova linguagem, muda certamente, mas, segundo a expressão de L. Febvre, „centuplicada‟, que disciplina o pensamento e, ao transcrevêlo, o organiza. (...) uma vez „inventada‟, a escrita se torna um desenho que pode ter vida própria, fora da língua da qual é veículo. (HIGOUNET, 2003, p. 9-10-23)

E a escrita torna-se uma ferramenta para a perpetuação e o registro de qualquer tipo de língua. Desta forma, no mundo da Internet, a velocidade das informações induz a língua escrita a uma transformação e simplificação. E o homem tem em sua capacidade cognitiva condições de adaptar a língua para uma comunicação rápida e eficaz. A língua falada oferece um dinamismo ao pensamento. Qualquer pessoa possui o direito de comunicar-se com o mundo, através da fala, desde que

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apresente condições físicas e fisiológicas para tal. A articulação da fala é uma característica inerente ao homem. Porém, a língua escrita requer uma condição psicomotora para ser realizada e não é universal. Além, de necessitar uma condição pedagógica para ser adquirida. A lingua(gem) da Internet tem como objetivo dinamizar a comunicação, ligada intimamente à língua escrita para sua concepção e ligada a língua falada para sua prática. Na verdade, esta é a junção da linguagem escrita e da linguagem falada, dinamizada através da criação de um processo grafolinguístico exclusivo para a utilização na rede mundial de computadores. A comunicação virtual vem criando um novo sistema linguístico de comunicação por meio da Internet. Tal sistema parece atuar como um novo código, e funciona paralelamente ao sistema linguístico considerado correto do ponto de vista ortográfico, desafiando regras ortográficas e contradizendo construções gramaticais, num processo construtivo que parece ganhar vida própria. Como diz Barreto (2009):

Infere-se que por detrás dessa ação despretenciosa dos cibernautas ao usarem a palavra escrita no ciberespaço há uma inquietação no sentido de afirmar que existe uma nova prática de se produzir lingua(gem), posto que os cibernautas, por meio do uso das tecnologias intelectuais disponíveis na web assumem diferentes posições no ato comunicativo, isso significa que usam códigos variados visando a comunicação e a interlocução com os ciberleitores. (BARRETO, 2009, p. 04)

Essa “linguagem especial” não se obriga a ser escrita de acordo com a norma culta, sua demanda é outra, e o que ela busca, singularmente, são dois objetivos prementes: a rapidez da comunicação e a expressão das emoções e reações entre os interlocutores utilizando-se da escrita. Tal fenômeno é chamado pelos analistas, atualmente, de oralidade na escrita. Diante das limitações do suporte tecnológico computador como mediador de interação verbal e construção de um novo gênero discursivo, o grande desafio passa a ser atravessar fronteiras, ainda que apenas com o recurso da linguagem escrita, a fim de tornar esta comunicação o mais próxima possível do face a face. O escopo da questão aqui abordada, portanto, é investigar, de uma maneira aprofundada, o que se constitui como o objetivo maior do interlocutor digital, qual seja, escrever como se

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fala, ou “escrever emoções”, e como ele transforma este desejo em realidade, a partir de um universo discursivo de planos de expressão e de conteúdo lineares e, ao mesmo tempo, pictóricos. Dessa forma, o fenômeno da oralidade na escrita, atribuído à interação verbal, traduz-se em uma tentativa de escrever do modo mais próximo do falar, escrever, ou teclar, em uma linguagem coloquial, reinventando uma escrita própria facilitadora da interação e da demonstração de emoções no espaço virtual. O interlocutor quer, escrevendo, atingir o máximo possível do emitir sons, os sons da fala - e mostrar imagens, utilizando os emoticons – para descrever suas sensações, sentimentos, olhares, desejos físicos.

O fato inconteste é que a Internet e todos os gêneros a ela ligados são eventos textuais fundamentalmente baseados na escrita. Na Internet, a escrita continua essencial apesar da integração de imagens e de som. Por outro lado, a idéia que hoje prolifera quanto a haver uma „fala por escrito‟ deve ser vista com cautela, pois o que se nota é um hibridismo mais acentuado, algo nunca visto antes, inclusive com o acúmulo de representações semióticas. (XAVIER, 2004, p.19)

Bakhtin (1981) entende que todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem e que

a consciência individual adquire forma e existência nos signos criados por um grupo organizado no curso de suas relações sociais. Os signos são o alimento da consciência individual, a matéria de seu desenvolvimento, e ela reflete sua lógica e suas leis. A lógica da consciência é a lógica da comunicação ideológica da interação semiótica de um grupo social. (BAKHTIN, 1981, p. 35-36)

Não obstante ao caráter de que se reveste o fascínio exercido pela Internet sobre toda a população mundial, tecnicamente globalizada, é fundamental analisar o fenômeno da comunicação e da interação social com um esforço para o entendimento, ainda que parco diante da magnitude da novidade, do processo de interação efervescente neste domínio, e dos gêneros discursivos nele desenvolvidos e aperfeiçoados com espantosa velocidade.

(...) parte do sucesso da nova tecnologia deve-se ao fato de reunir num só meio várias formas de expressão, tais como texto, som e imagem, o que lhe dá maleabilidade para a incorporação simultânea

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de múltiplas semioses, interferindo na natureza dos recursos lingüísticos utilizados. (XAVIER, 2004, p.13)

Com relação aos gêneros de discurso ali desenvolvidos, algumas conclusões já puderam ser tiradas e categorizadas com unanimidade. Uma delas é a de que a mídia virtual dispõe dos recursos de som, imagem e escrita para explicitar seus discursos. Entretanto, ainda que o áudio possa ser dispensado, a escrita é a condição primordial para que um discurso possa acontecer na Internet. Dessa forma, pode-se afirmar que os inúmeros gêneros discursivos em prática, hoje, na Internet, caracterizam-se pela diversidade de opções de forma e conteúdo. Nesse contexto, os cibernautas utilizam-se de recursos verbais e não verbais os mais variados, e partem, sempre, da escrita para um universo textual inédito e, por vezes, inusitado. Conforme Barreto (2009)

a internet tem proporcionado um espaço no qual os internautas exploram suas capacidades cognitivas, comunicacionais e a criatividade linguística de maneira a caracterizá-los como seres humanos facultados de ação de linguagem. (BARRETO, 2009, p.01)

Esse entendimento pode ser fundamentado a partir da leitura de Lévy (1996), que, ao estudar as influências das tecnologias da inteligência na transmissão das culturas, afirma que esse processo se configura sempre como uma recriação. Nada é transmitido sem que seja observado, escutado, repetido, imitado, atuado pelas próprias pessoas ou pela comunidade como um todo. “(...) As representações circulam e se transformam em um campo unificado, atravessando fronteiras entre objetos e sujeitos, entre a interioridade dos indivíduos e o céu aberto da comunicação.” (LÉVY, 1996, p. 139) As possibilidades estabelecidas nas relações sociais que ocorrem no espaço cibernético vão além da ampliação da abrangência dessa interação. Segundo Lévy (1996), os equipamentos utilizados configuram uma nova forma de se pensar que favorece a emergência da autonomia dos indivíduos e dos grupos. “estamos na direção de uma potencialização da sensibilidade, da percepção, do pensamento, da imaginação, e tudo isso graças a essas novas formas de cooperação e coordenação em tempo real” (LÉVY, 1996, p.120). Acredita-se que o uso dos dispositivos eletrônicos de comunicação, em especial, a internet, vai transformar a maneira como são estabelecidas as relações e

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interações sociais e a construção da identidade por meio desse modus de produção de linguagem escrita, scraps. Essa transformação já pode ser percebida na contemporaneidade ao se observar o comportamento de grande parte dos usuários, que utilizam considerável parte de seu tempo de navegação pela rede em relacionamentos pela rede. A inovação reside na organização linguística das sequências de intercâmbio e interações intencionais, suporte das práticas sociais de tempo compartilhado. Este espaço imaterial de fluxos realiza um processo de desmaterialização das relações sociais e educacionais conectadas em rede. (LÉVY, 1996) O que antes era concreto e palpável adquire uma dimensão imaterial na forma de impulsos eletrônicos.

O virtual é uma nova modalidade de ser, cuja compreensão é facilitada se considerarmos o processo que leva a ele: a virtualização. O real seria da ordem do „tenho‟, enquanto o virtual seria a ordem do „terás‟, ou da ilusão, o que permite geralmente o uso de uma ironia fácil para evocar as diversas formas de virtualização. (LÉVY, 1996, p. 15)

O “lugar virtual4” está apoiado em quatro eixos primordiais, que são: o temporeal, a desterritorialidade, imaterialidade e interatividade. Tais aspectos possibilitam relações sociais simultâneas e acesso imediato a qualquer parte do mundo, inaugurando uma nova percepção do tempo, do espaço e das relações sociais. É no lugar virtual que se pode experimentar, solitariamente, uma nova sociabilidade compartilhando um lugar simbólico e marcado por novas relações. (LÉVY, 1996) A partir destas argumentações, analisa-se o site de relacionamento Orkut no que se refere à escrita de scraps, na qual os indivíduos decidem assumir papéis de acordo com cada situação, já que em alguns casos as mensagens compartilhadas podem ser observadas por mais de um receptor, mesmo quando são destinadas a uma determinada pessoa. A comunicação se direciona para um público anônimo e potencialmente múltiplo. Contudo, as características se misturam, pois o perfil de um usuário é 4

Cf. Lévy (1996) "o virtual não se opõe ao real, mas sim ao atual. Contrariamente ao possível, estático e já constituído, o virtual é como o complexo problemático, o nó de tendências ou de forças que acompanha uma situação, um acontecimento, um objeto ou uma entidade qualquer, e que chama um processo de resolução: a atualização." (LÉVY, 1996, p. 16)

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criado e partilhado a diversos receptores e a linguagem é passível de controle, mas, na medida em que o enunciador troca mensagens com o receptor é proposta uma forma de interação entre eles. Para que esta interação ocorra

é necessário o domínio do código lingüístico o qual é minimamente exigido, isto é, os sujeitos precisam estar letrados digitalmente, pois dialogaram com outras pessoas que já detêm com certa desenvoltura essa atividade de escrita. (BARRETO, 2009, p. 01)

No “lugar virtual” são estabelecidas novas formas de sociabilização, entre elas o Orkut. Este site de relacionamentos evidencia as preferências dos consumidores para o direcionamento do marketing e possibilita a elaboração e consolidação de novas formas de sociabilidade, as chamadas “redes sociais”, que se pautam na relativização do tempo e espaço, na mudança das concepções de esfera pública, na construção de novas realidades sociais e na estipulação de novas interações entre local e global. As relações são efetuadas a partir da simples inserção do indivíduo na rede, estabelecendo vínculos fundados em interesses comuns e criando na Internet a busca efetiva por uma conexão social. Desta forma, o Orkut gera uma hibridização cultural, fruto da urbanização, do desenvolvimento tecnológico e da reorganização da esfera pública. O Orkut apresenta muitas vezes linguagem digital por parte dos falantes que o utilizam e a interlocução ocorre de maneira assíncrona, ou seja, os interlocutores não precisam estar todos sincronizados, conectados ao computador ao mesmo tempo. Também, cada perfil de usuário conta com uma página de comentários (scraps) individual, como uma forma de interação entre os usuários. Quanto ao modo de lidar com tais recados, cabe aos usuários, destinatários ou autores dos scraps, a sua eliminação, bloqueio ou manutenção. O scrap não tem forma fixa, mas apresentam algumas regularidades, como mensagens breves que dizem respeito somente a um enunciador e a um enunciatário. O Orkut possibilita tratar de assuntos profissionais, acadêmicos, de lazer, de humor, enfim, o nome “rede social” é mais do que aplicável. Partindo para análise linguística, observa-se neste espaço virtual uma predominância da “linguagem especial”, seja nos textos das comunidades e seus fóruns, scraps, depoimentos,

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definições de “quem sou” no perfil do usuário, ou nas legendas e comentários nas fotos colocadas na página de cada pessoa cadastrada nesse site. Os textos que circundam na Internet, especialmente nos scraps deixados no Orkut, tomados como referência nesta pesquisa, são carregados de marcadores conversacionais que buscam traduzir, por meio da escrita, manifestações exclusivas da fala, tais como: alongamentos vocálicos com funções paralinguísticas 5, bem como a presença de elementos discursivos, imagens, sons, dentre outros. O Orkut cria ambiente propício ao discurso de tal maneira que produz significados, compreensão e ação crítica, assegurando ao indivíduo interação entre os sujeitos a qual é fundamental para o desenvolvimento pessoal e social, pois busca transformar a realidade de cada sujeito. No espaço e em tempo real na rede universal tudo e todos podem interagir com tudo e com todos ao mesmo tempo: com textos, sons, sites, em qualquer parte do mundo. O Orkut faz parte deste universo do cotidiano de muitas pessoas, no trabalho, no lazer, nos estudos e pode ser empregado como atividade social onde a escrita faz parte de seu comportamento social. Esta forma de interação se agrega por interesses semelhantes, usando uma ferramenta de comunicação na web. Internautas interagem, atuam na linguagem, transformam o meio virtual, formando comunidades que apresentam características de organização social, agora desterritorializada. (LÉVY, 1996) Um dos requisitos para integrar o Orkut é querer participar de um grupo de pessoas que estabelecem, entre si, relações sociais. Essas relações são construídas através da interação entre os indivíduos, em um período de tempo, tendo a permanência - entendida como espaço temporal contínuo de relacionamento -, que se caracterizam pelo sentimento de pertencer a um grupo, é a noção de que o indivíduo é parte do todo, coopera para uma finalidade comum com os demais membros (caráter corporativo, sentimento de comunidade e projeto comum). Ainda assim, tem de haver valores de troca, afinidade de interesses, de conhecimentos, projetos mútuos, sempre se estabelecendo num processo de cooperação.

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Descrevem os aspectos não verbais da comunicação que englobam o tom de voz, o ritmo da fala, as pontuações e outras características que vão além da palavra falada. Nos scraps essas funções são utilizadas quando o usuário escreve expressões como “amoooooooooo” ou “bjuuuuuuuuuuuuu”.

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A reciprocidade é elemento primordial no Orkut, onde num processo de interação, os participantes ativos constroem e expressam habilidades que são ou não reconhecidas e valorizadas de imediato pelo próprio grupo.

Uma espécie de código de conduta, um conjunto de leis não escritas, que governam suas relações, principalmente com relação à pertinência das informações que circulam no meio. Ou seja, não é necessário impor o que "pode" e o que "não pode" nessa rede. Ela mesma se auto-regula, se organiza. Se não for assim, não é uma comunidade. (LÉVY, 1999, p.58)

Lévy (1999) afirma que as relações online estão muito longe de serem frias. Elas não excluem as emoções, as relações no Orkut contêm sentimentos que são manifestados linguisticamente. Entre os participantes desse ambiente também se desenvolve um forte conceito de "moral social".

CAPÍTULO II LINGUAGEM E INTERAÇÃO SOCIAL NA ESCRITA DOS SCRAPS A linguagem pode ser considerada como algo flexível ou adaptável, isso porque é uma das faculdades cognitivas que mais evolui e se molda às mudanças sociais. Num primeiro momento, as sociedades humanas apoiavam-se na oralidade. As mensagens entre emissor e receptor compartilhavam o mesmo lugar, no tempo e no espaço. (JAKOBSON, 1999) Contextualmente, as sociedades formavam totalidades culturais fechadas mentalmente sobre si. Não havia um registro: a garantia de sua transmissão encontrava-se encarnada, geração para geração, na capacidade de memória de seus indivíduos. Eram totalidades vivas, porém fechadas, sem sentido universal. Desde o início dos tempos, o homem apresenta uma grande necessidade de comunicar-se com o outro, de interagir, de registrar o que acontece. E é através do uso da linguagem que ele conseguiu e consegue alcançar estes objetivos. Em relação à linguagem oral, pode-se dizer que a escrita apareceu muito tardiamente, mas, com o seu surgimento, aparecem as variadas formas de comunicação entre os seres humanos. A partir daí, o homem percebe que pode interagir com o outro repassando suas mensagens de modo mais sólido e duradouro.

Exercendo grande fascínio sobre o homem, a linguagem escrita é mais que um instrumento. Mesmo emudecendo a palavra, ela não apenas a guarda, ela realiza o pensamento que até então permanece em estado de possibilidade. Os mais simples traços desenhados pelo homem em pedra ou papel são apenas um meio, eles também encerram e ressuscitam a todo o momento o pensamento humano. (HIGOUNET, 2003, p.09)

Uma contemplação cuidadosa e criativa sobre o histórico da humanidade e a informação impressa permite deduzir que esta é uma das relações mais estruturadas e antigas entre o homem e a Internet. Percebe-se isso ao se considerar a comunicação verbal, escrita dos scraps no Orkut.

2.1 A lingua(gem) escrita: tecnologia intelectual

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Segundo Higounet (2003) na evolução humana, a utilização dos registros impressos, sejam os pictogramas rupestres, sejam os primeiros símbolos literais dos fonemas, tornaram-se indispensáveis às relações sociais, econômicas e culturais. Uma prova é o fato de que as mais remotas performances protagonizadas pelo homem chegaram até nós principalmente através de alguma inscrição: as pinturas rupestres, por um cuidado da natureza, ainda hoje comunicam ao homem – milênios mais tarde – aspectos da vida daqueles ancestrais. Ou seja, na pré-história o ser humano já internalizava a necessidade de registros impressos. A escrita surge do esforço humano para consolidar sua comunicação e seus registros. O longo processo de evolução da mesma revela sua construção no tempo a partir das civilizações antigas que atribuíam seus textos finalidades diversas: registros comerciais e, sobretudo, culturais. Nesse processo de evolução durante a Idade Média a escrita esteve vinculada aos interesses religiosos e políticos da época. Com o surgimento da Internet o acesso a informação difundiu-se rapidamente, e, como consequência, a revolução industrial tornou esse acesso disponível em escala mundial. Atualmente, uma forma de escrita desvenda-se a partir do avanço tecnológico, ou seja, a escrita virtual. Portanto, a escrita hoje abrange os mais variados meios de acesso a cultura.

A escrita faz de tal modo parte da nossa civilização que poderia servir de definição dela própria. A história da humanidade se divide em duas imensas eras: antes e a partir da escrita. (...) Vivemos os séculos da civilização da escrita. Todas as nossas sociedades baseiam-se sobre o escrito. A lei escrita substitui a lei oral, o contrato escrito substituiu a convenção verbal, a religião escrita se seguiu à tradição lendária. E, sobretudo não existe história que não se funde sobre textos (HIGOUNET, 2003, p.10).

Diante de sua necessidade de um meio de expressão permanente, o homem primitivo recorreu a engenhosos arranjos de objetos simbólicos ou a sinais materiais, nos, entalhes e desenhos (HIGOUNET, 2003, p. 09). O processo da escrita nesse sentido, se forma como um atividade incessante da curiosidade humana, sobretudo no ciberespaço, no qual os scraps se constituem no uso da tecnologia intelectual, escrita. Durante muito tempo, o domínio da leitura e da escrita ficou restrito aos monges. Sem refazer aqui toda a história do processo da escrita medieval, convém

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antes recordar que sua confecção e circulação são sempre cercadas por múltiplos obstáculos que lhes tornaram difíceis o acesso. (HIGOUNET, 2003) No séc. XV surgiu uma invenção que revolucionou a história da civilização ocidental:

A invenção da imprensa, ou, para ser mais exato, da impressão com "tipos" móveis de metal inicialmente gravados, depois fundidos, foi uma data capital na história da escrita, pois ela fez nascer à grafia mecânica que permitiu a reprodução quase ilimitada de letras sempre idênticas a si mesmas e fixou esses caracteres em categorias de base que não mudaram desde então. (HIGOUNET, 2003, p.159)

Diversos gráficos contribuíram para aperfeiçoar a tipografia, criando o tipógrafo móvel, que era uma peça inicialmente de madeira e bem mais tarde em metal onde era gravada uma letra do alfabeto. Mas o nome de Gutemberg entrou para a história, pois, foi ele o primeiro a mecanizar esse processo. (HIGOUNET, 2003) Ao longo de poucas décadas o mundo mudou completamente por conta da revolução industrial, pois, ela teve um impacto tremendo, principalmente na imprensa. Em primeiro lugar, ela contribuiu para mecanizar mais o processo de impressão, aumentando sua eficácia. (HIGOUNET, 2003) Com o desenvolvimento dos meios de comunicação, se assiste as mais variadas formas de se obter a informação e desta forma, uma quantidade infinita dos meios que a divulgam. Nessa perspectiva, os meios da escrita que existiam no passado não atendem mais aos anseios do mundo contemporâneo. Cria-se então a multiplicidade dos meios tecnológicos, minando assim, as formas de escrita tradicional como se conhecia no passado. O desenvolvimento das Tecnologias de Informação e Comunicação - TIC provoca uma diversidade de reflexões e de acesas controvérsias sobre o futuro da edição tal como era conhecida e, em particular, sobre o destino do livro impresso. A abrangência dessas formas de tecnologia abriu as portas para incluir desde os caracteres rupestres serem vistos de forma digital, como também, o desapego ao produto escrito material, sendo substituindo gradativamente pelo digital. Antes dos processos da cultura digital, ocorreram rupturas no processo da escrita que acompanharam a humanidade em determinados períodos. A primeira dessas rupturas refere-se à ordem dos discursos. Na cultura impressa essa ordem

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se estabelece a partir da relação entre tipos de objetos (os livros, o diário, a revista), categorias de textos e formas de leitura. Para Higounet (2003), tal vinculação está arraigada a uma história de longa duração da cultura escrita e provém da sedimentação de três inovações fundamentais: em primeiro lugar, entre os séculos II e IV, a difusão de um novo tipo de livro, que ainda é o nosso, isto é, o livro composto de folhas e páginas reunidas dentro de uma mesma encadernação que chamamos códex e que substitui os rolos da Antiguidade grega e romana; em segundo, no final da Idade Média, nos séculos XIV e XV, o aparecimento do "livro unitário", ou seja, a presença, dentro de um mesmo livro manuscrito, de obras compostas em língua vulgar por único autor, enquanto antes essa lista caracterizava apenas as autoridades canônicas antigas e cristãs e as obras em latim; e, finalmente, no século XV, a invenção da imprensa, que continua sendo até agora a técnica mais utilizada para a reprodução do escrito e a produção de livros. (HIGOUNET, 2003) É essa ordem dos discursos que se transforma profundamente com a textualidade digital. É agora um único aparelho, o computador, que faz surgir diante do leitor os diversos tipos de textos tradicionalmente distribuídos entre objetivos diferentes. Todos os textos, sejam eles de qualquer gênero, são lidos em um mesmo suporte (a tela do computador) e nas mesmas formas (geralmente as que são definidas pelo leitor). Cria-se assim uma continuidade que não mais diferencia os diversos discursos a partir de sua própria materialidade. Surge desta forma uma primeira inquietação ou confusão dos leitores, que devem enfrentar o desaparecimento dos critérios imediatos, visíveis, materiais, que lhes permitiam distinguir, classificar e hierarquizar os discursos. Desde modo, a textualidade digital constitui também uma mutação do conhecimento que transforma as modalidades de construção como se concebia anteriormente, quando não existia um processo de escrita digital, e agora abre o crédito para discursos no ramo da temporalidade da escrita.

2.2. Scraps: processos interativos, sociais e linguísticos

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Bakhtin (1981) concebe a comunicação como um processo interativo, muito mais amplo do que a mera transmissão de informações, posto que haja multiplicidades de signos verbais, visuais e sonoros que atende a este fim. Para ele a linguagem é interação social. O sujeito, ao falar ou escrever, deixa em seu texto marcas profundas de sua sociedade, seu núcleo familiar, suas experiências, além de pressuposições sobre o que o interlocutor gostaria ou não de ouvir ou ler, tendo em vista também seu contexto social. No movimento de interação social os sujeitos constituem os seus discursos por meio das palavras alheias de outros sujeitos (e não da língua, isto é, já ideologizadas), as quais ganham significação no seu discurso interior e, ao mesmo tempo, geram as réplicas ao dizer do outro, que por sua vez vão mobilizar o discurso desse outro, e assim por diante.

A palavra dirige-se a um interlocutor: ela é função da pessoa desse interlocutor: variará se se tratar de uma pessoa do mesmo grupo social ou não, se esta for inferior ou superior na hierarquia social, se estiver ligada ao locutor por laços sociais mais ou menos estreitos (pai, mãe, marido, etc.). (BAKHTIN, 1981, p.112)

A noção de interação verbal via discurso é gerada pelo efeito de sentidos originado pela sequência verbal, pela situação, pelo contexto histórico-social, pelas condições de produção e também pelos papéis sociais desempenhados pelos interlocutores. Ou seja, além dos aspectos linguísticos as condições de produção do discurso são definitivas para compô-lo. O discurso linguístico atravessa as práticas sociais, assim os gêneros virtuais não poderiam ser concebidos sem que se pensasse em sua relação com o social. Ali estão inseridos novos jeitos de pensar, agir e comunicar-se, “se acumulam formas de visão e compreensão de determinados aspectos do mundo”. (BAKHTIN, 1981, p. 150). O fato de moldar-se e aprender os modos sociais de ação é também, aprender os modos sociais de se comunicar, de dizer. Existem indivíduos que, mesmo dominando a língua, se constrangem quando têm que participar de alguma atividade que exija habilidades de oratória como, por exemplo, participar de uma assembleia, de uma conversa entre pessoas de outras esferas da comunicação verbal, pelo simples fato de não possuir segurança na prática das formas de gênero daquela esfera. (BAKHTIN, 1981).

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Todo signo resulta de um consenso entre indivíduos socialmente organizados no decorrer de um processo de interação. Nas palavras do autor, “as formas do signo são condicionadas tanto pela organização social de tais indivíduos como pelas condições em que a interação acontece”. (BAKHTIN, 1981, p. 44). Para chegar ao seu objetivo, o autor afirma que tudo o que é ideológico é um signo, e sem estes não existiria ideologia. O signo, por sua vez, possui duas realidades, aquela que existe por si mesmo, e outra simbólica, aquela que reflete e refrata uma determinada realidade e que nem sempre é fiel a ela, por vezes pode distorcê-la ou aprendê-la de um ponto de vista específico. Os domínios dos signos correspondem aos domínios do ideológico e, portanto, onde se encontra o signo, encontra-se o ideológico, “tudo que é ideológico possui um valor semiótico.” (BAKHTIN, 1981, p. 33) E ainda “o signo ideológico (...) é um território concreto, sociológico e significante...” (BAKHTIN, 1981, p. 58). Os signos ideológicos – exteriores e interiores – refletem a natureza ideológica da linguagem. Os signos – no caso aqui abordado, palavra, fala, língua, texto – só pode surgir em um terreno interindividual, ou seja, é necessária a existência de sujeitos que estejam socialmente organizados, constituindo, portanto, um grupo. Os signos são o alimento da consciência individual, ele a entende – a consciência – como um fato sócio-ideológico. A lógica da consciência é a lógica da comunicação ideológica. (BAKHTIN, 1981, p. 36)

Para Bakhtin (1981), o signo e a ideologia são englobados por um conceito fundamental: o discurso. Todo signo cultural quando compreendido e dotado de um sentido, não permanece isolado, ele vira parte da unidade da consciência verbalmente constituída. Por isso, a importância “da língua, como realidade material específica da criação ideológica” (BAKHTIN, 1981, p. 25). É da necessidade de sobrevivência e de comunicação que o homem procura o relacionamento social com seus pares, e é desses relacionamentos que surge a linguagem, esta como algo material, social e consequentemente pertencente ao mundo exterior.

Para começar, as bases de uma teoria marxista da criação ideológica – as dos estudos sobre o conhecimento cientifico, a literatura, a religião, a moral, etc. – estão estritamente ligadas aos problemas de

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filosofia da linguagem. Tudo que é ideológico possui um significado e remete a algo situado fora de si mesmo. (BAKHTIN, 1981, p. 31)

A consciência individual só existe quando está carregada de conteúdo ideológico, esta só existe em um processo de interação social. A consciência individual está repleta de símbolos. O signo só aparece nas relações entre indivíduos, porém não só dessa relação básica, mas depende também de uma organização social, de um grupo, para daí então um sistema de signos poder ser formado. Tal ocorrência é realizada na produção dos scraps, quando cibernauta interatua nas comunidades e ou com seus pares comunicacionais no Orkut, através do uso livre dos signos que, se transformando em palavra faz a representação mais clara e básica da comunicação social na web. Assim a palavra, pode-se dizer, é neutra, pois ela pode ser utilizada com qualquer função ideológica. Ela é formada sem a utilização de qualquer instrumento extracorporal, então se pode dizer que ela é o “material semiótico da vida interior, da consciência” (BAKHTIN, 1981, p.37). Nenhum signo cultural, quando compreendido e dotado de um sentido, permanece isolado: torna-se parte da unidade da consciência verbalmente constituída. Toda refração ideológica do ser em processo de formação, seja qual for a natureza de seu material significante, é acompanhada de uma refração verbal, como fenômeno obrigatoriamente concomitante. A palavra está presente em todos os atos de compreensão e em todos os atos de interpretação. (BAKHTIN, 1981, p. 38).

Cada época e cada grupo social têm seu repertório de formas de discurso na comunicação sócio-ideológica, e cada forma de discurso social corresponde a um grupo de temas. Portanto, todo discurso, como signo ideológico, está marcado pelo horizonte social de uma época ou grupo social determinados. Segundo se vê no pensamento bakhtiniano

A palavra se apresenta como uma arena onde se cruzam e lutam os valores sociais de orientação contraditória. Ela (...) está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial” É o produto da interação viva das forças sociais, pois, a ligação entre as significações de um texto e as condições sócio-históricas deste texto não são secundárias e sim, indissolúveis. (BAKHTIN, 1981, p. 99).

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Pode-se ver em Bakhtin (1981) que a língua é considerada um produto coletivo, ou seja, um fenômeno social, e é sempre apresentada dentro de um contexto ideológico. Portanto, corroborando que a palavra é carregada de um conteúdo ideológico e seu sentido é determinado pelo seu contexto.

A enunciação enquanto tal é um puro produto da interação social, quer se trate de um ato de fala determinado pela situação imediata ou pelo contexto mais amplo que constitui o conjunto das condições de vida de uma determinada comunidade linguística. (BAKHTIN, 1981, p. 126)

É condição primordial compreender na concepção bakhtiniana de interação verbal que, a enunciação, enquanto discurso, é interação, constituindo-se modo de produção

social,

não

neutro,

nem

natural,

funciona

como

suporte

das

representações ideológicas, ela é um confronto ideológico constituído através de processos histórico-sociais. Deve ser encarada como formação ideológica que se manifesta pela competência sócio-ideológica. Ao desenvolver, através de pressupostos marxistas, uma filosofia da linguagem, Bakhtin (1981), encara a linguagem, como uma entidade viva e não inerte, considerando-a como um signo ideológico-social, que faz parte da interação entre os seres sociais, responsável pela reflexão e refração de suas determinadas realidades. A lingua(gem) é adaptável às mudanças comportamentais, pois há um movimento intenso da língua e das situações enunciativas com que a consciência do sujeito vai se constituindo, o que leva a crer no seu inacabamento. Com o advento da Internet muitos gêneros emergiram e materializaram-se no meio virtual, trazendo novas formas de comunicação gerada pela criatividade do internauta. Para Bakhtin (1981), a interação verbal é um lugar de produção de linguagem e a forma dessa produção é o dialogismo. O autor russo já previa de certa forma que os enunciados produzidos no ambiente virtual apresentam um novo gênero discursivo, pois possuem conteúdo, estilo verbal e construção composicional que fundem-se indissoluvelmente no todo do enunciado, e todos eles são marcados pela especificidade de uma esfera da comunicação. Qualquer enunciado considerado isoladamente é, claro, individual, mas cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos

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relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos gêneros do discurso. (BAKHTIN, 1981, p.79).

Ter a utilização da língua como um processo com heterogêneas, múltiplas, variadas maneiras de composição é de grande importância para compreender que os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem e a partir da intencionalidade, do interesse e da finalidade inerentes de cada atividade os enunciados linguísticos se realizarão de formas diversas. Por meio a teoria da interação verbal proposta pelo semioticista russo se compreende que o Orkut enquanto um espaço que desempenha papel de produção de linguagem, uma vez que para o autor, a linguagem é um fenômeno que só pode ser compreendido dentro de uma vinculação situacional, ou seja, ela é produzida no e pelo contexto sócio-cultural. Por entender a linguagem nessa dimensão, ele argumenta que a língua é inseparável do fluxo da comunicação verbal e, portanto, não é transmitida como um produto acabado, mas como algo que se constitui continuamente na corrente da comunicação verbal. Dessa forma, a realidade fundamental da língua para ele é a interação verbal. Neste sentido, apoia-se na categoria teórica da interação verbal proposta por Bakhtin (1981) para conceber também o Orkut enquanto espaço de produção de linguagem, portanto, oportunizador de interações. A interação entre os interlocutores é o princípio fundador da linguagem e se realiza sempre sob a forma de diálogo entre ouvinte e falante, mediado pela palavra, “modo mais puro e sensível de relação social” (BAKHTIN, 1981, p.36). Dessa forma, se podem vislumbrar as enunciações presentes no Orkut também como um duplo fenômeno, já que o sujeito enunciador/escritor pressupõe um ouvinte/leitor e viceversa, pois, toda comunicação discursiva, para esse autor, é marcada pela compreensão e responsividade de outra pessoa.

Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro. Através da palavra defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise, em relação à coletividade. (...) A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apóia sobre mim numa extremidade, na outra apóia-se sobre o meu interlocutor (BAKHTIN, 1981, p.113).

Assim, no Orkut, pode-se entrever que o espaço disponível para que o interlocutor dê sua resposta seja ampliado em função de um suporte que está

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interconectado num sistema de redes e favorece uma maior interação via linguagem escrita. Este fato, por sua vez, instaura uma dialogicidade, já que têm por base o recurso da escrita, além daqueles logográficos, semióticos e multimidiáticos, presentes no hipertexto digital, que se constitui enquanto estruturação textual do Orkut, fazendo do leitor, simultaneamente, um co-autor do texto, oferecendo-lhe a possibilidade de opção entre caminhos diversificados, de modo a permitir diferentes níveis de desenvolvimento e aprofundamento de um tema. Tais possibilidades se abrem a partir de elementos específicos que no

Orkut se apresentam

interconectados através dos links. Bakhtin (1981) salienta que, em uma situação de diálogo, todas as palavras usadas no discurso não possuem apenas significação e sentido, possuem também um acento de valor ou apreciativo, que está relacionado com a situação de interação verbal, denominado por ele de entonação. Isto na produção dos scraps no Orkut corresponde à necessidade de expressão do locutor diante do objeto de seu enunciado, que neste caso, da comunicação assíncrona dos scraps somente ele pode estabelecer essa espécie de relação – emitir um juízo de valor a respeito da realidade mediante um enunciado concreto. As apreciações dos interlocutores, a atitude dos falantes – enunciadores – diante do que ocorre nesse contexto e espaço-tempo, ganham acento e valor e não há palavra, não há enunciado que não seja compreendido, uma orientação apreciativa (a entonação) é sempre reforçada com um emoticon.

Toda palavra usada na fala real possui não apenas tema e significação no sentido objetivo, de conteúdo, desses termos, mas também um acento de valor ou apreciativo, isto é, quando um conteúdo é expresso (dito ou escrito) pela fala viva, ele é sempre acompanhado por um acento apreciativo determinado. Sem acento apreciativo não há palavra (BAKHTIN, 1981, p.132).

Contudo, fora da enunciação, a entonação expressiva não existe, é somente no contato entre a língua e a realidade que ela acontece que existe de fato a emoção, o juízo de valor, a expressividade. Complementa Bakhtin (1981) que “as palavras não são de ninguém e não comportam um juízo de valor. Estão a serviço de qualquer locutor e de qualquer juízo de valor, que podem mesmo ser totalmente diferentes, até mesmo contrários” (BAKHTIN, 1981, p. 109).

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A entonação nos scraps serve para demonstrar que toda a estrutura formal da fala/escrita depende, significativamente, da relação do enunciado com o conjunto de valores pressupostos no meio social onde o discurso ocorre, ou seja, ela é o elo entre o discurso verbal produzido pelos autores/escritores do Orkut e o contexto verbal do qual fazem parte. Os enunciados – scraps – se reportam aos mais variados gêneros do discurso em uso na lingua(gem), pois cada época histórica tem sua linguagem, seu vocabulário específico, seu sistema de acentos, que se diferenciam em função da camada e dos grupos sociais, o que transforma a linguagem pluriddiscursiva em cada momento de sua existência histórica. Conforme Bakhtin (1981), a língua é estável, mas não é estática. Outros lugares. Tempo e lugar que se fundem na esfera do uso e não na esfera da forma. O ponto de partida da linguagem se efetiva, se faz na e por meio da interação verbal de um “eu” e um “tu” (BAKHTIN, 1981). Interação que por se dar na/via linguagem traz em si um modo de composição. Uma “estrutura composicional”. Uma das características dessa estrutura na conversa face a face é justamente a construção a dois. Um “eu” e um “tu” unidos pela palavra. No entanto, um “eu” e um “tu” localizados num espaçotempo que determina a própria forma, o próprio se dar da interação. Processos interacionais que na história se desenrolam e se complexificam. São esses processos que vão produzindo novas composições da forma, trazendo novas necessidades de uso.

2.3 Hipertexto: lugar de misturas verbais, visuais e sonoras Para Lévy (1999), o ciberespaço é definido como o espaço de comunicação formado pela interconexão mundial dos computadores e das suas memórias nas quais signos sonoros, visuais e verbais se justapõem para formar a rede de comunicação e socialização de informações. É um novo espaço de sociabilidade e gera novas formas de relações sociais, com códigos e estruturas próprias. É importante se fazer uma diferenciação entre ciberespaço e Internet. A Internet é a infra-estrutura técnica composta de cabos, fios, redes, computadores, etc.,

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A Internet possui uma linguagem com pressupostos que caminham, naturalmente, para novos modelos comunicacionais. A Web transformou-se num veículo de comunicação com linguagem acessível à maior parte dos hiperleitores, e usam-se termos que estão sendo transferidos para o contexto social e divulgados como uma linguagem global. (LÉVY, 1999, p. 92).

Já o ciberespaço é a forma de utilizar a infraestrutura existente.

No ciberespaço o espaço de fluxo realiza um processo de desmaterialização das relações sociais. Isso implica na reconfiguração do conceito de tempo e espaço, visto que, a materialidade social só existe no tempo e no espaço. Em outras épocas, espaço e lugar coincidiam em geral e a vida social realizavase em interações presentes, face a face. O ciberespaço rompe com esse conceito. O tempo é marcado pela interatividade on line. Outra mudança está associada, em termos geográficos, às fronteiras diluídas, mas também novos espaços de sociabilidade promovidos, novos territórios, novas identidades e práticas sociais. Este espaço virtual está em vias de globalização planetária e já constitui um espaço social de trocas simbólicas entre pessoas dos mais diversos locais do planeta. (LÉVY, 1999, p. 25)

A Internet rompe com as fronteiras fixas, deixando que se vivenciem as fronteiras simbólicas que são demarcadas pelo

(...) o espaço cibernético é um terreno onde está funcionando a humanidade, hoje. É um novo espaço de interação humana que já tem uma importância enorme, sobretudo no plano econômico e científico e, certamente, essa importância vai ampliar-se e vai estender-se a vários outros campos, como por exemplo, na Pedagogia, Estética, Arte e Política. O espaço cibernético é a instauração de uma rede de todas as memórias informatizadas e de todos os computadores. (LÉVY, 1999, p. 84)

Os meios de comunicação exercem influência no rumo de uma sociedade, contribuindo na dinâmica de seus relacionamentos e na sua evolução. Nas culturas orais, a experiência e o conhecimento eram transmitidos por aqueles que memorizavam os textos e os recontavam. Assim, as mensagens eram partilhadas pelo locutor e receptor, no mesmo momento, no mesmo contexto, e com isso, a possibilidade de interação direta entre ambos era garantida. O surgimento da cultura da escrita significou a justaposição do ciclo da difusão restrita do conhecimento entre locutor e receptor. A partir de então, o mundo

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foi invadido por incontáveis formas de textos que passaram a difundir as ideias. Porém, se por um lado isso significou um avanço na disseminação do conhecimento, por outro lado, no entanto, a escrita remete à situação de descontextualização. A transmissão da informação é realizada fora de um contexto partilhado entre locutor e receptor.

A escrita abriu um espaço de comunicação desconhecido pelas sociedades orais, no qual tornava-se possível tomar conhecimento de mensagens geradas por pessoas situadas a milhares de quilômetros ou mortas desde séculos, ou expressando-se desde enormes distâncias culturais ou sociais. Assim sendo, os atores da comunicação não partilhavam necessariamente a mesma situação, não estavam mais em interação direta. (LÉVY, 1999, p. 53)

Surge, com isso, a dificuldade de compreender a mensagem que passa a ser separada de seu contexto vivo. Em razão dessa necessidade de contextualização, ou de uma maior compreensão dos textos, desenvolveram-se às novas mídias, os meios de comunicação de massa:

Os meios de comunicação de massa (imprensa, rádio, cinema, televisão) seguem, ao menos em sua configuração clássica, a linha cultural do universal totalizante iniciada pela escrita. Dado que a mensagem mediática será lida, ouvida, vista por milhares ou milhões de pessoas mundo afora, é composta de maneira que encontre o «denominador comum» mental de seus destinatários. Seu alvo são os receptores, no mínimo, de sua capacidade interpretativa (LÉVY, 1999, p. 38).

Mesmo com toda a universalidade da mídia, a mensagem midiática ainda não contempla plenamente o contexto do receptor, ignora sua singularidade, sua cultura, sua situação no momento em que recebe a informação, e não interage. As informações vêm sendo transmitidas com maior velocidade, alcançando um número cada vez maior de pessoas. Na cibercultura6, retoma-se a possibilidade de discussões, debates e negociação das idéias, diferentemente da cultura da escrita, que condena o leitor à

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“Quanto ao neologismo “cibercultura”, especifica aqui o conjunto de técnicas (matérias e intelectuais), de práticas de atitudes de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço”. (LÉVY, 1999, p.14)

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constante busca pela melhor interpretação, ou então, a se submeter a conceitos previamente instituídos. (LÉVY, 1999)

Destotalizado, o saber flutua. Donde vem um violento sentimento de desorientação. [...] É certo que a interconexão em tempo real de todos com todos é a causa da desordem. Mas ela é também a condição de possibilidade das soluções práticas para os problemas de orientação e aprendizado no universo do saber em fluxo. (LÉVY, 1999, p.76)

Uma linguagem que estende as funções humanas, descartando a necessidade da presença física do homem para constituir a comunicação como fonte de relacionamento, enfatizando o ato de imaginar, necessário para a criação de uma imagem, sem rosto e anônima, que terá comunhão com os demais. A mediação entre os vários usuários dá-se através de instrumentos tecnológicos colocando o computador como meio necessário para o entendimento entre as partes. A comunicação mediada por computadores inclui a comunicação oral e escrita, eliminando o contexto físico no desenvolvimento das relações humanas. Lévy (1996) afirma que se pode pensar o ciberespaço como um enorme hipertexto, onde se “navega” de uma tela para outra, sempre em ligações de contexto através de uma palavra ou um ícone. No processo clássico, a leitura de um documento é feita de interconexões à memória e às referências do texto escrito.

O processo motor da interatividade situa-se entre a memória subjetiva do leitor e o objeto. Toda leitura exige um estado de atenção, de lapsos e de correlações. A diferença é que, no ciberespaço, a conexão imediata pode disponibilizar, em tempo real, outro universo de informações também navegáveis, de forma instantânea e reversível. (LEVY, 1996, p. 54)

Trata-se, portanto, de um universo “virtual”. O caráter de virtualidade pode ser buscado em Lévy (1996). Sua primeira noção de “virtual” sustenta que, não sendo contraposição ao real ou ausência de existência, o virtual é o complexo problemático onde se situa um acontecimento, um objeto ou uma entidade e que reclama por uma resolução: a atualização, que será inventada ou coproduzida conforme as circunstâncias.

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A virtualização não é uma desrealização (a transformação de uma realidade num conjunto de possíveis), mas uma mutação de identidade, um deslocamento do centro de gravidade ontológico do objeto considerado: em vez de se definir principalmente por sua atualidade ("uma solução"), a entidade passa a encontrar sua essencial num corpo problemático. (LÉVY, 1996, p. 23)

Para Lévy (1996) no ciberespaço, têm-se fundamentalmente duas entidades: o ambiente como espaço coletivo e o usuário, um universo individual; essas duas entidades carregam e produzem sua própria virtualidade, reorganizando uma problemática anterior, passível de interpretações diversas. No entanto, estas entidades também são constituídas pelo “virtual”, de vez que a determinação que os anima será atualizada a partir de suas próprias problemáticas e coerções. A interconexão entre virtualidades de espaço coletivo e universo individual produz o que Lévy (1999) cita como

algo mais que a dotação de realidade a um possível ou uma escolha entre um conjunto predeterminado: uma produção de qualidades novas, uma transformação de idéias, um verdadeiro devir que alimenta de volta ao virtual. Quanto mais o ciberespaço se estende, mais universal se conforma e menos totalizável se torna. Suas conexões e interconexões desenham um labirinto, sempre móvel, criando um universo desprovido de significado central. (LÉVY, 1999, p. 103)

A escrita possibilitou perpetuar a mensagem em suportes concretos, permitindo a transmissão em condições diversas daquelas de produção e emissão. Retirou-se delas o contexto de interação direta. Para garantir a pragmática da comunicação, foram criados mecanismos de preservação de seu sentido. De parte dos emissores, houve um esforço em compor as mensagens de forma que pudessem ser entendidas, independentes de suas condições de produção. Já do ponto de vista da recepção, foram criadas as artes de interpretação e da tradução, instrumentalizadas em tecnologias linguísticas tais como gramáticas e dicionários. Estava estabelecido o universal totalizante: o fechamento semântico na busca do domínio do significado pela totalidade de seus receptores. (LÉVY, 1999, p. 101). Conforme Lévy (1999) a emergência do ciberespaço permite dissolver esta pragmática de comunicação. A sua dinâmica remete à situação da oralidade, aonde a interconexão em tempo real conduz os participantes a partilharem um mesmo

41

contexto. Neste novo espaço, o universal não totaliza mais o sentido, mas se realiza pelo contato e interação. Ainda que admita a necessidade de se inventar mapas e instrumentos de navegação neste „oceano‟, Lévy (1999) sustenta que tentar fixar ou estruturar o ciberespaço não é necessário. Todas as tentativas empreendidas nesse sentido mostraram-se impraticáveis ou demasiadamente abusivas para obterem resultado. Em contraste com a teoria de declínio das filosofias da Modernidade, Lévy (1999) afirma que a cibercultura é a herdeira legítima destes projetos, ao valorizar a participação em comunidades de debate e argumentação, incentivando a reciprocidade essencial entre as relações humanas.

CAPÍTULO III APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS Conforme dito na introdução, para ilustrar análise dos dados e a escrita em situações reais de interação no Orkut, foram selecionados oito scraps dos quais se retiraram exemplos de realização da escrita digital. Abreviações, outra maneira de marcar acentuação, uma escrita semelhante à fala, utilização de símbolos matemáticos e a repetição de vogais ou consoantes para expressar uma ideia podem ser acompanhados nos exemplos a seguir.

Scrap 1 Kate

Pode-se observar neste scrap, que na “linguagem especial” algumas palavras são transformadas em símbolos ou desenhos, como acontece com o sinal “+” para significar “mais” e a forma gráfica “-” para “menos”. É perceptível, ainda, a inutilização do acento gráfico “~” na palavra “não”, sendo substituído por “um” como indicativo da nasalização, como também o uso do sinal gráfico “+” como representativo da palavra “mais”. Na verdade, essa “linguagem especial” é uma recriação gráfica da língua, com representações e simbologias. Todos os sinais não podem ser analisados isoladamente, mas em seu contexto, como representação das emoções humanas. Scrap 2 Claire

A regra básica, como se observa na leitura do scrap, é uma simplificação da língua, com abundantes abreviações, siglas ou reduções. Elas vão do uso de uma simples consoante para representar uma palavra, passando pela ausência de uma vogal no vocábulo até a ausência total de vogais.

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Scrap 3 Hurley

Pode-se ressaltar o uso dos registros “si” e “augum”, o que reflete a adaptação da palavra falada para a escrita levando em conta sua fonologia. Assim, o usuário escreve o “e” como fonema /i/ e “l” como fonema /u/, assemelhando-se ao que acontece na linguagem oral. Scrap 4 Sun

Este exemplo mostra como a interação verbal é proposta por Bakhtin (1981). Podem acontecer variações com o acréscimo de “s” para indicar a intensidade da idéia a ser passada. Em outros casos há alongamentos tanto de vogais como de consoantes. Portanto, uma coisa é registrar “amu, bjs, bjo, mto”, outra bem mais intensa

é

escrever

“amuuuuuuuu,

bjssssssssssss,

bjoooooooooooooo,

mtoooooooooooooo”. Conforme Bakhtin (1981) a entonação é sensível a todas as oscilações sociais e afetivas que envolvem o falante/escritor, podendo-se concluir que ela atua constituindo e se integrando ao enunciado também como parte essencial de sua significação.

Scrap 5 Jack

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Uma característica bastante utilizada pelos usuários do Orkut é a substituição dos acentos gráficos pela letra “H” em oxítonas acentuadas, como acontece em “lah” (lá) no scrap 5, “ateh” (até) no scrap 4 e “eh” (é) nos scraps 4 e 6. Scrap 6 Juliet

Neste ato comunicacional apresentam-se as características observadas na produção dos scraps. O aparecimento de letra minúscula iniciando a frase, não sendo uma exigência se iniciar a frase com maiúscula, como dita a gramática normativa. Além disso, merece destaque a liberdade da pontuação, inclusive o uso exagerado de reticências, não havendo registro do ponto final. Scrap 7 Desmond

O uso de onomatopéias representativas de “risada” ou “choro” é outro traço comum à “linguagem especial” do scrap, como ocorre neste exemplo em “kkkkkkkkkkkkkkkkkkk” (gargalhada). A expressão “aff” contida no scrap 6 também é um recurso onomatopaico, indicativo de frustração ou tédio, constantemente utilizado nos scraps.

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Scrap 8 Shannon

Neste exemplo, os fonemas são levados em consideração na hora de substituir o dígrafo “qu” pela letra “k”, como para grafar “aki” (aqui). Além disso, é perceptível a expressão regional (baiana) “ouxi”, evidenciando o caráter de oralidade na escrita do scrap. A mudança ortográfica e até mesmo gramatical da Língua Portuguesa na Internet obedece a algumas regras para a adaptação da língua escrita. Utiliza-se o menor número de registros gráficos, ocorre à substituição de grupos gráficos por sons equivalentes, a diminuição de digitação de caracteres e a inutilização das vogais e a preservação das consoantes sem o prejuízo na compreensão. Dessa forma, percebe-se claramente que a escrita não é aleatória, mesmo na aparente transgressão gráfica na comunicação dos usuários.

3.1 Scraps: comunicação hipertextual O hipertexto digital é uma textualidade híbrida que dialoga com diversas outras textualidades e interfaces: gráficas, visuais, sonoras; estáticas ou dinâmicas. Todas interagindo de forma simultânea, utilizadas em tempo real pelo usuário através do acionamento de algum link disponibilizado pelo autor do hipertexto. Assim sendo, Xavier (2004) define o hipertexto como a "tecnologia enunciativa que viabiliza o surgimento do modo de enunciação digital, uma nova forma de produzir, acessar e interpretar informações" (XAVIER, 2004, p. 97), expostas no suporte de percepção, a tela ou monitor de um computador multimídia. Na tela do computador, o internauta acessa não apenas textos verbais, mas "lê" também as informações em imagens e ouvem efeitos sonoros armazenados no servidor que hospeda a "página digital".

46

Figura 1: A Interface do Orkut

O hipertexto se caracteriza por sua intertextualidade infinita - que vincula por meio dos links outros hipertextos que estão disponíveis na Web. A ubiquidade do hipertexto em rede distribui a informação e expande o saber a vários sujeitosinternautas simultaneamente, desterritorializando o conhecimento de modo amplo e irrestrito.

Ao

mesmo

tempo,

essa

onipresença

do

acesso

ao

discurso

hipertextualizado aberto evidencia a igualdade dos seres humanos no globo, pois não há etnia, credo ou gênero que tenha que ficar à margem dos acontecimentos globais. Além dessas duas características, o hipertexto é imaterial/virtual e multisemiótico, além de atemporal. São também traços da hipertextualidade a deslinearidade e a fragmentação descentralizando conteúdos. (XAVIER, 2004). Esse acionamento remeterá o leitor a algum outro espaço virtual que trará informações midiáticas complementares ao texto principal. (XAVIER, 2004)

Peculiaridade do hipertexto intrinsecamente ligada à anterior é a pluritextualidade, denominada por alguns autores também de multisemiose. A pluritextualidade é uma novidade fascinante do hipertexto por viabilizar a absorção de diferentes aportes sígnicos numa mesma superfície de leitura, tais como palavras, ícones animados, efeitos sonoros, diagramas e tabelas tridimensionais. A fusão dos diversos recursos das várias linguagens numa só tela de computador acessíveis e utilizáveis simultaneamente num mesmo ato de leitura provoca um construtivo, embora volumoso, impacto perceptual-cognitivo no processamento da leitura. (XAVIER, 2004, p.175)

47

É importante salientar que numa mesma palavra pode haver mais de um traço da “linguagem especial”, ou nenhum deles, existindo uma liberdade para o usuário da língua, privilegiando apenas a comunicação. Segundo Xavier (2006) ainda se escreve bastante na Internet em dialeto padrão, mas no caso de aplicativos como os do Orkut a linguagem é transformada pelos usuários, sobretudo os jovens, nascendo novos gêneros textuais “[...] para atender a essa diversidade de condições físicas, emocionais e econômicas que pressionam o usuário da língua a utilizá-la de certa forma e não de outra”. (XAVIER, 2006, p. 7).

3.2 Comunicação através de Scraps: ação livre da lingua(gem) Analisando os scraps no Orkut pode-se perceber uma série de ocorrências, que apesar de não seguirem um padrão aparecem com frequência: Registro da linguagem oral Uso de emoticons Indicação de monossílabos por uma simples letra

“i” (e); “si” (si) e “augum” (algum) “:P” (mostrando a língua) “=]” (feliz) “q” (que), “ñ” (não)

Substituição do acento agudo pela letra “h” em final de palavra Utilização de UM ou UN em final de palavra, indicando nasalização, em detrimento do til (~) Seqüência de consoantes representando palavra, sem uso de vogais Várias formas para uma mesma palavra Palavra com ausência de uma letra Onomatopeias

“ateh” (até); “eh” (é), “lah” (lá)

Repetição de letra para indicar intensidade Redução do nome de pessoas Substituição de palavras e expressões por símbolos ou algarismos Utilização de siglas indicativas de frases ou expressões Substituição do dígrafo “qu” pela letra “K” Palavras indicativas expressões regionais Repetição de sinais de pontuação para enfatizar sentimento Registro sem acentuação

“naum” (não) “tb” (também); “p” (para); “tbm” (também); “vc” (você); vlw (valeu) “bjosssss”; “bjux” (ambas para beijos) “amr” (amor) “kkkkkkkkkkkkkk” (gargalhada); “aff” (expressão de contrariedade). “xeroo”, “amoor”, “parceeiro”, “abraçãoo” “Rafaa” (Rafael); “Vinii” (Vinícius) “+” (mais) “fds” (fim de semana). “daki” (daqui) “ouxi” (relativo à expressão baiana “oxe”) “tu vai + naum???” (tu vai mais não?) “facil”; “negocio”.

Tabela 01: Ocorrências frequentes nos scraps

Conforme visto nos dados acima mencionado, as modificações realizadas nas palavras se referem basicamente ao registro mais simplificado possível da fala, sem

48

preocupação com grafia oficial, interessando aos usuários apenas estabelecer contato, passar adiante suas idéias. Nos scraps (...) a comunicação ocorre através de um meio escrito, no entanto o texto é oral. Sendo a internet um meio que exige agilidade e rapidez, a escrita por meio de abreviaturas faz com que a comunicação seja mais rápida, simulando assim a mesma rapidez da fala. (BARRETO, 2009, p. 02)

Construído eletronicamente, o hipertexto viabiliza a integração e a fusão de duas modalidades de uso da língua – a oral e a escrita – “em uma mesma superfície verbo-visual-auditiva de forma ubíqua e simultânea” (XAVIER, 2004, p. 52). Assim, originado a partir das formas de textualização já consagradas, o texto digital recria os gêneros discursivo-textuais por meio dos quais a fala e a escrita se materializam. Essas são variações livres, aliás, todas as regras nesta “linguagem especial” não são seguidas com muito rigor. Aparentemente não há leis de espécie alguma cobrando coerência, apenas que sejam grafias inteligíveis para os “iniciados” nessa linguagem até certo ponto cifrada. Com efeito, nesse arcabouço lingüístico comunicativo se estabelece de fato à comunicação, porque os sujeitos do enunciado e da enunciação fazem uso da linguagem comum, à qual se dá no processo de interação que, a partir da construção e negociação dos sentidos propostos se define como mensagem inteligível. (BARRETO, 2009, p. 01)

Evidentemente produzir um hipertexto não é o mesmo que simplesmente escrever mensagens no editor de texto. Segundo Xavier (2004), para fazer uso de toda a rica convergência multimidática possível no hipertexto, é preciso conhecer as várias possibilidades técnicas que ele oferece, pois além do texto, o fato de poder contar com mídias altamente expressivas como ícones em movimento, sons e vídeos, para a construção do sentido, exige do autor uma capacidade imaginativa e uma perspicácia comunicativa muito além da convencional; reclama dele um raciocínio para além do linear e da configuração plana própria da página bidimensional do livro em papel. Esta “linguagem especial” utiliza um sistema gráfico que procura reproduzir as falas de forma bastante fiel. Poucos interessam os grafemas utilizados, a prioridade é transmitir rapidamente uma mensagem ao interlocutor. O hipertexto é construído sem uma fronteira nítida entre a oralidade e a escrita, fronteira essa que parece se

49

dissolver de maneira relevante no ciberespaço. Os usuários do Orkut se defrontam com um processo de construção hipertextual que mescla formas e funções da oralidade, da escrita e da leitura. (XAVIER, 2004) As línguas naturais baseadas na palavra oral e/ou escrita, as baseadas em pictogramas, símbolos e ícones e as imagens fixas (desenho, figura, foto) ou dinâmicas (animação gráfica, vídeos), bem como os efeitos sonoros intencionais são o que Xavier (2004) denomina modos de enunciação. Em síntese, são as várias "linguagens

criadas,

socialmente

convencionalizadas

e

pragmaticamente

reproduzidas em contextos situacionais adequados nas diferentes esferas sociais." (XAVIER, 2004, p. 97) O efeito inovador desta convergência é a ampliação da capacidade de interação humana, levando ao aumento da socialização de dizeres e saberes intercambiados entre pessoas e instituições em qualquer lugar do mundo e a qualquer hora do dia. (XAVIER, 2004) Na tentativa de exprimir melhor os sentimentos através da escrita, o cibernauta, que não dispõe de gestos, expressões faciais, entre outros, passa a fazer

uso

dos

chamados

emoticons,

figuras

ilustrativas

tecnologicamente

construídas para simular emoções, e que se afiguram como ferramentas discursivas utilizadas para enriquecer dialogismos, polifonias e intertextualidades presentes nesta importante vertente da comunicação virtual. A seguir, tem-se uma lista com apenas alguns destes ícones, bastante utilizados nos scraps:

Ana Lucia =D

*-*

Muito feliz

Feliz com olho brilhando (o sorriso vai ficando cada vez mais largo com o acréscimo do símbolo “-“)

Libby

Rose =]

Feliz

Charlotte :*

Mandando beijo

50

Penny

¬¬'

Entediado (aff...)

=/

Chateado

Jacob

Sayd

^^

Risadinha (sobrancelha levantada, saliente) Heloise

:P

Mostrando a língua

;)

Picando o olho

:S

Confuso

<3

Coração

Alex

Rousseau

Aaron Tabela 2: Emoticons utilizados nos scraps

O novo formato do Orkut para o ano de 2010 apresenta alguns emoticons padronizados que podem ser adicionados ao scrap sem a necessidade de digitação dos seus símbolos gráficos, apenas clicando no ícone correspondente:

Figura 2: Emoticons padronizados do Orkut 2010

51

Nikki

Observa-se também a utilização frequente de um conjunto de emoticons que surgiram a partir do símbolo \o/7, que representa um bonequinho com os braços abertos, onde o “O” é a cabeça e as barras (ou a letra “l”) representam os braços, a exemplo dos símbolos abaixo:

\O/ Braços levantados /O\ Braços para baixo _O_ Braços abertos Sawyer

Na “linguagem especial” do scrap não se lê letra por letra, vê-se o conjunto de caracteres e entende-se o seu significado como um todo. É assim com as “palavras” e palavras utilizadas pelos usuários no Orkut. Normalmente lê-se a abreviatura como palavra inteira, a forma resumida é um substituto apenas da palavra. A criatividade do internauta torna-se um elemento de extrema importância para a construção de alternativas dentro de sua própria língua. A gama de possibilidades que o hipertexto disponibiliza é tão ampla que os links e outras mídias disponíveis se adequam às necessidades dos usuários, devido ao fato de que não há obrigação de se seguir nenhum caminho e nenhum assunto, uma vez que o 7

“lol” também é uma sigla em inglês para Laughing Out Loud que significa “rindo alto” ou “dando gargalhadas”.

52

usuário interage com o texto de acordo com a própria vontade, podendo modificar não só a ordem como reescrever o próprio texto, conforme seus interesses. O hipertexto permite que todos (autores e leitores), renomados ou não, com suas respectivas posições político-ideológicas defendamnas num mesmo espaço virtual e democrático, para através do debate, do confronto e da beligerância exclusivamente conceituais exporem seus pensamentos à avaliação coletiva e, quem sabe, chegarem a um consenso sobre os problemas fundamentais que aterrorizam a vida humana. (XAVIER, 2004, p. 180)

Assim, qualquer tipo de pessoa deve estar preparada para as novas janelas abertas no campo da comunicação, ou seja, preparada para quantas linguagens forem necessárias, no objetivo principal de interação com o outro e com o mundo. A “linguagem especial” envolve uma série de aspectos, entre eles, uma nova ortografia, neologismos, escrita com traços orais e uma análise do discurso que ainda proporcionará muitas descobertas.

EFÊMERAS CONSIDERAÇÕES Quando são utilizados recursos do hipertexto, um código próprio da comunidade linguística que o utiliza emerge, gerando mudanças consideráveis na prática da escrita. A compreensão do vasto universo linguístico, discursivo e semiótico se torna particular àqueles que estão habituados ao ambiente virtual, porque ambos compartilham da mesma estrutura comunicacional e linguística e, sobretudo, no que se refere aos significados das enunciações. O universo de sentido que une os internautas pela linguagem que lhe é comum, os separa daqueles que pouco frequentam o ambiente, pois desconhecem as características próprias das formas de comunicação ali utilizadas. Amigos surgem naturalmente. Papéis são assumidos claramente. Há, como em todo convívio social, pessoas com diversos perfis e papéis que fazem parte e constituem a rede social. Para o usuário do Orkut, o virtual é um mundo fascinante, impossível de retrocesso. Nele adquirem novas formas de falar e encontraram novos desafios a que muitos indivíduos têm de se adaptar. Na sociedade ocorrem mudanças decorrentes das Tecnologias da Informação e Comunicação - TIC, sendo que estas produzem formas de viver, de se comunicar, de se relacionar, consequentemente, produzem estilos de lingua(gem) sensíveis à mudança social. Os usuários do Orkut conferem aos interlocutores na conversação escrita o acesso ao sentido na sua forma mais global, favorecem a condição ideal para uma interação social efetiva, tal como ocorre na relação face a face. Essa escrita se manifesta com códigos discursivos complexos, que usam, ao mesmo tempo, a escrita tradicional, e marcam a natureza discursiva dessa “conversação”, aproximando-a da conversação cotidiana que se materializa na escrita teclada. O scrap é menos “burocrático”, mais informal, objetivo e despreocupado com regras gramaticais. Proporcionam situações comunicativas com eficiência e agilidade. Por último, no tocante aos propósitos comunicativos e interacionais do scrap, cabe salientar sua finalidade, interativa, comunicacional, social e humana, porque a linguagem é humana e estará satisfazendo necessidades de comunicação, de interação, de expressão, de convívio. A escrita no ciberespaço, sobretudo no Orkut, continua sendo uma ferramenta singular para travar contato com o mundo, pois, sem dominá-la, não é possível ter acesso à rede de conhecimentos que é a Internet.

54

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55

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Disponível

em

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