MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

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26.ª Promotoria de Justiça Cível de Vitória Rua Dionísio Rosendo n.º 73, 3º Andar, sala 15, Centro, Vitória-ES, CEP: 29.010-100 Tel./fax.: 3223-1540 / 3223-8930

EXCELENTÍSSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA ____ VARA CÍVEL DA COMARCA DA CAPITAL – JUÍZO DE VITÓRIA – ES.

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, por seu presentante legal infra-assinado, em pleno exercício de suas atribuições legais junto à 26.ª Promotoria Cível de Vitória, com base na Constituição da República, na Constituição do Estado, na Lei Complementar Estadual n.º 95/97 e nos artigos 3.º e 5.º, caput, da Lei n.º 7.347/85, vem, respeitosamente, perante V.Exa., promover a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA em face de APPLE COMPUTER BRASIL LTDA., inscrita no CNPJ/MF sob nº CNPJ 00.623.904/0001-73, com sede na Avenida Cidade Jardim nº 312/400 – Edifício Dacon, 2º andar, salas 21 a 26, Jardim Paulistano, São Paulo SP., CEP 01454-901;

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GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA., inscrita no CNPJ/MF sob nº 06.990.590/0001-23, com sede na Avenida Brigadeiro Faria Lima, 3477, 18º andar, Ed. Pátio Malzoni, Itaim Bibi, São Paulo, SP., CEP 04538-133, na pessoa de seu representante legal, Sr. Edmundo Luiz P. Balthazar;

MICROSOFT INFORMÁTICA LTDA., inscrita no CNPJ/MF sob nº 60.316.817/0001-03, com sede na Avenida Nações Unidas, nº 12.901 Torre Norte, 27º andar, São Paulo, SP., CEP 04578-000;

o fazendo pelos seguintes motivos de fato e de Direito:

DO SUPORTE FÁTICO O expediente que dá suporte à presente ação coletiva foi instaurado porque foi amplamente divulgado na mídia falada e escrita a comercialização e ampla difusão de um aplicativo (“app”) para smartphones denominado “SECRET”. De acordo com matéria publicada no Portal G11 (DOCUMENTO 1), o aplicativo em questão “[...] permite que o usuário conte segredos dele ou de amigos anonimamente por meio do aplicativo para contatos do Facebook”. Sua utilização “[...] tem provocado polêmica e bombado nas redes sociais, com pessoas comentando frases que leram e fotos íntimas que viram. Sem ter seu nome ou foto divulgados, os usuários se sentem livre para compartilhar segredos e fotos”. O aplicativo gratuito foi lançado em 30 de janeiro do corrente ano para smartphones com sistema operacional iOS (desenvolvido pela primeira requerida) e Android (desenvolvido pela segunda requerida), mas só recentemente começou a ficar em evidência no Brasil, principalmente entre crianças e adolescentes. De acordo com os próprios desenvolvedores do aplicativo, “[...] é impossível identificar quem contou o segredo, já que não há nenhum dado ou foto do 1

Disponível em: http://g1.globo.com/tecnologia/tem-um-aplicativo/noticia/2014/08/aplicativo-secret-permitecontar-segredos-anonimamente-e-vira-hit.html, Acesso em 8.8.2014.

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usuário. Eles também afirmam que não há risco de o segredo vazar no Facebook. O máximo de informação divulgada é que a mensagem foi publicada por um amigo ou por um amigo de um amigo no app”. A matéria jornalística ainda informa que o “SECRET” permite comentar o segredo - também sem ser identificado - ou curtir a publicação. Além disso, é possível ler segredos de todo o mundo, sendo que, ao invés de ser indicado quem escreveu o texto ou publicou a foto, aparece apenas o país ou o estado dos Estados Unidos de onde a pessoa está. Um segredo popular e marcado com uma estrela e fica com mais evidência. Como já era de se esperar, diversas pessoas estão sendo vítimas de constrangimentos e ilícitos contra a honra sem que possam se defender, dado o anonimato das postagens no citado aplicativo. De acordo com outra matéria publicada no Portal G12 (DOCUMENTO 2), um rapaz de 25 anos foi alvo de quatro publicações no “SECRET”. Além de trazer fotos do mesmo desnudo, os “posts” ainda diziam que era ele portador do vírus HIV e participava de orgias com seus amigos. O potencial invasivo do aplicativo em relação aos direitos e interesses da coletividade chamou a atenção do Ministério Público, que solicitou ao Dr. GILBERTO SUDRÉ3, um parecer técnico sobre as funcionalidades do aplicativo “SECRET”, o qual foi elaborado e encaminhado com as seguintes observações e conclusões (DOCUMENTO 3): [...]

2

Disponível em: http://g1.globo.com/tecnologia/tem-um-aplicativo/noticia/2014/08/aplicativo-secret-permitecontar-segredos-anonimamente-e-vira-hit.html , Acesso em 12.8.2014. 3 Professor, Consultor e Pesquisador da área de Segurança da Informação e Computação Forense; Pesquisador e Coordenador do Laboratório de Segurança da Informação e Perícia Computacional Forense – LABSEG do Ifes – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do ES; consultor em Redes de Comunicação de dados e Segurança da Informação para Empresas no Brasil e Exterior; Integrante do Conselho de Tecnologia da OABES; Currículo disponível em: http://gilberto.sudre.com.br

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1. Objeto Este parecer Técnico tem como objetivo de analisar o funcionamento do aplicativo para dispositivo móveis identificado como Secret. 2.

Aplicativo O aplicativo Secret (do inglês “segredo”) lançado em maio de 2014, segundo seus desenvolvedores, tem como objetivo o compartilhamento de segredos com seu círculo de amizades de forma anônima. Na internet a página https://www.secret.ly criada pelos desenvolvedores do aplicativo trás informações sobre o funcionamento do Secret e oferece suporte a dúvidas dos usuários. A página pode ser acessada em vários idiomas, inclusive o Português. Uma das publicações na página que explica parte do seu funcionamento tem a autoria atribuída ao Sr. David Byttow identificado como Co-fundador do Secret. O Sr. David Byttow pode ser alcançado através da Internet no endereço https://medium.com/@davidbyttow. Os e-mails de contato para os desenvolvedores são: [email protected] ou [email protected]. Outros locais onde podem ser encontradas informações sobre o aplicativo Secret são: Twitter: @secretly Facebook: facebook/secretly Instagram: @getsecret

3.

Disponibilidade e instalação O aplicativo Secret é distribuído gratuitamente, sendo compatível com as plataformas Android (Google) e iOS (Apple) através de suas lojas oficiais. Para instalá-lo basta o usuário fazer acesso a loja de aplicativos oficiais do sistema operacional de seu dispositivo móvel, realizar uma busca pelo nome do aplicativo para localizar a página (Figura 01 e 02) e proceder a instalação. Existe disponível na loja de aplicativos oficiais do sistema operacional Windows Phone uma versão não oficial do aplicativo Secret com o nome de Cryptic (Figura 03).

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Android (Google)

Figura 01: Página do aplicativo no Google Play, loja oficial dos aplicativos para dispositivos móveis com sistema operacional Android Fonte: https://play.google.com/store/apps/details?id=ly.secret.android&hl=pt_BR

iOS (Apple)

Figura 02: Página do aplicativo no iTunes, loja oficial dos aplicativos para dispositivos móveis com sistema operacional iOS

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Windows Phone (aplicativo não oficial)

Figura 03: Página do aplicativo na WindowsPhone, loja oficial dos aplicativos para dispositivos móveis com sistema operacional Windows Phone Fonte: http://www.windowsphone.com/pt-br/store/app/cryptic/7806dfee-728545e7-b82c-ee964e2c49dd

4.

Uso do Aplicativo O uso do aplicativo é bastante simples. Uma vez instalado no dispositivo móvel o usuário deve criar uma conta de acesso ao sistema (login de identificação) que pode ser através de seu e-mail ou associando seu perfil do Facebook ao aplicativo. Caso o usuário escolha criar o acesso a partir de seu e-mail existe a possibilidade informar o número de seu telefone celular (com DDD). No caso de utilizar para acesso as credenciais de seu perfil do Facebook o usuário pode adicionar ao seu circulo de contatos do Secret os amigos em comum que estão no Facebook. Para publicar no sistema basta selecionar a opção de nova mensagem, digitar o texto e clicar no botão de envio. A mensagem será publicada na linha de tempo de seus amigos ou dos amigos de seus amigos.

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A partir deste momento o usuário receberá avisos caso outros usuários incluam comentários a sua publicação. É facultado ao usuário desassociar uma publicação de seu acesso mas a partir deste procedimento ele perde o controle sobre os comentários e acessos a mensagem. Somente publicações podem ser desconectadas do perfil do usuário, seus comentários continuarão associados a ele. 5.

Coleta e compartilhamento de informações Segundo as informações disponíveis no site dos desenvolvedores da aplicação as informações como data e hora de acesso, Endereço IP, Navegador Internet utilizado, endereço de e-mail, número do telefone celular, comentários, mensagens curtidas e outras informações fornecidas pelo usuário são coletadas e armazenadas. Ainda segundo o site algumas destas informações ficam armazenadas por no máximo 72 horas em seus servidores Quando é solicitado ao aplicativo que encontre seus amigos ele também coleta certas informações dos contatos em seu dispositivo móvel, incluindo endereços de e-mail dos seus contatos e números de telefone, para que você possa secretamente compartilhar suas publicações com pessoas que você conhece e que já estão usando o aplicativo. As informações coletadas podem ser utilizadas para vários fins como, por exemplo: fornecer, manter e melhorar o nosso serviço, enviar avisos, atualizações, confirmações, alertas de segurança técnica e conectá-lo com outros usuários em seus contatos. Ainda segundo os desenvolvedores o Secret só irá reter informações pessoais sobre você durante o tempo que for necessário para os fins descritos na política de privacidade do aplicativo. Quando estas informações não são mais necessárias o site informa que destrói permanentemente estes dados. As informações coletadas podem ser compartilhadas com: fornecedores, consultores e outros prestadores de serviços que precisam de acesso a essas informações e em resposta a um pedido de informações de acordo com leis, regulamentos ou processos legais. Em relação aos usuários internacionais do Secret, os desenvolvedores do aplicativo adotam os Princípios de Privacidade Safe Harbor de aviso, transferência progressiva, segurança, integridade de dados, acesso e execução.

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6.

Armazenamento As informações do aplicativo Secret são armazenadas nos servidores do Google que estão localizados nos mesmos centros de dados como o Gmail. O aplicativo Segredo utiliza as ferramentas do Google App Engine sendo toda a transmissão e o armazenamento de informações realizado utilizando-se a criptografia.

7.

Denúncia sobre conteúdo indevido Os desenvolvedores do Secret disponibilizam o endereço de e-mail [email protected] para que usuários denunciem conteúdos que envolvam fotos íntimas ou de caráter sexual.

8.

Conclusões Após a coleta e análise das informações disponíveis sobre o aplicativo Secret podemos chegar as seguintes conclusões: - Todos os usuários são identificados para o sistema utilizando seu e-mail ou seu perfil do Facebook; - Todas as atividades do usuário no Secret são registradas pelo aplicativo; - Várias informações pessoais dos usuários e seus contatos são coletadas e armazenadas pelo aplicativo;

1.

- As mensagens publicadas não exibem a sua origem criando uma atmosfera de anonimato para as mensagens. [a] Gilberto Sudré Perito CPF 839.248.847-49

É exatamente em razão da dimensão coletiva dos prejuízos já causados e que podem ser causados à honra e à imagem de qualquer pessoa que se busca a tutela jurisdicional no caso em tela, principalmente tendo em vista o efeito preventivo-pedagógico ministerial.

que

sobrevirá

do

acolhimento

da

pretensão

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DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS Estabelece o artigo 3º da Constituição do Espírito Santo que “O Estado assegurará, pela lei e demais atos de seus órgãos e agentes, a imediata e plena efetividade dos direitos e garantias individuais e coletivos mencionados na Constituição Federal e dela decorrentes, além dos constantes nos tratados internacionais de que a República Federativa do Brasil seja parte”. No que guarda pertinência com o objeto da presente ação, o artigo 5º da Constituição

Federal

reserva

os

seguintes

direitos

e

garantias

constitucionais fundamentais:

“É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” (inciso IV) e “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (inciso X). Como se nota, a opção constitucional foi clara, de forma que não se justifica, ante o teor do texto acima transcrito, a conduta adotada pelas empresas requeridas. Descabe, também, qualquer discussão a respeito da necessidade de normas complementares para regular a questão, eis que, segundo o § 1º do próprio artigo 5º da Carta Magna, “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Indo mais além, não é demais frisar que no presente caso não há que se falar em liberdade de pensamento ou de livre manifestação, cânones de igual valor

constitucional.

Isso

porque,

nos

termos

da

própria

Carta

Constitucional, “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”, ou seja, a disponibilização do aplicativo “SECRET” na forma como o mesmo foi concebido é duplamente inconstitucional: a) a uma porque viola a intimidade, a honra e a imagem, direitos fundamentais

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constitucionalmente positivados; b) e a duas porque o proceder que propala tal violação é conivente com (e propicia efetivamente) o anonimato. Não é demais lembrar que a ordem constitucional ainda assegura “o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem” (artigo 5º, inciso V), ou seja, o anonimato mostra-se absolutamente incompatível com tais premissas balizadoras de nosso sistema, assim como o aviltamento, in casu gratuito, despropositado e desmedido, à honra e à imagem de qualquer pessoa. Com efeito, o aplicativo “SECRET” fornece o instrumento apto ao cometimento daquilo que, corriqueiramente, tem sido chamado de “bullying virtual”. Ainda que sejam utilizadas no aplicativo fotos disponíveis na Rede Mundial de Computadores ou no perfil de determinada pessoa no Facebook, não é demais frisar que os direitos relativos à honra e à imagem são inerentes à personalidade do indivíduo, portanto, de disponibilidade limitada, não se podendo cogitar aqui de qualquer espécie de autorização tácita. No plano infraconstitucional vale registrar que já se encontra em pleno vigor a Lei Federal n.º 12.965/2014, a qual estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Nessa linha, como não poderia deixar de ser, os mesmos direitos e garantias consagrados na Constituição Federal foram reproduzidos, desta vez com o intuito de coibir e/ou reparar os danos de natureza virtual, senão vejamos: Art. 3º A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios: [...] II - proteção da privacidade; [...] VI - responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades, nos termos da lei; [...]

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Art. 7º O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos: I - inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; [...] Art. 8º A garantia do direito à privacidade e à liberdade de expressão nas comunicações é condição para o pleno exercício do direito de acesso à internet. [...]

Das provas coletadas ao longo da atividade investigatória ministerial restou claro, portanto, que as exigências constitucionais que regulamentam o direito à imagem, à privacidade, à intimidade, à honra e, principalmente, à dignidade da pessoa humana, estão sendo acintosamente violadas pelas empresas

requeridas

ao

disponibilizarem

aos

usuários

o

aplicativo

“SECRET”, causando ou podendo causar à milhares de pessoas, como demonstrado, prejuízos de toda ordem tanto no plano material individual como no plano moral coletivo. Não é por outro motivo que o Marco Civil da Internet (Lei Federal n.º 12.965/2014), faz previsão, em seu artigo 30, no sentido de que “A defesa dos interesses e dos direitos estabelecidos nesta Lei poderá ser exercida em juízo, individual ou coletivamente, na forma da lei”. Já a Lei da Ação Civil Pública – Lei Federal nº 7.347/85 –, em seu artigo 11, faz previsão expressa de que “Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor” – grifos nossos. Ressalte-se, aqui, que a doutrina e a jurisprudência há muito já consagraram o “Microssistema de Tutela Coletiva”, o qual é composto, fundamentalmente, pela Lei da Ação Civil Pública e pelo Código de Defesa do

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Consumidor, exatamente em razão do artigo 90 da Lei n.º 8.078/90 mandar aplicar às ações coletivas as normas da Lei da Ação Civil Pública e do artigo 21 da Lei n.º 7.347/85, o qual afirma que são aplicáveis à toda e qualquer ação civil pública as disposições previstas no Título III do Código de Defesa do Consumidor. A competência firma-se, assim, não apenas por força da previsão contida no artigo 2º, caput, da Lei da Ação Civil Pública (“local do dano”), mas também por força do inciso II do artigo 93 do Código de Defesa do Consumidor, que diz ser “[...] competente para a causa a justiça local no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional”4. Assim, com a propositura da presente ação o Ministério Público busca cumprir sua função social, postulando a cessação das atividades ilícitas e inconstitucionais desenvolvidas pelas requeridas a fim de ver tutelados os interesses

supraindividuais

que

constituem

a

grandeza

do

valor

constitucional da dignidade da pessoa humana.

DA TUTELA DE URGÊNCIA PRETENDIDA É da própria natureza das demandas coletivas a utilização dos instrumentos previstos para as denominadas “tutelas de urgência”. Nessa linha, pelos motivos acima expostos, não pode haver qualquer dúvida de que a tutela jurisdicional inibitória de direitos coletivos lato sensu almejada na presente demanda pode ser concedida, também, com base no artigo 84 da Lei n.º 8.078/90, in verbis: 4

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. POUPANÇA. DANO NACIONAL. FORO COMPETENTE. ART. 93, INCISO II, DO CDC. COMPETÊNCIA CONCORRENTE. CAPITAL DOS ESTADOS OU DISTRITO FEDERAL. ESCOLHA DO AUTOR. 1. Tratando-se de dano de âmbito nacional, que atinja consumidores de mais de uma região, a ação civil pública será de competência de uma das varas do Distrito Federal ou da Capital de um dos Estados, a escolha do autor. 2. Conflito de competência conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 7ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba/PR. (STJ, CC 112.235/DF, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/02/2011, DJe 16/02/2011) – grifos nossos.

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Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. § 1° A conversão da obrigação em perdas e danos somente será admissível se por elas optar o autor ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente. [...] § 3° Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu. § 4° O juiz poderá, na hipótese do § 3° ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito. § 5° Para a tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz determinar as medidas necessárias, tais como busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial.

A medida liminar pretendida está autorizada, ainda, pela própria Lei n.º 7.347/85, a qual, em seus artigo 12, prevê o seguinte: Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo.

Todas as normas legais acima transcritas são frutos de evoluções legislativas que demonstram a clara preocupação do legislador com a efetividade das decisões judiciais e a consequente observância ao princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição e do devido processo legal. Assim, torna-se possível o deferimento da liminar diante da relevância do fundamento da demanda e em razão de justificado receio de ineficácia do provimento final, requisitos estes plenamente demonstrados no caso em tela. O primeiro está evidenciado pelos elementos constantes do expediente que acompanha a inicial, cujos respectivos documentos e, sobretudo, o parecer técnico bem demonstra a explícita violação de direitos e garantias com status constitucional que vem ocorrendo todos os dias com a disponibilização e utilização do aplicativo “SECRET”; o segundo (“periculum in mora”), está comprovado pela necessidade de se preservar o bem maior – a dignidade da

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pessoa humana –, diante da real possibilidade da ocorrência de danos à imagem, à privacidade, à intimidade e a honra de milhares de pessoas. No que diz respeito à aplicação da multa, vale dizer que o objetivo de sua fixação é compelir os devedores a cumprirem a obrigação específica. Na realidade, a cominação da multa tem a finalidade de estimulá-los a tal cumprimento, por torná-lo preferível ao pagamento a que foram condenados, em caso de seu inadimplemento. Diante do exposto, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL: 

Para impedir que haja a proliferação dos aplicativos, seja determinada aos dois primeiros requeridos (GOOGLE e APPLE) a remoção do aplicativo denominado “SECRET” e ao terceiro (MICROSOFT) do aplicativo similar denominado “CRYPTIC” de suas lojas oficiais, bem como seja determinado aos mesmos que removam remotamente os aplicativos dos usuários que já os instalaram em seus respectivos smartphones, tudo no prazo de 10 (dez) dias, contados do recebimento da respectiva intimação.

Em caso de descumprimento da ordem liminar, a multa respectiva, no importe sugerido de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) por dia de atraso, a qual deverá ser revertida ao Fundo Estadual de Reparação dos Interesses Difusos Lesados, previsto no art. 13 da Lei n.º 7.347/85, regulamentada, no Espírito Santo, pela Lei Estadual n.º 4.329, de 5 de janeiro de 1.990.

DOS PEDIDOS PRINCIPAIS Diante de todo o exposto, requer o Ministério Público do Estado do Espírito Santo:

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1. seja a presente autuada e processada na forma e no rito preconizado na Lei nº 7.347/85; 2. seja determinada a publicação de edital no órgão oficial noticiando a propositura desta, a fim de que eventuais interessados tomem conhecimento do ajuizamento e possam, querendo, intervir como litisconsortes, nos termos do artigo 94 da Lei nº 8.078/90, aplicável à espécie por força do artigo 21 da Lei nº 7.347/85; 3. seja dispensado o pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, em vista da previsão do art. 18 da Lei nº 7.347/85; 4. sejam as intimações do autor feitas pessoalmente, dado o disposto no artigo 236, § 2º, do CPC e no artigo 14 do Provimento nº 14/99, de 08/03/99, da Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Espírito Santo, com a redação que lhe foi dada pelo Provimento nº 15/99, de 14/04/99; 5. sejam os demandados citados para, querendo, apresentarem a defesa

que

tiverem

e

acompanharem

o

processo

até

final

julgamento; 6. seja julgada antecipadamente a lide, na forma do artigo 330, I, do CPC, eis que desnecessária a produção de qualquer outro tipo de prova, além da documental; 7. seja julgado procedente o pedido formulado na presente ação de condenação em obrigação de fazer, qual seja, de remover o aplicativo denominado “SECRET” (por parte dos dois primeiros requeridos) e do aplicativo similar denominado “CRYPTIC” (por parte do terceiro requerido) de suas lojas oficiais, bem como seja determinado aos mesmos que removam remotamente os mesmos aplicativos dos usuários que já os instalaram em seus respectivos smartphones, confirmando-se a liminar que, se espera, será concedida; 8. sejam os requeridos condenados a suportarem o ônus da sucumbência.

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Protesta por todos os meios de prova em direito permitidos, se necessário for, especialmente juntada posterior de outros documentos. Dá à causa o valor de R$90.000,00 (noventa mil reais). Vitória, ES., 15 de agosto de 2014.

MARCELO ZENKNER PROMOTOR DE JUSTIÇA

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University, which contains 19th-century science and medical artifacts. Lexington has several ... formances of all types. The Downtown Arts ... Lexington has 98 parks, 6 community centers, 7 pools, 5 golf courses, 4 disc golf courses, 3 skate ...

Rochester, NY - ACP Hospitalist
tarium and focuses on science, technology, and local history. The Museum's .... Higher education is available at the University of Rochester, which offers.

Rochester, NY - ACP Hospitalist
tarium and focuses on science, technology, and local history. The Museum's .... and graduate degree programs that focus on career education and features a.

Carlsbad, NM - ACP Hospitalist
master's and doctoral degree programs in community college leadership are ... Undergraduate and graduate degree programs are available at the University.

Charleston, SC - ACP Hospitalist
the history of The Military College of South Carolina & Corps of Cadets. The. Karpeles Library .... therapy, nail technology, and esthetics. The Art Institute of ...

Lewes, DE - ACP Hospitalist
Midway School #178 (c.1898), Doctor's Office (c.1850), Early Plank. House (c.1700s) ... middle schools, and one high school. The University of Delaware ... Margaret H. School of Nursing at Beebe Medical Center is a diploma nursing program ...

Temple, Texas - ACP Hospitalist
Performing Arts Center at Temple College is home to the Temple. Symphony Orchestra. ... Central Texas or online through a partnership with Franklin University.

St. Petersburg, FL - ACP Hospitalist
St. Petersburg College's Palladium Theatre is home to the St. Petersburg. Opera Company and .... Technical College, which offers courses for adults as well.

St. Petersburg, FL - ACP Hospitalist
Higher education is available at the University South Florida St. Petersburg, which is a public university that offers bachelor's and master's degree programs.

APLICATIVO CORRESPONDENCIA FEBRERO 2017.pdf
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Choosing to relocate to another city is a major decision involving many professional and personal preferences. ACP Hospitalist's Pulse On® articles are ...

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involving many professional and personal preferences. ACP Hospitalist's Pulse On® articles are intended to give you a taste of various cities across the country and assist you in the selection process, but they do not substitute for personal visits