Defini¸ca˜o Recursiva dos N´umeros Primos Grupo D N´ umeros primos s˜ ao fundamentais em ´areas como Teoria dos N´ umeros e criptografia. Esse texto se prop˜oe a apresentar uma defini¸c˜ao recursiva para os n´ umeros primos. Uma defini¸c˜ao recursiva permite utilizar indu¸c˜ao estrutural para demonstrar novas propriedades sobre o conjunto. Os teoremas a seguir s˜ ao frequentes na Teoria dos N´ umeros e n˜ao ser˜ao demonstrados nesse documento. Defini¸ c˜ ao 1. Sejam a, b dois n´ umeros inteiros. Dizemos que a divide b, representado por a | b, se existe um n´ umero inteiro k tal que b = ak. Caso contr´ario, denotamos a - b. Se a | b, dizemos que a ´e divisor de b, e b ´e divis´ıvel por a, ou que b ´e m´ ultiplo de a. Teorema 1. A rela¸c˜ ao de divisibilidade ´e transitiva, ou seja, para quaisquer a, b, c ∈ Z, se a | b e b | c ent˜ ao a | c. Teorema 2. Para todos a, b, d, x, y ∈ Z, se d | a e d | b ent˜ao d | ax + by. Teorema 3. Sejam a, b inteiros positivos. Se a | b ent˜ao a ≤ b. Corol´ ario 1. Seja d um inteiro positivo. Se d | 1 ent˜ao d = 1. N´ os utilizaremos a seguinte defini¸c˜ao de n´ umero primo: Defini¸ c˜ ao 2. Um n´ umero natural ´e dito primo se o mesmo possui exatamente dois divisores positivos. Denotaremos por PR = {pi }i∈N\{0} a fam´ılia dos n´ umeros primos, indexados em ordem crescente. Um n´ umero natural n˜ao primo ´e dito composto. Teorema 4. Existem infinitos n´ umeros primos. Teorema 5 (Teorema Fundamental da Aritm´etica). Seja a ≥ 2 um n´ umero inteiro positivo. Existem primos p1 ≤ p2 ≤ . . . ≤ pn tais que a = p1 p2 . . . pn e tal fatora¸c˜ ao ´e u ´nica, se n˜ ao levarmos em conta as permuta¸c˜oes dos pi . Corol´ ario 2. Para todo n´ umero inteiro a ≥ 2, existe q ∈ PR tal que q | a. Nota¸ c˜ ao. Denotaremos por [a, b] o conjunto {i ∈ N : a ≤ i ≤ b}. Teorema 6. O n´ umero 2 ´e o menor n´ umero primo, ou seja, p1 = 2.

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Demonstra¸c˜ ao. Como PR est´a definido apenas para N esta demonstra¸c˜ao ser´a por tentativa exaustiva. Come¸cando do n´ umero 0 ∈ N, verifica-se que ele n˜ao ´e primo pois possui infinitos divisores. O n´ umero 1 tamb´em n˜ao ´e primo, pois possui apenas um divisor positivo. O n´ umero 2 possui apenas dois divisores positivos distintos, ent˜ ao ´e o menor n´ umero na fam´ılia crescente PR. Defini¸ c˜ ao 3. Definimos πn como o produto dos n primeiros n´ umeros primos, ou seja, n Y πn = pi , i=1

para todo n ≥ 1. Lema 1. Para todos i, n ∈ N tais que 1 ≤ i ≤ n, temos que pi - πn + 1. Demonstra¸c˜ ao. Sejam i, n ∈ N tais que 1 ≤ i ≤ n. Suponha que pi | πn + 1. Pelas defini¸c˜ oes 1 e 3, temos que pi | Πnj=1 pj . Uma vez que Πnj=1 pj = πn , obtemos que pi | πn . Portanto, pelo teorema 2, pi | 1 · (πn + 1) + (−1) · πn . Note ainda que 1 · (πn + 1) + (−1) · πn = 1, e pela rela¸c˜ao anterior, pi | 1. Mas, pela contrapositiva do corol´ ario 1, pi - 1. Por contradi¸c˜ao, pi - πn + 1. Teorema 7. Para todo n ≥ 2, existe um divisor de n no intervalo [2, n − 1] se, e somente se, n ´e composto. Demonstra¸c˜ ao. [⇒] Suponha que n˜ao existe um divisor de n no intervalo [2, n − 1]. Pelo corol´ ario 2 existe t ∈ PR tal que t | n. Observe que t 6∈ [2, n − 1]. Al´em disso, t ≤ n pelo teorema 3. Por exclus˜ao, t = n. Logo, n ∈ PR. [⇐] Suponha que n ´e primo. Sabemos que 1 | n e n | n. Como n ´e primo, n n˜ ao possui nenhum outro divisor. Como 1, n 6∈ [2, n − 1], o intervalo n˜ao possui divisores de n. O teorema a seguir nos permite obter um limite superior para a diferen¸ca entre dois n´ umeros primos consecutivos. Teorema 8. Para todo n ≥ 1, existe um n´ umero primo no intervalo [pn + 1, πn + 1] . Demonstra¸c˜ ao. Seja n ∈ N tal que n ≥ 1. Segue do corol´ario 2 que todo n´ umero natural maior que 1 possui pelo menos um divisor primo. Portanto, o n´ umero πn + 1 possui um divisor primo q. Pelo Lema 1, como q | πn + 1, q 6∈ [2, pn ]. Portanto, q > pn . Al´em disso, j´ a que q | πn , q ≤ πn + 1, pelo teorema 3. Existe portanto um n´ umero primo q no intervalo [pn + 1, πn + 1]. Corol´ ario 3. O n´ umero primo pn+1 ∈ [pn + 1, πn + 1]. Definiremos agora a fun¸c˜ao P roxP rimo atrav´es do algoritmo 1. 2

Algorithm 1 P roxP rimo : N → N 1: procedure ProxPrimo(q) 2: Crivo : N[q] 3: P rimos : ListN . P rimos ´e uma lista linear, inicialmente vazia. 4: π←1 5: Crivo[1] ← 0 6: for i ← 2 to q do 7: Crivo[i] ← 1 8: end for 9: for i ← 2 to q do 10: if Crivo[i] = 1 then 11: Primos.push(i) 12: π ←π×i 13: j ←i+i 14: while j ≤ q do 15: Crivo[j] ← 0 16: j ←j+i 17: end while 18: end if 19: end for 20: CrivoExt : N[π + 1] 21: for i ← q + 1 to π + 1 do 22: CrivoExt[i] ← 1 23: end for 24: for all d in P rimos do 25: k←d 26: while k ≤ π + 1 do 27: CrivoExt[k] ← 0 28: k ←k+d 29: end while 30: end for 31: for k = q + 1 to π + 1 do 32: if CrivoExt[k] = 1 then 33: return k 34: end if 35: end for 36: end procedure

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Lema 2. Ao in´ıcio da execu¸c˜ao da linha 21 do algoritmo ProxPrimo, (i) Todo n´ umero primo no intervalo [2, q] est´a na lista P rimos. (ii) A vari´ avel π tem como valor o produto de todos os primos no intervalo [2, q]. Demonstra¸c˜ ao. Demonstraremos por indu¸c˜ao completa os seguintes invariantes do la¸co das linhas 9-19: (i) Para todo j ≥ i, se Crivo[j] = 0 ent˜ao j n˜ao possui divisores no intervalo [2, i − 1]; (ii) Todo n´ umero primo no intervalo [2, i] est´a na lista P rimos; (iii) A vari´ avel π tem como valor o produto de todos os primos no intervalo [2, i]. [Passo Base] Antes do la¸co (correspondente a i = 1) Note que, antes do in´ıcio do la¸co, (i) Crivo[j] = 0 para todo j, (ii) P rimos est´a vazia e (iii) π = 1, que ´e o comportamento esperado para [2, i] vazio. [Passo Indutivo] Suponha que, para todo k < i, (HI1) Para todo j ≥ k, se Crivo[j] = 0 ent˜ao j n˜ao possui divisores no intervalo [2, k − 1]; (HI2) Todo n´ umero primo no intervalo [2, k] est´a na lista P rimos; (HI3) A vari´ avel π tem como valor o produto de todos os primos no intervalo [2, k]. Pelo teorema 7 e (HI1) com k = i − 1, se Crivo[i] = 1 ent˜ao i ´e primo. Caso i n˜ ao seja primo, i possui um divisor no intervalo [2, k]. Pelo teorema 1, todos os m´ ultiplos de i s˜ ao m´ ultiplos desse divisor e portanto (i) para todo j ≥ i, se Crivo[i] = 0 ent˜ ao j n˜ao possui divisores no intervalo [2, i − 1]. As invariantes (ii) e (iii) se conservam por (HI2) e (HI3) respectivamente, pois, como i n˜ ao ´e primo, [2, i − 1] e [2, i] possuem os mesmos primos. Caso i seja primo, (i) se conserva por (HI1), pois para todo m´ ultiplo k de i no intervalo [2, q], Crivo[k] ← 0 ´e executado. A invariante (ii) se conserva por (HI2) pois i ´e adicionado a P rimos. A invariante (iii) se conserva por (HI3) pois o novo π ´e o produto do π anterior, produto dos primos no intervalo [2, i − 1], com o novo primo i. Conclu´ımos que as invariantes valem at´e o fim do la¸co, demonstrando o lema. Corol´ ario 4. Suponha que q = pi ∈ PR para algum i ∈ N. Ao in´ıcio da execu¸c˜ ao da linha 21, π = πi . Lema 3. Suponha que q = pi ∈ PR para algum i ∈ N. Ao in´ıcio da execu¸c˜ao da linha 31 do algoritmo ProxPrimo, para todo n ∈ [q + 1, π + 1], n ´e divis´ıvel por algum primos no intervalo [2, q] se, e somente se, CrivoExt[n] = 0.

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Demonstra¸c˜ ao. Observe que antes da linha 24, o la¸co das linhas 21-23 garante que CrivoExt[i] = 1 para todo i ∈ [q + 1, π + 1]. Portanto, ao in´ıcio da execu¸c˜ao da linha 31 CrivoExt[i] = 1 se, e somente se, a linha 27 ´e executada com k = i. Observe ainda que a vari´ avel k assume, para cada d ∈ P rimos, o valor dos m´ ultiplos de d no intervalo i ∈ [q + 1, π + 1]. Note que pelo teorema 2, a lista P rimos possui todos os primos no intervalo [2, q]. Portanto, CrivoExt[i] = 0 se, e somente se, i ´e divis´ıvel por algum primo no intervalo [2, q]. Lema 4. Suponha que q = pi ∈ PR para algum i ∈ N. O algoritmo retorna o menor n´ umero primo no intervalo [q + 1, π + 1]. Demonstra¸c˜ ao. Pelo lema 3, ao in´ıcio da execu¸c˜ao da linha 31, para todo n ∈ [q + 1, π + 1], n ´e m´ ultiplo de algum primos no intervalo [2, q] se, e somente se, CrivoExt[n] = 0. Consequentemente, se CrivoExt[n] = 0 ent˜ao n ´e composto. Uma vez que q = pi , o corol´ario 4 garante que π = πi . Portanto, o intervalo [q + 1, π + 1] ´e igual ao intervalo [pi + 1, πi + 1]. Pelo teorema 8, sabemos que pi+1 pertence a esse intervalo. Note que n ´e composto para todo n ∈ [pi + 1, pi+1 − 1], pela defini¸c˜ao 2. Logo, para todo n ∈ [pi + 1, pi+1 − 1], CrivoExt[n] = 0. Al´em disso, como pi+1 ´e primo, CrivoExt[pi+1 ] = 1. Portanto, pi+1 ´e o menor n´ umero no intervalo [q + 1, π + 1] tal que CrivoExt[pi+1 ] = 1. No la¸co das linhas 31-34 percorremos o intervalo [q + 1, π + 1] e retornamos o menor valor k tal que CrivoExt[k] = 1. Retornamos, portanto, o menor n´ umero primo no intervalo [q + 1, π + 1]. Corol´ ario 5. Para todo i ≥ 1, P roxP rimo(pi ) = pi+1 . Demonstra¸c˜ ao. Pelo lema 4, P roxP rimo(pi ) ´e o menor n´ umero primo maior do que pi , que ´e por defini¸c˜ ao pi+1 . Portanto, P roxP rimo(pi ) = pi+1 . Nota¸ c˜ ao. Seja f : N → N. Para todo n ≥ 0, denotamos (RF0) f 0 (x) = x (RF1) f n+1 (x) = f (f n (x)) Lema 5. Para todo k ∈ N, P roxP rimok (2) = pk+1 . Demonstra¸c˜ ao. Realizaremos uma demonstra¸c˜ao indutiva sobre k. [Passo Base] k ´e 0. Nesse caso, P roxP rimo0 (2) = 2

Por (RF0)

= p1

Pelo teorema 6

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[Passo Indutivo] Suponha por Hip´otese de Indu¸c˜ao (HI), que P roxP rimok (2) = pk+1 . Note que P roxP rimok+1 (p) = P roxP rimo(P roxP rimok (2))

Por (RF1)

= P roxP rimo(pk+1 ) = p(k+1)+1

Por (HI) Pelo corol´ario 5

Conclu´ımos a partir dos passos anteriores que para todo k ∈ N, P roxP rimok (2) = pk+1 . Defini¸ c˜ ao 4. Definimos o conjunto P ⊆ N como o conjunto indutivamente gerado pelas seguintes regras: (P0) O n´ umero 2 ∈ P ; (P1) Se p ∈ P , ent˜ ao P roxP rimo(p) ∈ P . Teorema 9 (Corretude). Todo elemento de P ´e primo, ou seja, P ⊆ PR. Demonstra¸c˜ ao. Demonstraremos por indu¸c˜ao estrutural que todo elemento p ∈ P ´e da forma P roxP rimok (2) para algum k ∈ N. [Passo Base] p ´e 2. Nesse caso, p = 2 = P roxP rimo0 (2). [Passo Indutivo] Suponha, por Hip´otese de Indu¸c˜ao (HI), que p = P roxP rimok (2) para algum p determinado. Note que P roxP rimo(p) = P roxP rimo(P roxP rimok (2)) = P roxP rimok+1 (2)

Por (HI) Por (RF1)

Conclu´ımos que todo elemento p ∈ P ´e da forma p = P roxP rimok (2) para algum k ∈ N, e pelo lema 5 que p = pk+1 ∈ PR. Teorema 10 (Completude). Todo elemento de PR ´e gerado pela defini¸c˜ao indutiva, ou seja, P ⊇ PR. Demonstra¸c˜ ao. Pela regra (P0), p1 = 2 ∈ P . Note que pelo lema 5, para todo pi ∈ PR com i > 1, pi pode ser constru´ıdo pelo uso repetido do construtor (P1) como P roxP rimoi−1 (2). Conclu´ımos, pelos dois teoremas anteriores, que PR = P . N´os oferecemos, portanto, uma defini¸c˜ ao indutiva para o conjunto dos n´ umeros primos. 6

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