O menino guloso (Elias José)
- Mãe, eu quero arroz-doce, eu quero... me dá senão eu subo no fogão e tiro pra mim. Vai falar com o filho e a agulha estrepa-lhe o dedo. Fica nervosa, dá vontade de bater no menino, mas tem dó dele. Amarra um pano no dedo e continua a costura. O menino continua o choro sem fim. Choro e barulho da máquina vão se misturando na cabeça. Vontade de sumir, deixar tudo, ir para um lugar sossegado, onde não ouvisse briga de filhos, choro dos mais novos, namoro da mais velha (uma criança de 14 anos), queixas do marido. O ordenado dele sempre pequeno, coitado, até que não xingava por maldade. Ela não tinha o luxo de ter problemas, tinha que resolver os dos outros. Ouve bater palmas e vai atender. Quase não consegue distinguir o que o homem diz dos resmungos do menino. - Quero arroz-doce, mãe. Me dá, eu quero, ocê tem que me dá. - Ovos novos, colhidos hoje, uma beleza! - O senhor tira um pouco está muito caro. - Quero arroz-doce, depois ocê compra os ovos, mãe. - Num posso, dona, ta barato, em qualquer lugar... - Vai embora, homem; mãe, dá arroz-doce, dá depressa. - Outra hora o senhor passa, vou dar um jeito no menino. Pega o menino pelas orelhas, joga-o sentado perto da mesa. Enche um prato fundo de arroz-doce, meio cozido, meio cru, bota um cinto sobre a mesa e promete: - Come tudo! Se deixar um restinho, vai apanhar até dizer chega. As lagrimas salgavam o arroz-doce. Ele empurrava a massa dura de descer. Quis reclamar, mas o cinto falava mais alto. Sabia que a mãe não brincava quando estava nervosa. Comeu tudo, a barriga doeu uma semana inteira. Vinte anos depois, homem feito, vem passar as férias em casa. Oito anos fora, mãe traz a sobremesa: arroz-doce. Ele meio sem jeito, confessa que não gosta; ela não estava lembrada, sempre que ia comer arroz-doce, vinha-lhe um nó na garganta.
*** Glossário *** Estrepar: machucar-se, sair-se mal. Xingar: dizer insultos ou palavras ofensivas. Resmungar: pronunciar confusamente, por entre dentes e com mau humor.