o silêncio tange o sino

que demora para a hora do silêncio para o corpo de silêncio dessa noite que demora o sino pêndulo plúmbeo na alma da vila (Ricardo Lima)

As all the Heavens were a Bell And Being, but an Ear, And I, and Silence, some strange Race And Finished knowing – then – (Emily Dickinson)

o silêncio tange o sino

Estudos sobre o silêncio

I ficamos imóveis diante do imenso pássaro de pedra: silêncio sólido impassível belo falamos e ele assume-se leve ave emplumada num vôo de morte

II n’algumas coisas o silêncio canta n’outras arde em mim

III no fundo da noite o silêncio canta tarde o escuro morre ele agita a carne morna e voa – essa ave nua

afinação há que se aprender a tirar silêncio das coisas quando uma coisa produz silêncio ela está pronta

amanhecer

ter o silêncio incrustado de pássaros vê-lo desfazer-se logo em crianças sentir-se pleno de chuva nos olhos

matinal

mapear os trigais da pele saber o cheiro de terra o intenso sabor de chuva colher com discreta violência o primeiro silêncio do dia

de novo dia alma de hortelã e névoa o silêncio perdoa meu corpo magro perdoa o homem que se foi é setembro basta uma oração e é manhã de novo

o mundo todo mente quando faz silêncio a voz continua reboando num verso que não cala passos idos ecoam olhos antigos falam na memória a mesma velha litania e um grilo essa paz não existe

garimpo

há um arroio onde as palavras abriram os túneis no peito o impuro silêncio da voz sangra

lavoura nosso silêncio plantamos e enfim o colhemos maduro mas não domesticado

gruta

um corpo feito de aberturas onde silêncios entram saem como águas de longe fonte foz de um rio vozes

náufragos

nossas bocas nossas mãos pequenos afluentes de silêncio submersos nem nas palavras que calamos nos encontramos

esquecer as palavras para por na carta lembrar apenas a invisível arquitetura da mudez

o silêncio tange o sino de tão leve ninguém escuta

para pertencer à paisagem

às vezes prefiro a solidão das janelas de onde esses morros se reproduzem feito ecos de onde minha magreza ávida pende e se insinua

estação tenho um outono no corpo de onde as coisas caem vejo doçura nas roupas espalhadas pelo chão

paraíso

I aqui temos todas as horas do dia prata escorre dos lajedos depois da chuva lágrimas engrossam o canto dos pássaros o uivo dos cães estar só é dádiva

II temos o mesmo relógio dos pássaros chuva sangra os barrancos nossa dor estanca

1. chove na pele da pedra a lágrima prata do dia 2. chove para esconder os pássaros e recolher as crianças

nascente córrego cachoeira ribeirão eu choro pra pertencer à paisagem

tudo o que me resta é dizer de um corpo que chora à margem de um rio esperando a sede porque a palavra me pega de dois jeitos: de um jeito que não basta sabê-la de um jeito que me come tudo o que me resta é dizer de um corpo que chora à margem esperando a sede enquanto ouve a palavra água

meu olho comenta a timidez da pedra e descansa a umidade em sua imóvel dor

eu não sei medir o tempo meu pai me deu esse olho de pássaro pra mim o tempo voa

de coração presente

regresso minha casa cheira a nordeste onde são tantas minas descubro-me para sempre atada a essas portas que se fecham

intimidade

um pequeno itinerário de passos uma claustrofobia acariciada gente que todo dia me bate à porta e entrega cílios meus que encontraram na calçada o dedinho de uma linda preta com quem dividir os cílios caídos com quem dividir o medo de não sobreviver e de sofrer a violência das crianças na escola aquela voz grave todas as manhãs todas as manhãs aquele cheiro só aquele cheiro de capim chovido os olhos negros do meu pai e uma cidade íntima soluçando dentro de mim

os olhos do meu pai fincaram em mim duas colunas de óleo negro buscando retalhos de amanhecer em vão nada digo que seja digno de claridade

para Claudio Bento querido amigo perdão se eu não sobreviver bem sabes que são poucos os caminhos mas tu tens um rio – e ele soluça sob a ponte cachorros magros e carros de boi não nos abandonarão como o medo a solidão resiste ainda ao primeiro sopro daquela velha quimera

para Preta de mãos vazias vínhamos receber o pouco que era dito: amor manchando a nossa tristeza o rio de nosso silêncio miúdo nunca secou

a poesia esqueceu-se numa casa de Minas o colo da avó ainda embala o cheiro de manga em dezembro há cana cortada em cubinhos doce para o mel da lembrança lágrimas, um pouco de sal para o tempero da memória a avó não abre mais os olhos a poesia esqueceu-me numa casa de Minas

casarão no corredor o vai vem das saias onde eu me agarrei no quintal o fantasma da mangueira no canto da sala a cadeira da minha avó onde um dia a dor me esperará

andar pela casa sem os rastros da demora apenas com os olhos violentar o horizonte aprender diariamente a dor da paciência

a casa nunca esteve em ordem eu abro a janela deixo entrar o pó e agarro-me à culpa de manter todas as torneiras abertas

sem pressa alguma janeiro me esperava troquei as estrelas vivas do verão no meu quarto a crina branca das montanhas no inverno da varanda por um janeiro próximo que agora eu espero enquanto maio me pronuncia

esquecer mudar a voz de um verso guardar por um tempo o açúcar o sapato pra sempre morrer lentamente no olho claro da memória

toma esgota tua menina até que não reste uma fibra no ventre ardendo em brasa no corpo a se apagar na treva dois vaga lumes no pote e o silêncio dos retratos – bebe

resistência um pote cheio do furor que escorria dos teus olhos guardei porque gastamos todas as nossas mãos e restou inteiro esse sentimento enrugado que não passa

vão eu queria guardar teu sorriso o som de tua voz teu cheiro mas só cabe ausência nesses potes cheios de solidão

companhia nenhuma luz encerra meu dia nenhuma dor apenas sua sombra diagonal lembrança me segue

identidade para líria porto eu morei num poema. e muito antes de eu nascer ele me habitava. agora ele fulgura nessa violenta delicadeza que te move

cesariana para Pedro seus pequenos olhos cor de aurora represada ainda que um dia se afastem ficarão nessa pequena cicatriz

depois da dor o filho dorme com doçura tento não me perder na sucessão de batalhas se escrevo é por medo de compreender

cada dor que passa arranca lascas desses ombros frágeis fico cada vez menor quando essa dor me escreve

ela repete o hortelã na boca repete o nome da distância – repete o nome do abismo – repete o rito de amar os filhos no corpo feito pra abrigar temporais

legado navegar o centímetro do gesto no mar infinito do verbo é teu o que te for dado: o olhar cansado preso à teia, o medo já domado da fera, o beijo. tudo o mais entrega

eu te quis em meio a essas violentas portas enquanto o amor se confundia em minhas pernas se perdia entre as frestas inundava meus vãos

abstrato eu nunca beijei um poema. no entanto ele está aqui roçando leve minha boca nas horas dos mais doídos silêncios

em sua voz dormiram quentes todos os meus medos deitou a noite camada após camada sobre mim

adoção eu li um poema que nem sabe que é meu ele dorme sereno no meu alaúde nem o riso das crianças alivia nossa ternura

persona o poema essa estranha máscara mais verdadeira do que a própria face (Mario Quintana) não é isso o que somos mas é assim que resistimos porque fingimos que fingimos empurramos nossos barcos contra as marés da aurora para que a noite não passe e continuemos despidos

espelho Me olha o que eu olho (Octavio Paz)

do outro lado de onde olho alguém me abre e eu dou-lhe a beber de minhas ardências nas taças de meus desolados vãos na profundidade dos meus vazios ardo tremo : faço parte dessas coisas coisas que me queimam

meu corpo ancorou na ausência adeus

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