Querida leitora, E m Tudo por um bebê, Meg decide que está mais do que na hora de ter um filho e parte para uma produção independente. O escolhido para ajudá-la nesse projeto é Ben, seu melhor amigo. Mas depois da inseminação artificial, ele percebe que o papel de “tio” não será o suficiente, e terá que convencer Meg a embarcar em um novo projeto: formar uma família com ele! E m Momento de redenção, o sexy Rico D’Angelo destina parte de seu tempo e fortuna tentando salvar o mundo, e ignora que ele também precisa de salvação. Até que Neen Cuthbert

entra em sua vida para ajudá-lo em um de seus projetos filantrópicos. Mas o verdadeiro desafio dela será resgatar Rico de sua solidão. Com amor, Cara

Michelle Douglas

CORAGEM PARA AMAR Tradução Vanessa Mathias Gandini Angela Monteverde

2014

SUMÁRIO Tudo por um bebê Momento de redenção

Michelle Douglas

TUDO POR UM BEBÊ

Tradução Vanessa Mathias Gandini

CAPÍTULO 1

– BEN, VOCÊ consideraria a ideia de ser meu doador de sêmen? Ben Sullivan inclinou a cabeça para trás ao ouvir a pergunta de sua melhor amiga. Repousou a taça de vinho sobre a mesa de café antes que derramasse o líquido no chão, e virou-se para encarála. Meg ergueu uma das mãos para o alto como se estivesse esperando que ele a interrompesse. Interrompesse? Ele tossiu. Engasgou-se. Mal

conseguia respirar, quanto mais interrompê-la! Quando perguntara a ela sobre o que estava pensando, não era isso o que ele esperava ouvir. Nem de longe. Ben pensou que teria algo a ver com Elsie ou com o pai dela, mas... Ben reclinou-se pesadamente contra as almofadas e agarrou-se com força no braço do sofá. Brevemente, de uma maneira covarde, desejou estar de volta no México em vez de estar ali em Fingal Bay. Um doador de sêmen? Ele? Meg repousou uma das mãos sobre o peito dele, pressionando-o e fazendo com que os últimos átomos de ar

saíssem de seus pulmões. – Deixe-me lhe dizer primeiro por que eu gostaria que você fosse meu doador, e depois o que eu acho que seria o seu papel na vida do bebê. O tom sensato de voz dela aliviou a pressão que ele sentia no peito. De súbito, Ben impulsionou o corpo para trás e apontou o indicador para ela. – Por que, em nome de Deus, você precisa de um doador? – Ela estava com 38 anos, como ele. – Ainda há muito tempo. – Não, não há. As costas masculinas ficaram tensas. Meg sentou-se na outra ponta do sofá

e engoliu em seco. Ele assistiu a garganta dela se mover e suas mãos se fecharam em punhos. Tentou sorrir, mas o seu esforço o magoou. – Meu médico disse que eu corro o risco de me tornar infértil. Ben sentiu a bile queimar em sua garganta. Meg sempre quisera filhos. Possuía um centro de assistência à infância, por Deus. Ela seria uma excelente mãe. Custou uma enorme força de vontade para que ele engolisse a fúria que queimava sua garganta. Lutar contra o destino não iria ajudá-la. – Estou agendada para fazer uma fertilização in vitro para que eu possa

engravidar o mais rápido possível. Portanto, esta era a razão de ela estar pedindo para que ele fosse seu doador de sêmen. Ele? – Você seria uma mãe brilhante, Meg. – Obrigada. – O sorriso dela estava um pouco tímido. Era o tipo de sorriso que desarmaria qualquer homem. – Nem todos serão tão compreensivos, eu temo, mas... Ela inclinou-se contra ele, seu cabelo louro tocava seus ombros. – Não estou com medo de ser mãe solteira, e estou muito bem financeiramente. Não tenho dúvida de minha habilidade em cuidar não só de

mim como também de um bebê. Ben também não duvidava disso. Estava falando sério quando dissera que ela seria uma excelente mãe. Meg não seria fria e indiferente. Amaria seu filho. Preencheria os dias dele ou dela com amor e risada, e nunca haveria um momento de dúvida sobre o quanto esse bebê seria estimado. Ele sentiu o peito incendiar. E a dor começar a incomodar seus olhos. Ela daria ao filho deles o tipo de infância que ambos sonharam. Meg endireitou o corpo. – Agora, ouça. Só para lembrar, se você odiou a ideia, se isso o faz se

sentir no mínimo desconfortável, então nós esquecemos do assunto, está bem? O coração dele começou a bater. – Ben? O tom mandão de voz dela quase o fez sorrir. Ele assentiu com a cabeça. – Certo. – Certo. – Meg inspirou profundamente. Ben sentiu o coração bater mais forte. – Ben, você é meu melhor amigo. Eu confio totalmente em você. Então me parece certo lhe confiar uma vida... Uma vida que será tão importante para mim. Ele fechou os olhos e respirou fundo. – Você é saudável, magro e

inteligente... Tudo o que eu quero para um filho meu. Ben abriu os olhos novamente. Ela fez uma careta. – E, embora eu nunca vá admitir isso na frente de outra pessoa, não há outro homem cujos genes eu admire mais do que os seus. Por trás do sorriso dela, notou sua sinceridade. E, assim como qualquer outro momento em que ele lhe visitara, Meg conseguiu derreter a frieza que havia crescido em seu interior enquanto estivera viajando o mundo com seu jato. – Eu quero tanto um bebê. – O sorriso dela desapareceu. – Mas ter um bebê

dessa maneira... Através de uma fertilização in vitro… Não existe realmente mais ninguém para compartilhar dessa jornada comigo. E um doador anônimo... – Ela baixou os cílios. – Eu não sei… Parece um pouco frio, é só isso. Mas se o doador fosse você, sabendo que você seria parte disso... Meg encontrou os olhos dele. Ele leu em suas faces o quanto isso significava para ela. – Bem, isso não seria tão ruim, sabe? Quero dizer, quando a criança perguntasse eventualmente sobre o pai, ao menos eu seria capaz de responder às

curiosidades dele ou dela. Sim, mas ele seria esse pai. Ben correu um dedo ao redor da gola da camiseta. – Que tipo de curiosidades? – Cor do cabelo, cor dos olhos. Se você é divertido, gentil. – Meg inspirou profundamente. – Olha, quero deixar claro que eu sei que você não tem desejo nenhum em se acomodar, e eu sei que você nunca quis ter filhos. Isso não é o que eu estou lhe pedindo. Não estou lhe pedindo nenhum tipo de compromisso. Vejo seu papel como o de um tio preferido e nada mais. Ela o encarou por um momento.

– Eu o conheço, Ben. Prometo que o seu nome não vai aparecer na certidão de nascimento a menos que você queira. Prometo que a criança nunca irá saber sua identidade. E também – acrescentou ela – eu iria morrer se você estivesse disposto a me oferecer qualquer tipo de ajuda financeira. Isso o fez sorrir. Meg era totalmente independente... Ele daria isso a ela. Independente e mandona. Ele também suspeitava que provavelmente ela achasse que ganhava mais dinheiro do que ele. O fato era que nenhum deles era miserável.

– Eu sei que independentemente de você concordar com a minha proposta ou não, você iria amar e suportar qualquer criança minha da mesma forma que me ama e me suporta. Isso era verdade. Meg o encarou de uma maneira que subitamente o deixou inquieto. Ela cruzou as pernas. – Posso ver que você quer dizer algo. Por favor, eu sei que esse é um grande pedido, então simplesmente fale. As palavras dela não o surpreenderam. Nunca haveria nenhum tipo de jogo entre ele e Meg. Ben não estimava sua família... Nem sua mãe,

nem seu pai e sua avó. Oh, ele entendia que devia muito à sua avó. Meg o ensinava sobre isso toda vez que ele estava em casa, e ela estava certa. Elsie o havia alimentado, o vestido e o hospedado, havia se assegurado de que ele fosse para a escola e visitasse o médico quando estivesse doente, mas ela fizera tudo isso sem qualquer sinal visível de prazer. Suas visitas agora não pareciam dar nenhum prazer a ela também. Eram meramente uma obrigação para ambos os lados. Ben apenas a visitava para deixar Meg feliz. Ele poderia não estimar família, mas

estimava amizades... E Meg era sua melhor amiga. Megan Parrish o havia salvado. Ela havia olhado para ele com 10 anos, praticamente abandonado na porta de Elsie, e havia anunciado que eles seriam melhores amigos daquele dia em diante. Ela dera ao seu coração cansado a companhia, a lealdade e o amor que ele precisava. Ela os alimentou com contos de fadas sobre famílias que se amavam; e com as coisas que eles faziam e as aventuras que tinham, enquanto cresciam. Meg o havia ajudado quando nada mais poderia aliviar a dor em sua alma. Ben tinha nadado ao lado dela quando

nada mais poderia ajudá-lo, a não ser mergulhar em um mundo debaixo d’água... Onde ela iria nadar por quanto tempo pudesse antes de subir para tomar ar. E ele tinha assistido mais de uma vez ela sofrer a agonia paralisante da endometriose. Nada em sua vida jamais o havia feito se sentir tão impotente quanto testemunhar a dor dela e ser incapaz de ajudá-la. Ben cerrou as mãos em punho. Não tinha percebido que ela ainda sofria disso. – Ben? – Estou preocupado com sua saúde. – A gravidez dela não seria um ponto

desnecessário e esta altura? – É sobre isso o que eu quero conversar. Ben se remexeu no sofá para estudá-la mais atentamente. Meg ergueu sua taça e ele a serviu com mais um pouco do Chardonnay que estiveram apreciando no jantar. Contudo, a mão dele tremeu e sentiu algo se comprimir em seu interior. Colocou a garrafa sobre a mesa de café com mais força do que o necessário. – Você está bem? – indagou ele sem preâmbulos. Ela o encarou pela borda da taça enquanto sorvia um gole do vinho. – Sim. A tensão dele aumentou ainda mais.

Meg não iria mentir para ele. – Mas? – Mas é um problema mensal. – Ela deu de ombros. – Você sabe disso. Mas ele achou que ela tivesse superado isso! Porque era isso o que você queria. – Há alguma coisa que eu possa fazer? As faces dela se suavizaram em meio à iluminação fraca e Ben desejou alcançá-la e tomá-la em seus braços... Apenas abraçá-la... Respirar próximo a ela, transmitir toda a sua saúde e vitalidade para o corpo dela para que nunca ficasse doente novamente.

– Sem dúvida Elsie lhe disse que eu tive algumas crises severas de endometriose durante os últimos meses? Seu estômago se revirou. Ben assentiu com a cabeça. Quando havia voltado para a cidade em sua bicicleta mais cedo, Meg tinha o mandado imediatamente para a porta vizinha a fim de que ele fizesse a visita a sua avó, ainda que eles soubessem que Ben havia voltado para Fingal Bay para visitar Meg. Os dois assuntos mais importante de Elsie tinham sido sobre a saúde de Meg e a saúde do pai dela. – A endometriose é o motivo de você estar correndo o risco de se tornar

infértil? – Sim. – Ela acomodou as costas contra as almofadas. – É por isso que estou fazendo esse pedido e... – E? – A voz dele se tornou rouca. Como o destino poderia fazer isso com sua melhor amiga? – Não sei como chamar isso. Talvez não haja um termo para isso, mas parece errado de alguma maneira criar uma criança com uma pessoa anônima. Então, eu quero seus genes e sua falta de anonimato. Sustentando o olhar dela, Ben repousou os cotovelos nos joelhos. – Sem nenhuma responsabilidade

paterna? – Deus, não! Se eu achar por um momento que você vai se sentir pressionado nesse sentido, eu termino a conversa agora. E teria um filho com um doador anônimo? Ele até poderia pensar que ela faria isso, mas também podia sentir que sempre houve uma preocupação na mente dela. Um medo do desconhecido e do que isso poderia lhe trazer. Havia um simples motivo do porquê Meg havia se voltado para ele... Ela confiava nele. E ele confiava nela. Meg o conhecia, e sabia o quanto ele evitava compromissos de qualquer tipo. Sabia

exatamente o que estava pedindo. E o que ela conseguiria se ele concordasse com seu plano. Se Ben concordasse em ser seu doador de sêmen, iria ajudá-la a se tornar uma mãe. Fim de história. Não seria filho dele. Seria filho de Meg. Ainda assim, ele conhecia Meg. Sabia que ela arriscaria a própria vida em uma tentativa de engravidar e depois carregar o filho em seu ventre até o dia de seu nascimento. Tudo em seu interior queria chorar ao pensar que ela nunca seria mãe, mas não poderia ser parte do risco que ela iria correr em uma gravidez. Ben passou

uma das mãos entre o cabelo e tentou encontrar as palavras que precisava. – Vou lhe dizer uma coisa. – declarou ela, enquanto se recostava no braço do sofá e esticava as pernas até que elas lhe tocassem os joelhos. – Estou seriamente ansiosa para deixar de ter endometriose. Levou um momento para que ele conseguisse absorver as palavras dela. Ben estivera muito atento em estudar-lhe o formato das pernas. E, inesperadamente, se viu transportado para aquele momento, há dez anos, quando havia percebido o quão bela Meg tinha se tornado. Um momento que havia começado como uma tentativa de

conforto e se transformado em um momento apaixonado. Em um piscar de olhos. A lembrança o tornou frio. Ele havia pensado que tinha banido aquela memória de sua mente para sempre. Naquela noite, Ben quase cometera o maior erro de sua pobre vida e arriscado destruir a única coisa que significava algo para ele... A amizade de Meg. Ele meneou a cabeça, e sentiu o coração se acelerar dentro do peito. Era estupidez lembrar-se disso agora. Esqueça! E então as palavras dela fizeram sentido. Ele inclinou-se para a frente,

cuidadoso em não tocá-la. – O que você acabou de dizer sobre a endometriose? – Você não pode ter endometriose enquanto está grávida. A gravidez pode até me curar disso. Se ele fizesse o que ela estava pedindo, se a ajudasse a engravidar, Meg poderia nunca mais ter endometriose. Ele quase caiu do sofá antes de o bom senso se instalar. Não que ele precisasse de proteção contra Meg, mas queria pensar muito bem antes de concordar com o plano dela. – Deixe-me esclarecer a situação. –

declarou Ben. – Eu quero me assegurar de que estamos tendo as mesmas suposições aqui. Se eu concordar em ser seu doador de sêmen, gostaria de ser completamente anônimo. Eu não gostaria que alguém soubesse. Não gostaria que a criança me conhecesse. Da mesma forma que aconteceria se você tivesse ido a um banco de sêmen. – Nem todos os bancos de sêmen são anônimos. – Ela deu de ombros. – Mas eu sabia que você iria querer o anonimato. Meg tinha entendido corretamente. Se a criança soubesse quem era o seu pai, teria expectativas. Ele não queria isso.

– E esse é o seu bebê, Meg. A única coisa que eu vou fazer é doar o sêmen, certo? – Absolutamente. – Eu seria o tio Ben, nada mais? – Nada mais. Ele abriu e fechou as mãos. Meg seria uma mãe brilhante e merecia cada oportunidade de transformar seu sonho em realidade. Ela não estava pedindo mais do que ele poderia dar. Ben ficou de pé. – Sim – disse ele. – Eu vou ajudá-la da forma que eu puder. MEG TAMBÉM se ergueu do sofá. Seu coração batia tão forte que ela achou

que fosse saltar do seu peito. Envolveu os braços ao redor do seu querido amigo. – Obrigada, Ben! Obrigada! Querido, querido Ben. Ela recuou quando ele repousou as mãos contra o seus ombros, lembrandose imediatamente da vitalidade e da vida por trás daquele corpo alto e musculoso. Uma lembrança que a atingia mais de uma vez a cada uma das breves visitas de Ben. Seu coração perdeu uma batida enquanto ela se abraçava. Um bebê! Todavia, Meg recuou mais um passo e engoliu o excesso da sua empolgação.

– Tem certeza de que não quer um tempo para pensar melhor? – Meg não tinha intenção de apressá-lo em uma decisão tão importante como essa. Ela queria... Precisava… Que ele estivesse confortável e em paz com essa decisão. Ben meneou a cabeça. – Eu sei de tudo o que preciso saber. Além do mais, eu sei que você será uma ótima mãe. E você sabe tudo o que precisa saber sobre mim. Se está feliz em ser mãe solteira, então eu estou feliz em ajudá-la. Meg se abraçou novamente. Sabia que seu sorriso deveria estar estupidamente largo, mas não podia se conter.

– Você não sabe o quanto isso significa para mim. – Sim, eu sei. Sim, provavelmente ele sabia. A resposta dele fez com que ela se sentisse aliviada, e a lembrança do único beijo roubado deles voltou a sua mente... Como sempre acontecia quando a emoção tomava conta dos dois. Meg suprimiu um suspiro. Havia feito o seu melhor para se esquecer daquele beijo, mas dez anos tinham se passado e ela ainda se lembrava. Ela ficou tensa. Não que quisesse repetir aquilo! Bom Deus! Se as coisas tivessem

saído do controle naquela noite, como quase ameaçaram sair, eles... Um tremor percorreu seu interior. Bem, eles não estariam tendo essa conversa agora. Aliás, ela provavelmente nunca teria repousado os olhos em Ben novamente. Meg engoliu sua náusea súbita. – Como está o cansaço do voo? – Ela forçou um tom alegre de voz. Ele cruzou os braços na frente do peito e ergueu o queixo. – Eu não canso de lhe dizer, não fico cansado com as horas de voo. Um dia você vai acreditar em mim. Ben exibiu aquele sorriso encantador

que deixava todas as mulheres a seus pés. Mas não ela. Meg meneou a cabeça. Não tinha ideia de como ele conseguia entrar e sair de diferentes fusos horários tão facilmente. – Preparei uma salada de frutas, se estiver interessado, e eu sei que é apenas primavera, e ainda está frio, mas como a lua está quase cheia, achei que pudéssemos sentar na varanda e admirar a vista. Ele deu de ombros. – Parece ótimo para mim. Eles se dirigiram às cadeiras

almofadadas da varanda. Sob a luz da lua, o arco da baía cintilava em tom de prata e as luzes na água piscavam e tremeluziam. Meg inspirou fundo, deixando que o ar salino invadisse seus pulmões. A brisa fresca da noite esfriou suas bochechas quentes e seu pescoço, e eventualmente ajudou a estabilizar sua pulsação acelerada. Mas seu coração permanecia alegre em seu peito. Um bebê! – Elsie me disse que seu pai esteve doente... Ela apreciou uma colherada da salada de frutas e depois assentiu com a cabeça.

Ben franziu o cenho. A luz da lua estava mais brilhante do que a lâmpada da sala de estar onde eles estiveram, e ela podia ver cada uma das emoções dele estampadas em seu rosto... Primeiramente frustração e depois preocupação por ela. – Elsie disse que ele teve uma infecção nos rins. Tanto ela como Ben chamavam a avó pelo nome dela. Não avó, ou vovó, ou mesmo um honrado tia Elsie. Era assim que ela preferia. Meg suprimiu um suspiro. – Foi horrível. – Não havia sentido em ser qualquer outra coisa além de

honesta com Ben, ainda que ela estivesse tentando protegê-lo do seu pai e de Elsie. – Ele ficou frágil durante a noite. Eu me mudei para casa para cuidar dele um pouco. – Meg tinha desistido de seu apartamento em Nelson Bay, mas não de seu emprego como diretora do centro de assistência à infância do qual era dona, mesmo que seu substituto estivesse no comando por uma semana. – Como ele está agora? – Isso levou alguns meses, mas ele está perfeito novamente. Mudou-se para um pequeno apartamento em Nelson Bay. Meu pai disse que quer estar perto

do conforto... O médico, as lojas, o boliche. Nelson Bay ficava a dez minutos do centro metropolitano de Port Stephens. Fingal Bay era encostado à Port Stephens, onde ela e Ben tinham crescido. Meg amava o lugar. Ben não. – Embora eu ache que isso tenha sido apenas uma desculpa, ele simplesmente não poderia mais suportar ficar na mesma casa que eu. Ben parou a taça a meio caminho da boca. – Droga, Meg, por que você tem que

levar isso para o lado errado? Depois de todo esse tempo. Ela fitou a baía e aguardou para que a dor em seu peito fosse aliviada. – De qualquer forma – ele franziu as sobrancelhas – aposto que ele apenas não queria que você sacrificasse sua vida para cuidar dele. Meg deu risada. Querido Ben. – Você tem certeza disso, não é? – Desde a época em que a mãe de Meg falecera quando ela tinha 8 anos e o pai dela havia... O quê? Desistido? Esquecido que tinha uma filha? Ah, ele estivera ali fisicamente. Continuou a trabalhar duro e a ganhar dinheiro. Mas

havia se fechado emocionalmente... Mesmo com ela, sua única filha. Quando voltou a encarar Ben, ela o encontrou fitando a baía, com os lábios comprimidos em uma linha fina e os olhos estreitados. Tinha a sensação de que ele não estivera apreciando a vista. A dor ainda permanecia em seu peito. – Eu não os entendo, sabe? – Eu também não. – Ele não se virou para encará-la. – A diferença entre você e eu, Meg, é que eu desisti de tentar entendê-los. Eu desisti de me importar. Ela acreditou na primeira declaração, mas não na segunda. Nem por um momento.

Ben se virou para fulminá-la com o olhar. – Eu acho que está na hora de você parar de tentar entendê-los e se importar tanto com isso. Se fosse tão fácil. Ela deu de ombros e mudou o assunto. – Como foi hoje com Elsie? – O mesmo de sempre. Quando Meg e Ben estavam com 10 anos, a mãe dele o havia entregado para a avó. Ela nunca retornara. Nunca telefonara. Nem uma vez. Elsie, que nunca fora exatamente cheia de vida, tinha se tornado ainda mais fria. Meg não podia se lembrar de uma única vez

em que Elsie havia abraçado Ben ou mostrado a ele o menor sinal de afeto. – Alguma coisa está acontecendo com eles. Eles se tornaram tão frios quanto ladrões. – Sim, eu também tive essa impressão. O pai dela havia começado a paternidade muito tarde, Elsie tinha começado a maternidade cedo, e a filha dela... A mãe de Ben... Tinha engravidado muito cedo também. Isso tornou Elsie e o pai dela contemporâneos. – Mas... – Ben se moveu em sua cadeira. – Nós realmente nos

importamos? Sim, infelizmente Meg se importava. Diferente de seu pai, ela não poderia desligar seus sentimentos com tanta facilidade. Não conseguiria enterrá-los tão a fundo a ponto de nunca mais verem a luz do dia novamente. Ben cerrou uma das mãos em punho. – Sabe o que me incomoda? Que você agora está presa cuidando dessa casa, que não passa de um elefante branco. Meg ficou tensa. Ben não sabia? – Não estou precisamente presa com isso, Ben. A casa é minha agora... Ele me deu de presente. Meu pai passou a propriedade para mim antes de partir.

– Ele o quê? Por quê? Meg apreciou mais uma colherada da salada de frutas e depois deu de ombros. – Para me sondar. Ele inclinou-se para a frente. – E você aceitou isso? Ela havia aceitado. E se recusava a se acovardar com a incredulidade no tom de voz dele. – Por quê? Contudo, Meg não estava certa de que pudesse explicar isso a Ben. – Pareceu importante a ele. Os olhos azul-escuros de Ben fulminaram os dela. Ela sabia a cor exata dos olhos dele, ainda que não

pudesse enxergar direito em meio à luz da lua. – Você está se aprontando para ter mais decepções – observou ele. – Talvez, mas agora ninguém poderá argumentar que eu não tenho espaço suficiente para criar um bebê, porque eu certamente tenho. Ele deu risada. – Não quando você está vivendo em uma mansão de cinco quartos com uma sala de estar formal, uma sala para a família e uma garagem para três carros – concordou ele. – Mas? – Deve ser um pesadelo limpar essa

mansão. – Não é tão ruim. – Meg exibiu um largo sorriso. – Hora de me confessar… Eu tenho uma faxineira. – Ela endireitou as costas. – Você vai ficar aqui por uma semana, certo? – Ben nunca permanecia mais do que uma semana. – Você se importa se eu marcar uma consulta com o meu médico para nós na quarta ou quinta-feira? – Enquanto estiver em Fingal Bay, Meg, estarei à sua disposição. – Obrigada. – Ela fitou a baía. – Agora, você me contou como acabou no México quando eu pensei que você estivesse guiando um grupo em um tour

em Machu Picchu, mas para onde você irá conduzi-los depois? Ben conduzia tours de aventura ao redor do mundo. Trabalhava como freelancer para múltiplas companhias de viagem. Ele estava em demanda também, o que significava que tinha que escolher para onde iria e o que iria fazer. – Os campos de esqui no Canadá. Ele esquematizou os planos de sua próxima viagem e suas faces se iluminaram. Meg se perguntou sobre o que ele iria fazer uma vez que conhecesse tudo. Começar do início novamente? – Você já viajou em um iate ao redor

do mundo? – Ainda não. Esse era o objetivo dele em sua lista do que mais gostaria de fazer. E ela não tinha dúvida de que eventualmente ele iria. – Leva um tempo velejar ao redor do mundo. Tem certeza de que vai conseguir ir sem uma companhia feminina? – Nunca ouviu falar de uma mulher em cada porto? Meg deu risada. Ben não pôde se conter. O problema era que com ele isso provavelmente não seria uma piada. Ben nunca namorou uma mulher por

mais de duas semanas. Era cuidadoso em não namorar qualquer mulher tempo suficiente para ela se tornar mandona e possessiva. Meg duvidava de que algum dia ele fosse deixar isso acontecer. Seu estômago se apertou, e depois ela sorriu. Esse era o motivo de ele ser o candidato perfeito. Ela uniu as mãos. Um bebê!

CAPÍTULO 2

ESTOU GRÁVIDA!!! As palavras apareceram em uma fonte grande na tela do computador de Ben e um largo sorriso surgiu em seu rosto. Uma notícia brilhante, ele digitou de volta. Parabéns!!! Ele assinou como Tio Ben. Franziu o cenho por um momento, e depois apertou o enter com um menear de cabeça e mais um sorriso. Fazia um mês desde que ele visitara a casa dela e agora... Meg... Uma futura mãe! Ele recostou as costas

no espaldar da cadeira e correu uma das mãos entre o cabelo. Ele iria brindar a ela no bar esta noite com o restante do grupo. Ben estava prestes a desligar o computador, mas um novo e-mail chegou em sua caixa de entrada: FAVORITO Tio Ben! Com amor, M Ele falou as palavras em voz alta. Favorito Tio Ben. Ele meneou a cabeça novamente, e com um sorriso saiu para o frio e a neve da ladeira com seu esqui canadense. DURANTE OSpróximos dois meses, Ben começou a ver mulheres grávidas em todo canto... Nos alojamentos de esqui,

nas praias das ilhas do Pacífico, onde estivera guiando uma expedição de mergulho, em uma pequena pausa durante a viagem em Cingapura, e em Nova Zelândia, antes e depois de guiar um pequeno grupo em uma caminhada de seis dias da Baía de Ilhas até Trounson Kauri Park. Subitamente, mulheres grávidas estavam em todo lugar, e elas preenchiam sua linha de visão. Começou a conversar com mulheres grávidas... Parabenizando-as sobre o próximo membro da família. Cada uma delas respondia com alegria para ele, sua empolgação e o

amor que já sentiam pelo bebê era um espelho do que Meg estaria sentindo. Droga! Ele precisava encontrar uma brecha em sua agenda para ir para casa vê-la, compartilhar dessa empolgação. No terceiro mês, Ben começou a ouvir histórias de horror. Ele rumou para a África a fim de guiar um tour ao safári de três semanas, levando as mãos aos ouvidos e fazendo tudo o que estava ao seu alcance para se esquecer dessas histórias. Meg estava saudável. E ela era forte também... Tanto emocionalmente e fisicamente. Sem mencionar a esperteza. Ele cerrou as mãos em punho. Ela ficaria bem.

Nada de mal poderia acontecer a ela ou ao bebê. Nada! – Quer me dizer o que o está preocupando? – Stefan, o diretor da companhia de tour para a qual Ben estava trabalhando, exigiu saber de Ben em sua segunda noite em Lusaka, Zâmbia. – Você está tão agitado quanto um leão ferido. Ben tinha trabalhado para Stefan durante os últimos cinco anos. Eles formaram uma amizade baseada em seu amor por aventura, mas subitamente Ben se deu conta de que não sabia nada sobre a vida pessoal do outro homem.

– Você tem filhos, Stefan? Stefan se remexeu no banco do bar. – Você magoou alguma garota, Ben? – Minha melhor amiga está grávida. Ela está extática quanto a isso, e eu estou empolgado por ela, mas comecei a ouvir histórias ruins. – Que tipo de histórias? Ben sorveu um gole de sua cerveja. – Histórias envolvendo enjoos matinais e como isso pode debilitar uma pessoa. Fadiga. – A bile subiu em sua boca e ele repousou o copo sobre o balcão. – Abortos espontâneos. Pressão alta. Diabetes. Partos prematuros! Ele suspirou. Que Deus o ajudasse se

qualquer uma dessas coisas acontecessem com Meg… – Ser pai foi a melhor coisa que já aconteceu em minha vida. Ben se virou para encará-lo. – Quantos filhos você tem? Stefan ergueu três dedos e Ben ficou boquiaberto. Stefan deu-lhe um tapinha no ombro. – É claro que há riscos, mas eu aposto que sua amiga vai ficar bem. E ela terá um esposo e o restante da família para ajudá-la e dar a ela todo o apoio que precisa. Ben se concentrou em sua respiração. – Ela vai ser mãe solteira.

Stefan suspirou. – Amigo, isso vai ser difícil. – Ela vai lidar muito bem com a situação. É esperta e independente e... – Não estou falando quanto à futura mãe, amigo. Estou falando sobre o bebê. Quero dizer, é difícil para o bebê. Uma criança merece ter uma mãe e um pai. Ben engoliu em seco. E respirou. – Por quê? – Ben, criar uma criança dá trabalho. Quando um dos pais chega ao extremo cansaço, o outro pode ajudar. Quando um fica doente, o outro está ali. Além do mais, isso significa que a criança fica exposta a dois diferentes pontos de vista

do mundo... Duas formas diferentes de fazer as coisas e de resolver os problemas. Ter os dois pais aumenta mais o mundo de uma criança. Em minha opinião, toda criança merece isso. A garganta de Ben ficou completamente seca. Suas mãos começaram a tremer. Ele colocou a pequena garrafa de cerveja sobre a mesa e depois repousou as mãos no colo. Tudo o que podia ver era Meg, grávida de uma criança com metade do seu DNA. Quando concordou em ajudá-la, Ben não sabia que iria se sentir... responsável.

– Mas deixando tudo isso de lado – prosseguiu Stefan –, um bebê merece ser amado incondicionalmente pelas duas pessoas que o criaram. Sei que estou falando de um mundo ideal aqui, Ben, mas... Eu apenas acho que toda criança merece esse amor. O tipo de amor que ele e Meg não tinham recebido. O tipo de amor que ele estava negando a seu filho. Ben levou uma das mãos ao rosto. Não! O filho dela! – Você vai entender um dia quando tiver seus próprios filhos, amigo. – Eu nunca...

Ele não pôde terminar a sentença. Porque ele era pai, não era? E ele sabia que o papel de tio nunca iria compensar a falta de um pai na vida do bebê. Seu bebê. Ben virou-se novamente para Stefan. – Você terá que encontrar alguém para me substituir. Não posso guiar o tour ao safári na quinta-feira. Três semanas no coração da África? Ele meneou a cabeça. Não tinha todo esse tempo para despender ali. Precisava ir para casa e se assegurar de que Meg estivesse bem. Ben tinha que ir para casa e se assegurar de que o bebê estava certo.

CAPÍTULO 3

UMA

virou no fim da estrada. Meg ergueu os olhos das ervas daninhas do jardim e ouviu. Aquela motocicleta soava como a de Ben, embora não pudesse ser ele. Não iria voltar ao país por mais sete semanas. Meg pressionou as mãos na base da coluna e se espreguiçou o máximo que pôde ainda ajoelhada no chão. Essa casa que o pai havia lhe dado precisava de muita manutenção... Muito mais do que o seu pequeno apartamento exigia. MOTOCICLETA

Ela baixou o olhar para o próprio ventre e uma onda de excitação a invadiu. Repousou a mão sobre o abdômen... Seu bebê... Tudo parecia certo em seu mundo. E então a motocicleta parou. Bem do lado de fora da casa. Meg se ergueu do chão e um tipo diferente de empolgação dominou seu interior. Ben? Um olhar para os ombros largos e o tórax poderoso confirmou sua suspeita. Ainda sentado na moto, ele retirou o capacete e sacudiu o cabelo longo e louro. Estendeu o pescoço para a esquerda e depois para a direita antes de

avistá-la. Ele ficou tenso, e depois o sorriso lento que ergueu um canto de seus lábios o iluminou e atingiu-a com seu impacto. Bom Deus. Ela tropeçou. Não era de se admirar que tantas mulheres se apaixonavam por ele ao passar dos anos… Ele era maravilhoso! Meg o conhecia tão bem que sua aparência física mal era registrada nesses dias. Exceto... Exceto quando o sorriso dele escapava e ela lia a incerteza em suas faces. Seu coração se aquecia. Essa era a primeira vez que ela o via desde que havia engravidado. Será que ele estava

preocupado que ela não fosse manter sua palavra? Que ela esperava mais dele do que ele estava disposto a dar? Meg retirou suas luvas de jardinagem e depois atravessou o jardim e saiu no portão onde Ben ainda se encontrava em cima da moto. Ela puxou a barra da camiseta que vestia e girou o corpo para a esquerda e para a direita a fim de que ele pudesse ver sua glória. – Olá, tio Ben. Gostaria que conhecesse o meu bebê... Carinhosamente conhecido como o Munchkin. Ela enfatizou as palavras “tio Ben” e “meu”, então ele soube que tudo

permanecia da mesma forma... Que ela não tinha mudado de ideia e agora estivesse esperando mais do que ele poderia oferecer. Ben deveria ter mais fé nela. Ela o conhecia. Realmente o conhecia. Mas ela perdoava-lhe os medos. Ben e família? Isso seria muito difícil. Ele a encarou e ficou imóvel. Não disse nada. Ela endireitou as costas e cruzou os braços frente ao peito. – O que você deveria dizer, tio Ben, é que está muito feliz em conhecer meu bebê. E depois você deveria perguntar sobre a minha saúde. Ben inclinou a cabeça para trás ao

ouvir o comentário. – Como está...? – Ele piscou. Suas sobrancelhas se uniram até que ele estivesse quase fulminando-a com o olhar. – Meg, você parece ótima! – Eu me sinto ótima também. – E, dando um sorriso, ela indagou: – O quê? Está dizendo que eu era uma bruxa antes? – É claro que não, eu... – Ah, peguei você! Mas ele não riu. Meg inclinou-se para a frente a fim de estudar-lhe as faces. – Há quanto tempo está sem dormir? Os olhos dele repousaram no abdômen dela novamente.

Meg tomou-o pelo braço. – Vamos lá, Ben. Chuveiro e depois cama. – Não. Ele não se moveu. Debaixo da jaqueta em couro, os braços dele estavam completamente rígidos. Meg o deixou escapar e recuou um passo. – Mas você está horrível. – Preciso falar com você. Os olhos de Ben não haviam deixado o seu abdômen e ela subitamente desejou se proteger do olhar dele. – Então certamente conversar apreciando um café faz mais sentido do que permanecer aqui fora dando motivos

para os vizinhos fofocarem. – E, estudando-o, ela declarou: – Você parece estar precisando de um café. Finalmente, Ben desceu da moto para se colocar ao lado dela. Ela entrelaçou um dos braços no dele e o guiou até a porta principal. – Há quanto tempo você vai ficar em casa desta vez, tio Ben? – Não! Meg piscou. O que ela havia dito de errado? – Não posso fazer isso, Meg. Ele fitou-a diretamente nos olhos. – Tio Ben não, Meg, papai. Eu sou o pai desse bebê.

Ele estendeu uma das mãos e repousou-a sobre o abdômen feminino. – É sobre isso que eu quero conversar com você, porque eu quero ter o papel de pai na vida dele. O calor da mão dele parecia queimarlhe o ventre. Ela afastou-lhe a mão. Recuou um passo. Ben se endireitou. – Sinto muito. Eu sei que não foi isso o que combinamos. Mas... – O pai do bebê? – indagou ela irritada. – Droga, Ben, você coletou sêmen em um recipiente. Isso não o torna um pai! Ela abriu a porta de casa e entrou.

Ben a seguiu até a cozinha. Meg virou-se para encará-lo. – Um pai? Você? – Ela não riu. Meg não queria magoá-lo. Mas Ben... Um pai? Ela nunca ouviu algo tão ridículo. Levou uma das mãos à testa. – Desde quando você quer ser um pai? Ben a encarou de volta, com sua pele pálida e seu olhar frio. Droga! Quanto tempo fazia desde que ele havia dormido? Meg afastou o pensamento. – Ben, você não consegue se comprometer com nada. – Ela pressionou ambas as mãos sobre o abdômen. Era seu dever proteger essa

criança. Até mesmo do seu melhor amigo. – Não. – A voz dela soou clara em meio ao silêncio. Ele meneou a cabeça, sua boca estava comprimida em uma linha fina. – Essa é uma das coisas que você não pode me mandar fazer. Não vou desistir. Eu sou o pai do bebê que você está carregando. Não há nada que você possa fazer quanto a isso. Apenas por um momento, a esperança invadiu seu coração. Talvez eles pudessem fazer isso dar certo. Porém, no próximo minuto, ela afastou o pensamento. Pensou exatamente isso uma vez no passado... Há dez anos,

quando eles se beijaram. Mas quanto mais tempo ela o encarava, menos reconhecia o homem parado a sua frente. Seu Ben havia ido embora. Substituído por um estranho magro, com um olhar faminto. Uma sede de perguntas a invadiu. – Eu vou ser parte da vida desse bebê. Meg iria lutar contra ele com todas as armas que poderia. Ben inclinou-se em direção a ela, com suas faces distorcidas e escuras. – Não me faça brigar com você por causa disso. Não me faça lutar pela custódia, Meg, porque eu vou.

Ela congelou. Por um momento, pareceu que seu coração havia parado de bater. O restante da cor deixou as faces de Ben. – Droga. – Ele recuou um passo, depois se virou e escapou. Meg correu atrás dele e agarrou-lhe o braço segundos antes de ele alcançar a porta dos fundos. – Ben, não. – Ela repousou a testa contra o ombro dele e tentou conter um soluço. – Não me olhe assim. Você não é seu pai. – O pai que tinha… Meg não conseguiu terminar o pensamento. Ela poderia não pensar em

Ben como um excelente pai, mas também não seria como o pai dele. – E pare de tentar me ignorar dessa maneira. – Ela fez o seu melhor para sua voz soar firme. – Se eu cair, poderei machucar o bebê. Ele fulminou-a com o olhar. – Isso é chantagem emocional. – Do pior tipo – concordou ela. Ben girou os olhos nas órbitas, mas ela notou que a tensão dele começava a ser aliviada. Meg deu-lhe um tapinha no braço e recuou um passo, desconfortavelmente ciente da proximidade dele. – Eu entrei em pânico. Você apenas

me entregou um cenário que eu não tinha previsto em um milhão de anos. E você... Você parece não dormir há dias. Nenhum de nós dois está inteiro no momento. Ele hesitou, mas depois assentiu com a cabeça. – Está certo. Essa não era a primeira vez que ela e Ben brigavam. Uma de suas maiores brigas tinha sido há sete anos quando Ben tinha seduzido sua amiga Suzie. Meg havia implorado para ele não fazer isso. Tinha implorado para Suzie não cair na armadilha dele. Ambos a ignoraram. E, previsivelmente, assim

que Ben dormiu com Suzie, perdeu todo o interesse e partiu em busca de novas aventuras. Suzie havia culpado Meg. Desde então, ele permaneceu longe de suas amigas. Essa briga parecia mais grave do que a outra. Pior ainda, exatamente como aquele momento há dez anos... Quando eles se beijaram... Isso tinha o potencial de destruir sua amizade. O instinto lhe disse isso. E a amizade de Ben significava o mundo para ela. – Então? Meg ergueu os olhos para encontrá-lo observando-a atentamente.

– Então... – Ela se endireitou. – Você vai dormir um pouco e eu vou… – Caminhar ao longo da praia. Era nesse lugar que ela sempre se dirigia para esfriar a cabeça. Era seguro caminhar ao longo de Fingal Beach e até Fingal Island. – Leve uma garrafa de água e alguma fruta. Você precisa se manter hidratada. – E você precisa comer alguma coisa saudável antes de ir para cama. – E nós nos encontraremos de volta aqui...? Meg dirigiu o olhar para o relógio. – Podemos nos encontrar às 15h. Ele assentiu com a cabeça.

– Você vai me fazer visitar Elsie? Ela não tinha energia para outra briga. – Há quatro quartos de hóspedes no segundo andar. Faça como desejar. Os dois haviam se afastado quando a campainha tocou. Meg pôde sentir os ombros se encurvando. Ben lançou-lhe um olhar significativo. – Pode deixar comigo. Vou dizer que você não está. – Obrigada. Ela quase considerou a ideia de sair pela porta dos fundos, mas achou melhor aguardar na cozinha. – Ah, Meg? Os olhos dela se arregalaram quando

Ben retornou, e os olhos dele tentavam lhe transmitir alguma mensagem. E então Elsie e o pai dela apareceram atrás dele. Meg ficou surpresa. O pai dela não estivera nessa casa desde que lhe passara a propriedade. E Elsie? Elsie já havia entrado nessa casa? – Queremos falar com você – disse o pai. – Trouxemos chá – ofereceu Elsie, revelando uma sacola de compras. – Obrigada. Hum... Adorável – declarou Meg enquanto apanhava a sacola. – Vou preparar o chá. Ben rumou para a porta. – Com licença.

– Não, Benjamim, é bom que esteja aqui – declarou o pai dela. – Elsie me telefonou quando soube que você havia chegado. É por isso que estamos aqui. O que temos a dizer irá afetá-lo também. Ben dirigiu o olhar para Meg. Ela deu de ombros. – Pai, por que você e Elsie não vão se sentar na sala de estar? Eu vou levar chá e bolo em um minuto. – Antes que seu pai pudesse protestar, ela virou-se para Ben. Eu ficaria grata se você preparasse uma travessa para mim. Ben entrou em ação imediatamente. – O que há com eles? – murmurou Ben assim que Elsie e o pai dela saíram

da cozinha. – Eu não sei, mas eu lhe disse da última vez que você esteve aqui que havia alguma coisa acontecendo com eles. Eles apanharam o chá e o bolo e levaram a travessa para a sala de estar. Meg sorveu um gole do chá e levou uma fatia do bolo à boca. – Isso é muito bom. Seu pai e Elsie sentaram lado a lado no sofá e ambos pareciam estar tensos. – Embora seja adorável ter a companhia de vocês, eu tenho a impressão de que esta não é uma visita social. Você precisa nos dizer algo?

– Sim, Megan. O nome do pai dela era Lawrence Samuel Parrish. Se eles não o chamasse de Sr. Parrish... As pessoas, isto é, os colegas e conhecidos... Eles o chamavam de Laurie. O pai dela não continuou. Elsie não assumiu o comando. Aliás, a mulher de meia-idade parecia estar estudando o desenho do teto. – Bem! – Meg uniu as mãos. – Estamos ansiosos, não estamos Ben? Ele se mexeu. – Estamos? Se estivesse mais perto, ela o teria beliscado.

– Sim, é claro que estamos. Meg encarou Laurie e Elsie. Eles a encararam de volta, mas não disseram nada. Ela sorveu um gole do chá e virou para encarar Ben a fim de começar uma conversa. Qualquer conversa. – Que parte do mundo você esteve visitando dessa vez? Ele se virou para ela, efetivamente excluindo o casal de meia-idade. – Em um safári na África. – Leões e elefantes? – Mais do que você possa contar. – Elsie e eu vamos nos casar. Meg derramou chá no espaço entre ela e Ben. Ben retornou o favor. Elsie

ergueu-se imediatamente e apanhou as canecas deles enquanto os dois tossiam e tossiam. O pai de Meg entregou guardanapos aos dois. Depois o casal se sentou lado a lado da mesma maneira formal de antes. A tosse de Meg começou a ser aliviada. – Vocês estão falando sério? O pai dela continuou rígido. – Sim. Era isso. Um simples sim. Sem explicação. Sem declaração de amor. Nada. Meg dirigiu o olhar para Ben. Ele estava encarando-os como se nunca os

tivesse visto antes. Meg se remexeu no sofá. – Eu não quero ser impertinente, mas... Por quê? – Isso é impertinência. – O pai dela ergueu o queixo. – E não é da sua conta. – Se não é da minha conta, então eu não sei de quem pode ser – retrucou ela, surpreendendo a si mesma. – Eu lhe disse que eles não iriam aprovar! – exclamou Elsie. – Oh, não é que eu não aprove – explicou Meg. – Eu não – declarou Ben. Meg o encarou. – Sim, mas você não aprova

casamento por princípio. – Ela girou os olhos nas órbitas. Ele realmente achava que queria ser um pai? Pense sobre isso depois. Meg virou-se para o casal de meiaidade. – O problema é que eu nem mesmo sabia que vocês estavam namorando. Por que o segredo? E... E… Quero dizer… O pai dirigiu um olhar para Elsie e depois para Meg. – O quê? – Ele quis saber. – Vocês se amam? Elsie olhou para o outro lado. O pai abriu e fechou a boca, mas não emitiu

nenhum som. – Quero dizer, certamente esse é o único motivo para se casar, não é? Ninguém disse nada. Os lábios dela estremeceram. Meg era a única pessoa nessa sala que acreditava em amor...? – Elsie e eu achamos que iremos nos dar bem juntos. Ela começou a girar os olhos nas órbitas ao ver o orgulho do pai, mas depois ele fez algo extraordinário... Estendeu o braço e tomou uma das mãos de Elsie. Elsie segurou a mão dele em seu colo e não pareceu estranho ou errado. Meg fitou-lhe as mãos entrelaçadas e

teve que lutar contra o nó que se formou em sua garganta. – Nesse caso, parabéns. Ela se ergueu e beijou os dois na bochecha. Ben não a imitou. Meg voltou a se sentar e lançou um olhar de censura para ele. – Ben? Ele deu de ombros. – Isso não é da minha conta. – E após uma pausa, acrescentou: – Eles têm idade suficiente para saber o que querem. – Precisamente – declarou o pai. – Então, onde vocês vão morar? –

indagou Meg, quebrando a tensão que pairava no ar. – Vamos morar em meu apartamento em Nelson Bay. Ela se virou para Elsie. – O que vai fazer com sua casa? Antes de se aposentar, o pai de Meg tinha sido um incorporador de imóveis. Ele ainda possuía muitos contatos na indústria. – Eu vou dar minha casa a Ben. Ben ergueu-se imediatamente do sofá. – Eu não quero! O pai de Meg também se ergueu. – Essa é uma maneira desagradável de responder a um presente tão

generoso. Ben fulminou a avó. – Ele a convenceu disso? – Certamente não! – Elsie também se ergueu. – Meg está certa. Ela está vendo o que você não tem... Ou o que não pode ter. Não que eu possa culpá-lo por isso. Mas... Mas Laurie e eu nos amamos. Eu entendo o quanto é difícil para você acreditar depois da maneira que nós dois temos nos tratado durante os anos, mas eu despendi muito tempo com ele quando estava se recuperando. – Ela lançou um olhar apologético para Meg. – Quando você estava no trabalho, nós conversávamos muito. E estamos

esperando que não seja muito tarde para todos nós nos tornarmos uma família. – Elsie terminou de falar com a voz fraca e as bochechas coradas. Foi um dos discursos mais longos que Meg a tinha ouvido dizer, mas um olhar para Ben e ela recuou. – Uma família? – berrou ele. – Sentem-se! – gritou Meg. Todos se sentaram, e depois a encararam em vários graus de espanto. – Vocês marcaram uma data para o casamento? Elsie lançou um olhar para o pai de Meg. – Pensamos no dia 30 do próximo

mês. Próximo mês? No final de março? Faltava apenas seis semanas para isso! – Vamos nos casar no cartório. Gostaríamos que vocês dois estivessem presentes. – O pai não a encarou enquanto falava. – É claro. – respondeu Meg. – E onde vocês vão passar a lua de mel? – Eu... – Ele franziu o cenho. – Somos muito velhos para ter uma lua de mel. Meg fitou-o diretamente nos olhos. – Papai, você ama Elsie? Laurie engoliu a saliva e assentiu com a cabeça. Ela nunca o vira parecer tão

vulnerável em toda sua vida. Meg piscou e engoliu em seco. – Então vocês não são velhos demais para uma lua de mel. – Ela suspirou. – E, como Elsie, você está esperando reconstruir os laços de família? – Eu sinceramente espero que sim, Megan. Quero dizer, você tem um bebê a caminho agora. Correção... Ela nunca o vira tão vulnerável até agora. Contudo, seu pai estava disposto a mudar por um neto, não por ela. – Meg. Ela se ergueu e se aproximou da poltrona onde Ben estava acomodado.

– Você deve permitir que Ben e eu organizemos uma festa de casamento... Uma celebração apropriada para honrar o compromisso público de vocês dois. – O que...? Ben se interrompeu e praguejou baixinho quando ela puxou sua cadeira discretamente. – Oh, isso não é necessário... – começo Elsie. – É claro que sim! – Meg sorriu para ela. – Será nosso presente para vocês. Laurie se colocou de pé, com o pânico evidente em seu rosto. Meg piscou para Elsie antes que ele pudesse falar.

– Toda mulher merece um dia de casamento, e meu pai sabe o valor de aceitar tal generosidade. Não é, pai? – Família, huh? Bem, ele teria que provar isso. – Vamos ter o casamento aqui – disse Meg a eles, erguendo o queixo. – Será uma festa tranquila, mas clássica e elegante. – Eu… – O pai dela piscou. Ben se colocou mais para a frente na poltrona. Elsie estudou o chão. Meg encontrou os olhos do pai. – Acredito que “obrigado” seja a palavra que você está procurando. – Meg se sentou e ergueu o garfo. –

Alguém quer mais bolo? – Ela cortou mais uma fatia generosa para Ben. – Coma, Ben. Você parece estar precisando disso. Ele fulminou-a com o olhar. Mas devorou o bolo. Depois de uma leve hesitação, Elsie levou uma garfada do bolo à boca. Seus olhos se alargaram. Ela levou outra garfada à boca. Ao assisti-la, Laurie fez o mesmo. – QUE “DIABOS” você pensa que está fazendo? – indagou Ben no instante que o casal foi embora. Meg cruzou os braços em frente ao peito e indicou a escadaria com um gesto de cabeça.

– Você quer subir para tirar um cochilo? Ele apontou o indicador para ela. – Acha que sou tolo? Eu não vou lhe ajudar a organizar algum casamento desprezível. Você entendeu isso? Alto e claro. – Depois de amanhã vou sair daqui e não voltarei por três meses. Exatamente o que ela havia esperado. – Você me ouviu, Meg? Quer que eu seja mais claro? – Depois de amanhã, huh? – Sim. – E você não vai voltar até maio? – Precisamente. – Ele rumou para a

escadaria. Meg cruzou os braços na frente do peito. Esperou até que o pé dele atingisse o primeiro degrau. – Então você desistiu da ideia de ser pai? Ele congelou. E depois praguejou de forma tão rude que ela levou as mãos ao abdômen em uma tentativa de tapar os ouvidos do bebê. – Ben! – Você... – Ele apontou um dedo para ela. – Eu nada – devolveu ela irada. – Você não pode simplesmente aparecer aqui e exigir todos os direitos e

privilégios da paternidade a menos que esteja preparado para cumprir com sua palavra. Esse compromisso inclui lidar com o meu pai e com sua avó. Isso também inclui ajudar no casamento, participar de batismos e festas nas piscinas dos vizinhos e todas essas outras coisas que você detesta. Meg cruzou a sala para ficar de pé na frente dele. – Ninguém está pedindo para que você se comprometa... Muito menos eu. Os olhos dele se estreitaram. – Eu sei exatamente o que você está planejando. – Ben fitou-a diretamente nos olhos. – Você acha que a ideia de

ajudar com esse casamento vai me assustar. Ela ergueu uma sobrancelha. E não era verdade? – Isso não vai funcionar, Meg. Eles teriam que esperar para ver. – Acredite em mim, Ben, um bebê é uma proposta muito mais assustadora do que um casamento. Mesmo esse casamento. – Você não acha que eu vou perseverar? Nem por um momento. – Se não consegue ajudar no casamento, não sei como vai conseguir ser pai. Fim de história.

Ele estendeu uma das mãos para ela. – Você fez um desafio, Meg, deixe que o mais forte vença. Meg recusou-se a trocar um aperto de mão com ele. – Essa não é uma aposta estúpida, Ben. É a vida do meu bebê! A expressão dele se suavizou, mas a chama em seus olhos não enfraqueceu. – Errado, Meg. Nosso bebê. É a vida do nosso bebê. Ele tocou-lhe o rosto com o dorso da mão e depois subiu a escadaria. – Oh, Ben – sussurrou ela, levando a mão ao local que ele havia lhe tocado na bochecha. Ele não tinha ideia de onde

estava entrando.

CAPÍTULO 4

BEN

em um dos quartos de hóspedes de Meg em vez de dormir na casa de Elsie. Ele dormiu como um bebê. Quando finalmente acordou e entrou na cozinha, a primeira coisa que avistou foi Meg concentrada em seu laptop sobre a mesa. O sol que entrava pelas janelas a iluminavam com uma cor dourada. Meg ergueu os olhos do laptop. Sorriu. Mas não era o seu sorriso largo e comum. DORMIU

– Eu me perguntei quando você iria acordar. Ben friccionou a nuca. – Não consigo me lembrar da última vez que dormi tanto. – Onde você estava? Ele franziu as sobrancelhas e apontou o cômodo. – Seu quarto dos fundos. O sorriso que ela exibiu iluminou suas faces. – Quero dizer onde exatamente na África, onde você estava antes de voltar para a Austrália? Oh, certo. – Zâmbia, para ser exato.

– Excitante – murmurou ela. Ele suspirou. – Meg, nós estamos bem... Você e eu? – É claro que sim. – Mas ela havia voltado a atenção para o laptop e não o encarou quando disse: – Olha, precisamos conversar, mas coma alguma coisa primeiro enquanto eu termino essas contas. – Está trabalhando em um domingo? – Eu administro meus próprios negócios, Ben. Eu trabalho quando tenho que trabalhar. Ele ficou calado depois disso e apanhou um pouco de cereal e o apreciou ao mesmo tempo em que fitava

o jardim através da janela da cozinha. Assim que Ben terminou de lavar e secar os pratos, Meg desligou o computador e o colocou de lado. Ele serviu dois copos com suco de laranja e se sentou à mesa. – Você disse que nós temos que conversar. – Ben empurrou um copo para ela. Ela piscou. – E você não acha que isso seja necessário? – Eu disse o que precisava dizer ontem. – Ele a estudou por um momento. – E eu não quero brigar. Meg o encarou. Quando ele

permaneceu em silêncio, ela suspirou e meneou a cabeça. – O quê? – Ele quis saber. – Ontem você disse que queria ser reconhecido como o pai do bebê. – Eu quero. – E que você quer fazer parte da vida dele. – Está certo. – Então você pode me explicar isso direito, por favor? Quais são suas verdadeiras intenções? Ele a fitou cegamente. Sobre o que ela estava falando? Meg meneou a cabeça novamente, seus lábios estremeceram.

– Isso significa que você vai querer visitar o bebê uma vez por semana? Ou que você quer que o bebê viva com você dois dias a cada duas semanas? – Os olhos dela exibiram um brilho de desdém. – Ou você quer entrar e sair da vida dele como está fazendo agora, com a exceção de que, em vez de lhe chamar de tio Ben, a criança tenha o privilégio de chamá-lo de pai? Ela inclinou-se para mais perto dele. – Você realmente está disposto a se acomodar e ajudar a cuidar desse bebê? Acomodar? A boca dele ficou seca. Ben não tinha pensado… Ela recuou um passo e cruzou os

braços em frente ao peito. – Ou você quer permanecer como sempre esteve? Meg o encarou, seus olhos e a tensão em seus braços cruzados exigiam uma resposta. Ele tinha que dizer algo. – Eu... Eu não pensei nos detalhes da situação. – Isso não era muito, mas ao menos era a verdade. – Você não pode ter isso de duas maneiras, Ben. Ou você será o tio Ben ou o pai desse bebê. Eu vou querer o melhor para o meu bebê. Ele se ergueu de sua cadeira. – Você não pode exigir que eu mude minha vida inteira!

– Não estou exigindo isso. Eu nunca tive nenhuma expectativa vinda de você. Foi você quem entrou aqui ontem e disse que queria ser um pai. E um verdadeiro pai é... – Mais do que sêmen em um recipiente. – Ele voltou a se sentar. Meg levou os dedos aos olhos, pressionando-os levemente. – Eu sinto muito. Eu coloquei isso de forma muito crua ontem. Meg ergueu a cabeça. – Um pai é muito mais do que um tio, Ben. Ser um pai verdadeiro exige mais compromisso do que você está acostumado. Um pai não é apenas para

diversão e jogos. Ser um pai significa ficar acordado a noite inteira quando seu filho está doente, jogar futebol juntos, comparecer a reuniões de pais. As mãos dele se fecharam. Seu estômago se apertou. Ele exigiu algo no dia anterior sem saber exatamente o que estava exigindo. – Ben, o que você sabe sobre bebê? Nada. Além do fato de que eles eram milagres. E que mereciam o melhor que a vida pudesse oferecer. – Você já segurou um bebê em seu colo? Não. Nem mesmo uma vez. – Você sabe como educar alguém?

Ele ficou tenso. Que diabos...? Que tipo de egoísta ela pensava que ele fosse? – Não estou lhe criticando. Essas coisas provavelmente nunca passaram por sua mente. – Meg franziu a testa. – Você tem essa vida incrível e excitante. Você realmente quer desistir dela por fraldas, babadores e corridas ao dentista? Ele não poderia responder isso. – Você realmente quer ser um pai, Ben? Ben fitou as próprias mãos e curvou os dedos contra as palmas, cerrando-as em punho.

– Eu não sei o que fazer. – Ele procurou os olhos de Meg... Olhos que lhe deram respostas no passado. – O que eu devo fazer? – Sem chance! – devolveu ela. – Eu não vou lhe dizer o que você tem que fazer. Não vou tomar essa decisão por você. É uma coisa muito importante. Isso é algo que você tem que decidir, Ben. Ben sentiu sua boca ficar mais seca que o deserto do Kalahari. As faces dela se suavizaram. – Se você não quer esse nível de envolvimento, eu vou entender. Você não estará me decepcionando. Vamos

prosseguir como sempre fizemos e não haverá ressentimentos. Ao menos não da minha parte. Ou da parte dele! – Mas se quiser ser um verdadeiro pai, parece justo que eu lhe avise que minhas expectativas serão as maiores. Ben engoliu em seco. Ele não criava expectativas. Meg estendeu o braço e tocou-lhe uma das mãos. – Sou tão grata a você, Ben. Não posso lhe dizer o quanto estou ansiosa para ser mãe... O quanto estou feliz com essa gravidez. Você me ajudou a tornar isso possível. Se quiser ser um pai

presente, eu nunca negaria isso a você. Ben não poderia fugir. Ela estava grávida de seu filho. Mas poderia cumprir as expectativas dela de como um pai deveria ser? Ele poderia cumprir com suas próprias expectativas? Fazer um trabalho melhor do que o seu pai fizera? Ben sentiu o coração bater forte dentro do peito. Poderia ser melhor para todos se ele se erguesse da cadeira nesse exato momento e simplesmente fosse embora. – Eu me dei conta de que essa não é o tipo de decisão que você pode tomar durante uma noite.

– Mas, Ben, pelo bem do bebê... E pelo meu bem... Você poderia, por favor, tomar sua decisão no dia do casamento? Ele ergueu a cabeça. Seis semanas? Ela estava lhe dando seis semanas? Ben engoliu em seco. – E falar em casamentos... – Ela se ergueu e indicou com a cabeça para a porta dos fundos. Casamentos? Ele franziu as sobrancelhas. – Vamos. Eu preciso de sua ajuda para medir o quintal. – Para quê? Ben soltou uma expletiva para

apanhar a fita métrica que ela jogou em sua direção. Em seguida, Meg desapareceu do lado de fora da casa. Irritado, ele a seguiu. – Para quê? – repetiu Ben. – Para a tenda. Elsie e meu pai poderão se casar no jardim ao lado das roseiras, a água azul do mar, e nós estabeleceremos uma marquise aqui nos fundos para a refeição, os discursos e as danças. – Por que eles não podem se casar no cartório? Meg se virou com as mãos nos quadris. O sol batia em seu cabelo, seus olhos, o brilho de seus lábios. Com a

protuberância de seu ventre, ela parecia como uma deusa de ouro da fertilidade. Uma deusa desejável. Ele piscou e recuou um passo. – É um casamento. Deve ser celebrado. – Eu nunca conheci duas pessoas menos prováveis de querer celebrar. – Precisamente. Ben estreitou os olhos. – O que você está aprontando? – Cale-se, Ben, e tome as medidas. Ele o fez e ela o acompanhou. – Você não deveria estar pegando leve? – observou ele enquanto ela estava lhe dando as medidas sobre

mesas retangulares. Meg piscou para ele e depois deu risada. – Estou grávida, não doente. Posso continuar fazendo todas as coisas que eu estava fazendo antes de ter engravidado. Ben repousou o olhar sobre o decote da blusa de algodão que ela vestia e que enfatizava os seios fartos. Sua boca ficou seca ao se imaginar abrindo os botões da blusa e deslizando o tecido por sobre os ombros roliços, fitando aqueles seios magníficos sob o sol e inclinando a cabeça para... Ele sacudiu a cabeça a fim de afastar o pensamento. Oh, droga! Ele estava

olhando para Meg, desejando-a. Ben percorreu os dedos de uma das mãos entre o cabelo e andou de um lado para o outro, mantendo os olhos fixos no jardim à sua frente. Cansaço do voo... Tinha que ser isso. E ela estava grávida de seu filho. Certamente era natural que ele a visse de forma diferente? Ben engoliu a saliva e continuou andando de um lado para o outro. Uma vez que ele arrumasse seus pensamentos, decidisse o que iria fazer, as coisas iriam voltar ao normal novamente. Suas mãos relaxaram, sua respiração ficou mais leve. É claro que iria.

Ele voltou a si mesmo para encontrála sacudindo um de seus braços. – Você não ouviu uma palavra do que eu disse, não é mesmo? O que há de errado? Seus lábios pareciam cheios e rosados, e tão desejáveis. Ele engoliu a saliva. – Eu… uh… – Eles estavam medindo o jardim. Está certo. – Onde vamos encontrar pessoas para encher sua tenda? – Marquise – corrigiu ela. – E eu vou precisar da sua ajuda quanto a isso. Sua ajuda. Concentre-se nisso. Não no decote da blusa… Mantenha seus

olhos acima do pescoço dela! – Ajuda? – resmungou ele. – Quero que você consiga o nome de dez pessoas que Elsie gostaria de convidar ao casamento. – Eu? – Eu vou fazer o mesmo por meu pai. Quero dizer, convidar alguns dos meus amigos, juntamente com a rua inteira. Avise-me se há alguém que você também gostaria de convidar. – Dave Clements – falou ele automaticamente. Dave o havia ajudado quando ele mais precisara. Seria ótimo falar com ele. Mas, depois, ele se concentrou no

pedido de Meg novamente. Dez nomes para Elsie? Ela tinha que estar brincando, não é? – Ela conhece dez pessoas? – Deve conhecer. Ela pode gostar até mesmo de convidar seu quiropodista. Elsie tinha um quiropodista? – Mas como eu vou conseguir que ela me dê um nome, quanto mais dez? – Ben e a avó mal podiam suportar uma conversa sobre o tempo, quanto mais algo pessoal. – É problema seu. Você deve ser astucioso, não é? O que você faria se hienas selvagens invadissem seu acampamento na África? Isso deve ser

fácil em comparação a uma situação dessas. – Ela fez uma pausa. – Aliás, vou expulsá-lo do meu quarto de hóspedes para que eu possa esperar que você tenha muito tempo para lidar com ela. Ele ficou boquiaberto. – Você não vai me deixar ficar? – Seu lugar é ali. – Ela apontou para o outro lado da cerca. – Por Deus, Ben, ela está dando aquela casa para você. – Eu não quero. – Então é melhor encontrar uma forma mais graciosa de recusar isso. Ela permaneceu ali com as mãos nos quadris, os olhos brilhando, magníficos

na luz do sol, e subitamente ocorreu a ele que se mudar do quarto de hóspedes dela poderia ser um plano muito bom. Ao menos até o seu relógio biológico se ajustar. Meg uniu as mãos e seu olhar se desviou para o outro lado. Ben se perguntou o que ela iria aprontar agora. – Eu... hum... – Meg ergueu os olhos para encará-lo novamente e engoliu a saliva. – Quero lhe perguntar uma coisa, mas temo que possa ofendê-lo... O que não é minha intenção. Ben deu de ombros. – Vá em frente, Meg. Ela inclinou-se para estudar uma rosa,

e depois tomou coragem: – Nós somos amigos, certo? Melhores amigos. Então isso significa que podemos fazer perguntas pessoais um ao outro, você não acha? Sua curiosidade aumentou. – Claro. – Você realmente pretende ficar em Fingal Bay pelas próximas seis semanas? – Sim. Meg endireitou as costas. – Então eu quero perguntar se você tem dinheiro o bastante para passar esses dias aqui. Dinheiro não é um problema para mim, e se você precisar

de um empréstimo... – Sua voz falhou e ela engoliu em seco. – Eu o ofendi, não é? Ben teve que se afastar para se sentar em um banco próximo. – Não estou colocando defeitos em sua vida ou sua masculinidade – murmurou ela, sentando-se ao lado dele – Mas você vive o momento e vai para onde quer que o vento sopre. Segurança financeira nunca foi importante para você. Ser dono das coisas nunca foi algo importante para você. Ele ergueu a cabeça para avaliar a casa atrás dela. – E isso é importante para você? –

Não era a imagem que ele tinha dela em sua mente. Mas a imagem dele para ela estava distorcida. Era possível que eles tivessem se entendido de forma completamente errada. Afinal, quanto tempo eles realmente despenderam na companhia um do outro pelos últimos cinco ou sete anos? Meg exibiu um sorriso e encolheu os ombros. – Com um bebê a caminho, a segurança financeira se tornou importante para mim. – É por isso que você permitiu que seu pai lhe presenteasse com essa casa? – Não.

– Então por quê? – Ben virou-se para encará-la. – Eu achava que você odiava esse lugar. – Da mesma maneira que ele odiava. Meg o estudou por um longo momento. – Nem todas as lembranças são ruins. Aqui é onde minha mãe chegou como uma recém-casada. É onde eu conheci meu melhor amigo. E... Ele. – Essas lembranças são boas. E olhe. – Ela agarrou-lhe a mão e apontou para o lado da casa até o pátio da frente. – Olhe essa vista. Meg soltou a mão dele e uma parte

dele desejou que ela não tivesse feito isso. – Esse tem que ser um dos lugares mais lindos do mundo. Por que eu não iria querer acordar para isso todos os dias? Ben apreciou a vista. – Além do mais, Fingal Bay é uma bela e pequena comunidade. Eu acho que é um lugar excelente para criar uma criança. – É tão simples assim? É aqui que você quer viver, então você aceitou a casa como um presente? Meg soltou um suspiro, misturado com o som das ondas.

– É muito mais complicado do que isso. É como se... Como se meu pai precisasse me dar essa casa. Ele se inclinou em direção a ela. – Precisasse? Meg deu de ombros. – Eu ainda não cheguei ao fundo dessa questão, mas... Ela o encarou, com seus olhos castanhos firmes e resolutos, seu queixo erguido, como se estivesse ousando-o a desafiá-la. – Eu não tive coragem de recusar o presente. – Da mesma forma que você está esperando que eu não recuse o presente

de Elsie. – Isso é entre você e ela. – Eu já havia estabelecido uma segurança financeira antes. – É mesmo? Ben precisou cerrar os dentes ao ouvir a incredibilidade no tom de voz dela. – Sim. Meg comprimiu os lábios e o encarou como se nunca o tivesse visto antes. – Isso é muito sensível vindo de você. Ele cerrou os dentes com ainda mais força. – Eu tenho dinheiro o suficiente para passar as próximas seis semanas.

– Está bem. – Ela o observou de modo incerto. – Ótimo. Estou feliz que tenhamos resolvido isso. – Enquanto estamos no assunto de questões pessoais – falou ele –, você quer me dizer o que está tentando alcançar com esse terrível casamento? Ela ergueu o queixo. – Estou feliz com esse “terrível casamento” – disse ela a ele. – Vou forçá-los a celebrar. Ben ficou boquiaberto. – Por quê? – Porque não havia alegria quando estávamos em fase de crescimento. – Eles nunca estiveram ao nosso lado

quando precisamos, Meg. Eles não merecem isso... O esforço que você está colocando nisso, o... – Todos têm o direito de ser feliz. E se eles realmente querem fazer essa união, então... – Então? – Então eu apenas acho justo que eles tenham essa oportunidade. BEN PERMANECEU calado. Ela cruzou os braços, com o coração batendo forte dentro do peito. – Quando minha mãe morreu, meu pai apenas se fechou, se tornou uma concha. A morte dela o deixou... Arrasado. Não havia espaço em sua vida para alegria

ou celebração. Ben sentiu as lágrimas arderem em seus olhos. – Ele deveria ter feito um esforço para você. Meg moveu a mão para o abdômen. Ela faria qualquer esforço para o seu filho. – Então – começou ela –, enquanto meu pai era frio comigo, sua mãe o deixou com Elsie e desapareceu. Ela nunca telefonou ou mandou uma carta ou qualquer outra coisa. Elsie deve ter ficado muito preocupada. Ela deve ter tido medo de amar você. – Medo de me...?

– Quero dizer, e se a sua mãe voltasse e o levasse de volta e ela nunca mais ouvisse falar de você? E se, quando você crescesse, você fizesse exatamente o que a sua mãe fez e a abandonasse? – Minha mãe abandonou a mim, não a Elsie. – Ela abandonou vocês dois, Ben. Ele ficou boquiaberto. Meg assentiu com a cabeça. – Sim, você está certo. Ambos deveriam ter feito um esforço maior por nós. Mas ao menos nós encontramos um ao outro. Ao menos ambos temos um amigo no mundo do qual podemos contar totalmente. E você não pode negar que

nos divertimos juntos. Ele deu de ombros. – Não quero negar isso. – Ben, você não consegue ver que meu pai e Elsie não têm tanto em comum como nós dois? A vida os deixou feridos. Mas... – Ela engoliu a saliva. – Eu exijo alegria em minha vida agora. Se eles se recusarem a celebrar esse casamento, então eu saberei que essas pontes... A distância entre nós... Nunca poderá ser reparada. E eu terei minha resposta. Ela inspirou fundo. – Uma última chance, Ben, é tudo o que estou dando a eles. – E era isso que

ela queria que ele fizesse também. Ben não disse nada. Meg suspirou. – Quando foi a última vez que você se sentiu feliz? – perguntou ela em um impulso. E então a memória daquele beijo demorado que eles haviam compartilhado voltou à mente dela, fazendo-a sentir um arrepio na pele. Pare! Ela e Ben nunca mais iriam trilhar esse caminho novamente. Havia muita coisa em risco. Jamais. Meg cruzou os braços em frente ao peito e engoliu a saliva. – Não pode ser tão difícil assim, não é? – exigiu ela quando ele permaneceu

calado. – Há muitas lembranças boas para que eu escolha apenas uma – declarou ele finalmente. – A mais recente que vem à minha mente é quando eu fiz bungee-jumped sobre o rio Zambezi da ponte Victoria Falls. Uma onda incrível de adrenalina. Eu me senti como um super-herói. – E, fitando-a diretamente nos olhos, indagou: – E quanto à você? Quando foi a última vez que se sentiu feliz? Ela nem mesmo precisava pensar. Meg repousou uma das mãos sobre o ventre e sorriu. – No momento que eu descobri que

estava grávida. Ela iria ter um bebê! – E todos os dias depois da descoberta, apenas tendo a consciência de que eu estava grávida. Ben apreciou a vista da baía. – Então você quer espalhar alegria, hum? – Absolutamente. – A gravidez havia mudado sua perspectiva. Em comparação com tantas outras pessoas, ela era muito afortunada. – Nós sabemos como celebrar, Ben, mas meu pai e Elsie... Bem, eles se esqueceram disso ou nunca souberam o segredo em primeiro lugar.

– Isso não é um segredo, Meg. Diga isso a Elsie e ao pai dela. – E se o seu plano não funcionar e eles permanecerem tão amargos e distantes como sempre? – Isso não vai partir o meu coração, se é com isso que está preocupado. Mas ao menos eu vou saber que tentei. – E se o plano funcionar? Você já pensou nisso? – Esse cenário seria o mais desafiador de todos – concordou ela. – Nós quatro... Ou melhor, cinco – emendou ela, lançando um olhar para o próprio ventre. – Todos tentando nos tornar uma família depois de todo esse

tempo. Isso será difícil. – Ela clareou a garganta e inspirou fundo. – Se tudo der certo, eu vou me sentir muito feliz e talvez você também. – Mais contos de fadas, Meg? Ele ainda mantinha tanto ressentimento da infância? – Você ainda quer puni-los? – Não. – Ele meneou a cabeça lentamente. – Mas não acho que eles mereçam todos os seus esforços. Principalmente quando estou longe de ser convencido de que qualquer coisa que fizermos possa fazer diferença para eles. – Mas o que custa tentar?

– Temo que isso possa machucá-la. Ele sempre iria cuidar dela. Meg sorriu. – Eu tenho um bebê a caminho. Estou no topo do mundo. Subitamente, Ben também sorriu. – Está bem, Meg, estou dentro. Farei qualquer coisa que puder para ajudar. Meg deixou escapar um suspiro. – Sob uma condição. Ela deveria ter adivinhado. Meg cruzou os braços. – Qual…? – Ela não iria deixar que ele dormisse no quarto de hóspedes. Ele pertencia à casa vizinha. E além do mais, precisava do seu próprio espaço.

– Você vai me deixar tocar o bebê.

CAPÍTULO 5

MEG

pôde conter um súbito sorriso. Muitas pessoas haviam tocado seu ventre... Felizes por ela e pelo milagre que crescia em seu interior. Por que Ben seria diferente? É claro que ele estaria curioso. – É claro que você pode, Ben. Ela se virou para encará-lo, oferecendo seu ventre a ele. Ben estendeu as mãos, ambas fortes e seguras. Elas não estremeceram. As mãos dele se curvaram ao redor do NÃO

abdômen feminino… E inesperadamente isso passou a ser a coisa mais natural do mundo. Contudo, o toque não pareceu ser do seu melhor amigo, e sim um toque doce e sensual. Meg prendeu a respiração e fechou os olhos. Ben se moveu para mais perto e o calor do seu corpo a dominou. Ela abriu os olhos e tentou se concentrar na luz que banhava a baía do lado de fora. Mas então a essência da loção pós-barba que ele usava invadiu-lhe as narinas. Meg soltou um suspiro estremecido. Seu coração quase parou quando ele se ajoelhou à sua frente e pressionou o

lado esquerdo de suas faces contra o seu abdômen, com seu braço envolvendo-lhe a cintura. Sua garganta se fechou e lágrimas ameaçaram irromper em seus olhos. – Ei, bebê... – falou ele. – Eu sou seu… – Não! – Ela tentou recuar, mas ele pressionou a mão com mais força ao redor de sua cintura, impedindo-a de se mover. – Estou... Estou feliz em conhecê-lo – sussurrou ele contra o ventre dela. Meg fechou os olhos e respirou fundo. Quando ele voltou a ficar de pé, seus olhares se cruzaram. Ela nunca se

sentira tão confusa em toda sua vida. – Obrigado. – De nada. Seus olhares continuaram presos até Ben finalmente recuar um passo. – Qual é o plano para o restante do dia? – Eu vou para Nelson Bay para começar os preparativos do casamento. – Excelente plano. Eu vou com você. Meg engasgou. – Você o quê? – Você disse que queria minha ajuda. – Ele ergueu os braços. – Estou sob o seu comando. Por que isso parecera soar tão

sugestivo? – Mas... – Ela tentou pensar em algo sensato para dizer. Meg não conseguiu, então seguiu para a porta dos fundos da casa. – Nosso tempo não pode ser perdido. – Ben se manteve ao lado dela. – Isso não é realmente necessário – Ela colocou o cabelo atrás das orelhas, evitando um contato visual com ele enquanto apanhava a fita métrica. – Você voltou da África ontem. É melhor descansar alguns dias para se recompor. – Está tentando me dispensar, Meg? Um calor subiu-lhe às faces. – Claro que não.

Ele exibiu um largo sorriso como se estivesse apreciando seu desconforto. – Bem, então... Ela suspirou. – Faça o que achar melhor. Mas nós vamos com o meu carro, não com a sua moto, e eu vou dirigir. – Qualquer coisa que você disser. Meg guardou a fita métrica em sua bolsa e ergueu uma sobrancelha para Ben. – Pronto? Ben assentiu com a cabeça. Meg liderou o caminho até o carro. – Certo, o plano hoje é alugar uma marquise para o grande evento...

Juntamente com todos os instrumentos. Mesas e cadeiras – declarou ela enquanto eles seguiam em direção à cidade vizinha. – E depois vamos almoçar. – Você se importa se eu fizer algumas compras depois? Preciso de algumas coisas. Ela dirigiu o olhar para ele. Ben e compras? Meg meneou a cabeça. – Nem um pouco. PARA A surpresa total uma grande ajuda marquise. Depois, ele o depósito. Dada à expressão

de Meg, Ben foi na procura da insistiu em pagar dele quando ela

perguntou sobre suas circunstâncias financeiras, Meg achou melhor não argumentar. Móveis eram os próximos itens da lista, e Meg escolheu mesas redondas e cadeiras almofadadas. – O que mais? – exigiu ele. – Precisamos de uma mesa longa para a festa de casamento. – Há apenas nós quatro. Não é necessário que seja uma mesa tão longa. – E mesas para presentes e o bolo. Ben apontou as mesas, o vendedor fez uma nota e então eles terminaram... Tudo dentro de uma hora. Ben levou as mãos aos quadris.

– E agora? Vê-lo tão concentrado na tarefa a fez sorrir. – Agora nós nos parabenizamos por ter feito um excelente progresso e nos recompensamos com um almoço. – Só isso? Ela poderia dizer que ele não acreditava nela. – Já fizemos uma grande coisa. É tudo o que eu tenho agendado para hoje. – O que mais precisaremos fazer? – O serviço de bufê, o bolo, os convites. E... – Um sorriso curvou-lhe os lábios. Ben inclinou-se para estudar-lhe o

rosto. Seus lábios estremeceram. – E? – E compras para o traje de Elsie. Ele se afastou dela. – Ah, não... Não... Não. Você não vai me arrastar para ir junto nessa. Meg deu risada. – Vou deixá-lo fora dessa se você me pagar um almoço. – Combinado. Eles compraram batatas em rodelas e caminharam juntos ao longo da praia. Eles encontraram um local na areia branca e Meg estendeu as pernas, apreciando o calor do sol sobre a pele nua de seus braços e pernas. Ela dirigiu

o olhar para Ben enquanto ele se sentava ao seu lado. Ele deveria estar com calor. – Você deveria ter colocado shorts. Ele abriu a embalagem de batatas. – Estou bem. Eles apreciaram as batatas, apenas ouvindo o som familiar de crianças brincando na parte rasa da água. Meg engoliu em seco ao ver uma família reunida. Duas meninas literalmente brilhavam de amor pelo pai. Ela desviou o olhar para apreciar o horizonte. – Mais? – A voz de Ben soou rouca enquanto ele estendia a embalagem com

batatas para ela. Meg meneou a cabeça. Seu apetite havia desaparecido. Ela voltou a fitar a baía, mas não deixou de ouvir as risadas das duas meninas. – Você já pensou no que iria desprover de seu filho quando decidiu enfrentar a gravidez sozinha, Meg? Meg ficou tensa e depois se virou para encará-lo. – Não fale com esse tom moralista comigo, Ben Sullivan! Desde que entrou na vida adulta você já colocou as necessidades ou os desejos de alguém acima dos seus?

Ele piscou. – Eu... – Eu não o obriguei. Você tinha o direito de expressar sua opinião, sabia? O veneno dela o pegou desprevenido. E também a pegou desprevenida, mas sua questão tinha sido como uma flecha em seu coração. Ela tinha pensado que havia considerado aquela questão. Ela pensou que isso não iria importar. Mas depois de ver aquela família... As meninas com o pai, o amor delas para com ele, ela começou a sentir sérias dúvidas. – Famílias vêm de todas as formas e tamanho – declarou ela, mais para o seu

benefício do que o dele. – E quanto a desprover meu filho de um pai? Bem, eu não tenho uma grande estima pelo meu pai, e certamente não tenho a sua estima. Existem coisas piores do que não ter um pai. BEN RECLINOUa cabeça em choque. O sentimento de Meg não o surpreendeu, mas a forma com que ela expressou isso. – Assim como você não me classifica como um pai, não é? – perguntou ele de forma áspera. Eventualmente ele se virou para encará-la. Ela desviou o olhar imediatamente, mas não antes de ele reconhecer o ceticismo nos olhos dela.

Ben sentiu o coração se apertar dentro do peito. Se Meg não tivesse nenhuma fé nele... Não, droga! Ele cerrou as mãos em punho. Meg não tinha todas as respostas. Ben praguejou. Ela acovardou-se. E Ele manteve o tom baixo de voz. – Então eu sirvo para ser um banco de sêmen, mas não como algo mais substancial? – Era dessa forma que ela o enxergava? – Isso o surpreende? – Sim, quando é uma atitude sua, Meg. Isso a fez virar-se para encará-lo. Droga, ela deveria conhecê-lo!

Ben a assistiu engolir em seco. – Há quanto tempo você decidiu que queria ser um pai, Ben? Uma semana? Foi a vez de ele desviar o olhar. – Eu desejei ser mãe desde sempre. – E você acha que isso lhe dá mais direitos? – Isso significa que eu sei o que esperar. Significa que eu sei que não vou mudar de ideia na próxima semana. Significa que eu sei que estou comprometida com essa criança. – Ela bateu uma das mãos contra a areia. – Significa que eu sei precisamente no que estou entrando... Que eu coloquei os planos em seu devido lugar em

antecipação da chegada desse bebê, e que eu ajustei minha vida para que eu possa me assegurar de que o meu bebê tenha o melhor cuidado e tratamento que eu possa dar a ele. E agora você aparece e pensa que tem o direito de me dizer que eu sou egoísta! Meg deixou escapar uma risada áspera que fez com que ele sentisse o estômago se revirar. – Quando você se comprometeu com alguém ou alguma coisa? Você nem mesmo trabalha em tempo integral. Você certamente nunca se comprometeu com uma mulher ou o que restou da sua família. É quase impossível que você se

comprometa com um jantar no final da próxima semana! – Eu estou comprometido com você – revelou ele. – Se você tivesse precisado de mim, Meg, eu teria voltado. E então ela sorriu, mas havia uma dor em seus olhos que ele não entendia. – Sim, eu acredito que sim. Mas uma vez que eu estivesse recuperada você teria fugido novamente, não é? Ben não tinha resposta para isso. – O problema é o fato de você viajar o mundo em busca de aventura. Isso combina com um melhor amigo, mas não com um pai. Meg tinha razão. Sabia disso. E até

ele saber o quanto gostaria de estar envolvido, não tinha o direito de pressioná-la ou julgá-la. – Eu não quis dizer que você era egoísta. Acho que será uma excelente mãe. Mas isso não significava que não haveria espaço para ele na vida do bebê também. Meg gesticulou para a sua direita, onde aquela família agora estava sentada comendo sanduíches, mas ela não olhou para eles novamente. – É isso o que você realmente quer? Ele fitou a imagem da alegria familiar e teve que reprimir um tremor. Ben não

iria se casar. Nunca. Não acreditava nisso. Mas… A forma carinhosa com que aquelas garotas olhavam para o pai... O pensamento de ter alguém encarando-o dessa maneira o assustou e ao mesmo tempo o empolgou. Se ele quisesse ser um pai... Um pai de verdade... Sua vida teria que mudar. Drasticamente. – Ben, eu quero um pai melhor do que nós tivemos para essa criança. – Eu também. – Você sabe que eu não sou contra compromisso da forma que você é, não sabe? – Sim, claro.

– Então você deve saber que eu não espero “desprover” meu filho de um pai para sempre. Ele franziu as sobrancelhas, e depois fitou os lábios rosados e sensuais dela. – Certo. – Apenas porque eu decidi ter um bebê isso não significa que eu desisti da ideia de me apaixonar e me casar, talvez ter mais filhos se eu tiver sorte. Levou alguns momentos para que ele absorvesse as palavras de Meg. Mas quando isso aconteceu, seu mundo virou preto e branco. Ben enterrou as mãos na areia e pressionou-as. – Eu posso estar fazendo as coisas um

pouco fora de ordem, mas... – Ela deixou as palavras escaparem. Ben apontou o indicador para Meg, derramando areia sobre ela. – Você não vai deixar outro homem criar meu filho! Ben se colocou de pé e caminhou até a beira da água, tentando acalmar o ritmo de sua respiração. Outro homem iria compartilhar as risadas... E a diversão... E o amor. Ele passou os dedos de uma das mãos entre o cabelo. É claro que esse homem iria querer se casar e depois ter que lidar com as reuniões escolares e entrevistas de pais e filhos. Mas...

– Não! Ele girou o corpo para encontrar Meg de pé bem atrás dele. – Fale baixo – ordenou ela, percorrendo o olhar ao redor. – Há crianças pequenas aqui. Ela provavelmente não confiava nele para fazer as tarefas paternas. Suas mãos se cerraram em punho. Mas entregar seu filho... Seu filho... Para outro homem criar? Sem chance! Ben deve ter dito isso em voz alta, porque ela arqueou uma sobrancelha para ele. – Você acha que pode me impedir de casar com quem eu quiser? Você e mais

quantos, Ben? – Você pode se casar com quem quiser – resmungou ele –, mas esse bebê tem apenas um pai. – Ele apontou o dedo para o próprio peito. – E esse pai sou eu. Ela cruzou os braços. – Está me dizendo que você está desistindo de sua vida leve e livre para se estabelecer em Port Stephens, ter um emprego regular e trocar sua moto por um carro? – É exatamente o que estou dizendo. – Por quê? Era uma questão genuína, não um desafio. Ben não sabia como articular a

determinação que o havia dominado. Apenas sabia que essa decisão era a mais importante de sua vida. Meg suspirou quando ele permaneceu calado. – Temos que ir. – Ela protegeu os olhos do sol com uma das mãos. – Você disse que precisava comprar algumas coisas? Ele disse. Mas precisava de um tempo de Meg. Precisava de tempo para absorver a ideia de morar em Port Stephens. Ben fingiu interesse em uma morena, vestindo apenas um biquíni, e que caminhava ao longo da praia em direção

a eles. – Ben? Ele deu de ombros. – As compras podem esperar. Ele seguiu deliberadamente o progresso da morena ao invés de olhar para Meg. – Olha, por que você não vai embora? Eu quero ficar mais um tempo aqui. Depois eu encontro meu caminho de volta. Ben sabia exatamente qual interpretação Meg iria fazer. A forma com que os lábios dela estremeceram lhe disse isso. Sem outra palavra, ela se virou e partiu.

Cerrando as mãos em punho, ele começou a caminhar à beira do mar, nem mesmo notando quando a morena passou por ele. Um bebê merece ter o amor incondicional dos pais. Se ele partisse, seu filho teria isso no dia a dia? Meg seria maravilhosa, mas tio Ben nunca estaria por perto. O pai de Meg e Elsie mal poderiam prover o apoio emocional deste bebê. Ben meneou a cabeça. Ele poderia ao menos se assegurar de que essa criança soubesse que era amada e querida pelo pai. E este bebê merecia apenas coisas

boas. Quando chegou ao final da praia, ele se virou, caminhou de volta e depois rumou para as compras. Meg deveria estar em casa nesse momento, e ele iria comprar cada livro sobre gravidez e bebês que pudesse encontrar. Ben queria estar preparado para a chegada deste bebê. Queria ajudar Meg de todas as formas possíveis. O que ele não precisava era da superioridade dela, ou tê-la olhando sobre os seus ombros e erguendo uma sobrancelha com ceticismo ao ver os livros que ele escolheu. Ele já tinha que lidar com suas próprias dúvidas.

Ben virou-se para fitar a praia, a baía, e a água. De volta em Port Stephens para sempre? Ele? Droga.

CAPÍTULO 6

MEG

junto com seu CD da Madonna com todo o seu fôlego. Ela se interrompeu apenas para fazer uma manobra complicada com sua agulha de crochê. Teria a manta terminada no tempo da chegada do bebê. E então, poderia envolver seu bebê nessa adorável manta macia em lã, tão delicada que não irritaria a pele do bebê. Ergueu o tecido até as bochechas para sentir a maciez. CANTOU

A música chegou ao fim. Meg repousou a manta de volta em seu colo e estava prestes a continuar o trabalho quando o sexto sentido a alertou e dirigiu o olhar para a porta. Ben. Meg engoliu em seco. – Ei! – Ela finalmente conseguiu falar. – Eu bati à porta. – Ben apontou para trás com o polegar. Meg apanhou o controle remoto, desligou a música e gesticulou para que ele se sentasse. – Com o som alto, não tinha a menor chance de ouvi-lo. Ele permaneceu na entrada da porta.

– Madonna, hum? – Ele exibiu um largo sorriso, mas isso não escondeu seu desconforto. – Sim. – Meg sorriu de volta, mas duvidava que isso tivesse escondido a tensão e o desconforto que também sentia. Ben percorreu o olhar ao redor. – Nós nunca nos sentamos aqui quando éramos adolescentes. – Não – concordou Meg. – Mas agora a casa é minha e podemos sentar onde quisermos. – Ela clareou a garganta com um ruído. – Veja a vista da janela. Após uma hesitação momentânea, ele fez como ela pediu.

– Esse quarto tem uma vista divina da baía. Eu acho calmo. Quando o vento está forte, você pode ouvir as ondas se quebrando na areia. E esse é um som que você sempre amou. – Ele se sentou na poltrona branca em couro. – E você pode ouvir o melhor som daqui. E no quarto da frente. Contudo, ela não mencionou isso. Mencionar quartos para Ben não parecia ser sábio. O que era loucura, mas... Meg dirigiu o olhar para ele e seu coração se acelerou dentro do peito. Isso é que era loucura. Voltou à atenção ao trabalho de crochê. Sua vida estava de cabeça para baixo. Era disso que se

tratava... Uma reação a todas as mudanças acontecendo em sua vida. O fato de ela ter um bebê a caminho. O fato de seu pai estar se casando com Elsie. O fato de Ben alegar que queria ser um pai. Ben gesticulou com a cabeça para a lã. – O que está fazendo? – Uma manta para o bebê. Ela estendeu o tecido para que ele visse e Ben fitou a peça como se estivesse fascinado. Quando ergueu os olhos para encará-la, o calor daqueles olhos azuis pareceu acariciá-la. Franziu o cenho. E depois se

endireitou na poltrona. – Por que está fazendo isso? Está tentando economizar dinheiro? Ela cruzou os braços. Isso não merecia uma resposta. Os olhos dele se estreitaram. – Ou é nisso que a sua vida social se transformou? Se Meg tivesse se mantido séria, teria permitido que ele acreditasse nisso. Ben reclinou-se contra a poltrona e exibiu um largo sorriso. – Está bem, apenas me chame de idiota. Se ela tivesse ar em seus pulmões, teria feito exatamente isso. Mas o

sorriso sensual dele pareceu roubar-lhe completamente o fôlego. – Sua vida social é obviamente cheia. Eu mal coloquei os olhos em você nos últimos dias. – É cheia o bastante para mim. –Ela não disse a ele que na noite de segundafeira tinha sido uma aula de pré-natal, ou que na noite anterior havia preparado o jantar para Ally, que estava se recuperando de uma cirurgia no joelho. A vida social de Ben consistia em festas e aventuras e não em preparativos para bebês ou o cuidado com os amigos. A vida de Ben revolvia ao redor de adrenalina, bebidas e mulheres. Ela se

perguntou por que ele não havia saído com aquela morena nesta noite... Aquela que ele obviamente tivera toda a intenção de beijar no outro dia e depois sumir. De domingo a quarta-feira? Ben contaria isso como um relacionamento longo. E ambos sabiam o que ele achava sobre isso. – Então por quê? – Ele gesticulou para a lã. Ele realmente não entendia, não é? Uma dor surgiu no fundo de seus olhos. Que “diabos” ele estava fazendo ali? Meg fechou os olhos, inspirou profundamente e depois abriu-os novamente.

– Uma vez – começou ela – a rainha anunciou que iria ter um bebê. Houve muita alegria no reino. Para celebrar e honrar a chegada do herdeiro real, a rainha fez uma manta especial para a criança ser envolvida. Levou nove meses para que ela fizesse a manta e cada ponto era inspirado no amor. Todos que viam a manta baixavam a cabeça em espanto, reconhecendo isso como um símbolo de amor maternal. Ben a encarou com uma intensidade que a fez engolir em seco. – Quando o último ponto foi terminado, a rainha prontamente deu à luz. E foi dito que, sempre que a criança

real era envolvida naquela manta, seu choro parava e ela era imediatamente confortada. – Meg ergueu o queixo. – A manta se tornou uma valiosa relíquia de família, passando de geração em geração. – Você quer dar algo especial ao seu bebê. As palavras dele fez com que ela voltasse à realidade. – Sim. – E, fitando-o diretamente nos olhos, ela quis saber: – Então, como tem sido sua semana até agora? Os lábios dele estremeceram. – Como você consegue lidar com Elsie?

Ah. – A mulher é uma concha, Meg. Eu nunca vou conseguir esses nomes para você. Ela deveria saber que seria um teste difícil. Os olhos dele cintilaram. – É contra as regras me ajudar? Meg achava que não. Ele ainda teria que fazer a parte mais difícil, mas... Não queria ajudá-lo. Meg fitou as próprias mãos. Queria que ele deixasse Fingal Bay e não voltasse por sete, oito... Dez meses. Ele é seu melhor amigo! E ele estava colocando seu mundo de

cabeça para baixo. Seu bebê precisava da proteção de Ben? Ela fechou os olhos. Se soubesse a resposta para isso... – Por que não vem ao jantar desta noite? Elsie diz que você vai ao jantar toda noite de quarta-feira. Ela abriu os olhos e o encontrou se inclinando sobre ela. Meg deu de ombros. – Exceto quando você está em casa. Os lábios dele se comprimiram em uma linha fina. – E por que isso? – Gosto de dar algum espaço para vocês dois quando você está em casa.

– Isso é tudo? – Quanta honestidade você quer exatamente, Ben? Ele ficou boquiaberto. – Pensei que sempre fôssemos honestos um com o outro. Meg pressionou os lábios. – Eu sou tão honesta quanto posso ser quando vejo você em um total de três semanas por ano. Quatro se eu tiver sorte. Ben cerrou os dentes. – Por que você não vai a Elsie esta noite? Está bem. Ela cruzou os braços. – Há muitos motivos. O primeiro

deles é que Elsie é difícil de lidar. Você está em casa então pode lidar com ela. É bom ter uma noite livre. – Eu a faço cozinhar para mim toda noite de quarta-feira. É um acordo que nós fizemos. Eu faço as compras e ela prepara o jantar para mim nas noites de quarta-feira. Mas na verdade é só pra ver se ela ainda está ativa... Ver se posso captar qualquer sinal de doença ou demência. Meg mordiscou o lábio inferior. – Olha, quando você está aqui, eu faço o meu melhor para não entediá-lo com detalhes domésticos. Mas se você realmente estiver disposto a mudar para

Port Stephens para sempre, então você poderá agradá-la quando quiser. Ele ficou pálido. – Qual é o outro motivo de você não querer ir ao jantar? Ela engoliu a saliva e permaneceu calada. – Meg? Ergueu o queixo e encontrou os olhos dele. – Não gosto de ver você e Elsie juntos. É quando eu menos gosto de vocês. Ele a encarou, seus olhos estavam escurecidos. Em um movimento súbito, ele se ergueu.

– Preciso ir. – Sente-se, Ben. – Ela suprimiu um suspiro. – Você pretende fugir a cada vez que tivermos uma conversa difícil? E se essa conversa for sobre o bebê? Você vai fugir também? – Você não pode ao menos oferecer cerveja para um homem antes de rasgarlhe o caráter em pedaços? Meg também se ergueu. – Você está certo. Mas não uma cerveja. Você bebe demais. Vou fazer um chocolate quente para mim, estou tentando me assegurar de que eu tenha bastante cálcio. Você gostaria de um também, ou prefere chá ou café?

Ben não respondeu, e ela o guiou até a cozinha e começou a preparar o chocolate quente. Em seguida, entregou uma caneca a ele. – Além do mais – começou Meg, como se não tivesse havido uma longa pausa na conversa deles –, eu não estou rasgando seu caráter. Você é meu melhor amigo e eu o amo. Ela puxou um banquinho do bar e se sentou. – Mas, vamos lá, Ben, o que há de divertido em visitar você e Elsie? Ela mal fala e você volta a ter 10 anos. Toda a conversa é deixada por minha conta. Você não me ajuda, e Elsie responde

qualquer questão direcionada a ela em palavras de duas sílabas. Preferivelmente uma se ela puder. – Eu... – Ben depositou a caneca sobre o balcão, puxou o banquinho ao lado dela e envolveu um dos braços ao redor dela em um abraço. – Droga, Meg, eu sinto muito. Eu nunca olhei para isso dessa maneira antes. – Está tudo bem – declarou ela. – Eu não me importava quando suas visitas eram breves... Eram como momentos roubados da realidade. Elas nunca pareceram fazer parte do mundo real. – Isso vai mudar se eu me tornar um morador?

Exatamente. Ela alcançou a caneca novamente. Ben afastou o braço que mantinha ao redor dos ombros femininos. – Eu lido com Elsie ao contar histórias para ela. Ele se virou tão rápido que quase derrubou o chocolate. – Como nossos contos de fadas? Meg meneou a cabeça. Não, os contos eram apenas para eles. – Vou conversar com ela... Contar sobre o que estive fazendo durante a semana, qual prato tentei cozinhar recentemente, qual livro estou lendo. Apenas... Monólogos. – E, dando um

suspiro, ela mudou o assunto: – Eu já consegui o nome de dez convidados da parte do meu pai. – Como conseguiu isso? – Mentira e chantagem emocional. Ele deu de ombros. E então jogou a cabeça para trás e riu. Depois, Ben dirigiu o olhar para ela e seus olhos escureceram. Seus olhares ficaram presos por um momento. E então, Meg apanhou as canecas vazias e colocou-as na pia, desesperada para acalmar o ritmo do seu coração. Eles prometeram um ao outro que nunca iriam cruzar os limites novamente. Concordaram que a amizade

deles era muito importante para ser colocada em risco. Através do reflexo da janela, ela podia ver Ben andando do outro lado do balcão, com as mãos cerradas em punho. Eventualmente ela não iria ser capaz de fingir que ainda estava lavando as canecas. Ben tossiu e depois fitou o teto. – Mentira e chantagem emocional? Ela fechou os olhos, contou até três e fechou a torneira. – Eu disse a ele que Elsie iria amar uma pequena festa para uma recepção e que se ele se importava com as necessidades dela então ele iria me dar

o nome de dez pessoas que eu pudesse convidar para o casamento. – E isso obviamente funcionou. – Funcionou tanto que na verdade ele me deu 12 nomes. – Se eu fizer isso com Elsie... – Vale a pena tentar – concordou ela. – Brilhante! – Ele bateu a palma de uma das mãos contra o balcão do bar. – Obrigado, Meg. – Disponha. Ben abriu a porta dos fundos, hesitou, e depois se virou para encará-la. – Eu não voltei para transformar sua vida em algo caótico de propósito, Meg. Ela exibiu um sorriso

– Eu sei. – Que noite você vai ver o seu pai? – Amanhã à noite. Ele se recusa a cozinhar ou me deixar cozinhar, então nós vamos jantar no clube RSL. – Você se importaria se eu e Elsie lhes acompanhassem? O quê? Como uma família? Ela franziu o cenho. – Quanto mais melhor. – A que horas devemos estar prontos? – Ele gosta de jantar cedo, então eu vou sair daqui às 18h. Com um aceno de cabeça, Ben partiu. BEN ESTAVA no jardim escuro, entre a casa de Meg e a de Elsie. Queria voltar

para a casa de Meg porque não suportava mais dez minutos na companhia de Elsie, mas... Ele passou os dedos de uma das mãos entre o cabelo. Não havia esperado ser confrontado com suas próprias fraquezas. Com seu egocentrismo. Ben repousou as mãos nos joelhos e praguejou baixinho. Meg estava grávida. Ela deveria estar se aprontando para a chegada do bebê. Descansando. Enquanto ele estivera viajando pelo mundo, Meg tomou conta de todos. Ele endireitou-se. Bem, o cansaço dela estava chegando ao fim. Ele iria se esforçar para isso.

Ele dirigiu o olhar para a casa da avó. Endireitando os ombros, começou a rumar para casa. Ben encontrou Elsie na mesa da cozinha, jogando paciência... Da mesma forma que ela havia feito quando ele partiu. As músicas antigas tocando no rádio. – Aceita um drinque? – ofereceu ele, dirigindo-se para a geladeira. – Não, obrigada. Ben se serviu de um refrigerante. O silêncio reinava no ambiente. Ele dirigiu um olhar para a sala de estar e a distração da TV. Você volta a ter 10 anos.

Ben puxou uma cadeira e sentou-se à mesa com Elsie... Algo que ele não tinha feito desde que voltara para casa... E assistiu enquanto ela terminava o jogo. Elsie dirigiu o olhar para ele e depois, num piscar de olhos, quase como se estivesse com medo de que ele mudasse de ideia, interrompeu o jogo. – Sabe jogar rummy? – Claro. – Laurie me ensinou. Ben relaxou os ombros. Até agora essa tinha sido a conversa mais longa que eles tiveram na semana. – Eu... Uh... Quando ele estava se recuperando e você o visitou?

– Sim. Ele queria se erguer da cadeira e fugir. Mas isso parecia tão errado. E então ele se lembrou do que Meg havia dito sobre ele parecer ter 10 anos e engoliu a saliva. – Quando eu estava no Alasca, eu jogava um tipo de rummy com os pescadores. Mas Elsie se fechou novamente, e Ben se perguntou se era alguma coisa que ele tinha dito. Eles jogaram cartas por um tempo. Finalmente Ben quebrou o silêncio. – Meg está ótima. A gravidez certamente combinou com ela.

Nada. – Ela está fazendo uma manta em crochê... Uma manta para o bebê. Parece difícil e o progresso parece lento. – Ela ainda não disse nada. – Você sabe fazer crochê? – Sim. Ela sabia? Ben a encarou por um momento. – Você poderia pedir para que ela viesse trazer a manta para que você desse uma olhada. Aliás, você também poderia fazer algo para o bebê. Elsie não desviou os olhos das cartas. – Eu? Ele franziu as sobrancelhas.

– E eu também. – Você? – Eu posso não ser capaz de tricotar ou costurar, mas viajar aos lugares mais remotos do mundo força um homem a ser útil. – Ele deu uma pausa. – Um berço. – Ele declarou conforme teve a ideia. Ele sabia um pouco de carpintaria. – Vou construir um berço para o bebê. Elsie jogou as cartas na mesa com um suspiro. – Melhor de três – anunciou Ben. – Você está enferrujada. Precisa praticar. Elsie apanhou sua segunda mão sem uma palavra. Ben girou os olhos nas órbitas. Meg estava certa. Isso era um

trabalho difícil. Mas ele encontrou certo divertimento em irritar Elsie também. Enquanto jogavam, ele se viu anotando os movimentos de Elsie. Suas mãos estavam firmes e ela mantinha as costas eretas. Sem sinais de doenças até onde ele podia ver. Quando ela ganhou o jogo em três movimentos, ele teve que concluir isso, enquanto ela não dizia muito, sua mente estava afiada. Ben bufou. – Eu facilitei para você. Elsie ergueu o queixo e estreitou os olhos. –Oh, e a propósito, vamos jantar com Meg e o pai dela na noite de amanhã no

clube. Eu disse que estaríamos prontos às 18h. Eles jogaram em silêncio por diversos momentos e depois Ben quis saber: – Você se importa se eu ficar aqui enquanto estiver na cidade? – Não. – Olha, se isso não for conveniente, eu posso arranjar uma alternativa. Poderei ficar mais tempo do que o usual. – Quanto tempo? – Ainda não estou certo. Oh, ele estava certo. Ele iria ficar para sempre. Contudo, Meg seria a primeira a saber.

– Eu certamente entendo se você quiser que eu encontre outro lugar para ficar. – Não. Ele a encarou. Elsie não disse mais nada. – Minha mãe realmente nunca mais a contatou, nem mesmo uma vez, depois de ter me deixado aqui? A questão o chocou tanto quanto deveria ter chocado Elsie. Ele não sabia que ainda se importava com isso. Elsie uniu as cartas e jogou-as na mesa. – Não.

Sem dizer mais nada, ela se ergueu da cadeira e deixou a sala. – Boa noite, Ben – murmurou ela. – Boa noite, Elsie! – Ele se forçou a gritar. – Obrigado pelo jogo de cartas. BEN E Elsie atravessaram o jardim até a casa de Meg na noite seguinte às 18h em ponto. Eles esperaram enquanto Meg dava marcha a ré em seu carro, uma caminhonete azul-escura, e a retirava da garagem, depois Ben se inclinou para a frente e abriu a porta do passageiro para Elsie. – Eu insisto – disse ele quando ela recuou um passo. – Ei, Meg – declarou ele assim que se acomodou no banco

traseiro. – Ei, Ben. – Ela dirigiu o olhar para Elsie. – Olá, Elsie. – Olá. Ele não precisava ver Elsie para saber a forma precisa com que ela havia repousado as mãos no colo. – Como foi o trabalho? – indagou ele a Meg enquanto ela colocava o carro em direção a Nelson Bay. – Divertido. – Meg lançou um olhar para Elsie. – Como foi o seu dia? – Ótimo. – O que você conta de novo? – Não há nada novo. Através do retrovisor, ela captou o

olhar de Ben e girou os olhos nas órbitas. – Embora eu tenha escolhido uma receita que achei que pudesse tentar. É indiana. Eu nunca tentei nada indiano antes. Um denso silêncio preencheu o carro. Meg clareou a garganta. – Parece... Uh… Ótimo. – Ela engoliu a saliva. – O que você fez hoje, Ben? – Comprei um pouco de madeira. Ela piscou enquanto fitava a estrada à sua frente. – Madeira? – Sim. Mas não me pergunte para quê. É uma surpresa.

Meg dirigiu o olhar para Elsie. – O que ele está aprontando? Ele está construindo um pomar para você? – Improvável. Mas se fizer, será o pomar dele. Através do retrovisor, Meg ergueu uma sobrancelha para ele e Ben podia ler sua mente. – Vou lhe dizer algo que me surpreendeu demais – declarou ele, tão suave quanto pôde. Através do espelho, ele pôde vê-la engolir em seco. – Não me mantenha em suspense. – Elsie é muito boa com rummy. Meg lançou um breve olhar para ela.

– Você joga rummy? – Sim, seu pai me ensinou. Apenas por um momento Meg sentiu os ombros ficarem tensos. – Rummy é divertido, mas eu prefiro pôquer. Meu pai sabe jogar pôquer muito bem também. É mesmo? Ben se perguntou se ele já havia jogado uma ou duas mãos com a filha. – Então, Elsie ganhou de você? – Sim. Meg parou o carro no estacionamento do clube RSL. – Eu espero ouvir muito sobre isso amanhã.

– Se ela ganhar de mim, eu vou fazer uma melhor de cinco. Elsie bufou. – Se vier jantar conosco na próxima quarta-feira, Meg, você poderá se unir a nós no jogo. Ele não sabia quem havia ficado mais surpreso pelo convite... Ele, Meg ou Elsie. – Uh, certo – declarou Meg. – Estou ansiosa para isso. Assim que desceram do carro, Ben ficou sem fôlego ao ver Meg vestida com uma saia azul que revelava suas pernas bem torneadas e uma blusa branca decotada.

Ela o encarou. – O que foi? – Eu... Hum... – Ele tossiu. Elsie ergueu uma sobrancelha e pela primeira vez em sua vida Ben a viu sorrir de verdade. Oh, brilhante! Ela sabia o efeito que Meg estava lhe causando. – Eu... Hum... – Ele clareou a garganta e apontou para os pés de Meg. – Essas sandálias deveriam vir com um aviso. Você está certa de que mulheres grávidas podem usar esses saltos? Ela bufou. – Apenas me olhe. Ele não tinha outra escolha. – Eu abri mão do meu café, álcool,

salame e Camembert, mas não vou desistir das minhas sandálias. Ela e Elsie rumaram para a entrada do clube. Ben as seguiu, impressionado com a forma que os quadris de Meg se moviam em uma tentação hipnótica. Como ele nunca havia notado isso antes? Ben engoliu a saliva. Tinha a sensação de que a noite seria longa.

CAPÍTULO 7

MEG

o olhar para Ben, acomodado à mesa ao lado dela no clube, e depois desviou o olhar para o outro lado, para que ninguém a acusasse de estar com os olhos fixos em seu melhor amigo. Mas esta noite ele a havia surpreendido. Ben não apenas se esforçou para fazer parte da conversa, como também promoveu isso. Ele indagou ao pai dela sobre as diferenças entre os jogos de pôquer. Ela não via o DIRIGIU

pai tão animado há muito tempo. E Elsie ouvia a tudo com uma avidez que fez Meg piscar. Quando mais observava, mais ela percebia o quanto o casal combinava. Ela mordiscou o lábio e percorreu o olhar ao redor do salão lotado. Queria ser feliz pelo seu pai e Elsie. Meg cerrou os dentes. Estava feliz por eles. Mas seu recente entusiasmo a irritou. Ben passou um dedo ao longo de uma das mãos dela, que ora estava cerrada em punho. Meg abriu as mãos prontamente. Ele sorriu e ela sentiu cada célula do seu corpo ganhar vida. Hormônios da gravidez.

Você pretende usar isso como uma desculpa para cada emoção desconfortável que lhe golpeia no momento? Seus dedos se curvaram contra suas palmas. Meg tinha que encontrar uma maneira de resistir ao charme dele. Pelo bem de sua amizade. E pelo bem do bebê. Meg remexeu-se na cadeira e arriscou lançar um olhar para ele. Uma onda de calor a invadiu. O que ela sentia por Ben... Seu melhor amigo... Era quente e carnal, primitivo e incontrolável. E isso tinha que ser negado. Ela desviou os olhos para o outro

lado e ocupou-se com seus talheres. Todos apreciaram o jantar, e o pai dela e Elsie permaneceram em silêncio. Meg e Ben conversaram, mas Meg não pôde deixar de se perguntar se o casal de idade tinha ouvido uma palavra do que eles disseram. Quando terminaram o jantar, os pratos foram removidos e os drinques servidos novamente. Meg uniu as mãos. – Certo, eu quero falar sobre o casamento por um momento. O pai dela uniu as sobrancelhas. – Eu não quero um circo, Megan. – Não será um circo. Apenas uma celebração simples. Uma celebração do

amor que você e Elsie compartilham. – Ela cruzou os braços. – E se vocês não podem dar esse respeito um ao outro, então não deveriam se casar em primeiro lugar. Elsie e Laurie a encararam chocados. Ben suspirou. – Elsie… Não esse sábado, mas no próximo você e eu vamos sair para comprar sua roupa. – Ah, mas eu não preciso de nada novo. – Sim, você precisa. E eu também. – O pai dela tinha diversos ternos, mas... Ela se virou para Ben. – Você vai precisar de um terno.

– Sem problema. Meg voltou a atenção para o casal de mais idade. – Quem vocês gostariam que fosse a madrinha e o padrinho? Ninguém disse nada por um momento. Ela suspirou. – Quem vocês vão ter como testemunhas? – Você e Ben – murmurou o pai dela. – Está bem. Eu serei seu padrinho, mas estarei usando um vestido. – E eu serei a dama de honra em um terno – disse Ben a Elsie. Ele disse isso sem rancor e sem se acovardar. Até mesmo disse isso com

um sorriso. Meg poderia tê-lo abraçado. – Agora, Elsie, você gostaria que alguém a entregasse ao noivo? – É claro que não! Quem eu poderia pedir para que fizesse isso? Meg reclinou-se contra o espaldar da cadeira. Ela fitou o teto e contou até três. – Eu acho que Ben seria uma escolha lógica. Elsie ergueu o queixo. – Ben? Você ainda espera estar aqui em seis semanas? – Se ele disse que sim, então, sim – falou Meg. – Entregar-me ao noivo? – As faces

dela escureceram enquanto fulminava Ben com os olhos. – Oh, você gostaria disso, não é? Você adoraria me entregar e se livrar de mim para sempre. Meg observou a palidez estampada no rosto de Ben. – E quem poderia culpá-lo? Eu nem mesmo sei como ele se importa com você. O que você deu a ele que não poderia ter recebido de estranhos? Você nunca mostrou o menor interesse na vida dele, nunca demonstrou a menor afeição... Nem mesmo um pouco de calor. Você não tem o direito de criticálo. Nenhum! – Meg.

A voz de Ben soou serena, mas ela não conseguia parar. – Era sua tarefa mostrar a ele amor e segurança quando ele era apenas um garoto, mas você alguma vez o abraçou ou disse a ele que estava feliz por estar com você? Não, nenhuma vez. Por que não? Ele era uma ótima criança e você… Você não é nada além de... – Megan, basta! Você não vai falar dessa maneira com a minha companheira. – Ou o quê? – devolveu ela ao pai. – Você nunca mais vai falar comigo novamente? Bem, uma vez que você mal conversa comigo agora, eu acho que isso

não seria uma grande perda. Meg afastou a cadeira, ergueu-se e rumou em direção à saída do clube. Depois, ela se sentou em um banco com vista para a baía e assistiu enquanto o sol se punha no oeste. A caminhada havia aliviado um pouco de sua ira. O ar quente acariciava-lhe a pele nua da nuca e pernas, e a fraca iluminação de entardecer a acalmava. – Você está bem? Ben. E a voz era tão serena quanto à água calma do mar. Ela assentiu com a cabeça. – Você se importa se eu me sentar ao seu lado?

Meg meneou a cabeça e gesticulou para que ele se sentasse. – O que aconteceu no clube? – indagou ele finalmente. – Eu nunca havia dito a nenhum dos dois como eu me sentia sobre nossas infâncias. – Bem, você os deixou sem dúvida sobre o assunto nesta noite. Meg virou-se para encará-lo. – Eu não me sinto mal por isso. – Isso a tornava uma pessoa má? – Eu não quero vingança, e não quero arruinar a felicidade deles, mas nenhum dos dois tem o direito de criticar você ou eu por não estarmos ajudando. Principalmente

quando estamos nos esforçando ao máximo. Ele repousou os cotovelos nos joelhos e depois ergueu os olhos para encará-la. – Você conteve isso por um longo tempo. Por que desabafar agora? Ela fitou a água. O sol já havia se posto. – Agora que estou grávida, o abandono emocional deles parece muito mais indesculpável para mim. Ele se endireitou e virou-se para ela. – Ben, não posso imaginar não fazer todo o esforço para o meu filho, apesar de tudo mais que possa estar

acontecendo em minha vida. Eu amo tanto esse bebê que isso já me faz ver... – O quê? Ela engoliu em seco. – Isso me faz ver que nenhum dos dois nos amou o suficiente. – Ah, querida. – Ele passou um dos braços ao redor dos ombros dela, e Meg se inclinou sobre ele, absorvendo sua vitalidade e familiaridade. – Você nunca explodiu com eles daquela maneira – murmurou ela contra o peito poderoso. E ele tinha muito mais motivos para ficar furioso, não apenas com Elsie, mas com seus pais também. Obviamente conter a mágoa e a fúria

não tinha sido saudável para ela. – Meg, querida. – Ele riu suavemente. – Eu fiz isso com atitudes ao invés de palavras. Você não se lembra? Ela pensou sobre isso por um momento e depois assentiu com a cabeça. – Você se revoltou de verdade. – Ben começou a beber aos 16 anos, e ficar fora de madrugada, entrando em brigas de vez em quando... E, ela suspeitou, sentindo-se em casa nas camas de mulheres mais velhas. A polícia o levou para casa em mais de uma ocasião. Ele tivera avisos sérios de um casal de pais e um marido. Sim. Ela assentiu com a

cabeça novamente. Ben havia saído dos trilhos completamente, e ela podia ver agora a frieza com que a família o havia tratado. Ainda assim, ele havia tido a força e a sensatez de sair dessa vida desregrada. Dave Clements... Um guia de turismo local... Tinha oferecido a ele um emprego de meio período e o encorajado a terminar a escola. E Ben o fez, e agora ele levava o tipo de vida que a maioria das pessoas podia apenas sonhar. Mas ele era feliz? Ela achava que sim, mas... Meg ergueu os olhos para encará-lo e reconheceu as sombras que cruzavam

suas faces. Endireitou as costas e tomoulhe uma das mãos com força. – Sinto muito se o meu desabafo lhe trouxe más lembranças. Eu não queria... – Para mim? – Ele virou-se para encará-la. – Droga, Meg, você foi magnífica! Eu apenas... Ela engoliu a saliva. – O quê? – É o fato de eu ter voltado para casa e estar lhe ajudando com seus planos? Isso teve uma influência em seu desabafo dessa noite? Eu não quero lhe causar nenhum tipo de estresse. – Não! – Isso não tinha nada a ver com seu desabafo. – Aquilo foi sobre

eles e eu. Não sobre você e eu. – Ela umedeceu os lábios. – É sobre meu pai e eu. – E sobre a sua fúria com Elsie por ela não ter mostrado nenhuma afeição a Ben. – Você não teve nada a ver com isso, exceto quando... – O quê? – Quando eu estava ocupada fazendo o que você deveria estar fazendo esta noite – começou ela lentamente –, assegurando-se de que a conversa fluísse e que não houvesse nenhum tipo de intervalo para que eu não tivesse tempo de sentir aquelas mágoas e ressentimentos. – Enquanto eu, ao menos sempre que

estou em casa – declarou ele –, estive cozinhando em fogo brando com eles. – Mas quando você assumiu meu papel esta noite, eu comecei a me perguntar porque eu sempre fui cuidadosa com eles, e percebi que isso não passava de uma mentira. – Então você explodiu. Ela recostou as costas contra o espaldar do banco. – Por que eu não consigo esquecer isso e não me importar mais? Tudo parece inútil e autodestrutivo. – Ela não poderia mudar o passado mais do que poderia mudar seu pai ou Elsie. – Eu deveria ser capaz de apenas superar

isso. – Ela não tinha mais 10 anos. – Isso não funciona dessa forma. Ela sabia que ele estava certo. Meg ergueu o queixo. – Contudo, isso não significa que eu tenha que deixar isso destruir o futuro. E não tenho que continuar mimando meu pai ou Elsie. – Não, não tem. Ele havia dito isso para ela por anos. Ela nunca havia percebido o que ele realmente quisera dizer até agora. – E eu tenho um bebê a caminho. – Meg se abraçou. – E isso é incrivelmente excitante e me faz mais feliz do que palavras podem expressar.

Ben fitou-a diretamente nos olhos. Ele não sorriu. Eles tinham um bebê a caminho. Eles. Meg podia ler isso nas faces dele, mas ele não a corrigiu. – Então...? As palavras dele ecoaram no ar. Ela não sabia ao que ele estava se referindo. – Não me sinto com vontade de voltar ao clube e lidar com meu pai e Elsie. – Você não tem que fazer isso. Eu perguntei ao seu pai se ele veria Elsie em casa. Ela virou-se para encará-lo. – Eu poderia beijá-lo! Ben exibiu um largo sorriso. Um sorriso caloroso que a derreteu.

Subitamente, Meg se ergueu do banco. – O que acha de fazermos uma caminhada? – Ela não poderia continuar sentada próxima a ele e não ceder à tentação. O que era loucura. Todavia, caminhar era uma opção mais segura. Ben deu de ombros e se ergueu, e eles começaram a caminhar à beira do mar em direção à marina de Nelson Bay, onde havia muita distração... Luzes, pessoas e barulho. E depois eles teriam que voltar. No escuro e no silêncio. Eles caminharam sem conversar muito. A água estava morna. Caminhar

ao lado de Ben em uma noite de verão, com a essência da loção pós-barba que ele usava preenchendo o ar, parecia muito íntimo. Meg clareou a garganta. – Diga-me novamente sobre como achou meu desabafo magnífico. Ele parou na frente dela e tomou-lhe o rosto entre as mãos. – Meg, ninguém nunca me defendeu da forma que você fez essa noite. Jamais. Em meio à luz da lua, os olhos dele cintilavam. – Oh, Ben – sussurrou ela, cobrindolhe as mãos com as suas. Ele merecia ter muito mais pessoas em sua vida

dispostas a defendê-lo. – Você me fez sentir como se eu pudesse voar. Ela sorriu. – Quer dizer que você não pode? Ele riu suavemente e puxou-a para mais perto em um abraço. Ela repousou uma das bochechas no ombro largo. E então ele moveu as mãos sobre as costas dela, e não era mais um gesto amigável. Meg recuou para fitá-lo nos olhos. A fome e o desejo refletido nos olhos dele fez com que ela se aproximasse ainda mais dele. Ela repousou a palma das mãos contra o tórax dele a fim de manter

o equilíbrio e de evitar que caísse contra ele. Assim que ganhou equilíbrio novamente, tentou afastá-lo. Contudo, suas mãos, pareciam ter uma ideia totalmente diferente. Meg deslizou as mãos através da camisa que ele vestia. Ben era tão definido. E era quente! O calor do corpo másculo parecia queimar-lhe as palmas como uma palpitante promessa. Sentiu o coração se acelerar dentro do peito. Ela engoliu a saliva e tentou recuperar o fôlego. Deveria se afastar. Mas quanto mais permanecia nos braços de Ben, mais difícil fiava se afastar dele.

E debaixo de suas palmas, o corpo dele continuava palpitando... Uma força tentadora e tempestuosa, forçando-a a se conectar com algo selvagem em seu interior. Ela ergueu os olhos para encará-lo. Uma luz emergia dos olhos dele, revelando seu forte desejo. – Estive lutando contra isso a noite inteira – ele declarou com a voz rouca –, mas não vou mais lutar. Ben passou os dedos de uma das mãos entre o cabelo dela e puxou-o para trás até que seus lábios estivessem erguidos, em um ângulo que pudesse lhe dar o máximo acesso, e então seus

lábios tocaram os dela... Quente, faminto, incontrolável. Ele parecia ter o gosto da liberdade. Isso era mais intoxicante do que qualquer outra coisa que ela já havia vivenciado. Beijá-lo era como voar. Ben puxou-a para mais perto, posicionou o corpo de tal maneira que pressionava todas as partes que ela mais queria ser tocada... Mas isso não a acalmou, apenas a incendiou. O nome dele escapou de seus lábios e ele tomou vantagem disso para aprofundar ainda mais o beijo. Meg sentiu a cabeça girar. Ela agarrou-lhe a camisa, puxando-o

para mais perto. A força dele era a única coisa que os mantinha de pé. Ela precisava dele agora. Seu corpo gritava por ele. Meg pressionou o corpo contra o dele, deixando claro sua intenção. Ben afastou os lábios dos dela. Ele sugou o ar com força e depois mordiscou-lhe levemente o pescoço. Ela arqueou o corpo contra ele. – Por favor, Ben. Por favor – susurrou ela. Com um resmungo, ele amassou as saias que ela vestia com as mãos. Depois, traçou a linha da calcinha que ela vestia com um dedo e ela pensou que

fosse explodir de desejo. Seu dedo se moveu para a parte debaixo do elástico. Ah, por favor. Por favor. A buzina de um carro soou, e Ben se afastou dela tão rapidamente que ela poderia ter caído se ele não tivesse oferecido-lhe o braço para que ela se apoiasse. Quando ela recuperou o equilíbrio, ele a soltou e praguejou alto. – Que diabos você estava pensando? – Seu dedo tremeu enquanto ele o apontava a ela. O mesmo que você. Contudo ela não observou em voz alta. Ele se afastou, levando as duas mãos

ao cabelo. Não, não, não, ela queria choramingar. Não banque o cavaleiro comigo agora... Você é um garoto mau! Mas quando Ben voltou a encará-la, suas faces estavam tensas e exaustas, e ela ficou grata por não ter feito o comentário em voz alta. Porque isso teria sido estúpido. E errado. Sua pele acalmou. O tremor a invadiu. Ela se afastou dele e seguiu para a praia a fim de se sentar. Ela precisava pensar. Puxou as saias para baixo o máximo que pôde e manteve as pernas estendidas para

revelar o menos que pudesse das coxas. Ben a alcançou e apontou o indicador para ela novamente. – Isso não vai dar certo, Meg. Você e eu. Nunca vai acontecer. – Não use esse tom comigo. – Ela o fulminou com o olhar. – Você começou isso. – Você poderia ter dito não! – Você não deveria ter me beijado em primeiro lugar! Ela esperou que ele fosse se afastar em meio à escuridão da noite, mas ele não o fez. Ben andou de um lado para o outro e depois eventualmente voltou para se sentar ao lado dela. Mas não tão

perto. – Ainda estamos bem? – resmungou ele. – Claro que sim. – A garganta dela estava apertada. – Eu não sei o que aconteceu comigo. – Tem sido uma noite emocional. – Ela engoliu a saliva. – E quando as emoções começam a tomar conta, você sempre procura uma saída física. Ele assentiu com a cabeça. Houve uma pausa. – Mas você não costuma ser assim. – Ben observou. Ela se remexeu e endireitou as costas. – Sim, bem, parece que a gravidez me

deixou mais... Faminta. Ele a encarou. E depois se afastou levemente dela. – Você está brincando? – Eu desejaria estar. Meg tinha que parar de olhar para ele. E forçou o olhar de volta para a baía. – Então você está sentindo...? Hum...? Durante o tempo todo? – Eu espero sentir toda a maternidade e a mãe terra. Nada sexy. – Sabe, isso faz algum sentido. – Ele observou. – Todos esses hormônios de gravidez a deixaram incrível. Você tem certeza de que está bem? Ela conteve um suspiro.

– Eu não vou me apaixonar por você, Ben, se é isso o que lhe preocupa. – Não, eu... – Para começar, eu não gosto da maneira com que você trata as mulheres, e tenho certeza de que não vou deixar nenhum homem me tratar assim. – Eu não trato as mulheres de forma ruim – resmungou ele. – Eu ainda não tive nenhuma reclamação. – Porque você não ficou tempo suficiente por aqui para ouvi-las. – Droga, Meg. – Ben uniu as sobrancelhas. – Eu dou o melhor de mim para uma mulher, mas não faço promessas.

– Sim, bem, eu quero mais do que isso para um relacionamento, e você está fora de contexto. – Ele agarrou-lhe um dos braços quando ela tentou se erguer. Meg voltou a se sentar na areia. – O que foi? Ele a liberou novamente. – Estou feliz por estarmos de acordo, porque... Meg sentiu o coração se apertar. – Por quê? – Eu tomei uma decisão e precisamos conversar a respeito. Ela alisou as saias com as mãos. Ben partiria logo depois do casamento. Era isso o que ele queria falar para ela, não

era? Ela inspirou profundamente e se preparou para ouvi-lo. – Eu decidi ficar em Port Stephens. Vou encontrar trabalho aqui e um lugar para morar. Eu quero ser um pai para o nosso bebê, Meg. Um pai de verdade.

CAPÍTULO 8

O MUNDO parecia estar inclinado para um lado. Meg repousou uma das mãos sobre a areia. – Ficar? – Ela umedeceu os lábios. – Ainda não faz uma semana que você está aqui. Essa é uma grande decisão... Enorme. É uma mudança de vida. Você não tem que se apressar, ou tomar uma decisão precipitada, ou... – Quando se trata de detalhes práticos, Meg, a decisão em si é simples.

Era? – Ser um pai... É o trabalho mais importante do mundo. O coração dela acelerou dentro do peito. Tudo o que se passava em sua mente era o desejo de beijá-lo novamente. Beijá-lo tinha sido um erro. Mas isso não a impedia de querer repetir. E repetir. Mais e mais de uma vez. Mas se fizessem isso, sua amizade seria destruída. – Vou voltar para casa desta vez... – Ele fitou as próprias mãos. – Eu comecei a perceber o quanto vazia a

minha vida realmente é. Meg ficou boquiaberta. – Eu sei que minha vida parece empolgante, e acredito que seja. Mas é vazia também. Eu despendi a vida toda fugindo de responsabilidades. E estou começando a ver que não alcancei nada de real valor até agora. Meg endireitou as costas. – Isso não é verdade. Você ajuda pessoas a conquistarem seus sonhos. Você proporciona a elas uma experiência única... Histórias que eles poderão contar aos filhos. – E para quem eu vou contar as minhas histórias?

Meg sentiu o coração perder uma batida. – Eu não pensei em ter crianças no futuro com medo de que eu pudesse ser como meus pais. – Ben ergueu o queixo. – Isso só vai acontecer se eu permitir. Ele se virou para encará-la. Pare de pensar em beijá-lo! – O que eu realmente quero saber é do que você tem medo, Meg. Por que a ideia de me ver voltando para casa para sempre e ser um pai para o nosso filho a assusta? Por que eu posso não conseguir controlar meus hormônios novamente? Ela afastou o pensamento de sua

mente. Isso era ridículo. E indigno. Isso não deveria ter nada a ver com seus sentimentos e tido a ver com seu bebê. – Meg? – Eu não quero machucá-lo – sussurrou ela. – Seja clara comigo. – Eu temo que você fique tempo suficiente para que o bebê o ame. Temo que o bebê comece a amá-lo e a contar com você, mas você não possa ser capaz de suportar a monotonia doméstica. Temo que a sua inquietação o domine e você vá embora. E se fizer isso, Ben, você irá partir o coração do meu bebê. Ele acovardou-se. O brilho dos olhos

dela aumentou ainda mais. – E se você fizer isso, Ben – ela se forçou a continuar –, eu não sei se poderia perdoá-lo um dia. E ambos iriam perder a amizade mais importante de suas vidas. Ben se ergueu da areia e caminhou até a beira da água. – E mais! – gritou ela. – Eu acho que você iria se odiar por isso. Havia tanta coisa em risco se ele ficasse. Ben voltou para o local onde ela estava sentada e se colocou na frente dela. – Não posso fazer nada quanto aos

seus medos, Meg. Sinto muito que você se sinta dessa maneira. Eu sei que não tenho ninguém para culpar, exceto eu mesmo, e apenas o tempo vai curar seus temores. – Ele percorreu os dedos de uma das mãos entre o cabelo. – Mas q ua nd o nosso bebê nascer, eu vou querer seguir cada passo da vida dele. Eu quero que ele me ame. Eu quero que ele conte comigo. E vou fazer tudo para que isso aconteça. – Mas… – Eu quero ser o melhor pai do mundo. Quero ser o tipo de pai para o meu filho ou filha que o meu pai não foi para mim. Quero que nosso bebê tenha o

melhor na vida, e eu pretendo ficar por perto para assegurar que isso aconteça. Meg levou as mãos ao rosto. – Oh, Ben, eu sinto muito. ELE AFASTOU as mãos que ela mantinha no rosto. – Sente muito pelo quê? – Eu sinto muito por ter lhe pedido para ser meu doador de sêmen. Sinto muito por ter criado uma confusão em sua vida. Eu não queria que isso acontecesse. Eu não pretendia virar seu mundo de cabeça para baixo. – Eu sei disso. – Ben se sentou ao lado dela novamente. – Quando concordei em ser seu doador de sêmen,

eu não tinha ideia de que iria me sentir dessa maneira. Meg clareou a garganta. – Obviamente nenhum de nós dois previu que isso iria acontecer. Ele suspirou. – Eu sei que isso é difícil para você, Meg, mas eu realmente quero ser um pai para o nosso filho. Ela ainda não acreditava nele. Isso estava escrito em suas faces. – E porque eu quero ser um pai melhor do que o que eu tive, preciso esclarecer aquele beijo. – Ele queria salvar sua amizade. – Você não é nada parecido com seu

pai. Como ela podia ter tanta certeza disso? – Você nunca, jamais iria colocar uma arma na cabeça de alguém... Quanto mais em seu próprio filho. Ele sentiu a bile subir à sua garganta. Aquilo havia acontecido há quase 20 anos, mas o dia terrível estava gravado em sua memória. Sua mãe e seu pai tinham passado pelo divórcio mais amargo na história da humanidade. Na batalha pela custódia que havia se seguido, eles usaram o único filho para marcar tantos pontos quantos pudessem. A cada oportunidade.

A amargura e o ódio os havia transformado em pessoas que Ben mal podia reconhecer. Eles haviam se provocado e provocado até o dia em que o pai de Ben aparecera na porta de casa com uma espingarda. O coração de Ben bateu forte dentro do peito. Ele ainda podia sentir o gosto do medo em sua boca quando avistou a arma... Ainda podia sentir o peso de uma das mãos do pai em sua nuca quando ele se virou para fugir. Estivera convencido de que o pai iria matá-los. Ben levou uma das mãos à testa e respirou fundo. Meg tomou-lhe um dos braços. Isso o ajudou a voltar de volta

ao presente, afastando-o da memória daquele dia horrível há 20 anos. – Meus pais devem ter se importado um com o outro uma vez... Talvez até se amado... Mas o casamento deles resultou na prisão de meu pai e no abandono de minha mãe ao me deixar com Elsie e desaparecer. – Nem todos os casamentos terminam dessa forma, Ben. – Verdade. Gentilmente, ele se apartou de Meg. – Não importa o que eu faça, casamento é algo que eu nunca vou me arriscar. Meg meneou a cabeça.

– Esse é um dos argumentos que não têm fim. – Apesar do que você pensa, Meg, eu quero ser um bom pai. Mas isso não significa que eu tenha mudado de ideia quanto ao casamento. – E você acha que porque eu estou me sentindo um pouco mais sexy eu vou lhe arrastar para minhas fantasias e colocálo no papel de algum príncipe? – Ela bufou. – Bobo da corte é mais provável. Seria preciso mais do que um beijo para que eu me apaixonasse por você, Ben Sullivan. Principalmente – ela se colocou em pé – porque eu não acredito que você vá permanecer tempo

suficiente para que qualquer um se apaixone. Ben não prolongou o assunto. Apenas o tempo poderia provar a ela que ele realmente pretendia ficar por perto. Ele se ergueu da areia. Apenas tinha que se assegurar de que não a beijaria novamente. Meg não era uma mulher de aventuras. Ela se envolvia emocionalmente. Sabia disso. – O que você gostaria que eu fizesse em relação ao casamento desta semana? Ela havia voltado para o local onde eles deixaram os sapatos. Ele tomou-lhe um dos braços para ampará-la enquanto calçava a sandália. Ben cerrou os dentes

em um esforço de conter a tentação do calor dela. Ela piscou para ele enquanto fechava a correia da sandália. Meg se endireitou e se livrou da mão dele. – Ainda há muita coisa para fazer. – Ela voltou a encará-lo. – Para começar, eu vou precisar daqueles nomes de Elsie. – Certo. Eles rumaram de volta para o clube e para o carro de Meg. – Eu não suponho que você poderia organizar os convites, ou poderia? Eu não vou me preocupar com nada muito extravagante.

– Deixe comigo. – Obrigada. Será uma grande ajuda. – Mais alguma coisa? – Eu ficaria muito, muito grata se você pudesse encontrar um jardineiro para mim. Eu não tenho tempo suficiente para cuidar disso no momento. Ben assentiu com a cabeça. – Sem problema. Eles voltaram para casa em silêncio. Quando Meg parou na garagem de casa e desligou o motor, não o convidou para um drinque e ele também não sugeriu isso. Ao invés disso, com um rápido boa-noite, ele rumou para a porta ao lado.

A primeira coisa que ele avistou quando entrou na cozinha foi Elsie, acomodada à mesa e misturando um baralho. Sem uma palavra, ela entregou uma mão de rummy. Ben hesitou e depois se sentou. – Como está Meg? – Está bem. – Ótimo. Ben se remexeu na cadeira. – No entanto, ela iria se sentir bem mais feliz se você desse a ela uma lista de dez pessoas que ela pudesse convidar para o casamento. Elsie bufou. Ele piscou por duas vezes. Isso tinha sido uma risada?

– Ela disse que, embora o pai não vá admitir, ele gostaria de mais do que um casamento no cartório. Elsie bufou novamente, e desta vez não houve engano... Era definitivamente uma risada. – Vou fazer um acordo com você, Ben. – Um acordo? – Para cada mão que você ganhar, eu lhe darei um nome. Ele endireitou as costas. – Está bem. MEG DIRIGIU o olhar para a porta dos fundos. E depois congelou. Ben permanecia ali, parecendo

devastadoramente lindo, e ela sentiu os joelhos bambearem. Ela engoliu em seco e depois acenou para ele. Além de algumas conversas sobre o casamento, Meg não o tinha visto muito durante as últimas duas semanas. O trabalho estava uma loucura, com dois de seus funcionários com gripe, e sempre que ela tinha visto Ben e perguntado o que ele havia feito, ele respondia com um enigmático “estive ocupado”. Seu olhar se voltou para os lábios dele. Lábios que haviam acariciado os seus. Lábios que a tinham transportado para um lugar além de si mesma e que a

fizeram se sentir ansiosa por mais. Muito mais. – Seja lá o que você estiver cozinhando, Meg, nenhum homem seria capaz de resistir. Ela forçou um sorriso. – Cookies? Seu sorriso se tornou quase genuíno ao ver a esperança na voz dele. – Biscoito de chocolate – confirmou ela. – Melhor ainda. – Ele dirigiu o olhar para as crianças que a estavam ajudando com os biscoitos. – Parece que vocês estiveram se divertindo aqui. Meg gesticulou para as duas crianças.

– Essa é Laura, com 10 anos, e Lochie, com 8. – Somos irmãos – anunciou Laura. – E a tia Meg costuma ir à escola com a mamãe. – Felicity Strickland – declarou Meg ao vê-lo erguer uma das sobrancelhas. – Laura e Lochie... Esse é meu amigo Ben da casa ao lado. O que vocês acham? Podemos compartilhar os biscoitos com ele? Laura cruzou os braços. – Ele terá que trabalhar por isso. É justo, porque todos nós trabalhamos. Meg deu risada. – O que eu teria que fazer? – indagou

ele a Laura. – Eu faria qualquer coisa por biscoitos de chocolate. Principalmente biscoitos com esse aroma maravilhoso. Laura ergueu os olhos para Meg. – O que acha de Ben colocar a mesa? – E servir o leite? Ela assentiu com a cabeça. – Parece justo. Ben colocou as mesas e serviu quatro copos de leite enquanto Meg apanhava a segunda travessa de biscoitos do forno e a colocava no balcão para esfriar. Eles comeram biscoitos e tomaram leite. As crianças alegraram Ben com

histórias da viagem de Natal para Bali. Meg dirigiu o olhar para Ben e depois desviou os olhos para o outro lado, mordiscando o lábio inferior. Era inútil dizer a si mesma que esse era apenas o seu amigo Ben. Quando o telefone tocou, ela apressou-se em atendê-lo, ávida por distração. – Problema? – indagou Ben a Meg assim que ela voltou para a cozinha. – O serviço de bufê que eu tinha contratado para o casamento cancelou o serviço. Ela pressionou os dedos nas têmporas e andou de um lado para o outro do

outro lado do bar. O casamento seria realizado em três semanas. Ben se ergueu da cadeira. – O que posso fazer? Ela cruzou os braços. – Está disposto a um desafio, Ben Sullivan? – Que tipo de desafio? Meg dirigiu o olhar para as crianças e depois de volta para ele. Ben também cruzou os braços. – Vá em frente. – Se você mantiver Laura e Lochie entretidos por uma hora ou duas, isso me dará a chance de telefonar e encontrar outro serviço de bufê.

Ele dirigiu o olhar para a TV. – Sem problema. – Vou precisar de paz e tranquilidade. Ele ao menos sabia a primeira lição sobre crianças e quanto trabalho elas poderiam dar algumas vezes? As faces de Lochie se iluminaram. – Podemos ir à praia? Podemos nadar? Meg meneou a cabeça. – Sua mãe disse que não é para nadar. Ben a fulminou com o olhar. – Por que não? Meg afagou o cabelo de Lochie e depois o abraçou. – Lochie está se recuperando de uma

infecção no ouvido. – Sinto muito, amigão – falou Ben. Lochie se endireitou. – Poderíamos jogar Uno. Laura se lembrou de trazer. – Você sabe como jogar? – indagou Meg a Ben. – Não tenho ideia, mas posso aprender. Meg assentiu com a cabeça e se afastou. Em seguida, ela assistiu da janela enquanto o trio se acomodava à mesa e Ben ouvia Laura explicar as regras do jogo em detalhes. A paciência dele a tocou. Uma vez que o jogo começou, ela ouviu as risadas e desejou

que pudesse se unir a eles. Meg meneou a cabeça. Tinha que encontrar outro serviço de bufê. Meg levou 40 minutos com telefonemas antes de encontrar um substituto para o serviço. Ela lançou um olhar para o relógio. Como Ben estava sobrevivendo? Meg apressou-se em alcançar a sala, espiou o quintal através da porta de vidro e começou a rir. Ben continuava jogando cartas. As crianças não paravam de rir. As faces dele estavam completamente iluminadas. Ela avançou um passo em direção à porta, atônita, com sua mão alcançando o vidro como se pudesse tocá-lo...

As faces de Ben brilhavam. Ela repousou a outra mão sobre o ventre. E se Ben ficasse na cidade? E se ele mantivesse a sua palavra e descobrisse que a paternidade era satisfatória? E se ele não fugisse? Seu coração bateu forte dentro do peito. Se Ben mantivesse sua palavra, seu bebê iria ter um pai. Um pai de verdade. Quanto mais os assistia, mais clara a imagem se tornava em sua mente. Seu bebê poderia ter uma mãe e um pai. Seu bebê poderia ter tudo! Imagens se formaram em sua mente... Imagens de piqueniques em família e

viagens à praia, de Natais felizes, de refeições compartilhadas e momentos de silêncio quando o bebê fosse colocado para dormir... Ela afastou o pensamento. Uma onda de calor a invadiu. Caia na real! Seu pai poderia ter um bebê, mas isso não significava que ela e Ben iriam formar um laço aconchegante e romântico e o exemplo de uma família perfeita. Isso jamais iria acontecer. Meg inspirou profundamente. Ben nunca iria formar uma família da maneira que ela quisesse ou precisasse. Aquele beijo estúpido há dez anos e a forma com que Ben tinha voltado da

cidade apenas reforçara o que ela sempre soube... Que ele nunca iria se render a imprevisível emoção do amor, com todos os seus altos e baixos. Ela poderia estar mais desejosa do que nunca, mas não poderia se esquecer nem por um único momento de que eles eram melhores amigos. Meg assentiu com a cabeça. Eles eram os melhores amigos que tiveram um filho juntos e iriam permanecer melhores amigos. Eles poderiam fazer isso dar certo. Se ao menos ela soubesse com certeza de que Ben não iria partir, que ele não iria decepcioná-los. Que ele iria ficar.

Ela queria uma garantia, mas não havia... Meg congelou. Ela pressionou as costas contra a porta. O que Ben queria mais que tudo no mundo? Estar em um iate e viajar pelo mundo. Ele queria isso mais do que ser um pai? Seu coração perdeu uma batida. Seu estômago se revirou. Ela se afastou da porta, apanhou o telefone e discou para o número da agência de turismo de Dave Clements. – Dave? Olá, é Meg.

– Ei, Meg. Winnie e eu estamos realmente ansiosos para o casamento. Como estão os preparativos? – Oh, Deus, não pergunte. Ele deu risada. – Há alguma coisa que eu possa fazer? – Na verdade eu preciso conversar com você sobre organizar uma viagem de lua de mel para um casal feliz. – Apareça a qualquer momento. Juntos poderemos escolher algo fabuloso para eles. – Obrigada. – Ela engoliu a saliva. – Mas esse não é o motivo de eu ter lhe telefonado. Eu estive pensando em uma

forma de agradecer Ben. Ele está sendo de muita ajuda com os preparativos do casamento e tudo mais. – E? – Olha – ela começou apressada –, ele sempre quis viajar ao redor do mundo com um iate. Eu me perguntei se você poderia me ajudar a tornar isso realidade? – Você tem certeza que é isso que você quer, Meg? Quando eu conversei com ele há uma semana, me pareceu que ele estava bem decidido a ficar em Port Stephens. Ela fitou Ben e as crianças através do vidro da porta. Ainda rindo.

– Isso é algo que ele sempre quis. Eu quero que ele ao menos tenha a oportunidade de recusar. Mas será que ele recusaria? – Está bem, deixe comigo. Vou ver o que posso fazer. – Obrigada, Dave. Meg repousou o receptor na base. Se Ben recusasse a viagem, ela teria sua garantia. Se ele não recusasse? Ela engoliu em seco. Bem, ao menos isso também seria uma resposta.

CAPÍTULO 9

BEN

a estrada entre Nelson Bay e Fingal Bay com a janela do carro aberta, permitindo que a brisa soprasse em seu cabelo. A floresta da costa escapou enquanto a estrada se curvou em uma pequena vila. Em um impulso, ele estacionou o carro e considerou a vista. Quando criança, amava a praia. Ele e Meg tinham despendido mais tempo ali do que em suas próprias casas. Porque Meg estava certa... Por sua CRUZOU

pura beleza, Fingal Bay era difícil de ser vencida. A água inacreditavelmente clara revelava o fundo de areia da baía, e os golfinhos que eram quase visitantes diários. Ele havia fugido desse lugar assim que alcançou a maior idade. Contudo, o cenário parecia lhe acolher de volta. Ele respirou fundo, depois dirigiu o olhar para o relógio e exibiu um largo sorriso. Meg deveria estar em casa agora. Ben dirigiu até a casa dela, estacionou o carro na garagem e pressionou a buzina. Contou até cinco antes de a porta da frente ser aberta. Ao vê-la, ele sentiu o corpo ficar

tenso. Ben a fitou com desejo, mas depois se repreendeu mentalmente. Ele havia prometido a si mesmo que iria parar de encará-la daquela maneira. Nunca seria capaz de dar a ela todas as coisas que uma mulher precisaria ter, e ele valorizava sua amizade demais para fingir o contrário. Se ao menos fosse fácil. Ben pressionou os lábios até formar uma linha fina e saiu do carro. Ao vê-lo, ela ficou boquiaberta. Meg se aproximou de onde ele estava na garagem, com sua boca abrindo e fechando, e seus olhos se alargando. – O que é isso?

Ele exibiu um largo sorriso e inflou o peito. – Isso – ele deu um tapinha no capô – é meu novo carro. – Isso iria provar a ela que ele era um homem mudado, que era capaz de responsabilidade e estabilidade. Que era capaz cumprir a paternidade. Ben enfiou as mãos nos bolsos do jeans, com seus ombros relaxados, enquanto aguardava que ela terminasse de avaliar o carro e depois lhe desse um tapinha nas costas e o encarasse com respeito nos olhos. – Você... – Ela engoliu a saliva. – Você comprou uma caminhonete?

– Sim. – O sorriso dele se ampliou. – Você comprou essa caminhonete feia e branca que parece uma caixa? Ela o fulminou com o olhar. Ben sentiu os ombros congelarem. Assim como seu sorriso. – Onde está sua moto? – exigiu ela. Ele umedeceu os lábios. – Eu fiz uma troca. – Você. Fez. O quê? – indagou ela perplexa. – Você ficou louco? No que estava pensando? Ele se inclinou em direção a ela. – Eu estava tentando lhe provar que eu havia mudado – falou ele por entre os dentes. – Esse carro é um símbolo de

que eu posso ser um bom pai. – Isso mostra que você perdeu a cabeça. Meg percorreu os dedos de uma das mãos entre o cabelo. Encarou-o por um momento, antes de voltar a fitar a caminhonete. – Para dentro... Agora! – ordenou ela. – Não quero ter essa conversa na rua. Ben permaneceu imóvel. – Não sou alguma criança para que você possa dar ordens. Se quiser conversar comigo, então você pode me pedir como uma pessoa civilizada. Estou cansado de ser tratado como alguém que nunca faz uma coisa certa!

Ele sabia que ela estava estressada sobre o casamento, sobre o bebê, sobre ele... Sobre aquele maldito beijo! Mas ele estava cansado desse tipo de abuso dela. Meg sempre foi a dominadora, mas estava se tornando pior e era a hora de ela começar a parar com isso. Ben acolheu o choque nos olhos dela, mas não a dor que se seguiu. Meg era uma parte dele. Machucá-la era como machucar a si mesmo. Ela engoliu a saliva e assentiu com a cabeça. – Desculpe, isso foi realmente rude da minha parte. Acho que precisamos conversar sobre isso. – Ela gesticulou

para a caminhonete. – Você gostaria de entrar para tomar um café e conversarmos? – Quando ele não disse nada, ela acrescentou: – Por favor? Ben assentiu com a cabeça e a seguiu para o interior da casa. Meg dirigiu o olhar para o relógio da cozinha. – Café ou cerveja? – Café, obrigado. Ela preparou o café para ele e o descafeinado para ela. – O que há de errado com o carro? – indagou ele, aceitando a caneca que ela lhe entregou. – Achei que isso fosse lhe mostrar o quanto estou falando sério em

permanecer na cidade e me envolver com a vida do bebê. – Acho que tenho sido injusta com você sobre isso, Ben. – Ela gesticulou para os sofás e ele a seguiu. Meg sentou-se na beirada do sofá, parecendo cansada e pálida. Sua caneca estava sobre a mesa de café, intocada. Ele queria massagear-lhe os ombros... Ou os pés, para que ela relaxasse. Porém ele tinha uma regra de não tocá-la. E não confiava o bastante em si mesmo para quebrar isso. Ela ergueu os olhos para encará-lo. – Você disse que queria ser um pai presente e eu automaticamente presumi...

– Que eu estava mentindo. – Não de propósito. – Meg franziu o cenho. – Mas eu não achei que você soubesse realmente sobre o que estava falando. Eu não achei que você entendesse a realidade do que estava planejando fazer. – Ela fez uma pausa. – Achei que você não conhecesse sua própria mente. Isso não foi justo da minha parte. Sinto muito por duvidar de você. E sinto muito por não ter lhe dado mais apoio quanto à sua decisão. – Droga, não se desculpe – pediu Ben. – Eu precisava dos seus desafios para me fazer analisar o que eu estava fazendo e o que eu queria. Eu deveria

estar lhe agradecendo por me forçar a encarar os fatos. – Ele fechou os olhos. – Você não precisa se desculpar por nada. Ben abriu os olhos e quase gemeu ao ver a tensão no rosto dela. Ele forçou um sorriso, querendo afastar a tensão, querendo desesperadamente que as coisas voltassem ao normal entre eles. – Embora eu deva dizer que, se soubesse que minha reclamação sobre o seu tratamento fosse mudar sua mente, eu teria feito isso há dias atrás. – Ah, não foi isso. – Ela lhe ofereceu um fraco sorriso. – Foi o fato de assistilo com Laura e Lochie no último sábado.

Ben havia sentido que aquilo tinha sido um teste. Ele apenas não sabia se tinha passado ou não. – Eu me diverti. – Eu sei. E eles também. – São ótimas crianças. Meg suspirou. – Laura pode ser um desafio algumas vezes. – Ela apenas precisa relaxar um pouco, é só isso. – Da mesma forma que Meg precisava relaxar. – Qual a sua queixa quanto ao carro? – Você poderia ter escolhido um carro mais tedioso se tentasse? – Você tem uma caminhonete –

observou ele. – Mas ao menos a minha é uma versão esporte e é útil para o trabalho. E é azul! – A cor não importa. – É claro que sim. – Ela se inclinou na direção dele. – Eu entendo que você queira provar que será um bom pai, mas isso não significa que você tem que se tornar chato! Eu concordo que com um bebê você vai precisar de um carro. Mas você pode comprar um carro que goste. Um conversível de dois lugares pode não ser prático, mas você é um homem de ação, Ben, e gosta de velocidade. Você poderia ter comprado algum poderoso V6 que pudesse abrir na

autoestrada, ou um jipe para andar sobre a areia... Ou qualquer coisa menos entediante do que uma caminhonete sem graça na minha garagem. Ele considerou as palavras dela. – Você acha que a paternidade será entediante? – Não! Ela suspirou aliviada. – Isso já é alguma coisa. Você não tem que mudar quem você é, Ben. Você poderá não viajar mais ao redor do mundo, atirando-se de montanhas, negociando as correntes de algum rio enorme ou escalando o Everest... Mas, por Deus, isso não significa que você

tenha que desistir da sua moto, não acha? Ele a assistiu calado. – Eu quero que você volte à loja e compre sua moto de volta. Ben sentiu um peso sair de suas costas. – Você acha que eu deveria? – Sim! Onde mais eu conseguiria me divertir com a velocidade e o poder? Parece que estamos literalmente voando. Ele teve uma visão de Meg no banco traseiro de sua moto, o capacete colado às suas costas e os braços envolvidos ao redor de sua cintura. Ben se ergueu do sofá.

– Se eu voltar à loja agora, é possível que eu consiga falar com o gerente antes que ele encerre o dia. – Ben precisava ter sua moto de volta. – Ele tinha um jipe bem legal no estoque. Isso pode ser divertido. Eu poderia fazer um test drive. Meg o seguiu até a porta principal. – Boa sorte. A meio caminho da garagem, ele virou-se para encará-la. – O que você vai fazer no sábado? – Elsie e eu vamos às compras para os trajes do casamento de manhã. – E durante a tarde? Ela meneou a cabeça e deu de

ombros. – Mantenha-se livre – pediu ele. Depois, Ben se aproximou dela, repousou uma das mãos sobre a nuca de Meg e pressionou-lhe um beijo sobre a testa. – Obrigado, Meg. E então ele partiu antes que fizesse algo estúpido, como beijá-la de verdade. MEG DIRIGIU o olhar para a porta dos fundos ao ouvir alguém bater. – Como foram as compras? – indagou Ben, entrando na sala de estar com o tipo de sorriso que faria qualquer mulher se derreter. Meg sentiu o coração perder uma

batida ao ter a visão dele. Não babe. Sorria. Não se esqueça de sorrir. – As compras? Oh, foram surpreendentemente boas – falou ela. – Agora nós duas temos os trajes perfeitos. – Como estão os preparativos para o casamento? O que você precisa fazer nesta semana? – Você tem um terno? – Sim. – Então não precisaremos fazer muita coisa. A marquise será erguida na tarde da próxima sexta-feira e as mesas e cadeiras também serão montadas. – Vou me assegurar de estar aqui caso

aconteça algum imprevisto. – Obrigada. – Ele a observou por um momento. – O quê? Ben meneou a cabeça. – Você conseguiu manter esta tarde livre? – Uh-huh – suspirou ela. – O que você planejou? – É uma surpresa. Meg sentiu o coração se acelerar. Ela deveria dar uma desculpa, mas... Droga, esse era Ben... Seu melhor amigo... E aquele sorriso dele era irresistível. Ela baixou o olhar para o seu vestido de verão. – O que estou vestindo está bom?

– Absolutamente não. – O sorriso dele se ampliou. – Você vai precisar de um biquíni, e algo para se proteger do sol. Meg realmente deveria dar uma desculpa. – E um chapéu, eu suponho? – indagou ela, rumando para o quarto a fim de se trocar. – Você me entendeu – disse ele. MEG ERGUEUo rosto em meio à brisa e deixou escapar um grito de pura emoção. Ben havia dirigido com ela até Nelson Bay em seu novo jipe na cor vermelha e alugado um pequeno barco a motor para a tarde. Eles cruzaram a

vasta baía com o barco e parecia como se estivessem voando. Meg não conseguia se lembrar da última vez que tinha se divertido tanto. Ela jogou a cabeça para trás e fechou os olhos, entregando-se a pura euforia. – Essa foi uma ideia brilhante, Ben. Ele exibiu um largo sorriso. – Certamente teve o efeito desejado. Ela ergueu uma das mãos para ajustar o chapéu. – Que era? – Colocar cor de volta ao seu rosto. Fazê-la se sentir viva. Ela congelou. Era estranho ter alguém cuidando dela.

– Obrigada. Se Ben ficasse... Meg interrompeu o pensamento. Se Ben ficasse ou não, cuidar dela não era um dever dele. Ele a fazia se sentir incrível, mas isso não significava que eles pudessem ter um futuro juntos. Exceto como amigos. Ele deu de ombros. – Além do mais, é bom ter um momento de diversão com os amigos. Ela cerrou os dentes. Amigos são ótimos. São mesmo! Meg dirigiu o olhar para ele e tentou decifrar as emoções que sentia. Ela começou a nomeá-las em silêncio. Pimeira: desejo. Seus lábios

estremeceram. Segunda: raiva por ele ter virado seu mundo de cabeça para baixo. Ela meneou a cabeça. Lide com isso. Terceiro: amor pelo seu querido amigo, por tudo o que eles passaram juntos, por tudo o que compartilharam, e pelo apoio e amizade que ele havia lhe proporcionado ao longo dos anos. E havia mais uma emoção ali também... Algo que queimava e a irritava. Algo dolorido. Mágoa. Isso a fez piscar. Mágoa? Ela engoliu em seco e se forçou a examinar o sentimento. Uma dor começou a pulsar em suas têmporas. Mágoa por ele ter

decidido ficar em Port Stephens pelo bebê de uma forma que jamais teria decidido por ela. Oh, isso era insignificante. E absurdo. Meg friccionou as mãos contra os braços. Ela não tinha acolhido esperanças escondidas de que Ben pudesse voltar por ela. Jamais! Mas vêlo agora diariamente… Sem mencionar aquele beijo na praia… Aquele beijo devastador… – Frio? Ela meneou a cabeça e voltou a repousar as mãos no colo. Meg inspirou fundo. Tinha que ser cuidadosa. Não poderia arrastar Ben para suas fantasias

românticas. Isso iria terminar em lágrimas. E destruiria sua amizade. E isso seria a pior coisa do mundo. Não valeria a pena arriscar sua amizade por uma relação romântica, mesmo que Ben estivesse disposto. Em seu interior, uma parte dela começou a chorar. Meg engoliu a saliva. Hormônios, apenas isso. – Ainda não consigo acreditar que Elsie e seu pai vão se casar – comentou Ben. Ela assentiu com a cabeça. – Isso mostra um otimismo notável de ambas as partes. Ele a observou por um momento.

– Como você está lidando com seu pai? – Da mesma forma. – Meg ergueu o rosto para o sol a fim de deter um súbito calafrio. – Nem ele ou Elsie mencionaram meu desabafo. Parece que todos voltamos a fingir que aquilo nunca aconteceu. – Porém, isso teve um efeito positivo em Elsie. Ela endireitou as costas. – Você acha? – Sim. – Ele jogou um pouco de água contra ela. – Ela está menos fechada e mais relaxada. Está fazendo mais esforço para conversar também.

– Jura? – Sim. – Eu diria que isso se deve ao romance dela com meu pai. – Ela até mesmo está tricotando algumas botinhas para o bebê. Meg se inclinou em direção a ele. – Você está brincando? Ela jogou um pouco de água contra ele. E então eles tiveram o tipo de guerra de água que os deixou ensopados e os fez rir. – Faz quanto tempo que você não vem à baía dessa maneira? – exigiu ele. – Dessa maneira? – Ela reajustou seu chapéu. – Provavelmente desde a última

vez que fizemos isso. – Isso foi há dois anos! – Eu estive fora em alguns jantares em cruzeiros, e nadei mais vezes do que posso contar. – E quanto a caiaques? Isso era uma de suas coisas preferidas… Entrar em um caiaque, no começo da tarde, quando as águas estavam calmas. Remar ao redor da baía e se sentir de acordo com a natureza e o mundo. Mas quando foi a última vez que ela realmente fizera isso? Meg inclinou a cabeça para um lado. Havia saído algumas vezes em dezembro, mas...

Ela não havia saído esse ano! – Eu... Acho que estive ocupada. – Você precisa parar e curtir a vida. Ele estava certo. Essa tarde... Cheia de sol, baía e diversão... Tinha provado isso a ela. Meg queria ser um bom exemplo para seu filho. Ela pensou sobre seu pai e Elsie, o quanto facilmente eles haviam caído em rotinas e hábitos insalubres. Ela engoliu a saliva e dirigiu o olhar para Ben. Ele sempre encontrava um tempo para curtir a vida. Será que ele ainda curtiria a vida depois que estivesse vivendo em Port Stephens por alguns anos?

Meg percorreu o olhar ao redor. Era um lugar lindo. Ele estava se divertindo, não estava? Por hoje. Mas o que aconteceria no dia seguinte, na próxima semana, no próximo mês, no próximo ano? Ela endireitou as costas. – Eu concordo que seja importante apreciar o melhor que a vida tem a nos oferecer, mas você ainda tem grandes decisões a fazer, Ben. – E ela duvidava que fosse capaz de relaxar completamente até que ele as fizesse. – Como, por exemplo? – Como o que você vai fazer com a

casa de Elsie? Você vai morar ali sozinho depois do casamento? – Não pensei sobre isso. – E quanto a um emprego? Não pretendo ser intrometida ou controladora ou nada disso, mas… Os lábios dele estremeceram. – Mas? – Acho que não poderá viver de sua poupança para sempre. – Eu tenho algumas coisas em andamento. Ele tinha? – Uma vez que eu tiver algo concreto para relatar, você será a primeira a saber. Eu prometo. – Ben deu uma

pausa. – Você acha que eu deveria me mudar para a casa de Elsie? Meg sentiu a boca ressecar. – Eu... – Se eu fizer isso, irei pagar aluguel para ela. – Ele franziu o cenho. – Não quero que ela me dê a casa. É dela. Meg o observou por um momento. – E se ela der de presente para o bebê? Ben abriu e fechou a boca, mas nenhum som saiu de seus lábios. – Eu... Meg desviou o olhar para o outro lado e sentiu o estômago se revirar. Os dois tinham que ter uma conversa séria.

Mas não hoje. – É melhor você falar, Meg. Ela fulminou a água. Ben a conhecia tão bem que poderia ser inconveniente às vezes. Meg suspirou e virou-se para encará-lo. – Há algumas coisas que eu acho que precisamos discutir em relação ao bebê, mas isso pode esperar até depois do casamento. A tarde está tão linda. E ela não queria estragar o momento. – Poderia ser a tarde perfeita para tal discussão – contrariou ele, gesticulando para o sol e a baía. – Quando nós dois estamos relaxados. Talvez ele estivesse certo.

– Você não vai gostar – avisou ela. – Vá em frente, Meg. – Você quer saber se eu acho que você deveria morar na casa de Elsie? Isso depende do... – Ela engoliu em seco. – Do? – Do tipo de acesso que você quer ter ao bebê. Ben franziu as sobrancelhas. – O que quer dizer? – O que estou dizendo, Ben, é sobre os arranjos da nossa custódia. CUSTÓDIA? – Não! – Ele apontou o indicador para ela. Depois, praguejou. – Mas que

diabos você está pensando? Custódia? – enfatizou ele. – Sem chance! Nós não precisamos de arranjos de custódia. Não somos assim. Você e eu podemos lidar com isso como pessoas civilizadas. Meg havia ficado pálida. Ele percebeu que estava gritando. Assim como sua mãe tinha gritado. Assim como seu pai tinha gritado. Ele não conseguia parar. – Deveríamos ser amigos. Meg engoliu a bile que subiu à sua boca. Estava com medo dele? Não! Ben cerrou as mãos em punho. Se ela o conhecesse bem o bastante, nunca teria

levantado esse assunto em primeiro lugar. – Somos amigos que estão tendo um bebê – observou ela com o tom de voz baixo. – Precisamos de certos meios de proteção para assegurar… – Besteira! – exclamou ele. – Podemos continuar seguindo da mesma forma... Da forma que sempre fizemos. Quando você tiver o bebê, eu poderei me aproximar e ajudar a qualquer momento, talvez cuidar da criança por alguns dias enquanto você está no trabalho, e ajudá-la nas noites com a mamadeira e banhos e... – Então basicamente iríamos viver

como um casal, mas sem os benefícios? O escárnio dela era evidente. – Não, Ben, não é assim que vai ser – prosseguiu Meg. – Viver dessa forma... Você não acha que isso mexeria com a cabeça da criança? – Ela apontou um dedo para ele. – Além do mais, eu ainda acredito em amor e casamento. – Você realmente deixaria outro homem criar o meu filho? – Isso é algo que você vai ter que aprender a conviver. Assim como eu se um dia você se relacionar seriamente com outra mulher. Ben congelou. – Você nunca me quis como parte

desse cenário, não é? Eu arruinei sua fantasia de felicidade doméstica e agora você está tentando me punir. – Ele se inclinou em direção a ela. – Você está esperando que isso possa me afastar. O restante de cor que ainda restava nas faces dela desapareceu. – Isso não é verdade. – Ela uniu as mãos. – Eu quero que você decida como você quer que sejam feitos os arranjos da custódia. Você quer uma custódia meio a meio? Uma noite na semana e a cada duas semanas? Ou... Seja lá o que for! Isso é algo que precisamos resolver. – E se eu quiser custódia total? – indagou ele.

Ben queria assustá-la. Queria que ela recuasse, admitisse que isso tudo não passava de um erro, que ela sentia muito e não estava falando sério. Queria que ela reconhecesse que ele não era como o seu pai! Meg ergueu o queixo. – Você não teria isso. Uma risada selvagem escapou dos lábios dele. – Eu quero que os arranjos de custódia sejam feitos antes de o bebê nascer. A frieza tomou conta dele novamente. Ela não confiava nele. – Você tem que viver sua vida inteira

por regras? – Eu sinto muito, Ben, mas nesse instante eu vou escolher o que é melhor para o bebê, não o que é melhor para você. Meg estava escolhendo o que era melhor para ela. Fim da história. Nem mesmo sabia mais quem ele era, e ele certamente não sabia sobre ela. O pedestal no qual ele a havia colocado tinha desmoronado. – E quanto a você morar na casa de Elsie... – Ela meneou a cabeça. – Eu acho que é uma péssima ideia. Ele não disse mais nenhuma palavra. Apenas ligou o motor do barco e rumou

para a costa. – COMO ESTÁ Meg? Ben uniu as sobrancelhas enquanto alcançava uma cerveja. Com um resmungo, ele colocou a garrafa de volta na geladeira e apanhou uma limonada. – Ela está bem. Elsie estava acomodada à mesa da cozinha, tricotando. Isso o fazia se lembrar da manta do bebê, e do berço quase acabado no qual ele estivera trabalhando no jardim de Elsie. – Ela está bem com o fato de eu tomar o lugar da mãe dela? Ops! Ben estendeu uma das mãos para se equilibrar contra o balcão. De onde

ela havia tirado isso? Ele meneou a cabeça e contou até três. – Vamos esclarecer algumas coisas. Primeiro, você não vai tomar o lugar da mãe dela. Meg é adulta. Ela poderia ser adulta, mas também era meticulosa e cruel. Ben respirou fundo. – Ela não precisa mais de uma mãe. Por Deus, ela será uma mãe. Ele acrescentou controladora, ciumenta e possessiva à sua lista. – Segundo, ela não vai lhe chamar de mãe. Elsie o encarou. – Eu quis dizer tomar o lugar da mãe

dela em relação às afeições do pai dela – declarou ela finalmente. Ah. Ele franziu o cenho. – Você acha que ela se importa de nós nos casarmos? Meg podia ser muitas coisas que ele ainda não havia contado, mas não era superficial. – Ela está preparando uma festa de casamento para vocês. Isso já não diz tudo? Elsie deu uma pausa em seu tricô. – O problema é que ela sempre foi o tipo de garota que usa uma fachada de corajosa. – Elsie colocou uma agulha de tricô sobre a mesa de centro. – Vocês

dois são assim. Ele puxou uma cadeira e se sentou antes que caísse. – Você se importa com o meu casamento com Laurie? Ben meneou a cabeça. – Não. – Ótimo. – Elsie assentiu com um gesto de cabeça. – Sim, isso é ótimo. – Ela o encarou por um momento e depois se inclinou levemente em direção a ele. – Você acha que Meg vai deixar o bebê me chamar de vovó? Ele não sabia o que dizer. – Eu espero que sim. Se é isso o que você quer. Contudo, você terá que dizer

a ela que você prefere ser chamada de vovó em vez de Elsie – acrescentou Ben. Elsie parou de tricotar. Ela retirou os óculos e friccionou os olhos com as palmas das mãos. Finalmente ela o encarou de volta. – Depois que ela partiu, eu nunca ouvi falar de sua mãe, Ben. Nenhuma vez. Ben sentiu a boca se ressecar. – Eu esperei e esperei – confessou Elsie. – Mas...? – Ele quis saber. Elsie meneou a cabeça. – Mas... Nada. Não posso lhe dizer nada, ainda que eu quisesse dizer. Eu

não sei para onde ela foi. Não sei se ela está viva ou não. Tudo o que sei é que faz 18 anos. – Ela soltou um suspiro estremecido. – E que ela sabe como entrar em contato conosco, mas, que eu saiba, nunca tentou. Ben a encarou, tentando processar o que ela havia dito e o que ele sentia sobre isso. – Seu pai acendeu alguma coisa dentro dela. Ben sacudiu a cabeça em negativa. – Não. A forma como que eles agiram... Eles deixaram a raiva e a amargura destruí-los. Ela teve a chance de recuar. Ambos tiveram. Mas eles

escolheram não fazer isso. Ela é tão culpada quanto ele. – Tudo o que sei é que ela fugiu e eu sofri. Meu único filho... Ben pensou sobre a criança que Meg carregava e fechou os olhos. – Quando eu saí daquele nevoeiro... Eu... Nós... Eu e você estávamos com uma rotina estabelecida. Isso era tão simples? Elsie havia sofrido e não sabia como lidar com um garoto cujo mundo havia implodido. – Sua mãe sempre disse que eu a sufocava e é por isso que ela se separou do seu pai. Eu falhei com ela de alguma maneira... Ainda não sei como, não

consigo achar alguma explicação para isso... E eu apenas não quero passar por tudo aquilo novamente. Ben respirou fundo. – Então você me manteve a distância? – Isso foi errado, Ben, e eu sinto muito. No final, ele engoliu a saliva e assentiu com a cabeça. – Obrigado por me explicar isso. – Eu deveria ter lhe explicado muito antes. Ele não sabia o que fazer, o que dizer. – Sou grata por você ter Meg. De algum lugar, ele encontrou um sorriso.

– Tenho certeza de que ela ficará contente pelo bebê lhe chamar de vovó.

CAPÍTULO 10

NA MANHÃ do dia do casamento, Meg acordou cedo. Ela se levantou da cama, vestiu um roupão e apressou-se escada abaixo; sua mente girava com o milhão de coisas que precisavam ser feitas. E então ela parou na cozinha e se fez uma pergunta. Na verdade, o que havia para fazer? Tudo estava feito. Ela e Elsie tinham horário no salão para se aprontarem para o casamento, mas até lá o tempo era só seu. Ela preparou uma xícara de chá e saiu

pela porta de vidro dos fundos. O jardim era adorável, e a marquise estava posicionada no meio dele como uma joia. E então ela avistou Ben. Ele estava a alguns metros, com uma caneca fumegante em sua mão, observando a marquise também. O cabelo estava desgrenhado, como se ele tivesse acabado de sair da cama. Meg apertou os dedos ao redor da caneca. Uma dor lhe comprimiu o peito. Ela mal o tinha visto nas últimas duas semanas. Ele havia telefonado algumas vezes, para verificar se havia alguma coisa que ele precisava fazer, mas eles

mantiveram ligações breves e formais. – Bom dia, Meg. Ele não virou o rosto para encará-la. Meg sentiu o coração se apertar dentro do peito. Ele era seu melhor amigo. Tinha sido uma parte integral de sua vida por 18 anos. Ela não poderia perdê-lo. Se perdesse a amizade dele, perderia uma parte de si mesma. Da mesma forma que seu pai havia perdido uma parte de si mesmo no dia em que sua mãe falecera. A pressão em seu peito aumentou ainda mais. – Está um dia adorável para um casamento.

Ele estava falando com ela sobre o tempo. Tudo no jardim pareceu ficar nublado. Ela ergueu o rosto para o céu e piscou, depois respirou profundamente. Quando Meg não disse nada, ele virou-se para encará-la. Seus olhos escureceram e suas faces ficaram pálidas ao contemplá-la. Ben meneou a cabeça. – Não me olhe desse jeito. Ela não podia evitar. – Você pretende se ressentir para sempre? Pretende continuar me evitando? Tudo porque eu quero o que é certo para o nosso bebê? – Ela deu uma pausa. – Você não confia mais em mim,

Ben? – Isso é sobre a sua confiança, não a minha! – Ele apontou um dedo para ela. – Você não precisaria organizar os arranjos de uma custódia se confiasse em mim. Meg recuou um passo. – Você considerou o fato de que eu possa não confiar em mim? – indagou ela. – Eu já me sinto loucamente possessiva sobre esse bebê. Ela repousou uma das mãos sobre o ventre. Ele seguiu o movimento. Meg umedeceu os lábios quando ele encontrou seu olhar novamente. – Eu vou achar difícil dividir essa

criança com alguém... Mesmo com você, Ben. Isso não fazia parte dos meus planos. – Como ele bem sabia. – Sei que isso está longe de ser algo nobre, mas não posso evitar a maneira que sinto. Eu também sei que você é o pai desse bebê e tem o direito de ser parte da vida dele. Fazer tudo certo irá proteger os seus direitos. Você não considerou isso? Um olhar para o rosto dele lhe disse que não. – Não sei por que deixar tudo claro... O que esperamos um do outro e o que nosso filho pode esperar de nós... É algo tão ruim. Ben não disse nada. Ele nem mesmo

se moveu. – Eu entendo que as coisas possam mudar. Poderemos discutir e nos adaptarmos às mudanças. Não vou nos colocar diante de um contrato eterno. Podemos incluir uma cláusula que diz que iremos renegociar a cada dois anos, se você quiser. Mas ela sabia que eles precisavam de algo no papel que iria estipular suas responsabilidades e expectativas e como eles deveriam seguir em frente. Pelo bem do bebê. E pelo bem da amizade deles. – Sei que você ama esse bebê, Ben. Os olhos escuros dele a estudaram.

– Você não iria virar seu mundo de cabeça para baixo por um motivo ruim. Você quer ser um bom pai. – E você acha que concordar com a legalização dos arranjos de nossa custódia irá provar que eu serei um bom pai? Meg o encarou e depois meneou a cabeça. – Eu sinto muito – sussurrou ela. – Se eu soubesse há cinco meses o que o fato de lhe pedir para ser meu doador de sêmen iria acarretar, eu nunca teria pedido. Ele ficou tenso. – Mas eu quero esse bebê.

– Bem, então vá em frente! – Ela jogou a caneca contra a grama macia aos seus pés e repousou as mãos nos quadris. – Se você quer esse bebê, então aceite suas responsabilidades. Se não pode fazer isso... Se elas o intimidam tanto... Então volte para a África e vá fazer um bungee-jump de uma ponte alta, ou vá mergulhar no Atlântico, ou qualquer uma dessas coisas que não são tão assustadoras quanto a paternidade! Ben cruzou os braços em frente ao peito e assentiu com a cabeça. – Assim é melhor. Aquele jeito doce de ser não combina com você. – Ele deu uma pausa. – Você está certa. Eu preciso

encarar minhas responsabilidades. – E, correndo os dedos de uma das mãos entre o cabelo, prosseguiu: – Principalmente quando elas me intimidam. – Exatamente em qual ponto da conversa você chegou a essa conclusão? – Quando você disse o quanto se sentia possessiva sobre o bebê. – Quando percebeu que um acordo de custódia iria proteger seus interesses? – Quando percebi que você não era minha mãe. Meg sentiu o coração se comprimir. – Quando eu percebi isso, independente do que possa acontecer,

você nunca vai ser minha mãe. Eu sei que sempre irá colocar os interesses do bebê em primeiro lugar. Foi quando eu percebi que estava lutando com fantasmas do passado... Porque apesar das diferenças que podemos ter no futuro, Meg, nós nunca iremos repetir o drama de meus pais. Meg cruzou os braços. – Você vai me repreender agora por ter levado tanto tempo para chegar a essa conclusão? – Eu vou lhe repreender por ter me deixado reclamar e... – E abusar dele. – Eu precisava de alguns momentos para processar a descoberta. – Ele

respirou fundo. – E eu queria que você ficasse irritada para parar de parecer tão frágil e deprimida. Isso não combina com você, Meg. Do que se trata tudo isso? Ela virou o rosto para o outro lado. – Eu quero a verdade. Isso a fez sorrir. – Alguma vez já fomos menos que honestos um com o outro? – Eles se conheciam muito bem para caírem na mentira um do outro. – Eu me senti doente nas últimas duas semanas, preocupada que tivesse arruinado nossa amizade. Eu quero fazer o que é certo para o bebê. Mas magoá-lo é algo que

me faz muito mal. Ele jogou a caneca vazia contra a grama, assim como ela havia feito antes. – O problema é, Ben, depois desse bebê, sua amizade é a coisa mais importante do mundo para mim. Se eu perder isso... Ben praguejou baixinho e, encurtando a distância entre eles, abraçou-a fortemente. – Isso não vai acontecer, Meg. Isso nunca vai acontecer. Eventualmente ela se livrou do abraço dele. – Há outra coisa que está me incomodando.

– O que é? – Você continua dizendo que não tem a intenção de formar um relacionamento sério com alguma mulher. – Eu não quero. – Bem, eu acho que você precisa repensar sobre isso. Ele ficou boquiaberto. – Você acha que a paternidade irá preenchê-lo, não acha? – Sim, mas... – Isso também acontece se você se comprometer com uma pessoa e construir uma vida com ela. Ben fulminou-a com o olhar. – Para você, talvez.

– E para você também. Você não está isento do restante da humanidade. Não importa o quanto queira pensar que esteja. Ele levou uma das mãos ao quadril. – O que há com você? Você nunca tentou mudar minha visão sobre isso antes. Isso era verdade, mas... – Eu também nunca pensei que você fosse querer a paternidade, mas obviamente eu estava errada sobre isso. E eu acho que você está errado em desacreditar de um relacionamento longo. Ele sacudiu a cabeça em negativa.

– Não vou me arriscar a isso. – Você acabou de admitir que não sou como sua mãe. Há outras mulheres – as palavras pareciam ácido em sua língua, mas ela se forçou a continuar – que também não são como sua mãe. – Ela odiaria vê-lo com outra mulher, o que não fazia muito sentido. Ela fechou os olhos para as imagens que a bombardearam. – Mas eu a conheço, Meg. Eu a conheço pela maior parte da minha vida. – Então aproveite o tempo para conhecer outra pessoa. – Não. Meg se recusou a desistir.

– Acho que você será um pai brilhante. Acho que merece ter mais filhos. Você não gostaria disso? Ele não disse nada e ela não pôde ler a expressão em seu rosto. – Acho que você também seria um marido maravilhoso. – Suas próprias palavras fizeram com que ela sentisse o coração bater acelerado dentro do peito. – Acho que qualquer mulher seria afortunada em tê-lo na vida. E, Ben, eu acho que isso o faria feliz. – E ela queria muito que ele fosse feliz. Ben suspirou. – Sou perfeitamente feliz desse jeito. Ela queria chamá-lo de mentiroso,

mas... Mas talvez ele estivesse certo. A imagem de Ben como um marido adorável e um pai coruja desapareceu. Talvez as coisas que iriam fazê-la feliz fosse apenas fazê-lo se sentir miserável. Meg engoliu em seco. – Eu apenas quero que você seja feliz – sussurrou ela. Ele inspirou profundamente. – Eu sei. Ela queria que Ben ficasse em Port Stephens. Realmente desejava isso. Se ele se apaixonasse por alguma mulher... Ela afastou o pensamento da sua mente. Seu coração se incendiou. Meg uniu

as mãos. Nesta tarde, Dave pretendia oferecer a Ben a chance de realizar o seu sonho… Oferecer a ele um lugar naquele iate. – Posso lhe fazer outra proposta? – Claro. – Você gostaria de ser meu companheiro de parto? Você gostaria de estar presente no nascimento de nosso filho? Ele ficou tenso. – Se quiser pensar sobre isso... – Não preciso pensar sobre isso. – A emoção ficou nítida nas faces dele. – Sim, Meg, sim. Mil vezes sim. Finalmente ela conseguiu sorrir

novamente. O que era uma viagem pelo mundo com o iate comparada a ver seu próprio filho nascer? Atrás das costas, ela cruzou dois dedos. – MEGAN, ESTOU me casando com Elsie porque me importo com ela. – Laurie Parrish ergueu o queixo. – Porque eu a amo. Meg parou de mexer no vestido e voltou a encará-lo. Em dez minutos, ele e ela iriam sair para o jardim, encontrar Elsie e Ben e a cerimônia iria começar. – Nunca duvidei disso nem por um momento. – Ela hesitou, e depois endireitou a gravata do pai.

Laurie segurou-lhe a mão antes que ela pudesse se afastar novamente. – Antes de embarcar em minha nova vida, eu gostaria de me desculpar com você e reconhecer que não tenho sido um grande pai. Eu não posso... – A voz dele falhou. – Não posso lhe dizer o quanto me arrependo disso. Ela o fitou diretamente nos olhos e finalmente assentiu com a cabeça. Era por isso que ele havia dado a casa a ela. Sempre sentiu isso. Mas era bom vê-lo admitir seus erros em voz alta. – Está bem pai, aceito suas desculpas. Ela tentou afastar a mão, mas ele se recusou a liberá-la.

– Também estou ciente de que uma desculpa e uma expressão de arrependimento não significa que, de repente, iremos ter um ótimo relacionamento. Ela piscou. Uau! – Mas se estiver bom para você, se isso não for lhe deixar desconfortável ou infeliz, eu gostaria de tentar construir um novo relacionamento... Um relacionamento bom e sólido... Com você. Seu ceticismo inicial se transformou num choque total. – Você tem um problema com isso? Lentamente, ela meneou a cabeça.

Não tinha nenhum problema com isso. Seria maravilhoso para o seu bebê ter avós que o amassem, que quisessem estar envolvidos em sua vida. Exceto... Meg endireitou-se. – Vou precisar que você seja mais entusiástico e empenhado. Não apenas em minha vida, mas na sua também. – Ela iria precisar que ele também se arriscasse em vez de deixar tudo para ela. Mas se ele realmente quisesse isso... Seu coração perdeu uma batida e o ressentimento que havia sido construído em seu interior nesses últimos meses começou a diminuir. Diferente de Ben, a

amargura e a ira não a havia ferido em seus anos de adolescência. A tristeza e a nostalgia sim. Ela não podia apagar a tristeza e a nostalgia agora, e nem seu pai poderia. Ninguém poderia. Eles nunca mais iriam recuperar aqueles anos perdidos, mas ela estava disposta a se esforçar para o futuro. – Dar-me a casa foi sua maneira de dizer sinto muito e tentar amenizar as coisas, não foi? Ele assentiu com a cabeça. – Eu queria uma segurança para o seu futuro. Parecia a última coisa que eu poderia fazer. A admissão dele a tocou.

– Mas me mudar dessa casa também despertou os meus sentidos sobre Elsie. Perdê-la me fez perceber o quanto ela significava para mim. Então esse tinha sido o início... Uma doença, uma recuperação, e depois uma mudança de endereço. Evidentemente, o romance trabalhava de formas misteriosas. – Eu sei que isso não vai mudar nada, Megan, mas, quando você estava crescendo, eu pensei que você estivesse despendendo muito tempo na casa de Elsie, porque ela havia se tornado um tipo de mãe substituta para você. Quando eu estava me recuperando da

minha doença e Elsie me ajudou, eu descobri que ela pensava que Ben estivesse despendendo aquele tempo aqui, porque eu estava fornecendo o papel de pai substituto para ele. Com nós dois pensando dessa maneira – ele pressionou os dedos contra os olhos cerrados –, apenas deixamos as coisas correrem da forma que correram. Meg pressionou-lhe uma das mãos. – Acho que está na hora de deixarmos o passado para trás. – E ela percebeu que estava falando sério. Meg tinha um bebê a caminho. Ela queria olhar para o futuro, e não para o passado. – Vamos, acho que está na hora.

– Ben irá fazer a coisa certa para você e o bebê? Eles não tinham confessado que Ben era o pai do bebê. Mas o pai dela e Elsie não eram tolos ou cegos. Ela inspirou profundamente. – Sim, ele vai. Ben sempre faz o que é melhor para mim. – Ela apenas desejou saber se isso significava que ele iria ficar ou iria embora. – Contudo, você tem que entender que o que você pensa que é o melhor para mim e para o bebê é diferente do que Ben e eu pensamos que é o melhor. – Ela não queria que o casal de meia-idade brigasse com Ben, pressionando-o.

– Eu entendo. – O pai assentiu com a cabeça. – Não tenho o direito de interferir. Apenas quero vê-la feliz, Megan. – Não – discordou Meg. – Você não tem o direito de interferir. – Ela tomoulhe um dos braços. – Mas você tem o direito de se importar. – Ela sorriu para ele, que devolveu o sorriso. – Vamos… Vamos começar a cerimônia e depois a celebração. NO MOMENTO em que Meg pisou no jardim de rosas com seu pai, Ben não conseguiu tirar os olhos dela. – Eles já chegaram? – indagou Elsie; seus dedos tamborilavam na mesa da

cozinha. – Estão atrasados. – Eles estão exatamente no horário. – Ben manteve os olhos em Meg por mais tempo que pôde enquanto se afastava da janela. Engolindo em seco, ele virou-se para encontrar Elsie remexendo alternadamente nas saias, nas flores e no cabelo. Era bom saber que ela não estava tão fria e calma quanto parecia ou queria que todos pensassem. – Pronta? Elsie concordou com um gesto de cabeça. Ela lhe parecia mais amável do que nunca. Pensou sobre o que Meg iria querer que ele dissesse nesse momento. – Elsie? Ela ergueu os olhos para encará-lo.

– O Sr. Parrish é um homem de sorte. – Oh. – As bochechas dela ficaram completamente coradas. Subitamente, ele exibiu um largo sorriso. – Espero que ele dê uma olhada em você e queira lhe arrastar para as celebrações mais cedo do que o previsto. As bochechas dela ficaram ainda mais coradas e ela pressionou as mãos contra o rosto. Depois, estendeu o buquê e bateu levemente contra ele. – Não fale besteiras, Ben! Ele tomou-lhe um dos braços e guioua através da casa até a porta principal.

– Não é uma besteira. Apenas espere. Ben tinha se referido à expressão no rosto de Laurie no momento em que ele visse Elsie, mas um olhar para Meg foi o suficiente para que ele perdesse a atenção. Gotas de suor brotaram em sua testa. Ele não podia tirar os olhos dela. Meg usava um vestido na cor azul, e sob o sol o tecido cintilava como uma joia. Ela permaneceu ali com as costas retas, o abdômen proeminente, parecendo muito desejável. Como uma deusa grega. Ele fitou-lhe os ombros desnudos e tudo o que podia pensar era em pressionar um beijo contra a pele dourada. Ben sugou o ar com força.

Um broche de diamante prendia o tecido do vestido entre os seios fartos. O vestido flutuava com a brisa na altura dos calcanhares femininos. Ela estava usando sandálias sexies e ele queria contemplá-las, ele realmente queria, mas descobriu que era impossível desviar os olhos das suculentas curvas de seus seios. Ben umedeceu os lábios. Seu coração batia forte dentro do peito. Sua pele começava a se incendiar. O vestido de Meg não ajudava em nada encobrir-lhe as novas curvas do corpo. Curvas que ele podia imaginar em detalhes íntimos... A maciez, o peso dos seios

femininos em suas mãos, a forma com que as extremidades iriam ficar enrijecidas sob seu olhar faminto da mesma forma que estavam agora. Ele imaginou como as extremidades ficariam ainda mais enrijecidas contra o toque de seus polegares, o gosto e a textura delas enquanto ele... Por Deus! Ele desviou o olhar. Sua boca estava ressecada. Um homem decente não iria transformar sua melhor amiga em objeto de desejo. Um homem decente não a deixaria pensar nem por um segundo que poderia haver algo a mais entre eles além da amizade.

Ben fez o seu melhor para manter os olhos desviados de toda aquela promessa dourada, e tentou se concentrar na cerimônia. Ele não estava focado no presente... Nem mesmo quando Elsie e Laurie surpreenderam a todos ao revelar que eles haviam escrito seus próprios votos. Ele estava muito ocupado concentrando-se em não olhar para Meg, não desejá-la, ouvir quais eram os votos do casal. Um rápido olhar em Meg e ele percebeu que os olhos dela estavam brilhando com lágrimas contidas, o sorriso suave e os lábios... Ele desviou os olhos novamente, sua

pulsação estava acelerada. Pareceu levar uma centena de anos, mas finalmente Elsie e Laurie foram proclamados marido e mulher. E então Laurie beijou Elsie intensamente. Houve brindes e congratulações no geral. Quatro das amigas de Meg jogaram confetes e lantejoulas no ar. Lantejoulas douradas e prateadas repousaram no cabelo de Meg, nas bochechas e ombros, e um deles no peito acima dos... Ele desviou os olhos novamente. Meg saiu do grupo que a cercava e tomou um dos braços de Ben entre o seu. – Vamos ter uma sessão de fotos de dez minutos com o fotógrafo e depois

começará a festa. Havia um fotógrafo? Ele percorreu o olhar ao redor. O homem não tinha capturado a forma com que Ben estivera encarando Meg, tinha? Por favor, Deus. – Você está muito bonito, Ben Sullivan. – Ela pressionou-lhe o braço gentilmente. –Acho que não o vejo em um terno desde que você entrou para me levar à formatura da escola quando Jason Prior me deixou para ser o par de Rochelle Collins. Ele a havia acompanhado como um amigo no passado. Exceto o beijo que havia acontecido naquela noite!

Ele respirou fundo. Não pense sobre isso. Ben tinha sido um adolescente faminto, só isso. E Meg estivera linda. Ela está mais linda agora. – Mas eu não me lembro de o terno ter se ajustado tão perfeitamente ao seu corpo no passado. Ele fechou os olhos. Não apenas ao ouvir as palavras dela, mas o tom rouco de voz no qual elas foram ditas. A última coisa que ele precisava no momento era de Meg começar a se sentir sexy. Ao menos ela tinha uma desculpa... Hormônios de gravidez. Ele? Ele não

tinha desculpa. Se beijasse Meg novamente, isso não iria parar em um beijo. Ambos sabiam disso. Mas uma noite nunca seria o bastante para Meg. Isso iria destruir a amizade deles. Ele não poderia arriscar isso… Não agora que eles tinham uma criança à caminho. – Você está bem? Ele endireitou as costas e a encarou. Ela havia franzido a testa e seus olhos exibiam desconfiança. Ele engoliu a saliva e assentiu com a cabeça. Meg gesticulou em direção ao casal recém-casado. – A cerimônia foi linda.

– Sim. Ben sentia a gravata apertada ao redor do pescoço. Por favor, Deus, não a deixe perguntar nada específico. Ele não conseguia se lembrar de um momento sequer da cerimônia. Meg exibiu um largo sorriso. – Tenho um bom pressentimento sobre tudo isso. Apenas por um momento, isso o fez sorrir também. – Otimista – provocou ele. Se eu perder sua amizade, não sei o que vou fazer. Ben engoliu a bile que havia subidolhe à boca. Ele não podia pensar em

nada pior do que perder a amizade de Meg. E ainda assim... Ben cerrou as mãos em punho. Ainda assim isso não era o bastante para amortecer seu desejo em seduzi-la. Algo em sua expressão deve tê-lo traído porque ela recuou um passo e desvencilhou o braço do dele. – Pare de me olhar desse jeito! As bochechas dela estavam coradas. Os olhos brilhavam. Nenhuma dessas coisas enfraqueceu sua libido. – Droga, Ben. Eu deveria saber que era dessa forma que você iria reagir ao casamento.

Ele tentou se focar nas palavras dela. – Do que você está falando? – Todos esses corações e flores tem feito você querer bater em seu peito e voltar às suas táticas de homem das cavernas apenas para provar que você não está afetado. Que você é imune. – Homem das cavernas? – repetiu ele. – Vou mostrar a você que tenho mais finesse do que pensa. Eles fulminaram um ao outro com o olhar. – Além do mais, você está se subestimando. – Ben franziu a testa. – Você está ótima nesse vestido. – Com um esforço sobre-humano, ele conseguiu

manter o contato visual e, lentamente, a tensão entre eles diminuiu. – Podemos tirar essas fotos? – resmungou ele. Ele precisava ficar longe de Meg o mais rápido possível e com uma cerveja bem gelada em sua mão. A FESTA prosseguiu normalmente. A comida estava excelente. A música estava ótima. A companhia também. O discurso que Laurie fez agradecendo Meg e Ben pelo casamento e admitindo o homem de sorte que ele era, admitindo que havia encontrado uma nova perspectiva da vida, tocou até mesmo Ben. A festa prosseguiu normalmente, com

a exceção de Ben, que estava muito longe de Meg. Da forma com que ela se movia, o som de sua risada, o calor que ela irradiava para todos ao seu redor. A maneira graciosa com que ela se movia na pista de dança, fez com que ele franzisse as sobrancelhas. Ela certamente não tinha problemas em arrumar parceiros. Ben tinha se assegurado de que também dançasse. Havia diversas mulheres bonitas na festa, e há três meses ele teria feito o seu melhor para sair com uma delas para um drinque. Parecia um plano excelente, exceto... Eu não gosto da forma que você

trata as mulheres. Ele parou de dançar depois disso. Seu olhar repousou no ventre de Meg e sua garganta se fechou. – Ei, amigão! – Um tapinha no seu ombro direito o trouxe de volta à realidade. Ben se virou e depois se ergueu para trocar um aperto de mão. – Ei, Dave... Bom te ver aqui. Meg disse que você estava vindo. Sente-se. Eles se sentaram e Dave o estudou. – Tem sido uma grande noite. – Sim. – Meg me disse que você a ajudou bastante com os preparativos do

casamento. Ela disse? Ele deu de ombros. – Não foi nada. Dave dirigiu o olhar para Meg que ora dançava na pista. – Não é isso o que ela acha. Ele conteve um resmungo. A última coisa que precisava era de alguém admirando Meg quando ele estava fazendo o seu máximo para se concentrar em fazer outra coisa. Dave se remexeu na cadeira para estudá-lo melhor. – Algo surgiu em meu portfólio e eu acho que poderá interessá-lo. Qualquer coisa que mantivesse sua

mente longe de Meg por algum tempo era uma distração bem-vinda. – Diga-me mais. – Se quiser, posso colocá-lo no grupo para um iate que irá dar a volta ao mundo. O iate vai partir uma semana depois da próxima e é esperada uma viagem de cinco meses. – Ele encolheu os ombros e recostou as costas no espaldar da cadeira. – Eu sei que é algo que você sempre quis fazer. Ben fitou o outro homem e aguardou que a onda de adrenalina o invadisse. Isso era algo que ele sempre quis... O último desafio em sua lista de aventuras. Recusar a oferta iria matá-lo, mas...

Ele aguardou e aguardou. E continuou aguardando. A adrenalina não surgiu. De fato, ele mal podia exibir uma fração de interesse. Ben franziu o cenho e endireitou as costas. – Amigo, eu aprecio a oferta, mas... – Seus olhos procuraram Meg na pista de dança e então ele fitou-lhe o ventre. – Tenho coisas mais interessantes no momento. Dave deu de ombros. – Certo. Eu apenas queria lhe oferecer isso. – E eu agradeço. – Mas o que ele queria e quem ele era tinha se

cristalizado em sua mente para o seu alívio. Ele iria ser um pai e queria ser um bom pai... O melhor. Dave lhe deu um tapinha nas costas. – Podemos nos falar depois, Ben. Está na hora de eu levar minha linda esposa para a pista de dança. Ben assentiu com a cabeça e acenou para ele em despedida. Um sorriso surgiu em seus lábios. Ele iria ser um pai. Nada poderia abalar seu desejo em ser o melhor pai do mundo. Seu novo propósito continha mais poder do que seus sonhos antigos. SEU PAI e Elsie saíram relativamente cedo, mas a festa no jardim de Meg

continuou durante a noite. Ela dançou com suas amigas e se assegurou de falar com todos. Todos, exceto Ben. Ela permaneceu longe dele. Essa noite ele estava simplesmente muito potente. A loção pós-barba que ele usava deixou-a completamente enlouquecida. Algum instinto lhe disse que se cedesse à tentação que ele representava esta noite ela estaria perdida. – Meg? – Dave tocou-lhe o braço esquerdo e ela voltou à realidade. – Winnie e eu vamos embora, mas agradecemos pela festa.

– Estou feliz que tenham se divertido. Vou acompanhá-lo até a porta. – Não é preciso. – Acredite em mim, o ar fresco vai me fazer bem. Manter-se ocupada era a resposta. Não se lembrar da forma que os olhos de Ben haviam praticamente devorado-a mais cedo também era a chave. Ela engoliu em seco. Meg não poderia fazer coisas selvagens e impulsivas. Estava prestes a se tornar uma mãe. E quando Ben não a olhava com desejo, quando fitava seu ventre com amor... Oh, isso a fazia desejar outras

coisas. Isso a fazia desejar que eles pudessem ser uma família... Uma família de verdade. Mas é claro que isso era loucura. E esse desejo só iria partir seu coração. Ela guiou Dave e Winnie através do jardim de rosas, concentrando-se em manter tanto sua temperatura quanto sua pulsação em níveis moderados. Um momento antes de eles alcançarem o jardim da frente, Dave declarou: – Eu fiz a Ben aquela proposta que conversamos antes. Ela parou de caminhar abruptamente. Seu coração bateu acelerado dentro do

peito. – E...? – E eu recusei – uma voz soou atrás dela. Meg girou o corpo para encará-lo. Ben! E a forma com que os olhos dele cintilavam perigosamente sob a luz da lua lhe disse que ele não havia ficado impressionado. Ela engoliu a saliva. De fato, ele parecia furioso. – Eu causei algum problema? – murmurou Dave. – De forma alguma – negou ela. Winnie tomou um dos braços do marido.

– Obrigado a ambos por essa noite adorável. – Com um rápido boa-noite, o casal partiu. Meg engoliu a saliva e voltou a encarar Ben. – Eu... Ele ergueu uma sobrancelha e cruzou os braços em frente ao peito. – Você pode explicar, certo? Ela podia? – Outro teste? – Ele quis saber. Ela assentiu com a cabeça. – Minha palavra não é o suficiente? – Eu deveria ter adivinhado, mas... – Meg umedeceu os lábios. – Eu queria uma garantia – sussurrou ela.

Ben apontou o indicador para ela. – Você, dentre todas as pessoas, deveria saber que eu não a deixaria. Seu coração batia tão forte que ela achou que fosse saltar do peito. – Por favor, Ben... Ele voltou a encará-la. – Do que exatamente você tem medo, Meg? Que eu vá embora ou que eu fique? – berrou ele. E então ela caiu na real. – Oh! Meg recuou um passo. Seus joelhos bambearam e ela caiu sobre a grama macia. Meg cobriu a boca com uma das mãos enquanto erguia os olhos para

encará-lo. Ela temia que ele fosse embora. Temia demais. Porque ela havia feito algo impensável... Ela havia se apaixonado por Ben. Meg havia se apaixonado pelo seu melhor amigo. Um homem que não acreditava em amor, casamento ou compromisso com qualquer mulher. Havia se apaixonado por ele e não queria que ele partisse. E ainda assim, ao ficar, ele poderia partir seu coração a cada dia. E ela teria que suportar isso. Porque se Ben ficasse, seria melhor

para o bebê.

CAPÍTULO 11

COM O vestido espalhado ao seu redor, o cabelo preso no alto da cabeça e os ombros curvados, Meg fez Ben se lembrar de uma delicada orquídea que ele uma vez tinha visto em uma floresta tropical longe da civilização. Ele estendeu uma das mãos e ajudou-a a se erguer, seu coração se apertava ao ver a expressão do rosto dela. – Não fique assim, Meg. Nós vamos resolver isso. Eu não queria ter gritado. Ben faria qualquer coisa para que ela

parasse de encará-lo daquela forma... Como se o mundo tivesse chegado ao fim. – Meg? Finalmente ela ergueu os olhos para ele. Ele precisou sugar o ar com força. A dor dela formou um buraco em seu peito e pressionou-lhe a garganta. Ele inspirou fundo e piscou com força. Ela ergueu o queixo e gentilmente se livrou da mão dele. O abismo dentro dele se aprofundou ainda mais. – Eu sinto muito, Ben. O que eu pedi para Dave fazer foi injusto. Achei que isso iria provar de uma forma ou de outra que você estava pronto para a

paternidade. – Sei que está preocupada. Posso repetir por mais e mais vezes que estou comprometido com tudo isso, mas sei que isso não vai acalmar seus medos. – Não. – Ela uniu as mãos. – Você nunca mentiu para mim antes. Isso mostra uma falta de generosidade de espírito continuar testando-o da forma que eu testei. Sua palavra deveria ser o suficiente para mim. E é. Eu acredito em você. Acredito que vai ficar. Ben a avaliou por um momento. Ele queria que ela parasse de se sentir culpada. Essa situação era tão nova para ambos.

– Você não precisa se desculpar. Está tentando fazer o melhor para o bebê. Não precisa se envergonhar disso. Vamos nos esquecer de tudo... E prosseguir... – Esquecer-nos de tudo? Ben, eu o magoei! Não posso lhe dizer o quanto estou arrependida. Ela não precisava. Ele podia ver isso na expressão do seu rosto. – Eu o decepcionei e sinto muito. – Embora eu não ache que isso seja necessário, aceito suas desculpas. – Obrigada. Ela sorriu, mas isso não dissipou as sombras em seus olhos. Ben sentiu o

estômago se revirar. Se eu perder sua amizade. Suas mãos se cerraram em punho. Isso não iria acontecer. Ele não deixaria que isso acontecesse. – Você quer me dizer o que mais há de errado? – pediu ele. Ela o encarou e recuou um passo. – Não há nada de errado. – Não minta para mim, Meg. Ela recuou mais um passo. – Existem coisas que é melhor não dizer. Ben tomou-lhe um dos braços e a guiou até um banco do jardim da frente. – Sem mais segredos, Meg. Precisamos ser completamente abertos

sobre qualquer coisa que irá nos afetar ou afetar o bebê. – Ele se inclinou em direção a ela. – Somos amigos. Melhores amigos. Podemos resolver isso. Ela fechou os olhos, com a testa enrugando e a respiração se acelerando. – Eu prometi que poderíamos passar por qualquer coisa. – Ele deu uma pausa. – Nós realmente podemos. Meg abriu os olhos e fitou a baía abaixo deles. – Se eu partilhar essa verdade com você, Ben, você vai se assustar. Isso irá assustá-lo mais do que qualquer coisa que eu já tenha lhe dito antes. Se eu lhe

disser, você vai se erguer e se afastar antes que eu possa terminar de falar e isso vai me deixar arrasada. Ela virou-se e encontrou os olhos dele e então ele sentiu um frio percorrer-lhe a base da espinha. Algum senso inato de autopreservação o avisou para se erguer nesse momento e se afastar. Não apenas se afastar, mas fugir. Ele ignorou isso. Essa era Meg. Ela precisava dele. Ele não iria decepcionála. – Eu lhe prometo que não vou me afastar até que a conversa tenha chegado ao fim. – A voz dele soou rouca. – Eu prometo.

A expressão do rosto dela se suavizou. – Não sei quanto esforço você terá que fazer para manter essa promessa. – Outro teste, Meg? – Não. Ela sacudiu a cabeça em negativa e ele acreditou nela. Meg o encarou, desviou os olhos, e depois dirigiu o olhar para as próprias mãos em seu colo. – Eu o amo, Ben. – Eu também a amo. – Meg tinha que saber até onde ele a amava. Ela fechou os olhos brevemente antes de encontrar os olhos dele novamente e

meneou a cabeça gentilmente. – Quero dizer, eu me apaixonei por você. As palavras não faziam sentido. Ben a encarou, incapaz de se mover. Depois, afastou-se levemente dela. Eu me apaixonei por você. Não! Ela… – Eu não queria que isso tivesse acontecido. Se eu pudesse voltar atrás, eu o faria. Mas não posso. – Não! – Ele ergueu-se do banco. Em seguida, afastou-se dela, mas depois se lembrou da promessa que tinha feito e voltou a se aproximar. Ele apontou o indicador para ela. – Não! Ela o encarou de volta com aqueles

olhos grandes e magoados. Meg friccionou os braços com as mãos. Ben retirou o casaco e o repousou sobre os ombros femininos antes de voltar a se sentar ao lado dela. – Por quê? – indagou ele finalmente. Ben havia feito o seu melhor para manter uma distância civilizada desde aquele beijo. – Eu não sei. – Ela suspirou. – Eu nunca deveria ter deixado isso acontecer. Exceto... Aquele beijo! Aquele maldito beijo na praia. Sob a luz da lua. Um momento mágico que nenhum dos dois poderia esquecer, mas...

– Talvez seja apenas os hormônios da gravidez? Ela puxou as abas do casaco com força, pressionando-as contra o corpo. – É isso o que eu tenho dito para mim mesma, tentando acreditar nisso. Mas não posso mais me esconder por trás disso como uma desculpa. – Talvez seja apenas desejo? Meg ficou em silêncio por um longo momento. – Apesar do que você pensa, Ben, você tem muito mais a oferecer para uma mulher do que apenas sexo. Eu tenho sido o foco de sua atenção nesse último mês e isso é viciante. Mas não é

só isso. Você superou cada desafio que eu coloquei em seu caminho. Tem sido paciente, compreensivo e gentil. Você tentou facilitar as coisas para mim. E eu já posso ver o quanto se importa com nosso bebê. Você me surpreendeu, Ben, e eu o acho incrível. Ben sentiu o coração bater forte dentro do peito. Se isso fosse um filme, ele iria tomá-la nos braços nesse momento e declarar seu amor eterno. Mas isso não era um filme. Era ele e Meg no banco do jardim. Era um pesadelo! Sua gravata pareceu apertada ao redor do pescoço. Sua boca ficou seca.

Ele engoliu a saliva com dificuldade. Poderia não ser capaz de declarar seu eterno amor a ela, mas poderia fazer a coisa certa por ela. – Você gostaria que nos casássemos? – Não! Normalmente, o horror dela o teria feito dar risada. Ele endireitou os ombros e franziu o cenho. – Por que não? Pensei que tivesse dito que me amava? – Casamento e filhos não era o sonho de toda mulher? – Não quero arrastá-lo para um casamento! Deus, Ben, eu sei como se sente sobre o casamento. A questão é que eu tornaria minha vida segura e

tranquila de cabeça para baixo. Eu iria segui-lo em sua viagem de iate ao redor do mundo, aguardá-lo em alguma vila em Butão enquanto você escalasse uma montanha, acompanhá-lo em um safári no lugar mais escuro da África. Mas eu sei que nenhuma dessas coisas iria fazer a diferença. E honestamente, quanto você acha que poderíamos ser felizes... Você se sentindo sufocado e sabendo que eu seria a culpada por isso? – Ela meneou a cabeça. – Mil vezes não. Ben repousou os cotovelos sobre os joelhos e tomou o rosto entre as mãos. Seu coração batia acelerado dentro do peito.

– Você gostaria que eu deixasse a cidade? Seria mais fácil se não tivesse que me ver todos os dias. – Espero que esteja certo. Ele fechou os olhos. – Mas, enquanto isso, poderá ser o melhor para mim, poderá não ser para o nosso bebê – declarou ela. – A vida de nosso filho seria significativamente mais rica se o tivesse por perto. Então, não, Ben, eu não quero que você deixe a cidade. Ele a encarou. Meg havia dito que ele era incrível, mas ela era surpreendente. Por um momento, Ben não conseguiu falar. Eventualmente ele clareou a

garganta. – Eu não sei como facilitar as coisas para você. Meg fitou as próprias mãos. – Para começar, você pode prometer que não vai me odiar por ter feito uma bagunça disso, por mudar as coisas entre nós de forma tão significativa. Ben endireitou as costas. – Eu nunca iria odiá-la. – Ele e Meg eram diferentes de seus pais. Ben ergueu o queixo. Eles poderiam recuperar a amizade eventualmente. – Eu espero superar isso cedo ou tarde. Quero dizer, as pessoas conseguem, não é mesmo?

O pai dela levou 20 anos para conseguir isso. Ben engoliu a saliva e assentiu com um gesto de cabeça. Meg virou-se para encará-lo. – O bebê é esperado para daqui a quatro meses. Podemos...? Podemos ter um intervalo até lá? Ela não queria vê-lo por quatro meses? Ele engoliu em seco. Ben se ergueu do banco. – Vou bancar o anfitrião pelo restante da noite. Vou ajudá-la com a limpeza amanhã e depois vou trancar a casa de Elsie e partir. – Eu sinto muito – sussurrou ela. – Não é preciso.

– Obrigada. Ele tentou dizer “de nada”, mas não conseguiu pronunciar as palavras. – Se quiser se retirar pelo restante da noite, eu cuidarei de tudo. – Vou fazer isso. Ela devolveu o casaco a ele, sem encontrar os olhos dele, e Ben sentiu o coração se incendiar. Ela se virou e rumou em direção a casa. Ele a assistiu se afastar como se todas as luzes do seu mundo tivessem sido apagadas. E se ela precisasse de ajuda? E se precisasse que algo fosse feito antes de o bebê nascer? Meg saberia que ele estaria a apenas uma ligação ou um e-

mail de distância. E QUANDO dissera isso a Meg no dia depois do casamento, ela assentira com a cabeça e o agradecera. E então ela o fez prometer que ele não iria telefonar ou lhe mandar e-mail... Que não iria contatá-la de nenhuma forma. Ele mal reconhecera a mulher que havia lhe pedido isso. – Isso não deveria ser tão rude – declarou ela ao ver a expressão de perplexidade no rosto dele. – No passado, você desapareceu por meses a fio sem sequer dar um telefonema entre as visitas. Isso era verdade.

Mas dessa vez, ele ficaria muito preocupado com ela. Era assim que Meg se sentia quando ele saía para viajar? Preocupada com sua saúde e segurança? Sempre se perguntando se ele estava feliz ou não? Ben começou a fazer os preparativos para as grandes coisas que tinha planejado para o seu futuro... Coisas que ele apenas dera uma dica a Meg. Planos que iriam fortificar seu futuro financeiro, e do seu filho, e integrá-lo na comunidade em Port Stephens. Mas, em algum lugar no caminho, seu prazer e empolgação tinham diminuído. Quando não poderia compartilhá-los

com Meg, esses planos não pareciam ser tão grandes, ou tão brilhantes. Ele nunca percebera o quanto havia contado com ela ou como sua amizade o havia mantido ancorado. Droga! Ela havia arruinado tudo... Mudado as regras e destruído uma amizade perfeitamente boa por algo tão estúpido e efêmero quanto o amor. Durante os finais de semana, ele se dirigia a clubes noturnos. Ben bebeu demais e procurou uma mulher para se esquecer de Meg... Um descanso temporário, uma tentativa de ganhar algum equilíbrio em sua vida. Isso não funcionou.

Eu não gosto da forma com que você trata as mulheres. Sempre que olhava para uma mulher agora, ao invés de ter um momento de diversão, tudo o que ele enxergava era a vulnerabilidade. Ele deixava os clubes mais cedo e voltava para casa sozinho. – Ah, você teve um mau momento. – Dave deu risada enquanto eles compartilhavam uma cerveja em uma tarde, um mês depois de Ben ter se mudado para o seu apartamento em Nelson Bay. Ben franziu as sobrancelhas. – Do que está falando? – Amigo, você não pode ser tão

ingênuo. Ele sorveu um gole da cerveja. – Não tenho ideia do que possa estar falando. – Dave achava que ele estava desejando ter novas aventuras? Ele meneou a cabeça. – Você entendeu errado. Eu estou feliz por estar de volta em Port Stephens, e apreciei sua ajuda durante esses últimos meses. Dave tinha sugerido uma empresa local de ecoturismo. Houve diversas empresas que Ben tinha considerado, mas essa preenchera todos os seus objetivos. Contratos seriam trocados na próxima semana. – Essa nova direção que estou

tomando é realmente excitante. Eu quero expandir os limites dos tours oferecidos, o que significa contratar novas pessoas. – Ele deu de ombros. – Mas eu tenho muitos contatos na indústria. É uma época empolgante. Dave reclinou-se no espaldar da cadeira. – Então por que não está irrompendo com entusiasmo? Por que não está detalhando nesse exato momento cada tour que você quer oferecer e me dizendo sobre o quanto a viagem será brilhante? Ben endireitou os ombros. – Não quero entediá-lo.

– Ah? E sentar aqui com o cenho franzido mal resmungando quando eu digo alguma coisa é sua forma de entretenimento? Ben ficou boquiaberto. – Eu... – Era isso o que ele estivera fazendo? Dave se inclinou em direção a ele. – Ouça, desde que você e Meg tiveram aquela discussão, você tem choramingado pelos cantos como se o mundo tivesse chegado ao fim. – Não, eu não tenho. Dave ergueu uma sobrancelha. Ele comprimiu os lábios. – Quantas vezes eu tenho que lhe

dizer? Nós tivemos uma discussão. Dave o encarou por sob a borda da garrafa de cerveja. – Vocês dois não podem continuar assim, sabia? Vocês têm um bebê a caminho. Ben jogou a cabeça para trás. – É seu, não é? – indagou Dave com o olhar sério. Ben hesitou e depois assentiu com a cabeça. – Vocês precisam resolver isso. Ben fitou a cerveja em sua mão. O problema é que eles tinham resolvido a questão e essa fora a solução encontrada. Ele faria o que Meg achasse

melhor. Ainda que isso o matasse. – Olha, por que você não leva flores e chocolates para ela e apenas diz que a ama? A cerveja foi derramada do copo de Ben. – Eu não a amo! – Ele repousou a caneca sobre a mesa. – É mesmo? – indagou Dave lentamente. – Você fez uma bela impressão disso, choramingando pelos cantos feito um tolo apaixonado. – Espere um pouco – reclamou ele. – Nós deveríamos ser amigos, certo? Dave o ignorou. – Eu vi a forma com que você a

encarou no casamento. Você mal conseguiu desviar os olhos dela. – Era apenas desejo. Dave se reclinou no espaldar da cadeira. – Se fosse qualquer outra mulher, eu iria concordar com você, mas é sobre Meg que estamos falando. Ela nunca foi apenas uma mulher para você. Ben jogou o corpo para trás. – Diga-me... Quando você esteve tão obcecado por uma mulher da forma que está obcecado por Meg? Ela era a mãe do seu filho. Era sua melhor amiga. É claro que ele iria se preocupar com ela.

– Nunca, certo? Bingo. Mas… E então tudo pareceu ficar imóvel. Bingo. Ele encarou Dave, incapaz de dizer uma palavra sequer. Dave terminou de apreciar a cerveja e deu-lhe um tapinha no ombro. – Vou para casa ver minha esposa e as crianças. Cuide-se, Ben. Ben acenou com uma das mãos em despedida, mas em todo tempo sua mente girava. Apaixonado por Meg? Ele? Tudo pareceu ficar em seu devido lugar.

Ele e Meg. Ben se afastou da mesa e correu para a tarde ensolarada. Em seguida, entrou em uma loja. – Posso ajudá-lo, senhor? – Quero uma caixa de chocolates. O melhor chocolate. A balconista apanhou uma caixa. – Você tem algo maior? – Nós temos três tamanhos e... – Vou querer o maior tamanho que você tiver. A caixa era enorme. Colocando-a debaixo do braço, ele rumou para a floricultura do outro lado da rua. Ben fitou em perplexidade os buquês. Tantos

tipos diferentes de flores... – Boa tarde, em que posso lhe ajudar? – Uh... Eu quero algumas flores. – Que tipo de flores? Precisa ser mais específico. – Algo claro e alegre. E lindo. – Assim como Meg. – Essas gerberas estão no seu auge. – O florista apontou para um buquê. As flores eram vibrantes. Ben assentiu com a cabeça. – Perfeito. Ben apressou-se em pagar o homem… Impaciente em estar longe, impaciente para estar com Meg. Ele estudou uma orquídea roxa; uma flor perfeitamente

formada que era linda em sua fragilidade... Seu formato, sua cor e mesmo o seu tamanho. Isso o fez se lembrar vividamente de Meg na noite do casamento. Ele tinha sido um idiota. Ben oferecera para se casar com ela quando pensava que casamento fosse a última coisa que ele quisesse. Reconhecera que ele e ela não eram como sua mãe e seu pai... O relacionamento deles nunca iria chegar àquele ponto de ódio e amargura. Idiota! Meg despertava o melhor em seu interior, não o pior. Ela o fazia querer ser um homem melhor. Tudo o que ele

podia fazer era orar para que não fosse muito tarde. O florista lhe entregou a orquídea; um sorriso gentil surgiu em seu rosto. – Por conta da casa. Ben o agradeceu, apanhou o buquê e rumou em direção ao carro. Ele desacelerou quando passou por uma sorveteria. Meg não poderia comer camarões ou salame, mas poderia apreciar um sorvete. Ele entrou na loja e ordenou o melhor sorvete que eles tinham em tamanho família. Após pagar a vendedora, ele voltou para o carro, sentindo o estômago se revirar.

Se ele conseguisse ter sucesso com isso. Se. Ele fechou os olhos. Por favor, Deus.

CAPÍTULO 12

MEG

SUSP IROU pesadamente

e puxou ainda mais tampas do fundo do armário da cozinha. Colocando-se na ponta dos pés, ela pôde ver que ainda haviam mais tampas. Tinha um sortimento de tampas que não pareciam pertencer a nenhuma panela. Ela colocou mais uma tampa sobre a mesa quando a campainha a tocou. Meg considerou ignorar, mas não o fez. Não iria se transformar no pai. Não deixaria que a mágoa a transformasse

em uma eremita. Pressionando uma das mãos na base da coluna, ela rumou para a porta. Classificar as tampas não a havia ajudado a tampar o buraco que tinha sido aberto em seu mundo. Um buraco que somente Ben poderia preencher. Pare! Ela abriu a porta com um sorriso em seus lábios, mais do que disposta a ser distraída por quem quer que seja que estivesse do outro lado, e depois piscou ao ver as cores fortes que a cumprimentaram. As flores quase obscureceram a pessoa que as estava segurando. Flores

de todas as cores. Lindas flores. E então ela reconheceu as pernas debaixo daquelas flores. Seu coração bateu forte dentro do peito. Sua pele ficou arrepiada. Ela engoliu a saliva. Esse tipo de distração tinha que ser ruim para ela. Muito ruim. – Ben? – Ei, Meg. E ela não pôde evitar. Seus lábios começaram a estremecer. Isso provavelmente tinha algo a ver com a súbita onda de alegria que a presença dele lhe trouxe. – Deixe-me adivinhar... Você vai abrir uma floricultura?

– Elas são para você. Para ela? O sorriso desapareceu dos seus lábios. Houve uma pausa entre eles. – Tenha compaixão de um homem, Meg, e aceite as flores. Ela avançou um passo e apanhou as flores que ele segurava, enterrando sua face nelas em uma tentativa de absorver completamente sua essência deliciosa. Meg o guiou até a cozinha e repousou as flores na pia. – Cuidado – murmurou ela, apontando para a pilha de embalagens plásticas no chão. Cada célula de seu corpo gritava pedindo para que ela se atirasse nos

braços dele. Seus dedos formigavam com a necessidade de tocá-lo. Ben a havia abraçado mais vezes do que ela podia contar. Ele não iria protestar se ela o abraçasse agora. Sua boca ficou seca. Sua garganta começou a doer. A pulsação em seu pescoço e pulsos começou a ficar mais forte. Ela não poderia abraçá-lo. Não iria abraçá-lo como seu melhor amigo. Meg iria abraçá-lo como seu querido Ben... O homem por quem ela havia se apaixonado, o homem com quem ela queria ir para cama. E ele tinha...

Ela fechou os olhos. – O que está fazendo aqui, Ben? Quando abriu os olhos novamente, ela pôde notar que ele segurava uma caixa de chocolates. – Para você. A voz dele soou baixa. O ar entre eles parecia faiscar. Ou era apenas ela? Atordoada, Meg aceitou os chocolates. – Eu... – Ela umedeceu os lábios. – Obrigada. Ben entregou uma embalagem a ela. – Eu me lembrei que você disse que tinha desejo de sorvete.

Meg repousou os chocolates no balcão e apanhou a embalagem com as duas mãos. – Qual é o sabor? – Maracujá. Ele tinha se lembrado. Meg abriu a tampa e, após apreciar uma colherada do sorvete, fechou os olhos. – Oh, isso é tão bom. Quando abriu os olhos novamente, pôde ver que ele a assistia faminto, como se quisesse devorá-la exatamente como ela estava devorando o sorvete. Meg engoliu em seco. Talvez ele quisesse, mas isso não iria mudar nada

entre eles. Dormir com Ben não iria fazer com que ele se apaixonasse milagrosamente por ela. Meg empurrou a colher em direção a ele. – Experimente. Ele não se moveu. Ficar tão próxima a ele era muita tortura. Meg apanhou o pote de sorvete e rumou para a cozinha. Ele havia lhe trazido flores, chocolates e sorvete. Ela se sentou. – E então, qual é a surpresa final? Ele ficou imóvel. – O que quer dizer?

Ela gesticulou com as mãos para os itens que havia acabado de ganhar. – Você me trouxe todas essas coisas, por quê? Seu apetite desapareceu. Ela repousou a colher sobre o balcão. Ele iria partir? Tinha vindo para se despedir? Meg alimentou aquele pensamento por alguns segundos antes de ignorá-lo. Ben queria fazer parte da vida do bebê. Não tinha intenção de fugir. Ela ergueu a colher novamente, mas depois se interrompeu. O bebê só era esperado para daqui a três meses. Talvez ele deixasse Port Stephens até lá.

Isso não deveria importar. Afinal, ela não colocava os olhos nele por quase um mês. Meg voltou a apreciar o sorvete. Ela gesticulou para a cadeira do lado oposto e declarou: – A qualquer momento que quiser se unir à festa. Ben se sentou. Estava inquieto. Ele se ergueu e colocou as flores em vasos. Ela continuou tomando o sorvete. Contudo, quando ele voltou à mesa, Meg achou impossível continuar apreciando o sorvete. A tensão entre eles era forte demais. Meg repousou a colher sobre a mesa,

fitou as flores arranjadas em vasos, a enorme caixa de chocolates e depois o pote de sorvete. Seus ombros se curvaram. O que ele precisava dizer a ela que pudesse ser tão ruim a ponto de ele precisar lhe dar todos esses presentes primeiro? Flores e chocolates... Presentes para amantes. Ela friccionou os olhos com as palmas das mãos. Ele não sabia o que estava fazendo com ela? – Senti sua falta, Meg. E a voz dele... – Eu precisava vê-la. Meg endireitou os ombros. – Pensei que tivéssemos um acordo?

Ele deveria permanecer longe. Essa seria uma briga que ela iria sempre ganhar? Meg pressionou os dedos contra as têmporas. Algum dia ela iria parar de precisar dele? Eu o amo! Por que isso não poderia ser o bastante? Meg voltou a repousar as mãos no colo. – Por quê? – Percebi algo essa tarde. – Ele sentiu a pulsação se acelerar. – E uma vez que percebi, eu tinha que vê-la o mais rápido possível. Meg sentiu o coração bater forte

dentro do peito. Ela cruzou os braços. – Você vai se esclarecer? Ben a encarou como se estivesse totalmente perdido. – Eu... Uh... – Ele umedeceu os lábios. – Eu me dei conta de que a amo. Que estou apaixonado por você. Três minutos se passaram. E então ela absorveu o que ele acabara de dizer. Meg empurrou a cadeira para trás e se afastou dele. Típico! Ben tinha sentido a sua falta e entrado em pânico. Ela entendeu isso. Mas apaixonado por ela? Sem chance! Meg recuou mais um passo e cruzou os braços em frente ao peito.

– O Ben que eu conheço não teria comprado flores e chocolates se tivesse tido uma epifania dessas. Ele teria corrido direto para cá e desabafado assim que a porta tivesse sido aberta. – Sim, bem, o homem que eu pensei que eu fosse não teria acreditado que nada disso seria possível. – Ele se colocou de pé. – O homem que eu pensei que eu fosse não acreditava em amor. O homem que eu pensei que eu fosse nunca teria pensado que pudesse se sentir tão estranho e perdido ao seu redor, Meg! Ela ficou boquiaberta. – Nada disso significa que você esteja apaixonado por mim. Eu aceito

que você tenha sentido minha falta, mas... – Durante o último mês, tudo o que eu fui capaz de pensar foi sobre você. Estou preocupado que você possa estar magoada. Estou preocupado que não esteja se alimentando direito e esteja trabalhando muito. Estou preocupado que não tenha ninguém por perto para fazê-la rir e para impedi-la de levar a vida tão a sério. A cada minuto – resmungou ele. Ben levou as mãos aos quadris e começou a andar de um lado para o outro. – E então eu me preocupei que você

pudesse ter encontrado alguém que a fizesse rir e se esquecer dos problemas. – Ele virou-se para encará-la. – Está namorando alguém? – Ben, nenhum outro homem vai tomar o seu lugar na vida do bebê. – Isso não se trata do bebê! – Ele andou ainda mais rápido. – Eu penso em você a cada minuto em que estou acordado. E depois, quando tento dormir, você invade meus sonhos. E, Meg... – Ele se interrompeu com uma risada baixa. – As coisas que eu sonho estar fazendo com você... Bem, você não vai querer saber. Ooh, sim, ela queria.

– Durante esses últimos dois meses e meio... Onze semanas... Eu estive me sentindo como um pervertido por pensar em você da forma que estive pensando. Por ter você estrelando minhas fantasias. Eu lutei contra isso porque você merece mais do que isso. Muito mais. Apenas hoje o meu cérebro finalmente acompanhou meu corpo. Não se trata apenas de desejo. Ele se moveu para mais perto, cercando-a com seu calor e sua essência. – Eu quero fazer amor com você até que implore para que eu pare. Os joelhos dela ficaram bambos

assim que ouviu a voz baixa dele, rica com o pecado e a promessa. Um calor invadiu-lhe completamente. Ela não poderia ter se afastado dele ainda que quisesse. – Por que eu a amo. Ben repousou uma das mãos sobre a nuca de Meg e tomou-lhe os lábios em um beijo quente e apaixonado, como se estivesse tentando queimar a veracidade de suas palavras contra os lábios dela. Ele interrompeu o beijo, tomou-lhe uma das mãos e arrastou-a até a porta dos fundos. – Para onde estamos indo? – Há algo que eu quero lhe mostrar.

Ele puxou-a durante todo o caminho até o jardim de Elsie, sem parar, até que eles alcançassem o galpão. Abrindo a porta, ele a fez entrar. No meio do chão, estava um berço de bebê. Um berço de madeira feito à mão. Ela sugou o ar com força, maravilhandose ao ver o móvel. Meg se ajoelhou para tocá-lo. A madeira era lisa contra sua palma. – Eu estive vindo aqui todos os dias para terminá-lo. – Você fez isso? Ajudando-a a se erguer, ele saiu com ela para o lado de fora do galpão novamente. Ben gesticulou para o

jardim. – Quem você acha que está cuidando de tudo isso? Pela primeira vez no mês, ela subitamente notou o quanto o jardim estava bem cuidado. Meg engoliu a saliva. – Você? – Cuidar do seu jardim, fazer aquele berço para o nosso bebê... Nada me preencheu com mais satisfação em minha vida antes. Meg, você me faz querer ser um homem melhor. Ben tomou-lhe o rosto entre as mãos. Ela nunca o tinha visto mais sério ou mais determinado.

– Eu quero construir uma vida com você e nosso filho... Casamento e compromisso para o resto da vida. É isso o que eu quero. – As mãos dele se apertaram ao redor do rosto dela. – Mas somente com você. Sempre foi você. Você é meu destino, Meg. Eu apenas não tinha percebido isso até agora. Por um momento tudo pareceu ficar nublado... Ben, o galpão do jardim, o céu acima deles. – E se não acredita em mim, eu pretendo seduzi-la até que não tenha mais nenhuma dúvida. E se levantar alguma dúvida amanhã, eu vou seduzi-la novamente, até que não consiga pensar

em nada a não ser em mim. E eu farei isso de novo e de novo até que acredite em mim. Ela ergueu uma das mãos e levou aos lábios dele. – E se eu disser que acredito em você? – Ela sorriu. Um sorriso que se ampliou. Tinha que sorrir ou a felicidade em seu interior poderia fazêla irromper de alegria. – Você ainda me seduziria? Aquele sorriso encantador surgiu nos lábios dele. Ele traçou um dedo ao longo do queixo dela, depois o pescoço, deixando-a sem fôlego. – De novo e de novo e de novo –

jurou ele. – Oh! – Você acredita em mim, Meg? – Ele fez uma trilha de beijos ao longo do pescoço delicado, fazendo com que ela sentisse as pernas trêmulas. – Sim – declarou ela segundos antes de ele tomar-lhe os lábios entre os dele. O beijo a transportou para um lugar que ela nunca tinha estado antes... Para um reino onde todos os seus contos de fadas tinham se tornado realidade. Meg envolveu os braços ao redor do pescoço masculino e o beijou de volta com toda a sua paixão. Demorou um longo tempo até que eles

interrompessem o beijo. Ela ergueu os olhos para ele e sorriu. Ele sorriu de volta. – Você me ama, hum? – Sim, e você me ama. Seria possível morrer de felicidade? – Você quer explicar sobre as flores e os chocolates? Ele repousou a mãos na base da coluna dela. – Dave disse que eu deveria procurála com flores e chocolates. Eu queria procurá-la da forma certa, Meg. Ela se moveu para mais perto. – E o sorvete? – Isso foi por minha conta.

– Foi o meu presente favorito. Ele inclinou a cabeça para beijá-la. – Seu presente favorito? – Segundo favorito – murmurou ela, entregando-se ao beijo dele, entregandose a ele. Seu Ben. Quando ele ergueu a cabeça novamente, minutos depois, ela tentou recuperar o fôlego. – Ben? – Humm? – Você acha que podemos fazer nosso próximo bebê da forma certa? Ele exibiu um largo sorriso. Ela sentiu o coração se acelerar. – Pode apostar. O próximo bebê

depois deste e o próximo depois do próximo – prometeu ele.

Michelle Douglas

MOMENTO DE REDENÇÃO

Tradução Angela Monteverde

CAPÍTULO 1

RICO FITOU o formulário na sua frente... De novo... E depois deixou escapar um suspiro, caindo sobre a cadeira. Tivera tantas esperanças para esse projeto... Esperanças de encontrar alguém tão fantasticamente entusiasmado quanto ele. Franziu os lábios. Esperanças de encontrar alguém não apenas muito entusiasmado, mas com qualificações de primeiro nível e experiência sólida. Entretanto, passara um dia e meio de entrevistas e descobrira que podia dizer

adeus a esse sonho. Endireitou os ombros. Apertando o botão do interfone, gritou: – Janeen Cuthbert já está aqui, Lisle? – Ainda não, mas faltam dez minutos para sua entrevista. – Obrigado. Não era um ato de cortesia chegar dez minutos antes para uma entrevista de emprego? Ele fez careta para a parede. Parecia que gerentes de restaurantes trabalhavam segundo sua conveniência de horário. Não que os gerentes de restaurantes de Hobart, é claro, estivessem fazendo fila na sua porta pela oportunidade de trabalhar em um café de

caridade. Com um gesto raivoso, ele fechou a ficha de Janeen Cuthbert. Depois apertou as narinas e tentou respirar fazendo força. Não era ambicioso. Só queria um gerente ou uma gerente. Seria algo tão difícil de conseguir? Entrevistara pessoas felizes e animadas sem nenhuma experiência. Boas pessoas. Rico, porém, antecipara o resultado. Acabariam por desistir, deixando-o na mão, e esse projeto era importante demais para correr tal risco. Consultou o relógio; cinco minutos para as 14h. Caso Janeen Cuthbert não

chegasse pontualmente às 14h, podia dar meia-volta e ir para casa. Ele precisava de alguém que levasse esse trabalho muito a sério. Alguém que se comprometesse completamente em fazer desse café um sucesso. Pelos próximos cinco minutos, tamborilou com os dedos sobre a escrivaninha. Não se voltou para olhar pela janela o movimento na calçada. Da sua sala, não conseguia ver o porto, mas, como raramente ficava no escritório, não se importava. Como gerente de projetos, não tinha nem mesmo uma secretária. Precisava dividir Lisle com outros dois administradores do governo,

mas também não se importava com isso. Há muito chegara à conclusão de que quem quer faz e quem não quer manda. Fitou o relógio. Duas horas em ponto. Ia apertar o botão de novo, quando Lisle se antecipou, anunciando: – Janeen Cuthbert está aqui para a entrevista das 14h, Rico. Ele rangeu os dentes e engoliu em seco. – Mande entrar. Contou até três. Uma batida suave soou à porta. Rico praguejou em silêncio. Era uma batida fraca demais. Faltava fibra. Cerrou os punhos. Raios! Estava farto de garotas doces, boazinhas

e ineficientes. Esforçou-se para dizer: – Entre. Contudo, quando ficou frente a frente com sua penúltima entrevistada do dia, mudou de opinião. A srta. Cuthbert não lembrava uma garota sem fibra. Na verdade, parecia prestes a explodir. Disfarçava bem, mas Rico já passara muitas horas trabalhando com jovens problemáticos para não reconhecer os sinais... O brilho dos olhos, o rosto corado e as narinas dilatadas. Mesmo que tudo isso estivesse escondido por baixo do sorriso educado. Ele a fitou. Podia ser muitas coisas,

mas Rico tinha certeza que não era submissa nem fraca. – Sr. D’Angelo? – Sim. – Prazer em conhecê-lo. Sou Neen Cuthbert. Ela se encaminhou para Rico com a mão estendida. Estava vermelha como se a pele tivesse sido esfregada. Rico apertou a mão de Neen e deu um passo atrás. Ela não usava meia-calça e os joelhos estavam muito vermelhos também. Entretanto, não foram suas mãos ou seus joelhos que prenderam sua atenção, mas o conjunto cinza que vestia, e que

exibia as marcas de quatro patas... Duas na altura das coxas e duas acima dos seios. Pela primeira vez em dias, ele sufocou um sorriso. Voltou a fitar seu rosto. – Prazer em conhecê-la, Neen. Tenho a impressão que sua tarde está sendo tão estressante quanto a minha. Um brilho de humor iluminou o rosto dela. – É tão obvio assim? – Fitou as marcas de patas. – Foi uma luta. – Por favor, sente-se. – Rico aproximou uma cadeira e depois deu a volta para trás da escrivaninha, pressionando o botão do interfone.

– Sei que é pedir muito, Lisle, mas poderia nos servir café? – Já, já – respondeu Lisle com alegria. Na opinião de Rico, os outros dois gerentes abusavam nas ordens para a secretária. Rico não considerava que servir café fizesse parte das obrigações de Lisle. Porém, nesse momento, tratava-se de uma exceção. – Obrigada – murmurou Neen sem afastar os olhos dele. – Não precisava se incomodar. Ele fez um gesto descartando a ideia. – Talvez não me agradeça depois de provar o café daqui. Mas, para ser

franco, estou precisando de cafeína. – Presumo que as entrevistas não tenham sido boas? Rico enrijeceu, percebendo que não estava sendo muito profissional. Baixara a guarda. E não se lembrava da última vez que isso acontecera. Balançou a cabeça. Precisava de férias. Sacudiu a cabeça de novo. Não tinha tempo para férias. – Não é surpresa, é? – perguntou ela sem dúvida, entendendo mal o movimento de cabeça de Rico. – Deseja alguém extremamente qualificado e experiente, mas o salário que oferece

não é atraente. – E mesmo assim você se candidatou – retrucou Rico com frieza. Ela apontou para a pilha de fichas sobre a escrivaninha. – Como pode ter visto pelo meu currículo, não tenho muita experiência. – E mesmo assim se candidatou. – Sim, e resolveu me entrevistar. Sem dúvida Neen tinha fibra. Podia não fazer o gênero alegre e simplório, mas tinha fibra, e isso superava outras qualidades. Pelo menos para esse tipo de emprego. Lisle entrou com duas xícaras de café fumegante. Depois que ela saiu, Rico

perguntou, apontando para as marcas de patas. – O que aconteceu? Interrogou de modo casual para ela não pensar que estava olhando em direção ao seus seios. Não tivera intenção de perguntar, porém a crítica sobre o salário que oferecia o fez esquecer a etiqueta também. Ela erguera a xícara, mas ao ouvir a pergunta, abaixou sem derramar nenhuma gota. – Nada hoje ocorreu conforme planejei. Cheguei aqui preparada com um belo discurso sobre ser a melhor candidata para o emprego. Mas em vez

disso, fiz comentários desastrosos sobre o salário que está oferecendo e... Neen deixou os ombros penderem. Porém, no instante seguinte, se aprumou de novo. Seus olhos brilharam e ela provou o café. – Creio que de agora em diante nada que disser aqui terá importância. E depois do dia que tive não vou me aborrecer por isso. Mas enganara-se se pensava que estava fora da disputa. Não que Rico tivesse intenção de lhe dizer isso já. Arqueou as sobrancelhas e insistiu: – Então? Ela pousou a xícara e cruzou os

braços sobre o peito, exibindo os joelhos vermelhos. – Minha vizinha excêntrica me entregou seu cachorro... Como um presente, pode imaginar? Enquanto isso está na Itália por tempo indeterminado com vários contratos para desfiles de modas. – Então o cachorro...? – insistiu Rico, fazendo um gesto curioso com os braços. – Montgomery. – Sim, foi ele quem fez isso com você? – Ele faz muito mais que isso, deveria ver o estado de meu conjunto azulmarinho e de minhas meias.

Neen tomou mais um gole de café, fechando os olhos como em êxtase. Rico experimentou o dele. Estava bom. Sentiu-se mais relaxado. – Entretanto, não é culpa do pobre Monty. Audra, minha vizinha, nunca o treinou, e com 14 meses não passa de um filhote. Rico fitou as enormes marcas. – Filhote de quê? – Dinamarquês. – Neen balançou a cabeça com ironia. – Nada de um pequeno chihuahua ou mini-poodle para Audra. Oh, não. Ela acha que são muito comuns. Queria ser a modelo com um enorme dinamarquês. Pensou que assim

as oportunidades de trabalho aumentariam. – Mas o que aconteceu? – perguntou Rico muito interessado. De súbito, Neen riu. E tudo mudou. Era uma risada contagiante. Dez em fibra. Dez em bom humor, e era preciso essas duas qualidades para o emprego. – Ah, as oportunidades de fotos existiam, mas não foram dadas para Audra. – E por que você concordou em ficar com o cão? – Ah, bem, ela simplesmente o enfiou dentro do meu apartamento enquanto eu estava tomando banho, deixou um

bilhete explicando tudo, e partiu para o aeroporto. – O que pretende fazer com Monty? – Creio que terei que encontrar um lar para ele. – Neen sorriu com tanta doçura que o fez prender a respiração. – E você me parece um homem que precisa de um cachorro. Rico por fim voltou a raciocinar e entendeu o comentário. – Quase não paro em casa – defendeu-se. – Não seria bom para o cão. – Que garota atrevida! Toda a doçura desapareceu do rosto de Neen. – Bem, se todos tivessem o seu bom

senso ao comprar um cachorro, seria melhor para os animais. – O mesmo se aplica a crianças – acrescentou ele. – Não se deve ter filhos sem estar preparado. – Sim, e adolescentes problemáticos merecem uma chance. Era aí que Rico entrava. – O propósito do café é treinar jovens sem recursos para serem garçons e atendentes de cozinha, encontrando empregos estáveis em restaurantes, hotéis, e cruzeiros marítimos. Ela olhou para a xícara sobre a mesa e depois o fitou. – Sr. D’Angelo, desejo-lhe toda a

sorte em seu empreendimento e agradeço o café. – Neen, você não foi eliminada – avisou Rico. Ela arregalou os olhos e voltou a cair sobre a cadeira. – Não fui? – Não. – E por que não? Rico riu sem saber por quê. – Você é uma das candidatas com potencial. Só questiono o nível de comprometimento das outras. – E não questiona o meu? – Neen quis saber. – Já revelou que é leal, tem senso de

humor e fibra. Tudo isso é importante para o emprego. Ela respirou fundo. – Então não vai dourar a pílula e tentar me convencer que se trata do emprego do século? – Será um desafio, mas gratificante. Ela não pareceu convencida. – Além disso – completou Rico –, você é uma pessoa que gosta de cães. Isso fazia toda a diferença. Em geral, quem gostava de cães gostava de jovens, e... – Não sou não – interrompeu ela o fio de seus pensamentos. Rico piscou diversas vezes, e Neen

prosseguiu: – Detesto cães. Não os suporto, são criaturas estúpidas, barulhentas, cheiram mal. Prefiro ter um gato. Foi a vez de Rico arregalar os olhos. – Mas está tentando encontrar um lar para Monty. Não o entregou para um abrigo qualquer nem o deixou na rua. – Não é culpa do coitado se a dona o abandonou. Ele se inclinou para ela. – Quer dizer, Neen Cuthbert, que é uma pessoa íntegra. E isso me agrada. De repente, o dia parecia mais ensolarado. – E minha falta de experiência? – Ela

quis saber. Sim, isso era um problema, mas... Rico puxou a ficha de Neen para perto. – Tem trabalhado no setor de serviços de um modo ou de outro desde que terminou a escola há oito anos. Ela aquiesceu com um gesto de cabeça. – Já fui garçonete, ajudante de cozinheira, e trabalhei para dois importantes bufês. Porém, nunca fora gerente. Rico limpou a garganta. – Vejo aqui que recentemente terminou um rápido curso de administração?

– No longo prazo, pretendo abrir meu próprio café – explicou ela. – Uma meta ambiciosa – comentou Rico. – Sou da opinião que se deve ter grandes sonhos, não acha? Ele achava. – O que pensa trazer de bom para este trabalho, Neen? Os olhos dela brilharam com zombaria. – Além de lealdade, fibra, senso de humor e integridade? Neen estava certa. Não faltava nada. Mas Rico precisava entrevistar mais uma pessoa. E não costumava tomar

decisões impulsivas. Neen pareceu entender e ficou séria. – Vou trabalhar duro se me aceitar, sr. D’Angelo. É isso que tenho a lhe oferecer. O modo como falou, transformou o emprego na coisa mais valiosa do mundo, e, de repente, ocorreu a Rico que de fato era muito valioso. – Já fui gerente substituta em várias ocasiões nos lugares onde trabalhei – acrescentou ela –, essa, porém, não é minha meta profissional. Desejo obter a experiência que seu emprego me oferece. Em troca, vou me empenhar e não o deixarei na mão.

Rico acreditou. Havia apenas mais uma pergunta a ser feita... Na verdade... Duas. – Por que está desempregada no momento? Ela hesitou. – Razões particulares. Rico se recostou na cadeira e esperou para ver se ela revelaria mais. Neen o analisou com cuidado, como se tentasse adivinhar se ele merecia mais explicações. Por fim, deu de ombros. – No início do ano, recebi uma herança. Então resolvi concretizar meu sonho de ter meu próprio café

imediatamente. – Ajeitou o cabelo para trás das orelhas. – Entretanto, o testamento está sendo contestado. Não precisava dizer o quanto isso a abalara. Rico podia perceber claramente, e murmurou: – Lamento. Neen ergueu o queixo. Os olhos azuis estavam misteriosos. – Essas coisas acontecem. E, até que a situação se defina, me pareceu sensato procurar outro emprego. Sem dúvida não era do tipo que cruzava os braços e ficava sentada esperando. Rico teve a nítida impressão que, como ele, Neen gostava de se

ocupar quando estava estressada. Ele tamborilou com a caneta sobre seu currículo. – Uma última pergunta. Está preparada para assinar um contrato de dois anos? – Não – respondeu ela sem hesitação. Ele ficou surpreso, e o dia pareceu escurecer. – Estou preparada para assinar um contrato de 12 meses. Já era alguma coisa, ele raciocinou. Mas não o suficiente. Uma pena, já que nos outros aspectos Neen Cuthbert era perfeita. NA

MANHÃ

seguinte, Rico analisou sua

lista de pré-seleção com três finalistas. Focalizou-se nos dois candidatos mais fortes. Descartou o mais experiente depois de conversar por telefone com seu expatrão. O homem era temperamental e explosivo, e isso era tudo de que não precisava. Queria um gerente que criasse um ambiente muito positivo. O que o fez pensar imediatamente em Neen Cuthbert. Mas a colocou de lado e checou de novo o currículo da segunda candidata finalista. Era impecável. Por impulso, telefonou para as referências de Neen também. E as

pessoas lhe deram informações maravilhosas sobre ela. Disseram que, se ele não a contratasse, fariam de tudo para empregá-la outra vez. Rico mastigou a ponta da caneta, depois caminhou de um lado para o outro do escritório. Esse trabalho era importante demais para colocá-lo em risco nas mãos erradas. Voltou para a escrivaninha e colocou lado a lado o currículo de Neen e da outra candidata. A concorrente de Neen tinha um pouco mais de experiências, contudo... Por que, diabos, estava relutando? Helen Clarkson estava pronta para assinar um contrato de dois anos.

Comprometimento! Assim pensando, Rico deixou a sala. – Lisle, pode ligar para Helen Clarkson e oferecer o cargo para ela? Se aceitar, eu... – Acabei de atender uma ligação de Helen – interrompeu Lisle. – Ela aceitou um emprego na Launceston. E l a o quê? E toda aquela conversa sobre comprometimento? Mentiras. Tudo mentiras! Neen não mentira. – Muito bem! – exclamou ele. – Ofereça o cargo para Neen Cuthbert. Diga que precisa vir aqui para assinar o contrato qualquer dia nessa semana.

– Certo, Rico. Ele voltou para sua sala batendo a porta. Tinha uma montanha de papéis para analisar. Angariar fundos para seus projetos era um constate desafio, e não podia perder o foco. Uma hora mais tarde largou a caneta. Muita burocracia sempre o deixava tenso. Abriu a porta com um repelão. – Falou com Neen Cuthbert? – perguntou para Lisle. – Sim, e ela ficou muito contente. – Excelente. – Rico consultou o relógio. – Ela mora em Bellerive, certo? Lisle consultou seus arquivos. Rico refletiu que deveria lhe dizer para não

se preocupar... Praticamente memorizara o currículo de Neen até o último detalhe. Lisle ergueu a ficha. – Sim, é lá que ela mora. Rico pegou o papel. – Tenho um almoço com o gerente do Eastlands Shopping Center. – Tentava convencer o homem, até o momento sem sucesso, a patrocinar um programa de treinamento para jovens desempregados. – Vou aproveitar que estarei por aqueles lados e entregarei pessoalmente o contrato para a srta. Cuthbert. Lisle lhe entregou uma cópia do contrato sem nada dizer. Há muito se acostumara com a abordagem

intempestiva de Rico. Aproveitou para comentar: – Sabe que o cargo de Harley estará disponível a partir da próxima semana, não sabe? Deveria pensar em se candidatar, Rico. – Gosto do trabalho de campo, Lisle. Ficar sentado o dia inteiro não é comigo. – Está desperdiçando seus talentos. – Estou feliz onde estou. E fazia um grande trabalho, apesar de felicidade nada ter a ver com isso. – AH, PELO amor de Deus, Monty, me dê um descanso – resmungou Neen sem fôlego. Aumentou o volume do rádio na

esperança de abafar os latidos possantes do cachorro. Os vizinhos iriam se queixar se isso continuasse, mas... Apertou a pimenta vermelha que estava cortando. Precisava apenas adiantar o jantar dessa noite, e então faria o animal entrar. Se não ficasse atenta a Monty, ele destruiria seu apartamento, mas por enquanto ele só latia... E latia... Sem parar, enquanto ela estava na cozinha. Neen sabia que Monty se sentia sozinho e abandonado, e que estava com saudade de Audra. Entendia que o bichinho precisava de companhia,

pobrezinho. Se pudesse ter certeza que ele ficaria sentado e comportado aos seus pés, mordiscando seu osso... Olhou em volta para a mobília roída e balançou a cabeça. Abriu a janela da cozinha e olhou para o quintal do apartamento térreo onde morava. – Ei, Monty! Ele veio correndo. Latindo, latindo, latindo. – Se continuar com essa tolice, como poderá ouvir o que tenho a dizer? Monty se calou por um momento. A voz no rádio vibrava. Neen respirou fundo. Parecia que tinha jeito com cães. – Precisamos resolver que tipo de lar

é mais apropriado para você – continuou a falar com o cachorro. – Tem alguma sugestão? Melhor nada de criancinhas em volta, porque você iria derrubá-las o tempo todo, e... Monty voltou a latir como um louco, e Neen continuou a descascar cebolas, um repolho e pimentas vermelhas para a fritada que faria no jantar. Prosseguiu: – Estava pensando em uma casa grande e adorável onde pudesse correr à vontade, e... Ele não parou de latir. Já não olhava para Neen e não tomava fôlego. Na verdade, parecia estar latindo para alguém que Neen não via...

Neen sentiu o cabelo na nuca se arrepiar, e no reflexo do vidro da janela algo se moveu. Voltando-se de supetão, ela ergueu a faca, cada músculo tenso, pronta para atacar. Uma figura masculina de ombros largos bloqueou a entrada da cozinha. A adrenalina percorreu o corpo de Neen, e seu coração quase parou. Apertou a faca com mais força. A silhueta ergueu as mãos devagar em um gesto de paz, e depois recuou para longe, ficando do lado de fora da porta com tela. Só então Neen conseguiu perceber de quem se tratava. Rico

D’Angelo. Seu novo patrão. Seu coração disparou. Não largou a faca. Rico bateu à porta. Neen desligou o rádio. – Quieto, Monty! De modo surpreendente, o cachorro obedeceu. – Neen, desculpe se a assustei. Dei a volta no prédio porque você não ouviu a campainha da porta da frente. De repente, ela percebeu que ainda empunhava a faca como se fosse uma arma. Com as faces coradas, atirou o objeto na pia. Depois fincou as mãos na cintura e tentou fazer com que não

tremessem, engolindo em seco. – Sr. D’Angelo. – Ela não parava de tremer. – Eu... Ah... Entre, por favor. Rico balançou a cabeça. – Acho melhor não. Só queria lhe entregar isso. – Ergueu alguns papéis na mão. Logo Monty voltou a latir, e as têmporas de Neen latejavam a cada novo latido. Deus, que situação! Pressionou os dedos trêmulos na testa. – Que tal darmos um passeio? Presumo que esse seja Monty. Parece que ele gosta de passear – sugeriu Rico. Aos poucos, o coração de Neen se acalmou e ela murmurou:

– Tenho certeza que está muito ocupado. – Vim aqui para podermos discutir alguns tópicos e conseguir sua assinatura no contrato. A conversa tranquila depois da entrevista tumultuada fez a pulsação de Neen voltar ao normal finalmente. – Sei que deveria ter telefonado antes, mas tinha um encontro aqui no bairro e pensei em vir até sua casa. Que tal sairmos com o cachorro agora? E Neen precisava sair de casa. Reencontrar o senso de equilíbrio. – Bem, se tem certeza que dispõe de tempo...

– Sim, disponho – respondeu Rico. – Vou pegar a coleira de Monty. Ela conduziu o animal pela casa e trancou a porta da frente, evitando olhar para o galpão aberto com seu carro e seus pneus cortados, e rezando para que seu enigmático empregador não tivesse notado. Praguejou entre os dentes cerrados, apertando a guia de Monty. O sr. D’Angelo iria julgá-la uma louca! – Estou contente que tenha aceitado o cargo de gerente do café, Neen. Tenho grandes planos para o lugar e sei agora que é a pessoa perfeita para dirigi-lo. Seu sorriso era bondoso demais, compreensivo demais... Sagaz demais. O

tom de voz era bem modulado, e ela suspirou. – Viu os pneus do meu carro, não viu? Monty escolheu exatamente esse momento para puxar o braço dela com toda a força. Sem nada dizer, Rico se adiantou e tomou a guia das mãos de Neen. Cheirava a ar marinho e menta. – Aconteceu hoje? – perguntou por fim. Ela cruzou os braços sobre o peito e aquiesceu com um gesto de cabeça. – O que leva à pergunta: por que deixei a porta da cozinha aberta, não é? – Por causa de Monty? Ela suspirou de novo.

– Sim. Deixei que ficasse no quintal da frente. Era tudo que podia fazer para impedi-lo de destruir a casa enquanto eu ia ao supermercado. Monty fica sempre tão feliz quando corre. Ela podia jurar que fechara a porta de tela, mas certamente não o fizera. Que tolice. Fechou os olhos e deixou o ar escapar dos pulmões. Desde que recebera a notícia de que o testamento do avô fora impugnado, sua cabeça andava a mil quilômetros por hora, sem falar no coração. Sua capacidade de concentração desaparecera. Mas isso precisava acabar! Necessitava prestar

atenção nas coisas outra vez. Precisava. – Deu queixa na polícia? – Ele quis saber. – Sim. – Neen engoliu em seco e arriscou um olhar para Rico. – Sr. D’Angelo, lamento muito por... Humm... – Sentiu um nó no estômago. E se tivesse esfaqueado o homem? – Ando muito nervosa. Fez com que parassem ao chegarem ao final do quarteirão. – Monty, sente. – O cão a fitou com seus grandes olhos inocentes. Ela fez um sinal com a mão. – Sente. – Ele continuou a fitá-la. Neen cruzou os braços sobre o peito e desviou o olhar.

Então Monty sentou. – Bom garoto. Fez um carinho em suas orelhas e fitou Rico. Voltaram a caminhar e depois viraram à direita em direção ao parque e à praia de Bellerive. – Monty está aprendendo – murmurou Neen para dizer alguma coisa. – Sou eu quem devo me desculpar, Neen. Não deveria ter vindo sem avisar, e lamento tê-la assustado. Ela não duvidou de sua sinceridade. – Bati diversas vezes e podia ver você lá dentro, chamei... – Mas entre os latidos de Monty e o meu rádio... – Além dos meus pensamentos, refletiu Neen. – Não o

ouvi. Não foi culpa sua, sr. D’Angelo. Não precisa se desculpar. Rico... O nome lhe caía como uma luva, diante de sua aparência de italiano, mas, por outro lado, era simples demais para alguém tão misterioso. Neen jamais conhecera alguém tão longe da simplicidade quanto ele. Era um homem com uma missão. Importante, e, como a maioria dos tipos que queriam salvar a humanidade, parecia levar o mundo nas costas. De repente, ele se voltou para ela e perguntou: – Achei muito esquisito os quatro pneus cortados. Algum problema, Neen?

Preciso saber de alguma coisa? Por um momento, ela não conseguiu falar. Por fim, fez um sinal para a praia. – Vamos até lá, deixar Monty correr. Quando pisaram na areia, Rico hesitou em largar a guia do cão. – Tem certeza que não vai fugir? – Não. Monty ficará na praia – garantiu Neen. – Já fiz essa experiência. Vendo-se solto, o enorme cão partiu para a água. Rico balançou a cabeça. – Sua casa vai se encher de areia quando voltar. – Posso passar o aspirador de pó, e é melhor do que ver Monty roer a mobília.

Uma hora de exercícios e ficará obediente como um carneirinho pelo resto da tarde. Após mais um instante de desconforto, ela explicou: – Os pneus cortados não foram um incidente isolado. A polícia está a par da situação, mas não pode fazer muita coisa. Há algum tempo rompi com um homem que não se conforma. – E ele a está perseguindo? Assediando? Ela deu de ombros. – Não tenho como provar que os pneus cortados são trabalho do meu ex. – Embora no íntimo tivesse certeza. –

Entretanto, consegui uma medida cautelar contra ele. E mesmo assim deixara a porta da frente aberta!

CAPÍTULO 2

– NEEN? Rico tocou seu braço e ela deu um pulo. Imediatamente ele retrocedeu. Neen desejou se aproximar de novo e dizer que não era sua culpa, mas... Mas o quê? Iria deixar que Chris a transformasse em uma ratinha tímida? Permitir que seu comportamento agressivo regesse a sua vida? Segurou o braço de Rico. – Desculpe. Estava com o pensamento muito distante.

Por baixo da camisa de algodão, o braço dele era firme, e Neen não quis largá-lo. Refletiu que, enquanto mergulhava em seus próprios pensamentos e em seus problemas, esquecia de outras coisas... De rir e ter amigos, e ... Simplesmente ser jovem. Respondera o anúncio de emprego no café de Rico para ter com que ocupar as ideias. Eventualmente, Chris se cansaria e a deixaria em paz. Cruzou os dedos. Nesse meio-tempo não ficaria sentada aguardando o desfecho a respeito do testamento do avô. Iria adquirir experiência e...

Engoliu em seco. E não pensaria em traição. Rico a analisava estreitando os olhos e vendo além. Ela tentou sorrir. – Vamos caminhar – sugeriu, porque, de repente, ficar ali parada olhando para ele parecia absurdo. Além disso, Rico não devia estragar os belos sapatos de couro ficando muito tempo na areia. Ele a fitou com curiosidade, vendo que voltava a ficar longe. – No que está pensando? – Tenho certeza que fechei a porta de tela naquele dia. – Absoluta? – Noventa por cento. Acho que estou

sendo paranoica. Uma semana depois que briguei com Chris voltei do trabalho certa noite e encontrei meu apartamento escancarado... Porta da frente, dos fundos, e todas as janelas. Creio que ele conservou uma chave. Então me mudei. Na segunda vez, acordei certa manhã e encontrei a casa que alugara toda pintada com tinta vermelha. – Suspirou. – Não quero continuar fugindo. Não se transformaria em uma fugitiva. Rico fechou os punhos. – Tenho ferrolhos em todas as portas e janelas agora, mas não na porta de tela. Em geral não a deixo aberta, mas hoje era um dia tão agradável e

ensolarado... – Deveria ter o direito de deixar sua porta aberta sem medo de represálias. Ele falou com determinação. Neen fechou os olhos, contou até três, e depois endireitou os ombros. – Acontece que hoje estava distraída, pois tive uma oferta de emprego. – Sorriu para ele. – E tenho um jantar essa noite que está me deixando nervosa. Parecia que tudo corria bem. Por isso deixei Monty no quintal. Só precisava de meia hora para dar andamento ao jantar. Tentei trabalhar depressa, e me dividi entre cortar as verduras e pedir para Monty parar de latir.

– E, sem dúvida, os pneus cortados a deixaram ainda mais nervosa. Neen não percebera como andava estressada. Mas impediria que Chris fizesse isso. Podia não ter controle sobre as ações dele, mas conseguiria se controlar. Não deixaria a guarda baixar de novo. Isso precisava acabar. Havia só uma coisa... – Os incidentes foram rareando – explicou. – Pensei que Chris tinha desistido, já que está proibido de ficar a menos de 20 metros de distância. Duvidei que se arriscasse. Entretanto, parece não ter desistido ainda. – Neen

suspirou. – Prefere que eu desista do emprego de gerente no seu café? Ele parou de caminhar e a fitou. – Por que faria isso? Ela nada disse. – Acha que Chris poderá tentar atingila no seu local de trabalho? – Não posso saber o que se passa na sua cabeça, mas é uma possibilidade, certo? – Não permitirei que um sociopata maluco determine quem emprego ou deixo de empregar! – exclamou Rico enfurecido. – Providenciarei para que seu apartamento seja mais seguro com um sistema de alarme.

Por um instante, Neen percebeu algo além do executivo preocupado e controlado, algo sombrio e perigoso que deveria fazê-la recuar, porém, na verdade, a fez desejar se aproximar mais. – Sei que você é a pessoa certa para esse trabalho – insistiu ele. Ela fitou os olhos que faiscavam, e a confiança de Rico a fez pender os ombros. – Pelo amor de Deus, Neen, por que resolveu namorar um sujeito dessa espécie? Ela cruzou os braços sobre o peito e começou a caminhar às cegas pela praia

outra vez. Estivera à procura do amor. Ansiava por isso. Por essa razão se apaixonara por Chris. Ele focalizava sua atenção nela como ninguém jamais fizera antes... Exceto o vovô... E Neen se agarrara a isso como uma tábua de salvação. Como a mulher tola e fraca que era. Só mais tarde a possessividade e o ciúme de Chris vieram à tona. Ou, pelo menos, só mais tarde ela reconhecera isso. Se não estivesse tão carente, teria reconhecido os sintomas mais cedo e terminado o relacionamento. Entretanto, não reconhecera, e agora tinha que pagar o preço.

– Cometi um erro – disse com voz trêmula. – Nunca errou? O rosto dele parecia uma máscara inexpressiva. Aquiesceu com um gesto de cabeça frio. – Sim – murmurou Rico, dando meiavolta, e retornando pelo caminho que haviam tomado. Neen olhou em volta; Monty continuava se esbaldando na água. Então ela correu até Rico. – Desculpe – murmurou. – Não devia ter perguntado isso. Rico piscou diversas vezes e a máscara desapareceu.

– Sou eu quem deve pedir desculpas. Percebi como erros inocentes podem ser caros. Não parece justo. Ela observou a gravata de seda e os sapatos caríssimos, se perguntando que erros um homem bem de vida cometera no passado. – Vejamos os adolescentes com quem trabalho – disse Rico. – A maioria paga pelos erros de outros. Não é culpa deles se são filhos de mães muito jovens ou se têm pais bêbados ou drogados. – E você quer ajudar nisso? – Ajudarei! – afirmou Rico com os olhos brilhantes. Por algum motivo, essa palavra a fez

sentir uma garra de gelo percorrendo sua espinha dorsal. Ou, quem sabe, fora o tom em que Rico a dissera. – Já tomou aulas de defesa pessoal, Neen? A súbita pergunta a fez balançar os braços. – Nunca. – E por que não? – Ele a deteve, baixando logo a mão. – Sem dúvida é uma precaução que deveria tomar, não acha? Ela demorou a responder. – Sempre esperei não precisar disso, e que as ameaças de Chris não se tornassem agressões físicas. – Fitou a

praia e o parque. – Entretanto, suspeito que ele me vigia e me segue. Não quis deixá-lo mais irritado ainda. RICO FITOU Neen e seu coração se apertou. De repente, ela parecia pequena e frágil. Cerrou os punhos diante da ideia de alguém lhe fazendo mal... Odiava pensar em homens que machucavam mulheres. Era vital que ela aprendesse a se proteger de ataques físicos, mesmo que não desejasse encarar essa possibilidade. Rico não sabia se o ex... O tal de Chris... Poderia de fato se tornar violento, mas seria melhor que Neen estivesse preparada.

Então se preparou para uma discussão. – Aulas de defesa pessoal se tornam obrigatórias para quem assume um emprego como o que aceitou hoje de manhã, Neen. É uma das coisas que desejava discutir com você. – Ora, Rico D’angelo, isso é uma grande mentira. Por um momento, ele pensou que Neen fosse soltar uma gargalhada. Gostaria de vê-la rir. Mas como isso não aconteceu, voltou ao assunto: – Esqueci de mencionar a defesa pessoal durante a entrevista – mentiu ele. – Irá trabalhar com adolescentes

desajustados. Alguns deles sempre viveram em meio a criminalidade. – E conhecem a violência? – Muito bem. Não creio que terá que enfrentar esse tipo de garoto, mas estará lidando com adolescentes. – E adolescentes podem ser imprevisíveis? Rico respirou, aliviado, ao perceber que ela não pretendia brigar. – Sim, assim como seus amigos e pais. É o mundo onde vivem. – É o que você está tentando mudar? Ele percebeu o ceticismo. Deveria já estar imune a isso... Lutava cada dia de sua vida contra isso... Mas, por algum

motivo, as palavras de Neen o abalaram. Deu de ombros. – O café irá pagar pelas suas aulas de defesa pessoal. – Ela pareceu que ia argumentar, e Rico a impediu. – Insisto. Eu mesmo escolherei o treinador, e receberei relatórios sobre seu progresso. Neen piscou diversas vezes. Enquanto isso, Rico refletiu por que nunca pensara nessas aulas antes para seus funcionários. Ela se voltou para olhar Monty e os raios do sol iluminaram seu cabelo castanho. – Não acredito como esse cachorro

tem energia – comentou. A alegria de viver do cão impressionou Rico. Gostaria de ser assim. Mas o que estava pensando? Certamente ele não tinha tempo para vir à praia e nadar. Virou-se para Neen. – Antes de começar as aulas, vou lhe dar algumas noções básicas. Se alguém a atacar, seu principal objetivo será deixar o agressor incapacitado tempo suficiente para escapar. – Certo. – Se o agressor vier de frente para você – ele fez menção de segurá-la

pelos ombros –, quero que afaste seus braços assim, depois o agarre pelo colarinho da camisa ou da camiseta e dê um chute na genitália com toda a força possível. Ela arregalou os olhos. – Acredite, qualquer idiota que tentar atacá-la merece o castigo. – Certo. – E grite, grite como uma louca enquanto puder. Agora, vire-se. Neen obedeceu. – Se o agressor a pegar pelas costas – Rico passou as mãos pelos seus ombros e a puxou para si, imobilizando seus braços –, quero que você...

Contudo, um cão latindo e rosnando pulou sobre ele. De repente, Monty se transformara de um peludo bonachão em um violento defensor, e Rico só conseguiu olhar, fascinado. Neen não ficou imóvel, e se interpôs entre o homem e o cão, erguendo a mão. – Não! – gritou. Monty se deteve com um repelão, espalhando areia para todos os lados. – Sente! – ordenou Neen, fazendo o sinal com a mão. Monty se agachou com o nariz sobre as patas da frente, porém permaneceu com os olhos fixos em Rico. – Os cães têm um sistema de

hierarquia – explicou ela para Rico com voz modulada e suave. O coração de Rico voltou a bater normalmente. – Quero mostrar para Monty que você tem um nível mais elevado na cadeia alimentar do que ele, portanto, ele precisa tratá-lo com respeito. Rico engoliu em seco dizendo: – Será um prazer ajudar no que for possível. – Aperte minha mão – pediu ela. Ele obedeceu. – Agora continue segurando e se abaixe um pouco para que eu possa beijar seu rosto.

Ele assim fez, sentindo o perfume de Neen, um misto de morangos, madeira e... Cachorro. Lábios macios tocaram sua face e algo apertou seu peito. De repente, todos os impulsos de menino mau que reprimira nos último dez anos ganharam vida de novo. Mas então ela se afastou, embora sem largar sua mão. Era culpa da praia. Tinha que ser, pensou Rico. Todo esse sol e areia. Há muito tempo ele não se concedia o privilégio de uma diversão, e estar ali parecia um feriado. – Monty – Neen manteve a voz suave e estalou os dedos. Imediatamente o cão se levantou e cheirou sua mão. –

Ofereça a mão para ele cheirar, Rico. Monty irá se lembrar... E pedir desculpas. Rico fez o que ela dizia agora sem recear ser mordido pelo dinamarquês. A confiança de Neen o conquistara, e sabia que não era mulher de pôr os outros em risco. Prontamente, Monty lambeu a mão dele. – Bom cachorro – elogiou Neen, afagando as costas peludas. Monty praticamente ronronou como um gatinho, e Rico não o culpou. – Onde aprendeu tanto sobre cães? – perguntou, tentando não pensar na curva dos quadris dela dento do jeans. O sol.

A praia. – Cresci com eles – explicou Neen. – Mas não gosta deles. – Isso mesmo. Ele a observou tirar uma bola de tênis do bolso. – Tudo bem, Monty, vamos cansá-lo de uma vez por todas. – E atirou a bolinha para o cão. Rico balançou a cabeça. – Meus adolescentes vão ficar encantados. NA MANHÃ seguinte, Neen voltou cedo da praia com Monty para encontrar alguns operários na porta da frente. Sentiu as mãos úmidas. Passeou o olhar

pelas redondezas, mas nada parecia fora do lugar. Exceto pelos operários. Aproximouse deles apertando a guia de Monty. – É a srta. Cuthbert? – perguntou um deles. Ela acenou que sim. – Fomos chamados para instalar novas portas com telas, além de um sistema de segurança para cada um dos cinco apartamentos deste prédio. – Quem os contratou? O homem consultou sua prancheta. – A imobiliária responsável por estas propriedades. – Deu o nome da empresa. – Posso ver? – perguntou Neen.

De fato, o nome da imobiliária aparecia no espaço do requisitante, mas ela não duvidou um só instante de que Rico estava por trás disso. Não sabia exatamente como, porém começava a perceber que era o tipo de homem que falava e fazia. – Sou do apartamento 3. Não deveriam começar pelo número um? – perguntou, devolvendo a prancheta. – O inquilino do apartamento 1 está fora, e a imobiliária não tem autorização para abrir o apartamento até amanhã. Segundo minhas informações, o número 2 está vago. O apartamento de Audra. Ou ex-

apartamento de Audra. – Se a senhorita tiver alguma pergunta, deve se dirigir à imobiliária. Podemos começar agora? Levaremos apenas uma hora... Duas no máximo. – Fiquem à vontade. – Neen pensou que cavalo dado não se olha os dentes. Então abriu a porta da frente e os convidou a entrar. Sentou no quintal com uma xícara de chá enquanto Monty cochilava à luz do sol primaveril. Impulsivamente, Neen pegou o celular e ligou para o número que Rico lhe dera. – D’Angelo – respondeu uma voz impaciente, e ela se viu lutando para não

sorrir. – Alô, Rico. É Neen. – Está tudo bem? – Sim, obrigada. Há muito tempo ninguém a fazia se sentir tão importante. Mas fora a necessidade de se sentir acarinhada, protegida e amada que a colocara nesse problema com Chris. – Eu... Só queria agradecê-lo. Não sei como conseguiu tão depressa, mas a empresa de segurança já está aqui. Ele não respondeu. – Rico? – Neen acabou chamando já em pânico. Se tivesse sido uma brincadeira de Chris... – Se não foi você

quem providenciou nova porta de tela e sistema de segurança para meu apartamento, diga logo. Por que não ligara diretamente para a imobiliária? Por que pensara apenas em chamar Rico? Por que ele a fazia se sentir importante? Será que não aprendera a lição? – A imobiliária responsável pelo seu bloco de apartamentos me devia um favor, então decidi cobrar hoje. Aliviada, ela exclamou: – Bondade sua... Só queria agradecer. – Estou apenas protegendo meu investimento. Já leu o contrato? Ela sentiu o esforço dele para se

distanciar de qualquer familiaridade. Não que esperasse, depois do passeio da praia, que se tornassem grandes amigos, porém sempre fizera amizade com os outros patrões que tivera. Por que seria diferente com Rico? Mas era. Neen se recordou de seus olhos brilhantes e o toque de suas mãos, estremecendo. – Sim, li o contrato. E fiz uma correção. – Qual? – Não vou assinar um acordo de dois anos, Rico. Pensei ter deixado isso claro. Mudei o prazo para 12 meses.

Ele nada disse. – Foi um descuido, sem dúvida – murmurou Neen. De repente, ele riu e isso encheu seu coração de calor. – Acredite, foi um descuido. Mesmo que desejasse que você reconsiderasse. Ela acreditou. Afinal, havia uma equipe de operários trabalhando em sua casa nesse momento, e isso provava que Rico D’Angelo era um homem de palavra. Por impulso, ela perguntou: – Por que esse projeto significa tanto para você? Por que ele era tão obstinado?

– Assim que o café estiver funcionando e puder provar por A mais B seu sucesso, conseguirei levantar fundos para outros cafés em outras partes da cidade. – Quer dirigir uma rede de cafés beneficentes? – E por que não? Ela não conseguiu pensar em nenhum motivo. Exceto... – Nunca se diverte? Rico não respondeu, e Neen franziu a testa... Devia ter soado como um convite. Nada de perguntas pessoais! Nada de curiosidade! A curiosidade ficava a um passo do interesse, e ela

não estava interessada. Em nenhum homem. Ponto final. – Você está ocupada hoje? – A perguntou brotou de Rico por impulso, e de repente ela o imaginou sem gravata. E sem... Neen refreou o pensamento. – Sei que oficialmente só começa a trabalhar na segunda-feira, mas gostaria de lhe apresentar as ideias que temos e pedir sua opinião. Uma faísca de animação a dominou... A primeira desde que soubera que o testamento do avô fora contestado. – Gostaria muito, Rico. – Melhor do que ficar sentada ali, remoendo seus

problemas. – Mas os operários ficarão por aqui pelo menos mais uma hora. Não ficaria tranquila deixando que trancassem minha porta, você sabe por quê. – Claro. E o seu carro? – Os pneus serão substituídos, segundo disse o borracheiro, “em algum momento hoje pela manhã”. – Mas está livre à tarde? – Livre como um pássaro. – Excelente. Poderei lhe mostrar o café, e talvez você conheça alguns estagiários. Sem dúvida ele montara um programa muito interessante.

– Onde nos encontramos? – Neen quis saber. – Se vier ao meu escritório por volta de 13h30, poderemos ir juntos. – Estarei lá. – E, Neen? Com foi seu jantar ontem? Aquele que a deixou estressada? Ela sentiu um aperto no estômago. A noite anterior fora um verdadeiro desastre e... – Neen? Ela tratou de se controlar e parecer bem-humorada. – Com a semana que tive, foi como esperava. Ruim. Terrível, terrivelmente desastroso.

– Lamento ouvir isso. Mas, afinal, a semana não foi um completo desperdício. Não se esqueça que conseguiu um emprego interessante. Ela sorriu. – Tem razão. Um “emprego interessante”, é? Suspirou e tomou mais chá. Só o tempo diria se isso era verdade e se seria um estímulo para que abrisse seu próprio café. Você não se candidatou ao emprego para se consolar, mas para cessar de se lastimar sem ter o que fazer. Apertou as mãos. Com sorte, em breve tentaria concretizar seus sonhos.

Olhou para o céu. – Cruze os dedos, vovô – murmurou. – CONSEGUIMOS ESTApropriedade com leasing de dois anos, e por uma ninharia – disse Rico assim que abriu a porta do local em Battery Point. – Como conseguiu isso aqui? – Neen arregalou os olhos. – Praticamente à beira-mar, e perto de Salamanca Markets. Sei que os aluguéis por aqui são exorbitantes! – Sabia porque verificara. Rico apenas deu de ombros. – O proprietário é gerente de uma fazenda de laticínios nas redondezas. Prometi fazer muita publicidade para

seu negócio nos folhetos que anunciam a abertura do café e nos cardápios. – Você é um ótimo relações-públicas. – Foi o que ele pensou – concordou Rico, acendendo as luzes. Neen registrou o tamanho do salão da frente com duas adoráveis janelas abauladas voltadas para a rua. Era uma pena não ter vista para o porto, embora suspeitasse que, se houvesse, ele não pagaria um aluguel tão baixo. E sem dúvida o lugar necessitava de uma grande faxina. – O que acha? – perguntou ele. – Creio que poderemos fazer esse café ficar muito charmoso. Só precisa de

uma mão de tinta e lustra-móveis. – Neen deu um passo atrás e voltou a examinar o salão. – Acho que caberão 60 cadeiras aqui com conforto. – Era isso que esperava que dissesse. Venha ver a cozinha. Neen o seguiu e imaginou como ficaria quando tudo estivesse polido e brilhando. Sorriu pensando que não teria escolhido melhor para seu próprio café. Começou a andar em volta e perguntou: – Mandou fazer uma vistoria sanitária e de segurança? – Ainda não, por quê? – Ele a fitou. – Vê algum problema em potencial?

Neen apontou. – Fios desencapados ali, ali e ali... E aquela tomada parece que pode causar um incêndio. Rico praguejou. – E também não me sinto confiante sobre a segurança desse ventilador de teto – concluiu Neen. Ele olhou para o teto. – Mas os fornos parecem em bom estado e prontos a funcionar depois de uma boa limpeza – disse ela, abrindo um armário e dando um pulo quando uma barata passou correndo. – A cozinha é muito escura e isso vai ser um problema. Precisamos de luz fria por todos os

cantos. Não podemos nos arriscar que um funcionário se corte ou se queime porque não está enxergando bem. A garotada aprenderá o serviço muito mais depressa com a iluminação adequada. Ele suspirou. – Vai custar uma fortuna. Neen se apoiou no balcão e cruzou os braços sobre o peito. – Você me chamou aqui para ter uma opinião sincera ou para receber um tapinha amigável nas costas e muitos parabéns? – O aluguel tão barato agora começa a fazer sentido – resmungou Rico. – Quanto está pagando?

Ele disse, e Neen fez um gesto displicente. – Pela localização, continua sendo um ótimo negócio. – Ela fitou uma porta. – O que temos ali? – Despensa, banheiro dos funcionários e a porta dos fundos. Rico abriu caminho, e algo peludo roçou o pé de Neen, que deu um pulo. – Vamos sair pela porta dos fundos. Agora! – berrou. Assim dizendo, ela o empurrou até o quintal cimentado, estremeceu e bateu com os pés no chão. – Que nojo! Rico a fitou sem entender.

– O que houve? – Posso encarar um camundongo e até dar uma sapatada em uma barata, porém não tolero ratos! A expressão de Rico se tornou sombria. – Não há ratos aqui – protestou. – Oh, não? – Ela apontou para algo atrás dele. – Então como chama essa coisa descendo os degraus?

CAPÍTULO 3

RICO

P RAGUEJOUem

altos brados. O roedor desceu correndo os degraus e desapareceu atrás de latas de lixo. Um rato. Uma maldita ratazana! O Departamento de Saúde teria um prato cheio ali. Por um instante, seu objetivo de ter uma rede de cafés desmoronou, a menos que... Olhou para Neen. A menos que pudesse convencê-la a manter sua linda boca fechada a respeito do incidente. Passou a mão pelo rosto. O que

estava pensando? Não podia arriscar a saúde do público assim. Além disso, um escândalo desses acabaria com seus planos. Mas... Deixou os ombros penderem. Estava exausto de lutar por tudo, por cada centavo... Controle-se, D’Angelo! Não tem nada do que se queixar. Sentiu bílis na boca. Ergueu a cabeça e aprumou os ombros; percebeu que Neen o observava, estreitando os olhos e apertando os lábios. Então um carro passou muito perto do meio-fio e ela deu um pulo. – Roedores me deixam nervosa –

desculpou-se Roedores como o seu ex-namorado, Rico pensou. – Está em dia com as vacinas contra tétano? – perguntou ela de supetão. – Sim. Neen apontou para a porta dos fundos. – Então pode voltar por lá, desligar as luzes e trancar tudo. Vamos nos encontrar na porta da frente. Ah, e, por favor, pegue minha bolsa? Ficou sobre o balcão da cozinha. Assim dizendo, desapareceu. Rico obedeceu, e foi encontrá-la em frente ao café. Sabia que Neen percebera seu desespero a respeito das

baratas e dos ratos. Ele fez menção de abrir o carro, mas ela o puxou pelo braço. – Venha. – Para onde? – Uma reunião de emergência. – Uma...? Onde? – No bar da esquina. – Mas... Ela parou e arqueou as sobrancelhas. – Mas o quê? Ele não sabia. Só... Mas. Neen largou o braço de Rico e continuou a andar. Ele observou que ela olhava para as redondezas. Como se esperasse que algo desagradável

surgisse. Rico hesitou por um instante e disse: – Tenho trabalho a fazer. Neen sorriu. – Desculpe se o corrijo, mas nós temos um trabalho a fazer. Ele abriu a porta do bar para ela. – O que deseja beber? Cerveja? Ela sorriu. – Que seja light. Não quero ficar tonta e começar a rir como uma boba... E um prato de salgadinhos. Com sal e vinagre. – Apontou para uma mesa a um canto. Quando voltou depois de fazer os pedidos, Rico a encontrou com um bloco e caneta na mão tomando um gole da

cerveja e mordiscando um salgadinho. – Bem, precisamos fazer uma lista das prioridades. Ele pousou o copo sobre a mesa. Em vez de se desesperar, deveria ter começado a fazer planos de trabalho... Como Neen. Em geral, era tão ativo... O aniversário de Louis. Encostou-se na cadeira. Hoje seria o aniversário de Louis, e isso o incomodava desde que abrira os olhos nessa manhã, enchendo-o de desprezo por si mesmo. Remexeu-se quando percebeu que Neen o observava de novo. – Quando foi a última vez que teve uma noite decente de sono? – perguntou

ela do seu jeito abrupto. Há dez anos. Ele a fitou com agressividade incontida. – Poderia lhe perguntar a mesma coisa – replicou, notando os círculos escuros sob os olhos de Neen. Uma sombra toldou os olhos dela, e ele se arrependeu do que dissera. Um imbecil estava assediando Neen. É claro que isso perturbava sua paz de espírito. Depois, havia o tal jantar da noite anterior que, obviamente, não correra bem. A última coisa de que ela precisava era ser lembrada de seus problemas.

– O que aconteceu no jantar de ontem? – perguntou Rico. Mal pôde acreditar que fizera tal pergunta. Enrijeceu e engoliu em seco, quase engasgando. Ela arqueou as sobrancelhas, e Rico não soube se estava rindo dele ou não. – Desculpe – murmurou ele –, não é da minha conta. – O jantar terminou com acusações e palavras ásperas – explicou ela, dando de ombros. – O que eu já esperava. Mas uma garota pode sonhar, não pode? Ele apertou o copo. – Não foi um jantar para o seu ex...? – Que tipo de idiota pensa que sou?

Os olhos azuis de Neen brilharam de raiva, aliviando a tensão de Rico. O aniversário de Louis. Isso o arrasara o dia inteiro. – Desculpe, eu... – Ele balançou a cabeça. – Tenho muita experiência com mulheres presas na violência doméstica. – Experiência pessoal? – Não... Experiências no trabalho. Ela fitou o copo com cerveja. – Ficaria péssima se visse uma mãe de família passar por isso – confessou. Já fora o suficiente para Rico observar as famílias dos garotos que tentava ajudar. Neen continuou:

– Lembra-se que falei sobre um testamento contestado? Ele aquiesceu com um gesto de cabeça. – O jantar de ontem foi com a outra parte interessada. E terminara com acusações e palavras ásperas? – Lamento que não tenha corrido bem – consolou Rico. Neen fez um gesto de pouco caso. – Obrigada, mas temos que pensar no trabalho. Precisamos estabelecer um plano. Rico estava tão acostumado com pessoas pedindo... Exigindo... Sua

ajuda, que a atitude de Neen o espantou. No bom sentido. – Para mim, as principias preocupações são: dedetizar o lugar e contratar um eletricista e checar todas as tomadas e fios. Ratos roem qualquer coisa. – Conheço um bom eletricista que ficará feliz em nos ajudar mediante uma pequena publicidade – disse Rico. Ela franziu o nariz. – De que tamanho serão nossos cardápios para conter tanta publicidade, Rico? Ele deixou escapar uma risada. – Não tenho contatos no setor de

dedetização – retrucou com bom humor. – Isso já economiza um espaço. – É claro que está preocupado com o orçamento – comentou Neen. Ela ergueu o copo e, de repente, Rico refletiu como era bonitinha. Não de um modo espalhafatoso... Ninguém jamais diria que era uma beleza... Mas com a cascata de cabelo castanho e sedoso, o nariz arrebitado e a boca polpuda, sem dúvida era uma graça. E quanto mais ele a fitava, mais o peso deixava suas costas. – O que foi? – perguntou ela repousando o rosto na mão. O que ele estava fazendo? Não tinha

tempo para ficar analisando a beleza de uma mulher. Não tinha tempo para romance. E certamente não com uma funcionária. Estava cansado, era isso. Passou a mão pelos olhos. Não tirava folga desde... Dez anos. – Preocupação com dinheiro faz parte dos negócios – observou. Ela fazia cálculos por trás dos olhos azuis. Eram olhos bonitos também, nem grandes demais, nem pequenos, e... Rico afastou o olhar. Nada escapava a essa garota, e não seria pego de novo olhando para ela com tanta atenção. – Olhe, trata-se de um café

beneficente, certo? Um programa para ajudar e treinar jovens transviados a fim de direcioná-los para trabalhos decentes, certo? Portanto, a comunidade precisa ajudar – disse Neen. – Cada serviço comunitário e beneficente pode fazer a mesma alegação – replicou ele. E esse era um dos maiores problemas que enfrentava... Obter apoio e patrocínio para seu programa. – A comunidade já se sente um pouco... Muito “pressionada a ajudar”. As pessoas são constantemente interpeladas a ajudar causas de todos os tipos. Rico entendia e até simpatizava com a

ideia. Entretanto, se conseguisse só mais alguns patrocinadores para o seu negócio... O problema era que não lidava com crianças bonitinhas e engraçadinhas. Eram todos adolescentes desbocados, mal-encarados e maleducados. Não eram o melhor material publicitário. Neen tamborilou com a caneta sobre a mesa. – No início do ano, uma família teve sua casa arruinada por uma tempestade. Seu seguro não cobria esse tipo de danos. Rico fez uma careta. Malditas seguradoras.

– Uma das emissoras de rádio local pediu ajuda aos comerciantes e choveram doações. Parece que a publicidade que receberam valeu o dinheiro gasto com a família. – Annie sorriu para Rico. – Podemos fazer algo parecido. Criaremos um atraente comunicado à imprensa e mandaremos para a emissora de nossa escolha. Isso tinha futuro. – Tenho um contato em uma das emissoras de rádio – continuou ela. O coração de Rico acelerou. Se pudessem conseguir de graça uma dedetizadora mais o seu eletricista... Por um instante, se viu tentado a

segurar o rosto dela entre as mãos e beijá-la, mas acabou tomando um gole da bebida. Ela se remexeu na cadeira com um olhar brilhante. – Será que você não tem um contato na emissora de televisão local? Não era ele quem deveria estar borbulhando de animação? Era uma vez... Rico afastou o pensamento. – Está querendo dizer – fitou Neen – que devíamos conseguir alguém para nos entrevistar? – Prefiro ficar nos bastidores. Rico lembrou do seu ex-namorado e cerrou os punhos debaixo da mesa.

– Certo. – Franziu a testa. – Olhe, Neen, já falei muito com a imprensa, e não vejo problema nisso, porém alguns de meus garotos mal sabem articular uma frase corretamente. – Se dessem uma entrevista na televisão, teriam que levar os adolescentes, e eles precisariam fazer boa figura, do contrário, o tiro sairia pela culatra. Ela sorriu. – Não está cansado dessas campanhas publicitárias tradicionais? É só colocar um cãozinho, gatinho ou bebê em frente à câmera e o anunciante tem um lucro enorme, mas isso já está tão batido... Por que não fazer algo divertido? Usar o

humor? – Como o quê? – perguntou Rico, sentindo o entusiasmo dela. Neen riu de repente, e ele aspirou seu aroma de ar alpino. Algo que só se sentia no Parque Nacional da Tasmânia, um lugar que ele não visitava há... Dez anos. Engoliu em seco e manteve os olhos no rosto sorridente de Neen até que a angústia o abandonasse. – Por que não mostramos um bando de adolescentes despenteados caminhando pelas ruas com ar ameaçador e assustador, mas com uma voz ao fundo dizendo: “Deseja que esses

garotos andem pela sua rua?” – Ela fez uma pausa e continuou. – Na tela, pessoas idosas entrariam correndo em casa e trancariam suas portas de maneira bem exagerada. – Neen fez uma nova pausa significativa para continuar. – E então a cena seguinte mostraria o café com os mesmos adolescentes servindo refrescos e bolinhos da maneira mais profissional e eficiente, e para essas mesmas pessoas que haviam fugido assustadas. Aí a voz diria algo como: “Ajudem-nos a tirá-los das ruas para terem empregos decentes.” Rico precisou rir diante da imagem. – Não iríamos mostrá-los fazendo

nada de errado – continuou Neen. – Seria apenas um bando de garotos que se empurram e gritam como todos os adolescentes, mas, por alguma razão, as pessoas acham isso atemorizante. Mas ela não? Rico se lembrou de como Neen impedira que Monty o agredisse na praia. É claro que ela não se atemorizava. No entanto, franziu a testa ao lembrar de como se assustara com o carro muito perto do meio-fio. Teria algo a ver com o ex-namorado? – Provocaria interesse – insistiu Neen. – Vai custar muito dinheiro... E

tempo. – Mas se provocar interesse para sua causa...? Ela tinha razão. – Pensei que, quando você obtiver aprovação sanitária e de segurança, poderá organizar a empresa – continuou Neen. – Poderemos pedir ajuda pelo rádio, mas será que convencerá seus adolescentes a trabalharem por quase nada? – Alguns sim – respondeu ele. – Alguns desejam trabalho desesperadamente. Uma chance. – Caso ajudem a pintar e decorar o café, espero que se sintam parte do

negócio – disse ela. – Em especial se recompensarmos com pizza de graça. – Excelente plano – parabenizou Rico. Ela tomou um gole de cerveja. – E no qual também já pensou, tenho certeza. Era bom saber que Neen não se julgava dona de todas as ideias. – Prometa aos adolescentes comida de graça e lá estarão... Em qualquer lugar – disse ele com seriedade. Ela riu. – Sem dúvida você pensou nisso também, mas... – Mas o quê?

– Teremos comerciantes que nos oferecerão seu tempo de graça... Pintores e carpinteiros... Se pedirmos ajuda. Será que existe algum garoto no seu grupo interessado em aprender um desses ofícios? – Nossa! Você é boa mesmo. Já está prevendo novas oportunidades para eles além da área de alimentação. – Também acho que precisamos fazer publicidade para a inauguração do café. Que tal uma rifa ou leilão de almoço grátis nesse dia? Ele apoiou os cotovelos na mesa para se focalizar melhor na conversa. – Acho uma ótima ideia, mas quero

que a inauguração seja uma semana depois da quarta-feira. – Então vamos estar ocupados na próxima semana? – Sem dúvida. Desejo convidar donos de restaurantes, gerentes de bufês, hoteleiros... Qualquer um que esteja interessado em contratar nossos estagiários. Neen bateu palmas. – Podemos fazer com que esse almoço em especial caia no dia das Corridas de Melbourne. Isso nos dará mais tempo para treinar os garotos. E daria tempo também para criarem um efeito de bola de neve na mídia

local. – Excelente! Em vez de pensar nos problemas, Rico começou a imaginar a diversão do projeto, a satisfação da conquista... E o conhecimento de que poderia fazer o projeto dar certo. Poderia tirar da rua meninos ociosos e lhes dar um senso de direção na vida. Fitou Neen. Precisou de novo lutar contra a vontade de se inclinar sobre a mesa e lhe dar um beijo. Ergueu os ombros. Era gratidão. Só isso. Tomou o resto da cerveja. – Neen, estou impressionado. Soube

no momento em que entrou no meu escritório que era a pessoa certa para o trabalho. – O que levava à pergunta do por que classificara outros dois concorrentes. Por que não confiara logo nos seus próprios instintos? – Quando se recusou a assinar o contrato de dois anos – prosseguiu –, questionei seu grau de comprometimento, mas estava errado. – Recostou-se na cadeira. – Exatamente de onde tira toda a sua energia e ideias? De súbito, os olhos dela se encheram de lágrimas. Inclinou o rosto para escondê-las enquanto Rico sentia o coração pesado.

– O que foi, Neen? Estava lhe fazendo um elogio. – Pelo menos tentara. – O que eu disse de errado? NEEN SE forçou a respirar, e o esforço fez doer a garganta e arder os olhos. Agradeceu pelo fato do bar estar quase vazio. – O que eu disse de errado? – insistiu Rico. Ela queria dizer que não fora nada, que estava sendo tola, mas as palavras não saíam. Honestamente, não tinha vontade de mentir. Não para Rico. Podia ser obstinado e teimoso, mas no fundo era um bom homem, via um problema e logo

procurava pela solução. Neen ergueu o rosto e viu seu olhar preocupado. Não queria que a colocasse em um pedestal e a tornasse a “Funcionária Modelo”. Só iria desapontá-lo. E odiava a ideia de se tornar um fardo. Suspirou e disse: – Você me perguntou de onde vinham minha energia e minhas ideias... – Foi uma perguntou retórica. Só queria elogiá-la. – Sei disso, e agradeço. Fez-me sentir que posso fazer uma boa diferença. – E há muito tempo ninguém a fazia se sentir assim.

– Mas...? Ela se inclinou sobre a mesa, quase tocando a mão dele. Por fim recuou. – Rico, meu sonho é ser dona de meu próprio café. Durante três meses e meio, pensei que esse sonho estava para se realizar. Comecei a planejar cardápios, conversar com pessoas para formar uma equipe. Minha mente fervilhava de ideias. Mas... Não conseguiu continuar. Seu sonho fora adiado indefinidamente e ameaçava nunca se concretizar. Um peso pareceu esmagar seu coração. Endireitou os ombros e lutou contra a vontade de enterrar o rosto nas

mãos. – Porém é difícil continuar a fazer planos com o testamento contestado? – Ele ajudou. – Isso mesmo. – E o meu café a deixa frustrada por não ser o seu café? Ele estava entendendo muito bem. Então Rico estendeu o braço e segurou sua mão. Neen sentiu um calor estranho percorrer sua espinha dorsal. – É só um adiamento, Neen. Você vai conseguir seu café um dia. É esperta, capaz, e... – Rico – ela interrompeu, porque não desejava piedade –, agradeço a chance

que me deu. Se, no momento, não posso ter meu próprio negócio, dirigir seu café é a melhor alternativa. – Isso a deixaria ocupada e impediria que pensasse no desastre que era sua vida. – Não quero que pense que não vou me focar totalmente no trabalho nem que vou abandoná-lo. Seja lá o que acontecer com o testamento, prometi que trabalharia para você um ano e cumprirei a promessa. – Não estou discutindo sua promessa, Neen. Ela aquiesceu com um gesto de cabeça. – Sei disso.

Ele voltou a se recostar e largou sua mão. Neen se sentiu como um navio que perdera a âncora. Que absurdo! Recordou o jantar da noite anterior. Não transcorrera bem. Precisava se focar em outra coisa. – Quando conhecerei seus garotos? Rico consultou o relógio. – Pedi que alguns nos encontrassem no centro comunitário esta tarde. Centro comunitário? Não parecia ruim. Lembrava ringue de patinação e quadra de basquete. – Usam o centro para se reunir? – Esses lugares realizavam programações,

torciam para que os garotos de Rico levassem a sério o trabalho. Mas era difícil para ela ser otimista. Já se decepcionara muito na vida. – Há uma academia de ginástica gratuita no centro. Eles a usam bastante. Então não participavam de programas de estudos como matemática e idiomas? Mas ela nada disse ao perceber a satisfação e orgulho no rosto de Rico ao falar dos seus garotos. – Quero que dê uma oportunidade para esses adolescentes, Neen. São ásperos, mas têm boa índole. Ela ergueu as mãos. – Não vou prejulgá-los.

Ele não pareceu convencido. – A maioria das pessoas espera o pior deles. Eu sempre espero o melhor. Não era de admirar que parecesse exausto, e de repente o coração de Neen se comoveu. – Torço para que saibam como têm sorte por terem você ao seu lado. Ele nada respondeu. – Como foi que entrou nessa área de trabalho? – Ela quis saber. De novo Rico não respondeu. Neen ficou constrangida e tratou de se lembrar que era apenas uma funcionária e não devia se intrometer. E não desejava intimidade que

levasse a um flerte ou algo parecido. Já procurara o amor e se dera mal, aprendera a lição bem depressa. – Muito bem. – Assim dizendo, ela se levantou. – Leve-me até o centro comunitário, Rico. NEEN CONHECEU quatro rapazes candidatos ao trabalho no café. Deveria ter conhecido cinco, mas um não apareceu. Resmungaram boa tarde e foram relativamente educados com ela e respeitosos com Rico, mas entre si diziam palavrões e agiam com brutalidade. – O que achou? – perguntou Rico quando foram embora 40 minutos mais

tarde. – Acho que preciso de um café. Ele enrijeceu. – Não são assim tão maus – resmungou. – Não disse isso. Por que é sempre tão defensivo? Rico parecia um irmão mais velho sempre disposto a apoiar os menores. Percebera que todos o respeitavam... Mas Rico ficava a distância, e ela não entendia por quê. Bem, entender Rico não fazia parte de suas atribuições. – Há um café aqui perto que gostaria de lhe mostrar – disse Neen. – Você

quis que conhecesse seus meninos, que me apaixonasse por eles e dissesse que seu café será um retumbante sucesso, não quis? Ele sorriu. Parecia mais jovem quando sorria, e Neen se perguntou por que não fazia isso com mais frequência. Não seja curiosa! – Não havia esperado por isso, mas teria sido bom. Parece que você fica imaginando desastres e problemas o tempo todo – criticou ele. Ela arqueou as sobrancelhas ao ouvir isso. – Mas penso em soluções também – retrucou na defensiva.

– Claro que sim – murmurou Rico. – Desculpe. Estou tão acostumado a defender esses garotos que automaticamente... Chegaram ao café. – O que acha? – Ela fez um gesto abrangendo a decoração enquanto esperavam ser atendidos. – Bonito. Encantador, acolhedor... Doméstico. Seria bom criar uma atmosfera assim também. Mas isso não iria acontecer no café de Rico, refletiu Neen, explicando: – Observe a garçonete. A moça os atendeu e se afastou. – O que eu deveria observar? –

perguntou Rico. – Ela é pequenina e graciosa. – Sim – Rico deu de ombros. – Agora olhe para o espaço entre as mesas. É pequeno, certo? Agora pense no tamanho daqueles rapazes que conheci hoje, e imagine todos caminhando por aqui. – Neen o fitou em cheio. –Tinha esquecido como os adolescentes são esquisitos e desajeitados – concordou Rico com um gesto de cabeça. – Mas vão aprender! – Ah, Rico, quer parar de ficar na defensiva só por um instante? Não estou dizendo que não irão aprender. O que

estou tentando explicar é que precisamos de um ambiente certo onde aprendam a trabalhar. – Neen suspirou. – Creio que nosso café funcionará fornecendo um ambiente de linhas simples e menos mesas. Rico perguntou de supetão: – Gostou ou não dos garotos? – Difícil dizer em tão pouco tempo. Na verdade, gostei do Travis. Era mais velho que os outros, tinha 17 anos, e alguma experiência em cozinha. Mantivera contato visual com Neen o tempo todo em que haviam conversado, e ela percebera a fome de aprender em seu olhar.

E, como Rico, Travis se mantivera um pouco afastado dos demais. – Acho que Travis é um diamante bruto, e se tiver a orientação certa, irá longe. Rico a fitou por mais um momento. Depois, antes que Neen se desse conta, se inclinou para a frente, segurou seu rosto entre as mãos e a beijou.

CAPÍTULO 4

SE NEEN pensara que os lábios de Rico seriam frios... Como ele... Se enganara redondamente. Eram quentes. Muito quentes. O calor percorreu seu corpo como lava, dizendo do que ela precisava... E muito! Prendeu a respiração, mas não se afastou. Suas línguas se tocaram. Ela mais sentiu que ouviu seu próprio gemido. Rico tinha cheiro de loção pós-barba, e gosto de vinho Chardonnay. Ela se

aproximou o mais que podia. Além do encantamento do beijo, ouviu o tilintar dos copos e xícaras. Fez o que pôde para bloquear o barulho. Era um momento de energia e esperança, ao mesmo tempo intenso e suave. A louça voltou a tilintar. Rico. Riso. Rico que a beijava. O som de uma cafeteira elétrica. Tão certo... Errado! A palavra ecoou como um grito em seu cérebro, e ela espalmou as mãos no peito dele, afastando-o com um repelão.

Limpou a boca com as costas da mão, tentando se livrar de seu gosto. Amassou a toalha de mesa no esforço de se acalmar. Rico a fitou, com o peito subindo e descendo com a respiração entrecortada. Neen não esperara esse “desejo instantâneo” com ele. Rico era tão contido e focado em seu mundo. Mas ela jamais experimentara algo assim. Não com Chris. E nem com ninguém mais. Chris. Sentiu uma garra de gelo percorrer sua espinha dorsal. Não iria repetir essa história. Forçou-se a largar a toalha e passou a tira de couro da bolsa pelo ombro.

– Desejo toda a sorte do mundo em seu empreendimento, Rico, mas, afinal, após pensar melhor, não creio que sou a pessoa certa para o cargo. Precisava esquecer os próprios problemas, mas não com esse tipo de distração. Enrijeceu quando ele se aproximou como se desejasse detê-la. Ele notou sua atitude e se afastou. – Por favor, não desista, Neen, pelo menos não até eu ter uma chance de pedir desculpas. Mesmo que não consiga explicar o que aconteceu agora nem a mim mesmo. O brilho desaparecera de seus olhos,

que estavam sem vida. Como se... Neen engoliu em seco. Como se a emoção que sentia destruísse algo em seu íntimo. Neen queria se libertar do tumulto que a invadia e fugir de sua própria estupidez... Mas... Aqueles olhos! Rico parecia esta sofrendo muito mais que ela. Controlando-se, colocou a bolsa sobre o regaço e a apertou com tanta força, que seus dedos doeram. – Tem dois minutos. Explique-se. Ele coçou a ponta do nariz. – Já a questionei sobre seu comprometimento com meu projeto... Ela queria tanto que a frieza em seus

olhos desaparecesse. Que seu rosto não estivesse tão pálido. – Foi por isso que não me escolheu logo – comentou ela. Neen não sabia como descobrira isso, apenas sabia. Imaginou quantos candidatos houvera na sua lista. – Entretanto, você trouxe algo mais importante que comprometimento para esse projeto. – Verdade? – Ela manteve a voz baixa e calma. – Sim. Você não julga as pessoas. Ela cruzou os braços sobre o peito, acrescentando: – Mas devo esclarecer que sou muito

perspicaz. Então, de repente, ele sorriu. – Quis dizer que você não julgou os rapazes que conheceu hoje e não concluiu automaticamente que meu café está fadado ao fracasso. Ah, então era isso. Ela descruzou os braços. Então tudo bem. – Trouxe um senso de... Justiça e isso me entusiasmou. Está preparada para julgar os outros conforme seus atos e não como a sociedade os vê. – E por que isso é tão surpreendente? – Porque estou acostumado a trabalhar com pessoas como eu... Estamos sempre nos sentindo como se

lutássemos contra gente preconceituosa e conservadora o tempo todo. – Rico passou os dedos pelo cabelo. – Esqueço que existem os que têm ideias próprias. Ela balançou a cabeça. Rico precisava sair mais, conhecer gente. Ele continuou: – Esperava ouvi-la dizer algo depreciativo sobre os rapazes e que eu vivia no mundo da fantasia imaginando que o café fosse fazer sucesso, entretanto, você apareceu com uma solução para o problema e me senti... Ela o fitou aguardando. – Esperançoso. Neen sentiu um aperto no coração.

– Foi por isso que me beijou? – Bem, deveria ter sido um beijo de gratidão, mas... – Você foi dominado pelo meu magnetismo animal – concluiu ela, fazendo graça. Rico estreitou os olhos. – Não faça pouco de si mesma. É uma mulher atraente. Mesmo que tente esconder isso sob seus terninhos conservadores. Ela piscou diversas vezes, abriu a boca para falar, mas nenhum som saiu. – Estou muito arrependido de minha falta de profissionalismo ao beijá-la – continuou ele. – Como já disse, não sei

explicar. Porém estou mortificado. – Eu posso explicar. Rico a fitou espantado. – Então explique. Neen tornou a cruzar os braços sobre o peito. – Qual foi a última vez que tirou férias? Um descanso do trabalho? Ela apostava que trabalhava até nos fins de semana. – Não tiro férias, Neen. Nem folga. Meu propósito é construir algo de bom. Como os pais de Neen, esse homem respirava e dormia pela sua causa. – Bem, então irá se tornar outra triste estatística. Por que não ganha tempo e já

se atira em uma fogueira como mártir? Os olhos dele brilharam de ódio, mas ela não ligou. – Não é um super-homem, Rico. É feito de carne e osso como todos nós. Se não fizer mudanças drásticas na sua vida, irá se esgotar. – Pelo menos será para o bem – insistiu ele. Ela rangeu os dentes. – Vá dizer isso para todas as suas funcionárias quando começar a beijá-las sem razão. – Posso prometer que isso nunca mais acontecerá. Nunca! Ela tentou ignorar o aperto no

estômago. – Além de ter sido o cúmulo da falta de profissionalismo, sou seu patrão! – prosseguiu Rico. – Seria errado dar a entender para você ou outra qualquer que estou interessado em um relacionamento, pois não estou. Falta tempo em minha vida para romance. Ela piscou diversas vezes. E por que não tinha tempo? Não seja curiosa! Agora os olhos dele voltavam a brilhar... O que era bem melhor que o vazio. – Neen, você é valiosa para o projeto. Por favor, não permita que meu

comportamento de hoje a faça desistir. Sem poder se conter, ela começou a rir. – O que há de tão engraçado? – perguntou ele um pouco confuso. – Você! Nem mesmo sabe ainda se gosta de mim e de meu trabalho, mas... – Claro que gosto de você! Ela não se importou em retrucar. Rico não entendia de relacionamentos normais. Isso a consolou. Refletiu que, afinal, ele fora um cavalheiro por não mencionar que ela retribuíra o beijo. – Também não quero romance – retrucou ela. – Não quero pisar nesse

terreno de novo. – Muito bem – murmurou ele. – Bem, se agora nos entendemos, poderei ser a gerente do seu café. Ele se recostou na cadeira com alívio. – Obrigado. Mas não apertaram as mãos, selando o acordo. Tocar um no outro não parecia uma boa ideia nesse momento. Neen mudou de assunto: – Quanto tempo precisa para chamar a dedetização e o eletricista? – Amanhã... Sexta-feira no máximo. Se trabalharem no fim de semana, o lugar estará pronto para ser pintado na segunda-feira.

– Excelente! – exclamou ela. – Por que não encontro você e os garotos no café às 9h em ponto? – Se marcarmos para 8h30, você evitará o congestionamento na ponte. – Então 8h30. E vou deixar os terninhos austeros no armário e usar jeans e um suéter velho. Os dois se levantaram e Rico disse: – Farei o mesmo. Será que ele possuía um jeans? Neen pensara que as roupas esportivas fossem tão desprezíveis para ele quanto romance. Tratou de engolir o comentário sarcástico. O que ele vestia e sua visão sobre romance não lhe diziam respeito.

De jeito nenhum. – Tem uma foto de Chris? A pergunta a pegou de supetão, e Neen franziu a testa. – Por que pergunta? – Quero poder identificá-lo se começar a rondar o café. Ela não pensara nessa hipótese. Aquiesceu com um gesto de cabeça. – Trarei uma foto na segunda-feira. – Tenha um bom fim de semana, Neen. – Até lá, Rico. Na calçada, cada um foi para um lado. Nenhum dos dois olhou para trás.

MEIA DÚZIA de garotos surgiu para ajudar na segunda-feira. Sua animação comoveu Rico. Precisava tirá-los da r u a . Necessitava encontrar empregos para eles e lhes dar esperança. Mas ainda não tinha todos os empregos para oferecer. E de nada adiantava ficar pensando em todos os perigos que os aguardavam... Drogas, álcool, violência, e isso só para começar! – O que exatamente espera que façamos hoje, Rico? A voz de Neen o fez retornar ao momento presente. – Quero pintar essas paredes... E teremos que encerar o chão.

O chão era de carvalho da Tasmânia, e ficaria lindo quando estivesse polido. – É melhor tratar do assoalho depois da pintura – continuou ele. – E a cozinha também precisa de uma faxina e tanto. Ele estava para sugerir que formassem duas equipes... Quando Neen pegou os baldes e detergente, e começou a distribuí-los. – Certo. Precisamos de água quente, muita água, para limpar as paredes em primeiro lugar – comunicou ela – e muitos trapos. Os rapazes começaram a seguir as ordens, alguns com ar divertido, outros esbarrando entre si e se xingando de vez

em quando. Entregaram um balde com água e sabão para Rico. Ele ia protestar, mas resolveu começar a lavar uma das paredes para não tirar a autoridade de Neen junto aos adolescentes. Na verdade, estava muito consciente de tudo nela. A garotada fazia muito barulho enquanto trabalhava. Em dado momento, Carl empurrou Luke de propósito. Luke jogou um pano molhado no rosto de Carl, e um dos baldes saiu voando e molhando tudo em volta. Rico gritou: – Parem com isso! Estamos em um café e não em um parque de diversões.

Se não levarem isso a sério, podem ir embora. Agora mesmo. Tenho mais 20 garotos prontos para tomar seu lugar! Vinte? O cansaço o dominava, mas lutou para se manter ereto. Carl resmungou: – Estávamos só brincando. – Bem, parem de brincar e cresçam. Vocês têm muita sorte de conseguir essa oportunidade. Não estraguem tudo – esbravejou Rico. Luke disse alguma coisa em voz baixa. Travis, o mais velho, se dirigiu até os dois brigões. – Algum problema? – perguntou de

punhos cerrados. Carl e Luke acenaram que não, e voltaram ao trabalho. Rico olhou Neen de esguelha, esperando que ela não tivesse se assustado com a cena. Ela o fitou de volta. – Não pensei que fosse do tipo que perde a calma por causa de um pouco de água espalhada – murmurou Neen para não ser ouvida pelos outros. – Espero que todos levem o trabalho a sério. – Rico se defendeu. – E isso significa que não se pode rir nem brincar? – É claro que podem. – Ele fitou Carl

e Luke. Teria sido áspero demais com eles? – Acho ótimo que tenhamos esclarecido isso – murmurou Neen. Desse instante em diante, estabeleceuse um clima de constrangimento entre Rico e os rapazes. Enquanto trabalhavam, Neen ia perguntando sobre a vida deles. Após certa hesitação, todos começaram a se abrir e falar. Não discorriam sobre as mazelas que Rico já conhecia a seu respeito... Os lares defeituosos, as drogas e a violência, a pobreza... Mas de seus times de futebol preferidos, do que

gostavam de fazer nos fins de semana e sobre que tipo de comida gostariam de servir no café. Revelaram seus sonhos para Neen, e, em menos de três horas, ela sabia mais sobre o grupo do que Rico em três anos. Por fim, Neen baixou o balde e os panos e colocou as mãos nos quadris. – Muito bem. Cansei. Chega disso. Rico se voltou estreitando os olhos, e Neen disse: – Vamos estabelecer umas regras agora. Pretendia esperar até a inauguração do café, mas não posso adiar. Os meninos a fitaram arregalando os

olhos. Raios! Ela conseguira estabelecer uma boa camaradagem com eles. Por que estragar tudo agora? Rico assim pensou, mas deixou-a prosseguir. E ela prosseguiu: – O linguajar que ouvi aqui dentro é um acinte! Os rapazes pareceram aliviados. Não fora bem isso que esperavam ouvir. – Os que começarão a trabalhar neste café – apontou com a mão para Travis, Carl, Luke e Jason – e os que esperam vir a trabalhar – apontou para os outros dois – sabem, no momento que passarem pela porta da frente, terão que ser educados e esquecer os palavrões. Se

ouvir esse linguajar quando estiverem a serviço, serão mandados embora no ato, ouviram? Ouviu-se um murmúrio humilde: – Sim, Neen... Desculpe, Neen... Sem problemas, Neen... Ela sorriu. – Obrigada. Rico cerrou os dentes e se voltou para a parede de novo. O que o levara a beijar Neen? Não fazia nada tão impulsivo desde os 17 anos. Não sabia explicar, mas ela trazia à tona o menino ousado que ele fora. E que tentava sufocar havia dez anos. Não podia ceder aos impulsos.

Sentiu uma sombra descer sobre os olhos, mas logo passou. Limpava uma das janelas abauladas com Travis quando Neen se aproximou. – Travis, pode me ajudar a descarregar algumas coisas do meu carro? Imediatamente Travis largou o que fazia para segui-la. Ao passar por Rico, Neen piscou um olho. Seu ar de brincadeira o encantou. Mantenha a atenção no trabalho, D’Angelo! Por isso não ligou para o tempo que Neen e Travis ficaram ausentes. Terminou de lavar a janela e os outros

garotos terminaram de lavar todas as paredes. Olhou para o relógio e bateu com o pé no chão. Contudo, antes que fosse procurá-la, Neen entrou na sala vinda da cozinha. – Vamos lá, rapazes. Hora do almoço. Com gritos de felicidade eles a seguiram. Rico tentou ficar para trás, mas desistiu. Jogou uns panos dentro do balde e saiu para o quintal dos fundos, encontrando Travis, que manejava a churrasqueira com salsichas e cebolas douradas. Ao lado, em uma mesinha, havia pães, ketchup e mostarda. O odor das cebolas fez seu estômago roncar. Os

que estavam mais perto riram. – Vamos lá, D’Angelo, mostre suas habilidades – exclamou Neen. Atirou um bastão para ele, que a fitou sem saber o que fazer com aquilo. Neen fez sinal para todos se aproximarem. – Muito bem, essas são as regras do jogo. O batedor pega as bolas. Todos terão um bastão, e ganha quem rebater mais bolas. Certo? Todos concordaram. Mas Rico não queria jogar. Gostava de se manter mais afastado. Por que ela precisava colocá-lo no jogo? O jogo começou com todos rindo e

fazendo piadas, enquanto Rico não parava de pensar em quantos telefonemas poderia estar fazendo. Fitou Neen, e sua risada alegre, por um momento, o fez esquecer dos compromissos. Era bom vê-la rir em vez de assisti-la olhando por cima do ombro e dando pulos cada vez que ouvia um barulho mais alto. – No café, iremos trabalhar em equipe, por isso este jogo é recomendável – disse Neen. De repente, começou uma discussão a respeito de quantos pontos um e outro havia feito. – Gostaria que todos se tratassem com

respeito e justiça – interpôs Neen. Fez-se silêncio. Rico olhou e voltou. Sem dúvida Neen lhes dera um motivo para refletir. – E se... Alguém não estiver certo sobre alguma coisa? – resmungou Luke. – Não há problema em discordar ou perguntar – respondeu Neen. – Porém, antes de brigar e xingar, precisamos ter certeza das coisas. – Pensei que peguei a bola, mas se vocês discordam... – Não, tudo bem – interrompeu Travis. O jogo recomeçou, e todos estavam se divertindo tanto que já não importava

quem venceria. Depois, Neen anunciou que a comida estava pronta. Rico não se aproximou da mesa até que o último garoto se serviu, e Neen começou a pôr comida no próprio prato. Ela lhe endereçou um olhar e sorriu. O exercício fazia seus olhos brilharem, deixando suas faces coradas... Adoráveis. Uma súbita excitação sexual o invadiu. – Pensei que fôssemos comer pizza – comentou ele, logo percebendo que fora indelicado. – Achei que o churrasco seria mais divertido. Algum problema?

– Está certa. Foi uma ótima ideia. Fim da história. Exceto que quero saber quanto você gastou. Não quero que gaste nada do seu bolso. Neen nada disse, e foi procurar um lugar para se sentar. Rico preparou um cachorro-quente para si, colocou salada no prato, e também pegou uma lata de refrigerante, olhando em volta do quintal. Só sobrara um lugar ao lado de Neen. Ele hesitou. Podia comer sozinho no salão que já estava limpo, podia dar alguns telefonemas... Seria o mais sensato a fazer. Raios! Ele era o chefe.

Entretanto, com um suspirou, se dirigiu para o lugar ao lado dela. – Está se dando bem com os rapazes – comentou. Ela aquiesceu com um gesto de cabeça. – Eu sim. Mas você não. Rico engasgou com a salsicha, e Neen lhe deu um tapa nas costas até que parasse de tossir. – Isso não importa! – exclamou ele quando recuperou o fôlego. – Sou o patrão. Só precisam me respeitar porque lhes dou trabalho. Neen arqueou as sobrancelhas. – Tem razão, você é o chefe deles.

Você deve ter um bom relacionamento com eles todos. Eu sou apenas... – A pessoa que está lhes dando a oportunidade de uma vida decente? Ela largou o prato. – Por que se meteu nesse tipo de trabalho, Rico, se não consegue se alegrar um pouco com ele? – A vida não é só diversão. Neen limpou os dedos com um guardanapo de papel. – Também não é só tristeza e escuridão – redarguiu. – Nada sei sobre seu passado, mas... E era assim que Rico desejava. – Suspeito que esses garotos têm mais

motivo para se revoltar e se entristecer do que você – continuou ela. – Entretanto, encontram tempo para se divertir. Então o tolo jogo de beisebol fora um benefício para ele e não para os rapazes? Assim pensando, ele cerrou os punhos. – Não precisa ser caridosa comigo, Neen. – Não sou, nem com você nem com esses adolescentes. Isso o deixou mudo. – Eles são indivíduos – explicou ela. – Têm esperanças e sonhos. Sim, tiveram um início de vida difícil, mas é

você quem está correndo perigo de perder sua humanidade para virar um robô. Assim dizendo, ela se levantou e convidou os meninos para se servirem de novo. Rico a fitou de longe com vontade de chorar. Poderia ter respondido que não estava em perigo de perder sua humanidade. Já a perdera dez anos atrás. A DISTÂNCIA de Rico, sua frieza... Seu isolamento deixavam Neen muito triste. Ele estava fazendo tanto por esses adolescentes que tinham boa índole, eram diamantes brutos, porém como as criancinhas... E os cachorros...

Floresceriam sob uma boa influência, um pouco de atenção e elogios comedidos. E, também, com muita disciplina. Não era fácil para eles, mas estavam começando a aprender a evitar os palavrões. Na verdade, pareciam gostar de ser monitorados por ela. E Neen tinha vontade de abraçar todos. Colocou o rolo de pintura sobre a bandeja, ergueu os braços e se espreguiçou, aproveitando para procurar Rico com o olhar. Ele investia de verdade nesses garotos, mas não aproveitava um só momento na companhia deles.

De súbito, ele ergueu os olhos, e Neen foi pega em flagrante. A lembrança do beijo a envolveu, fazendo-a engolir em seco. Precisava esquecer esse beijo, porém o calor a dominava da cabeça aos pés, e não conseguiu afastar os olhos dele. Rico se endireitou e deu de ombros. Repousou o pincel sobre a lata de tinta e se dirigiu para Neen com passos lentos, enquanto o coração dela disparava. – Como vai indo? – Ela deu um passo atrás com a boca seca. Sempre evitara envolvimentos românticos com seus chefes. Rico fez um gesto abrangendo o

ambiente, e murmurou: – Sei que não era bem isso que esperava encontrar nesse emprego. Que sorte! Ele não percebera a reação dela. Neen tomou fôlego para responder: – Estou bem. Tem sido muito divertido. Rico nada disse, e ela prosseguiu: – Quero dizer, sei que diversão não faz parte de minhas atribuições, mas... – Fico feliz que esteja se divertindo, Neen. – Importa-se que façamos outro lanche amanhã? – Claro que não. Creio que os rapazes

irão adorar. Ela lutou para quebrar o novo silêncio constrangedor. – Assim que arrumarmos a cozinha, poderemos fazer pizzas. – Parece ótimo. Ele a fitou por um longo momento, e Neen pensou que precisava de um banho frio... Gelado... E muita distância dele. Pegou algo no bolso de trás do jeans e estendeu para ele: – Eis a foto que pediu. Como se fosse um sinal, ele voltou a ser o homem profissional e frio. – Certo. Tem meia hora livre depois do trabalho? Quero apresentá-la ao seu

instrutor de defesa pessoal. Sem dizer mais nada, um deu as costas para o outro e voltou a pintar. Para afastar o constrangimento, Neen começou a cantar uma música heavy metal que sem dúvida os rapazes conheciam. Um a um, eles a acompanharam cantando. Menos Rico.

CAPÍTULO 5

NEEN OLHOU em torno tentando ser o mais crítica possível. Mas era difícil depois de tanto trabalho árduo que ela, Rico e os rapazes haviam enfrentado durante a última semana. Decidiram por um estilo colonial simples. Não era o preferido de Neen, assim como esse não era o café de seus sonhos, mas... As paredes brancas, as mesas de madeira rústica e o soalho polido, assim como os antigos mapas e fotografias de

Hobart, capital do estado da Tasmânia, fariam sucesso com os turistas. Por um instante, Neen se deixou levar pela fantasia de um café com tema de Bali, arejado e iluminado, com muitas plantas tropicais, e... Uma batida à porta fez com que girasse depressa com o coração acelerado. Não seja idiota. Deve ser apenas Travis. Entretanto, viu-se diante de Rico. – Olá – saudou sem fôlego. Nossa! Estava se tornando patética! Ele estreitou os olhos. – Assustei você?

– Claro que não. – Está nervosa? – Animada – corrigiu ela. – Afinal, hoje é o dia da inauguração. Ele entrou e foi diretamente até o balcão. – Fantástico! Onde encontrou tempo para assar tanta coisa? Neen balançou a cabeça. – Não assei. Estamos utilizando um bufê freelancer para preparar a maioria das guloseimas. – Riu e brincou. – Você não me paga o suficiente para cobrir as horas que levaria preparando tudo isso. Rico aquiesceu com um gesto de cabeça, mas, quando fitou a prateleira

envidraçada com alguns petiscos, apontou: – Aquele é o seu bolo de maçã ácida. Na semana anterior, enquanto trabalhavam para deixar o café pronto, Neen trouxera um cheesecake feito em casa, um bolo de maçã ácida, e uma torta de nozes pecan para o chá da tarde dos garotos e de Rico. Ela aproveitara a oportunidade para ensinar aos jovens como cortar e servir as sobremesas. Retornando ao momento presente, Neen deu de ombros. – Não resisti à vontade de fazer algumas coisinhas. – O gosto que sentia ao preparar essas guloseimas era uma

das razões para querer abrir seu próprio café. – Quando os garotos estiverem um pouco mais treinados e soubermos quais são os pratos mais pedidos, Travis e eu poderemos montar um cardápio para as épocas com menos clientes. – Espero que não existam tais épocas – comentou ele com ar preocupado. – Então irá se frustrar, pois sempre existem períodos de comércio fraco. Além disso, precisamos dessas fases para ter tempo de encher os potes de mantimentos, polir a madeira das mesas, renovar os estoques nos freezers, e outras coisas. Neen ensinara os rapazes a preparar

cappuccinos, café expresso, como tomar nota de um pedido, porém a experiência era diferente do treinamento, e precisariam se empenhar muito. – É necessário que este lugar se torne financeiramente independente logo – afirmou ele. – Sabe que sempre terá que lutar por isso, não sabe, Rico? O plano atual era que Travis trabalhasse tempo integral como cozinheiro e os outros rapazes atuassem cada um meio período em diversas funções. – Se o propósito deste café é treinar os funcionários para que patrões em

potencial possam vir aqui e lhes dar empregos estáveis, então... – Então o quê? – perguntou Rico. – Sempre estaremos em período de treinamento, nenhum dos rapazes ficará aqui tempo suficiente para se tornar um gerente de meio período. Travis chegou nesse momento. Neen sorriu para ele e, com um gesto dramático, colocou a tabuleta de “Aberto” na porta de entrada. Rico fitou a porta como se pudesse fazer surgir clientes só com a força do olhar. Começou a caminhar de um lado para o outro. Neen tentou acalmá-lo.

– Sei como este café é importante para você, mas sua expressão vai assustar os fregueses. Vá fazer o que costuma fazer no seu escritório e nos deixe um pouco. – Neen sabia que esse café não era seu único projeto e que tinha trabalho no escritório. – Se ficar aqui, vai contagiar todo mundo com seu nervosismo. Ele passou a mão pelo rosto. – Desculpe. É que... O sucesso deste café é importante. Significava demais para ele. E Neen não entendia por quê. Parecia que todo o valor pessoal de Rico estava contido nesse projeto. E se falhassem...

Ela ergueu os ombros. Esse projeto não falharia. Não permitiria. – Vá cuidar da sua vida, Rico, e só volte depois das 14h30 quando o movimento do almoço terminar. Vou recompensá-lo com café, bolo e um relatório completo. Ele se virou para ir embora. Raios! Neen refletiu que não podia deixá-lo partir com aquele rosto sombrio. Colocou-se na sua frente e disse: – Deseje-me sorte. – Neen, nos últimos dias, trabalhou tanto que já selou a sua boa sorte. Estendeu as mãos e segurou-a pelos ombros. Neen juraria que desejava

beijá-la, mas esse momento passou, e ele apenas disse: – Boa sorte. Em seguida desapareceu. Neen se voltou para o café. Era disso que precisava para afastar os maus pensamentos. Isso! Não um homem problemático que... Tratou de pensar em outra coisa, respirou fundo, e contou até três. Concentre-se no café. Era tudo que precisava fazer. O PRIMEIRO freguês... Na verdade, fregueses, pois eram três... Entraram no café exatamente às 8h, depois que Rico foi embora. Pediram ovos mexidos com

torradas, e Neen os brindou com café de graça. Travis preparou os ovos, Neen fez o café, e tudo transcorreu bem. Atrás do balcão os dois se cumprimentaram pelo sucesso. A partir daí, os fregueses foram chegando com regularidade. Nada de afobação, mas em número suficiente para mantê-los ocupados. Houvera muita propaganda pelo rádio na última semana, e o tempo agradável de setembro fazia as pessoas saírem de suas casas para aproveitar o sol, os parques com vista para o porto, e o próprio porto. Mas o dia não transcorreu

completamente livre de incidentes. Quebraram alguma louça, um dos garotos derramou café na mesa, e uma pizza queimou. Porém tudo foi encarado com bom humor. Enquanto o dia avançava, Neen percebeu que o café seria um lugar divertido. Talvez fosse o modo como o sol se infiltrava pelas duas janelas abauladas. Quem sabe fosse o clima despretensioso com as mesas de madeira rústica e os enfeites simples. Ou, ainda, a camaradagem entre a equipe de trabalho. Na opinião de Neen, outro fator positivo era não terem enchido o café de

mesas, pois isso dava amplidão para o recinto e os fregueses tinham mais privacidade. Um deles confidenciara para Neen: – Sinto como se vocês não se importassem se eu ficasse sentado aqui o dia inteiro. – Diante disso, Neen mordeu o lábio, e o homem perguntou. – Seria um problema se eu trouxesse meu laptop nas quartas-feiras pela manhã, ficasse naquela mesa do canto e trabalhasse algumas horas tomando café e bebendo água mineral? – Vou reservar a mesa para o senhor – decidiu Neen sem mais hesitação. Retornando ao momento presente,

consultou o relógio: 14h15. Esperava que Rico aparecesse a qualquer momento agora. Os meninos estavam ocupados com seus afazeres. Quando uma nova cliente entrou, uma senhora obviamente italiana e gorda, Neen lançou um olhar para Luke, que logo pegou seu bloco com lápis. Neen rumou para a cozinha a fim de retirar a louça limpa da lavadora e colocar mais. Estava para fazer isso quando Jason surgiu. – Oi, Neen... Humm... Não precisou dizer mais nada; a expressão de seu rosto a alertou que havia problemas. Ela sorriu de modo

encorajador e rumou para fora. Não ouvira o barulho de louça quebrada nem gritos ou... Entretanto, parou de supetão ao ver a senhora com ar de italiana passando um sermão em Luke. Seu instinto maternal subiu à tona, porém tratou de sorrir com profissionalismo e se aproximou. – Como vai, sou Neen, a gerente. Posso ajudar? – Vocês empregam aqui criminosos e delinquentes! Neen fitou Luke, que ergueu o queixo com olhos faiscantes, e se justificou: – Só perguntei se poderia anotar seu pedido. Não fiz nada de errado.

– Já conhecia esta senhora, Luke? – Não falem como se eu não estivesse aqui! – exclamou a mulher. – Não, nunca a vi antes – respondeu Luke. – Não sei por que está tão zangada. Neen tomou o bloco e o lápis das mãos do garoto. – Obrigada, Luke. Gostaria que fosse ajudar Travis na cozinha. Luke obedeceu, e Neen se voltou para a cliente. – Poderia me dizer qual é o problema, senhora? – O problema são os delinquentes empregados neste café!

Neen se aprumou. – Sem dúvida não fazemos isso, senhora. Fornecemos treinamento para jovens carentes e que não tiveram ainda grandes oportunidades na vida. Minha equipe trabalha muito, são todos inteligentes e ativos. Tenho orgulho deles. A mulher se levantou. Era muito alta, e Neen percebeu algo familiar nos seus olhos. Tentou descobrir o que era, mas não conseguiu. – Deveria empregar bons rapazes. Gente que não dê medo na clientela e que não roube – disse a mulher. – Meus rapazes jamais roubam! –

Apontou para a tabuleta à porta que explicava as atividades do local. – A senhora escolheu entrar neste café sabendo que tipo de programa dirigimos aqui, e ninguém a obrigou a isso. A mulher a fitou com indignação. – Está me expulsando? – Estou dizendo que se escolher frequentar este estabelecimento irá tratar minha equipe com o respeito que merece – retrucou Neen com as mãos nos quadris. RICO OLHOU por uma das janelas do café. Três mesas estavam ocupadas, e podia ver mais fregueses espalhados. O aperto em seu peito diminuiu.

Abriu a porta, entrou... E ficou imóvel. Neen estava parada a poucos metros com as mãos nos quadris, parecendo um anjo vingador. E então a ouviu dizer: – Tratar minha equipe com o respeito que merece. Ela tinha muita personalidade. E você não vai estragar tudo dando um beijo em Neen outra vez!, pensou. Afastou os olhos dela para se fixar na sua interlocutora, e então seu peito se fechou de novo e seu sangue congelou nas veias. Respirou devagar e se aproximou, dizendo:

– Olá, mamãe. Neen ficou paralisada da cabeça aos pés, e arregalou os olhos. – Esta senhora é sua mãe? – perguntou com voz trêmula, logo se voltando para a italiana. – É a sra. D’Angelo? – Sim, sou. De súbito, Neen apontou um dedo para Rico e para sua mãe. – Sentem-se aqui, por favor, e trarei qualquer coisa que pedirem, mas peço que não façam uma cena... Entenderam? – É claro – garantiu Rico. Neen não se moveu até que a mãe aquiesceu com um gesto de cabeça. – Obrigada. – Neen voltou a

empunhar o bloco de pedidos. – Por favor, sentem-se e se divirtam. Rico se dirigiu à mãe. – Oi, mãe, tudo bem? O que faz aqui? – Queria ver com meus olhos este café no qual perde tanto tempo. Estava curiosa para conhecer os criminosos sanguinários que emprega aqui e poder identificá-los quando você for encontrado morto em um beco. Por cima do ombro da mãe, Rico viu Neen ajeitar o colarinho de Luke, erguer seu queixo e fazê-lo aprumar os ombros. Disse algo em voz baixa que o fez sorrir, e depois colocou o bloco e o lápis em sua mão, apontando na direção

de outro cliente que aguardava atendimento. Mãos de ferro apertaram o peito de Rico. Apenas uma vez na vida desejaria que sua mãe fosse tão carinhosa assim. Fitou a sra. D’Angelo e retrucou: – Não estou perdendo meu tempo. Estamos realizando um bom trabalho aqui. E, para sua informação, estes garotos nunca tiveram problemas com a lei. Não são ameaça para ninguém. Muito menos para ele. A mãe fez um muxoxo de pouco-caso e descrédito. Se pelo menos fosse a preocupação que a tivesse levado ali, mas Rico sabia

que eram os dez anos de amargura e ódio. Amargura e ódio que você bem merece. Há muito desistira de conquistar a aprovação da mãe. Ele a desapontara e ela nunca o perdoara por isso. Se pudesse voltar no tempo... Mas não podia. Neen colocou duas xícaras com cappuccino fumegante sobre a mesa e duas enormes fatias de sua torta de maçã ácida com uma generosa camada de creme por cima. Rico ficou com água na boca. Neen cruzou os braços sobre o peito

sem sair de perto da mesa. – Vamos lá. Provem. Rico não precisou de mais encorajamento. Serviu-se de um pedaço de torta com creme e fechou os olhos. Estava ainda melhor que da primeira vez. A mãe o fitou um pouco espantada. – Desculpe a sofreguidão. Não almocei... E isto é bom demais – murmurou ele. A senhora experimentou um pedaço da torta, e ergueu os olhos arregalados para Neen perguntando: – Foi você quem fez? – Sim. Receita do meu avô.

– Rico lhe contou que tenho meu próprio restaurante? – disse a sra. D’Angelo. – Não. – Gostaria de compartilhar essa receita comigo? – Terei que cobrar – respondeu Neen com calma. Rico engasgou, mas a mãe abriu a bolsa imediatamente. – Quanto quer? Neen começou a rir. – Guarde seu dinheiro, sra. D’Angelo. Não é isso que procuro. – Fitou Luke do outro lado do salão enquanto ele servia dois milkshakes. – É o primeiro dia de

trabalho daquele garoto e a senhora quase abalou sua confiança. Se estiver disposta a pedir desculpas para ele, darei a receita. A senhora fitou Luke e a torta. Recostou-se na cadeira e analisou Neen. – Rico me disse que esses rapazes nunca se envolveram com a polícia. – É verdade – respondeu Neen. – Então mande aquele garoto vir aqui quando puder. E depois você quer se sentar conosco? – Adoraria – aceitou Neen. – Boa menina – comentou a mãe de Rico. Momentos depois, Luke se

aproximou, dizendo: – Neen disse que a senhora quer falar comigo? Rico sentiu orgulho de seu protegido. Luke estava se esforçando para ser profissional, apesar do preconceito da sra. D’Angelo, mas tinha certeza de que era uma luta difícil para um garoto já cheio de problemas. – Meu jovem, devo-lhe desculpas. Tirei conclusões apressadas e fui áspera com você. Sem dúvida trabalha muito, e seu patrão tem todo o direito de se orgulhar disso. A expressão de Luke era de quem não acreditava no que estava ouvindo, e de

olhos baixos, murmurou: – Obrigado, senhora. – Relanceando um olhar para Rico, voltou para a cozinha. Trinta segundos depois, Neen voltou com mais café e uma fatia de torta para si, dizendo: – Infelizmente não almocei também. – Ossos do ofício – retrucou a mãe de Rico, estendendo a mão. – Sou Bonita D’Angelo. Neen estendeu sua mão também. – Neen Cuthbert. De repente, Rico se sentiu um intruso enquanto as duas praticamente o ignoravam. Entendia que a mãe agisse

assim... Mas, Neen? Tratou de voltar a atenção para sua torta. – Também lhe devo desculpas, Neen, por ter maltratado seu funcionário, mas... – A senhora suspirou. – Vivo com medo de receber a notícia de que Rico foi apunhalado por um dos garotos que ajuda. A demonstração de amor maternal era fingida... Rico tinha certeza... Seu coração, porém, bateu mais forte de qualquer maneira. Por trás das palavras doces, havia uma vontade de ferro, e sua mãe estava determinada a fazê-lo se dobrar se pudesse.

– Compreendo – replicou Neen. – Mas Rico é crescido e sabe se cuidar. Posso garantir que a equipe aqui é de confiança. – Agora acredito nisso – murmurou a mãe. Neen tomou um gole de café. – Vou escrever a receita para a senhora, sra. D’Angelo, e Rico entregará na sua mão. – Não, não – protestou Bonita. Neen e Rico a fitaram arregalando os olhos. – Você e meu filho... São amigos, não? Neen olhou para Rico.

– E você dá ordens como se fosse a chefe aqui – comentou Bonita. Neen resmungou: – Tento manter a disciplina, mas só quando ele permite. Um brilho surgiu nos olhos da mãe, e Rico não conseguiu defini-lo. Ela sorriu. – Então... Amigos, certo? Ele não tinha certeza qual a ideia que surgira na mente da mãe. Abriu a boca para falar, mas Neen se insinuou primeiro: – Sra. D’Angelo, Rico e eu nos conhecemos há 15 dias. Nosso relacionamento é profissional. Mas... A senhora se inclinou sobre a mesa

tão depressa que quase derrubou o café de Neen. – Sim? – Bem, ele é muito mandão... O que me deixa louca... Mas também é muito disponível, e agradeço por isso, então, sim, talvez Rico e eu estejamos nos tornando amigos. Mas é só isso. – Neen se recostou e o fitou. – Agora vai me contradizer e alegar que não tem tempo para amizades? – Jamais diria algo tão grosseiro – replicou ele. Neen sorriu e fitou Bonita. – Sem dúvida a senhora lhe deu uma boa educação.

Foi a vez da sra. D’Angelo rir. – Excelente! Rico precisa de uma amiga. Talvez você consiga fazê-lo ter bom senso. Então escreva sua receita e venha jantar na segunda-feira com meu filho, às 19h30. Neen piscou diversas vezes. – Mãe – interpôs Rico –, talvez Neen tenha outros planos. Bonita a encarou: – Tem planos? – Bem... – Neen hesitou. – Viu? – disse a senhora se voltando para o filho. – Não tem! A não ser que esteja com medo da minha comida. Para alívio de Rico, Neen deixou

escapar uma risada. – Agradeço e aceito o jantar, sra. D’Angelo. Obrigada. – Que moça gentil. – Bonita acariciou o rosto de Neen. – Agora preciso ir. Levantou-se e estendeu a face para Rico, que a beijou por dever. Ela deu mais uma olhada geral no café e suspirou. – Ah, Rico... Em seguida, partiu, e Rico se recostou na cadeira. Neen a observou sair e depois deixou pender os ombros parecendo menos tensa. – Uau, sua mãe tem uma

personalidade e tanto. E não aprova o trabalho que você faz, não é? – Grande novidade! – resmungou ele. – Anime-se, Rico. É uma verdade universal que as mães de vez em quando nos constrangem. Ele achou graça e voltou a se dedicar ao pedaço de torta. De fato, Neen estava comprometida com seu trabalho do modo como defendera Luke. Mais do que imaginara. E dissera que eram amigos. Olhou em volta e de repente percebeu que se sentia mais em casa ali, no café de Neen, e não havia dúvida para ele que o café era dela, do que na casa da mãe.

E por um instante se deixou envolver por essa alegria sem culpa. NEEN DECLAROU que o dia da inauguração fora um retumbante sucesso. O mesmo aconteceu no dia seguinte, mas na sexta-feira, no meio do horário frenético do almoço, Travis recebeu um telefonema. Enfiando o celular no bolso, ele informou: – Neen, preciso sair. Ela se voltou da salada que preparava. – Quê? Ir aonde? Estamos na hora do almoço, Travis. Precisamos de você. – Problemas em casa.

– De que tipo? O rapaz lhe lançou um olhar agoniado. – Meu irmãozinho. Certo. – Dê-me 30 segundos – pediu Neen. Saiu da cozinha, comunicou aos outros garotos que estavam encarregados do estabelecimento até a volta de Travis, e checou os pedidos, retornando à cozinha. – Pode ir, Travis. NEEN TRATOU de trabalhar a todo vapor, seguindo o ritmo alucinante da cozinha enquanto novos pedidos não paravam de

chegar. Só esperava que os meninos estivessem dando conta do recado lá fora. – Que diabos...? Ela nem teve tempo de erguer o rosto para Rico que entrava nesse momento na cozinha. Não o via desde quarta-feira, dia da inauguração, e uma onda de excitação a dominou, mas continuou a prestar atenção na omelete que fazia. – Onde diabos está Travis? – perguntou ele. – Emergência em casa. Algo com seu irmão menor. Rico praguejou. Mais pedidos iam se acumulando

sobre a janela aberta da cozinha. – Sua família é dona de restaurante– disse ela por fim, erguendo os olhos. – Deve haver alguém com experiência na cozinha para nos ajudar. Ele sorriu com um sarcasmo que Neen não entendeu. – Sem chance. Dessa vez foi ela quem praguejou, mas ali na sua frente estava sua última chance, e pediu: – Arregace as mangas, D’Angelo. Essa é a melhor hora para começar a aprender. Há um avental sobrando no armário ali. E Rico a surpreendeu. Foi rápido e

seguiu suas instruções ao pé da letra. Na verdade, foi brilhante. Quando o pico da hora do almoço decresceu, Neen se voltou para ele com o coração quase parando. Nunca o vira tão... Vivo! As faces coradas, e os olhos brilhantes que a fizeram sorrir. – E agora? – perguntou ele. Dessa vez, Neen deixou escapar uma risada. – Já não sofreu bastante por um dia? Quer mais? – Isso é maravilhoso, Neen. – Fez um gesto abrangendo a cozinha inteira. – A correria e o calor. Sabia que era um trabalho compensador. Sabia!

Ela prendeu a respiração diante desse novo Rico, tão cheio de vida e alegria. Percebeu que o encarava, e baixou os olhos. – Mentiroso! – exclamou dando um tapinha amigável em seu braço para disfarçar. – Entende muito bem de cozinha. Ele parou de sorrir. Seus olhos voltaram a ficar sombrios enquanto a fitava. – Minha mãe não me deixava chegar nem perto da cozinha do restaurante. Quando me via metendo o nariz na cozinha de casa, me castigava. – Mas por quê? – perguntou Neen

espantada. Ele ficou em silêncio Não seja curiosa! Assim pensando, ela engoliu em seco. – E que tal agora? É adulto e faz o que quer. – Um pouco de curiosidade não iria matar ninguém. – Deve entrar na cozinha de sua própria casa quando tem vontade. – Lançou-lhe um olhar de esguelha. – Você mora sozinho, não mora? Ou ainda está na casa de seus pais? – Claro que não estou mais na casa de meus pais! Que alívio. – Mas compro comida congelada.

Neen cruzou os braços sobre o peito. – Jamais cozinha? – Não. Toda a animação e contentamento haviam desaparecido dele como em um passe de mágica. – Uau! Incrível. Porque, Rico, você tem um talento natural para a cozinha. Ele voltou a sorrir com ironia. – Apreciaria se não repetisse isso para minha mãe. Não deu maiores explicações, e ela não perguntou mais nada. Tinha medo de chorar. Depois que Luke veio buscar o mais recente pedido, Neen se virou para

Rico. – Sobre segunda-feira à noite... Se prefere que dê uma desculpa para sua mãe... – E acha que isso a fará desistir? – Rico a fitou com delicadeza. – Será muito bem-vinda, acredite. E minha mãe é excelente cozinheira. Você merece que alguém a sirva, para variar. Quero que vá. Ela engoliu em seco e murmurou: – Nesse caso, aceito. – Franziu a testa. – Mas não será um encontro para nós dois, certo? Ele sorriu. – Claro que não. Amigos. É só isso,

Neen. Vou buscá-la às 19h. Amigos? Bem, isso era melhor do que nada. Enquanto pensava assim, Neen o viu desenrolar as mangas da camisa e vestir o paletó, e lembrou do modo como ficara animado e feliz há pouco. – Pode voltar e brincar de cozinheiro quando quiser. – Vou me lembrar disso, Neen. Mas, no íntimo, ela sabia que seria muito melhor se ele ficasse longe.

CAPÍTULO 6

QUANDO

RICO foi embora, Travis surgiu das sombras da despensa. Neen suspeitou que estivesse ali há algum tempo, mas nada disse. Ao contrário, saudou com um sorriso: – Tudo bem? Ele aquiesceu com um gesto de cabeça relutante e virou-se para trás. – Importa-se que meu irmãozinho fique no quintal até meu turno acabar? Juro que não dará trabalho. Neen franziu a testa e foi olhar pela

porta dos fundos; um garotinho molhado de chuva e sujo se sentava no último degrau, chutando uma bolinha de tênis com ar desconsolado. O coração de Neen se apertou. – Uau, Travis, não estava brincando quando disse irmãozinho, estava? – O menino não tinha mais de que 7 anos. E ela percebeu o medo na expressão de Travis. – Por que não faz seu irmão se sentar em uma das mesas do canto e lhe dá algo para comer, um milkshake, uma revista em quadrinhos ou algo assim? O rosto de Travis se iluminou. – Tem certeza? – Claro que sim. – Ela ia dar as

costas, mas mudou de ideia. – Travis, vocês dois estão seguros? – Claro que sim – respondeu Travis, erguendo o queixo. – Então por que não contou a Rico sobre sua ausência do café? – As coisas não andam bem na minha casa nesse momento, mas em poucas semanas serei maior de idade. Então poderei levar Joey e me tornar seu guardião legal. – Rico tomaria conta dele. – O patrão podia não ser caloroso com os garotos do café, mas os respeitava e se preocupava com eles. – Se Rico soubesse como as coisas

andam mal, chamaria o Serviço Social. Sei que ele é um bom sujeito, mas a verdade é que colocariam Joey em um lar de adoção... – Travis cerrou os punhos. – Seis semanas, Neen. É tudo do que preciso. As lágrimas queimaram os olhos de Neen. Às vezes, tudo que uma pessoa precisava era amar alguém... Como sem dúvida Travis amava o irmão. E como ela amara o avô. E como desejara ser amada por Chris. Sufocou um suspirou e passeou o olhar pelo quintal. Tudo parecia estar em ordem. Nada dizia tome cuidado. Porém, o cabelo em sua nuca se eriçou.

Voltou a atenção para Travis. – Será que você ou seu irmãozinho estão correndo perigo? – Posso afastar o perigo, prometo. – Caso se meta em algum problema, promete me chamar? Tem o número do meu celular– pressionou Neen. Ele aquiesceu com um gesto de cabeça. Neen suspirou aliviada, porém o aperto no peito continuou. – Que tal trazer Joey sempre para cá depois da escola? Ele arregalou os olhos. – Tem certeza? – Absoluta.

Então Travis sorriu, chamando: – Ei, Joey, venha conhecer a srta. Cuthbert. RICO FEZ a volta no porto e diante dos olhos surgiu uma mansão no bairro chique de Sandy Point; o queixo de Neen caiu. – Você foi criado aqui? Ele franziu a testa. – Onde achava que cresci? – Diante de sua tendência para a caridade, pensei que tivesse crescido na pobreza. Ele torceu a boca. – Não deixe minha mãe ouvir isso. Esse sorrisinho... Neen engoliu em

seco. Seu coração pulava no peito cada vez que ele sorria assim. Afastou o rosto. Entretanto, era difícil fugir ao magnetismo de Rico. Já o vira engravatado e usando seus ternos de executivo. Já o vira de jeans, displicente e simples, porém essa noite usava calça cor de areia, uma camisa polo azul, e... Ela cerrou os punhos. Essa noite sua masculinidade estava forte demais. – Vamos lá – disse ele. – Que esse jantar acabe logo. – Então não está esperando uma noite divertida? Ele não respondeu.

Rico tinha dois irmãos mais velhos, ambos casados, que trabalhavam no restaurante da família e pareciam muito felizes com isso. Ele não falou muito. Neen lembrou dos comentários de Bonita no café, e não o culpou por isso. Lembrou-se dele na cozinha na sexta-feira, vibrante e animado. Por que a família não lhe permitira trabalhar no restaurante como os irmãos? Ela mordeu a língua, mas a perguntou ficou martelando seu cérebro. – Então, que tal minha comida, Neen? – perguntou Bonita em meio ao jantar. – Deliciosa!

Bonita pareceu vibrar de contentamento. – Rapazes, Neen é maravilhosa com doces. – Apontou um dedo brincalhão para a convidada. – Meus espiões me trouxeram relatórios sobre seu cheesecake, pudins e torta de limão. – Fitou Rico. – Talvez eu tente atraí-la para meu restaurante. Rico enrijeceu na mesmo hora. – Nem tente fazer isso! – Posso pagar o dobro do que você lhe paga. Neen entrou na discussão dizendo: – Estou comprometida com o projeto de Rico durante um ano. Dei minha

palavra, e o trabalho é interessante... Estou gostando. E o trabalho a afastara das preocupações. Até seus momentos livres eram agora preenchidos com planos e não com medo... Ou angústia sobre o testamento do avô. Respirou fundo e lembrou que tinha muito que agradecer. – Se mudar de ideia... – murmurou Bonita, olhando do filho para Neen. E Neen se perguntou por que o relacionamento entre ele e a família era tão tenso. Oh, Rico era complicado, sem dúvida, e Bonita obviamente era dominadora, porém parecia se dar muito bem com os filhos mais velhos.

O que Rico fizera para a mãe desaprová-lo tanto? – Neen, quem sabe consegue convencer meu filho a ter mais juízo? Ao seu lado, Rico enrijeceu, e ela desejou segurar sua mão sob a toalha de mesa. Não parecia justo que todos ali estivessem contra ele. Especialmente quando trabalhava com algo tão honrado. Neen engoliu em seco e perguntou: – Juízo a respeito do quê? – A respeito desse trabalho ridículo! Neen pousou os talheres junto ao prato. Rico lhe pagara aulas de defesa pessoal, dera-lhe um emprego

interessante, e estava efetivamente ajudando cada garoto que trabalhava no café. – O que há de errado com o trabalho de seu filho? – perguntou. É claro que precisava ser menos tenso e aprender a relaxar, porém, será que sua família não via o bem que praticava? – Trabalha com a ralé e marginais. Neen tentou manter a voz calma. – Esperava já tê-la convencido que os rapazes que trabalham no café não são nada disso, sra. D’Angelo. – Então fazem parte das exceções! – exclamou Bonita, fitando Rico. – Ele deveria ter sido médico. Tinha cérebro

para isso. Era o maior desejo de seu pai. Trabalhamos como escravos e economizamos cada centavo para poder mandá-lo para a faculdade de Medicina. Neen franziu a testa e perguntou: – Então não criaram seus filhos nesta casa maravilhosa? – Céus! Não! – Bonita mencionou um bairro da periferia famoso pela criminalidade. – Era lá que vivíamos antes de ficarmos bem de vida. E quando meu amado Nico faleceu, prometi que enviaria Rico para a faculdade de Medicina. Ao lado de Neen, Rico se mantinha quieto e tenso. Neen tentou mudar de

assunto para não perturbá-lo ainda mais e perguntou: – Quantos anos tinham seus filhos quando o pai faleceu? – Rico tinha apenas 15 anos. – Deve ter sido muito difícil criar três garotos sozinha – comentou ela, e de repente a expressão de Bonita D’Angelo se tornou sombria. – Eu fracassei. – Claro que não – interpôs Rico com calma, mas com firmeza. – Por acaso você cursou Medicina? – retrucou a mãe com tanta amargura que fez Neen estremecer. – Creio que, para ser médico – ela se

meteu na conversa –, é preciso uma grande vocação. – Neen não conseguia imaginar Rico como médico. Seus modos frios assustariam os pacientes. – A senhora não fica feliz por vê-lo fazer o que gosta e não ser um médico frustrado? E Rico faz o bem para tantas pessoas... – Acha que ele é feliz? – interrompeu Bonita. Neen sentiu um aperto no coração, pois a resposta que teria que dar seria um sonoro não. Rico não era feliz. Ela o fitou. Por que não dizia nada? Por que não se defendia? Então ela finalizou:

– Creio que Rico é adulto e livre para tomar suas próprias decisões. Devemos respeitá-lo. – É uma boa garota, Neen, mas não é mãe – retrucou Bonita. Depois disso não se falou mais no assunto. – BEM, FOI divertido – disse Neen, forçando a animação na voz, enquanto deixavam a casa dos D’Angelo. Rico sabia que Neen estava tentando fazê-lo rir, porém não conseguia. Pensara que a presença dela esta noite no jantar impediria as lenga-lengas da mãe. Entretanto, fora pior. E, como sempre, ele precisara morder a língua e

deixá-la desabafar, porque havia muita verdade no que sua mãe dizia. Ele a decepcionara. Era justo que pagasse o preço. Mas Neen não precisava ouvir sobre seus problemas particulares. Já tinha os seus. Ela suspirou. – As segundas e terças-feiras equivalem ao fim de semana para mim. – E eu estraguei isso? – Claro que não! Sei que para você pode ter sido um pesadelo, mas eu me diverti. – É mais fácil lidar com a família dos outros do que com a nossa própria, não

é? Neen não respondeu e ele tornou a se concentrar na estrada. – Suspirei porque hoje corresponde ao meu sábado, e provavelmente irei para a cama às 23h. Só tenho 25 anos. Não é trágico? Imediatamente, Rico parou no acostamento e começou a pensar onde poderia levá-la. Neen merecia depois de ser obrigada a aguentar sua família no jantar. E ela o defendera com unhas e dentes. Não podia se esquecer disso. – Então – murmurou – vamos nos divertir? Mesmo no lusco-fusco do carro, notou

como os olhos dela brilharam. Mas ela balançou a cabeça de modo abrupto. – Não. Você precisa trabalhar amanhã. Ele trabalhava todos os dias da semana. Fins de semana não faziam a menor diferença para Rico D’Angelo . – Aposto que não saiu desde que terminou com seu namorado cafajeste. Está pronta para uma aventura? – Eu... – Diga a verdade, Neen. Ela ergueu e abaixou as mãos para então dizer: – Adoraria uma aventura.

RICO P RECISOU sufocar uma risada quando Neen deu um pulo à mesa de jogo, gritando: – Ganhei! De novo. – Batia palmas e ria. – Oh, Rico, obrigada. Estou me divertindo muito. Sempre vivi em Hobart, mas é a primeira vez que venho ao cassino e jogo. O cassino Wrest Point era um local famoso em Hobart. – Venha, vou ensiná-la a jogar dados. Depois dos dados, foi a roleta, e a diversão não parecia ter fim para Neen. Quando um novo dia já começava, rumaram para o bar e sentaram em uma mesa com vista para a água. Rico pediu

champanhe para ela e cerveja para si. Um drinque não faria mal. Um drinque podia levar a dois, e... Tratou de não pensar nisso. Um drinque não levaria a nada. Não tinha mais 17 anos. Mantinha um rígido controle sobre si mesmo atualmente. – Isso era exatamente do que precisava – disse Neen de súbito, fazendo um gesto que abrangia o ambiente. – Obrigada. – Fico feliz que esteja gostando. Não se importava em esvaziar os bolsos para agradá-la. – Não acho que deva permitir que Chris a torne uma eremita.

– Sim, sei disso. Depois que obtive a medida cautelar, ele parou de me assediar, e imaginei que tudo acabara para sempre. E quando recomeçou, fiquei sem saber o que fazer. Não sei por que, agora parece tudo sinistro. – Olhou em volta como se esperasse ver Chris aparecer. Se isso acontecesse, Rico iria... Mas violência não leva a nada de bom. Mesmo sabendo disso, tinha gana de acabar com o tal sujeito. Dez anos atrás, seria exatamente isso que faria. – Se um dia puser as mãos nesse tal de Chris, vou esganá-lo! Ela riu.

– Na verdade, é injusto colocar toda a culpa em Chris pelo fato de ser reclusa. Perder meu avô fez com que... – Mordeu o lábio. – Ele sabia sobre meu sonho de ter um café. Ele me encorajou e me disse que eu poderia obter o que quisesse na vida. Éramos unidos e sinto sua falta. Depois de sua morte, não quis mais sair e me divertir. – Lamento, Neen – murmurou Rico com o coração apertado por ela. – Graças a Deus tivemos a chance de dizer tudo que queríamos um ao outro antes de vovô morrer. Mas hoje me ocorreu que vou continuar tendo saudade dele, e que isso não deve impedir que

viva a vida. – Esse é o mesmo avô cujo testamento está sendo contestado? – Sim, e não há nada que possa fazer. – De repente, ela deixou escapar uma risada suave. – Mas eu tenho um emprego interessante e isso está me ajudando bastante. Entretanto, não era o café de seus sonhos nem de sua propriedade. – E por falar em profissão... – Ela riu com leve zombaria. – Um médico, Rico? Sério? – Não consegue me imaginar de jaleco branco com um estetoscópio pendurado no pescoço?

– Posso vê-lo com um uniforme branco de chef e uma espátula na mão – rebateu ela. Ele fez uma careta, e Neen percebeu que fora inconveniente. – Desculpe. Não tive intenção... – Não é culpa sua. No que diz respeito a minha mãe, um chef de cozinha é sinônimo de subalterno. – Mas, ela cozinha, e ninguém jamais a chamaria de subalterna – retrucou Neen espantada. – Levou muito tempo para chegar onde está e ser dona de seu próprio restaurante. Ela de fato se empenhou ao máximo para nos dar uma boa educação.

Brigou muito com meus irmãos quando quiseram ser cozinheiros também. – Então depositou todas as esperanças em você? – Neen tocou sua mão. – Rico, acredite, sei o que é desejar agradar os parentes. Porém, não acha que é mais importante ser fiel a si mesmo? Creio que, quando sua mãe perceber como é feliz no que faz, irá voltar atrás. Se ele tivesse apenas que lidar com o desapontamento da mãe. Mas não era assim. Louis. Seu melhor amigo morrera com 17 anos, e Rico fora o responsável. Ele arranjara as drogas compradas com o dinheiro que tirara da bolsa da mãe. Ele oferecera as drogas a Louis.

Sentiu o estômago arder. Jamais devolveria Louis para sua família. Tudo que podia fazer era tentar consertar da única maneira que sabia... Protegendo adolescentes vulneráveis e impedindo que cometessem os erros que ele e Louis haviam cometido. Fitou a linda mulher do outro lado da mesa e decidiu não estragar sua noite contando uma história tão feia. Ele a desejava, desesperadamente, mas não podia tê-la. Tinha um coração negro, porque roubara a vida de seu melhor amigo. Não tinha direito a viver sua própria vida plenamente. NEEN

E

Travis limpavam a cozinha

quando a sineta da porta tocou. Ela esperou que alguém abrisse. – Travis – Jason apareceu na porta da cozinha –, pode vir até aqui um momento? Travis saiu correndo, e Neen o seguiu, imaginando que era de novo uma emergência em sua casa. Porém, o problema não era com Travis, mas com ela mesma. Chris. Ele estava parado no meio do salão. Travis e Jason barraram o caminho de Neen. – Por favor, Neen, preciso falar com você – disse Chris.

Ela sentiu o sangue congelar nas veias. Sua necessidade de amor a fizera correr um grande perigo... E não sabia quando esse perigo terminaria. Ela chamou Joey, que se colocou ao seu lado. Passou um braço pelo seu ombro enquanto o entendimento surgia no rosto de Chris. – Jamais machucaria um garoto! E nunca machucaria você! Porém ela não deixou de notar seus punhos fechados. – Está desobedecendo a ordem judicial, Chris – disse com calma. – Por favor, vá embora antes que eu chame a polícia.

– Olhe, você precisa saber... Chris se interrompeu quando Travis deu um passo à frente flexionando os músculos dos braços. – Ela pediu que saísse. Uma ameaça velada pairou em sua voz, e Neen não reconheceu seu dócil ajudante de cozinha. Praguejando, Chris deu meia-volta e saiu. Travis trancou a porta e virou para fora o aviso de “Fechado”. Neen fitou os rapazes. – Como souberam quem era ele? – perguntou. – Rico. Uma palavra, mas cheia de

significados. No final, tudo que ela fez foi dar de ombros. – Obrigada. RICO ENRIJECEUcom os punhos cerrados em volta do telefone. Chis aparecera no café? – Não a deixem ir embora até eu chegar. – Certo. Desligou ao ouvir a resposta de Travis, pegou o paletó pendurado nas costas da cadeira e correu para a porta. – Rico, aonde vai? – Lisle quis saber. – Tem uma última reunião com aquele membro do Parlamento! – Dê uma desculpa – avisou Rico,

saindo. Travis o fez entrar no café cinco minutos mais tarde. – Que rapidez! – comentou o rapaz. Neen entrou no salão. – Travis, sabe onde... Parou de supetão. – Rico. Então sorriu e ele pensou que fosse desabar. – Que bom vê-lo. Ele evitara o café na última semana. Neen trazia todos os seus instintos de garoto mau à tona... Mas não era culpa dela. Neen não merecia um amigo como

ele. – Estou indo embora – anunciou Travis. – Pronto, Joey? Só então Rico notou a presença de Joey, que se sentava a um canto escuro. O menino se levantou e abraçou Neen pela cintura. – Até logo, Neen. Ela despenteou seu cabelo em um gesto carinhoso e lhe entregou um saco de papel que ele segurou com cuidado. Quando passou por Rico para fechar a porta após a saída dos adolescentes, Rico sentiu seu perfume de rosas. Na verdade, era uma mistura de aromas... Mirtilo, coco, e algo floral.

Um profundo silêncio caiu sobre o salão. – Tudo bem? – perguntou ele por fim. – Joey às vezes vem para cá esperar pela saída do irmão Travis. É um bom garotinho. Ele franziu os lábios. – Você não respondeu minha pergunta. Ela limpou o balcão com um pano, dizendo: – Rico, sabia que Travis faz 18 anos em breve? – E daí? – Bem, acho que está trabalhando com muita segurança.

Rico esperou que fosse verdade. Porém não era por isso que estava ali. – Então Travis telefonou para você e avisou que Chris estava aqui? – perguntou ela. Rico a fitou com desconfiança. – Ficou aborrecida comigo? Com Travis? – Claro que não! Como pode pensar isso? Vocês tomam conta de mim e agradeço. De maneira impulsiva, Rico a tomou nos braços e apoiou a cabeça de Neen em seu ombro. Por um momento, ela ficou quieta, e tudo foi maravilhoso, mas foi um momento breve.

Então ergueu a cabeça, puxou o cabelo para trás das orelhas e se afastou. – Aprecio o fato de você e os rapazes tomarem conta de mim, apenas... Detesto o fato de precisar dessa ajuda. – Você chamou a polícia? Ela balançou a cabeça em negativa. – Então vamos chamar agora. – Assim dizendo, ele retirou o celular do bolso. – Chris desobedeceu a ordem judicial de manter distância de você e vamos aproveitar a oportunidade. Se eu puser as mãos naquele sem-vergonha, filho... – Rico! Nada de palavrões no meu café. Não faço exceções!

– Café de quem? Ela ergueu o queixo, e ele as mãos em um gesto de rendição. – Certo... Seu café. E você não vai praguejar aqui. Ela sufocou um sorriso, e Rico refletiu. Neen estava se prendendo ao café. Aos garotos que trabalhavam ali. Como ele esperara que acontecesse.

CAPÍTULO 7

DEP OIS DE preencherem o boletim de ocorrência na polícia, Rico insistiu em levar Neen de carro para casa. Queria vê-la entrar em segurança. Queria garantir que passasse o ferrolho na porta. Precisava saber que ela estava a salvo. Pensou que ela fosse se negar, mas isso não aconteceu. Talvez a determinação dele a inibisse. Ou, quem sabe o incidente com Chris a tivesse assustado mais do que desejava admitir.

Rico estacionou em frente e, juntos, caminharam até seu apartamento. Monty começou a latir; o cão seria mais uma proteção. – Quero que tranque a porta com o ferrolho e... – Gostaria de entrar? – interrompeu ela. Algo se contorceu no íntimo de Rico. – Estou com fome – continuou ela. – Vou fazer um suflê de queijo e ervas finas. A receita que uso dá muito bem para duas pessoas. Rico se forçou a sorriu. – Deixa que eu bata os ovos? Ela deixou escapar uma risada, e

Rico percebeu que não ria nem sorria desde que ele entrara no café essa noite. Isso ajudou a desfazer o nó em seu estômago. – Bata os ovos quanto quiser. Vamos. É melhor deixar aquele cachorro maluco entrar na sala antes que os vizinhos reclamem. Monty a saudou com toda a alegria de seu grande coração canino, choramingando e balançando o rabo como se tentasse provar seu amor, rolando no chão e lambendo suas mãos e rosto quando ela se inclinou. Porém, em nenhum momento, pulou sobre Neen. – Monty está diferente – observou

Rico. – O passeador de cães que você me recomendou fez uma grande diferença. Em especial quando não chego cedo em casa. Monty está ficando muito bem educado. – Sorriu em agradecimento para Rico. Ele deu de ombros. Não fizera muita coisa. Ela mencionara que precisava de um passeador de cães, e ele conhecia um garoto com muito tempo livre e que necessitava se ocupar mais. Simples. – Monty... Vá para seu capacho. O dinamarquês imediatamente se dirigiu para o capacho no final da cozinha. Neen o presenteou com um osso

gigantesco, e ele começou a se deliciar roendo como um louco. Rico refletiu que talvez Neen tivesse razão... No bom sentido, animais de estimação e adolescentes precisavam de uma rotina e disciplina. Tinham mais em comum do que pensara. Ela brandiu um batedor de ovos com expressão zombeteira, e as linhas de expressão desapareceram momentaneamente de seu rosto. A rigidez dos ombros também pareceu diminuir. – Feitora de escravos – resmungou ele, estendendo a mão para o batedor de ovos, e tentando manter o momento o

mais leve possível. Foi recompensando com a risada de Neen. Ela se dirigiu até a geladeira e voltou com os braços cheios de ingredientes, perguntando: – Alguma vez já separou a clara da gema? – Se eu separei o quê? – Rico a fitou sem entender. – Bem, vamos nos divertir um pouco, e use isto. De uma gaveta, retirou um avental. Rico obedeceu, se dedicando à lição de corpo e alma, e determinado a fazê-la esquecer do incidente com Chris. Entretanto, à medida que seguia as

instruções e ia criando algo que jamais sonhara em criar, sua mente se alegrou. – Fácil, não achou? – perguntou Neen depois que ele colocou o suflê no forno. – Sim. Fazer... Isso... – Rico não sabia como explicar. Neen veio em seu socorro. – Fazer comida assim alegra a alma. Era exatamente isso! Nesse momento, ali, Rico se sentia mais vivo e feliz desde que... Louis. E como em um passe de mágica, a lembrança do amigo escureceu tudo de novo. O que pensava estar fazendo? Não viera ali para se divertir.

Uma súbita lufada de vento fez estremecer os galhos da árvore lá fora. Neen deu um pulo e tentou disfarçar pegando uma garrafa de vinho, mas Rico rangeu os dentes. Chris deveria ser açoitado por deixá-la assustada assim. Neen serviu o vinho, perguntando: – Já temperou uma salada antes? – Sou bom em fatiar pepinos. Ele disse isso com tanto orgulho que Neen gargalhou. Porém, dessa vez, a desconcentração não conseguiu afastar as sombras, e, sempre que Neen olhava para a janela com receio, Rico cerrava os punhos. Limpou a garganta.

– Você é uma professora nata... Sabia disso? Ela ergueu os olhos das verduras na saladeira. – Acho que são meus genes. – Seus pais são professores? Uma nuvem escura toldou seu olhar. – Não. Estava me referindo ao meu avô. Foi ele quem me ensinou a cozinhar. Era muito paciente e organizado, e tentei seguir seus passos. – Seu avô deve ter sido um homem e tanto. – Era mesmo – murmurou Neen. – Quando criança, passava horas descrevendo para meu avô o café que

um dia teria. E a decoração mudou quando cheguei à adolescência... De um conto de fadas cor-de-rosa para um lugar enfumaçado e com música de jazz ao fundo. O marcador de tempo no forno fez soar o alarme. – Hora de comer – disse Neen. – Ponha a mesa que trarei o jantar. Ela lhe dera total liberdade em sua cozinha, e mesmo sem conseguir explicar, Rico se sentia bem assim. Comeram à mesa da cozinha. O queixo de Rico caiu quando ela retirou do forno o suflê perfeito – Fui eu quem fiz – murmurou como

um bobo. – E está maravilhoso. Rico sentiu os ombros rígidos. – Sinta o aroma – Neen passou o suflê debaixo de seu nariz antes de colocar à mesa. – É o aroma que revela tudo. – Mas sem dúvida o lucro está no gosto? – retrucou ele com água na boca. Serviram-se e tomaram um gole de vinho. Rico provou o suflê e arregalou os olhos. – Manjar dos deuses – murmurou Neen. E ele fora o criador. Ele, Rico D’Angelo. De súbito ficou emocionado.

Não fazia sentido, mas lá estava o nó na garganta que por vários segundos o impediu de mastigar. Por fim, voltou ao normal e comeu. Sem nada dizer, Neen o serviu de novo. Rico comeu até quase não conseguir se mover. Ela sorriu. – Sente-se melhor? Sim, ele se sentia. – Rico – disse Neen como se lesse sua mente –, não há nada de errado em usufruir os frutos do seu trabalho. Isso – ela fez um gesto ao redor da cozinha – não machuca ninguém. Não machuca ninguém? Ela tinha razão e, por um momento, ele relaxou.

Não! Estava errado. Momentos assim o distraíam do que era realmente importante. – Um homem como você precisa sentir a própria alma, Rico. – Um homem como eu? – repetiu, sentindo frio na espinha dorsal. – Você é tão obcecado. Se não parar de vez em quando para recarregar suas baterias, irá enlouquecer. Ela falara em sentido figurado se referindo às suas emoções. Respirou fundo. – Meu trabalho me recompensa totalmente. – Besteira – resmungou Neen,

levantando-se e começando a tirar os pratos. – Quer lavar ou enxugar a louça? – Eu lavo e você guarda, pois sabe o lugar de cada coisa – resolveu ele, começando a lavar a louça com grande energia. – Por que não acha que meu trabalho é gratificante, Neen? – Já bastava o preconceito de sua própria família. – Porque você não sorri. Jamais. Ele a fitou sem saber o que dizer. – A não ser hoje quando fazia o suflê – continuou ela. – E quando o comeu. Ele tornou a ensaboar a louça. – Meu trabalho é importante. É vital estar sempre um passo adiante de quem

me critica. Preciso estar sempre aberto para as oportunidades de patrocínio e novos recursos. – Mergulhou os talheres na água. – E necessito ficar sempre alerta para as possibilidades de sociedades corporativas. E, para finalizar, tenho que manter aqueles garotos longe de encrencas. Portanto, não me resta tempo para sorrir! – Longe de mim dizer que não faz um excelente trabalho, Rico. Você é brilhante. Mas esse elogio não se comparava ao que ela fizera sobre seu suflê. Aquele sim fora um elogio! – O que estou dizendo é que precisa

fazer coisas apenas por diversão de vez em quando – prosseguiu Neen. – Gostaria que meditasse sobre o dia de trabalho que teve hoje. Assim dizendo, enfiou a mão dentro da água ensaboada para tocar a mão dele, impedindo-o de continuar esfregando a louça. Ficaram muito próximos. O perfume de Neen era embriagador, seus lábios rosados lembravam a decoração de um bolo. Ele fechou os olhos para afastar a tentação dos lábios cor-de-rosa e pensou no seu dia. Começara com uma reunião às 7h com o gerente de uma fábrica de sorvetes.

Tudo correra bem. O homem concordara em patrocinar um curso de treinamento na fábrica. Apenas um, mas já era alguma coisa. Depois comparecera a uma série de reuniões burocráticas... Uma perda de tempo que deixava qualquer pessoa atarefada com vontade de gritar. Depois houvera a análise da papelada, a chamada de um jovem pedindo conselhos sobre um assunto mais sério, e a rotina diária de preocupações que o trabalho lhe proporcionava. Um peso tomou conta de seus ombros. Abriu os olhos e encontrou Neen, que o fitava.

– Pensou? Agora quero que lembre do momento em que preparou o suflê. Ele ia começar a falar, mas ela o impediu, colocando um dedo em seus lábios. – Foi divertido, não foi? Sem dúvida que fora. Rico não tinha a intenção de negar. Porém fazer suflês não era importante como... Ele fechou os olhos de novo. Fora muito divertido. O modo como se sentira à vontade na cozinha de Neen... O aroma dos ingredientes... – Agora me diga com se sente em relação ao dia de amanhã, Rico. Já está cansado só em imaginar os problemas

que enfrentará? A resposta era sim. Mas... Não tão cansado como se sentira nessa manhã ou no dia anterior. Porque a lembrança desse jantar com ela lhe traria paz. Sua expressão deve ter revelado o que pensava, porque Neen exclamou triunfante: – Acho que me fiz entender. Sim, ela fizera se entender. E agora ela não sabia o que fazer com essa descoberta. – Quero agradecê-lo, Rico – disse Neen, enxugando as mãos e jogando o cabelo para trás. – O modo como Chris surgiu me apavorou, porém jantar com

você hoje me acalmou... Estou muito melhor. Missão cumprida para os dois. – Às ordens, Neen. Fitaram-se por um instante que pareceu uma eternidade, e depois ela se afastou de supetão, deixando Rico com a respiração apressada. – QUANDO VAMOS começar a trabalhar sete dias na semana? – perguntou Travis na tarde seguinte. O corre-corre da hora do almoço já terminara, e tinham apenas alguns fregueses retardatários, apreciando o café com bolo enquanto a chuva dominava o dia cinzento lá fora. O

tempo impedira muita gente de sair. Neen riu. – Inauguramos menos de três semanas atrás e você já está ansioso para expandir as operações? Travis continuou limpando a cafeteira. – Ora... Parece que estamos indo tão bem, e... Gosto de trabalhar aqui. – Não esperava gostar? – perguntou Neen, erguendo os olhos. – De início fiquei agradecido pela oportunidade, e agora gosto muito. Você também adora trabalhar aqui, Neen. Ela franziu a testa. Sim, era verdade. Esperara gostar, mas não adorar. Agora

nem mesmo sonhava com a abertura de seu próprio café. O talento de Travis para seu serviço aumentava dia a dia. Se continuasse assim, em breve os grandes hotéis turísticos iriam roubá-lo do café. De súbito, Neen percebeu o quanto sentiria falta do garoto se ele fosse embora. Mas, afinal, esse era o propósito do programa que Rico implementara: fornecer treinamento para os jovens e depois enviá-los para o mundo. Contudo... – Quais são seus sonhos, Travis? Como pretende fazer carreira? Preparou-se para ouvir que ele

desejava se tornar um grande chef de um hotel cinco estrelas, entretanto, a resposta a surpreendeu: – Quero fazer o que você faz, Neen. Gerenciar um café. Ela parou de limpar os talheres, perguntando: – Se o gerente do cassino Wrest Point entrasse aqui neste momento e lhe oferecesse treinamento para se tornar chef? – Aceitaria – respondeu Travis, mas com expressão triste. Sim. Porque era o que se esperava dele! Neen endireitou os ombros.

– Meu contrato aqui é de 12 meses, Travis, e depois pretendo abrir meu próprio negócio. Caso o tal gerente lhe oferecesse o estágio e Rico o convidasse a assumir meu lugar como gerente, mas pagando muito menos que o cassino, o que escolheria? – Ficar aqui. – E o dinheiro? – Posso cuidar de Joey com o que ganho agora. Trabalhando aqui fico com ele de noite e o levo à escola de manhã. Não poderia fazer isso trabalhando em um restaurante sofisticado. A mente de Neen começou a funcionar com velocidade.

– Se quiser posso treinar você... E quando estiver preparado, caso Rico concorde, faremos uma semana de sete dias e você ficará gerenciando o café duas vezes na semana. Os olhos de Travis brilharam. – Verdade? – Não estou prometendo nada, é Rico quem decide. Vamos ver o que ele dirá. Neen teve ímpetos de abraçar o garoto. Ele lutava tanto. Precisava de uma chance para realizar seus sonhos. O grito de Joey em seu cantinho de sempre os espantou. Neen procurou por Chris, mas não o viu. Era uma mulher que se aproximava do balcão.

– Belo estabelecimento – murmurou ela com a língua enrolada. O cheiro de bebida alcoólica provocou náuseas em Neen. Antes que pudesse perguntar o que a mulher queria, Travis segurou a intrusa pelo braço. – Mãe, disse para não vir aqui. Mãe! A mulher se soltou com um repelão, gritando: – Quero dinheiro, seu desgraçado ingrato... Dois clientes retardatários se levantaram imediatamente, pagaram e foram embora. Neen duvidava que fossem voltar diante da cena

constrangedora que presenciaram. A mãe de Travis olhou para a caixa registradora com ânsia. – Vai me dar seu salário, menino! Tenho direito. O último cliente se levantou às pressas, deixou o dinheiro sobre a mesa, e saiu. Joey se escondera debaixo de uma cadeira. Neen viu seus olhos arregalados e o rosto pálido, sentindo um aperto no coração. Sabia muito bem como o garotinho se sentia... Apavorado... E teve vontade chorar. Virou-se para a bêbada. – Olá, sra. Cooper. Prazer em conhecê-la. Sou Neen... Chefe de

Travis. – Mantinha a voz calma e controlada. – Sei quem você é. Vim aqui falar com meu filho. A porta do café se abriu e um novo cliente entrou. Neen manteve os olhos na mãe de Travis caso precisasse utilizar um dos golpes de defesa que aprendera. Engoliu em seco. Esbravejar com uma bêbada de nada adiantaria. Então abriu a caixa registradora e retirou uma nota de 20 dólares. – Se lhe der isto, promete ir embora? A sra. Cooper olhou para o dinheiro e lambeu os lábios. Neen nem olhara para o cliente que

entrara, mas ele correu até o balcão. Ela ergueu os olhos. Rico. Jamais ficara tão contente em vê-lo. Ele arrancou a nota de sua mão, e se virou para a bêbada: – Se não sair daqui agora mesmo, chamarei a polícia. Neen mal reconheceu esse homem frio como sendo Rico. Joey continuava debaixo da cadeira enquanto o rosto de Travis passava rapidamente da palidez para o vermelho. – Você não me assusta! – berrou a sra. Cooper. Rico pegou o celular no bolso. – Tudo bem. Vou embora –

resmungou a bêbada, percebendo que ele não estava blefando. Rico a acompanhou até a porta, abriu, e a fez sair. Depois trancou e colocou a tabuleta de “Fechado.” Virou-se para Neen. – Que diabos...? Travis soltou um palavrão e tentou esmurrar a parede, porém ela o impediu no último instante. – Respire fundo – pediu, enquanto Travis estremecia da cabeça aos pés. Neen fitou Rico e fez um gesto em direção a Joey. Rico convenceu o menininho a sair de seu esconderijo com facilidade. Neen

esperou que abraçasse Joey e o confortasse. Quando isso não aconteceu, abriu os braços e Joey correu para ela. Quando a tensão entre os dois irmãos desapareceu, ela disse: – Quero deixar claro que, seja lá o que sua mãe fizer, isso não irá refletir em vocês. Travis está realizando um ótimo trabalho aqui e estou orgulhosa. Não se esqueça disso, está bem? Por fim Travis sorriu. – Desculpe ter falado um palavrão. Pensei que ela fosse arruinar tudo. – Travis – choramingou Joey –, podemos dormir no barracão hoje de novo?

Neen estremeceu. – Quê? Nem pensar – exclamou. – Vão dormir na minha casa hoje. – Piscou para Joey. – Gosta de cachorros? Ele balançou a cabeça dizendo que sim. – Tenho um canzarrão que vai adorar você. Travis pigarreou. – Mas... – Não será problema – interrompeu ela. – Vá arrumar a cozinha enquanto acabo aqui. Travis obedeceu, levando Joey consigo. Só então ela fitou Rico. Ele se aproximou em duas passadas.

– O que pensava fazer oferecendo dinheiro para aquela alcoólatra? Neen franziu a testa. Depois de tudo que acabara de acontecer, era isso que o preocupava? – Não pensou que seria uma irresponsabilidade? – insistiu ele. Neen desejava dar um passo atrás, mas seria fraqueza. – Queria me livrar dela o mais depressa possível e com o mínimo de confusão. Pelo bem de Joey e de Travis. – E o que faria quando ela voltasse amanhã, fazendo o mesmo escândalo e esperando receber dinheiro de novo? E o que faria quando os amigos dela

descobrissem a mina de ouro e aparecessem aqui também? Neen engoliu em seco. Não pensara tão longe. – Não se consegue fazer um alcoólatra ou um drogado ser muito racional – disse Rico. – Desculpe. Não acontecerá de novo – murmurou ela. – É melhor que não! O tom de Rico a fez sentir uma garra de gelo percorrendo sua espinha dorsal. Ele apontou um dedo para seu nariz. – E vamos esclarecer outra coisa agora mesmo. Quero ser informado se houver a menor suspeita de

envolvimento com drogas ou álcool entre os garotos. Imediatamente. Entendeu? – Sim. Ela se forçou a não baixar os olhos diante da expressão de Rico. Era fria, amarga... Enojada. Então deu um passo atrás com o coração batendo forte. Rico franziu os lábios com desdém. – Sempre recua ao menor sinal de perigo? Foi assim que agiu com Chris? – Então agora vai usar Chris como uma arma contra mim?– retrucou ela. – Bem, tenho novidades para você. – Ergueu o queixo. – Nunca mais deixarei que me ameacem.

– Não estou ameaçando você! – Então como chama isso? Ele ficou imóvel e depois passou a mão pelo rosto, murmurando: – Desculpe. Mas tenho outra coisa para lhe dizer antes de terminarmos esta conversa. Não levará Travis e Joey para passar esta noite na sua casa. – Talvez não fiquem só esta noite, mas a semana inteira – retrucou ela com calma. – Obedecerei suas outras condições, mas, a menos que queira provocar um motim aqui no café, é melhor agora dar meia-volta e... Sair. Porque vou levar os garotos comigo.

CAPÍTULO 8

– ESTÃO MORANDOcom você há mais de uma semana, Neen. Isso tem que acabar! – Pensei ter vindo aqui discutir o evento, não minha vida particular. Rico cerrou os punhos. – Sou responsável... – Pelo sucesso do café – completou ela. – Nada mais. A teimosia dela o deixava cada vez mais tenso. Levar Neen até seu escritório nas últimas duas horas de

trabalho para discutir os preparativos do almoço da Taça de Melbourne fora apenas um pretexto para ficarem a sós e conversar sobre a situação de Travis e Joey sem que os rapazes ouvissem. Ele bateu com o punho fechado sobre a mesa. – Sou responsável por essa situação e pelo bem-estar dos garotos. O fogo nos olhos dela o fez calar. – Está insinuando que Travis e Joey correm perigo comigo? – Não seja ridícula. Ela apontou um dedo para Rico. – Sabe que comigo estão em melhor situação física, mental e moralmente do

que com a mãe, então qual o problema? – O problema é que você não é a guardiã legal! Poderá passar por raptora de menores. Será que ela não via que estava procurando todo o tipo de complicações legais se algo desse errado? Neen já tinha muitos problemas na vida para arranjar outros. E o café estaria acabado também se a imprensa descobrisse tal história. Seu trabalho de tantos meses iria por água abaixo! – Dentro de duas semanas Travis será maior de idade. Pretende pedir a guarda de Joey e pleitear uma moradia do

governo. Acha que não vai conseguir essas coisas? – perguntou Neen. – Só lhe peço duas semanas, Rico. Não era tão simples. – Se alguém a denunciar... – A única pessoa que poderia fazer isso, Rico, seria você. E enquanto a mãe continuar recebendo ajuda do governo por causa dos filhos, ficará calada. Pelo menos isso era verdade. – Vai me denunciar? – perguntou ela com seriedade. Era o que ele deveria fazer. Rico tentou fazê-la raciocinar. – Olhe, Neen, Joey irá para um lar adotivo por menos de um mês. Será

alimentado, vestido e terá um teto. Não é o fim do mundo. Travis poderá visitá-lo. – Mas não ficarão juntos, e é isso que importa para eles! Será que já não passaram por sofrimento suficiente? Ela se levantou, caminhou de um lado para o outro, e depois voltou para fitálo, dizendo: – E se Travis resolver fugir com o irmão? Já pensou nisso? – Existe a possibilidade de acontecer? – perguntou Rico alarmado. Ela se deixou cair de novo na cadeira. – Creio que a única coisa que faz Travis se levantar todos os dias é o fato de cuidar de Joey. Tem um sonho para o

futuro e se agarra a isso. – Riu. – Não é um futuro fácil, mas é melhor do que seu presente, e... Seus olhos ficaram frios de repente. – E se você puxar o tapete sob seus pés, se roubar o sonho dele ou se dificultar que o alcance, então... Ela engoliu em seco e cruzou os braços sobre o peito... Mas Rico teve tempo de ver como suas mãos tremiam. – Irá fazer um grande mal para todos nós. Logo Rico que tentava dar um bom futuro para todos eles! Entretanto... Ela se inclinou sobre mesa. – Quando foi que a causa se tornou

mais importante que o indivíduo? Ele ficou em silêncio. – Você não se importa com as pessoas no processo de conseguir o que deseja, não é, Rico? Foi então que ele reconheceu o brilho em seus olhos... Mágoa. – Neen, não quero machucar você. Queria protegê-la! – Mas saiba que está me machucando. Entretanto, não se preocupe. Sei que tanto faz para você se estou magoada, porque no final fará exatamente o que quer. Serei apenas mais uma vítima de suas boas intenções. Ele se levantou de supetão.

– Do que está falando? Estou tentado impedir que se meta em uma situação que poderá lhe trazer muita complicação. – Passou a mão pelo cabelo. – Não pode se envolver pessoalmente com esses garotos. É a primeira regra do livro. – Livro de quem? – replicou ela. – Seu? Por isso não deu um abraço em um garotinho escondido debaixo da cadeira? Por que seu livro idiota diz que não pode se envolver emocionalmente? Não é a maneira certa de levar sua vida, e sem dúvida não seguirei um conselho tolo como esse. – Não é tolo. É a coisa certa a fazer.

– Certa para quem? – Para todos! – Lamento, Rico, mas me recuso a viver meia-vida como você. – Não é assim que se salva o mundo – retrucou ele com frieza. – Não estou nem um pouco interessada em salvar o mundo. Só quero ajudar Travis e Joey. Os dois se encaravam respirando com dificuldade. – Rico, tenho o direito de escolher minhas próprias batalhas. Acho que essa vale a pena, e estou pronta a aceitar as consequências. Por outro lado, sei que deseja proteger seu ativo.

Ele franziu a testa. – Meu ativo? – Sim. Não é isso que sou? – A voz de Neen soou displicente, mas seus olhos brilhavam acusadores. – Sou importante para seu café e sua causa. Mas se interferir com o arranjo que fiz com Travis e Joey, pedirei demissão. Ele se lembrou do modo como ela abraçara o pequeno Joey e passara o braço pelo ombro de Travis. Fechou os olhos e exclamou: – Você assinou um contrato! – Então me processe. A escolha é sua. Rico refletiu que precisava saber mais a respeito de Neen para tentar

dissuadi-la de seus planos. Não podia permitir que Travis se tornasse um fugitivo da justiça. O rapaz tinha um grande futuro e Rico não queria que o estragasse. Mas Neen tinha razão em um ponto... Travis já passara por muito sofrimento. Entretanto, se não fizesse queixa deles, estaria atirando o livro de regras pela janela. Mesmo assim, sabia que Travis e Joey ficariam do lado de Neen... – Meus pais – disse ela, interrompendo o fio de seus pensamentos – dirigem um abrigo para cães.

Rico deu de ombros. Qual o problema? Sem dúvida ela jurava detestar cães, porém o modo como tratava Monty desmentia isso. – Durante toda a minha vida, fiquei em segundo lugar em relação aos cães. – Neen sorriu sem alegria. – Oh, sei como isso parece dor de cotovelo, mas... Ela não era do tipo que guardava mágoas. – Se não fosse pelo meu avô que veio morar conosco, às vezes eu não comeria nem iria à escola. – Por que não? – Porque meus pais estavam sempre muito ocupados tirando os cachorros de

problemas. Bem, eles sabiam que meu avô estava lá para me apoiar. Isso não mudava o fato dos pais dela não lhe darem o amor e a segurança necessários. Rico recordou ter visto uma foto deles na casa de Neen. Um casal tão normal e meigo, entretanto, há muito aprendera que as aparências enganavam. – E o que tornava a situação mais interessante era que por um tempo tive muito medo de cães. Mas meus pais mesmo assim me forçavam a limpar os canis e exercitar os animais. Rico sabia o que o medo podia fazer com uma criança. Agora sentia um novo tipo de respeito por Neen. E admiração.

Ela afastou o cabelo para trás das orelhas. – Desculpe. Muitas pessoas têm histórias bem piores que a minha. Você deve ouvi-las todos os dias. Entretanto, não era fácil ouvir essas histórias, e a cada dia ele sentia um novo nó no estômago, ficava doente de frustração e culpa. Era a culpa de não poder fazer mais do que fazia. E por saber que era um dos sortudos que nada fizera para conseguir conforto. Rico temia que outros garotos cometessem os mesmos erros que ele cometera e que pagassem caro por isso, um preço alto demais.

Neen sorriu. – Mas nunca me espancaram nem passei fome ou fiquei ao relento. Porém fora negligenciada. Rico agora entendia por que se deixara levar por um mandão neurótico como Chris. – Meus pais deixaram claro que os cachorros vinham em primeiro lugar porque não tinham ninguém para cuidar deles e que sua sobrevivência dependia do apoio deles. – Mentira. Existem muitas ONGs e associações que cuidam do bem-estar dos animais. Ela aquiesceu com um gesto de cabeça.

– Isso não muda o pensamento deles. E fora Neen quem precisara se sacrificar. – Mesmo assim havia crianças no colégio que me invejavam e frequentavam o abrigo. Sempre faltavam voluntários ali. Rico fez uma careta. – Seus pais eram muito egoístas. – Ah, mas por uma boa causa. Então era assim que ela pensava? Rico ergueu os ombros. E ele era assim também? Neen deu de ombros. – Sempre soube que se desejasse continuar meus estudos deveria pagar

por eles. Afinal, meus pais gastavam com o que queriam. Rico não pensava da mesma forma. – Mas foram longe demais quando contestaram o testamento do vovô – murmurou Neen. O queixo de Rico caiu. Inclinou-se para Neen. – São seus pais que estão contestando o testamento? Os lábios cerrados e o rosto erguido não conseguiram disfarçar a dor nos olhos azuis de Neen. – Ofereci uma parte da herança para eles, mas recusaram. Acham que merecem receber tudo.

Rico não sabia o que dizer. Só pensava em soltar um palavrão, mas conhecia a provável reação de Neen. – Sem dúvida consideram seu sonho mais importante que o meu, porém dessa vez vou lutar até o fim porque... O vovô fez tanto... Não apenas por mim, mas por eles também... E meus pais nunca o valorizaram... – Apertou as mãos. – Nem mesmo foram ao seu enterro. Estavam ocupados demais no abrigo. – Ela baixou os olhos e murmurou. – Seu último desejo nada significa para eles. Ela ergueu a cabeça e afastou o cabelo. – Então, minha historinha sem graça

fez alguma diferença em como pretende lidar com Travis e Joey? Sim! Rico faria de tudo para ajudar. Ergueu o queixo. – Acha que sou parecido com seus pais? – Em certos aspectos sim – retrucou ela. – Mas eles gostam do que fazem. Na verdade, adoram. Não fariam outra coisa na vida. Quanto a você... Não ama seu trabalho. Porém, por algum motivo, é obcecado como eles. Você é mais do que seu trabalho, Rico, mas se recusa a ver. – Acha que magoo as pessoa para alcançar uma finalidade maior?

Percebeu que ela hesitava, mas Neen logo respondeu: – E não é isso? Ele abriu a boca várias vezes para responder, até dizer: – Se não seguir regras, Neen, cortarão meu financiamento. – E por isso não se envolve pessoalmente com os garotos? Porque se o fizesse acabaria quebrando regras de vez em quando se a situação exigisse? As palavras dela o atingiram em cheio. – Sabia que fala com os garotos como sua mãe fala com você? – insistiu ela. Rico enrijeceu.

– Claro que não! Ela sorriu. – Se trabalhasse oferecendo carinho, sorrindo e sendo amigável... Não iria se distanciar de seu objetivo, iria? Como dizer a ela que, se relaxasse, baixasse a guarda por um momento e recordasse como era se sentir vivo, temia dar as costas para o seu trabalho e nunca mais voltar? E como poderia fazer isso com Louis? Pensara que com o tempo o trabalho se tornaria mais fácil, porém ficara cada vez mais difícil... Exigindo mais e mais dele. – Lamento. Não sabia que tinha um

temperamento tão ruim – resmungou. – Não era minha intenção. Ela não replicou, e depois se fitaram por um longo tempo. – Sei que não – murmurou Neen. Rico pensou que teria que se exercitar muito para sorrir, fazer piadas, ser amigável e lembrar quem torcia para qual time... Necessitava se armar de muita paciência. – O problema não é seu temperamento – continuou ela –, mas por que faz questão de ser tão carrancudo? Por um instante ele teve vontade de contar toda a história... Mas sabia o que iria acontecer. Neen iria absolvê-lo e

não era o desfecho que ele merecia. – Por que sou um idiota? Ela desviou os olhos, pois percebeu que ele tentava fugir ao assunto. – Às vezes achava que era meu amigo. – Neen cruzou os braços sobre o peito. – De vez em quando percebia algo por baixo do homem muito ocupado e egocêntrico. Cometi o erro de pensar que me considerava mais do que uma funcionária. Uma amiga. E foi então que Rico percebeu o quanto a magoara. – Existem coisas que desconhece a meu respeito – murmurou. – Como o quê? – desafiou ela. –

Vamos lá... Por que não me conta? – Mas Neen falava com uma voz sem esperanças. – Agora minha vida é praticamente um livro aberto para você. Não há mais nada para conhecer. Tolice! Havia seu corpo sob a roupa, e... Ele endureceu o queixo e afastou o olhar. Talvez fosse melhor se ela soubesse a verdade. Assim nunca mais teria expectativas fantasiosas a seu respeito. Seria o ideal para um relacionamento a longo prazo. Rico tornou a fitá-la e seus olhos recaíram sobre os lábios macios e rosados. Tratou de se concentrar no

assunto do momento. Estava apenas interessado em uma relação profissional. Se Neen tentasse lhe oferecer consolo e perdão, não aceitaria. Sabia o que fizera e a dívida continuava. – Quando era adolescente... – As palavras pareceram arranhar sua garganta. – Acabei me envolvendo com drogas. Não havia nenhuma desculpa para isso. Meu lar era bom, mas... Ela piscou diversas vezes e murmurou: – Ah, Rico. Foi um murmúrio quase inaudível, porém ele precisou fingir indiferença.

– Aos 17 anos, comprei drogas de um traficante que nunca vira antes... Comprei com dinheiro roubado da bolsa de minha mãe. Neen estremeceu, mas nada disse. – Era heroína muito pura e meu melhor amigo sofreu uma overdose – prosseguiu Rico com voz fria. – Ele morreu e a culpa foi minha. HAVIA UMA grande dor encoberta nessa declaração de Rico, e de repente tudo pareceu se encaixar... O motivo para ser tão obstinado e duro consigo mesmo. Neen desejou passar os braços em volta dele e oferecer o mesmo consolo que dera a Travis e Joey na semana

anterior, porém sabia que ele recusaria. Percebeu em seu olhar que julgava ainda não ter sido punido o suficiente. Talvez jamais fosse. Neen teve vontade de chorar, porém disse: – Isso aconteceu há nove, dez anos? Não acha que já pagou sua dívida perante a sociedade, Rico? – Pagar minha dívida? – Ele afastou a cadeira com rudeza. – Louis morreu. Ele morreu! Nada que eu fizer... Nada... O trará de volta. Ela engoliu em seco e aquiesceu com um gesto de cabeça. – Tem razão. Então não acha que é

hora de parar de se punir? – Só eu fui culpado pela sua morte. Eu! – Os olhos dele brilhavam com um fogo torturante. – Sei que não o trarei de volta, porém posso me esforçar para que não tenha morrido em vão. Posso fazer de tudo para impedir que outros adolescentes cometam o mesmo erro. – Bem poderia ter sido você a morrer naquele dia, Rico – disse Neen com a boca seca. – Fato que ainda provoca pesadelos em minha mãe. Ela fechou os olhos por um instante. – Creio que é hora de perdoar a si mesmo, Rico. – Arregalou os olhos. –

Será que Louis o julgaria assim responsável? Você gostaria que, se fosse ao contrário, ele ficasse se culpando pelo resto da vida? Ele a encarou com os olhos frios. – Você não estava lá. Não o viu morrer na sua frente daquela maneira horrível. Não viu a expressão nos olhos de seus pais quando me fitaram. Ela prendeu a respiração e se levantou. – Na ocasião, você tinha menos idade do que Travis agora! Se algo parecido acontecesse com ele, você faria de tudo para ajudá-lo, daria todo o apoio necessário e aconselhamento.

Rico nada disse, e Neen prosseguiu: – Não imagino que fosse atirar Travis em uma pira de autossacrifício. – Tive oportunidades na vida que Travis nunca teve. – Não significa que não fosse sair dos trilhos. Sua família tinha expectativas muito severas para você. Esse tipo de pressão é difícil de suportar. E é injusta também. – Oh, pobrezinho de mim – zombou ele. Ela ignorou. – E perdeu seu pai quando tinha 15 anos! Deve ter se sentido perdido e zangado. Conheci sua mãe e irmãos,

Rico. – O quadro ia aos poucos se formando em sua mente. – Provavelmente se atiraram no trabalho para lidar com o sofrimento e não permitiram que você se juntasse a eles. Não para excluí-lo, mas porque o julgavam destinado a uma carreira melhor. Mas aposto que você se sentiu excluído. Ele não respondeu e Neen começou a caminhar de um lado para o outro. – Seus pais queriam viver seus próprios sonhos através de você... O que foi injusto... E o deixaram sem saída. – Voltou-se para Rico de supetão. – Não é de admirar que tenha saído dos trilhos.

– Não há desculpas para o que fiz. Ela reprimiu as lágrimas e continuou: – Não há desculpas para você não agarrar sua segunda chance e viver plenamente, isso sim. Acha que não tem direito de ser feliz ou se divertir... Mesmo que por meia hora. Pensa que a única maneira de fazer o bem é por meio do seu trabalho. Já imaginou que bem maior faria se trabalhasse no que ama? – Estou tendo sucesso no que realizo – teimou ele. – Faço uma boa diferença na sociedade. Entretanto, no processo, ia sofrendo o que de certa forma embaçava o bem que fazia.

– Mas... – Chega, Neen. Pelo menos agora você conhece a verdade a meu respeito. Ela o fitou. Seu coração doía para trazer de volta o homem feliz que trabalhara ao seu lado no café por uma hora quando Travis faltara. O homem que voltara à vida e que vibrava de paixão e animação. Rico, porém, estava disposto a enterrar esse homem. Ela tentou insistir: – Rico... Ele ergueu a mão em um gesto de comando e ligou o interfone. – Lisle, pode pedir um táxi para levar a srta. Cuthbert ao café, por favor? –

Desligou e começou a arrumar papéis sobre a mesa. – O táxi logo estará aqui – avisou sem olhar para Neen. Sem uma palavra, ela saiu do escritório. A CAMPAINHA da porta soou. Neen encostou o rosto no olho mágico. Deu um passo atrás com o coração aos pulos, ajeitou a saia, passou os dedos pelo cabelo, e olhou de novo, controlando-se para abrir a porta. – Olá, Rico. Ele desaparecera desde a conversa em seu escritório uma semana atrás. – Espero que não se importe. Fique

sossegada que não vou estragar seu fim de semana. Ela sorriu. – Pode entrar. Mas ele não se moveu. – Queria lhe dar isto. – Tirou um envelope do bolso do paletó. Mas Neen não olhava o envelope; só tinha olhos para Rico. Cruzou os braços sobre o peito. – Está aqui agora. O mínimo que pode fazer é entrar um pouco. Rico hesitou, mas acabou resmungando: – Bem que gostaria de um pouco de companhia adulta para variar.

– Quem é, Neen? – Joey surgiu e logo ficou calado. – É Rico. Veio tomar uma xícara de chá. Quer colocar as folhas de chá no pote como eu ensinei? Muito feliz, o menino saiu correndo para a cozinha. – Joey está com medo de mim? – perguntou ele ao entrar. – Sim, você o intimida – respondeu ela sem meias-palavras. – Não gosto de dar medo nas pessoas. Não. Ele queria ajudar as pessoas. Salvar o mundo. – Então sugiro que tente sorrir para Joey com naturalidade... E, quem sabe,

conversar sobre críquete. Neen morava perto de Bellerive... O maior campo de críquete na Tasmânia. E Joey pretendia se tornar o próximo capitão da equipe da Austrália. – Críquete? – De repente, Rico sorriu. – Fui muito bom na escola. Neen imaginou quando fora a última vez que ele assistira a um jogo. Os dois seguiram para a cozinha e ele perguntou: – Onde está Travis? – Foi ao cinema com um amigo. Joey exibiu o pote com as folhas de chá. – Perfeito, meu bem. – Neen aplaudiu.

Todo feliz, o garotinho voltou para a sala a fim de ficar com Monty, seu grande amigo. Só depois de ferver a água e servir o chá, Neen perguntou: – Você tem algo para me dar? Ele voltou a tirar o envelope do bolso, fazendo-a sentir um nó no estômago. Seria uma ordem judicial para enviar Joey a um lar adotivo? Ela leu. E releu. Depois leu pela terceira vez. Por fim ergueu os olhos do papel e o fitou. – É... Um documento me designando

guardiã de Joey. Rico nada disse. – E com o consentimento da mãe dele – prosseguiu Neen. Calmamente, ele saboreou o chá e comeu um bolinho. – Rico! Estou falando com você! – Ela sacudiu seu braço, sufocando um sorriso. – Como fez isso? – Tive uma conversa tranquila com a mãe dos garotos e ela entendeu que seria a melhor solução no momento. – Sei que não aprova o que estou fazendo... – murmurou ela. – Não desaprovo. Só não desejo vê-la na posição de se comprometer ou ser

intimada legalmente. Sim, ele fazia o de sempre: seguia a lei. – Obrigada. – Neen apertou o documento contra o peito. – Do fundo do meu coração. – É apenas uma medida temporária – avisou ele. – A sra. Cooper concordou em entrar para um programa de reabilitação. – Vamos cruzar os dedos para termos sorte – replicou ela. – Não queria que meus atos refletissem mal no seu trabalho. Ele ergueu o rosto de repente. – Acha que foi por isso que agi?

Ela tomou um gole de chá antes de responder sorrindo: – Se a resposta for não, estará quebrando suas regras e se envolvendo pessoalmente. Antes que ele pudesse reagir, uma bola de tênis passou voando por cima da mesa, desequilibrando as xícaras e o prato com os biscoitos. – Joey! – exclamou ela. Ele apareceu à porta da cozinha mordendo o lábio. – Desculpe, Neen. Com um suspiro, ela começou a limpar os respingos e migalhas da mesa. – Neen me contou que você gosta de

críquete – disse Rico. Ela viu o menino dar um passo para dentro da cozinha. – Joga no time da escola? Percebia-se que Rico não estava à vontade, porém se esforçava. – Uh-huh – murmurou Joey. Rico deu um tapinha amigável no assento da cadeira ao seu lado. – Qual sua posição? – Guarda-meta, porque o sr. Reynolds diz que sou bom nisso. Monty aproveitou esse momento para jogar uma bola no colo de Rico. – É hora do passeio dele – disse o menino. – Quer vir também?

Neen prendeu o fôlego enquanto aguardava pela resposta de Rico. Joey fitou o homem alto com olhar esperançoso. – Podemos levar meu bastão de críquete. Então Rico sorriu, e o coração de Neen saltou no peito. – Como posso recusar? – murmurou ele.

CAPÍTULO 9

REALIZARAM

jogo animado de críquete na praia... Neen, Joey, Monty e Rico. Mesmo com a calça do terno e a camisa social, Rico era um verdadeiro atleta, e isso não deveria surpreender Neen, mas surpreendeu. Ela não conseguia afastar os olhos dele. Ele também era irresistível quando cozinhava, porém seu físico não ficava tão exposto como no jogo. E ele estava sorrindo muito. UM

Talvez nem todos os sorrisos fossem genuínos, mas alguns eram, e quanto mais sorria, mais fácil esse ato se tornava. Neen retornou ao momento presente e exclamou: – Quem diria que você iria gostar da companhia de meu cachorro maluco e de um garotinho de 7 anos? É um milagre! – Um dos seus milagres, Neen. Neen lembrou do documento que ficara na cozinha e balançou a cabeça. Não. Rico era quem fazia milagres. Não estava plenamente à vontade com Joey, mas se esforçava. Quando os dois falavam sobre críquete, pareciam as

únicas pessoas na praia. E, para alegria de Neen, ele deixou Joey e Monty exaustos. – Hora do jantar – anunciou, olhando para o relógio. Rico consultou seu próprio relógio e arregalou os olhos. – Creio que você deveria ter folgas como essa com mais frequência – comentou ela. – Eu me diverti – respondeu Rico com simplicidade. Fez um carinho na cabeça de Joey. – E quando este garoto fizer parte do time australiano, poderei dizer que o conheci quando criança. – Bem, o mínimo que podemos fazer é

lhe fornecer o jantar – disse Neen, tomando cuidado para manter uma voz apenas amigável. – O que vamos comer? – Quis saber Joey. – Peixe com molho... E salada de batatas se convencermos Rico a nos ajudar. Satisfeito, o menino correu com Monty à frente, e Neen e Rico seguiram mais devagar. – Sei que é um convite de última hora, e entenderei se já tiver um compromisso, mas será muito bemvindo se aceitar. – Ela lhe lançou um olhar de esguelha. – Poderíamos falar

um pouco sobre o café. – Mas é seu dia de folga, Neen. Ela se virou para ele com as mãos nos quadris. – E desde quando isso importa para você, Rico? O sr. Viciado em Trabalho? Pensei que ficaria feliz com esta minha prova de comprometimento. – Seu comprometimento não está em dúvida. Não mais – acrescentou ele. Isso a fez sorrir. Com o pôr do sol, o ar começava a ficar frio. Ela estremeceu de leve. – Está com frio? – perguntou Rico. – Deixei o paletó na cadeira da cozinha. – A culpa é minha – disse ela. –

Deveria ter lembrado de trazer um suéter. Mas logo estaremos em casa. Entraram no apartamento, e como ele não vestiu o paletó, Neen interpretou que ficaria para o jantar. Joey e Monty já estavam plantados na frente do aparelho de televisão. – Rico! – chamou o menino. – Da próxima vez que vier jogar, é melhor usarmos moletons. Neen riu. – Excelente sugestão, Joey – Entregou um avental para Rico, perguntando. – Alguma vez usou moletom? – Claro que sim. Ela pegou batatas no balcão.

– Começava a pensar que até dorme de terno. – Durmo nu, Neen. Ela deixou cair uma batata. Rico a pegou no ar antes que chegasse ao chão, enquanto o restante das batatas se esparramava pela mesa. Sem roupa? Neen sentiu a boca seca. Rico nu... Péssimo pensamento! Pare com isso! Ele sorriu como se percebesse o que se passava com ela. Foi apenas um vislumbre de um Rico sexy e divertido, mas mesmo assim acelerou o pulso de Neen. De repente, percebeu que, conhecer mais sobre sua intimidade, poderia se tornar perigoso.

Ela tratou de se controlar. Não ia ficar íntima de Rico. Além de ser seu patrão, o que em si era um forte impedimento, ele era obcecado demais no trabalho. Uma namorada ficaria sempre em segundo plano. Neen ergueu o queixo. Nunca mais ficaria em segundo plano na vida de ninguém. Isto é, quando estivesse pronta a mergulhar nas águas do romance outra vez. E ainda não chegara a hora. Entretanto, lembrou de repente que, na praia com ele, nem uma só vez olhara em volta... Para as calçadas e o parque...

Procurando sinais de Chris. Engoliu em seco. Na verdade, não pensara em Chris uma só vez. Rico a fazia se sentir segura. Então o quê? Vai se jogar em cima dele por causa disso? De jeito nenhum! Amigos. Isso era tudo. Ergueu uma batata e disse: – Preste atenção e aprenda a fazer a melhor salada de batatas. Rico obedeceu. O jantar deveria ter sido agradável. Em geral, gostava de ouvir Joey matraquear. E gostara de ver Joey e Rico jogando juntos nessa tarde. Mas

apesar do aconchego e da boa comida, a excitação sexual que a dominava não lhe dava sossego. – Lavarei a louça enquanto você apronta Joey para ir dormir – sugeriu Rico. – Trato feito. – Obrigada pela aula de críquete – agradeceu o menino. – De nada. Os dois ficaram parados em silêncio um na frente do outro, até que Joey correu para Rico e o abraçou pela cintura. Rico piscou diversas vezes e depois passou os braços pelo corpo da criança,

dando um tapinha desajeitado em suas costas. – Durma bem, Joey. Quando Neen voltou depois de colocar Joey na cama, toda a louça estava praticamente lavada. Rico a fitou. – Obrigado pelo jantar. Gostei muito. – Mas você ajudou. E é ótimo gostar de cozinhar, Rico – disse ela, retirando alguma coisa do armário. – Você trabalha muito para ajudar o próximo e está conseguindo. Tem permissão de se divertir de vez em quando. Na verdade, deveria sentir orgulho de ter dado a volta por cima e reconstituído sua vida. – Mudou de assunto de repente. – Joey é

um bom menino, não? – Sim, é. – Fez um ótimo trabalho brincando e jogando com ele hoje. Canalizou a energia dele para algo proveitoso. Ele se voltou para Neen com ímpeto. – Sabe que essa situação é temporária, não sabe? Travis e Joey só ficarão aqui por mais duas semanas. Ela ficou parada por um instante e perguntou: – Você já tem um lugar para Travis, não? – Estou mexendo os pauzinhos. Neen refletiu que deveria ter sabido. – Bem, pode ser temporário, mas, se

pensa que vou desistir de meu status de tia postiça, está muito enganado. Travis vai precisar de apoio e de alguém que cuide de Joey de vez em quando. – E você influenciou mais a vida dos dois do que qualquer outra pessoa – admitiu ele. Neen não sabia se isso o incomodava ou não. Os dois se sentaram e Rico disse: – Provavelmente agora vocês três serão os melhores amigos do mundo. – E pode se juntar a nós quando quiser. E você também exerceu um impacto positivo em mim, Rico... Obrigada.

– De nada. Ela bateu palmas. – Agora vamos tomar café. Creio que é hora de começar a treinar uma nova equipe de garotos – disse Neen. – É cedo demais. – Não, se todos os rapazes receberem ofertas de trabalho depois do evento... – Então recomeçaremos do zero. – Fecharemos o café por uma semana enquanto treino os novos garotos. Nossa clientela se acostumou a esperar por certo tipo de atendimento e quero manter a promessa. Não daria tarefas demais aos garotos logo de início. Aprenderiam aos poucos.

Ele aquiesceu com um gesto de cabeça. – Faz sentido. – Além disso... Travis quer ficar. – Não faz parte do programa. Está fora de questão – declarou ele. – Preciso de alguém com experiência na cozinha, Rico. – Então treine outro... – Não é possível em tempo recorde. Além disso, quando meu contrato acabar, você precisará de alguém para me substituir, e Travis é o candidato perfeito. Ele abriu a boca. – E – continuou Neen – será uma

grande história para os jornais. Grande publicidade para seu programa. – Por que não fica dois anos? – Porque tenho coisas a fazer. Sonhos para realizar. A expressão dele ficou sombria. – Olhe, Rico. Meus sonhos podem parecer triviais em comparação com o que você realiza, mas são importantes para mim e não permitirei que me ridicularize. Ele piscou diversas vezes. – Não pretendia ridicularizá-la. – Então, se falou sério sobre treinar alguém para se tornar gerente para o café, por que não testar Travis?

Ele estreitou os olhos. – Esses sonhos são seus, Neen, ou eram de seu avô? Ela nada disse. Dirigiu-se para o armário. – Quer biscoitos? Quando se voltou, ele estava logo ali, bloqueando sua passagem, forçando-a a fitá-lo nos olhos. Rico ergueu seu queixo. – Quer mesmo deixar o café, Neen? Possuir seu próprio negócio é o que a fará feliz? O sonho dela e do avô era tão real. Os bolos que faria, a decoração tropical, a clientela... Tudo seria

diferente... Completamente diferente do café de Rico. Entretanto... Neen acordava todas as manhãs, ansiosa pelo seu trabalho como gerente. – Você vive o sonho de seu avô – insistiu ele. – Por que não percebe isso? O coração dela acelerou enquanto ele insistia: – Tem certeza que não está usando essa ideia de abrir um café como uma maneira de lidar com sua dor? Essas palavras pareceram chicotadas, e Neen estremeceu. – Pode ser que sim... E daí? Ajuda! – Ainda sentia muita falta do avô, e só o tempo aliviaria essa dor, porém

trabalhar para realizar seu sonho a fazia se sentir mais próxima do seu parente querido. – O que importa? Não estou machucando ninguém. – Pode machucar você mesma. Em vez de fazer um exame de consciência e descobrir o que realmente a faria feliz, você vai enveredando por um caminho que um dia poderá se revelar errado e a fará sofrer. O discurso a abalou. Neen engoliu em seco. – Talvez tenha razão – disse por fim. Nunca parara para pensar, apenas abraçara seu sonho. Queria deixar o avô orgulhoso dela. Porém... Ele sempre

sentira orgulho da neta. Neen jamais tivera que provar nada para ele. Rico a observava com atenção. – Sim, você tem razão – murmurou ela. – Agora vejo que foi isso que você fez ao sofrer por Louis. – E ela não queria viver assim. Ele deu um passo atrás, dizendo com firmeza: – Estamos falando de você, não de mim. – Certo. Então você pode me dizer o que quiser, mas não admite receber uma crítica, certo? – Não foi isso que quis dizer. Ela se aproximou mais e não se

deixou intimidar pela altura de Rico. Ergueu o rosto para ele. – Você tem muito medo de analisar as satisfações que pode ter em seu trabalho ou na vida. Tem medo de permitir ao seu coração fazer o que deseja, porque assim terá que se perdoar pelos erros que cometeu quando tinha 17 anos. A respiração dele acelerou, e Neen desejou muito estender os braços e aliviar a agonia que via nos olhos dele. – Rico, você não passava de um garoto. Será que já não se puniu o suficiente? Não acha que tem o mesmo direito às coisas pelas quais luta pelos seus rapazes? Ter uma vida que...

Ele a segurou pelos ombros, tentando não machucá-la com a força de suas mãos. – Ainda não entendeu? – perguntou com voz trêmula. – Não mereço ser feliz depois do que fiz. Os meus rapazes, como você diz, têm desculpas legítimas para trilharem o mau caminho. Vêm de lares desfeitos. Sofreram violência, abusos e negligência. Jamais tive esse tipo de desculpa. Minha família era unida e amorosa e... E sempre o pressionara muito. Apertou a pele de Neen com mais força. – Desperdicei minhas chances.

Então Neen compreendeu que, se Rico tivesse um senso de honra menor, menos responsabilidade e compaixão, teria conseguido se libertar da culpa há muito tempo. – Não mereço outra oportunidade. Ela arregalou os olhos. – Ah, Rico, não é verdade. – Não gaste sua simpatia comigo, Neen. – Sorriu com ironia. – Sabe que me aproveitarei disso. Neen tinha certeza de que não se aproveitaria. E mesmo que sim, ela não se importava. Foi nesse momento que entendeu a importância de Rico D’Angelo em sua

vida. Baixou o rosto com medo de Rico ler seus pensamentos. Pensaria nisso mais tarde quando estivesse sozinha. Não iria brincar com fogo. Então sorriu para ele e retrucou: – Ainda não aprendeu? Sou muito teimosa. Ele riu de leve. – Está me dizendo que não irá prorrogar seu contrato? Você já entregou seu coração ao meu café. Ela entregara o coração para uma pessoa também. Assim pensando, Neen olhou para Monty na sala, e plantou as mãos nos

quadris. – Vou lhe dizer o que não farei. – Ergueu o queixo em desafio. – Não vou me precipitar tomando decisões importantes sobre o meu futuro até ter certeza que meu julgamento não estará turvado pela dor ou o medo. Rico sentiu ciúme diante da indireta sobre Chris, mas murmurou: – Muito bem. Ficaram se olhando. Neen sabia que deveria se afastar dele, porém seus membros pareciam de geleia. O modo como ele fitava seus lábios a fazia ferver. Rico prometera nunca mais beijá-la, mas o que faria se ela o

beijasse? Como reagiria se ela ficasse na ponta dos pés e pressionasse o corpo contra o dele, tocando seus lábios com os seus? – Neen... – gemeu ele. Mas não se moveu, e ela tomou a iniciativa se aproximando mais. As mãos dele voltaram a segurar seus ombros. Ouviu-se o som de uma chave na porta da frente... A porta se abriu... Neen e Rico se separaram com um pulo. Ela se virou para recuperar o fôlego, e Travis entrou na cozinha. Parou ao ver Rico ali. – Olá, Rico.

– Travis. O rapaz fitou de um para o outro. – Aconteceu alguma coisa hoje à noite? Neen piscou diversas vezes. Céus! Travis não ia ser paternal com ela agora, ia? – Chris voltou a incomodá-la? Neen relaxou. – Não. Rico passou por aqui para nos dar isto. – Estendeu o documento que estivera em lugar de destaque sobre o balcão da cozinha. – E para celebrar, eu e Joey o convencemos a jantar conosco. Observou Travis enquanto lia o papel e esperou pela sua reação.

– Mas isto... – Travis não finalizou a fase. – Significa que tudo é legal – concordou Rico com um gesto de cabeça. – A minha mãe não causará problemas? – Ela receberá ajuda... Irá para uma clínica de recuperação. Travis fitou Rico. – Obrigado. – De nada. O rapaz balançou a cabeça, e Neen se comoveu com a expressão de seu rosto. – Neen não terá problemas, e quando eu tiver 18 anos, poderei procurar meu

caminho em paz e cuidar de meu irmão. Não sabe o que isso significa... Para mim e Joey. – Talvez não – retrucou Rico –, mas acho que começo a entender. E então deixou Neen sem fala e sem fôlego ao agarrar Travis e lhe dar um abraço apertado e desajeitado. RICO CHEGOUcedo ao café na manhã do Dia da Taça Melbourne. E instalou dois telões para que todos ali pudessem assistir a corrida. Quando terminou a instalação, perguntou como poderia ajudar no café. Logo se viu ao lado de Travis... Fatiando, cortando e picando legumes.

O dia da Taça Melbourne era sempre na primeira terça-feira de novembro, então essa semana ficara decidido que o café abriria na terça e fecharia na quarta-feira, o que significava que o fim de semana de Neen ficaria dividido, mas ela não se importava. Esse dia precisava de todas as mãos disponíveis para ajudar a pôr as mesas e preparar a comida. O almoço começaria a ser servido mais cedo com aperitivos a partir de 12h30. O incidente com a mãe de Travis e Joey felizmente não repercutira mal para a frequência dos clientes. Rico se admirou com a simpatia que

Neen distribuía para a clientela. A maioria nesse dia era constituída por comerciantes, donos de restaurantes e hoteleiros, além dos jornalistas. Rico refletiu que deveria estar lá fora no salão procurando por patrocínio, enfatizando a capacidade de sua equipe de trabalho e elogiando o café. Retirou o avental. Neen estava fazendo um excelente trabalho, mas não era justo deixá-la lidar sozinha com tanta gente. Vestiu o paletó, aborrecido por ter que deixar a animação e a naturalidade da cozinha para paparicar os clientes no salão. Ali chegando, olhou em volta, mas, na verdade, procurava por Neen, e

quando a encontrou, prendeu a respiração. Caso tivesse tomado resoluções diferentes dez anos antes, poderia ter tido a chance de encontrar uma mulher como ela. Neen se voltou e parou ao vê-lo. Sorriu e se encaminhou para o patrão. Passou a mão pelo braço de Rico e o conduziu até um grupo de homens de negócios. De repente, Rico se sentiu... Incluído, o que era tolo, mas sem dúvida, pela primeira vez, se sentia parte das festividades. Quatro horas mais tarde, se perguntou quando fora a última vez que se

divertira tanto no trabalho... E a alegria era ainda maior porque todos os garotos haviam recebido ofertas de emprego, e os comerciantes mostravam um grande interesse em conhecer a nova equipe que se formaria a seguir. Fitou Neen. Havia mais ofertas de emprego para Travis do que poderia contar nos dedos, porém ela estava firme no propósito de mantê-lo ali no café e Rico não interferira. Confiava cegamente no julgamento dela quando se tratava do bem-estar de Travis. Só não confiava quando se tratava do seu próprio bem-estar. Afastou o pensamento perturbador.

Traçara um caminho para si e continuaria firme. Ela sorriu. – O almoço foi um sucesso! – Mas ainda há muita gente comendo – retrucou ele. – É que querem continuar bebendo também e comemorando, porém o problema é que nossa licença de venda de bebidas alcoólicas diz que só podemos servir álcool com alimentos sólidos. Então a comida continuou sendo servida. Em breve, precisariam de mais aperitivo.

– Canapés de parmesão, nozes, e avelãs com brócolis? – sugeriu Travis. – Perfeito! – exclamou Rico. Travis lhe entregou o avental de novo. Rico foi trabalhar, cantarolando em voz baixa. Seu café era mesmo um sucesso, sorriu. Mal podia esperar pelo próximo evento. Rico entrou em seu apartamento por volta das 20h, morrendo de fome. De modo surpreendente com toda a comida que fora servida nesse dia no café, ele mal provara um canapé. De início, fora por causa do nervosismo, mas depois pelo excesso de atividade. Abriu o freezer e pegou um prato

congelado sem mesmo ver que tipo de comida era. Parou a meio caminho do micro-ondas, virou-se devagar, e se dirigiu para a geladeira. Abriu a porta e examinou o que comprara no dia anterior... Bifes, legumes frescos e todos os ingredientes para preparar um molho. Pode-se permitir um pouco de diversão, Rico. Passou a mão no rosto para não ouvir a voz de Neen, e devolveu a comida congelada para o freezer. Será que Louis ficaria aborrecido se preparasse um jantar gostoso para si mesmo? Ficaria ressentido por ver o amigo contente? Rico fechou a porta da geladeira com

estrondo. Caminhou de um lado para o outro. É claro que Louis não se importaria, mas... Mas o quê? Seu coração batia forte. – Louis, amigão, lamento que não esteja aqui. Gostaria que estivesse para cozinhar para você. Todos os dias me arrependo milhões de vezes. Após alguns segundos, endireitou os ombros e lembrou da conversa que tivera com Neen. Caso pretendesse ser bem-humorado e agradável no trabalho, precisava seguir pelo menos alguns conselhos dela.

Na verdade, gostaria de ser um robô, mas não era, e tinha poucas opções. Opção 1: Não mudar e continuar tratando os garotos como sua mãe o tratara. Balançou a cabeça. Não era uma opção, e não era a impressão que desejava dar. Enrijeceu o corpo com a boca seca, tentando entender a atitude da mãe. Talvez ela não estivesse constantemente desapontada, zangada e amargurada, mas preocupada e ansiosa por ele. Um peso pareceu deixar os ombros de Rico, que passou as mãos pelo cabelo. Iria pensar nisso mais tarde. Foco!

Opção 2: Tentar mudar. Opção 3: Começar a relaxar um pouco. Fechou os olhos e respirou fundo. Depois começou a pegar os ingredientes para o molho, e selecionou facas e a tábua de carne... CORTOU UM pedaço do seu bife. Estava macio e saboroso por causa do molho que fizera. Delicioso! Comeu as cenouras e abobrinhas, aproveitando cada mordida. Estava terminando o jantar quando o telefone tocou. Pensou em deixar na caixa eletrônica, mas o hábito o fez atender.

– Rico D’Angelo... – Precisa ir à casa de Neen já! Ele se levantou de um salto. – Travis? – O apartamento dela está pegando fogo! Rico já estava fora de casa antes mesmo de desligar o telefone.

CAPÍTULO 10

NEEN ASSISTIUseu apartamento

pegar fogo. Junto com os demais residentes do condomínio, observou os bombeiros lutando para extinguir as chamas. Seria Chris o responsável por isso? Sentiu um nó na garganta. Jamais imaginaria que o ex pudesse ir tão longe. Por fim, o fogo começou a diminuir e morreu, deixando para trás um rastro de destruição e cinzas. – Neen, você está bem? – perguntou Travis muito preocupado.

– Estou chocada, só isso. – Esforçouse para sorrir. –Lá dentro só havia objetos que podem ser substituídos. As fotografias de seu avô! Engoliu em seco. Não pense nisso agora. – O importante é que nós e os vizinhos estamos vivos. Fitou os dois irmãos e estremeceu. Recebera-os em sua casa, porém com a ameaça constante de Chris, pusera os garotos em perigo. O que estivera pensando? – Neen! Travis! Joey! Todos se voltaram para ver Rico correndo em sua direção. Sem hesitar, abarcou Neen e Joey em

seus braços, enquanto seus dedos seguravam a nuca de Travis. – Graças a Deus estão todos bem. Por um instante, Neen se deixou ficar no calor do abraço. Garota estúpida! Para começar, foi isso que lhe trouxe problemas... Desejar que alguém a amasse... Querer alguém que cuidasse de você... Neen enrijeceu. Não devia se interessar por Rico. Devagar, foi se afastando de seus braços fortes, e ele a fitou preocupado. Preocupação com seu café que poderia ficar sem a gerente, ela refletiu com cinismo. Porém, no íntimo, não

acreditava nisso. – Quero falar com os bombeiros e saber como esse incêndio começou – disse ele. Neen suspirou. Todos sabiam como o fogo começara. Entretanto, seria difícil provar. Rico foi conversar com o chefe dos bombeiros, mas Neen não se aproximou. Não queria ouvir o que iriam dizer. Ficou encostada no carro com Travis e Joey. As demais unidades não haviam sofrido muito com as chamas, porém seu apartamento... Forçou-se a desviar o rosto. – Onde vamos dormir esta noite? –

perguntou Joey. Ela piscou diversas vezes. Boa pergunta. – Podemos ir para a casa de nossa mãe – murmurou Travis. – Não acho necessário – replicou Neen. – Sua mãe está fora em tratamento, e é melhor não perturbá-la com essa história do incêndio. Podemos ficar com meus pais – resolveu de repente. – Eles são legais? – Quis saber Joey. – Claro. – A palavra saiu tensa dos lábios dela. De súbito, Rico surgiu na sua frente fazendo as chaves do carro tilintar entre

os dedos. – Vamos para a minha casa. Amanhã veremos novas e melhores acomodações para vocês – disse ele. – Tem certeza? – murmurou Neen. – Claro! Acha que vou deixá-los no meio da rua? Para isso servem os amigos. Então ela sorriu. – Obrigada. – Vamos. Poderemos pegar seu carro amanhã, Neen. Não deve dirigir depois do choque que sofreu. Certo. Ela deixaria que Rico tomasse conta deles esta noite, mas não iria se acostumar com isso. Não cometeria o

mesmo erro duas vezes. Começaram a caminhar, mas então Rico parou de supetão: – Onde está Monty? – Deve ter escapado de algum jeito, o fogo deve tê-lo assustando e... Neen tentou engolir as lágrimas. Rico passou um braço pelo ombro de Joey. – Sim. É um cão esperto. Neen sabia que ele só queria consolálos, e acrescentou: – Monty ficará bem. É um azougue. Joey caiu na gargalhada. – Monty é um azougue! – repetiu sem saber o significado da palavra.

– DIGA COMO se sente de verdade? Neen se sentava toda encolhida como um novelo no sofá de couro de Rico. Ele se sentara no chão perto da mesinha de café. Havia um acordo silencioso entre os dois para manterem distância física nessa noite, mesmo que isso não impedisse que seus olhares se cruzassem o tempo todo. Rico providenciara comida e banho para todos. Emprestara roupas, lhes dera escovas de dente e toalhas. Fornecera um teto sobre suas cabeças. Neen não sabia como agradecê-lo. Há pouco, Travis e Joey tinham se recolhido para o quarto de hóspedes.

Era cedo para Travis dormir, porém Neen percebera que desejava deixá-la a sós com Rico. Contudo, ela não queria se aproximar demais. Fitou as próprias mãos e disse: – Quero agradecê-lo pelo que fez esta noite... Não era sua obrigação. – Fiz porque quis, e estou feliz por isso. Ela percebeu algo a mais em seu olhar. Talvez fosse amizade. Ou desejo. Apenas sabia que jamais o vira tão à vontade. E ansiava por se aninhar em seus braços. Estremeceu e tentou afastar o

pensamento. – Estou preocupada com algumas coisas – murmurou. – Não imaginava que Chris fosse tão longe, sei que estou tirando conclusões apressadas, porém é uma ideia lógica... Não acha? Ele hesitou, mas depois aquiesceu com um gesto de cabeça. – Sem querer coloquei Joey e Travis em risco levando-os para minha casa. Com um gesto rápido, Rico a segurou pelo ombro. – Chris não quer machucar você. Só assustá-la para que volte para ele. Teve muitas oportunidades de pôr fogo no seu apartamento com você dentro... Com ou

sem Travis e Joey lá. – Porém as ameaças estão aumentando. Piorando... Ela passou a mão pelo cabelo, e Rico tentou puxá-la para si, mas Neen se retesou. Levantou-se e foi sentar em uma poltrona. Rico arregalou os olhos perguntando: – Acha que quero me aproveitar de você? Neen engoliu em seco antes de responder: – Não posso... Não se trata de você, Rico. Isto... – Fez um gesto abrangendo a sala. – Você tomando conta de mim. Foi o que me aconteceu com Chris.

– Pensa que sou como Chris? – Não! Claro que não! Ele é mandão e insensível. Queria que ele me amasse pelo que eu era. – Apertou as mãos. – Queria que alguém tomasse conta de mim porque... Bem, veja em que confusão me meti. Tenho que tomar conta de mim mesma e não depender de outra pessoa para isso. Não cometerei o mesmo erro de novo. – Só quer o que todo mundo quer – murmurou Rico. O calor em sua voz foi como uma carícia, e Neen precisou endurecer o coração para comentar: – Você não quer.

Fez-se um silêncio tenso. Ela se forçou a voltar para o assunto principal: – Travis e Joey... Não posso arriscar que se machuquem. Eu... – Vou cuidar deles – interrompeu Rico. – Travis fará 18 anos na próxima semana. Pode ficar aqui com Joey até lá. Depois poderão ir para um conjunto habitacional popular que consegui. – Obrigada. – Neen tinha ímpetos de beijá-lo. – E você é bem-vinda também para ficar aqui na minha casa. – Agradeço, mas não. Amanhã encontrarei outro lugar para ficar. Ele riu.

– Sabia que ia dizer isso. Mas não tentou fazê-la mudar de ideia. Respeitou sua decisão. E isso a fez se sentir melhor. Neen pressionou as têmporas com os dedos, tentando raciocinar com clareza. – Quer que peça demissão? Rico arregalou os olhos. – E por que ia querer isso? De jeito nenhum! Temos um contrato, você assinou. – Grande coisa se o café for o próximo alvo. – Não permitirei que saia. No íntimo, Neen se sentiu aliviada. Não queria deixar o café. Amava seu

trabalho lá. Remexeu-se na poltrona. Não queria sair do café ainda. – Existe um apartamento vago em North Hobart onde você poderá ficar por um tempo – disse Rico de repente. – Mas fica do outro lado do porto e longe de Bellerive. – Por que Bellerive é tão importante se... – Ele parou de falar de supetão e depois murmurou. – Monty? Ela balançou a cabeça afirmativamente. – Os vizinhos tomarão conta dele... Amanhã veremos se o encontraram. Monty vai aparecer, Neen. Nada mais

podemos fazer esta noite. Era verdade. – Você deve estar exausta. Por que não vai dormir? Rico lhe cedera seu próprio quarto e iria dormir no sofá. – Rico, queria mais uma vez agradecer... – Se repetir isso, vou romper a promessa e beijá-la. Neen enrijeceu. Rico a observou. Tudo que ela tinha a fazer era concordar... Não seja estúpida. Lentamente, ela se levantou da

poltrona. – Boa noite, Rico. – Boa noite, Neen. Ela fechou os olhos diante da frustração na voz dele, e correu para o quarto. – RAIOS! – RICO deu as costas para o monitor do aparelho de televisão. – Já sabe quem foi? Rafe, o dono da empresa de segurança que Rico conhecia há muito tempo e que contratara para monitorar em segredo o apartamento de Neen, o fitou com ar sombrio. Colocar uma câmera de segurança no estacionamento coberto de Neen fora uma decisão de última hora.

Rico não imaginara que desse certo. Olhou mais uma vez para a tela. – Preciso entregar isso para a polícia, Rico – murmurou Rafe. – Porém, pela sua cara, vejo que a descoberta o chocou. – Neen vai ficar arrasada. Pode me conceder duas horas antes de entregar para a polícia? – Posso. – Obrigada, Rafe. Fico lhe devendo esse favor. – Só estou fazendo meu trabalho. – Rafe se virou antes de sair. – Ei, Rico, não quer entrar em um time de beisebol? Eu e os rapazes estamos organizando um

para o torneio de verão. Rico piscou diversas vezes. – Eu? – Ia recusar dizendo que não tinha tempo, mas pensou em Neen e em suas palavras. – Não jogo desde a época da escola. – Entre no time – insistiu Rafe. Rico percebeu o motivo da oferta... Um gesto de pura amizade. Sentiu um aperto no estômago. Quantas ofertas como essa teria recusado no passado? – Tudo bem. Pode me considerar no time. Rafe deixou escapar uma risada, e Rico também sorriu.

Até se lembrar do que acabara de ver no vídeo de segurança. O CORAÇÃO de Rico doía enquanto Neen assistia à cópia do vídeo. Lágrimas umedeciam seus olhos, porém ela as limpou em silêncio. Quando o vídeo terminou, ela se recostou na poltrona e respirou fundo. Sua palidez o deixou mais triste ainda. Por fim, ela virou o rosto para fitá-lo. – Você os reconheceu pela foto na mesa do vestíbulo? – Sim. Neen prendeu a respiração. – Devem querer o dinheiro de vovô desesperadamente, não?

Rico sentou ao seu lado e apertou sua mão. – Neen, lamento muito. Ela aquiesceu com um gesto de cabeça, mas nada disse. Rico desejava tomá-la nos braços e deixar tudo certo para ela. Porém, o modo como ela se afastara de seu abraço na noite anterior, o deteve. Neen não queria envolvimentos e complicações. E, na verdade, ele também não. – Estou chocada! – As palavras brotaram de sua boca como uma flechada. – Nem em mil anos pensaria... Quero dizer, como puderam fazer isso

com alguém... Principalmente com a própria filha? Sua dor o envolvia também. – Mas... – murmurou. – Mas o quê, Neen? Por vários minutos ela permaneceu em silêncio. Finalmente o encarou. – Se não foi Chris quem começou o incêndio, quem sabe não foi ele também quem atirou tinta nas minhas paredes ou cortou os pneus de meu carro... Ou qualquer outra daquelas coisas. Exatamente o que Rico andava pensando. – Talvez não esteja me assediando de jeito nenhum. – Ela franziu a testa. – E

se assim é, quer dizer que... – Ergueu os olhos para Rico. – Que não foi minha busca por amor, meu desejo de ser importante para alguém que causou isso tudo. – Nada foi por sua culpa, Neen! – Levei muito tempo para reconhecer a possessividade doentia de Chris. Quando consegui, terminei nosso relacionamento. – Sorriu. – Foi uma decisão sensata. Inteligente. Rico concordou com um gesto de cabeça. – Exatamente. De repente, a luz se fez na mente de Neen que disse:

– Posso ter feito uma má escolha com Chris, mas errar é humano. Levantou-se e andou de um lado para o outro. Rico também se levantou. Ela se virou para ele de repente. – Meus pais brincaram com minhas inseguranças até que perderam o bom senso. Sinto-me livre. Então caminhou até ele, passou os braços pelo seu pescoço e o abraçou com força. Rico fez o mesmo, parecendo renascer com o contato físico. Precisou de todas as forças para manter as mãos nas costas dela e não explorar cada parte de seu corpo. De repente, sentindo sua excitação,

Neen deu um pulo para trás. – Desculpe, eu... – Não há do que se desculpar – murmurou ele com voz rouca. Mas precisavam voltar a falar sobre o que interessava no momento. – Neen, sobre seus pais... Gostaria de poder poupá-la desse sofrimento. – Não podemos impedir que sejam acusados – continuou. – No mínimo, serão acusados de incendiários. – Mas eu não darei queixa – replicou ela. Nem passara pela cabeça de Rico que faria isso.

– Temos uma hora antes que a polícia receba uma cópia dessa fita que você acabou de assistir. – Achou que eu gostaria de ver meus pais antes disso? – Neen sorriu de leve. Será que era isso que ela desejava? – Pode parecer tolo, mas não quero ir lá sozinha – murmurou ela, cruzando os braços sobre o peito. Então ele tomou uma decisão e a segurou pelo braço. – Vamos. Você me ensina o caminho. CHEGARAM Àcasa dos pais de Neen nos arredores de Hobart meia hora mais tarde. Rico olhou em volta para as alas de casinhas de cachorros, pistas de

corrida e campo de exercícios, franzindo a testa diante da cacofonia de latidos. Neen começava a indicar o caminho até a casa, mas, de repente, ficou imóvel, inclinou a cabeça para um lado e redirecionou os passos em direção aos canis. – Monty! – Correu para abrir sua casinha e o segurou antes que ele pulasse no seu colo. Como fora reconhecer seu latido em meio a tantos, Rico não fazia ideia. Neen se deixou cair de joelhos e permitiu que o canzarrão lambesse seu rosto e corresse a sua volta.

– Neen! Ela se levantou depressa, murmurando: – Sente. Monty logo obedeceu, se sentando o mais próximo possível das pernas de sua dona. – Mamãe, papai – saudou ela enquanto um casal de meia-idade se aproximava. Ela não fez menção de beijá-los ou abraçá-los, e Rico compreendeu. Entretanto, eles também não se aproximaram muito, preferindo olhar para ele. – Este é meu patrão e amigo, Rico

D’Angelo. Meus pais, Jack e Elaine Cuthbert. Rico se forçou a ficar parado no mesmo lugar, pois sua vontade era sacudir os dois até fazer seus dentes chacoalhar. Neen apontou para Monty aos seus pés. – Deveria saber que vocês não o deixariam morrer no incêndio. – Que tolice está dizendo, Neen? – retrucou a mãe. – O cão nos foi trazido hoje pela manhã e... – Parem de mentir. Por favor, não mintam. Neen falou em voz baixa, e foi pior

do que se gritasse. Rico se aproximou para lhe dar apoio moral. – Sei que foram os responsáveis pelo incêndio de ontem à noite. Havia uma câmera de segurança. Estão na fita. O casal de meia-idade empalideceu. Neen ajeitou o cabelo atrás da orelha. – Em resumo, o plano era me assustar e me fazer voltar para casa? Criar um sentimento de gratidão em mim para que eu entregasse o dinheiro de vovô a vocês sem protestar? O modo como torcia as mãos comoveu Rico. A mãe se inclinou para a frente com o rosto contorcido.

– Esse dinheiro deveria vir para mim! – Mas eu me ofereci para lhe dar a metade – retrucou Neen. – Por que não se contentou com isso? – Metade? – resmungo a mãe como se fosse uma blasfêmia. – Eu e seu pai merecemos a herança toda! Fazemos um bom trabalho aqui! O abrigo precisa mais de dinheiro do que você, e... – Isso é nojento! – interrompeu Neen. Monty choramingou. Sem fitá-lo, ela fez um gesto e o cão voltou a se prostrar no chão obedientemente, porém sua cabeça permaneceu erguida. – Nojento? – repetiu o pai. – Do que está falando?

Rico fez um leve movimento em direção a Neen. Se aqueles dois tentassem fazer alguma coisa para ferila... – Dirigir este abrigo para cães foi sempre o que vocês dois desejaram fazer. Era um meio de ganhar dinheiro. E nada tem a ver com compaixão pelos animais ou com sacrifício por um bem maior, só querem tirar mais dinheiro das pessoas e elogios... Ah, como os Cuthbert são bons. Entretanto, são tão gananciosos e avarentos quanto certos capitalistas corporativos. – Neen suspirou. – Bem, não vou mais fazer seu jogo, minha vontade é tão importante

quanto a de vocês dois. E depois do que andaram fazendo, nenhum juiz lhes dará um centavo. O casal deu um passo atrás. – Vai dar queixa de seus pais? Neen deixou pender os ombros por um momento. Por fim, balançou a cabeça. – Ainda me resta um pouco de sentimento pela família. Não vou dar queixa. Entretanto, não posso garantir que a polícia e o proprietário do prédio sejam tão generosos. A mãe deixou o queixo pender. – Mas... Neen se aproximou um pouco de

Rico. Um sexto sentido o fez perceber que ela estava chegando ao fim de suas forças. Entretanto, fitou o casal com toda a raiva que sentia, dizendo: – Está fora das mãos de Neen. Um carro de polícia parara junto à calçada. – Aconselho que contratem um bom advogado. – Assim dizendo, entregou a Jack um cartão com o nome de um advogado na cidade. O pai olhou do cartão para o carro de polícia, e depois para os canis. – Mas, e os cachorros?! – Chamarei uma ONG que conheço – respondeu Neen. – Tomarão conta deles.

Ela e Rico viram o casal ser levado pela polícia, e a dor nos olhos de Neen fez o coração de Rico sangrar. – Eles nem mesmo pediram perdão – murmurou ela. – Estão obcecados. – Rico apontou para os canis. – E essa obsessão toldou o raciocínio deles. – Acha que já chegaram a me amar? Neen tentou manter a voz displicente, porém a última palavra saiu tremida de sua boca. Então Rico simplesmente a apertou de encontro ao próprio peito.

CAPÍTULO 11

NEEN P RECISOUde todo o seu controle para não chorar, porém não resistiu ao conforto que Rico lhe oferecia. Seus corpos se completavam, e ele lhe dava um paraíso momentâneo que a arrancava da confusão. Fechou os olhos até que o aperto no coração desapareceu. Gostaria de permanecer assim o dia inteiro, protegida entre os braços dele. E a mão de Rico, que acariciava seu cabelo, lhe dizia que tinham todo o

tempo do mundo. Mas, por fim, precisou se afastar. Ergueu o rosto para fitá-lo e tentou sorrir. – Neen, seus pais são uns tolos. – Querido Rico. – Ela segurou seu rosto entre as mãos e os intensos olhos escuros dele pareceram trespassá-la. Por fim, percebia que estava louca e irremediavelmente apaixonada por esse homem. Bem, e por que não estaria? Rico tinha um coração maravilhoso. Tentava fazer tanto bem ao próximo. Começara a se relacionar em termos pessoais com Travis e Joey. E com ela também.

Ajudara Neen a encontrar um senso de direção e retomar o controle de sua vida. É claro que se apaixonara por ele! E não fazia ideia de como agir agora. Deveria lhe contar? Tentar fazê-lo se apaixonar por ela também? Precisava lutar por ele ou deixá-lo ir? Sua mão permaneceu sobre seu ombro e podia sentir a vitalidade que fluía do corpo másculo. Sem deixar de fitá-la, Rico pressionou os lábios na palma de sua mão, fazendo-a estremecer. Neen o amava. Amava e desejava. Muito devagar, como se quisesse lhe dar tempo para recuar, ele baixou a

cabeça e a beijou nos lábios. Ela passou um braço pelo seu pescoço enquanto a outra mão apertava sua camisa para intensificar o beijo. Rico se afastou para roçar o lóbulo de sua orelha. – Temos todo o tempo do mundo, Neen – murmurou. Então ela voltou a segurar seu rosto. A fachada distante e fria de Rico desmoronou. Com um gemido, a apertou de encontro ao peito. Neen desejava rir e chorar ao mesmo tempo. Não fazia ideia de quanto tempo ficaram perdidos nesse abraço. Por fim, ele sorriu para ela. Era um sorriso cheio

de cuidados e preocupação, que a enchia de esperança. – Neen, você passou por um grande choque hoje. Ela respirou fundo. – E você não quer se aproveitar de minha fragilidade? É isso? – Mais ou menos – admitiu ele. – Porém eu quero me aproveitar totalmente de você – retrucou ela. Rico riu e o coração de Neen pareceu cantar. Não se sentia preparada para fazer sua revelação. Precisava pensar com clareza, e esse não era o momento propício. Deixou as mãos deslizarem

pelo peito dele, completando: – Se fizermos amor, esse encontro terá um significado importante para mim. – Também para mim. – E não quer se arriscar? – perguntou Neen. Estava pronta para arriscar tudo. E o instinto lhe dizia que só teria uma chance. Então tentou explicar: – Se fizermos amor, irei me envolver emocionalmente. – Quem tentava enganar ? Já estava emocionalmente envolvida. – E você precisaria se envolver também, Rico. Ela percebeu o momento exato em que

a lembrança de Louis voltou a atormentá-lo, e com delicadeza se desvencilhou do abraço, murmurando: – Creio que deve pensar com cuidado, Rico. – Tem razão. O coração de Neen, tão feliz até esse instante, pareceu se partir. Iria lutar por ele mais tarde. Mas não nesse momento. Cerrou os dentes e resistiu ao desejo que se lançar em seus braços de novo. Precisava se afastar de Rico. Depressa. Necessitava se concentrar em outra coisa. – É melhor telefonar para a ONG e outras entidades que conheço para que

venham pegar os cães. Vamos contar quantos são e garantir que tenham água e comida suficientes por enquanto. Rico tornou a aquiescer com um gesto de cabeça. – Vou verificar agora mesmo. O momento encantado passara. Enquanto ele saía, Neen disse a si mesma que não perdera a guerra, apenas uma batalha. Faria de tudo para impedir que Rico se afastasse... – ENTÃO ESTÁ tudo resolvido? Por várias semanas, Rico parecera evitá-la... Ignorá-la, portanto, Neen se espantou quando o viu se sentar no banquinho da cozinha do café.

– Quase – respondeu ela, continuando a colocar alguns objetos pessoais na bolsa. – Neen, algum problema? – Nenhum. Como o amava! Por que Rico não superava esse sentimento de culpa em relação a Louis e voltava a viver? Por que não concedia para si as mesmas generosidade e compreensão que dava aos garotos carentes? Neen sabia que ele estava ali para saber se tudo correra bem com os advogados dela. Porém ela queria... Precisava... Mais.

– Tudo correu como esperava que corresse. – Fico feliz – comentou ele. Neen se virou para Travis. – Obrigada por me substituir. Sei que quer assistir ao jogo de Joey na escola mais tarde. Por que não sai agora e vai se preparar? Travis sorriu, agradecido. – Obrigada, Neen. Vejo vocês mais tarde. Assim que ele saiu, ela comentou: – Travis é outra pessoa desde que atingiu a maior idade e mora com Joey. – Estou contente por ele, mas não desejo falar sobre Travis, Neen. Quero

falar sobre você. Ela sentiu um nó na garganta e engoliu em seco. – Primeiro me deixe ver se está tudo em ordem no café. Uma rápida olhada no salão a fez perceber que seus dois novos ajudantes estavam cuidando muito bem da clientela. – Avisem se precisarem de ajuda – disse ela, dando um tapinha amigável na costas dos dois ao mesmo tempo, antes de voltar à cozinha. – Agora, sobre o que deseja conversar exatamente? – Não se iludia, e tinha certeza que seria sobre negócios.

– A herança de seu avô enfim é sua? – Sim. Todos os documentos foram assinados e o dinheiro está sendo transferido para minha conta no banco. – O advogado de seus pais os alertara para desistirem de pleitear a herança imediatamente. Neen esperava que uma dose de remorso pudesse influenciá-los para o bem. – E Chris? – Pedi para remover a ordem judicial. Sem dúvida ele foi responsável por criar tantas suspeitas em mim, mas nunca fez nenhuma maldade. – Neen sorriu. – Ele está frequentando um analista para... Uh... Entrar nos eixos.

Rico nada disse. De súbito, se ergueu do banquinho e se afastou dela. – Então quando seu contrato acabar irá embora para montar seu próprio café? Algo pareceu se romper dentro de Neen, que se aproximou e o tocou no ombro. – O que quer de mim, Rico? Ele se virou. Abriu e fechou a boca, mas nenhum som saiu. – Não é tolo – prosseguiu ela. – Deve saber o que sinto... Amo você, Rico. O desespero no rosto dela e a dor na sua voz o abalaram. Rico precisou

fechar os olhos. – E parece óbvio que está fugindo de mim desde o dia em que fomos ao abrigo de meus pais. A lembrança do beijo escaldante que haviam trocado o fez abrir os olhos com um repelão. Não parava de pensar nisso... Desejava essa mulher. Ansiava por ela com cada fibra de seu ser. Mas não podia tê-la. – E, mesmo assim, sabendo o que sinto por você – continuou Neen –, quer que fique no seu café onde serei forçada a vê-lo quase todos os dias? Acha que isso é bondade? Era isso mesmo que Rico queria,

entretanto, também percebia o egoísmo nesse desejo. Mas, deixar Neen partir...? Sentia a boca amarga ao murmurar: – Eu... Lamento, Neen. Ela passou a língua pelos lábios e o desejo o invadiu. – Por quê? – perguntou em um sussurro. – Por que não dá uma oportunidade para nós dois, Rico? – Louis – respondeu ele com voz rouca. – Não tenho o direito de ser feliz quando ele nunca poderá ser. – Família, filhos, amor... Tudo isso estava perdido para Rico D’Angelo. E tudo que podia fazer era expiar seu erro e esperar que isso salvasse sua alma.

– Louis morreu, Rico. Você está vivo. Ele se afastou dela diante dessas palavras. – Tem o dever perante Deus de viver plenamente. Na verdade, é isso que deve a Louis por ter sobrevivido! Você não o forçou a ingerir heroína. Ele o fez de livre e espontânea vontade. – Essa é uma maneira louca de pensar! – exclamou Rico. – Enterrar-se vivo e se punir todos os dias... Isso, sim, é loucura! – retrucou ela. – E não trará Louis de volta. Não muda nada. E pode me afirmar com honestidade que Louis gostaria que você desse as costas à vida? Seria isso que

você desejaria para ele se a história fosse ao contrário? Que Louis se imolasse em um altar de culpa? Claro que não. Mas... Rico não conseguia raciocinar, e lutou para encontrar um argumento válido que contradissesse Neen. Fechou os punhos com força. Não tinha direito de aceitar o que ela oferecia. Contudo, isso não o fazia parar de desejá-la com todas as forças de seu coração. – E eu não mereço ser punida porque você não resolve o seu passado! As palavras dela o chicotearam. Passou a mão pelo rosto e tentou

respirar apesar do peito apertado. Neen não merecia nenhum tipo de punição, e certamente não dele. Fitou-a de esguelha e seu coração doeu no peito. Ela o amava. E ele a estava ferindo, partindo seu coração. Sua armadura de aço cedeu um pouco. Ansiava por fazê-la feliz e lhe dar tudo que merecia de bom. Começou a suar e sentiu a boca seca. – Neen, que futuro vê para nós dois? – perguntou quase sem fôlego. As feições dela se suavizaram. – Tudo que precisamos fazer é amar um ao outro e o resto entrará nos eixos. Amar um ao outro? Oh, ele já a

amava, e como! Nunca tivera dúvida sobre isso. – Será que não pode confiar, Rico? Ele voltou a se sentar no banquinho, apoiou os cotovelos no balcão da cozinha e enterrou a cabeça nas mãos. Ele e Neen? Será que daria certo? Ele poderia fazê-la feliz mesmo continuando a se concentrar em tudo que precisava alcançar, e permanecendo fiel à memória de Louis? Controlou a náusea que o envolveu. Imaginou-se trabalhando com ela. Não exatamente lado a lado, mas... Levantou a cabeça, e não se viu mais na cozinha. Seu coração acelerou. Os

dois juntos... Ele poderia continuar trabalhando com jovens problemáticos. Neen continuaria gerenciando o café e o tornando um grande sucesso. Um lugar tão bem-sucedido que poderiam os dois abrir outro estabelecimento, e mais outro, e outro ainda! Junto a Neen poderia fazer tanta coisa! Correu para ela e a prendeu pela cintura. – Tenho sido um idiota tão grande! Amo você! Sabe que a amo, não sabe? Neen arregalou os olhos, sem fôlego e com lágrimas nos olhos, aquiescendo com um gesto de cabeça. As mãos dele apertaram sua cintura.

– Você está certa. Podemos ter tudo. Ela atirou a cabeça para trás e riu. O som de sua risada deixou o coração de Rico feliz. – É claro que podemos! – Sim. Seremos uma equipe incansável. Neen franziu a testa. – O que quer dizer com isso? – Podemos fazer tantas coisas juntos! Alcançar grandes metas! Os meninos que salvariam... A esperança que dariam... A mente de Rico já fervilhava com planos, e levou um momento para perceber a expressão amedrontada no

rosto de Neen. Rico segurou seu rosto entre as mãos. – Poderemos abrir uma rede inteira de cafés beneficentes. Oferecer empregos e oportunidades. Você tem razão! – Beijou-a na boca. – Tudo que precisava fazer era confiar meu amor a você e o resto aconteceria. Tentou puxá-la mais para perto, ansiando por beijá-la mais profundamente, no entanto ela se afastou e se levantou, fitando-o como se nunca o tivesse visto antes. Ele também se levantou com o coração batendo forte. – O que foi?

Lutaria contra qualquer coisa que a tivesse assustado. – Pensei que entenderia o que estava pedindo a você, Rico, mas é óbvio que não entendeu. Não virei em segundo lugar no seu trabalho. Passei por isso com meus pais e não passarei de novo. – Do que está falando, criatura? Eu a amo. – Não, não ama. Se me amasse, me poria em primeiro lugar. Rico sentiu uma garra de gelo percorrer sua espinha dorsal. Ela queria que desistisse do seu trabalho? – Que tal você colocar minhas necessidades em primeiro lugar, Neen?

– retrucou com raiva. – Estou fazendo isso. – Os olhos dela se encheram de lágrimas. – Não ficarei assistindo você se martirizar dia após dia. Não serei seu consolo. Um medo sombrio o invadiu. Neen o fizera vislumbrar um futuro... Glorioso, sedutor e muito desejado... E agora retirava a oferta. – Amor, Rico? Acho que não. Não creio que conheça o significado da palavra. Começou a se virar, mas de repente deu meia-volta. Posicionou a mão em seu peito. – O que deseja aqui, no seu coração,

Rico? É disso que quero fazer parte... Não dessa vida incompleta que você tem hoje em dia. Então se voltou de vez e foi embora, deixando-o mais só do que nunca. RICO PASSOU muitos dias seguintes como se vivesse dentro de um nevoeiro. Uma imensa apatia o dominava, e o impedia de se angustiar mais com a rejeição de Neen. Entretanto, a cada dia, um pouco do nevoeiro desaparecia, deixando uma raiva cega em seu lugar. Raiva de Neen. Raiva dele mesmo e de Louis pela idiotice cometida aos 17 anos. E, por fim, raiva de sua vida atual.

Passava os poucos minutos livres de que dispunha fazendo exercícios físicos. Não adiantava. Permanecia longe de Neen e do café. Mas isso também não ajudava. Certo dia, chegou a ficar parado na esquina da outra calçada do café para ver Neen fechar o estabelecimento à noite. E isso foi pior ainda. E o enojou também... Ao lembrar que Chris a vigiara de longe antes. No terceiro sábado após a declaração de amor de Neen e a subsequente rejeição dele, Rico comprou um livro de culinária, uma tonelada de ingredientes, e passou a tarde cozinhando como um

louco. Isso ajudou um pouco. Como Neen dissera que ajudaria. – Pelo amor de Deus – resmungou ele em voz alta. – Ela não tem todas as respostas do mundo. Não sabia por que falara alto, apenas que o silêncio no apartamento era opressivo. Não reparara nesse silêncio até que Joey e Travis haviam partido. Sentia falta deles também. Começou a caminhar de um lado para o outro, flexionando os ombros e tentando superar a ansiedade. Antes de conhecer Neen, sua vida fora organizada e simples... Tudo no lugar e...

O relógio do forno apitou e, praguejando, ele correu para a cozinha a fim de retirar as duas bandejas com os bolinhos que preparara. Com assombro, fitou sua obra sobre o balcão da cozinha. Os bolinhos não estavam simétricos como na foto do livro de culinária, mas tinham um aroma delicioso e fora ele quem os fizera. Ele. Sua boca começou a salivar. Neen podia não ter todas as respostas, mas tinha razão sobre isso: cozinhar o deixava feliz. Restaurava suas energias. Muito bem, ela também tinha razão sobre o modo como ele se mantinha a distância das outras pessoas. Entretanto,

agora fizera amizade com Travis e Joey. Evitar relacionamentos fora ruim para seu trabalho. Agora podia compreender o que Neen tentara lhe dizer. Ele se tornara obcecado como os pais dela, e... Estremeceu ao pensar nisso. A obsessão deles machucara tanto a filha, porém seu próprio desejo de tirar das ruas adolescentes maltratados não machucava ninguém. Sentiu a boca seca. Não machucava! Lembrou-se de como Rafe demonstrava amizade por ele, e muitas outras pessoas. Lembrou de gestos simpáticos que sempre ignorara com a desculpa do trabalho.

E então pensou em meninos pequenos como Joey que precisavam tanto de um abraço. E ele não os abraçara. Fechou os punhos. Resultado... Era isso que procurava. Resultado e não amizades. Queria tirar os garotos da rua e lhes dar segurança. Não compreendera que existiam coisas mais importantes como contato humano e amizade. Por um instante, sentiu a mão de Neen pressionando seu coração. O que quer aqui, Rico? Levou uma das bandejas com bolinhos para a mesa, sentou-se e comeu todos. Um a um, atirando dentro da boca, mastigando, saboreando,

engolindo e sentindo que suas forças se renovavam a cada gesto. Quando terminou, já sabia exatamente o que fazer. Consultou o relógio. Seis horas da tarde de um sábado. Sabia muito bem onde encontrar o que mais queria. MONTY IGNOROU a bola que ela lhe atirou, e em vez disso, passou por Neen sem lhe dar a menor atenção. O que estava acontecendo...? Oh, céus. Quem ele iria aborrecer agora na praia? Alguém falou com autoridade: – Sente! Rico.

O pulso de Neen acelerou e seu peito ficou apertado. Deixou-se cair sobre a areia e se encolheu. Vê-lo causava muita dor. Ah, certo... E não vê-lo durante esses dias todos fora um mar de felicidade, por acaso? Ele fez Monty se sentar e depois o acariciou do modo como Neen lhe ensinara. Quando o canzarrão se deitou de costas, Rico coçou sua barriga. Neen afastou os olhos dos dedos longos e morenos. – Olá, Neen. Ela ergueu o queixo e encontrou seu olhar.

– Olá, Rico. Monty correu para a água latindo para as ondas. O silêncio na praia entre ela e Rico aumentou. Era um silêncio que se alongava e se enroscava no coração, causando dor. – Queria me ver? – conseguiu dizer. Ele passou a mão pelo cabelo. – Não ensaiei nenhum discurso. E agora não sei como começar essa conversa sem entrar logo no mérito da questão – confessou ele. Estava pálido, mas todo o seu corpo irradiava vigor como se tivesse passado muito tempo ao ar livre nos últimos dias.

Neen cruzou os braços sobre o peito. – Então entre logo no mérito da questão – sugeriu. Ele fincou os pés na areia. – Você me perguntou o que eu desejava de verdade... Aqui... – Colocou a mão sobre o peito. – Agora sei, Neen. O coração dela disparou. A praia pareceu se mover de um lado para o outro. Neen se ajeitou melhor sobre a areia para ouvir. Esse homem mexia com todo o seu ser. Podia fazê-la vibrar de alegria ou derrubá-la com uma só palavra. E o que estava para dizer abalaria seu futuro.

– Por favor, Rico, não me dê esperanças... Creio que não suportaria. Ele caiu de joelhos na sua frente e segurou seu rosto entre as mãos. – Meu bem, não tenho intenção de magoá-la. Direi o que quero. O que desejo do fundo de meu coração... E então poderá decidir se sou o tipo de homem com quem almeja construir uma vida. Sem conseguir responder, Neen aquiesceu com um gesto de cabeça. – Neen, quero cozinhar. Bem, por essa ela não esperara. Neen se sentou ereta. – Quero cozinhar e fazer amigos.

Quero rir. Quero deixar minha vida melhor, mais iluminada e com significado. – Rico tomou fôlego e prosseguiu. – Desejo ir a festas e me divertir com as pessoas em vez de ficar procurando financiamentos ou donativos entre os convidados. Ela o encarou. Seria esse o Rico viciado em trabalho? – E quero uma família – murmurou ele. – Filhos para quem ensinar princípios sólidos de moral... Mas também amor à vida. E uma esposa que não me deixe ficar sério demais, e que me ame como você ama. O coração de Neen chegou à garganta.

– Farei de tudo para demonstrar meu amor e ser o homem que essa mulher precisa. E essa mulher é você, Neen. Quero essa vida que descrevi ao seu lado. Ela apertou as mãos, perguntando: – E sabe o tipo de homem que deve ser para mim? – Um homem feliz. Ele falou com tanta simplicidade que Neen quase chorou, cheia de esperanças. – E quanto a Louis? – Quis saber, ficando de joelhos também na frente dele. – Sempre lamentarei o que aconteceu. Gostaria que não tivesse acontecido e

que minhas escolhas tivessem sido diferentes naquela época. – Rico fez uma pausa para continuar. – Porém, mesmo que minhas escolhas fossem outras, não é certo que as de Louis seriam também. Nunca tinha pensado assim antes, e de certa forma isso me libertou. Percebi que só posso controlar minhas decisões, não as dos outros. – Respirou fundo. – É hora de parar de viver no passado. Não estou dizendo que não terei dias ruins... Mas tentarei. Neen também respirou fundo. – Compreendi que para fazê-la feliz precisava me tornar um ser humano completo. E não me senti completo

desde a morte de Louis. Tinha medo de tentar e fazer mal para outra pessoa. Mas por você, Neen, arriscarei qualquer coisa. – E seu trabalho... Essa arma que usa para se punir? Ele quase sorriu. – Você me fez ver que me tornei uma máquina. Só pensava em tirar adolescentes das ruas e salvá-los. Queria fazer algo de positivo. Mas... Sem carinho, só por senso de dever. Então, observando você com Travis e Joey... Bem, com todos os garotos... Percebi que, com sua doçura e carinho, obtinha mais resultados do que eu

jamais obteria com meus métodos. – Tolice! – exclamou ela. – Você tornou o café uma realidade. Sem você... Rico se inclinou, interrompendo: – Quero participar de dentro e não de fora. Então Neen deixou escapar uma risada, se atirando nos braços dele. Caíram sobre a areia e Neen o beijou. – Bem-vindo ao lar, Rico. Ele sorriu. – Em breve vou pedi-la em casamento. – E eu aceitarei. – Vou abrir outro café que não seja beneficente, aprender a cozinhar de

verdade, e empregar alguns novos garotos. Quer participar, Neen? Ela tornou a rir. – Se não se importa, Rico, vou ficar no café beneficente. Adoro trabalhar lá. Rico arregalou os olhos e depois gargalhou. – Sabia! Você foi fisgada! Aquele lugar é perfeito para você. – Acariciou seu rosto com carinho. – Meu bem, quero que faça o que a deixa feliz. Neen o abraçou. – Rico, você me deixa feliz. Beijaram-se até serem interrompidos por Monty, todo molhado e atirando areia nos dois.

Levantaram-se e Rico disse: – Sou um homem que precisa de um cachorro. Vamos para casa. Casa. Ela apoiou a cabeça em seu ombro e murmurou: – Creio que crepes de salmão com aspargos seriam ideais para o jantar de hoje. – Posso preparar a massa? – perguntou ele. Neen ergueu o rosto e sorriu. – Estou contando com isso.

RENASCER DA ALMA REBECCA WINTERS 27 de Abril A cada minuto, mais hóspedes entravam no restaurante do resort em frente à praia, em Grace Bay, nas ilhas Turks e Caicos no Caribe, e Stephanie esperava ver seu Adônis aparecer. Era assim que ela imaginava Dev Harris. Depois de sua fantástica viagem de carro a Elephant Ear Canyon naquela

tarde para ver enormes esponjas do mar, o alto, forte e poderoso nova-iorquino que a fazia se lembrar de um deus grego sussurrara que iria encontrá-la na sala de jantar às 20h para a refeição. Eles haviam assistido ao pôr do sol e, mais tarde, assistido um ao outro. Enquanto Dev a ajudava a sair do barco, pressionando-lhe levemente o braço, seus olhos, negros como a noite, carregavam as palavras que ele não havia dito na frente das pessoas de seu grupo de mergulho. Relutante, Stephanie o deixara para ir ao resort em frente à praia a fim de se aprontar para o jantar. Seu cabelo louro

prateado precisava de um xampu. Stephanie decidira deixá-lo solto. O tempo com o secador e uma escova salientaram os cachos naturais, que lhe caíam sobre os ombros. Com o bronzeado que havia adquirido, ela escolhera vestir um vestido de verão azul e sem mangas para essa noite. Queria estar linda para ele. Na noite anterior, havia usado um vestido transparente cor de tangerina e um gloss combinando com a cor. Dev dissera, sob os últimos raios de sol, que ela parecia uma fruta dourada que ele desejava devorar lenta e completamente. Seu corpo estremecia só de se

lembrar das palavras. Enquanto aguardava a chegada dele, a memória da forma com que Dev fizera amor com ela, mais de uma vez, fazia com que se tornasse difícil até respirar. Era sua primeira experiência íntima com um homem, e tinha acontecido tão naturalmente que Stephanie sentia como se vivesse um sonho do qual nunca mais iria querer despertar. No espaço de dez dias, tinha se apaixonado tão profundamente que seu mundo inteiro havia mudado. Ao longo dos anos, ela tivera vários namorados. Somente na semana anterior, saíra com um homem chamado Rob

Ferris, que administrava uma franquia de autopeças, mas Stephanie soube quando ele a levou de volta para casa, depois do jantar, que realmente não estava interessada em um segundo encontro. E então ela conheceu Dev. A primeira vez que o vira caminhando em direção ao barco com o chefe de mergulho, sua respiração ficou persa em sua garganta. Quando seus olhos se encontraram, foi o suficiente. Era a sensação que ela estivera esperando durante toda a sua vida adulta. Outros relacionamentos com

namorados passados não tinham nada a ver com o tipo de amor profundo que Stephanie sentira pelo sofisticado solteiro de 32 anos, que havia lhe dito que estava nos negócios de exportação internacional. Dev apagava a existência de qualquer outro homem. As três amigas que a acompanhavam nessa viagem de mergulho nas férias abril concordaram totalmente que Dev era mais do que maravilhoso. Melinda achava que ele devia ser um daqueles mergulhadores militares a julgar pela forma com que se movia debaixo d’água. Dev certamente tinha o mesmo físico que um deles.

Stephanie concordava com suas amigas, mas havia mais em Dev do que seus atributos físicos e habilidades em mergulho. Muito mais. Tudo o que ele dizia e fazia revelava que era culto e educado, tornando-o excepcional e tão carismático, que ela mal podia respirar quando pensava nele. Onde estaria? Já eram 20h45. Obviamente, ele tinha se atrasado. E leia também em Novos Caminhos, edição 90 de Harlequin Special, Beleza misteriosa, de Rebecca Winters.

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090 – NOVOS CAMINHOS – REBECCA WINTERS Renascer da alma Sthephanie Marsh vai atrás de Nikos Vassalos para contar que espera um filho dele. Mas o homem atormentado que ela encontra é bem diferente daquele por quem se apaixonou… Eles ainda têm chance de serem felizes juntos? Beleza misteriosa

A prioridade do pai solteiro Leon Malatesta é proteger sua filha. A chegada de Belle Peterson primeiro o deixa desconfiado, mas depois traz uma nova luz a sua vida solitária, e Leon decide torná-la parte da família definitivamente. Últimos lançamentos: 088 – ENLAÇADOS PELO ENCANTO – CARA COLTER Segunda chance Todos diziam que o rebelde Mac e boa moça Lucy não combinavam, e quando

ele vai embora da cidade deixando-a sozinha, prova que estavam certos. Mas, sete anos depois, Mac retorna. Lucy estará disposta a dar uma nova chance ao amor? Coração de gelo O coração do viúvo Brendan Grant era uma pedra de gelo. Até que um gato doente o leva à porta de Nora Anderson e seu sobrinho. Logo, Brendan percebe que os poderes curativos dela não se limitam apenas a animais de estimação…

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

D768c Douglas, Michelle Coragem para amar [recurso eletrônico] / Michelle Douglas; tradução Vanessa Mathias Gandini , Angela Monteverde. - 1. ed. - Rio de Janeiro: Harlequin, 2014. recurso digital Tradução de: First comes baby... + The redemption of Rico d'Angelo Formato: ePub Requisitos do sistema: Adobe Digital Editions Modo de acesso: World Wide Web ISBN 978-85-398-1479-4 (recurso eletrônico) 1. Romance australiano. I. Gandini,

Vanessa Mathias. II. Monteverde, Angela. III. Título. 14-11891

CDD: 828.99343 CDU: 821.111(436)-3

PUBLICADO MEDIANTE ACORDO COM HARLEQUIN BOOKS S.A. Todos os direitos reservados. Proibidos a reprodução, o armazenamento ou a transmissão, no todo ou em parte. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência. Título original: FIRST COMES BABY... Copyright © 2013 by Michelle Douglas Originalmente publicado em 2013 por Mills & Boon Romance

Título original: THE REDEMPTION OF RICO D’ANGELO Copyright © 2013 by Michelle Douglas Originalmente publicado em 2013 por Mills & Boon Romance Arte-final de capa: Isabelle Paiva Produção do arquivo ePub: Ranna Studio Editora HR Ltda. Rua Argentina, 171, 4º andar São Cristóvão, Rio de Janeiro, RJ — 20921380 Contato: [email protected]

Capa Querida leitora Rosto Sumário TUDO POR UM BEBÊ Capítulo 1 Capítulo 2 Capítulo 3 Capítulo 4 Capítulo 5 Capítulo 6 Capítulo 7 Capítulo 8 Capítulo 9 Capítulo 10 Capítulo 11 Capítulo 12

MOMENTO DE REDENÇÃO Capítulo 1 Capítulo 2 Capítulo 3 Capítulo 4 Capítulo 5 Capítulo 6 Capítulo 7 Capítulo 8 Capítulo 9 Capítulo 10 Capítulo 11 Próximos lançamentos Créditos

Special 89 - Coragem para Amar - Harlequin S - Michelle Douglas ...

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