C6 ilustrada

★★★

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SÁBADO, 26 DE MARÇO DE 2016

Sebastiano Tomada - 18.nov.2013/Getty Images

CRÍTICA LIVROS/ROMANCE

Obra leva a estados de ânimo como numa montanha-russa Holandês explora tristeza irresoluta diante do fracasso do gênero humano JOCA REINERS TERRON ESPECIAL PARA A FOLHA

Arnon Grunberg durante experiência de atividade cerebral enquanto escreve

Há duas condenações implícitas na leitura de “Tirza”, do autor holandês Arnon Grunberg: uma, a de Jörgen Hofmeester, editor de livros estrangeiros de meia-idade, é a de se ver involucrado em situações que o obrigam a ouvir verdades a seu respeito que ele preferiria desconhecer; outra, a do leitor, condenado a perceber a “realidade” do relato a partir da psiquê obscura de Hofmeester, titubeante e marcadamente obstinada por suas convicções, quase sempre derruídas

na medida em que se chocam com a percepção alheia. Por meio de hábil manejo do discurso indireto livre intercalado com diálogos brutais, Grunberg conduz o leitor a estados de ânimo díspares como em uma montanharussa, com especial atenção ao sadismo do espectador, cuja soma, ao final das contas, resulta em tristeza irresoluta diante do fracasso do gênero humano sob a ótica da falência moral masculina. É a véspera da festa de formatura de Tirza, a caçula na qual Hofmeester deposita todas as pressões disfarçadas de afeto (ambíguo, para não

dizer suspeito). Presentes no sobrado familiar, estão a exmulher que regressou de surpresa (após 3 anos sem dar notícias, ainda lúbrica e protagonizadora de barracos) e Ibi, a primogênita (após ser flagrada aos 15 anos fazendo sexo com o inquilino do piso superior, fugiu para a França), além do namorado marroquino de Tirza (segundo seu desconfiado sogro, sósia do terrorista Mohammed Atta). Na ocasião do flagra, Ibi foi a primeira a chamar o pai de “imbecil”. Testemunhar que a filha já transava (apesar de ainda não ter peitos) talvez nãotenhasidoopior,esimde-

parar-se com a evidência da própria falha. Com Tirza e a ex não é diferente: embates entre corpos e desejos femininos que vicejam contra certezas queseesboroamdiantedainexorabilidade do tempo. Afim à obra do norueguês Karl Ove Knausgård, “Tirza” se apóia nos efeitos que a mera acumulação factual de uma vida pode gerar, resultando em suficientes absurdos e incomensurável horror. TIRZA

AUTOR Arnon Grunberg EDITORA Rádio Londres QUANTO R$ 53,50 (464 págs.) AVALIAÇÃO ótimo ★★★ Jewish Currents/Divulgação

MINISTÉRIO DA CULTURA APRESENTA

Curta Temporada - Teatro Bradesco - São Paulo

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Vassili Grossman chega com o Exército Vermelho a Schwerin, norte da Alemanha, em 1945

O livro que vai mudar sua compreensão do dinheiro, da economia e das relações humanas

CRÍTICA LIVROS/COLETÂNEA

Contos, cartas e reportagens definem vigor de Grossman JOÃO CEZAR DE CASTRO ROCHA ESPECIAL PARA A FOLHA

“A Estrada” oferece uma radiografia da obra e da vida de Vassili Grossman, composta por uma seleção de contos, reportagens e cartas. Tal mescla de gêneros define o vigor de sua escrita. Nascido em 1905, o autor de “Vida e Destino” foi testemunha da eclosão da Revolução Russa; da morte de Lênin; da ascensão de Stálin; do reino do Grande Terror, com seus expurgos e execuções sumárias; do Pacto Mólotov-Ribbentrop; da invasão da União Soviética pelos alemães; do término da Segunda Guerra Mundial; da morte de Stálin; da denúncia de Khruschov sobre os crimes de Stálin; da viagem da cadela Laika ao espaço no Sputnik 2 (recriada num conto extraordinário, “A cachorra”) e, finalmente, da queda de Khruschov em 1964, ano do falecimento de Grossman.

Como correspondente de guerra, ele esteve na Stalingrado cercada pelas forças alemãs, convivendo com os soldados no campo de batalha. Ainda como repórter, foi um dos primeiros escritores a publicar um relato sobre os campos de concentração. Em “Na cidade de Berdítchev”, Grossman mostrou o traço dominante de sua literatura, que sempre oferece ao leitor alternativas contraditórias. O conto apresenta Vavílova – uma espécie de Joana D’Arc da Revolução Russa. Eis que o inesperado ocorre: a contragosto, ela se descobriu grávida: “Queria ter me livrado dele”. A rejeição é traduzida linguisticamente: “Vavílova jazia derrotada, e aquilo vitoriosamente escoiceava com seus pequenos cascos, vivo dentro dela”. Após o parto, a aproximação crescente entre mãe e filho também se esclarece por meio da linguagem. Acompanhemos: “aquela insignifi-

cante bola de carne rubroazulada”; “a pessoinha criticava”; “cantava baixinho canções para a pessoinha”. Por fim, o narrador sintetiza, “virou uma boa mãe judia”. Contudo, não se espere um desfecho tão previsível! Ao saber que “os polacos vão chegar aqui amanhã”, Vavílova deixou o filho para reintegrar-se ao Exército Vermelho. Juntou-se, então, a “um destacamento de cadetes”; por assim dizer, os filhos da Revolução. Grossman plasmou uma história que supõe pelo menos duas leituras. De um lado, o apoio incondicional à causa soviética. De outro, o embrião de um estado totalitário, que se imiscui em todos os domínios da existência. “O inferno de Treblinka”, escrito imediatamente após ele ter conhecido o local, é um dos eixos do volume. A reportagem deve ser lida em paralelo com os contos “A Estrada” —o mais impressionante do livro, que, com grande coragem, aproxima nazismo e comunismo— e “O Velho Professor”, um dos primeiros textos ficcionais produzidos acerca da Shoah. Nele, Grossman enfrentou o desafio de lidar com o destino de sua mãe, assassinada numa execução em massa de judeus ocorrida em 1941. Por isso, as cartas escritas para a mãe já morta iluminam o caráter único da experiência literária para Grossman. Em suas palavras, o testemunho do “nome mais importante, que a corja dos Hitlers-Himmlers não conseguiu esmagar: o nome de ser humano”. JOÃO CEZAR DE CASTRO ROCHA é professor de literatura comparada da UERJ

A ESTRADA

AUTOR Vassili Grossman TRADUÇÃO Irineu Franco Perpétuo EDITORA Alfaguara QUANTO R$54,90 (336 págs.) AVALIAÇÃO muito bom ★★

Tirza_FSP-2016-03-26.pdf

terrorista Mohammed Atta). Na ocasiãodoflagra, Ibifoi. a primeiraachamar o pai de. “imbecil”.Testemunharquea. filha já transava (apesar de. ainda não ter ...

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