VIOLÊNCIA DE GENÊRO: MULHERES AUTORAS TRANSFORMANDO UMA MEDIDA ALTERNATIVA EM OPORTUNIDADE Cláudia Natividade – Instituto Albam ([email protected]) Rebeca Rohlfs Gaetani – Instituto Albam ([email protected]) Dalcira Ferrão – Instituto Albam ([email protected]) Flávia Gotelip C. Veloso – Instituto Albam ([email protected]) Luci Pereira de Abreu Diniz – Instituto Albam ([email protected]) Luciene de Fátima Melo Ferreira – Instituto Albam ([email protected]) Tainah Miranda Pedrosa – Instituto Albam ([email protected])

Introdução Sempre que vamos discorrer sobre a violência de gênero nos deparamos com um campo minado. O problema tem interface com muitas áreas tais como a educação, a saúde, a justiça, os direitos humanos, enfim com todo o contexto cultural de uma época – e também de épocas passadas – que precisamos de certo fôlego para percorrer um caminho tão longo. Esta é certamente uma área de muitas delicadezas e as ações de combate a este problema que ficaram (e se mantêm) invisíveis em muitos pontos ainda são insuficientes, apesar dos grandes esforços realizados por grupos feministas que tiveram o mérito de influenciar políticas públicas no combate à violência de gênero.

O trabalho apresentado aqui é fruto de uma intervenção realizada pelo Instituto Albam, junto a mulheres autoras de violência. Este programa grupal, intitulado Roda Viva, faz parte de uma política pública de prevenção à violência e a criminalidade que procura intervir de forma diferenciada nestes conflitos. Assim, recebemos encaminhamento de mulheres para os grupos reflexivos de gênero como uma forma de medida judicial enquadrada na legislação brasileira como pena alternativa. Tal procedimento é entendido como uma atenção terciária de combate à violência de gênero. O Instituto Albam é uma Organização Não Governamental, fundada em 1998, e faz parte da Rede de Enfrentamento à Violência Contra Mulher do Estado de Minas Gerais. Formalizada em 2006, a rede se consolidou a partir de um projeto promovido pela Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, do Governo Federal. O Albam é um dos componentes desta rede e, através da parceria com o Juizado Especial Criminal (JECRIM/BH) e com a Secretaria de Estado de Defesa Social (SEDS), a partir do

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Programa Central de Penas Alternativas (CEAPA) de Belo Horizonte e região metropolitana, recebe encaminhamentos de mulheres autoras de violência que foram criminalizadas pela Lei 9.099/95. O grupo também acolhe mulheres vítimas de violência, com adesões voluntárias, encaminhadas pelas entidades parceiras. As principais infrações penais que as mulheres respondem estão relacionadas à lesão corporal leve, ameaça e maus-tratos, direcionadas a parentes (como filhos e maridos) ou a vizinhos. Na bibliografia mundial há muitas informações e pesquisas sobre as mulheres vítimas de violência, mas ainda encontramos poucos estudos sobre as mulheres agressoras. No contato com estas mulheres nos deparamos com um amplo universo de questionamentos e percepções do fenômeno da violência de gênero vista pelo avesso: aqui, as mulheres agridem. As reflexões que tal fenômeno suscitou (e ainda suscita) na nossa equipe fizeram com que, como uma roupa que é analisada pelo avesso, pudéssemos desvendar pouco a pouco como esta “peça” foi construída, quais foram os caminhos percorridos pela “máquina de gênero”, e para qual “corpo” esta vestimenta foi confeccionada. Quando as peças que a máquina juntou foram sendo desveladas sentíamos costureiras que analisavam o trabalho de outros e começamos a nos deparar com a angústia de nomear as mulheres como autoras, as formas de tratá-las e os caminhos para responsabilizá-las pelos atos de violência cometidos. Um dos surpreendentes resultados deste processo será exposto neste artigo e diz respeito à forma que estas mulheres encontraram de transformar uma intervenção – que não pode ser deslocada do foco incomodativo da responsabilização – em uma oportunidade de crescimento.

Tematizando a violência Uma análise mais detalhada do fenômeno da violência social nos coloca diante de uma gama enorme de manifestações que a torna pouco uniforme. Apesar desta característica, a violência que se manifesta no âmbito familiar tem chamado a atenção dos órgãos públicos responsáveis, emergindo debates em torno da eficácia das políticas públicas para o enfrentamento dessa violência. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) a violência é definida como “o uso intencional da força ou poder físico, em forma de ameaça ou efetivamente contra si mesmo, outra pessoa ou um grupo ou comunidade, que ocasiona ou tem grandes

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probabilidades

de

ocasionar

lesões,

morte,

dano

psíquico,

alterações

do

desenvolvimento ou privações” (2002). O conceito de violência tem diversas denominações que muitas vezes podem dificultar a leitura acerca do fenômeno. Dessa forma, apresentamos as seguintes especificações: •

Violência intrafamiliar: determinadas pelas relações de proximidade e/ou parentesco entre as vitimas e o compartilhamento de um mesmo ambiente entre os mesmos (Araújo, 2002).



Violência doméstica: remete a um ambiente físico que envolve não apenas a família, mas ‘todas as pessoas que convivem no mesmo espaço doméstico, vinculada ou não por laços parentesco’ (Araújo, 2002). Tal conceito remete a um ambiente privado trazendo em si uma dimensão simbólica que remete a um ‘sagrado e inviolável lar da família’ juntamente com um destaque dado pela sociedade ao poder do patriarca sobre a família, ou pessoas de seu convívio.



Violência de gênero: diz da violência exercida a partir de relações de poder e soberania onde o agressor é detentor de poder dentro de uma determinada relação hierárquica. Dessa forma pode ser praticada por homens e/ou mulheres contra homens e/ou mulheres, apesar de permanecer em nossa sociedade a violência masculina perpetrada contra a mulher.



Violência de gênero no âmbito doméstico: conceito que caracteriza tanto a relação desigual entre os parceiros e a dimensão simbólica que essa violência assume (Ângulo-Tuesta1 apud Cortez, 2006, p.4).

A

violência

intrafamiliar

e

de

gênero

traz

inúmeras

conseqüências

sociais e por causa de sua invisibilidade (ela acontece no âmbito familiar) a

intervenção

política e social é de

fundamental importância.

Pode ser

cometida dentro e fora de casa, por qualquer integrante da família que esteja em relação de poder com a pessoa agredida. Inclui também as pessoas que estão exercendo a função de pai ou mãe mesmo sem laços de sangue. Um estudo realizado por Alvim & Souza (2004) revelou que a violência nas relações conjugais é apresentada pelas partes, em sua maioria, como “sentir-se agredido e/ou 1

Ângulo-Tuesta, A.J. Gênero e violência no âmbito doméstico: a perspectiva de profissionais da saúde. Dissertação de mestrado, Escola Nacional de Saúde Pública, Rio de Janeiro: 1997.

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agredir verbal e/ou psicologicamente”, sendo que alguns sujeitos expressaram a idéia de violência como “algo muito forte que está ‘no interior da pessoa’, é individual ou natural de cada um e, em algum momento, é colocado para fora ou explode”. Tais revelações vão ao encontro da questão da violência como “violação do direito da liberdade, do direito de ser sujeito constituinte de sua própria historia” (Araújo apud Cortez, 2006, p.2), onde emerge a possibilidade de manutenção da relação de poder sobre o outro. O conceito de violência numa perspectiva psicosocial ressalta a conversão da diferença numa relação de desigualdade, evidenciando o aspecto da exploração característica da relação dominador-dominado que gera a opressão do outro. Esta definição é apresentada por Chauí (1980, p. 16) ao caracterizar a violência como “um processo pelo qual um indivíduo (humano ou não) é transformado de sujeito em coisa”. Posteriormente, Chauí (1999) define a violência como: 1) tudo o que age usando a força para ir contra a natureza de algum ser (é desnaturar); 2) todo ato de força contra a espontaneidade, a vontade e a liberdade de alguém (é coagir, constranger, torturar, brutalizar); 3) todo ato de violação da natureza de alguém ou de alguma coisa valorizada positivamente por uma sociedade (é violar); 4) todo ato de transgressão contra o que alguém ou uma sociedade define como justo e como um direito. Conseqüentemente, violência é um ato de brutalidade, servícia e abuso físico e/ou psíquico contra alguém e caracteriza relações intersubjetivas e sociais definidas pela opressão e intimidação, pelo medo e o terror (Chauí, 1999, p.5)

Saffioti (2004,b) aponta que as relações de gênero pautadas na hegemonia do patriarcado, caracterizando relações de poder do tipo dominador-dominado, é fruto de uma construção histórica que ainda rege os padrões de comportamentos de nossa sociedade atual. Os adventos de igualdade e liberdade tomados na pós-modernidade como possibilidades de novos arranjos sociais e familiares, redefinindo papéis, ainda não atingiu os ideais de masculinidade e feminilidade que ainda são impostos pelas regras implícitas da sociedade. A autora acredita que as mulheres parecem ter absorvido a consciência do colonizador (dominador) e deixam de defenderem os direitos de homens e mulheres de serem socializados para seu crescimento integral.

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Grupo Roda Viva – uma proposta de intervenção O objetivo geral do grupo Roda Viva é trabalhar a temática violência de gênero e possibilitar a maior implicação e responsabilização das integrantes quanto aos seus atos, focalizando principalmente, a desnaturalização da violência cotidiana. Com esta abordagem pretende-se diminuir a freqüência de atos violentos realizados e sofridos pelas participantes, através da estimulação de processos reflexivos e informativos para que elas possam compreender e prevenir a violência de gênero. Assim, o aumento do nível de consciência das conseqüências da violência e o estímulo à mudanças cognitivas e atitudinais com relação à dinâmica na qual elas estão inseridas tornam-se pontoschave a serem abordados nos grupos. Tais contextos reflexivos ajudam a promover relações respeitáveis e eqüitativas através, principalmente da retomada da história de vida de cada uma enfocando os custos dos aspectos assimétricos das relações de gênero. O grupo “usa de informação e reflexão, mas se distingue de um projeto apenas pedagógico, porque trabalha também com os significados afetivos e as vivências relacionadas com o tema a ser discutido” (AFONSO, 2002, p. 11). O processo grupal funciona com a coordenação de duas mulheres sendo a presença feminina uma estratégia para articular os vínculos entre as participantes. A dinâmica grupal funciona por meio de oficinas e, como uma prática de intervenção psicossocial, tem um planejamento básico, mas flexível que se desenvolverá em um tempo determinado de encontros. A transação penal equivale à participação de dez encontros, com periodicidade semanal, sem a permissão de faltas ou atrasos. Os principais temas trabalhados nos grupos levitam sobre um tema central – violência e novas formas de comportamento – e em torno do qual surgirão “temas-geradores” que serão trabalhados durantes os encontros. Esses temas funcionam como as Palavras Geradoras de Paulo Freire e surgem a partir do cotidiano das participantes do Roda Viva que são apresentados nos encontros como aquilo que as mobilizam e fazem parte de suas vidas (AFONSO, 2002). Os principais temas-geradores suscitados pelas participantes são: autoconhecimento, afetividade, auto-estima, identidade, papéis de gênero, projeto de vida e resolução de conflitos enfocando sempre a importância da comunicação e a responsabilização dos atos cometidos.

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Um dado relevante relacionado ao perfil das participantes é que todas relatam sofrer ou terem sofrido violência de gênero por parte dos pais, (ex) maridos, filhos, vizinhos tais como: agressões físicas, ameaças, abusos, intimidações como exemplificado nas seguintes falas: “me chamam de vagabunda”; “ele sempre diz: você não faz nada direito”; “cansei de ser tábua de bife”. São mulheres diferentes, mas com histórias muito parecidas, num “ad eternum” de repetição das estratégias de dominação. As principais percepções expostas pelas mulheres ao iniciarem o processo grupal referem-se à dificuldade e resistência inicial por se sentirem injustiçadas por terem que participar do grupo reflexivo, colocando-se no lugar da vítima ou mesmo desejando que a outra parte envolvida também estivesse presente. Após alguns encontros, um sentimento de pertencimento ao grupo se desenvolve e, identificadas umas com as outras e com a tarefa a ser desenvolvida, elas começam a se responsabilizar pelos atos cometidos e percebendo-los como atos violentos. Outro importante ponto a ser destacado foram os relatos que as participantes traziam ao grupo das transformações que foram experimentando desde o primeiro encontro do grupo: “foi bom participar do grupo, pois pude perceber como eu estava repetindo a violência que sofri de meu pai na minha filha”; “depois do grupo eu aprendi a pedir ajuda”; “hoje estou pensando mais antes de falar”. A forte integração do grupo permite espaço para relatos de vivências e reflexões que proporcionam um processo grupal construtivo. As participantes dos grupos conseguem trabalhar a temática da violência intrafamiliar e de gênero interagindo de forma construtiva e participativa com evidente empenho, assiduidade e pontualidade. O grupo Roda Viva tem uma atuação que evita a possibilidade de se tornar um grupo operativo ou um círculo de cultura, como é apontado por Afonso (2002): Como intervenção psicossocial, a Oficina tem uma dimensão ou potencialidade terapêutica, na medida em que facilita o insight e a elaboração sobre questões subjetivas, interpessoais e sociais. Também tem uma dimensão ou potencialidade pedagógica, na medida em que deslancha um processo de aprendizagem, a partir da reflexão sobre a experiência. Possibilita a elaboração de conhecimento sobre o mundo e do sujeito sobre o mundo, portanto, sobre si mesmo (AFONSO, 2002, p. 34).

Dessa forma, o grupo funciona como uma intervenção sócio-educativa que visa dar uma resposta diferenciada ao problema da violência intrafamiliar, a partir de uma

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intervenção psicoeducativa. As participantes do grupo são estimuladas a expressar suas construções de sentido sobre a violência relacionando tais vivências com suas histórias de vida e buscando alternativas factíveis que permitam criar mecanismos de autoreconhecimento e prevenção à violência.

Formas de significar, formas de agir O trabalho dentro dos grupos se guia pela intervenção pautada na perspectiva de gênero que, enquanto aporte teórico, inaugurou uma importante discussão a respeito da construção social de homens e mulheres. Segundo Scott (1995, p. 88), o gênero “estrutura a percepção e a organização concreta e simbólica de toda a vida social”. Isto significa dizer que o gênero legitima e constrói relações sociais, além de orientar as formas de decodificação e compreensão do significado das interações humanas. Assim, o gênero se apresenta como um aparelho semiótico socialmente e historicamente contextualizado, regulando relações homem-mulher, homem-homem e mulher-mulher, conjugados em posições de assimetria. Alguns pesquisadores focalizam ainda, que o gênero nasce de uma gramática sexual orientada pelo patriarcado que tem o status de relação civil, hierárquica, material e corporificada que invade, de forma rizomática, todo o mundo social (SAFFIOTI, 2004,a,b). Tal contrato patriarcal, realizado entre os homens, faz com que a diferença sexual seja convertida em diferença política e de poder argumentando contra a autonomia e reconhecimento das mulheres. Uma das principais formas sociais organizadas pela maquinaria do gênero refere-se ao processo de socialização que marca lugares diferenciados para homens e mulheres. Para os homens, a socialização se relaciona com “o hiper desenvolvimento do eu exterior (fazer, atuar, conseguir) e a repressão da esfera emocional” (CORSI, 2006, p. 16). Para este autor estes dois processos psicológicos simultâneos e complementares organizam a identidade dos homens. Para as mulheres, a socialização está baseada na ambigüidade: ora se vêem como caçadoras, ora como caças e, imbuídas no sistema de violência de gênero, ora se vêem incapazes e culpadas e ora se vêem vítimas capazes de escapar do jugo do opressor (SAFFIOTI, 2004,a). Os dois sistemas de socialização, antagônicos e assimétricos, colocam a questão do poder articulada com o padrão de masculinidade já que, enquanto categoria social hegemônica de gênero é desejável atuar, lutar, resistir a

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todo o custo sem se cansar ou desistir mostrando poder. Assim, as mulheres são socializadas para conviver com a impotência e os homens com a potência. Segundo Saffioti (2004,a), estas são as duas faces do poder: de um lado a força e a potência e do outro a dúvida e a impotência. Quando tematizamos a violência doméstica vista pelo ângulo dos homens é importante perceber que estes atuam com intencionalidade e agridem somente quem é considerado inferior. Por razões óbvias, os chefes destes ou pessoas de alto escalão não são os alvos, mas sim as mulheres e as crianças. Trata-se de uma lógica que orienta as relações de intimidade e expande-se pelas organizações sociais e podem ser localizadas nas dinâmicas entre o desenvolvido e o sub-desenvolvido, a direita e a esquerda, a natureza e a cultura e tantas outras antíteses reconhecidas nas nossas práticas. Um dos maiores desafios, portanto é tornar visível esta lógica de dominação-exploração no nosso cotidiano. Para a ordem patriarcal de gênero é interessante que as mulheres sigam com as “lentes de gênero” e, para isto, não deveriam ter consciência das tramas nas quais são envolvidas e, menos ainda das lógicas que são (re)produzidas automaticamente como é o caso do exercício de poder com base numa relação de dominação. As mulheres que agridem incorporaram esta lógica, muito provavelmente como a única possível de expressão de sentimentos e, neste caso, o exercício da violência constitui-se como uma das formas utilizadas para que possam ser consideradas e ouvidas. Mulheres, quando agridem, exercem a síndrome do pequeno poder, como afirma Saffioti (2004,a,b). Neste jogo há a incorporação de uma prática utilizada pelo opressor e, como não é permitido às mulheres agirem com as mesmas armas que as feriram, elas se tornam (des)organizadas, (des)articuladas, (des)potencializadas. O cenário toma o contexto de desorganização, desarticulação e despotencialização quando elas percebem que tal estratégia falhou e, para elas, não se sabe onde ou quando, o fato é que houve algum erro não identificado. Neste momento elas são organizadas, articuladas e potencializadas na grande maquinaria de gênero que um dia as denominou bruxas e as queimou em praça pública, as engravidou e as escondeu com um filho proibido, as violentou para chamar-lhes atenção e hoje as chama de agressoras.

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O grande desafio: as relações igualitárias Um dos desafios para a instauração de relações igualitárias é o rompimento das lógicas relacionais secularizadas pela ordem patriarcal de gênero instituindo modelos naturalizados de homens e de mulheres. A perpetuação destas dinâmicas cria um espaço propício para a vitimização da mulher uma vez que a sociedade valoriza os homens e lhes atribui um lugar de poder econômico, social e moral, colocando a mulher em segundo plano, como “algo” de menor qualidade ou valor, uma coisificação desse ser, que passa a ser propriedade do outro. (CONNELL, 1995, 2005) Em tais relações afetivas na qual o homem é a “cabeça do casal” – é ele quem decide concede, comanda e determina – a situação de violência extrapola os vínculos conjugais e se estende aos filhos dando continuidade a formas violentas de resolução de conflitos. É nesse caldo cultural que nos chegam as mulheres em situação de violência que parecem pertencer a dois extremos, o de vítimas e o de autoras, contudo elas não devem ser assim compreendidas. Elas fazem parte da mesma maquinaria de gênero que as oprime e vitimiza, constituído-se em um novo signo cultural que ainda não foi nomeado e entendido. Sendo assim, devemos questionar nossa concepção binária do mundo inserindo novas formas de significar a mulher para além dos tradicionais pares de opostos antitéticos assimétricos (KOSELLECK, 2006). Significá-las de forma unificada como autoras e também vítimas da ordem patriarcal de gênero não pode ser entendido como algo paradoxal tanto para elas mesmas quanto para os profissionais envolvidos no trabalho com esta temática. Não se trata de (re)vitimizar as mulheres, mas reconhecer que este fato retira a mulher do lugar de dominada mesmo que ao mesmo tempo a fixe na lógica vigente de gênero. Desvelar esses modelos e dar visibilidade à violência vivida constitui-se em tarefa relativamente simples dentro do espaço grupal, uma vez que elas conseguem perceber com rapidez e clareza a situação de violência. A árdua tarefa está na construção de um lugar a partir do qual as mulheres possam se posicionar de forma diferenciada, assumindo as possibilidades de escolhas, direitos e valores instituindo uma nova lógica dentro das relações de gênero. Isto permite que elas tomem consciência de que são parte ativa nas relações, que têm escolhas, direitos, valores.

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A mudança de paradigma se inicia no grupo Roda Viva a partir da construção de um espaço de acolhimento das diferenças e igualdades, permitindo a quebra das lógicas da masculinidade hegemônica. Neste sentido, as mulheres têm a possibilidade de se tornarem sujeitos ativos e autônomos na construção de relações mais igualitárias. Tratase um trabalho contínuo consigo mesmas e com os pares para não se engajarem novamente nestas estratégias de dominação ou reproduzi-las. Trata-se, portanto de uma proposta não violenta que deve ficar como um legado para as próximas gerações.

Considerações Finais A discussão aqui apresentada aponta para a necessidade de políticas públicas pautadas na perspectiva de gênero para o enfrentamento da violência intrafamiliar, permitindo uma reflexão acerca dos lugares sociais restritos a homens e mulheres, lugar este vinculado a uma formação imaginária que designa a cada sujeito uma representação sobre si, sobre o outro, sobre o lugar que cada um ocupa e sobre as relações que mantêm. Neste sentido, tematizar as dinâmicas de poder que permeiam as situações de violência é fundamentalmente o principal ponto da intervenção. Acreditamos que esse trabalho apresenta um retorno positivo na medida em que as intervenções transcendem o rótulo de “autoras” e as consideram mulheres “em situação de violência”, apontando para a invisibilidade do sistema no qual estas mulheres estão inseridas. Neste sentido, as “autoras” também são vítimas que reproduzem a violência de gênero sofrida, mas que não é identificada pelas mesmas devido a cultura patriarcal baseada nas relações de poder de gênero. Como efeito, essas mulheres não têm clareza que sofrem diretamente ou indiretamente violências de gênero.

Abordar essa violência sofrida é um dos principais desafios para alcançar o empoderamento delas por vias não violentas. È importante ressaltar o processo de (re)semiotização que ocorre no espaço grupal a partir das possibilidades de (des)codificação do lugar/rótulo que lhes é imposto. Neste sentido, elas (re)significam a “medida alternativa” como fonte de mudança e edificação de um projeto de vida. Os resultados são mulheres transformando a “pena” em oportunidades.

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SAFFIOTTI, H.I.B. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004, a. _______. Gênero e patriarcado – violência contra mulheres. In: VENTURI, G.

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