Onde estão as super­ervas daninhas?  Nota do Tradutor

Uma das mais populares características introduzidas em alguns cultivos transgénicos é a resistência  ao  glifosato,  um  herbicida  de  muito  baixa  toxicidade  para  humanos  e  outros animais. Os campos são semeados e logo depois pulverizados com glifosato para que as ervas  daninhas  não  tenham  hipótese  de  competir  pelos  nutrientes  do  solo  com  as espécies de cultivo. Mais tarde faz­se ainda uma outra aplicação antes da frutificação. É  sabido  e  compreendido  desde  Darwin  que  os  seres  vivos  evoluem  face  a  pressões selectivas do meio, e o uso persistente de herbicidas sobre ervas daninhas é um exemplo bem documentado desse facto. Ora, no discurso dos opositores da aplicação da moderna biotecnologia à agricultura vem surgindo  a  referência  às  chamadas  super­ervas  daninhas  (superweeds)  como  se  fosse uma  característica  exclusiva  ou  preponderante  dos  cultivos  transgénicos.  No  presente texto o autor faz uma breve mas documentada análise do problema e deita por terra mais um mito saído das mangas largas dos vendedores de medos. ~ CDA

Texto original publicado na página Control Freaks: link Texto original para download: PDF Versão traduzida: PDF Andrew  Kniss,  doutorado  em  Agronomia,  é  professor  assistente  de  Biologia  de  Ervas  Daninhas  e Ecologia na Universidade do Wyoming, onde também faz investigação relacionada. (+info)                                                                                                 

Onde estão as super­ervas daninhas? Andrew Kniss | 1 Maio 2013 Numa edição recente da revista Nature, Natasha Gilbert lançou "Um duro olhar sobre os cultivos GM" [geneticamente modificados]. Afirma Gilbert: "Pode ser difícil ver onde terminam as evidências científicas e começam o dogma e as especulações."   "Pesquisadores, agricultores, ativistas e empresas de sementes transgénicas, todos promovem estridentemente os seus pontos de vista, mas os dados científicos são muitas vezes inconclusivos ou contraditórios. Verdades complicadas têm sido há muito obscurecidas pela retórica feroz". Concordo  plenamente.  Especialmente  ao  navegar  na  internet,  há  muita  desinformação,  meias­ verdades e mentiras sobre transgénicos. Fico sempre contente ao ver este tema abordado com rigor científico,  e  era  isso  que  eu  esperava  de  uma  revista  como  a  Nature.  O  objectivo  do  artigo  da  Sra. Gilbert era separar a realidade da ficção em relação a algumas alegações que muitas vezes se ouvem relativamente aos cultivos geneticamente modificados (GM). Uma das três questões que a Sra. Gilbert

escolheu enfrentar em seu artigo é a afirmação de que "as culturas GM criaram super­ervas daninhas", e ela considera esta afirmação como "Verdade." Eu  estava  um  pouco  decepcionado  ao  ver  a  expressão  "super­ervas  daninhas"  em  qualquer  tipo  de publicação  científica.  Eu  exprimi  já  repetidamente  o  meu  desagrado  com  esta  expressão,  e  meus alunos de pós­graduação melhor o sabem em nunca usá­la perto de mim. Vê­la numa publicação tão respeitável  como  a  Nature  é  excepcionalmente  frustrante.  Mas  pelo  menos  este  artigo  iria  ser abordado  com  algumas  "evidências  científicas"  em  vez  de  "dogma  e  especulação",  certo?  Mas  à medida  que  avançava  na  leitura  da  seção  sobre  super­ervas  daninhas,  eu  vi  muito  pouco  que  se assemelhasse  a  factos  científicos,  mas  sim,  um  monte  de  opiniões,  episódios  pontuais,  rumores interessantes,  alguns  factos  e  números,  e  uma  narrativa  bastante  convincente.  Mas  nenhuma "evidência científica". A  falta  de  qualquer  evidência  científica  no  artigo  está  provavelmente  relacionada  com  o  meu  maior problema relativamente à expressão super­erva daninha:  ninguém  parece  saber  o  que  é  uma  super­ erva daninha[N.T.:  de  aqui  em  diante  passarei  a  designar  apenas  por  "super­erva",  por  economia  de texto].  Para  determinar  se  "os  cultivos  GM  criaram  super­ervas"  são  necessárias  pelo  menos  duas coisas: 1.  uma definição do termo super­erva, e 2.  dados que relacionam o uso de transgénicos com o desenvolvimento de super­ervas. Comecemos  por  tentar  definir  super­ervas.  Certamente  que  se  a  expressão  indica  que  a  erva é super de  alguma  maneira  deve  possuir  alguma  característica  que  está  acima  e  além  de  uma  erva daninha comum. Tal como um super­herói tem uma habilidade que o público em geral não tem. Então que  "super"  característica  é  esta  que  as  super­ervas  possuem?  Pode  uma  super­erva  crescer  mais rápido  do  que  o  Incrível  Hulk?  Ou  pode  uma super­erva tecer  uma  teia  como  o  Fantástico  Homem­ Aranha? Ou talvez uma super­erva possa voar como o Super­Homem! Na  maioria  das  vezes,  o  termo  super­erva  está  associado  de  alguma  forma  com  a  resistência  a herbicidas.  Então,  se  definirmos  uma super­erva  como  uma  erva  daninha  que  desenvolveu  [evoluiu] uma resistência a herbicidas, podemos testar a hipótese de que "os cultivos GM criaram super­ervas." (UM APARTE: Da forma como esta afirmação é formulada, não há nenhuma maneira de que possa ser verdade, porque os cultivos não "criam" ervas daninhas. Há alguns casos raros de polinização cruzada entre espécies de cultivo e ervas daninhas, mas esses não resultaram, até à data, em ervas daninhas resistentes a herbicidas. Para bem do debate, vamos supor que a Sra. Gilbert realmente queria dizer "culturas  geneticamente  modificadas  têm  aumentado  significativamente  o  desenvolvimento  de  super­ ervas daninhas".) O Dr. Ian Heap tem desenvolvido e mantido uma página na internet para documentar novos casos de ervas daninhas resistentes a herbicidas, e nós podemos usar os dados nessa página para ter uma idéia de quão verdadeira ou falsa é esta afirmação usando a nossa definição de  super­ erva. Se  os  cultivos  GM  têm  contribuído  significativamente  para  o  desenvolvimento  de  ervas  daninhas resistentes  a  herbicidas,  seria  de  esperar  que  o  número  de  eventos  únicos  destas  super­ ervas  aumentasse  na  sequência  da  adopção  de  cultivos  GM.  A  figura  abaixo  ilustra  todos  os  casos únicos de ervas daninhas resistentes a herbicidas entre 1986 e 2012. Eu fiz uma regressão linear para os dados de 1986 a 1996 (período de tempo antes de a adoção generalizada dos cultivos GM) e outra regressão para o período de 1997 a 2012.

Gráfico 1. Casos únicos de ervas daninhas resistentes a herbicidas registados desde 1985 até 2012. Representadas estão também as regressões lineares dos anos anteriores (a vermelho) e posteriores (a

azul) a 1996. O  declive  da  regressão  linear  é  uma  estimativa  do  número  de  novas  ervas  daninhas  resistentes  a herbicidas  documentados  em  cada  ano.  No  período  de  onze  anos  antes  de  as  culturas  GM  serem amplamente  cultivadas,  cerca  de  13  novos  casos  de  resistência  a  herbicidas  foram  documentadas anualmente.  Após  a  adopção  de  cultivos  GM  começar  a  sério,  o  número  de  novas  ervas  daninhas resistentes a herbicidas DIMINUIU para 11,4 casos por ano. A diferença nos declives entre esses dois períodos de tempo provavelmente não é muito significativo do ponto de vista prático. Mas, com base nos  melhores  dados  disponíveis,  podemos  estar  certos  de  que  a  adopção  de  transgénicos  NÃO causou um aumento no desenvolvimento desuper­ervas daninhas em comparação com outros usos de herbicidas. Talvez  essa  definição  de  super­erva  esteja  demasiado  abrangente.  Vamos  redefinir  para  ervas daninhas  apenas  resistentes  ao  glifosato.  A  primeira  erva  daninha  resistente  ao  glifosato  foi documentada  em  1996.  Esta  é  aproximadamente  simultâneo  com  o  início  da  introdução  no  mercado de  cultivos  GM.  Mas  esta  primeira  super­erva  evoluiu  na  Austrália,  onde  nenhuma  cultura  GM  era cultivada.  Isso  torna  óbvio  que  não  são  necessários  transgénicos  para  que  se  desenvolvam  ervas resistentes ao glifosato. Certamente, a adoção de cultivos Roundup Ready (o tipo dominante de cultivo GM  com  resistência  a  herbicida)  aumentou  o  uso  de  glifosato  nos  terrenos  agrícolas  e,  portanto, aumentou  a  pressão  selectiva  para  resistência  ao  glifosato  das  populações  de  ervas  daninhas.  Mas mesmo  assim,  existem  actualmente  mais  ocorrências  de  ervas  daninhas  resistentes  ao  glifosato  em zonas e cultivos não­GM do que em culturas GM. O gráfico seguinte (de www.weedscience.org) ilustra o número de casos de espécies de ervas daninhas resistentes ao glifosato em diversas culturas/locais.

Gráfico 2. Número de espécies resistentes aos herbicidas do Grupo G (Glicinas) por cultivo (top 10), da esquerda para a direita: soja, milho, orquídeas, algodão, uvas, cultivos limítrofes de estradas, trigo, cultivos limítrofes de terrenos, frutos, cevada.

As  únicas  três  culturas  GM  no  gráfico  são  a  soja,  o  milho  e  o  algodão.  Todas  as  outras  barras representam  sistemas  não­GM.  Se  somarmos  o  número  de  espécies  resistentes  a  herbicidas  em cultivos  transgénicos  e  o  compararmos  com  as  zonas  e  cultivos  não­GM,  devíamos  esperar  que  os cultivos  GM  tivessem  um  número  maior  caso  as  culturas  GM  fossem  o  principal  contribuinte  para  a evolução de super­ervas daninhas. No entanto: 35 espécies de ervas daninhas resistentes ao glifosato estão presentes em culturas geneticamente modificadas (soja, milho, algodão). 40 espécies de ervas daninhas resistentes ao glifosato estão presentes em locais e culturas não­ GM (pomares, uvas, estradas, trigo, áreas de vedação, frutas, cevada). Então,  mais  uma  vez,  não  parece  haver  uma  significativa  diferença  entre  as  áreas  de  cultivos  GM  e outros  locais  onde  o  glifosato  é  usado.  Assim,  estes  dados  sugerem  novamente  que  os  cultivos transgénicos  não  são  mais  problemáticas  do  que  as  outras  aplicações  de  glifosato  para  a  seleção de super­ervas daninhas. Uma deficiência no gráfico anterior é que ele não indica onde é que as ervas daninhas primeiramente evoluiram. Talvez elas tenham evoluído em culturas GM, mas em seguida se tenham espalhado para infestar  outros  locais  representados  no  gráfico  de  barras  acima.  Então,  em  vez  disso,  espreitemos

ONDE  é  as  espécies  de  ervas  daninhas  resistentes  ao  glifosato  EVOLUÍRAM  PELA  PRIMEIRA  VEZ. Das  24  espécies  resistentes  ao  glifosato  documentadas  em  todo  o  mundo,  11  destas  super­ ervasevoluíram primeiro em culturas GM, em comparação com 13 super­ervasque evoluíram em locais e culturas não­GM. Vejam esses números novamente. E confira a figura abaixo, olhando para onde e quando assuper­ervas resistentes ao glifosato primeiramente evoluíram.

Gráfico 3. Resistência ao glifosato ao longo do tempo. Na vertical, o número de ocorrências de ervas daninhas resistentes ao glifosato, na horizontal os anos de ocorrência. Representadas a verde estão as que foram primeiramente registadas em cultivos GM e a vermelho as registadas primeiramente em locais e cultivos não­ GM, assim como as respectivas regressões lineares.

Por onde quer que se olhe para os dados, dá a entender que os transgénicos não contribuem para a evolução de super­ervas daninhasmais do que os outros usos de herbicidas. O que faz sentido, porque as  culturas  GM  não  são  selectivas  relativamente  às  ervas  daninhas  resistentes  a  herbicidas;  os herbicidas sim. O desenvolvimento de ervas daninhas resistentes a herbicidas não é um problema dos transgénicos, é um problema dos herbicidas. É importante notar que as espécies de plantas daninhas resistentes ao glifosato  que tiveram o maior impacto  económico  são  aquelas  que  evoluiram  pela  primeira  vez  em  culturas  GM  (em  particular,  o amaranto de Palmer do artigo da Sra. Gilbert). Mas isso é principalmente porque são essas espécies de  ervas  daninhas  as  que  eram  as  mais  economicamente  prejudiciais  logo  para  começar  (antes  de adquiriram  os  seus  super­poderes).  Mas  a  narrativa  do  amaranto  de  Palmer  é  o  que  leva  muitas pessoas a concluir que as ervas daninhas resistentes ao glifosato são principalmente um problema de culturas GM. Certamente, os cultivos Roundup Ready têm aumentado a quantidade de glifosato usado em  terrenos  cultivados,  e  este  aumento  do  uso  de  glifosato  contribuiu  para  a  evolução  de  algumas novas  ervas  daninhas  resistentes  ao  glifosato.  Ninguém  pode  negar  isso.  Mas  as  ervas  daninhas resistentes ao glifosato evoluiram devido ao uso do glifosato, não directamente devido aos cultivos GM. E até o momento, têm sido documentados mais casos novos desuper­ervas resistentes ao glifosato em locais  e  cultivos  não­GM  do  que  em  cultivos  GM.  Por  isso,  é  difícilmente  defensável  que  os transgénicos  sejam  mais  problemáticos  do  que  outras  aplicações  de  herbicidas  quanto  ao desenvolvimento de super­ervas. A menos, claro, que você se apoie em dogma e especulação.

Agora POR FAVOR, será que podemos parar de usar a expressão super­erva daninha? Andrew Kniss, 1 Maio 2013 original: http://weedcontrolfreaks.com/2013/05/superweed/

Nota Póstuma do Tradutor O  gráfico  seguinte,  da  página  International  Survey  of  Herbicide  Resistant Weeds (Levantamento  International  de  Ervas  Daninhas  Resistentes  a  Herbicidas)  mostra que  as  ocorrência  de  ervas  daninhas  resistentes  a  herbicidas  é  um  fenómeno  muito anterior  à  adopção  de  transgénicos.  Notavelmente,  o  glifosato/RoundUp,  que  merece  a maior parte da atenção dos media, é o sexto cronologicamente no aumento de casos de resistência, a seguir a outras cinco classes de herbicidas (ver bolas azuis no gráfico). Além disso,  o  glifosato/RoundUp  não  surgiu  devido  aos  transgénicos.  O  RoundUp  foi desenvolvido no início dos anos 1970 e começou a ser comercializado nos EUA em 1976, 20 anos depois da comercialização dos cultivos tolerantes a herbicida.

Gráfico 4. Evolução cronológica do número global de ervas daninhas resistentes a herbicidas para cada família de herbicidas. O glifosato está representado no grupo das Glicinas (bolas azuis).

 Tradução: Carlos Abrunheiro

Where are the super weeds [PORTUGUÊS].pdf

Whoops! There was a problem previewing this document. Retrying... Download. Connect more apps... Where are t ... TUGUÊS].pdf. Where are t ... TUGUÊS].pdf.

475KB Sizes 0 Downloads 170 Views

Recommend Documents

Where We Are? -
It is one of the most developed city which will hold the World. University Games in 2011.So not only can you have a different life here, but also you can have a chance to attend the World University. Games ,meeting people from other countries. Page 2

Weeds the Invaders.pdf
There was a problem previewing this document. Retrying... Download. Connect more apps... Try one of the apps below to open or edit this item. Weeds the ...

Weeds the Invaders.pdf
of ornamental plants, like Dalmatian toadflax. and purple loosestrife. Some have been intentionally introduced for. use as forage crops or for revegetating. roadsides, like reed canary grass and. Kentucky bluegrass. An ideal environment for these inv

You Are Where You Live - Esri
the most popular sections are the front page and local news .... more than 10 percent of households own- ...... found on Facebook, their social media platform of ...

Where Are You Going
Page 1 ... other people's faces to make sure her own was all right. Her mother, who noticed ... “Why don't you keep your room clean like your sister? How've you.

where the wild things are pdf book
Download now. Click here if your download doesn't start automatically. Page 1 of 1. where the wild things are pdf book. where the wild things are pdf book. Open.