A MODELO E O GUARDA-COSTAS Merline Lovelace

Ao ser ameaçada por um fã maníaco e desconhecido, a modelo Allison Fortune passa a contar com a proteção de Rafe Stone, um ex-mercenário contratado para ser seu guarda-costas. Enquanto protege a bela, Rafe percebe que o maior perigo é justamente Allison. Sua beleza estonteante e seu jeito sedutor são capazes de derrubar qualquer um, até mesmo um homem acostumado a lidar com grandes adversidades. Rafe começa a sentir seu autocontrole ameaçado... Mas será que Allison permitirá que ele resista até o fim do contrato? ALLIE FORTUNE: Muitas vezes capa de revistas, Allie aprendeu que os homens só estão interessados em duas coisas: seu dinheiro e seu corpo. Rafe Stone parecia diferente, mas este guarda-costas sexy é pago para protegê-la. Será que ela pode mesmo confiar nele?

RAFE STONE: Ex-mercenário, Rafe foi contratado para manter os problemas longe de Allie. Mas ele logo percebe que ela é um grande problema para os nervos dele. Sua excitante combinação de inteligência e beleza o deixam louco!

KATE FORTUNE: O clã dos Fortune ainda acredita que sua amada matriarca morreu, mas ela está velando por todos em segredo. Nem mesmo seu "falecimento" pode impedi-la de estar com seus entes queridos nos principais momentos de suas vidas.

MICHAEL FORTUNE: "Antes morto do que casado" sempre foi o lema deste grande executivo. Mas um anel de rubi talvez abra seus olhos para que ele perceba o que e quem está bem debaixo de seu nariz.

O Diário de Kate Fortune

É muito difícil para mim estar de fora e ver meus entes queridos sofrerem. Pobre Allie. Sua beleza sempre chamou muita atenção. E agora, está sendo perseguida por um fã obsessivo. Estou bastante preocupada. Felizmente, posso contar com Rafe Stone, o guarda-costas que cuida de minha neta. Allie não está acostumada a ser amada por homens que vejam nela sua beleza interior. Rafe também tem suas próprias cicatrizes, que fazem com que ele não acredite no amor. Eu espero que a caixinha de música que eu deixei para ela ajude os dois a encontrarem a força da verdadeira beleza. Embora seja um objeto bem barato e amassado, a musiquinha que toca é cheia de magia. Enquanto isso continuo investigando quem está perseguindo minha família. Porque eu desconfio que esse obsessivo busca algo além de minha neta...

Liz Jones

A Colunista N° 1 dos Celebridades

Será que os Fortune são amaldiçoados? Como se já não bastassem os últimos infortúnios, agora a glamourosa Allie Fortune, nova garota-propaganda dos Cosméticos Fortune, está sendo perseguida por um fã. Para sua sorte ela arranjou um guarda-costas grandão para proteger seus dotes. Desde a morte de Kate, o império dos Fortune foi obrigado a passar por uma reestruturação completa, e isso provocou uma queda considerável das ações do grupo. Mais uma vez foi adiado o lançamento de uma nova fórmula secreta, devido a contratempos misteriosos no laboratório da empresa. O que se diz é que, caso a tal fórmula não apareça, o grupo vai quebrar. Cá entre nós, eu não investiria um centavo nessa canoa furada... Mas o que está acontecendo é um problema relativo a negócios ou uma vingança pessoal contra os Fortune? Só o tempo dirá. Mas, não há dúvidas de que os verdadeiramente curiosos vão querer saber qual é o desfecho dessa história.

Capítulo 1 Primeiramente, ela notou sua gravata. Depois de passar 25 anos trabalhando como modelo, Allie Fortune conhecera todos os excessos da moda. Em sua carreira, usara acessórios de coleções que os críticos mais generosos descreveriam simplesmente como ecléticos. Entretanto, aquela peça para adornar o pescoço, em particular, ia muito além do ecletismo, podendo ser considerada até mesmo repugnante. Olhos de peixe vermelhos e laranjas salpicados em um fundo roxo criavam um padrão de moda que Allie mal podia começar a interpretar. Imaginando que tipo de homem combinaria aquela gravata detestável com uma calça preta tradicional, camisa azul-clara e casaco esportivo creme apertado na altura dos ombros largos, Allie ergueu os olhos na direção do rosto dele. Jamais o vira antes. Ela teria se lembrado. Ele sobressaía entre publicitários, diretores de arte, fotógrafos, químicos e engenheiros de produção reunidos na festa que a irmã mais velha de Allie promovia para lançar a nova linha de cosméticos da Cosméticos Fortune. Sob cabelos bem cortados, seu rosto era magro e surpreendente, apesar das cicatrizes do queixo e do pescoço... ou talvez por causa delas. Certamente ela teria se lembrado dos olhos dele. Azuis, brilhantes e emoldurados por uma boa quantidade de cílios negros que causariam inveja a muitas de suas amigas, eles a notaram em meio à multidão. Por alguns longos segundos, aqueles olhos azuis gélidos a pegaram. Para grande surpresa de Allie, aquele olhar examinador causou-lhe um formigamento na espinha. A penugem de sua nuca se arrepiou, como se surpreendida por uma brisa. Uma certa percepção incômoda tomou seus ombros e percorreu suas costas, sendo revelada pela abertura do vestido. Por um momento, todo o burburinho empolgante sobre a nova linha de produtos da Cosméticos Fortune parecia não ser mais o foco. Ser observada não era particularmente uma experiência nova para uma mulher que passara a maior parte de sua vida adulta sob os olhos imperdoáveis e severos de maquiadores, estilistas e fotógrafos. Mesmo assim, um pequeno e inexplicável arrepio estremecia os nervos de Allie enquanto a percepção aumentava. Com a desenvoltura dos anos de prática, ela manteve uma pose serena enquanto retribuía o olhar. Então, devagar, deliberadamente, o olhar dele a percorreu do topo de seus cabelos até as sandálias, passando pelas linhas suaves do vestido de chiffon verde-limão. Quando os olhares deles se encontraram novamente, ela sentiu-se levemente surpreendida. Allison Fortune aprendera a esperar por uma ampla variedade de reações dos olhos dos homens quando eles olhavam para ela. Rejeição não era uma delas. Melindrada, ela tomou um gole de champanhe. — Aceita outra taça?

A voz profunda e levemente incompreensível ao lado dela tirou sua atenção do estranho de cabelos negros do outro lado da sala. — Não, Dean, obrigada. Dean Hansen ergueu a sobrancelha loura. — Você está com essa taça há horas. Já deve estar sem gás. — Tenho que cuidar das calorias — respondeu ela. — Amanhã vou viajar para fazer um ensaio, lembra? Ele lançou um olhar mal-humorado, unindo as linhas de suas lindas feições classicamente escandinavas. — Lembro. Deus, Allie, você chegou de Nova York hoje de manhã. Quando vai passar um tempo em Minneapolis? Mais especificamente, quando você vai passar um tempo comigo? Ele aumentou o tom de voz, irritado, sobressaindo-se no agito das conversas e na batida de jazz do trio que tocava na outra extremidade da sala. Várias pessoas viraram para olhar, e Allie captou o olhar de sua irmã mais velha, nitidamente preocupada. Como gerente de marketing de uma vasta série de produtos da Cosméticos Fortune, Caroline Fortune Valkov tinha grandes responsabilidades. Desde a morte da avó, seis meses antes, em um acidente aéreo, essas responsabilidades tornaram-se ainda mais pesadas. Apesar de o pai delas, Jake, ter tomado a frente dos negócios quando Kate Fortune morrera, ele teve que reorganizar e otimizar várias empresas subsidiárias para manter o enorme conglomerado em andamento enquanto os advogados cuidavam das finanças de Kate. Como resultado, o valor das ações despencou. Para piorar, uma série de falências e um incêndio no laboratório químico principal causaram alguns contratempos no desenvolvimento da nova linha de produtos que Allie ajudava a lançar. Eles apostavam na nova linha, Caroline e o pai delas, bem como todos os demais membros da família Fortune. Mesmo sem a fórmula secreta da "juventude" em que a avó delas trabalhava ao morrer, esta coleção de novos produtos de beleza permitiria que eles obtivessem tempo para tirar a corporação dos problemas financeiros. Milhares de pessoas em todo o mundo dependiam da Cosméticos Fortune como meio de sustento. Em toda a vida de Kate, a organização jamais dispensara funcionários. Jake estava determinado a não ser o primeiro Fortune a colocar os funcionários na linha do desemprego. Por essa razão, Allie concordara em dar um tempo em sua carreira para ser a "cara" da nova linha. Por isso não contou a ninguém, a não ser para sua irmã gêmea, os detalhes sobre umas ligações assustadoras que vinha recebendo. E também por isso, com aquelas linhas marcadas na testa de Caroline, ela não precisava que Dean Hansen fizesse uma cena na festa da irmã. Allie examinou o homem com o qual vinha namorando há alguns meses. O rosto corado de Dean dizia que aquela seria a última vez que eles saíam juntos. O copo cheio de uísque na mão dele também dizia que ele não conseguia andar direito. Ao decidir que a única forma de ser justa com ele seria resolver as coisas entre os dois antes de ir para o Novo México, ela colocou sua taça sobre uma mesa. — Por que não vamos até o terraço? — sugeriu, balançando a cabeça na direção das portas envidraçadas. Com sorte, a brisa vinda do lago diminuiria o efeito do uísque. A expressão de Dean suavizou. O líquido âmbar espirrou, quando ele colocou o copo ao lado do dela. — Vá na frente, linda. Allie caminhou rápido pelas pessoas barulhentas e passou pelas portas. Atravessando o terraço, ela apoiou as duas mãos no parapeito de pedra e respirou fundo o ar bem-vindo daquela noite de agosto. Depois de duas semanas de reuniões e encontros com publicitários em meio à umidade sufocante de Nova York, o ar de Minnesota parecia bater em sua pele inacreditavelmente limpo. Os passos irregulares de Dean ecoavam na laje por trás dela, quase perdidos no volume oscilante das risadas e da música lá de dentro. Ele a pegou pelo braço. — Vamos fugir desse barulho. Por que não caminhamos ao redor do lago? Concordando, Allie tirou as sandálias e as deixou no terraço. Os dedos dos seus pés encolheram ao contato com a grama orvalhada. Ela correra descalça por aquele gramado com sua irmã gêmea muitas vezes, nos verões em que ficavam com a avó. Allie e Rocky caçavam vaga-lumes rindo e compartilhando seus sonhos de meninas com Kate. Agora Kate estava morta e Allie tinha adiado seus sonhos.

Com Dean ao seu lado, seguiu em direção ao lago. A relva longa e inclinada abafava os sons da festa. Gradualmente, o barulho se transformou em um leve murmúrio. Por alguns momentos, ela ouviu somente o marulhar da água azul contra os bancos de grama e o cantar das cigarras. Então, a voz rouca de Dean interrompeu a harmonia da noite. — Deus, Allie, você é tão linda! — E deslizando a mão por trás do pescoço dela, ele virou seu rosto. — Você não é de se jogar fora — respondeu ela —, mas... Ele passou o polegar pelos lábios dela. — Sem "mas". Hoje, não. Não na véspera da sua viagem. Quando ele tentou abraçá-la, Allie pressionou as mãos contra o peito dele. — Precisamos conversar, Dean. — Conversaremos mais tarde. Para sua surpresa, ele cravou os dedos por trás do pescoço dela e a puxou para frente. Franzindo o cenho, ela retesou os braços. — Dean, por favor! — Droga, Allie, não faça isso! Não me dê um gelo novamente! — Você bebeu demais — disse ela, tranqüilamente. — Me deixe. — Agora não — resmungou ele, com o hálito quente e cheirando a uísque. — Venho dançando conforme a sua música há meses. Sempre que tento me aproximar, você se esquiva. O que há com você, Allie? Que tipo de jogo está jogando? — Não jogo. Nem com você, nem com ninguém. — Joga sim! Que outro nome você dá a isso? Quando você me instiga e depois se afasta, sempre que tento tocála? Forçando os braços contra o peito dele, Allie lutou para manter a voz firme. Apesar de ter herdado parte do fogo da avó, bem como seus cabelos, há muito tempo aprendera a esconder as emoções por trás de um sorriso de fachada que o público gostava de ver. — Eu já disse a você várias vezes. Gosto de você... como amigo. Gosto da sua companhia... como amigo. Mas não vou para a cama com você. — Por que não? Ele parecia tão injustiçado, como um adolescente contrariado pelo pai não ter emprestado o carro, que ela teve que rir. — Porque eu não quero, Dean. Enquanto falava, Allie reconhecia a força das palavras. Seu sorriso foi minguando. O fato triste era que ela não queria há algum tempo. Muito tempo. Nem com Dean, nem com ninguém. Desde que descobrira que os homens, em geral, e particularmente seu primeiro noivo, estavam mais interessados em seu dinheiro do que nela mesma, Allie Fortune perdera o interesse. Aquela experiência humilhante não a desligara totalmente, nem de homens nem de sexo. Ela apenas não encontrara ainda o homem que pudesse vêla de verdade, além de sua imagem pública. Dean Hansen era um caso em particular. Em vez de aceitar que eles não estavam tendo um caso quando saíram pela primeira vez, ele tomou isso como desafio pessoal. Toda vez que ela ia para casa visitar a família e concordava em jantar ou ir ao cinema com ele, ele tentava provocar e agradá-la para que fizesse sexo com ele. Agora, aparentemente, ele não estava agradando. Mordendo os lábios, ele usou a mão que segurava o pescoço dela para puxar seu rosto para perto do dele. — Ah, você não quer? Talvez eu devesse fazer com que quisesse. — Talvez não. Me deixe, Dean.

— Acho que não. Dessa vez, não. — Sim — ela gritou. — Dessa vez! Dean não esperava a cotovelada forte no estômago. Ficou um pouco sem ar e afrouxou o abraço o bastante para que Allie conseguisse se soltar. Ela andou alguns passos para trás, esforçando-se para se controlar. — Vá embora — disse ela, friamente. — Não volte para a festa. Você não é mais bem-vindo. Ela se virou para ir para a casa. Quando a mão dele agarrou seu braço direito novamente, Allie perdeu o controle. Rodopiando, ela plantou as duas palmas das mãos no peito dele e deu um empurrão. Pego de surpresa, Hansen tropeçou para trás, balançando os braços no ar. Tarde demais. Allie viu que a combinação de uísque com aqueles movimentos iria jogá-lo no lago. Naquela condição de embriaguez, o tolo se afogaria. — Oh! — Ela se atirou para frente, segurando a lapela do paletó de Dean. — Preste atenção! Freneticamente, ele tentou agarrá-la. A mão dele pegou uma das tiras de seu vestido. A tira caiu pelo ombro dela, depois arrebentou. Com um olhar cômico de surpresa no rosto e um pedaço de chiffon verde-limão enrolado no pulso, Dean caiu no lago. Sua queda descoordenada jogou uma onda de água fria sobre Allie. Momentos depois, a saída desajeitada contribuiu para que ela se encharcasse ainda mais. Enquanto ela o ajudava a escalar o banco de grama, sua irritação foi dando lugar ao senso de ridículo que a ajudava nos ensaios longos e cansativos, quando tudo que podia sair errado saía. Mordendo o lábio inferior para conter o riso, ela levantou o vestido ensopado com uma das mãos, enquanto Dean tentava limpar a lama espessa que se esvaía de seu rosto e de suas mãos. Seu acompanhante não parecia estar se divertindo tanto quanto ela. Blasfemando, ele sacudiu as mãos para retirar a lama. Então, com os cabelos louros caindo sobre a testa, avançou na direção dela. — Sua pequena... — Sugiro que você dê uma espairecida, se não quiser cair no lago outra vez. Dessa vez, para sempre. A voz profunda e arrastada fez com que Allie e Dean olhassem ao redor. Olhando pela escuridão, ela viu uma figura sombria apoiada em um alto carvalho. Tirando os cabelos molhados dos olhos, Dean fitou a sombra. — Quem diabos...? — Você tem dez segundos para sair daqui, camarada. — Olhe, camarada... —Sim? A combinação de indagação educada com ameaça mortal naquela única palavra fez com que Allie piscasse e Dean expirasse com força. Indignado, mas agora mais previdente, ele tentou fazer ameaças. — Esta conversa é particular. Desencostando-se do tronco, o intruso caminhou sob a luz do luar. A respiração de Allie se acelerou quando ela reconheceu o mosaico de vermelho, laranja e roxo. — De acordo com a moça, a conversa acabou — falou o estranho. — Você agora tem cinco segundos. — Quem é este sujeito, Allie? Como ela não tinha idéia, ignorou a pergunta. — Acho que você deve ir embora, Dean. Agora. Ele ensaiou dizer alguma coisa. Então, o estranho caminhou para frente com uma economia controlada de movimentos que fez com que ele recuasse um passo. — Está certo — falou Dean, rispidamente. — Estou indo. Já é hora de eu encontrar uma mulher de verdade, em vez de uma boneca plastificada.

Nem Allie nem o rapaz ao seu lado disseram uma palavra enquanto Hansen se afastava, jorrando água pelos sapatos a cada passo. Quando ele partiu, a noite de verão os envolveu como um manto. Só que, dessa vez, Allie não notava as marolas batendo no banco de grama nem o cantar das cigarras. Agora, o homem diante dela absorvia toda a sua atenção. Com os olhos brilhando como prata sob a luz do luar, ele a examinou com a mesma objetividade imparcial de antes. Mais uma vez, ele a avaliou da cabeça aos pés, mas dessa vez seu olhar se concentrou mais no que havia no meio do caminho. Um pouco tardiamente, Allie percebeu que o vestido leve estava colado em seu corpo como uma segunda pele. Como Dean levara um bom pedaço do corpete para o lago com ele, ela só podia esperar que os restos de seu sutiã e sua calcinha escondessem mais do que revelassem. Tinha certeza de que a brisa fria arrepiara seus mamilos, juntamente com o resto de seu corpo. Pensando nos olhos enigmáticos do estranho em seus seios, Allie esfregou os dedos sobre o tecido amassado. Pela segunda vez naquela noite, ela sentiu algo diferente subindo pela espinha. Não era simplesmente atração. Não era exatamente curiosidade. Era mais uma percepção que a dominava em um nível subconsciente e a deixava desequilibrada. Com algum esforço, ela controlou um impulso instintivo feminino de cruzar os braços sobre os seios. Não tinha esta consciência sobre seu corpo desde que posara para o colega da turma que implorara para tirar algumas fotos dela e acrescentar ao seu portfólio. Aquelas fotos deslancharam sua carreira e a de Dominic, e Allie se livrou de sua modéstia pudica sob as lentes daquela câmera. Ou assim ela pensava. Quando ele finalmente olhou para o rosto dela, seus olhos tinham um predatório brilho masculino que Allie reconhecia bem. Ela sentiu um leve desapontamento. Mais cedo, a indiferença fria daquele homem a tinha intrigado quase tanto quanto sua gravata. Por alguns momentos, ela pensou que ele fosse diferente. Que não se importasse com aparência. Ela se permitira acreditar que ele estava tentando ver além de sua imagem quando lhe lançou aquele olhar gelado. Ele não estava indiferente agora, se é que aquela pequena chama de interesse masculino fosse alguma indicação. Dizendo a si mesma ser uma louca por estar desapontada porque um homem apreciava a aparência que ela lutava para manter perfeita, Allie levantou o queixo. — Não creio que nos conhecemos. — Não, não nos conhecemos. Como ele não parecia inclinado a continuar, ela estendeu a mão. — Sou... — Sei quem você é, Srta. Fortune. Ela abaixou a mão suavemente. O fato de aquele estranho saber seu nome não a surpreendia particularmente. O mercado de massa e a explosão do interesse da mídia pelas vidas das modelos as transformaram em superstars nos anos 90. Como resultado, o rosto de Allie normalmente era conhecido de imediato quando ela entrava em algum local. Ultimamente, ele vinha atraindo algo a mais também. Algo sombrio e assustador. Um eco da ligação que tirara o sono de Allie na noite anterior reverberava em sua cabeça. Ela mordeu o lábio quando descuidou-se da preocupação inexplicável com o homem diante dela, depois sentiu desconforto. Silenciosamente, ela olhou para ele. Delineado pela luz do luar, o rosto dele não mostrava suavidade, apenas ângulos pronunciados, intransigentes. Um queixo quadrado, obscurecido pelas sombras da noite. Um nariz que tinha colidido com algum objeto sólido uma ou duas vezes no passado. Bochechas magras. E aquelas cicatrizes do lado esquerdo do queixo e do pescoço... Engolindo para limpar a garganta repentinamente seca, Allie quebrou o pequeno silêncio. — Bem, você me conhece, mas eu não o conheço. Quem é você e o que faz aqui? — Meu nome é Rafe Stone. Sou seu guarda-costas, Srta. Fortune. Atônita, Allie o fitou.

— Meu o quê? — Possivelmente, seu guarda-costas — ele corrigiu. — Fui convidado a trabalhar como seu guarda-costas. — Por... por quem? — Pelo seu pai. Por alguns longos minutos, Allie ficou simplesmente embasbacada. Então, foi tomada pela raiva. Uma raiva repentina, impetuosa, que ela se recusava a deixar aquele estranho ver. Jake Fortune não conseguia parar de tentar controlá-la, mais do que tentava controlar seus outros filhos, sua mulher ou seus milhares de funcionários. Logo depois desse pensamento doloroso, veio a percepção cínica de que seu pai só estava tentando proteger o "rosto" no qual depositava o futuro de sua empresa. — Quando ele o contratou? — Ainda não fechamos o negócio, mas o acordo era para que eu começasse hoje à noite, caso aceitasse o emprego. — Hoje à noite? — Ela ergueu a sobrancelha, desdenhosa. — Então por que não intercedeu um pouco antes, Sr. Stone? Você deve ter visto minha briga com Hansen. — Ainda não negociei os termos de meu contrato com seu pai. Além disso — ele acrescentou, olhando para o tecido molhado nas mãos dela —, por um instante ali, eu estava tão confuso quanto seu amigo viking musculoso com relação ao seu jogo. Allie enrijeceu-se. — Então eu diria que você não é muito perceptivo para um homem que vive de observar as pessoas. Ele ergueu uma sobrancelha de forma sarcástica. — Perceptivo o bastante para ver quem convidou quem para um passeio na escuridão. — Sabe, Sr. Stone — respondeu Allie, falando cada palavra claramente —, não acho que eu particularmente queira a sua proteção. — Talvez você devesse conversar com seu pai sobre isso. — Conversarei. Ela ensaiou uma saída digna, o que não seria fácil com seu cordão francês escorregando pelo pescoço e o vestido se agarrando às coxas a cada passo. A caminhada de volta para casa pareceu muito mais longa do que a ida para o lago. Rafe a seguiu em um passo mais descansado, olhando para a figura esguia diante dele. Ele imaginava se ela tinha idéia de como o tecido molhado do vestido colava em seu corpo, ou do que provocava nos pulmões dele. É claro que tinha. Mulheres como Allison Fortune provavelmente já nasciam conhecendo o impacto que causavam nos homens. Tudo bem, os olhos espaçados dela, a boca carnuda e os membros longilíneos eram a base de fantasias noturnas. Então ele sentiu uma necessidade urgente e atrevida de passar o polegar naquelas costelas impossíveis, quando ele a viu pela primeira vez naquela sala barulhenta. Rafe possuía o que presumia ser um nível moderado de testosterona. Qualquer homem teria um desejo incontrolável de tocar a pele dela, só para ver se era tão sedosa e macia quanto parecia. Infelizmente, sua primeira reação a Allie Fortune fora amena, se comparada à que sentia agora. Observá-la caminhando pelo gramado inclinado com facilidade e graça detonou pequenas implosões de calor, uma após outra, logo abaixo de sua cintura. Com toda aquela magreza quase masculina, a mulher tinha uma figura que pararia o tráfego de qualquer rua, em qualquer cidade ou continente. Que bom que ela não o queria protegendo aquele corpo, pensou Rafe cinicamente, ainda mais do que desejava o emprego. Ele não precisava da quantia assombrosa que Jake Fortune oferecera, assim como não queria os tipos de complicação que sua reação involuntária a Allison Fortune poderiam causar. A reputação que conseguira em certos círculos por sua habilidade de penetrar aparentemente em locais impossíveis e resgatar reféns trouxeralhe mais trabalho do que ele podia administrar. Tivera sucesso naquele mundo sombrio e perigoso devido à sua

cruel habilidade de se concentrar no seu alvo. Se ele se deixasse envolver com a pessoa que estivesse por trás do alvo, perderia o fio afiado de concentração que seu trabalho demandava. Além disso, Rafe tinha sobrevivido a uma experiência desastrosa com uma bela mulher, e era um homem que aprendia com os erros. Sua ex-mulher não tinha nem de longe a classe de Allie Fortune, é claro, mas sua beleza ingênua de tirar o fôlego atraíra mais do que alguns homens. Phyllis o deixara três anos antes, quando ficou claro que nenhuma cirurgia apagaria as cicatrizes deixadas pela bomba que quase o matara e ao seu cliente. Rafe decidiu se manter afastado de qualquer embaraço como esse desde então... o que o fazia ser muito cuidadoso com relação à atração animal instantânea que sentia pela mulher diante dele. A cada passo, sua determinação de dizer a Jake Fortune para procurar outro profissional aumentava. Entre outras coisas. Ela chegou às escadas que levavam ao terraço e Rafe pensava inutilmente se ela tinha a intenção de entrar na sala iluminada com todas as curvas à mostra. Provavelmente. De acordo com o dossiê que ele obteve sobre Allison Fortune, não havia muitas partes de seu corpo que ainda não tivessem sido capturadas em detalhes explícitos e mostradas ao ávido público. Apesar do pequeno discurso melindroso para Eric, o Louro, há alguns minutos, essa mulher fizera carreira jogando. Ao ter seu corpo coberto por uma rocha em um litoral meio enevoado em um anúncio de página inteira que fazia com que Rafe suasse frio, ela estava tentando provocar algum efeito. O anúncio pode ter feito a metade feminina da população correr e comprar as pequenas tiras de tecido que os fabricantes chamavam de maiô. A metade masculina, incluindo Rafe, fantasiava em deslizar as tiras pelos braços e... Ela parou abruptamente, com um dos pés no primeiro degrau de pedra. Mordendo o lábio inferior, olhou para as portas envidraçadas e então olhou para Rafe. — Você poderia entrar e chamar meu pai? Peça a ele para me encontrar na biblioteca em quinze minutos. Rafe nunca fora muito bom em acatar ordens, mesmo durante os anos em que trabalhara nas Forças Especiais. Mas naquela circunstância, estava tão ansioso quanto Allie Fortune para terminar a sociedade deles antes que ela começasse oficialmente. — Sim, senhora — ele falou, com uma polidez excessiva. Ela apertou os olhos. — Você é sempre sarcástico assim com todos os seus possíveis clientes? Silenciosamente reconhecendo que queria ser mais do que sarcástico com essa possível cliente em particular, Rafe sacudiu a cabeça. Como uma simples coleção de carne e osso podia provocar urgências masculinas tão primitivas? Ele não sentia uma atração tão forte por uma mulher desde Phyllis. Diabos, ele sequer sentira isso por Phyllis! — Não, Srta. Fortune. Não sou. Antes de ela poder responder, ele subiu a escada. Seus passos ecoavam nas pedras enquanto ele se dirigia à casa, determinado a dizer a Jake Fortune que não estava interessado no trabalho.

Capítulo 2 Rafe logo descobriu que Jake Fortune não aceitava não como resposta. Com todo o seu ar aristocrático, o homem tinha o instinto de um lutador de rua. Alto, de cabelos grisalhos e impecável em um terno Armani cinza, ele apoiou o quadril na mesa com tampo de couro que predominava na biblioteca, cruzou os braços e foi direto ao assunto. — Eu dobro a oferta.

Rafe olhou para seu possível empregador de forma pensativa. Sabia o valor de seus serviços e não se arrependia de cobrar dos clientes de acordo com seu poder econômico. O fato de Jake Fortune ter, sem escrúpulos, dobrado a oferta dizia a Rafe que havia algo mais nesse emprego do que o cliente admitia. Sempre havia, pensou, cinicamente. Ele tinha as cicatrizes para comprovar isso. Ainda assim, não precisava do dinheiro e, certamente, não precisava lidar com as pequenas chamas de calor que Allie Fortune acendia nele. — Não é uma questão de dinheiro — disse ele ao pai dela. — Minha especialidade é resgate sob condições hostis, e não babá de modelo. Os dois homens se viraram ao som de uma pequena risada. Uma loura esbelta estava parada em uma das portas laterais. — Sempre é uma questão de dinheiro quando meu marido está preocupado, Sr. Stone. O rosto de Jake Fortune demonstrou irritação antes mesmo de ele tentar evitar essa sensação. — Ao menos você está certa com relação a isso. Entre, Érica. Talvez você tenha mais êxito do que eu em convencer o Sr. Stone a proteger Allie. Quando Érica Fortune entrou na sala revestida de carvalho, Rafe detectou traços da filha no porte elegante da mãe e em sua graça controlada, indiferente. Mas a beleza estonteante da mulher mais velha parecia frágil, quase quebradiça. O dossiê sobre Allison Fortune também incluía várias páginas sobre seus pais. Antiga rainha da beleza e primeira modelo da Cosméticos Fortune, Érica Fortune aproveitou o que a mídia chamou de casamento de conto de fadas com o filho do fundador da empresa. A julgar pela tensão que ela levara para a biblioteca, Rafe não apostou muito na parte do foram-felizes-para-sempre. O que quer que estivesse causando o óbvio estresse entre Érica Fortune e seu marido, entretanto, foi colocado de lado em nome do interesse da filha. Os olhos verdes de Érica amoleceram enquanto ela protestou com Rafe. — Por favor, reconsidere Sr. Stone. Não sei o quanto meu marido contou ao senhor sobre as ligações que minha filha vem recebendo, mas elas nos preocupam. — Ele contou que um fã teve acesso ao número não divulgado dela e fez algumas ligações de caráter erótico. — Erótico? — Érica torceu o nariz. — Obscenas. O homem é um pervertido. — Até a polícia rastrear esse fã, concordo que seja prudente fornecer segurança à sua filha, Sra. Fortune. Só não acho que eu seja a pessoa adequada para o trabalho. — Por que não? Rafe puxou sua gravata. Ele não podia dizer àquela mulher que não queria passar duas semanas com a filha dela porque ela também provocava pensamentos eróticos nele. — Olhe, Sra. Fortune... — Érica, por favor. — Érica. Eu... Uma pancada forte nas portas maciças que levavam ao corredor principal interrompeu a resposta de Rafe. Quando Allison Fortune entrou, logo depois, Rafe sentiu falta de ar. Irritado mais uma vez pelo impacto que ela tinha sobre ele, Rafe parou de brincar com a gravata e colocou as mãos nos bolsos. Tinha que admitir que ela era pontual. Como dissera, levou quinze minutos para colocar um pijama turquesa de seda com uma pequena gola chinesa e bordados modernos. Se a maquiagem fora borrada pelo banho que aquele tipo nórdico lhe dera perto do lago, ela a retocou rápido o bastante. Parecia intocada e intocável. Ela piscou para Rafe, então olhou para a mulher mais velha. Sua testa perfeitamente lisa foi marcada por uma ruga. — Pensei que este negócio de guarda-costas fosse idéia de Jake. Você também sabia disso, mãe? Interessante, pensou Rafe. Ela se referia ao pai pelo nome, mas não à mãe. — Ele me falou sobre isso quando o Sr. Stone chegou hoje na festa — respondeu Érica.

— Ah, é? Mas ele se esqueceu de me falar. Quando a filha virou-se para fitá-lo, Jake Fortune deixou de lado seu jeito nobre. — Você é sempre tão inflexível quanto à sua privacidade, Allie. Eu sabia que você seria contra ter alguém ao seu lado 24 horas por dia. Achei melhor não discutir essa questão com você antes de verificar a disponibilidade do Sr. Stone e finalizar nossos acertos. — Você tinha razão, eu sou contra a presença do Sr. Stone 24 horas por dia. Nem precisa finalizar os acertos. Rafe pensou em repreender os dois. Ele não concordara com acerto nenhum. Mas nenhum dos Fortune parecia interessado na opinião dele no momento. — Gostaria que você pensasse nisso. Você sabe o quanto é importante para... — Sim, eu sei. Para a Cosméticos Fortune. Jake cerrou a boca. — Eu ia dizer o quanto você é importante para toda a família. Não gosto da idéia de um fã obcecado preocupando você ou perturbando sua vida. — Ou o ensaio fotográfico — ela acrescentou, suavemente. Allie olhou seu pai nos olhos por um longo momento. — Você conversa com ela. Eu não posso mais, evidentemente. Passando pelo marido, Érica foi para o lado da filha. — Por favor, querida, seja compreensiva. Esta campanha é importante não apenas para a Cosméticos Fortune, mas para sua carreira também. — Começo uma nova carreira depois da campanha, lembra? — Eu sei, eu sei. E você tem razão em pensar em uma carreira a longo prazo. Ser modelo é um negócio brutal, em que o valor da mulher só é medido por sua aparência. O tom musical da voz de Érica se alterou um pouco. —Infelizmente, isso é verdade para outras situações. Ela não virou a cabeça, não o bastante para cruzar o olhar do marido, mas Jake Fortune assumiu uma postura rígida. Se sua esposa notou essa reação, ela a ignorou. — Mas você está quase no auge, Allie. Ainda tem anos pela frente. — Mãe... — Você é mais fotogênica do que eu e concordou em lançar a nova linha. Se ela for bem-sucedida como esperamos, você atingirá o nível mais alto da sua carreira. Só gostaria que tivéssemos escolhido um ensaio em estúdio para esta campanha, em vez de um cenário natural. — Érica continuou, com a voz bastante preocupada. — Não gosto da idéia de você sozinha por duas semanas, no meio do nada. Allie sorriu. — Ah, mãe — ela debochou, gentilmente. — Um resort cinco estrelas a alguns quilômetros de Santa Fé está longe de ser o meio do nada. E você sabe tanto quanto eu qual será o tamanho da equipe necessária para este ensaio. Mal ficarei sozinha. Mais tarde, Rafe diria a si mesmo que ele deveria ter saído da biblioteca como planejara, se ela não tivesse rido de forma tão insinuante. As linhas de seu rosto foram suavizadas. Os olhos brilharam. E ele foi atingido em algum lugar perto do rim esquerdo. O meio-sorriso o pegou, mas uma emoção diferente provocou vertigens um pouco depois. Os grandes olhos cor de esmeralda de Érica brilharam quando ela pegou as mãos da filha. — Mas aquela pessoa nojenta disse que vai achar uma forma de ir com você e provar o quanto a ama. Ele faria muito mais do que isso, adivinhou Rafe instantaneamente, ou Allie não teria desviado o olhar para ocultar o tremor que sombreou seus olhos. Rafe estava no ramo há algum tempo para reconhecer medo, independentemente de ele ser bem ou mal escondido.

Droga, ele pensou, desgostoso, por que ela não é somente um rosto bonito? Por que ele tinha que capturar o olhar de uma mulher assustada, fragilizada, por trás de uma fachada sofisticada? A Allison Fortune de quem ele teria fugido sem escrúpulos. A mulher que se recusava a permitir que a família visse seu medo, percebido pelos instintos profissionais de Rafe. Ele não podia deixar de imaginar o que mais ela escondia por trás daquela capa glamourosa. Está certo, ele racionalizou, podia fazer isso. Fora treinado para não se envolver emocionalmente com os clientes. Podia passar duas semanas com Allison Fortune, defendê-la desse louco que falava obscenidades pelo telefone e embolsar a quantia absurda que o pai dela oferecia. Supondo, é claro, que a moça concordasse com a proteção... e que jogasse esse jogo específico de acordo com as regras dele. — Por favor, querida — Érica implorou, quebrando um pouco a voz. — Já foi muito ruim não sabermos sobre este pervertido antes de a polícia ligar para cá atrás de você. Não piore as coisas recusando nossa proteção até que ele seja encontrado. Com um pequeno suspiro, Allie bateu na mão da mãe. — Desculpe. Eu devia ter contado sobre as ligações. Só não queria preocupá-la. Ou ao resto da família — ela acrescentou, depois de uma pequena pausa. — Todos vocês tiveram muitos problemas desde a morte de Kate. — Então você concorda com a segurança? — perguntou Jake. Ela lançou um olhar gélido ao pai e virou aqueles inacreditáveis olhos para Rafe. Estranho, ele nunca percebera o quanto a cor castanha podia se alterar. No intervalo de uma batida do coração, podia variar de um café profundo, intenso, a uma cor-de-barro monótona, sem graça. — Concordo — disse ela depois de um tempo. — Mas com certas condições. — Não opero com restrições. — E não posso operar sem um certo regime — ela retrucou. — Corro todas as manhãs e, durante os ensaios, devo dormir pelo menos oito horas à noite. Tudo o que peço é que você estruture seus procedimentos de segurança em torno dos meus horários, se possível. Rafe não entrava em uma academia há anos e nunca gostou muito de correr, mas calculou que poderia proteger sua cliente durante os exercícios matinais. E quanto às oito horas de sono à noite na cama... Com algum esforço, ele baniu a imagem excitante de Allie Fortune com seu olhar ingênuo, dormindo docemente. Dizendo a si mesmo que ele era dez vezes um tolo, Rafe concordou. De forma relutante. — Acho que posso me ajustar aos seus horários. Ela hesitou, obviamente tão sem entusiasmo quanto ele estava com relação às próximas duas semanas. — Então deixarei você negociar os termos de seu contrato com meu pai. Se decidir aceitar o emprego, eu o encontro no aeroporto. Iremos para Santa Fé às dez horas. — Bem, fico contente que tudo tenha se resolvido — disse Érica, com um suspiro de alívio enquanto a filha a beijava na bochecha e se encaminhava, em seguida, para a porta. — Não o suficiente — disse Rafe. Allie parou com uma das mãos na maçaneta. — Se serei responsável pela sua segurança, Srta. Fortune, tenho algumas condições também. — Como? — Como o fim de caminhadas até o lago, ou a qualquer lugar, a menos que eu vá junto. Depois de tantos anos em frente às câmeras, esconder os pensamentos tornara-se quase uma segunda natureza para Allie. Seu trabalho era projetar as emoções que o fotógrafo e o diretor de arte queriam, e não os próprios sentimentos. Então, ela manteve sua expressão cuidadosamente neutra enquanto deliberava se dizia a Rafe Stone para se jogar no lago ou em qualquer outro lugar. No entanto, assim como queria colocar aquele homem em seu devido lugar, Allie tinha que admitir que a idéia de um guarda-costas fazia sentido. Apesar de ela treinar com freqüência as precauções de segurança básicas contra pessoas estranhas que se apaixonavam por rostos de capas de revistas, essas ligações na madrugada se

tornaram muito pessoais, muito perturbadoras. Ela não queria que este louco continuasse incomodando sua vida. Mais exatamente, ela não queria que ele atrapalhasse esse ensaio. Sua irmã mais velha, seus pais, sua família inteira, apostaram tudo nesta campanha. A programação bem planejada deles quase não admitia erros. Apesar de sua maneira rude, ou talvez por causa dela, aquele Rafe Stone despachou Dean Hansen com facilidade. Certamente ele parecia ser capaz de lidar com um fã irritante e obsessivo. Além disso, ela só precisaria da proteção dele por duas semanas. No máximo três. Só enquanto eles estivessem no local das fotos. A polícia assegurara que a segurança do condomínio dela de Nova York era adequada. Ela poderia dispensar os serviços dele quando eles voltassem para a cidade, para o trabalho final no estúdio. Duas semanas. Ela poderia suportar a presença constante de Rafe Stone por duas semanas e ainda manter o equilíbrio interno. Talvez. — Qual é a segunda condição? — ela perguntou. — Se eu perceber alguma ameaça à sua segurança, você segue minhas ordens. Todas elas. Sem perguntas. Allie não era burra. Nem imprudente. No caso de uma ameaça real, ela ficaria mais do que contente em deixar este homem tomar a frente. — Concordo. O consentimento dela não deu a ele a idéia de satisfação. — Eu a pego às nove e a levo para o aeroporto — disse ele, de forma brusca. — Não vai mais negociar com meu pai, Sr. Stone? — Não. E meu nome é Rafe. Ela hesitou e então estendeu a mão. — Me chame de Allie. O toque dela era caloroso e macio, e ao mesmo tempo eletrizante. Rafe envolveu os dedos dela pelos poucos segundos necessários. Quando ela deslizou a mão pela palma da mão dele, seu calor provocou em Rafe uma maldita necessidade de segurá-la. Duas semanas, ele disse a si mesmo, impiedosamente. Ele passara quase esse mesmo tempo com a barriga na poeira, estourando o possível esconderijo de um terrorista no sul da Espanha. Se conseguiu lidar com aquele bando de aspirantes a terroristas ineptos, conseguiria lidar com a presença de Allie Fortune. Talvez.

Por volta das oito e meia da manhã seguinte, Allie estava perdida em pensamentos. Passara a noite sem dormir, tentando, sem sucesso, se acostumar com a idéia da presença perturbadora de Rafe Stone em sua vida. A insônia dela fora agravada pela observação ácida da irmã, que ressaltou que ela deixaria Jake fazer aquilo com ela novamente. — Por que você não o enfrentou? — perguntou Rocky, citando apenas a parte da conversa que ouvira na noite anterior, quando Allie ameaçou enfiar uma fronha na cabeça dela. Empoleirada confortavelmente no parapeito de uma janela do banheiro que dividiam desde a infância, Rocky foi atrás de sua irmã gêmea com a ira de uma irmã que ama a outra. — Você devia ter dito a Jake para ir se danar quando ele a pressionou para fazer esta campanha. Você sabe o quanto está esgotada. Vem tentando fazer aulas de teatro entre os ensaios e as fotos para propaganda. Você só tem tempo para namoros ocasionais com idiotas como Hansen. E agora tem esse estranho ligando no meio da noite. Você precisa, querida irmã, é de um caso picante, rápido e ardente. — Tudo bem. — Estou falando sério. Você precisa de alguém que a faça jogar tudo para o alto e aproveitar a vida novamente. De preferência, um homem que não cultue o altar de sua beleza. — Eu preciso que você saia do meu pé — replicou Allie, jogando uma camiseta em sua maleta.

— Eu ou Jake? — Os dois. — Então, diga isso a ele! — Eu não sou você, Rocky. Não tenho o dom de desafiar as pessoas. — Não projete em mim este ato inocente. Você nunca hesitou em desafiar ninguém quando era mais nova. Só que fazia isso de forma tão doce que ninguém além de Kate conseguia ver através de sua fachada angelical. Foi desde a morte dela que você deixou Jake, Caroline e toda a família tomarem conta de sua vida. Allie agarrou a bolsa de maquiagem com as duas mãos, agora com uma dor familiar. Involuntariamente, ela olhou para o carrossel de metal gasto que estava em cima da cômoda. Kate vira a fascinação dos olhos arregalados das netas quando ela comprou o carrossel. Rindo, ela deu o brinquedo de fabricação alemã para as meninas brincarem, mesmo sendo uma antigüidade cara. Como Kate gostava tanto de dizer, não havia nada mais precioso no mundo do que a alegria de uma criança. A atrevida Rocky logo se cansara do carrossel, mas Allie se divertia em sua infância com aquela cobertura filigranada e com os cavalos empinando. Agora, batido e danificado após anos de uso, o carrossel de folha-de-flandres era a lembrança mais querida que Allie tinha da avó. Kate deixara para ela em seu testamento como recordação pessoal. Deixando a bolsa de maquiagem cair, Allie andou na direção da cômoda. Seus dedos viraram a corda o número certo de vezes. Se virasse muito, a melodia voaria como uma revoada de pardais em busca de outro pássaro longe do ninho. Se virasse pouco, saía como um rastejar indolente. Ela largou a corda e uma polonaise de Chopin retiniu pelo ar. Um após o outro, os cavalos em miniatura mergulhavam e emergiam, escavando o ar no ritmo da música. Quando a música diminuiu, Rocky suspirou. — Deus, sinto falta dela. Allie engoliu para amenizar a dor na garganta. — Eu também. Tirando a camiseta da mala, usou-a para envolver cuidadosamente o pequeno carrossel e aconchegou a trouxa em meio a suas roupas íntimas. — Foi por isso que não mandei Jake se danar — Allie falou à irmã, calmamente. — E é por isso que vou para o Novo México. Kate passou a vida construindo a Cosméticos Fortune. Se eu puder salvar a empresa da falência, vou ajudar. — Está certo — concordou Rocky, se levantando. — Faça como quiser. Mas gostaria que você me deixasse acompanhá-la até Santa Fé. Me sentiria melhor com relação a toda a situação se eu tivesse a chance de sacudir este capanga que o Jake contratou e ver do que ele é feito. Allie deu de ombros. Depois de fechar a mala, olhou para o relógio da mesa-de-cabeceira. — Se você quiser conhecer Rafe, desça comigo. Ele vem me pegar em dez minutos. — Rafe? — O brutamonte — disse Allie secamente. Os olhos de Rocky brilharam. — Hum... talvez essa história de guarda-costas não seja tão má idéia, no fim das contas. Duas semanas. Só vocês dois. — E uma equipe de cerca de quarenta pessoas. Rocky eliminou a equipe fazendo um sinal com a mão. — Não importa. Eu tenho que conhecer o rapaz. — Então vamos. Ele deve chegar a qualquer momento e não quero fazê-lo esperar.

Sua irmã esboçou um cumprimento. — Sim, senhora! A caminho, senhora! Trinta minutos depois, Allie batia com a sola dos sapatos no chão encerado do saguão. Rocky tinha ido à cozinha buscar uma xícara de café. Ela tinha somente sua irritação como companhia, enquanto esperava o guardacostas. Puxando a manga de sua túnica de gabardine rosa, Allie olhou novamente o relógio. Normalmente ela tinha mais paciência para lidar com atrasos. Eles eram inevitáveis na profissão dela. Os fotógrafos sempre parecem precisar de lentes diferentes. O pessoal de apoio desaparecia misteriosamente quando precisavam dele. Mas o atraso de Rafe só aumentava suas dúvidas quanto ao acordo realizado. Para ele, era muito se acomodar à programação dela. Quando a campainha tocou alguns momentos depois, ela abriu a porta, estremecendo um pouco ao ter a vista salpicada por vermelho-fogo, laranja e violeta. Na noite anterior, a gravata de Rafe a intrigara. Na luz do dia, ela agredia seus sentidos. — Bom dia — ela saudou, em um tom seco e pegando a mala. — É melhor corrermos. Estamos atrasados. Os outros estarão esperando. Rafe apertou os lábios imperceptivelmente. Depois de três anos, ele se acostumara com a reação que sua aparência causava. Mas o recuo involuntário de Allie e sua saudação seca vinham antes da noite mal dormida e das muitas horas passadas no telefone naquela manhã, apurando o status das investigações sobre as ligações que ela recebera. Rafe não gostava de se atrasar, assim como não gostara da informação que finalmente arrancara do Departamento de Polícia de Nova York. Conseqüentemente, sua saudação foi tão concisa quanto a dela. — Eles terão que esperar um pouco mais. Você precisa mudar de roupa. Está chamando muito a atenção. Surpresa, ela olhou para a própria roupa. Rafe não tinha nada contra a calça preta dela, mas a túnica rosachoque de cadarço preto amarrado sobre um dos braços e a bota do tipo militar em um preto cintilante atrairia os olhos de qualquer homem, especialmente no corpo de Allie. — Vou dividir com você uma dica do meu negócio — disse ele. — A menos que queira parecer uma armadilha, é bom disfarçar a vítima. Rafe pôde ver que ela não gostou de ser descrita como uma vítima. Mas depois de ouvir as transcrições da fita que ela dera a polícia com as ligações noturnas, ele não podia descrevê-la de forma diferente. — Pelo menos nas próximas semanas — ele continuou —você deve chamar o mínimo de atenção. Os cabelos espessos e brilhantes de Allie caíam sobre seus ombros, quando ela ergueu a cabeça para examinar o rosto dele. Rafe se esticou quando ela olhou para seu pescoço. — Seria mais fácil para mim não chamar a atenção se meu guarda-costas não vestisse vermelho e laranja estampados em olhos-de-peixe — ela sugeriu. Rafe tocou em sua gravata, imaginando por um momento se ele tinha compreendido mal a reação de Allie quando ela abriu a porta. Ele mal conseguiu impedir um sobressalto quando ela viu o item em questão pela primeira vez. Mas tinha sido um presente da criança de cinco anos que ele salvara em um gueto de viciados fortemente armados e racistas. A menina tinha sido seqüestrada pelo pai, que não acreditava que a corte ou sua ex-mulher tivessem autoridade sobre ele. Jody escolhera a gravata sozinha, ela dissera a Rafe, solenemente. Ele a vestira para agradá-la, mas desde então a gravata virou uma espécie de talismã. Naquela ocasião, pelo menos, servira a um propósito útil. — Eu prefiro que os olhos das pessoas se direcionem a mim do que a você — ele falou à cliente. — A gravata ajuda quase tanto quanto as cicatrizes. Ela arregalou os olhos suavemente quando ele mencionou sua desfiguração. Rafe aprendera que a maioria das pessoas preferia rodear um assunto em vez de ir diretamente ao ponto. Ele jamais aprendera a fazer rodeios. — Você pode fazer sua parte se vestindo um pouco menos como uma... — Ele a examinou rapidamente. — Como uma super modelo.

Rafe esperava uma tromba ou um protesto. Em sua experiência limitada, a última coisa que uma mulher bonita queria era minimizar a importância de seu poder de atração. Para sua surpresa, ela reprimiu sua impaciência óbvia com o atraso e o conduziu para dentro. — Não trouxe muita coisa comigo de Nova York, mas posso pegar algo emprestado com Rocky. Rafe ficou pensando nesse nome enquanto entrava. Rocky. Rachel Fortune. A irmã gêmea de Allison. — Você quer uma xícara de café ou alguma coisa, enquanto eu troco de roupa? — Não, obrigada. — Não demoro. Com as mãos nos bolsos, Rafe apoiou um ombro na parede e analisou o hall de entrada e a imensa sala de estar. Na noite anterior, a casa estava cheia de pessoas e barulho. Rafe notou sua elegância, mas absorveu pouco de suas características. Nessa manhã, a luz do sol entrava pela janela em forma de leque acima da porta e aquecia o assoalho de carvalho com um fulgor dourado. Flores frescas acrescentavam cores intensas aos verdes e azuis das cadeiras de encosto alto e dos conjuntos de sofás da sala. Apesar de toda a sua vastidão, a mansão dos Fortune passava a impressão de um lar. Rafe certamente não podia dizer o mesmo sobre o apartamento para o qual se mudara em Miami depois do divórcio. Apesar de estar mobiliado com o básico, faltava algumas qualidades características de um lar. Talvez isso se devesse ao fato de ele passar apenas alguns dias do mês em casa, se tanto. Por um momento, Rafe brincou com a idéia de voltar para uma casa com uma atmosfera de beleza e uma certa elegância... e para uma mulher com as mesmas qualidades. Uma mulher como Allie. Ele sacudiu a cabeça negativamente. Já passara por uma situação como essa. Não estava disposto a enfrentá-la novamente. O som de passadas ecoando contra o chão de madeira limparam suas memórias desagradáveis, e Rafe se ajeitou quando Allie apareceu. Seu primeiro pensamento foi o de que ele fizera coisas estúpidas em sua vida. Fazer com que a cliente trocasse a calça larga por uma calça jeans que marcava seu quadril e mostrava as curvas de seu traseiro com certeza foi uma das mais idiotas. Todos os homens que tivessem passado da puberdade virariam a cabeça quando ela passasse. O segundo pensamento foi que ela trocara mais do que de roupas. Primeiramente, Rafe não podia precisar exatamente o quê. Os cabelos castanhos avermelhados dela caíam sobre os ombros na mesma onda espessa. Cílios negros emolduravam os mesmos olhos castanhos. Sua boca carnuda parecia tão tentadora quanto quando ela abriu a porta para ele, momentos antes. Mas algo relativo à forma como ela estava disparou uma dúvida instintiva na cabeça de Rafe. Demorou alguns segundos para ele perceber que aquela mulher que o observava não era Allie. Deus! O dossiê indicava que ela e a irmã eram gêmeas, mas aquela breve anotação sequer começava a descrever a similaridade estarrecedora das duas. Se Rafe não tivesse passado metade da noite memorizando os trejeitos e hábitos da sua cliente, provavelmente jamais saberia que aquela não era Allie. As diferenças entre elas, ele concluiu objetivamente, eram mais uma questão de estilo do que de aparência. Diferente da sofisticação clássica de Allison, Rachel optara por uma aparência mais relaxada. Ela vestia um casaco de aviador de couro marrom com as mangas arregaçadas, uma blusa branca de tricô, botas e a calça jeans que acelerara o coração de Rafe. Ele só podia esperar que ela não causasse o mesmo efeito na figura esbelta de Allie. — Você deve ser Rocky — disse ele, calmamente. Sorrindo, ela balançou a cabeça. — Certo. E você, eu espero sinceramente, é a arma contratada. Antes de ele responder, Allie voltou. Rafe logo viu que suas esperanças foram vãs. Vestindo calça jeans, uma camisa de gola alta creme e uma jaqueta jeans azul-clara, Allison Fortune parecia o sonho de uma universitária sexy que todo homem tem. A única forma de impedir que ela chamasse a atenção, Rafe pensou, implacável, seria enrolá-la em um cobertor da cabeça aos pés.

Ele retirou do bolso um bipe pequeno, especialmente projetado. — Tome, prenda em sua roupa e certifique-se de mantê-lo ao alcance das mãos o tempo todo. Franzindo o cenho, ela virou a pequena caixa preta na mão. — O que é isso? — É um dispositivo de rastreamento e sinalização de emergência. — E como funciona? Não vejo nenhum botão para apertar. — Não há botões. Se você precisar de mim, pegue-o e aperte. A pressão e o calor da palma da sua mão enviam um sinal pulsante para minha unidade. Ela mexeu no bipe. — No restante do tempo, o dispositivo emite um sinal contínuo codificado para uma freqüência especial que somente minha unidade pode pegar. Com as mãos paradas, ela olhou para ele. — Contínuo? — Para que eu possa rastreá-la a todo momento, durante o dia e à noite. — Eu ouvi falar destes dispositivos — disse Rocky. — Eles foram inicialmente desenvolvidos pelos militares, mas agora as pessoas os compram para rastrear seus cachorros — ela acrescentou, sorrindo para a irmã. A expressão de Allie era de desgosto. — Não sei se gosto da idéia de ter uma coleira, como um poodle. — Faz parte do pacote de segurança. O tom brusco de Rafe mostrou claramente que ela devia levar o pacote inteiro ou desistir dele. Allie não perdeu as entrelinhas. Apertando os lábios, ela levantou o clipe e prendeu na parte interna de seu bolso. — Vamos — disse ela, brevemente. — Estamos atrasados. Vinte minutos depois, Rafe entrou no acesso ao aeroporto e dirigiu até o hangar particular indicado por Allie. Ela dissera que alguns membros da equipe local viajariam com eles no pequeno jato fretado. Ela não se importou em mencionar que metade da população de Minneapolis estaria na rua para vê-la. Ele saiu do carro alugado, ressabiando-se quando uma figura saiu do meio da multidão e foi na direção deles. Rafe relaxou apenas parcialmente quando viu que era uma adolescente. — Olá, Allie! Ouvimos dizer que você partiria esta manhã. Pode assinar minha camiseta? Antes que Rafe conseguisse se colocar entre a cliente e a menina, a porta do carona foi aberta e Allie saiu. — Claro. Você tem uma caneta? — Tenho algumas fotos novas para meu book — disse timidamente outra menina de pernas longas, ao se aproximar delas. — Você pode olhar? Em alguns momentos, Allie estava cercada por um bando de meninas jovens e altas. Aspirantes a modelo, presumiu Rafe, todas pressionando Allie para dar dicas, conselhos ou autógrafos. O restante da multidão parecia ser principalmente de homens de macacão com logomarcas de diferentes companhias aéreas nos bolsos. Eles observavam a cena com ávido interesse. Ocasionalmente, um poderia dar uma cotovelada na costela do outro e fazer um comentário que resultaria em um sorriso lascivo. Rafe apertou os lábios diante das expressões deles, mas Allie parecia impenetrável às reações que causava entre os admiradores do sexo masculino. Sorrindo e respondendo às perguntas apimentadas das meninas, ela se dirigiu ao hangar. Os homens se afastaram para deixá-la passar. Quando ela chegou à porta lateral, Rafe virou para procurar o representante da agência de aluguel de carros entre a multidão. Naquele momento, Allie deu um gritinho. Rafe girou exatamente quando um braço envolvia o pescoço dela e a arrastava pela porta.

Capítulo 3 Rafe quebrou a porta do hangar e se atirou contra o homem que atacou Allie. Segundos depois, ela estava se levantando do chão, engasgada. Seu agressor estava deitado com o rosto no chão, com um dos braços virado entre o ombro e a omoplata e o joelho de Rafe plantado em suas costas. Quando ele soltou um palavrão e tentou desalojar o peso que o mantinha deitado, Rafe levantou ainda mais o braço dele. — Ai! — O grito do rapaz atingiu o teto alto do hangar. — Quebre o outro braço, se você quiser, mas este, não. Ele não consegue fotografar com a mão esquerda. A voz rouca e baixa penetrou na consciência tomada de adrenalina de Rafe no mesmo instante em que Allie protestou, ofegante. — Rafe! Este é... Dominic. O fotógrafo! O nariz do rapaz arranhou no concreto quando ele se virou na direção da voz dela. Só então Rafe notou os cabelos dele. Ou a falta deles. O lado esquerdo de sua cabeça era raspado e reluzia de tão branco. No lado direito, brotavam cachos negros. O efeito era tão assustador naquela manhã quanto fora na primeira vez em que Rafe o vira, na noite anterior, na festa. Ele soltou o pulso do homem, mas levou um certo tempo para tirar o joelho. —Tire-o... de mim! — Rafe, por favor! Este é Dominic Avendez. Ele é meu fotógrafo. Quando o homem finalmente se levantou, esfregou o pulso e fitou seu agressor. Rafe viu o exato momento em que o fotógrafo notara as cicatrizes. O olhar dele parou no nível do queixo do guarda-costas e ele engoliu a seco visivelmente. Virando-se para Allie, pediu uma explicação. — Quem é esta figura? — Ele é... — Meu nome é Stone — respondeu Rafe, deliberadamente. — Rafe Stone. Sou o guarda-costas da Srta. Fortune. — Guarda-costas? Desde quando ela precisa de guarda-costas? Lançando um aviso silencioso para Rafe, Allie continuou. — Foi idéia de Jake, Dom. Com tanta coisa envolvida nessa campanha publicitária, ele queria um pouco mais de segurança. — Segurança? Diabos, o ensaio todo quase foi por água abaixo por causa dele. — Você está bem? — Não. — Franzindo as sobrancelhas, ele girou o ombro machucado. Allie foi para o lado dele. — Vamos, vamos entrar no avião. No que agora Rafe sabia tratar-se de um gesto natural, o rapaz começou a abraçar o pescoço de Allie com o braço bom. Ele se recompôs a tempo e lançou ao guarda-costas um olhar desconfiado. Seu mau humor aumentou quando ele viu a expressão do rosto de Rafe, mas ele entrelaçou o braço ao braço de Allie, em vez de abraçar seu pescoço. Rafe ficou parado por um momento, observando o improvável casal caminhar na direção do pequeno jato, localizado no final do hangar, bem perto da baía. Allie era quase dez centímetros mais alta do que o fotógrafo atarracado, e sua exuberante cabeleira castanha acobreada formava um contraste perfeito com o estilo de cabelo comprido/curto, preto/branco dele. Mas era óbvio que eles eram muito amigos. Muito amigos. Enquanto acalmava o fotógrafo, o rosto dela revelava uma simpatia genuína e uma afeição verdadeira.

Então por que ela não contara a Avendez sobre as ligações? Rafe ficou pensando. Por que ela não queria que seu... amigo... soubesse a real razão por trás da aparição repentina de um guarda-costas em sua vida, assim como não queria que seus pais vissem seu medo na noite anterior? Não era a primeira vez que Rafe pensava que Allie Fortune escondia boa parte do que era por trás do rosto que mostrava ao público. Imaginando como seria a mulher por trás da máscara, Rafe se curvou para pegar a mala de equipamentos que deixara cair quando se jogou no ar. Um risinho chamou sua atenção. Uma mulher baixa, troncuda, com os cabelos castanhos presos em um coque, sorriu para ele. — Na última vez que Dom arrastou o rosto no chão, o ângulo de sua câmera estava posicionado para a saia de Allie. Aquela foto promoveu mais a indústria de lingerie do que qualquer campanha publicitária da história. Deixeme me apresentar: sou Xola, produtora de Dom. Trabalho como contra-regra. Rafe pegou a mão que ela estendeu, sem se surpreender com a firmeza dela. Ela devia ser trinta centímetros mais baixa do que ele, mas tinha um ar prático e realista que contrastava com a sensualidade surpreendente de sua voz. — Bem-vindo à equipe, Rafe. — Obrigado. — Ele lançou um olhar ao fotógrafo semi-careca que subia no avião. — Eu acho. A gargalhada de Xola fluiu para ele como chocolate derretido: profunda, quente e saborosa. — Não se preocupe com Dominic. Allie acabará com o mau humor dele. Ela sempre consegue. Vamos, é melhor nos apressarmos ou vamos ficar para trás. Se você ainda não notou, Allie é insistente com relação à pontualidade. — Já percebi — ele falou. — Diga que já estou chegando. Só tenho que encontrar o representante da agência de aluguel de carros. Rafe saiu pela porta do hangar, lembrando-se de que teria que fazer uma análise de toda a equipe, incluindo um certo Dominic Avendez. Quando chegaram ao Rancho Tremayo, a enorme e antiga hacienda alguns quilômetros ao norte de Santa Fé, onde o resto da equipe já estava reunido, Rafe descobriu que sua cliente era insistente com outras coisas além de pontualidade. Sua dieta estava em primeiro lugar na lista. Durante o longo vôo, ela recusou educadamente os salgadinhos que os amigos ofereceram. Como Rafe não tivera tempo nem fora previdente a ponto de levar suprimentos para a viagem, aproveitou a oferta de chocolate, castanhas sem sal e suco de grapefruit de Xola. Mais tarde, seu estômago roncava com ressonância e freqüência impressionantes. Enquanto ele e Allie seguiam o gerente do resort por um caminho murado até as casas dos hóspedes, o cheiro tentador de carne assada em molho apimentado que preenchia o ar aumentou seu desconforto. Ele descobriu que a hacienda fora convertida em um resort de primeira classe, e seu restaurante principal ganhara o prêmio de excelência da revista Gourmand. Rafe estava com tudo pronto para acomodar Allie no quarto e explorar a validade do prêmio do restaurante, quando foi surpreendido com outro ponto de insistência de sua cliente: a tendência a modificar as regras do jogo para acomodar as próprias preferências. Sua cabana pequena, luxuosa e revestida até o teto a encantara. Sorrindo, ela elogiou o gerente efusivo com relação ao cobertor navarro que adornava a lareira e a combinação de paredes de barro rosa-claro e do piso cor de malva com detalhes em turquesa. O gerente balbuciou algo sobre suavizar os tons desérticos e a conduziu por um portal arcado até o quarto. Rafe supunha que o rapaz ainda não tinha se recuperado do efeito combinado da beleza estonteante de Allie, da meia-cabeça cabeluda de Dominic e da risada sussurrada e de arrepiar a espinha de Xola. Enquanto o gerente muito bronzeado e muito atencioso conversava com Allie, Rafe fez uma rápida avaliação de segurança nos três quartos. As janelas dos banheiros eram bem acomodadas nas paredes, ele notou com satisfação, e fixadas com cadeados firmes. A única entrada extra da cabana era pela porta lateral, que podia ser trancada por dentro. Isso fazia com que a porta principal se abrisse para a sala de estar. Ela tinha olho mágico e fechaduras que qualquer criança de dez anos poderia abrir usando um cartão de plástico e entrar em segundos na cabana.

— Quero um chaveiro aqui em uma hora para instalar um ferrolho — disse ele ao gerente. — Precisaremos de duas chaves. Uma ficará comigo e a outra com a Srta. Fortune. O homem passou a mão pelo cabelo bem-cortado. — Mas... Mas as camareiras precisarão entrar. E a manutenção... — A Srta. Fortune ligará quando desejar que o quarto seja arrumado. Você pode entrar em contato comigo, caso a manutenção precise de acesso. O gerente olhou para Allie para obter confirmação. Ela hesitou, mas apoiou as ordens de Rafe balançando a cabeça. — Então peça ao chaveiro para fazer três chaves. Dominic precisará de uma. Rafe recusou-se a reconhecer o sentimento que o atiçava. Não era de sua conta saber com quem sua cliente desejava ficar, desde que o fizesse sob certas condições controladas. Ela achava que Avendez não era muito diferente do viking, mas talvez Allie não gostasse de sua opinião a esse respeito. — Duas chaves — ele replicou. — Não serei responsável por sua segurança se não puder controlar o acesso. Ela apertou os lábios. — Acho que você não entendeu. Dom e eu trabalharemos até tarde na maioria das noites revendo a produção do dia e a programação para o dia seguinte. — Está certo. Você pode abrir a porta para ele, ou eu mesmo abro. Você concordou em seguir minhas regras, lembra? Por um momento, Rafe pensou que ela fosse argumentar. Ela contraiu a pele macia de uma das bochechas e uma faísca de raiva ou ressentimento escureceu seus olhos. Mas desapareceu antes de ele saber o que era. Quando ela se virou para o gerente, já tinha recuperado a fachada serena que mostrava ao público. — Duas chaves — disse ela, resoluta. — Minha cabana é logo ao lado da sua — disse Rafe a ela. — Número oito. Vou guardar meu equipamento e vou ao escritório verificar a lista de hóspedes. Depois, preciso verificar a estrutura física do resort. — E traçar alguma comida. — Volto em uma hora. Use seu bipe, caso deseje falar comigo antes disso. Com um esforço supremo de vontade, Allie absteu-se de bater a porta logo depois que os dois homens saíram. "Vá pro inferno, Stone!" Com seus bipes, suas chaves e seu acesso controlado, ele estava fazendo com que ela se sentisse engaiolada. Ou como um cão em treinamento de obediência. Jogando a bolsa em cima da cama, Allie abriu o fecho. Depois de retirar todas as roupas, ela se acalmou o suficiente para notar como sua raiva era contraproducente. A parte estressante do trabalho sequer tinha começado e ela já se sentia tão contraída quanto uma mola de aço. Se quisesse superar as próximas semanas, teria que relevar a maneira abrupta de Rafe, assim como fazia com as variações de humor de Dom e com as demandas exigentes de Xola. Podia fazer isso. Era uma profissional. Assim como Rafe. Ele só estava fazendo seu trabalho, da mesma forma que ela tinha que fazer o dela. Apenas tinha que recorrer à reserva de paciência que acumulara todos esses anos em frente às câmeras. Fingir que ele não estava ali, como agia com relação à equipe que acompanhava as fotos. Menos de quatro horas depois, Allie concluíra que poderia morar no mesmo planeta que Rafe e manter a paz interior necessária para seu trabalho. Ela não conseguia compreender como um homem podia invadir seu espaço e sua consciência de forma tão intensa. Não que ele se colocasse à frente de tudo ou se intrometesse. Ao contrário. Quando ele a acompanhou ao restaurante do resort para o jantar, escolheu uma mesa só para ele, longe do barulho da equipe que a recebeu. Mas ela percebeu os olhares sobressaltados que ele jogou e o sorriso amigável de Xola quando ela se uniu a ele para tomar café. Allie o observou durante todo o jantar e, agora, quando deveria estar concentrada no trabalho, sentia sua presença em todos os poros. Ele se estatelou com sua beleza sem compromisso no sofá, com um dos pés apoiado na beira de uma mesinha, enquanto passava os olhos com uma velocidade estonteante em um livro. Olhando-o de esguelha, Allie o analisou com a perspicácia aguçada de uma modelo com relação a linhas e formas. Ele afrouxara sua gravata

tenebrosa, desabotoara a gola da camisa de algodão azul-escura e enrolara as mangas para revelar braços fortes e musculosos. O brilho de seus cabelos negros contrastava perfeitamente com os planos rudes e bronzeados de seu rosto e... — Você está interessada nesta nova técnica de programação de produção ou não? Allie voltou a atenção para o homem sentado na cadeira ao seu lado. — Claro que estou. Dom bateu no teclado do notebook que colocara na mesa entre eles. Em segundos, uma imagem colorida foi pintada na tela. — Preste atenção — ele pediu, com irritação. — Eu ganho um bom dinheiro para ensinar isso no instituto, você sabe. — Eu sei — disse Allie, calmamente. Ela também sabia que em seus momentos mais generosos, Dom reconheceria a contribuição de Allie para sua carreira espetacular. As primeiras fotos que fez dela o ajudaram a entrar no mundo competitivo e restrito dos fotógrafos de moda. Os trabalhos que desempenharam mais tarde solidificaram a reputação internacional dele e o levaram a ser professor substituto do Rochester Institute of Technology, um centro de excelência para a arte e a ciência da fotografia desde 1880. Com seu humor excêntrico, no entanto, Dom tendia a esquecer a longa associação dos dois, bem com seus modos e sua maturidade. Infelizmente, ele ficara irritado desde que Rafe o atirara no chão de concreto mais cedo. Apesar dos maiores esforços de Allie para tentar melhorar seu humor, ele permaneceu quieto e pouco comunicativo o dia todo. Quando apareceu na cabana dela depois do jantar para a rotineira avaliação da programação do dia seguinte, ela pensou que o entusiasmo pelo trabalho fosse ajudar a melhorar a situação. Mas não ajudou. Momentos depois, ela estremeceu quando Dom bateu com a tampa do computador. — Não consigo me concentrar — ele anunciou, pegando o notebook. — Vou até a cidade verificar os locais que vamos usar para o ensaio. A caminho da porta, ele parou e fez um convite sem graça. — Quer vir? Com a permissão do seu cão de guarda, é claro. — Não, obrigada — ela respondeu rapidamente, muito acostumada ao sarcasmo de Dom para se deixar contagiar. — Se quiser começar a fotografar às sete, terei que começar a maquiagem às seis, o que quer dizer... — Eu sei, eu sei. Que você tem que acordar às cinco para correr. Então vá para a cama e durma, ou nem mesmo eu serei capaz de abrandar as linhas do seu rosto. Você não está ficando mais nova, você sabe — ele acrescentou, com um toque de malícia. Rindo, Allie caminhou até ele e beijou a metade careca de sua cabeça. — Com sua câmera, seu computador e suas técnicas criativas, você pode disfarçar qualquer coisa. Você é um gênio, Dom. Um gênio ligeiramente detestável, mas adoro você. O fotógrafo lançou um olhar arrebatador a Rafe, então deliberadamente envolveu o pescoço dela com o braço. — Bem, eu posso tolerar você. De vez em quando. Allie aceitou o beijo dele e fechou a porta quando ele saiu, passando a chave no novo cadeado. Ao se virar, encontrou o olhar negro de Rafe fixo nela. O alívio que sentira com o supremo esforço do amigo para mostrar bom humor passara instantaneamente. Por mais que tentasse, Allie não conseguia entender por que aquele homem a afetava tanto. Ela passara os últimos dez anos agüentando a avaliação minuciosa de homens e mulheres que dissecavam cada detalhe do seu rosto e de sua figura. Desde que chegara ao topo na profissão, aprendera a dobrar os curiosos, e às vezes ávidos, olhares dos fãs. Mesmo assim, desde o primeiro momento em que Rafe a observara na festa, Allie não foi capaz de abrandar as sensações que ele causara nela. O que ele via quando a olhava com aqueles olhos azuis fuzilantes?, ela imaginava.

Simplesmente tudo o que todos viam, o lado prático de seu pensamento respondeu, de forma debochada. Um rosto. Dois braços. Um corpo que podia ser considerado ossudo e sem atrativos na Pré-História, apesar de um bom número de homens hoje parecer achá-lo sexy. Inclusive, ela lembrou, fora o fã que ligava tarde da noite que colocara Rafe em sua vida em primeiro lugar. Apesar de se esforçar para controlar isso, ela sentiu um pequeno arrepio nos braços. — Frio? A voz profunda dele arrepiou mais alguns pêlos. Agradecida pela desculpa dele, Allie apertou os braços. — Um pouco. Vou demorar alguns dias para me acostumar com as noites frias de Santa Fé. — E à altitude. Você deveria repensar essa corrida logo de manhã. — Eu repenso todas as manhãs — ela admitiu. — Primeiro quando o despertador pára de tocar, e depois, quando me arrasto para fora da cama. Ele uniu as mãos por trás da cabeça. — E ainda assim você corre todas as manhãs? Com algum esforço, Allie evitou que seu olhar percorresse a forma de tanque de lavar roupa da barriga dele. Por Deus, ela mal podia contar a quantidade de torsos que vira em toda a sua carreira. Só porque aquele homem especificamente irradiava uma força contida, da qual ela tivera uma demonstração de manhã no hangar, não havia razão para perder a pulsação. — Eu uso dieta e exercício para controlar meu peso, em vez de drogas — ela respondeu, demonstrando indiferença. — Vi muitas amigas destruírem suas carreiras e suas vidas ao substituírem comida por produtos químicos. Ele olhou rapidamente para a porta. — Você tem alguns amigos interessantes. — Sim, tenho — ela respondeu, tranqüilamente. — E apesar de seus altos e baixos, Dom é um dos meus melhores amigos. Ele não respondeu nada, e um pequeno silêncio tomou conta do quarto. Allie procurou dizer algo, mas tudo que vinha à cabeça parecia muito vazio ou muito pessoal. De alguma forma, ela não conseguia perguntar pelos amigos dele. Ou como ele começou a trabalhar como guarda-costas. Ou como obteve aquelas cicatrizes. Ainda assim, ela tinha muita curiosidade sobre o passado dele. Com um ligeiro choque, ela notou que não sabia nada sobre o homem que invadira sua vida tão completamente nas últimas 24 horas. Entretanto, valorizava muito sua privacidade para invadir a dele. — Acho que posso considerar a noite encerrada. Ele se levantou e pegou o colete de pele de ovelha da cadeira na qual o colocara. Encolhendo-se dentro dele, ele colocou o livro em um bolso e diminuiu a distância entre eles. — Cinco horas, certo? — Cinco horas — ela respondeu firmemente, tentando ignorar a sensação de tremor causada pela aproximação dele. — É o primeiro dia de ensaio. Temos que cumprir os horários, ou Dominic vai arrancar o resto dos seus cabelos. — Foi isso que aconteceu com ele? Ele arrancou metade dos cabelos? Devia abrir a porta, disse Allie a si mesma. Ou dar um ou dois passos para trás e estabelecer uma distância entre eles antes que ela virasse para responder a essa pergunta. Por razões que ela teria que avaliar mais tarde, na privacidade de seu quarto, ela não fez nem uma coisa, nem outra. Em vez disso, inclinou-se contra a porta e o examinou através de suas pestanas. Daquele ângulo, ela não via as cicatrizes. Somente o queixo forte e quadrado de Rafe, com a barba cerrada. E a boca dele a poucos centímetros. E olhos do azul mais brilhante. "O que eles viam?", ela perguntou a si mesma novamente, desejando não saber a resposta. Desejando não ver a intensidade masculina do olhar dele. Ele via um rosto. Nada mais. E muito menos.

— Na realidade — ela falou, em resposta à pergunta dele — o médico dele raspou. Dom ficou sem paciência em um dos ensaios... O bufo de Rafe demonstrou a ela que ele já tinha descoberto que isso não era tão pouco freqüente. — Em vez de esperar por uma escada, ele subiu em uma árvore para obter um ângulo melhor. Infelizmente, a árvore estava carregada de veneno de carvalho. Caiu um pouco no cabelo dele e o resultado... Bem, não ficou bonito por um bom tempo. — Eu não diria que é bonito agora. — Você diria, se o tivesse visto há seis meses — replicou. — Não acho. — Levantando a mão, ele bateu carinhosamente na bochecha dela. — Isso, sim, é bonito. O toque pareceu surpreendê-lo tanto quanto a Allie. Franzindo o cenho, ele abaixou a mão ao mesmo tempo em que ela virou a cabeça. — Desculpe — disse ele, duramente. — Eu saí da linha. Tão surpresa com as desculpas dele quanto com o carinho inesperado, Allie se esforçou para corresponder à rápida recuperação dele. — Desculpas aceitas. Ela chegou para o lado e ele tocou na maçaneta. — Tranque a porta. — Pode deixar. — E deixe o bipe à mão. — Pode deixar. — Boa noite. — Boa noite. Contorcendo os lábios em desgosto, Rafe fechou a porta e ouviu o cadeado ser trancado. Não podia acreditar que tinha cedido ao impulso insano de tocá-la. Ela era sua cliente, por Deus! E o tipo de mulher que ele não tinha o direito de tocar. Exceto... Rafe não tinha tanta certeza agora sobre que tipo de mulher Allison era. Todas as vezes que ele pensou tê-la pego, ela mostrou-se escorregadia. Arqueando os ombros para escapar do frio, ele caminhou pelo corredor de terracota que levava à sua cabana. Com os saltos das botas sobre o assoalho espanhol, ele mudou um pouco o foco de sua mente, que fazia uma composição de Allie Fortune. Ele quase acreditou na versão dela sobre Avendez. Mesmo depois daquela história das chaves, ele podia ter aceitado a história de "melhores amigos", se não tivesse pego o olhar masculino, feroz, fechado, que o fotógrafo lançara para ele momentos antes. Qualquer que fosse a relação que Allie pensava ter com o rapaz, ele queria muito mais do que a amizade dela. Será que ela era realmente tão ingênua que não percebia isso? Primeiro com o viking, e agora com este personagem? Ela devia saber que não existe amizade entre homem e mulher. Talvez não soubesse, admitiu Rafe. Ou talvez não houvesse lugar em sua vida ocupada para nada mais. O dossiê sobre ela incluía recortes que detalhavam um noivado bem divulgado, assim como um rompimento bastante comentado. Será que seu noivo foi mais um "amigo" ou ele realmente tentara penetrar as barreiras formidáveis de Allie para conhecer a mulher internamente? Rafe achava que não. Conhecia a moça há apenas um dia, mas sua opinião sobre ela mudara sutilmente nesse curto período de tempo. Ela colecionava homens da mesma forma que algumas pessoas colecionavam álbuns. Não conseguia evitar. Eles praticamente imploravam para serem peças de coleção, agindo como cães adestrados. Depois de observar Eric, o Louro, e Avendez em ação, ele começava a acreditar que eles faziam jogos deles mesmo.

Teria que ser muito cuidadoso para não agir da mesma forma... o que não seria fácil, na prática. Esse pequeno contato com sua pele macia e sedosa causou uma necessidade quase urgente de repetir o toque. Rafe concluíra que precisava caminhar longamente sob o ar frio da noite e tomar um drinque, não necessariamente nessa ordem. Como ele não se permitia beber enquanto trabalhava, só restava uma opção. De qualquer forma, tinha que se familiarizar com as misturas da noite. Ele não previa ter que fugir no meio da noite com Allison, mas queria ter as rotas em sua cabeça, só por precaução. Não precisava de outra lembrança permanente e visível de como é perigoso confiar em apenas uma rota de fuga. Além disso, depois do incidente no hangar, naquela manhã, ele começava a perceber que conseguia prever muito pouco a real preocupação de Allison Fortune.

Capítulo 4 Rafe seria o primeiro a admitir que seu conhecimento sobre moda fora adquirido depois que ele folheara a edição de praia da revista Sports Illustrated. Ele logo aprendeu que a impressão que tinha das mulheres sorrindo e jogando água do mar para o alto enquanto os fotógrafos as clicavam a duzentos quilômetros por hora estava longe da realidade. Era trabalho. Um maldito trabalho duro. E exigia um nível tão alto de disciplina e tolerância que o deixou atônito. Como previsto, o primeiro dia do ensaio começou às cinco horas. Rafe pulou da cama, acordou instantaneamente, mas não estava particularmente feliz com isso. Considerações de segurança à parte, esse passeio no campo tão cedo estava fora de sua lista de coisas divertidas a fazer. Ele podia correr bastante quando a situação demandava, o que ocorreu mais de uma vez. Mas podendo escolher os métodos de exercício, preferia uma bicicleta ergométrica... com Allie na bicicleta e ele observando. Depois de passar rapidamente pelo banheiro, ele vestiu o agasalho cinza que comprara na loja do resort na noite anterior. Felizmente, a loja também tinha tênis no estoque. Infelizmente, o único par do tamanho de Rafe era exclusivo, e tinha ziguezagues pretos e roxos. Ele levantou e bateu com os pés. Para seu alívio, a calça cobria a parte superior de seus pés. Ele alongou um pouco os joelhos e colocou sua arma Smith & Wesson no coldre. Momentos depois, caminhou sob o amanhecer frio até a cabana vizinha. A esperança de que Allie tivesse reconsiderado essa história de corrida foi por água abaixo quando ela abriu a porta, depois que ele bateu. Ela parou, emoldurada pela luz do amanhecer que entrava pela sala de estar, e Rafe engoliu em seco. Com dificuldade. Ela usava os cabelos presos em um rabo-de-cavalo frouxo, calçava tênis surrados e vestia um conjunto verde-claro cintilante bem justo. — Bom dia — disse ela, saindo do quarto. Ela se virou para trancar a porta, permitindo que Rafe tivesse uma ampla visão da curvatura de suas costas e da firmeza de suas nádegas. Ele apertou os dedos com força. — Bom dia — murmurou. Ela colocou a chave em uma bolsa rasa presa com velcro ao quadril. Pelo volume da bolsa, Rafe supôs que ali também estava o bipe. Não havia outro local na roupa dela para escondê-lo. Apoiando um dos pés contra a parede, ela pressionou a bochecha contra a canela. No processo, sua roupa ficou ainda mais apertada e a capacidade respiratória de Rafe foi ao limite. Ele deve ter emitido algum som inarticulado, pois ela olhou para ele de forma curiosa. — Não gosta de acordar cedo? — Não faço nada sem ter algumas doses de cafeína correndo pelo sangue — ele admitiu, com a voz ríspida. Ela colocou a outra perna na parede e um dos tendões de Rafe se contraiu em protesto. — Bem, tem uma cafeteira no meu quarto, mas não temos tempo agora, se formos correr. Hoje é o primeiro dia do ensaio, e temos que...

— Cumprir o horário. Eu sei. Ela trocou a perna novamente e Rafe sentiu os dentes de trás rangerem. O rabo-de-cavalo dela se agitou quando ela virou para olhar para ele. — Você não precisa alongar? Precisava. Com certeza, precisava. Mas se contorcer sobre os músculos retesados não traria bons resultados. — Eu alonguei um pouco no quarto. Vou economizar o resto da minha energia para o que interessa. — Tem certeza? —Sim. Ela olhou em dúvida, mas abaixou a perna e saiu pelo corredor. — Está certo. Você quer definir as passadas? — É seu programa de exercício. Você define. Eu a avisarei, caso não consiga manter o ritmo. Rafe ainda se recuperava do susto provocado pela visão do conjunto verde-claro quando ela provocou outro. Logo ficou claro que, quando a moça dizia que corria de manhã, ela queria dizer que corria. Ela começou trotando levemente pelo corredor de terracota. Depois que saíram pelo portão de madeira, ela acelerou. Momentos depois, ela corria rápido. Então, a estreita estrada de terra que levava à estrada principal ficou reta e ela acertou o passo. Em cinco minutos, gotas de suor escorriam pelo pescoço de Rafe. Em dez, seu pulmão ardia como se estivesse em chamas. Rangendo os dentes, ele se concentrou em colocar um pé na frente do outro e percorrer o terreno em intervalos regulares. Com as narinas ardendo, Rafe se arrastava pelo odor forte da resina dos pinheiros trazido da montanha pela corrente de vento da manhã. Se tivesse energia ou fôlego, ele teria apreciado a grandeza do mundo ao seu redor. Allie olhou sobre os ombros algumas vezes para ver como ele estava. Ele tinha acabado de decidir que pediria a ela para diminuir a velocidade, quando ela moderou as passadas e se posicionou ao lado dele. — Você está bem? Rafe sequer considerou agir como machão. Não seria de muita utilidade para a cliente se suas pernas desmoronassem, o que aconteceria se eles não voltassem logo. —Não. Ele esperava um sorriso. Ou que pelo menos ela erguesse uma das sobrancelhas castanhas. Em vez disso, ela lançou um meio sorriso pelo qual ele estava prestes a implorar, assim como um viciado em chocolate roga por M&Ms. — A altitude está me afetando também. Quer voltar? —Sim. Ela virou e seguiu o próprio rastro. Seguindo com dificuldade os passos dela, Rafe não podia deixar de notar a musculatura macia e retesada de suas costas e nádegas sob a veste verde cintilante. Também reparou que nenhuma gota de suor brotara dela. Suspeitando que a altitude não a atingira como a ele, ele se concentrou e calculou a distância até os portões do resort. Não conseguiria. Talvez. Ele podia... se sua perna esquerda não escolhesse aquele momento para uma câimbra. Uma dor martirizante envolveu sua coxa como uma prensa. Rafe vacilou a passada e então inclinou-se para o lado. Ele parou por um momento e a dor ficou mais intensa. Gemendo, ele se forçou a controlar o movimento espasmódico. Ao som do gemido atrás dela, Allie virou. Ela já se mantivera em inúmeras posições não naturais por muitas horas, por isso reconhecia instantaneamente os sinais de uma clássica dor muscular. Ela voltou correndo para Rafe, falando com a voz ofegante provocada pela mistura de pouco ar e esforço. — Pare um pouco. Deixe-me massagear sua perna.

Com os lábios apertados, ele balançou a cabeça. — Ela pára sozinha. Ela dançou em volta dele. — Rafe, por Deus! Pare! — Eu me sinto melhor — ele falava entre os dentes — se continuar me movimentando. Podia sentir-se melhor no momento, mas Allie sabia, por experiência própria, que uma pressão constante em um músculo contraído podia levar a uma séria lesão. Sua boca se afinara em uma linha apertada e seus olhos brilharam de uma forma que Rocky reconheceria instantaneamente. Sua irmã gêmea sempre dizia que podia afirmar o momento em que Allie decidia fazer algo que colocaria as duas em apuros. Normalmente, ela tentava dissuadir Allie, explicando as conseqüências horrendas que poderiam ocorrer. Então ela sorria e se unia à irmã na mesma hora. No entanto, Rocky não estava ali para dar qualquer advertência e Allie se plantou bem em frente a Rafe. Ao menos esperava que ele diminuísse o passo. O máximo que aconteceria era ele bater nela. Só não esperava o ímpeto acelerado de um corpo sólido como pedra. Ele foi de encontro a ela antes de conseguir parar. Assustada, Allie tentou se desembaraçar. Ela deu um pulo desajeitado para trás, os pés dele atados aos dela. Então os dois caíram. Girando no ar, ele suavizou a queda dela com seu corpo. Allie aterrissou em cima dele com um "Opa" e os braços dele a envolveram com uma força que acabaram com o resto do ar de seus pulmões. — Nunca mais tente... algo tão estúpido — esbravejou Rafe, deixando a camiseta cair sobre os dedos estatelados dela. — Eu podia ter machucado você. Allie engasgou e tentou recuperar o ar em seus pulmões secos. —Eu... você... — O quê? Ela meneou desesperadamente e empurrou o peito dele com as palmas das mãos. —Eu... — O que, droga? — Eu... não consigo... respirar! — ela berrou, expirando o resto de oxigênio no processo. Aos poucos, ele afrouxou os braços. Apenas o bastante para Allie engolir grandes lufadas do ar da manhã do Novo México. Ela sentiu-se aliviada e seu corpo rígido ficou sem energia. Inclinando a testa até o ombro de Rafe, ela ficou estatelada em cima dele por longos segundos. Gradualmente, a pulsação dela diminuiu e seus pulmões pararam de bombear como foles sobrecarregados. Quando sentiu que poderia falar com razoável coerência, levantou a cabeça. — Desculpe, eu não queria atropelar você. Uma sobrancelha negra foi erguida em descrença. — Não queria — ela insistiu, ainda ofegante. Allie se agitou novamente, com a intenção de sair de cima do peito dele. Estava achando muito difícil recuperar as idéias e ainda ter que pedir desculpas com o quadril roçando o dele. Para sua surpresa, ele não a largou. Ela olhou para baixo, na direção do rosto dele, e viu que os olhos dele se estreitavam em duas fendas por trás de uma cobertura pífia de cílios. — Está certo — disse ela, de repente com menos ar ainda. — Admito que não foi boa idéia parar na sua frente enquanto você corria a passadas largas. É que eu sei como um músculo pode doer quando fica retesado assim. Um brilho perverso foi emitido por aqueles olhos azuis. — Sabe? Allie não teve dificuldades em interpretar aquele brilho. Nenhuma mulher teria. O rapaz era tão sutil quanto uma locomotiva percorrendo os trilhos. Ela resolveu bater de frente com o trem. — Sim, sei. E não tente distorcer minhas palavras. Você sabe muito bem que eu falava de sua câimbra.

Ele se moveu sob ela. Os dedos de Allie foram enterrados na blusa dele enquanto ele levantava uma perna, apertando a coxa dela contra a rigidez da sua. — Que câimbra? Ela virou os olhos. — Eu deveria saber me comunicar com mais sensibilidade com um homem de calça de moletom e tênis roxos. Ele sorriu de uma forma lenta e irônica, fazendo com que o coração de Allie parasse, voltando a bater sobressaltado depois. — Você notou os sapatos, não? — Seria difícil não notá-los — ela retrucou, tentando não rir. — Eles são um pouco avant-gardes para o meu gosto, mas combinam com sua gravata. Rafe riu ainda mais, e Allie não conseguiu evitar, derretendo-se contra ele. A rigidez de suas pernas diminuiu e elas se entrelaçaram às dele. A respiração dela ficou mais lenta, enterrando sua barriga contra o tórax dele. E os braços que ela forçava contra o peito dele de repente desmoronaram. Por baixo da roupa apertada, seus seios se apertaram ainda mais. Seus mamilos arrepiaram em protesto, ou talvez em resposta ao pequeno grunhido que começou baixo no diafragma dele e foi aumentando. — Ah, Allie... Essa provavelmente foi a coisa mais estúpida que já fiz na vida. Allie não tinha certeza se ele se referia aos tênis roxos, à corrida interrompida ou à forma como ele a apertou contra ele. Antes que pudesse concluir, Rafe a beijou. Um dos braços soltou a cintura dela, uma mão grande envolveu seu pescoço e então ele trouxe o rosto dela para perto e a beijou. Allie já tinha sido beijada antes. Um respeitável número de vezes, na realidade. Mas nunca enquanto estava esparramada sobre um homem suado, no meio de uma estrada empoeirada. Ela não ouvia violinos ou sentia o cheiro de rosas no cenário. Não viu luzes suaves ou sentiu o borbulhar de um bom champanhe. Havia apenas um homem rude, de repente ansioso, que começou provando-a e logo passou a devorá-la. Ela não sabia quem tinha aprofundado o beijo, mas não se importava. No entanto, se importou quando ele finalizou o beijo. Muito. Mais do que muito. Estremecendo, ela respirou fundo e abriu os olhos. — Eu estava certo — disse ele, balançando a cabeça dela. Allie fingiu não ter compreendido. O arrependimento nos olhos dele não dava espaço à incompreensão. — Estúpida, hein? — ela perguntou, suavemente. — Muito. — Mas... bom. Os dedos dela tocaram a cabeça dele. — Muito. Ela balançou a cabeça vagarosamente, então apoiou um dos joelhos no chão e se afastou do peito dele. Quando os dois estavam se levantando, Allie se forçou a encará-lo. — Olhe, não vou considerar isso fora de contexto. Nós simplesmente fomos levados pela — ela fez um movimento com as mãos para abranger a estrada poeirenta — sujeira — concluiu, de maneira inábil. Ele levantou uma das mãos e fez um carinho na bochecha dela, assim como fizera na noite anterior. Allie se policiou para não aninhar seu rosto na mão dele. — Eu fui levado por mais do que isso. Você é uma mulher linda, Allison. Ele esperava que isso fosse um elogio. Allie sabia. Racionalmente, ela compreendia que os machos da maioria das espécies valorizava mais a cor e a plumagem do que as fêmeas. Também compreendia que poucas mulheres compartilhariam sua necessidade irracional de ser vista por Rafe não apenas como a imagem física que passara a vida adulta toda aperfeiçoando.

Compreendia tudo isso, mas um desapontamento ainda afetava de leve as reminiscências de seu prazer prolongado. Ela ensaiou um sorriso. — Obrigada. Infelizmente, tenho que ficar ainda mais linda e não tenho muito tempo para isso. Sua perna está bem? Rafe sentiu o recolhimento dela. Foi sutil como o encrespamento de uma rosa para escapar do frio. Parte dele queria evitar a retirada dela. Queria enterrar os dedos naquele rabo-de-cavalo frouxo e arrastá-la novamente para seu peito, beijando-a até que suas bochechas ruborizassem de calor novamente e seus olhos perdessem aquela distância fria. A parte mais racional dele reconhecia que quase perdera uma cliente, sem mencionar sua própria vida, por alguns segundos de desatenção. Nunca se perdoaria por ter perdido a bomba que afundou seu carro em chamas. E, com certeza, ele jamais se perdoaria se algo assim acontecesse com Allie. Deus, ele não acreditava que havia chafurdado na sujeira daquele jeito com ela! Um caminhão poderia ter passado por cima deles e ele nem notaria. Espanando a poeira do corpo, jurou que não deixaria Allie ou seu crescente apetite o distraírem. Não enquanto o pai dela estivesse pagando uma quantia absurda para que a protegesse de um louco que queria fazer o que Rafe acabara de fazer com ela, e mais, muito mais. — Minha perna está bem — ele respondeu, diretamente. — Vamos. — Vamos devagar. Apenas trotando. Ela tomou a liderança com suas passadas longas e ritmadas. Depois de meia dúzia de passos, Rafe concluiu que preferia a corrida extenuante de antes. A agonia de seus pulmões e de sua garganta gerada pela corrida dura o distrairiam da lembrança do corpo sinuoso de Allie apertado sobre o seu... e da dor na área de sua virilha que certamente não era conseqüência de nenhuma câimbra. Felizmente, eles não tinham muito mais a percorrer. Momentos depois, passaram pelo arco de madeira desgastado do portão. Ao entrarem no corredor de terra, eles passaram a caminhar. Enquanto Rafe forçava suas teimosas pernas a levarem-no para o pátio, a calma remanescente da manhã se dissipou e o resort acordou. Alguém bateu na porta do prédio principal. Um garçom desinformado evocou uma saudação, enquanto empurrava um carrinho cheio de pratos de prata na direção de uma das cabanas afastadas. A fonte localizada no centro do jardim gorgolejava e espirrava água por suas extremidades com limo. Rafe e Allie estavam na metade do caminho pelo quintal quando a porta de uma das cabanas foi aberta e Xola saiu. Ela carregava uma pilha de cabides pendurados em um dos ombros e uma variedade de sacolas de lojas na outra mão. — Ei, menina — disse ela a Allie, com aquela voz sexy e enigmática tão inadequada aos seus cabelos curtos castanhos e àquela camiseta desbotada que a envolvia como um cobertor. — Correu pouco hoje? — O bastante — respondeu Allie, ajudando-a com parte das sacolas. A produtora sorriu para Rafe, que pegou o restante das coisas. — Coitado, você parece um maltrapilho. Allie o jogou no chão? Rafe deu a resposta universal de todos os homens a uma pergunta que não escutam ou não querem responder. Grunhiu, sem comprometer-se. — Ela fará isso — disse Xola, com sua risada rouca. — Acredite em mim. Nunca a viu em ação. Ela já falou sobre o time olímpico? Rafe lançou um olhar de acusação a Allie. — Não. — Fizemos um ensaio fotográfico para um patrocinador durante os jogos — explicou Xola. — Nossa modelo correu todos os dias com uma das estrelas das pistas. Ele jurou que ela poderia ter pleiteado um lugar na equipe de Fio Joyner. — Isso foi há alguns anos — comentou Allie. — Não estou mais tão em forma. O sorriso de Xola esmaeceu quando ela alisou a extensão do conjunto de Allie com um olhar franco e avaliador. — Posso ver. Você engordou alguns gramas, não engordou? Tome cuidado, menina.

Se Allie tivesse qualquer excesso de peso, Rafe não imaginava onde. Ele sentiu uma raiva repentina por ver como os amigos e funcionários dela se sentiam livres para criticá-la. Primeiro Dom, com sua piada sobre as linhas do rosto dela, e agora Xola. Ao contrário de Rafe, Allie parecia não se ressentir com as críticas. — Ganhei cerca de dois quilos — ela falou a Xola, tranqüilamente. — Mas não tenho planos de fazer mais fotos. — Bem, Dom vai enxugá-los de você nos próximos dias. Pronta para o trabalho? Assumindo um tom de preocupação com o trabalho, Allie balançou a cabeça. — Pode organizar tudo enquanto tomo banho. Os outros já estão trabalhando? Como se tivesse sido combinado, uma mulher vestindo um macacão azul-claro com a logomarca da Cosméticos Fortune no bolso caminhava perto da cabana de Allie. Ela fora apresentada a Rafe na noite anterior como Stephanie Alguma Coisa, a cosmetologista sênior da equipe da Cosméticos Fortune. Um assistente carregando uma mala cinza muito pesada adornada com a mesma logomarca andava atrás dela. — Bom dia, Allie, Xola — murmurou Stephanie, claramente ainda sonolenta. Ela começou a cumprimentar Rafe, mas as palavras morreram quando ela fitou seu queixo. Um silêncio constrangedor pairou no ar, silêncio com o qual Rafe se acostumara nos últimos três anos. Ele teria ignorado isso, se não tivesse notado que Allie fechara a cara de forma significativa para Stephanie. Ela ficou constrangida por ele, Rafe sabia. Ele podia ignorar as pausas longas e desconfortáveis, mas os outros tinham problemas com isso. Sua ex-mulher certamente teria dificuldades de aprender a lidar com o constrangimento. Seu embaraço foi corroído em amargura e rapidamente destruiu o pouco que restava do casamento deles. Resolvendo a situação com a facilidade obtida com a longa prática, Rafe balançou a cabeça para Allie. — Entre. Vou verificar o local e pegar algo para o café da manhã enquanto você toma banho. Com o olhar perturbado, Allie concordou. Quinze minutos depois, um garçom colocou um prato do tamanho de Rhode Island em frente a Rafe, acrescentando um aviso de que os pimentões verdes da estação estavam mais apimentados do que os vermelhos. Rafe se atirou no monte de ovos mexidos com pimentas picadas, pesole e carne de porco fumegando em um picante molho vermelho. A corrida despertou seu apetite. Para mais do que comida apimentada, no entanto. Ele parou a mão com uma tortilla morna a caminho da boca. Aquele beijo foi um erro. Um péssimo erro. Ele sabia disso antes mesmo de ter enterrado os dedos nos cabelos sedosos dela. Agora teria o gosto de algo mais doce do que o mel que pingava de sua tortilla e muito mais apimentado do que o molho de pimentões verdes servidos com os ovos. O gosto de algo que não poderia provar de novo. Apesar de dever à sua cliente uma distância profissional, aquela pequena cena com Stephanie Alguma Coisa no quintal reforçou sua determinação de manter-se longe de constrangimentos. Ele não precisava da pena de Allie, assim como não precisava da pena de sua ex-mulher.

Capítulo 5 Enquanto limpava os efeitos da corrida e do tombo na estrada suja, Allie relembrava a cena do jardim inúmeras vezes. Ela realmente lidara bem com o acontecido! Só se fosse para a sofisticação ostentada que a mídia adorava reproduzir em histórias sem-fim sobre príncipes e pretendentes de Wall Street pelos quais ela supostamente balançava. Por que diabos não fora perspicaz o bastante para preencher a lacuna deixada pela grosseria inadvertida de Stephanie?

Provavelmente porque sua perspicácia ainda estivesse vagando por uma estrada suja, tentando sacudir os efeitos do beijo de Rafe. Ele tinha razão, Allie disse a si mesma enquanto passava xampu nos cabelos. Aquele beijo fora uma estupidez. Uma estupidez enorme. Ela sabia disso mesmo antes de abaixar a cabeça e sentir o gosto salgado da boca dele. Apesar de Rocky ter recomendado um caso fugaz e intenso, Allie não precisava de um homem em sua vida agora. Não quando tinha que concentrar todas as energias no ensaio. E especialmente não com um homem que deixou claro que não queria complicações em sua vida. Desejando enxaguar a imagem de Rafe tão facilmente quanto o xampu, Allie colocou a cabeça sob o chuveiro. Momentos depois, ela se enrolou em uma das imensas toalhas do resort e caminhou descalça até o quarto. Imediatamente, o pequeno grupo que estava esperando por ela entrou em ação. Enquanto Xola procurava em sua bolsa os acessórios que Allie usaria em seqüência, os maquiadores espalhavam suas ferramentas em uma mesa perto da janela, onde podiam tirar proveito da luz natural. Allie sentou-se imóvel enquanto um cabeleireiro secava o cabelo dela e o prendia no topo da cabeça. Balançando a cabeça diante do efeito, ele deixou a pesada massa cair e começou a trabalhar com babyliss. Ainda insatisfeito com o resultado, ele atacou os cabelos dela com uma escova com cerdas de javali e desfez a maioria dos cachos. Quando o cabeleireiro temperamental terminou, Stephanie e sua assistente entraram em ação. Allie normalmente fazia a própria maquiagem, mas esta campanha era muito importante para confiar apenas nas próprias mãos. Com as sobrancelhas erguidas em concentração, Stephanie aplicou uma base opaca clara. Ela sabia tanto quanto Allie que uma base pesada atraía o olho da câmera para as linhas do rosto. O verdadeiro segredo da beleza estava em sombrear e realçar. Ela manejava seus pincéis com a habilidade de uma artista. Quando terminou, Allie analisou os resultados no espelho. — Parece bom, Stephanie. Muito bom. — Espero que sim — disse a moça mais velha, sorridente. Como todos na Cosméticos Fortune, ela sabia o quanto dependia dessa nova linha de produtos. Enquanto Stephanie colocava seus pincéis e seus kits de maquiagem dentro da bolsa, Allie olhou seu rosto sob diversos ângulos, fazendo uma nova verificação. A linha homogênea de seu queixo atraiu seu olhar, e ela parou. Inconscientemente, levou uma das mãos à garganta. Sua feição ficou embaçada no espelho e por um momento ela não via a si mesma, mas o rosto de Rafe. Seus olhos azul-claros e brilhantes. As bochechas bronzeadas e rígidas ao amanhecer. Sua boca firme. A pele enrugada em um dos lados de sua bochecha e de seu pescoço. Allie pressionou os dedos contra sua garganta. Que irônico! Algumas pessoas diziam que ela tinha as feições perfeitas. Ela acreditava que muitas achariam as de Rafe defeituosas. Mas ela suspeitava que os dois fossem muito parecidos por dentro. Os dois queriam que as pessoas vissem além da casca para enxergá-los por dentro. O rosto de Xola de repente apareceu no espelho, tirando Allie de sua contemplação silenciosa. — Está pronta para mim? — perguntou a produtora, impacientemente. — Se não quisermos ver Dom pulando nas tamancas o dia todo, é melhor você se vestir e se posicionar. — Estou pronta. Colocando de lado a toalha na qual estava enrolada, Allie entrou em uma saia longa de camurça cinza que Xola deu a ela. Curvando-se, ela abaixou a cabeça para que a produtora pudesse manobrar uma blusa branca com uma gola de xale rendado sobre seus cabelos. Enquanto Allie puxava a blusa até a cintura, Xola se enterrou em suas sacolas onipresentes. — Aha! Aqui está. Metal bateu em metal enquanto ela pegava um cinto de concho prateado. Estupefata pelo trabalho intrincado dos elos prateados e brilhantes, Allie pegou o cinto. — Que lindo! Você roubou ou se arruinou para comprar um de seus acessórios visando uma troca? — Eu vi na loja de suvenires ontem à noite e... pedi emprestado. Não se preocupe! Pedi permissão ao zelador. — Vamos rezar para que ele tenha se lembrado de falar com o dono da loja — retrucou Allie.

Xola tinha uma merecida reputação em Nova York de ser capaz de procurar qualquer item para um ensaio fotográfico, de chifres de bezerros a condutores de supercomputadores em miniatura. Logo que começaram a parceria, Dom parou de se meter nos métodos que ela usava para conseguir as coisas. Desde que a polícia não aparecesse no estúdio e interrompesse um ensaio, ele proclamou, não se importava com os locais em que ela adquiria os itens da produção. Allie tinha suas próprias idéias sobre os insultos ácidos que a produtora e o fotógrafo trocavam regularmente. Do lado de Xola, pelo menos, ela suspeitava que eles fossem mais do que simplesmente o toma-lá-dá-cá profissional. Xola colocou o cinto na cintura de Allie e o afivelou, afastando-se para admirar seu trabalho. — Perfeito! Tive que remover três argolas para deixá-lo do seu tamanho, mas posso repô-las depois. Tome, calce as botas. Vamos sair logo daqui antes que Dom tenha um enfarte.

Rafe tomou uma chuveirada rápida e trocou de roupa depois do café da manhã. Prendendo sua arma ao lado do joelho direito, calçou botas de cano baixo, calça jeans e uma camisa branca. Ele enrolou as mangas para facilitar os movimentos e encolheu os ombros dentro de seu colete de pele de ovelha para proteger-se contra o frio da manhã. Momentos depois, saiu para encontrar Allie. Apoiando uma bota em um dos imensos vasos de ferro com gerânios colocados sob os arcos dos corredores que ligavam as cabanas, ele apoiou o cotovelo no joelho e observou a agitação que ocorria no fim do jardim. Daquela distância, não podia identificar todos os membros da equipe. Rafe supunha que o rapaz magro de expressão preocupada fosse o diretor de arte da agência de publicidade. Ou talvez o diretor de moda. Ele não tinha compreendido totalmente as diferenças entre as duas funções. Manter todos em ordem devia demandar certo esforço. O lado técnico da equipe incluía, entre outros, um casal de artistas, Avendez e seu enxame de assistentes e dois especialistas em digitalização de imagens fotográficas do Center for Creative Imaging de Camden, Maine, que atuavam como consultores especiais. Do pouco que Rafe conseguira compilar sobre o centro, ele era único no mundo. Aparentemente, combinava uma gama de novas tecnologias em digitalização, gravação de filme e câmeras eletrônicas de alta resolução com imagens de computador de última geração. Apesar de Rafe ter obtido uma lista de toda a equipe antes de sair de Minneapolis, ainda esperava os resultados das investigações que mandara fazer sobre a vida de cada um. Todos aqueles personagens podiam ser o fã secreto de Allie, pensava Rafe. Um deles pode ter se fixado nela ou ter alguma razão específica para importunála. Qualquer um podia ter inventado uma desculpa para ser parte da equipe. Não excluía ninguém, nem mesmo Avendez. Especificamente, nem Avendez. Quando ouviu a porta da cabana de Allie se abrir, Rafe se levantou. Um pequeno rebanho de profissionais se espalhou, carregando as respectivas ferramentas. Xola lançou um sorriso a ele enquanto passava correndo, e então sua cliente saiu da cabana para aquele nascer de sol que aquecia lentamente. Qualquer homem que não fosse cego teria ficado boquiaberto. E Rafe tinha visão total. Aquela era a Allison Fortune que o mundo normalmente via. Glamourosa. Confiante. Os cabelos eram uma capa macia e brilhante de castanho avermelhado. Seus olhos eram luminosos. Mentalmente, ele comparou aquela beleza perfeita, estonteante, com a mulher que vira ensopada pela água do lago ou suja de poeira de estrada. Ele levou menos de um segundo para decidir qual versão de Allison Fortune preferia. A que rolara na poeira com ele ganhou de lavada. Ele demorou consideravelmente para afastar a imagem da pele coberta por pêlos avermelhados de Allie e de seu rosto enrubescido, emoldurado por um céu totalmente azul. — Ainda está no horário? — ele perguntou, caminhando ao lado dela. — Estou em cima da hora, acho que ainda não saí do programado. Parece que Dom ainda não acabou de organizar tudo. Sob a perspectiva de Rafe, Avendez estava longe de estar pronto. O fotógrafo estava no meio de uma multidão de técnicos, acenando e gritando com eles para que colocassem os malditos estroboscópios no alto e os

geradores funcionando, agora! Vestindo calça preta e blusa branca e com sua meia-cabeça de cabelos pendentes, ele lembrava a Rafe uma zebra mal-humorada. Pisando nos cabos do gerador que rastejavam como espaguetes pretos espessos, Allie se uniu ao grupo que estava perto da parede. Rafe tomou seu lugar a alguns metros e observou Avendez colocar ordem naquele caos. — Tudo bem, pessoal. Tudo bem! Ouçam, droga! Quero fazer a primeira seqüência rápido. Faremos umas fotos sóbrias com efeito natural, usando o céu com cenário. Rafe ergueu uma das sobrancelhas, impressionado com a quantidade de equipamento para se chegar ao efeito supostamente "natural". Além de luzes estroboscópicas montadas em um andaime portátil, uma enorme quantidade de refletores enormes se empoleirava em suportes como mosquitos gigantes com as asas recolhidas. O assistente principal de Dom estava curvado sobre um imenso baú contendo bandejas que guardavam uma quantidade estarrecedora de lentes e filtros e Deus sabe o que mais. Eles tinham até mesmo uma câmara escura portátil, ao menos era o que Rafe pensava sobre o trailer anexo à cabana de Avendez. Se alguma coisa ficou no estúdio daquele homem em Nova York, foi apenas o banheiro. Unindo a metade cabeluda de sua cabeça com um elástico para cabelos, presumivelmente para mantê-los fora do alcance das câmeras, o Zebra levantou o queixo na direção de Allie. — Vamos começar o show. Começamos com as fotos de teste de sempre. Fique apoiada na parede, com o queixo para cima. Allie caminhou até o muro baixo que rodeava a hacienda. Apoiando os quadris na argila do muro, colocou as duas mãos para trás e levantou o rosto na direção dos picos das montanhas distantes. Xola corrigiu o caimento da saia de camurça e colocou o que parecia um buquê de alfinetes atrás da blusa de Allie para ajustar as dobras da gola. O cabeleireiro murmurou algo e atacou Allie com uma escova em cada mão. Em segundos, o cabelo dela passou de uma cortina brilhante e macia de seda vermelho-escura para algo que o homem chamara de livre. A diretora de maquiagem de macacão azul-claro rogou uma praga quando viu a intensidade de luz, e correu para bater com uma quantidade de pincéis na testa e no queixo de Allie. Durante todo o tempo, Dom examinava por meio do visor de sua câmera e rosnava com os vários assistentes para que obscurecessem o estroboscópio da esquerda, aumentassem o refletor da direita e encontrassem as malditas macrolentes Zeiss! Finalmente, ele ordenou que todos saíssem do caminho, pois queria tirar algumas fotos antes de o sol mudar todo o quadro de referência. — Levante mais a mão direita, Allie — ele dirigia. — Mais alto. Vire a cabeça um pouco mais para a esquerda. Bom. Agora fique assim. Colocando a câmera de lado, Dom apanhou a polaróide que estava a postos na mão de um dos assistentes. Em uma rápida sucessão, ele tirou meia dúzia de fotos. Instruindo Allie a manter a posição, ele então se reuniu com o diretor de arte para rever as fotos instantâneas. De acordo com a conversa que Rafe ouviu no vôo, a Cosméticos Fortune planejava fazer um ataque maciço em todas as revistas femininas, coordenado com inserções na TV. A campanha impressa mostraria os novos produtos de beleza em todo tipo de abordagem, da atlética à casual, da empresarial à formal. Santa Fé fora escolhida como local para o primeiro ensaio porque a cidade e seus arredores carregavam um ar de sofisticação, além de manterem uma atmosfera de estar perto da terra e do céu. Algo para todos, pensou Rafe, examinando a pequena multidão de funcionários e hóspedes que observava os procedimentos. Ao examinar a lista de hóspedes na tarde do dia anterior com o gerente, ele notou um ou dois nomes de pessoas conhecidas, o que não era surpreendente para um resort que custava mais por semana do que muitas pessoas ganhavam por mês. Seus contatos em Miami estavam averiguando as vidas de todos os hóspedes. Ele não acreditava que o fã obsessivo de Allie pudesse arcar com as despesas de uma estadia prolongada no Rancho Tremayo, mas não queria correr qualquer risco. Um grito colérico do Zebra chamou a atenção de Rafe de volta para o ensaio. Com o rosto enrubescido, Avendez gesticulava com raiva para um assistente, um rapaz desengonçado usando uma camiseta laranja da Universidade do Texas e um boné com a aba para trás. — Pegue o maldito fotômetro, vá até Allie e me passe uma medição precisa dessa vez!

Aparentemente, as fotos de teste não estavam "naturais" o bastante para Avendez. Insatisfeito, o fotógrafo se curvou sobre o visor e mexeu na grande lente que se projetava de sua câmera. Filtros foram trocados. O cabeleireiro ajeitou o cabelo de Allie mais uma vez. Em todo o processo, ela não se moveu. As mãos continuavam plantadas na parede de argila e os olhos permaneciam plantados no topo da montanha Sangre de Cristo. Depois de seu ataque recente contra um músculo retesado, Rafe só podia admirar o controle que ela tinha sobre o corpo. Finalmente, Avendez estava pronto de novo. — Certo, Allie, faça sua expressão lunática. Mantenha a expressão limpa. Limpa, droga! Não temos o dia todo. Apertando os olhos, Rafe observou Allie. De onde estava, ela não parecia ter movido um único músculo do rosto. Não apertou ou afrouxou os lábios, ou alterou o ângulo do queixo ou dos olhos. Na realidade, o rosto dela parecia estar dentro de um vazio. — Assim está melhor. — Ele apertou o botão da câmera. Agora tente parecer sonhadora. Sim, sonhadora! — Clique. — Por Deus, você acordou ao amanhecer! Parece que ainda está dormindo! Melhor. Fique assim. Assim. — Clique, clique. — Agora acorde um pouco. Um pouco! Não arregale os olhos para mim. Simplesmente aja como se tivesse algo melhor para fazer hoje do que... Oh, diabos! Xola, tire aquele maldito franzido da gola dela! Allie, mantenha a posição. Enquanto Xola arrumava a dobra ofensiva, Allie mantinha a pose. Segundos, e depois minutos, se arrastaram. Os músculos de Rafe começaram a se contrair em solidariedade. Por quanto tempo mais ela teria que ficar com o queixo para cima e o pescoço para baixo? Pelo visto, por horas, apesar de terem passado apenas dez ou quinze minutos. Então, ela e Dom começaram uma dança coreografada e de muito estilo que misturava movimentos excitantes, paradas absolutas e uma variedade de expressões que iam de suaves a brincalhonas a então verdadeiramente sensuais. — Incline um pouco para a esquerda — instruía Dom. —Só um pouco. Bom. Agora mostre-me surpresa. Surpresa, não susto! Bom. Bom. Fique assim. Fique assim. Enquanto Avendez gastava oito ou dez filmes com Allie em várias poses contra a parede, um assistente corria para fazer folhas de contato de cada filme. Entre as tomadas, o fotógrafo e o diretor de arte examinavam os contatos com uma lente de aumento, circulavam as fotos que queriam e tiravam mais fotos. Demorou três horas para Avendez chegar ao look que desejava. Então Allie se moveu da parede para o alto portão e se apoiou na viga de cedro para o processo recomeçar. A cada hora que passava, o sol aquecia o ar, até que o friozinho da manhã era apenas uma lembrança. No processo, o céu perdeu a claridade estonteante. Nuvens enormes e fofas se formaram enquanto o ar quente subia do nível do deserto para colidir com o ar mais frio no topo da montanha. Dom praguejou em cada mudança de lente e se irritou com toda a equipe, indiscriminadamente, até que todos, com exceção de Allie, olhassem para ele e se entreolhassem de forma ameaçadora. — Não sei como ela faz isso — murmurou Xola para Rafe, depois de um episódio exasperante. — Todos os dias que trabalho com este homem eu juro que será o último. Allie simplesmente ignora o gênio dele. Ela ignorava várias coisas, notou Rafe. Críticas infinitas. Direção constante. Os profissionais atentos e numerosos que voavam em torno dela como moscas em cada intervalo para corrigir a maquiagem ou o cabelo, ou medir a intensidade da luz. — Abaixe o queixo, Allie. — Dom fotografava, esquecendo-se de tudo, menos da composição em seu visor. Rafe suspeitava que um míssil podia surgir pela poeira ao lado dele e ele sequer notaria. — Mais um pouco para baixo. Mais. Agora olhe para a sua direita. Jesus, para a sua outra direita! Em um movimento lânguido, Allie inclinou a cabeça na direção de Rafe. Ela piscou por um instante e caiu na cilada dos olhos dele. — Vamos sorrir. Não, assim não! Assim você sorriu para sua tia solteirona de Hoboken. Eu quero o que está escondido. Aquele sorriso que todo homem quer levar para a cama com ele. Melhorou. Assim. Fique assim.

Rafe ficou retesado quando Allie emitiu para ele o tipo de sorriso que um homem sonha obter de uma mulher que tocou e beijou e com quem rolou na sujeira. O tipo de sorriso que dizia que ela estava pronta para repetir aquilo, sempre que ele quisesse. Ele queria. Deus, como queria! — Agora mais. Mais. Vamos, Allie. Sorria. Ah, sim, assim está bom. Mantenha assim. Assim. A mão de Rafe começou a suar. — Um pouco mais para a direita. Fique assim. Ele ficou sem ar. — Desça o queixo um pouco mais. Mantenha. Mantenha... Droga, estou sem filme. Por mais um instante, os olhos de Allie mantinham Rafe fixado, como espécies raras de inseto alfinetadas em uma placa de isopor. Nenhum dos dois se moveu. Rafe não respirava. Não conseguia. Então ela piscou e, vagarosamente, se ajeitou. Só então Rafe notou que a câimbra que o acometera mais cedo era suave, se comparada ao que sentia agora. Com um esforço concentrado, ele relaxou o corpo todo retesado. A idéia de aquela mulher exercer tal poder sobre ele com apenas um olhar e um sorriso mexia muito com ele. De costas para Rafe, Allie uniu as mãos para esconder que elas tremiam. Que aflição! Será que aquele homem sabia que podia afetá-la daquela forma somente com um olhar? Esperava que não. Sinceramente, esperava que não. Não se sentia trêmula assim desde a vez em que começara as aulas sem a irmã gêmea grudada ao seu lado. Rocky estava com uma gripe forte e deixou Allie enfrentar os temores da primeira série sozinha. Qual era a fascinação que parecia haver em Rafe Stone? Normalmente, ela era capaz de limpar a mente durante um ensaio e fazer uma lista com seus afazeres, como pegar a roupa na lavanderia ou varrer as bolas de sujeira debaixo do sofá antes da próxima visita da mãe a Nova York. Hoje, a mente dela se recusava a ser limpa! Allie estava acostumada às pessoas observando-a durante um ensaio. Todos a observavam durante um ensaio, por Deus! Normalmente com os olhos treinados para detectar uma sombra em sua pele ou um cenário que se sobrepunha ao assunto principal. Durante um ensaio em estúdio, os profissionais a fotografavam em partes e depois uniam tudo. Em externas, pequenas multidões se formavam, como a que estava ali. Allie nunca se distraíra por técnicos com olhares maliciosos ou espectadores paspalhões antes. Mas Rafe Stone a distraía. Por muito tempo. Quando ela captou o olhar fixo dele há alguns momentos, sentira a surpresa romper o escudo invisível que ela sempre mantinha em posição entre ela e os rostos que a cercavam. Por alguns instantes, ela seguira as instruções de Dom instintivamente. Como solicitado, ela sorriu. Ela pensou na forma como fora beijada por Rafe mais cedo e sorriu. Só que o beijo, de alguma forma, tomou o poder quando ela deveria terminar o sorriso. Concentrar-se naquele beijo era realmente... tolo, ela pensou. Quase tão tolo quanto deixar que ele ocorresse na primeira circunstância. Na próxima vez que Dom pedisse a expressão de alguma coisa oculta, ela pensaria... em... alguma coisa! Dom berrou uma ordem inarticulada para seu assistente e arrancou a câmera da mão dele. Gritando na direção do portão, ele olhou de forma ameaçadora para sua modelo. — Pronta? Allie respirou fundo e virou a cabeça para que Rafe não ficasse sequer em seu campo de visão periférica. — Estou pronta. O ensaio a manteria ocupada, ela pensou. O ensaio e as sessões noturnas com Dom e os demais, trabalhando com as folhas de contato e a programação do dia seguinte. Com exceção da corrida matinal, ela não ficaria sozinha com Rafe. E ela se certificaria de que ele se aquecesse antes de eles saírem, para que a perna dele não ficasse novamente com câimbra. Depois do ensaio, talvez ela tivesse tempo de pôr ordem nesta atração ilógica e persistente que sentia pelo homem. Depois do ensaio, ela podia chamá-lo, ou procurá-lo quando estivesse...

Surpresa, Allie percebeu que não sabia nada sobre Rafe Stone. De onde era. Em que faculdade estudara. Se é que estudara em alguma faculdade. Como surgiram as cicatrizes. Ela engoliu, de repente. Sequer sabia se ele era casado. — Allie, por Deus! — Dom gritou. — Estamos tentando convencer as pessoas a comprarem essa maquiagem para seus rostos, e não para limpar banheiro. Livre-se deste olhar rabugento e me transmita algum charme. Por trás de um rosto cuidadosamente reconstruído para transmitir charme, a cabeça de Allie trabalhava furiosamente. Como podia ter sido louca o suficiente para se contorcer por um homem sobre o qual não sabia nada? Como pôde ser tão... tudo bem, tão atraída por ele? Ela já se ferira uma vez com um noivo que pensava que conhecesse, mas que não conhecia exatamente. Talvez devesse fazer uma ligação e pedir que alguém verificasse a vida de Rafe, assim como ele fizera com os hóspedes do hotel. Como ele fizera com ela e sua família, como lhe contara. Mas para quem poderia ligar? Não para Rocky. Sua irmã gêmea jamais deixaria Allie matar sua repentina curiosidade sobre a vida pessoal de seu dito capanga. Certamente, Jake não era a opção. Ele iria querer saber a razão, e Allie não era mais capaz de compartilhar seus pensamentos com ele, desde que ele trocara a família pelo trabalho. Seu irmão, Adam, talvez, ou ainda a irmã mais velha, apesar de Caroline já ter preocupações o suficiente. Mas o primo Michael, agora... — Charme hoje não é o seu forte, Allie — disse Dom, com desgosto. — Vamos tentar felicidade. Bom. Assim está bom. Incline a cabeça para a esquerda. Esquerda, droga. Agora mantenha assim. Assim. O empreendedor e louco por trabalho Michael, pensou Allie. O vice-presidente da Cosméticos Fortune para desenvolvimento de produto. Ele poderia descobrir tudo sobre Rafe Stone. Ou sua eficiente secretária poderia. Júlia Chandler conhecia o mundo dos negócios tanto quanto o chefe. Allie ligaria para ela ou Michael na hora do almoço. Se eles fossem almoçar. Ela deixou escapar uma olhadela para Dom e ele suspirou de volta com uma expressão mal-humorada. Aparentemente, não duraria muito.

Capítulo 6 Durante os dias que se seguiram, Rafe manteve Allie sob seu campo de visão de 14 a 16 horas por dia, mas eles só ficaram juntos nos calmos momentos do amanhecer. A combinação foi perfeita para Rafe. Diante da impossibilidade de tirar da cabeça o sentimento que tinha por ela e o gosto de sua boca, não precisava ficar sozinho com Allie. Ainda assim, ele se pegou forçando seus pulmões e suas pernas a estenderem a corrida um pouco mais a cada dia. Ele avançava para o próprio bem de Allie, ou pelo menos tentava se convencer disso. Ela vivia cercada de pessoas, desde o amanhecer até a hora em que trancava a porta de sua cabana, à noite, insistindo em oito horas de sono antes do ensaio do dia seguinte. O único momento em que se soltava, o único momento em que era ela mesma, era durante aquela corrida dura. Naqueles pequenos instantes, ela não sorria ou abaixava o queixo ou inclinava a cabeça, conforme ordenado pelo diretor. Não usava óculos escuros para evitar que a maquiagem derretesse entre as tomadas. Expunha o rosto ao sol e corria. Na quarta manhã, Rafe ainda chiava como um motor a vapor antigo, mas conseguiu sustentar a corrida. Bufando ligeiramente, ele corria ao lado dela e se deleitava com o rosto virado para o sol. Com maquiagem, era perfeito. Sem maquiagem, era quase isso. Mas, nos últimos dias ele descobrira que Allie via sua beleza estonteante com muita praticidade. Ela a aceitava como um presente, como o ouvido de um músico ou a voz de um cantor, e se disciplinava da mesma forma que um artista talentoso o faria para manter suas habilidades afinadas. Sua graça e paciência sob condições difíceis agradavam Rafe. Ela jamais se colocava na defensiva com as críticas vindas de todos, de Avendez ao faz-tudo do rancho, que assistira a um dos ensaios. Rafe, por outro lado, passara os últimos dias se esforçando para não mandá-los se afastar. Ao lembrar-se de uma sessão particularmente insolente, ele resmungou.

Allie olhou rapidamente para ele. — Você está bem? — Não. Ela sorriu levemente. — Quer voltar? — Sim. Mas vamos ver se conseguimos chegar até a estrada principal primeiro. — Continue assim, Stone, e você vai começar a gostar de correr. — Não aposte nisso. Ela gargalhou e o contagiou. Rafe notou que aquela fora a primeira vez que ouvira o riso dela. Fechando a boca, ele colocou um pé à frente do outro. Nuvens de poeira eram geradas a cada passada. O ar frio da manhã entrava nos pulmões dele com cada inspiração. Só chegaria na estrada principal morto. Isso não aconteceu, mas Rafe ficou realmente satisfeito quando eles atingiram a meta e viraram para voltar. Depois de cruzarem os portões do Rancho Tremayo, eles diminuíram a corrida e começaram a caminhar. Lado a lado, os dois cruzaram o pátio. Rafe sentiu o aroma tentador de cebolas fritas que vinha da cozinha principal. Um ronco grande e alto ecoando de seu estômago anunciava que precisava urgentemente repor as calorias que acabara de queimar. — Tem certeza de que não quer que eu traga café da manhã para você? — ele perguntou a Allie. — Um verdadeiro café da manhã? Ela torceu o nariz. — Você não vai mergulhar em cebolas fritas antes das sete da manhã, vai? — O que seria dos huevos rancheros sem as cebolas? — Não tenho idéia. Ele parou de caminhar e a cutucou. — Você está me dizendo que nunca provou ovos fritos servidos em tortillas com feijão e molho de pimentão por cima? E ainda cebola, queijo e tudo o mais que tenha sobrado da noite anterior? Ela deu de ombros. — Rafe! Sou de Minnesota. Quando não estou viajando, moro em Manhattan. Onde eu encontraria tortillas com ovos fritos? Supondo que eu quisesse encontrá-las, é claro, o que não é o caso. — Bem, você pode achá-las aqui. Vamos, você precisa experimentar pelo menos um dos sabores do Novo México. Ela resistiu, como Rafe esperava. — Não posso. Não nesta manhã. A equipe está esperando. Talvez... talvez amanhã. Se eu levantar um pouco mais cedo para que nossa corrida comece mais cedo. Rafe resmungou. — Essa proposta é dura de agüentar, menina. — Bem... — Está certo, está certo. Mas devo avisá-la que o chef ficou de preparar chilaquiles para mim. — O que é isso? — Você vai descobrir. — Me dá uma dica: animal, vegetal ou mineral? — Todas as respostas. Ela retirou uma mecha de cabelo molhado de suor do olho.

— Acho que vou repensar isso. — Tarde demais. Promessa é promessa. Rafe deixou-a na porta da cabana ainda curiosa com relação aos ingredientes, e partiu para atacar uma pequena montanha de ovos fritos e tortillas. Depois, tomou banho e se juntou aos demais para partirem para as tomadas diurnas que seriam feitas em Santa Fé. Allie não conseguia se concentrar. Ela não estava incomodada com o tráfego ao redor da antiga e gloriosa praça de Santa Fé. Os turistas de várias nacionalidades que se espremiam para vê-la não a distraíam. Assim como o mau humor de Dom e os ajustes repetidos dos técnicos com relação ao seu rosto, seus cabelos e seus acessórios também não a perturbavam. O problema era Rafe. Apesar de tentar tirá-lo da cabeça e mantê-lo fora do seu campo de visão, ela se pegava procurando um olhar dele. Ele ficou um pouco longe da atarefada equipe, com os olhos protegidos por óculos escuros espelhados em estilo aviador, analisando a cena. Ele pegou mais do que alguns olhares, notou Allie, com a boca apertada, enquanto um turista franzia a testa diante do perfil dele, desviando abruptamente os olhos quando Rafe olhava em sua direção. — Relaxe, Allie — gritou Dom. — Estamos tentando vender batom, e não antiácido. Relaxando a boca, Allie dedicou atenção ao fotógrafo. No entanto, a rotina deles era muito familiar para absorver totalmente sua mente. Enquanto parte de sua cabeça registrava as instruções de Dom e respondia com as expressões e os movimentos solicitados, uma parte rebelde continuava voltando para Rafe. Usando calça jeans, bota e uma camisa branca ajustada nos ombros, ele parecia rude e em casa naquelas redondezas. Seus cabelos negros e a pele bronzeada insinuavam um pouco da altivez das pessoas que uma vez cruzaram aquelas terras à vontade, antes da chegada dos conquistadores espanhóis. Ou talvez ele tivesse sido um dos caubóis que conduzia seu rebanho pelas trilhas de Santa Fé. Allie podia imaginá-lo se unindo aos homens valentes que conquistaram a independência de forma arrebatadora e celebraram a chegada do fim da trilha nas salas de jogos que um dia, segundo contaram a ela, rodeavam aquela praça. Sim, ela podia ver Rafe bebendo, jogando cartas e dançando com senhoritas caolhas usando véus brancos e... — Allie, por Deus! — rosnou Dom. — Os padrões de luz já estão mudando o suficiente sem a sua contribuição para piorar o problema. Fique quieta. Diabos, o filtro está empoeirado. Preciso trocá-lo. Espere um minuto. O minuto se esticou em dois, três, enquanto Dom brigava com seu assistente por ter dado a ele um filtro ultravioleta, quando, na realidade, ele queria um claro, droga, claro! Os músculos das costas de Allie começaram a doer. Ela relaxou ligeiramente a posição e ouviu outro sermão quando Dom olhou pelo visor e notou que seus pontos de referência tinham mudado. Quando eles finalmente encerram o ensaio da tarde, até mesmo a paciência de Allie estava se esgotando. Dom ficara insuportável nos últimos dias. Ele não trocou dez palavras com Rafe durante os ensaios ou nas reuniões noturnas, assim como também não fizera questão de esconder seu ressentimento com a presença constante do guarda-costas. Rafe, por outro lado, o ignorava, o que apenas irritava ainda mais o fotógrafo. O humor de Dom deu uma guinada para pior, se é que isso era possível, quando Xola o lembrou sobre a festa que o gerente do hotel insistira em fazer para eles naquela noite. Como não gostava de eventos sociais, Dom não queria interromper o ensaio para ir a uma maldita festa. Por unanimidade, a equipe solicitou a Allie a inviável tarefa de convencer o fotógrafo de que todos precisavam de uma pausa. Ele finalmente admitiu isso, mas não de forma afável. Como conseqüência, quando eles partiram em direção aos portões do Rancho Tremayo, toda a equipe estava revigorada. Inclusive Rafe. A fácil socialização que experimentara com Allie mais cedo tinha se dissipado totalmente no dia extenuante. Ele contatara a polícia de Santa Fé para alertá-los sobre a situação de Allie logo que eles chegaram. Eles foram solícitos em manter contato com a polícia de Nova York para avisar sobre o andamento da investigação e enviar

um oficial para controlar a multidão durante o ensaio externo na cidade. Mas mesmo com a ajuda da polícia, Rafe estava tenso por ter passado o dia todo verificando a multidão de turistas que se uniu para observar o ensaio. Seu humor não melhorou quando eles aumentaram o tempo do ensaio e Avendez pedia mais uma pose, mais uma foto. Como um puro-sangue treinado para ter resistência e velocidade, Allie levou sua marcha adiante. Era tão incansável quanto o Zebra, ou pelo menos parecia. Mas quando Rafe chegou para acompanhá-la à festa, à noite, ele notou uma inclinação diferente em seus ombros. Com suas maneiras elegantes que a envolviam como um véu, ela lançou seu sorriso padrão e o convidou para entrar. — Você não precisa fazer isso — disse ele, parado à porta. — Não comigo. — Fazer o quê? — ela perguntou assustada. — Encenar. Ela o analisou por um momento, como se tentasse medir a razão daquele comentário brusco. — Esse é o único rosto que tenho. — Você tem um para cada ocasião. E para cada humor. Uma emoção que Rafe não conseguia descrever escureceu o olhar dela brevemente. — Você está errado, mas não vou discutir com você. Já discuti muito hoje. Deixe-me pegar minha bolsa para irmos. Ela cruzou a sala de estar para pegar uma pequena bolsa de couro preta e Rafe notou que aquela noite seria ainda mais longa do que o dia. Uma semana atrás, até mesmo alguns dias atrás, ele teria reagido àquela criatura sofisticada com uma resposta máscula gutural e instintiva. Seu corpo teria enrijecido diante do rosto dela, emoldurado por uma mecha de cachos avermelhados. Sua pulsação teria chegado ao nível máximo quando ele se deparasse com o decote formado por seu suéter verde-esmeralda. Ele não queria nem pensar na resposta de seu órgão mais baixo à tira de couro preta curtíssima que mal poderia ser chamada de saia, ou àquelas pernas longas envoltas em meiascalças também pretas. Hoje à noite, o pequeno arqueamento dos ombros dela o incomodava mais do que a aparência estonteante. Ou era o que ele pensava... até que Allie se curvou para pegar a bolsa. Implacável, ele a acompanhou para o prédio principal do resort. Com quem ele pensava que estava brincando? Seu corpo estava tão retesado que ele mal conseguia colocar um pé à frente do outro. Seu coração quicava no peito e gotas de suor brotaram em seu rosto no momento em que viu aquela maldita saia. Ele era um homem e Allie era toda feminina. Era mais do que isso. Ela era Allie. O ânimo de Rafe não melhorou ao ver que os demais homens da festa viam a mulher existente nela. O gerente do resort a seqüestrou no momento em que eles pisaram no longo corredor com o teto baixo de estuque sustentado por vigas rústicas. Alto, bronzeado e com as unhas perfeitas, o homem lembrava a Rafe um charuto cubano. Um El Tampico, concluiu objetivamente. Com um envoltório fino e um interior de gosto ruim. — Senhorita Fortune! Esperávamos por você. Venha conhecer os outros hóspedes. Rafe apoiou os ombros na parede e observou El Tampico exibir Allie pelo corredor como um novilho a prêmio em um leilão de gado. Rafe tinha feito algumas averiguações sobre o homem depois que eles chegaram. Sobrinho de um magnata dono de hotel, ele apareceu para provar a si mesmo que administraria aquele resort exclusivo cinco meses antes... deixando mulher e filhos em Dallas. Certamente, agora ele não pensava nela, observou Rafe, rabugento. Assim como não estavam nenhum dos homens em volta de Allie como abutres cercando a carniça. Foi assim que a vira, inicialmente, lembrou Rafe. Cercada por homens na festa dos Fortune. O Viking tinha se pendurado no braço dela, ao contrário do Charuto. Rafe se irritou profundamente, sobretudo quando o Zebra passou por Allie e envolveu seu pescoço com o braço. Daquela distância, Rafe não pôde ouvir o que ele disse a ela, mas ela sorriu e beijou o lado careca da cabeça dele. — Posso comprar uma marguerita para você?

A voz baixa e suave ao seu lado podia ter saído de um pote de mel. Rafe virou e olhou para a mulher ao lado dele, que batia na altura de seu ombro. — Talvez uma coca-cola — ele respondeu, sorrindo. —Melhor ainda, uma xícara de café. Xola ergueu a sobrancelha. — Não bebe em serviço? Coitado. Não creio que eu possa enfrentar o dia de amanhã sem algumas margueritas. Dom se superou hoje. — Então, por que você continua com ele? Pelo que pude notar, você é boa no que faz. Muito boa. Xola soltou uma gargalhada gostosa, atraindo alguns olhares masculinos. Rafe captou os olhares de insatisfação, quando os hóspedes do hotel ligaram a risada sensual e doce à mulher que estava ao seu lado, com a figura troncuda enfiada em um xale espanhol que tinha duas vezes o seu tamanho. — Querido, sou a melhor produtora da cidade, o que significa que sou a melhor do universo. Não existe acessório que eu não consiga encontrar. Infelizmente, Dom também é o melhor, por isso trabalho com ele. Pelo menos... — seu olhar cruzou a sala — ele é o melhor quando trabalha com Allie. Rafe examinou o rosto dela por um momento e perguntou, calmamente: — Avendez sabe que você é apaixonada por ele? Ela olhou de volta para ele. — Você está brincando? Eu poderia usar néon para anunciar isso que Dom não notaria. Ele não dá bola para outra mulher, a não ser Allie. Eu queria ser capaz de detestá-la. — E não detesta? — Não. Allie é a única modelo que conheço que sabe que a atenção destinada a ela não tem qualquer relação a ela como pessoa. Além disso — acrescentou Xola, com uma de suas risadas peculiares que causavam frio no estômago —, se não fosse a influência de Allie para acalmar Dom, eu provavelmente teria tacado alguma coisa em todas as luzes estroboscópicas e o fritado como a uma fatia de bacon. Rafe sorriu para ela. — Me parece uma ótima idéia. Enquanto observava a sala, Allie batia os dedos no copo de marguerita que o gerente do resort colocara em sua mão. O sorriso escrachado de Rafe provocou uma certa dose de irritação nela. Foi o mesmo sorriso que ele lançara para ela, Allie pensou, depois que terminou de beijá-la. Franzindo a testa, ela rodou os ombros para aliviar o peso do braço de Dom. Ele olhou para ela insatisfeito e saiu. Allie mal notou sua saída. Xola e seu guarda-costas sempre pareciam encontrar algo divertido para falar. Allie não deixara de perceber o hábito da produtora de pender para o lado de Rafe durante os ensaios. Assim como notara que ele obviamente gostava da companhia dela agora. Certamente Rafe não poderia acusar Xola de ter duas caras, ela pensou, com certo rancor. Ela era exatamente a mesma, de manhã e à noite. Allie se encheu de culpa por causa desse pensamento. Descobriu que ciúme não era uma emoção muito agradável. Particularmente quando ela não tinha direito de ser ciumenta. Rafe fora contratado para fazer companhia a ela enquanto estivesse acordada, e vinha fazendo seu trabalho de forma muito eficiente. Isso não queria dizer que devia ficar colado nela. Tinha todo o direito de aproveitar a companhia de outra mulher. — Tenho que confessar algo, Srta. Fortune — murmurou o pegajoso gerente do resort no ouvido de Allie. — Eu acompanhei alguns de seus ensaios feitos no resort. Allie balançou a cabeça, desatenta, com os olhos no casal do outro lado do salão. Rafe praticamente tinha que se dobrar ao meio para ouvir Xola diante da música que tocava ao fundo. — Você se importaria em autografar uma foto para nossa galeria da fama? Eu a colocarei ao lado da do vicepresidente. Ele e a família ficaram aqui há alguns meses. — O quê? — Allie voltou a atenção ao homem ao seu lado. — Ah, claro. — Elas estão no meu escritório. Aqui, deixe-me segurar para você.

Ele pegou o copo de marguerita da mão de Allie e o colocou na mesa, ao lado da pequena bolsa dela. Distraída e irritada novamente pela visão do brilho dos dentes brancos de Rafe em mais um desses incríveis sorrisos de "pronto para combate", Allie deixou que o homem a conduzisse por meio dos convidados. O barulho da festa ficou mais abafado quando eles entraram no escritório amplo e estofado. — As fotos estão na minha mesa. Aqui estão, qual você prefere? Allie passou as fotos, todas elas rejeitadas por Dom. Ela colocou a unha em uma fotografia brilhante da silhueta de seu rosto e de seus ombros no portão de argila emoldurado por madeira do Rancho Tremayo. O braço do gerente roçou o dela, quando ele se inclinou para examinar sua escolha. — Sim, essa é ótima. Tome a caneta. Allie pegou a pesada caneta de prata que ele lhe deu e se afastou um pouco para conseguir espaço para escrever. Ela se apoiou para rabiscar Tudo de Bom em um dos cantos da foto, então congelou quando o braço dele roçou seu quadril. Só que, agora, o contato era deliberado. Não podia ser nada de diferente, já que a mão dele continuava plantada na parte traseira de sua saia de couro. — Se você não tirar a mão de mim — disse ela suavemente, enquanto rabiscava seu nome na fotografia — vou quebrar seu braço. Ele se afastou, gaguejando. — Oh... eu estava... apenas... Ela se endireitou. — Sei o que você estava apenas. — Sinto muito, Srta. Fortune. Realmente. A senhora interpretou mal minha animação com a foto. — Certamente eu interpretei mal alguma coisa. — Ela jogou a caneta na mesa e olhou para ele de forma que combinava desdém, altivez e um grande descontentamento. — Vamos voltar para a festa. Ela se virou, preparada para sair da sala. A visão de Rafe se apoiando de forma negligente contra o batente da porta fez com que ela parasse abruptamente. Ele não disse uma palavra ao gerente. Não precisava. Uma olhada para o rosto de Rafe fez com que o homem gaguejasse de novo. — Nós... eh... A Srta. Fortune estava apenas... — Sim? O pomo-de-adão do gerente sacudiu várias vezes. — A Srta. Fortune estava autografando um ensaio publicitário para mim. Nós, nós estávamos voltando para a festa. — Você volta para a festa. Eu gostaria de falar com minha cliente por um momento. Visivelmente aliviado, o gerente saiu de cena com um olhar hesitante. Allie assumiu uma atitude rígida quando os olhos azuis de Rafe a repreenderam com uma raiva gélida. — Pensei que tivéssemos um acordo — disse ele, friamente. — Sem mais passeios no escuro sem seu acompanhante. — Meu acompanhante estava ocupado — ela respondeu, docemente. Muito docemente. Ele cerrou os olhos. — Não tão ocupado para deixar de ver você escapar da festa com seu amigo. E sem isso. Ele levantou a mão, sacudindo a bolsa preta dela. Allie enrubesceu. A visão de Rafe se inclinando para cima de Xola a perturbara tanto que sequer pensou na bolsa. Mas não havia razão para se sentir culpada por não ter carregado o bipe que Rafe insistia que ela usasse. A porta do escritório permaneceu aberta, por Deus! Mais de cem pessoas estavam aglomeradas no salão ao lado. Um grito causaria uma correria.

— Está bem. Esqueci as regras. Esqueci o bipe. Desculpe. — Desculpas não resolvem em uma emergência. — Só que esta não é uma emergência, então resolverá. Eu pedi desculpas. Não vou implorar. Quando caminhou para frente, ele dava a entender que ia fazê-la agir exatamente assim. Allie se recusou a se retratar, apesar de ter pensado nisso por um minuto ou dois. Rafe podia ser bastante intimidador, quando queria. — Droga, Allie, você não pode ir a lugar nenhum sem o bipe! Lugar nenhum! — Está certo. Não vou esquecer novamente. Ele pegou a pequena bolsa. — Estou vendo que não. — Alguém já lhe disse que você precisa melhorar suas habilidades para falar com seus clientes? — A maioria — ele retrucou, conduzindo-a para fora do escritório. — Por que isso não me surpreende? Rafe sabia bem que estava reagindo de forma exagerada. Também sabia que sua raiva era direcionada mais a ele do que a Allie. Ainda não conseguia acreditar na possessão masculina que se abateu sobre ele quando ele viu Allie saindo da festa com El Tampico. Deixando Xola falando sozinha, ele cruzou a sala em disparada, pegou a bolsa de Allie e chegou no escritório na hora exata em que ela ameaçou quebrar o braço do homem. Ela lidara com o Charuto facilmente, assim como o fizera com o Viking. Isso não significava que Rafe gostava de vê-la fazendo isso. Assim como não gostava da maneira que os homens se aproximavam dela. Incluindo ele mesmo, ele lembrou, com certo desgosto. Quando acompanhou a cliente até a cabana uma hora mais tarde, Rafe ainda não tinha acabado com o resto de sua raiva. Nem Allie, aparentemente. Ele examinou rapidamente o interior. — Tranque a porta — ele instruiu, laconicamente. A resposta dela foi ainda mais lacônica: — Trancarei. — Mantenha o bipe ao seu alcance. — Manterei. — Boa noite. — Boa noite. Allie se orgulhou por não ter batido a porta quando ele deu as costas. Embora certamente quisesse fazer isso. Totalmente insatisfeita, ela caminhou até a cama e tirou os sapatos. Ia jogar a bolsa preta na cadeira, mas desistiu. Fazendo uma careta, retirou o bipe de dentro da bolsa e o colocou na mesa-de-cabeceira, entre o telefone e o pequeno carrossel. Que péssimo fim para o dia que começara com um sorriso aberto de Rafe e a promessa de um chila-qualquer coisa. Depois de colocar sua camisola, retirar a maquiagem e escovar os dentes, ela caminhou descalça pelo quarto. Colocou a mão sobre o telefone por alguns instantes, mas retirou. Ela e Rocky normalmente conversavam todos os dias. Como verdadeiras gêmeas, não precisavam se comunicar muito para simplesmente unir as duas metades. Hoje à noite, porém, Allie não podia ligar para a irmã. Rocky perceberia a raiva latente de Allie na mesma hora. Pior, ela sacaria o ciúme e o estado confuso da irmã. Como uma leoa saltando sobre sua presa, ela contaria para a irmã, em prantos, todos os detalhes da noite. Não teria a menor dificuldade para descrever os detalhes do beijo. Allie não estava pronta para falar sobre a noite, nem mesmo para Rocky. Especialmente para Rocky. Precisava de tempo para se equilibrar. Precisava entender como Rafe Stone podia irritá-la, distraí-la, enfurecê-la e ao mesmo tempo fasciná-la. Como podia sentir ciúmes do sorriso que ele dera para outra mulher, e ansiar pelo beijo que os dois concluíram ter sido um erro.

Suspirando, Allie ligou o carrossel. Uma polonaise de Chopin encheu o ar, enquanto ela apagava a luz e ia para debaixo das cobertas.

O toque do telefone a acordou algum tempo depois. Sonolenta, ela tateou a mesa-de-cabeceira ao seu lado. Sua mão estabanada bateu no carrossel. Ele balançou uma vez ou duas e os sons foram abafados quando o telefone tocou novamente. Praguejando em voz baixa, Allie sentou-se e procurou o interruptor do abajur. Retirando os cabelos dos olhos com uma das mãos, ela agarrou o telefone com a outra. — Alô — murmurou Allie, ainda sonolenta. Um silêncio longo e pesado tomou o fone. Allie franziu o cenho, tentando acordar para compreender o que estava acontecendo. — Rocky? É você? — Não, Allison. O sussurro lento e penetrante provocou arrepios gelados no corpo de Allie. — Você fez amor com a câmera hoje, Allison? Como sempre faz? Como eu quero que faça comigo? O primeiro instinto de Allie foi desligar o telefone. Quando estava prestes a faze-lo, desistiu. Agarrando o telefone com afinco, ela pegou o bipe e o apertou o mais forte que conseguiu.

Capítulo 7 Allie ainda estava sentada no meio da cama com o telefone em uma das mãos e o bipe na outra, quando Rafe entrou devagar, com uma arma em cada mão. Se as obscenidades que Allie se forçara a ouvir já não a tivessem abalado bastante, a entrada dramática de seu guarda-costas resolveria o problema. Usando calça jeans e uma camisa desabotoada que obviamente vestira às pressas, ele era todo enxuto, gostoso, com o peito nu e muita frieza. Allie se encolheu quando a arma da mão dele dançou em um arco curto e fatal. Ele procurou pelas sombras, então apalpou os travesseiros dela com um olhar cerrado. — O que está havendo? — perguntou, retesado. Com as mãos tremendo, Allie pegou o instrumento. O bip-bipbip e a mensagem gravada avisando que o receptor tinha desligado o telefone ressonou no silêncio tenso do quarto. — Era... — Ela passou a língua pelos lábios. — Era ele. Eu ouvi... Tentei mantê-lo aqui, mas... ele desligou. Rafe abaixou a arma e pegou o telefone. Ela parecia não querer passar o telefone para ele. — Vamos, Allie — disse ele, gentilmente. — Deixe-me ver isso. — Eu... — Ela olhou com desamparo para o instrumento em sua mão. — Eu... Praguejando, ele colocou a arma na mesa-de-cabeceira. — Está tudo bem — murmurou, destravando os dedos. — Está tudo bem. Estou aqui. Ele não vai machucá-la. Ela foi tomada por tremores, um seguido do outro. — Ele não quer me machucar. Foi o que disse. Não... a menos que seja necessário. Praguejando mais um pouco, Rafe arrancou o bipe do pulso dela e colocou na mesinha. Depois, ele a abraçou. Tremendo de forma incontrolável, Allie se apertou contra a parede rígida do peito nu de Rafe. Ela não choraria. Não daria essa satisfação ao pervertido. Mas não conseguia parar de tremer. Envolveu Rafe com as mãos desejando, precisando de um alicerce.

Ele compreendeu a necessidade dela. Colocando-a no colo, abraçou-a com força, com o braço em volta de sua cintura. Sua outra mão acariciava a parte de trás da cabeça dela. O nariz dela encontrou a junção do pescoço e do ombro dele, acessível pela camisa aberta. Com um som que era meio choramingo e meio alívio, ela enterrou o rosto na pele macia e quente dele. Ele a embalou, como um pai faria com uma criança pequena. — Está tudo bem, Allie. Estou aqui. Quando ele trocou um pouco de posição, ela o agarrou em pânico. — Não vou a lugar nenhum — ele garantiu. — Ainda não. Só quero ligar para o operador do hotel. Espere um pouco, querida. Com as mãos enroscadas na camisa dele, Allie manteve-se unida a Rafe enquanto ele pegava o telefone. — A Srta. Fortune acabou de receber uma ligação. Você pode me dizer se ela veio do hotel ou é externa? A voz dele era um ruído baixo no ouvido dela. Allie fechou os olhos e tentou se concentrar nas batidas erráticas do coração dele contra o peito, em vez de se ater a sua própria aceleração cardíaca. — Tem como saber se foi local ou de longa distância? Ela sentiu, mais do que ouviu, o pequeno grunhido de desapontamento dele. — Sim, bem, obrigado. — Eles... eles não podem dizer de onde vem? — Só que veio de fora do Rancho Tremayo. — Ótimo — ela murmurou contra a clavícula dele. Ele passava a mão pelos cabelos dela, forte e infinitamente confortante. — Você terá que me dizer o que ele falou. Ela se arrepiou. — Agora não. Por favor. Ainda não posso falar sobre isso. — Quando você puder, querida. Allie não tinha certeza se conseguiria. Ela não queria nem pensar, menos ainda repetir, as frases que prometiam transformar em um ataque obsceno e assustador algo que deveria ser... deveria ser lindo. E caloroso. E lentamente e sensualmente invasivo. Como o ritmo do coração de Rafe contra o dela. A sensação dos braços dele em torno dela. Aos poucos, os tremores deram lugar a arrepios. Lentamente, o perfume dele substituiu o gosto amargo do medo, mudando o foco dos sentidos dela. A camisa dele tinha sido levemente engomada. Sua pele insinuava uma cobertura amarrotada e a noite fria, de forma que onde a respiração dela batia, a superfície flexível ficava umedecida. Allie sentiu uma forte necessidade de tocar a ponta de sua língua na prega do pescoço dele. Ela ficou tão surpresa quanto Rafe, quando resolveu sanar sua necessidade. A mão que estava acariciando seus cabelos paralisou. Os músculos sob as mãos dele ficaram tensos. —Allie... — Eu sei, eu sei — ela murmurou no pescoço dele. — Isso não é inteligente. Isso é uma grande besteira. Não se preocupe, Rafe. Não vou beijá-lo novamente. Em vez disso, ela o lambeu. Colocando de lado a gola da camisa, ela roçou os lábios ao longo da inclinação de seus ombros. Sua língua deixou um rastro quente e úmido na clavícula dele. Ela sentiu o coração satisfeito por aquele ato simples e exploratório levar a uma necessidade tão explosiva. Um pequeno gosto provocou uma vontade de se deliciar em um banquete. Sua boca deslizou do ombro para o pescoço dele, mais uma vez. De repente, Allie compreendeu a atração imutável das fantasias vampirescas.

A pulsação dele latejava bem abaixo da superfície de sua pele. Calorosa, rápida, forte. Ela poderia requisitá-lo para sempre se o mordesse, só um pouco? Só uma mordidinha? Dessa vez, foi Rafe quem estremeceu. Quando ele ia se afastar, Allie pegou seus braços. Só então ela notou que os músculos dele estavam rígidos como granito. Sua pele estava tão quente. Ela foi tomada por um consciente senso de poder. Jamais poderia imaginar que provocaria tamanho calor nele — e nela — usando apenas os lábios, a língua e os dentes. Rafe também não podia acreditar. Ele gostaria de não afastar a cabeça dela, mas sim de avançar naquela boca que lançava fogo nele com cada toque, cada pequena mordida. Jamais notara que a cavidade entre seu pescoço e seu ombro fosse uma área tão erógena. Ou que uma mulher poderia tirá-lo do sério simplesmente com o sussurro da respiração contra sua pele. Seu bom senso dizia que ele a fizesse parar. Agora. Antes que ele se esquecesse que ela era sua cliente. Esquecesse que ela apenas tinha recebido uma ligação horrível, ameaçadora. Uma ligação que tinha que ser documentada antes de os detalhes sumirem da mente dela. A sensação do corpo macio dela contra o seu apagou completamente a voz da razão. Se condenando pela falta de moderação, Rafe apertou o abraço. Sem a barreira da roupa justa de corrida para separá-los, o calor dela passava para ele. O desejo foi aumentando dentro dele, forte e urgente. Ele a moveu em seu colo para facilitar a repentina constrição de sua calça jeans. Posteriormente, Allie não tinha certeza sobre como sua camisola deslizou pelos ombros. Ou sobre quando a mão de Rafe passeou por dentro do algodão macio. Naquele momento, seu único interesse era sentir a palma da mão dele se arrastar pela curva de seu seio. Seu mamilo se retesou em antecipação ao toque dele. Ela se contorceu, desejando aquele contato desesperadamente. Quando os dedos dele alcançaram a ponta eriçada, ela gemeu de prazer. Querendo propiciar prazer também, Allie deslizou sua mão pelo peito dele. Seus dedos se espalhavam em um ralo tapete de pêlos flexíveis. Percorriam a maciez de um peitoral arredondado. Que avançava para cima. E que ficou imóvel ao encontrar cristas inesperadas. Pelo calor que brotava de sua pele, Rafe sentiu os dedos dela hesitarem tocar nas cicatrizes. Aquela pausa pequena e breve o trouxe de volta à realidade como nada o teria trazido. Lutando contra a necessidade de seu corpo, ele fez o que devia ter feito antes. Ele se afastou dela. Ela olhou para cima, surpresa, seus seios estremecendo com a perda repentina de contato. Rafe bloqueou a boca com tanta força que doeu, ao ver os mamilos de bicos morenos, que puxara e provocara, transformados em picos rígidos. Ele desviou o olhar dos seios cor de creme que cabiam perfeitamente em sua mão e encontrou a confusão dos olhos castanhos dela. — Não podemos fazer isso, Allie. Agora não. A confusão dos olhos dela deram lugar a consternação. — Ouça, querida. Você ainda está tremendo. Você está chateada. Precisa de tempo para se acalmar, para pensar sobre isso. Allie respondeu abruptamente que precisava mesmo, desesperadamente, era do corpo dele sobre ela. Parecia que não conseguiria. Com a cabeça tão confusa quanto os sentimentos, ela lutou para compreender o recolhimento dele. Ele a desejava, tanto quanto ela o desejava, apesar de recuar. Novamente ele. Novamente. Obstinada, ela pegou as alças de sua camisola para se cobrir. Quando tentou se esquivar do colo dele, ele a manteve no lugar um pouco mais. — Eu também queria — ele admitiu, avaliando a reação dela com uma perspicácia que fez com que Allie se contorcesse, embaraçada. — Ainda quero. Mas temos que conversar. A única coisa que a salvava de uma humilhação total era o tom rouco da voz dele. — Eu não estou disposta a conversar agora — ela murmurou. Se pressionada, ela poderia não dizer a ele realmente o que queria fazer naquele momento. Ficava entre fugir dele constrangida, ou dar uma surra nele.

— Você precisa me dizer o que o pervertido falou — insistiu Rafe. — Deve haver algo na escolha de frases ou palavras dele que a polícia pode usar nas investigações. Saber que ele estava certo não facilitou sua aquiescência. Especialmente com aquelas coxas rígidas sob o traseiro dela. Allie se esquivou novamente, tentando se soltar. Dessa vez ele deixou que ela saísse. Baixando a camisola para cobrir os quadris, ela se afastou alguns passos. Com o olhar fixo em um quadro de uma mulher, ela reproduziu tudo o que se lembrava da ligação, gaguejando um pouco nas frases mais nojentas. Depois que terminou, manteve-se um longo silêncio. Então Rafe praguejou ferozmente. Allie virou-se e o encontrou enfiando a camisa dentro da calça jeans. — Vou dormir na sala de estar hoje. Você ficará bem enquanto vou na minha cabana pegar meus equipamentos? Não, não ficaria, mas não pelas razões que ele imaginava. Allie suspeitava que demoraria mais para apagar a lembrança dos braços dele a envolvendo naquela noite do que a ligação recebida. — Você não precisa dormir aqui. Estou bem. — Quero estar aqui, caso ele ligue novamente. — Ele não ligará — disse Allie, diretamente. — Hoje não. — Como você sabe? — Ele nunca liga. Além disso — ela acrescentou, torcendo os lábios em desgosto — ele atingiu o objetivo de sua ligação. Desligou depois de ter me assustado. Só que agora não estou mais assustada, mas com muita raiva. E constrangida. E confusa. E mais frustrada do que nunca. Duas vezes agora, ela se derreteu toda nos braços dele. Duas vezes ele recuou. Na próxima vez, ela jurou, ele não se esquivaria dela. Na próxima vez, o Sr. Stone Macho No Controle iria saber o que o atingia. Agora, no entanto, ela só queria que ele saísse de seu quarto e de sua vista, antes que ela desse uma de boba novamente, chorando ou xingando ou qualquer outra coisa que o deixasse saber que ela tremia mais por ele do que pelo admirador secreto. — Está tarde, Rafe — disse ela, levantando o queixo. — Preciso dormir, ou terei círculos em torno dos olhos amanhã que nem nossa nova linha de produtos de beleza atenuariam. — Tem certeza de que está bem? — Sim. Ele hesitou, franziu o cenho e balançou a cabeça, relutante. — Está bem. Ligue para mim, se precisar. Ah, ela precisando dele, pensou Allie. Ela precisava dele de uma forma que não compreendia. Infelizmente, ele parecia não precisar dela no mesmo grau. Ela o acompanhou até a sala de estar e observou enquanto ele retirava a chave de fechadura. — Tem certeza de que quer correr de manhã? — ele perguntou, ainda preocupado. — Talvez você devesse dormir. — Me recuso a permitir que este pervertido interrompa minha rotina. Assim que acordar, eu quero correr. A preocupação dele virou um sorriso. — Eu estava receoso de que você dissesse isso. Mas lembre-se de que depois da corrida teremos sua primeira incursão com chillaques. — Sim. O prato que é animal-vegetal-mineral. Allie caiu na cama momentos mais tarde, completamente exaurida. Sofreu uma gangorra de emoções naquela noite, da raiva do gerente do resort e de Rafe ao medo mais violento, ao forte desejo, desapontamento doloroso e constrangimento. Apesar de ela se pegar ansiosa por provar uma coisa quente e apimentada no café da manhã. Ela não correu nem provou o prato misterioso pela manhã.

Ela e Rafe estavam apenas começando a aquecer para a corrida na manhã seguinte, quando o telefone tocou. Allie gelou, com a bochecha direita apoiada na panturrilha esquerda. Antes de se desdobrar, Rafe entrou no quarto. Com a extensão na mão, ele sinalizou para ela atender o telefone na sala de estar. Allie engoliu em seco e pegou o fone no mesmo instante em que Rafe o fez. Antes de ela o levar até a orelha, foi possível ouvir claramente a voz de Dom. — Você viu este nascer de sol? É inacreditável! Quero você do lado de fora em vinte minutos. — Dom, não estou vestida. — Não preciso que você se vista. Use um bendito lençol, se preferir. Não, coloque algo preto. Não importa o que seja, só quero seus olhos. Corra, Allie. Ela estremeceu quando ele desligou o telefone. Colocando seu fone no gancho com um pouco mais de cuidado, ela sorriu de lado para Rafe. — É melhor você tomar um café e alguns desses chula-sei-lá-o-quê enquanto dá tempo. Se eu não estiver enganada, o mundo vai desabar em cerca de dez minutos. Xola e Stephanie e todo o resto da equipe de produção desceram até a cabana dela em minutos. Assim como Allie, cada um deles estava sem uma ou outra roupa. Diferente de Allie, eles não estavam contentes em acordar para aproveitar o espetacular amanhecer do Novo México. Em uma rajada de escovas e cremes e observações sobre fotógrafos sarcásticos que queriam o impossível, eles começaram a trabalhar. Vinte minutos depois, Rafe apoiava um ombro em uma arcada, bebericando uns goles de café e observando Avendez posicionar Allie. Envolvida em um xale preto que Xola encontrou milagrosamente em alguma fonte inespecífica, ela virou o rosto para o pico da montanha do oeste. Atrás dela, cores resplendorosas irradiavam pelo céu do leste. Era o tipo de nascer do sol que somente o Novo México poderia produzir. Relutantemente, Rafe admitiu que a agonia que aquele ar rarefeito provocava nele durante as corridas matinais com Allie poderia ser um preço pequeno a pagar por algo que só podia ser classificado como uma das maravilhas do mundo natural. No entanto, a pergunta que ainda exigia uma resposta em sua mente era por que Avendez acordara tão cedo para se deparar com aquela vista em particular. Se tivesse acordado às cinco, estaria acordado também às duas, quando Allie recebeu a ligação? Era uma possibilidade limitada. O homem dirigia a si mesmo com a mesma rigidez que dirigia as outras pessoas. Ele se trancava em seu centro de processamento portátil por horas depois de cada ensaio, atormentando seus assistentes quando eles revelavam as folhas de contato e consultando os diretores de arte. Sempre voltava ao centro depois das sessões de revisão noturnas com Allie para trabalhar. Rafe verificara a unidade de processamento no primeiro dia de ensaio. O lugar era independente e limpo, como se esperasse inspeções matinais de sábado. Os produtos químicos eram armazenados em recipientes claramente identificados e os suprimentos de filmes e equipamentos eram mantidos separados. Havia uma sala escura na metade traseira da instalação. A metade dianteira funcionava como escritório e unidade de criação, dotada com alguns computadores e, Rafe lembrou, um telefone. Sobressaltado, ele olhou para o bando de pessoas em volta de Allie. Então, colocou a mão no bolso do colete e foi na direção da unidade de processamento. Com o ensaio começando a pegar fogo, ninguém notaria quando ele entrasse furtivamente. O telefone portátil ficava em um estojo preto de couro. Alimentado por uma bateria recarregável, emitiu um ruído baixo quando Rafe o tirou do gancho. Para que um telefone móvel funcionasse, ele devia estar conectado a um serviço local. Ou a um serviço nacional que acusasse que ele estava em roaming, ou seja, fora de sua área local. Se alguém tivesse ligado para Allie daquele telefone cerca de duas e vinte da manhã, haveria um registro disso. Apertando os lábios, Rafe anotou o número em um pedaço de papel. Para verificar os registros de chamadas de um telefone, era necessário apenas recorrer a alguns amigos ou entrar em contato com a polícia. Colocando o papel com o número do telefone no bolso, Rafe fez uma inspeção rápida no centro de processamento. Nada mudara desde a sua primeira visita, exceto...

Ele abriu o painel esquerdo de uma placa de exibição montada na parede e sentiu falta de ar. Fotos de Allie cobriam a superfície. Centenas de fotos, ampliadas e reduzidas, coloridas e em preto-e-branco. Allie sorrindo para a câmera. Allie olhando sonhadora para o horizonte. Allie com o queixo inclinado e os lábios curvados e os olhos telegrafando com uma postura fascinante, capaz de pôr fogo em cada hormônio de Rafe. Ele olhou para o painel, atônito. Fascinado. Estupefato pelo efeito artístico gerado por luz e sombra, cor e textura. Então ele abriu o painel da direita e a estupefação virou fúria. Mais fotografias preenchiam a metade do painel. Todas tinham tido o rosto da modelo cortado. Algumas traziam Xs em cima do assunto. Outras tinham a palavra "censurado" rabiscada do início ao fim. Uma em particular chamou a atenção de Rafe. De acordo com a palavra que ocultava o sorriso travesso de Allie, somente um tolo gostaria daquele rosto, ou compraria os cosméticos que ela estava anunciando para o povo. Rafe ainda olhava para a fotografia, quando ouviu a porta da unidade de processamento ser aberta. Virando, ele viu um dos assistentes de Avendez entrando. Philips, Rafe reconheceu na hora. Jerry Philips. Um aluno da Universidade do Texas que estava fazendo um estágio de fotografia no verão com Avendez. O rapaz fazia questão de passar uma imagem fora do comum. Magro, com ombros curvados e nervoso, ele invariavelmente vestia bermudas abaixo do joelho, uma camiseta laranja da universidade bem maior do que o seu tamanho e um boné. Ele pulava como um gato assustado sempre que o Zebra gritava com ele, o que ocorria freqüentemente, e gaguejava todas as vezes que Allie tentava acalmá-lo. Quando ele viu Rafe no centro de processamento, quase perdeu a voz. — O-o que você está fazendo aqui? — Olhando. — Oh, o Sr. Avendez não gosta que as pessoas entrem aqui sem a permissão dele. — Eu não preciso da permissão dele — respondeu Rafe, diretamente. — Oh. — Philips olhou para ele por alguns instantes até lembrar-se de sua missão. — Tenho que pegar alguns filmes. Rafe ficou parado enquanto o assistente corria e inseria uma chave em um dos armários de suprimentos trancado e climatizado. Ele retirou uma bandeja de pacotes lacrados de lâminas e estava se dirigindo à porta, quando Rafe balançou a cabeça na direção das fotos. — Este é um mural e tanto. Você ajudou a organizar as fotos? Os olhos do rapaz examinaram superficialmente a montagem. — Não, o Sr. Avendez fez isso. Ele faz a montagem das fotos que gostou ou não para avaliá-las. Quando está de bom humor, nos fala o que está certo ou errado na composição. Rafe deu um tapinha no mural com um olhar malicioso. — Ele falou o que há de errado com esta aqui? — Nem precisava — respondeu o estagiário com um suspiro. — Qualquer fotógrafo iniciante saberia que mantivemos o refletor no ângulo errado. As luzes do sol também estouraram o rosto dela. Passando a bandeja para a outra mão, ele passou as costas de sua mão no nariz e analisou a foto com olhar crítico. — Se eu tivesse participando do ensaio, usaria o polarizador para suavizar um pouco o plano de fundo. Focaria mais a boca de Allie. Deus, que boca! Rafe estreitou os olhos diante da característica reverente dessas últimas palavras. Pelo visto, ele poderia acrescentar o estagiário à lista de homens apaixonados, ou pelo menos que desejavam Allie. O Viking, o Zebra, o Charuto e, agora, o Descolado.

Pensando nas possíveis implicações disso, Rafe examinou o rapaz. Correção, o homem. Mesmo com aquele bermudão e com os ombros curvados, Philips devia ter cerca de 25 anos. E mais, ele tinha acesso à unidade de processamento... e ao telefone móvel. — Bem, tenho que levar estes filmes para o Sr. Avendez. Até mais, cara. — Até mais — respondeu Rafe. Rafe saiu alguns momentos depois e correu para sua cabana para fazer uma rápida ligação. Já tinha avisado ao detetive da polícia de Nova York encarregado do caso de Allie sobre a ligação daquela manhã. Agora, forneceria um número específico para ser examinado. O detetive prometeu rastrear o serviço de telefone móvel e verificar seus registros para aquele número específico. Poderia levar alguns dias, ele avisou. A explosão de telefones celulares e a falta de regulamentação das empresas de telefonia complicaram consideravelmente o processo. Rafe voltou para o ensaio. O nascer do sol espetacular, agora mais azul e dourado do que roxo e vermelho, não justificou sequer uma olhadela da parte dele. O foco total agora era na mulher envolvida de preto e no homem com metade da cabeça de cabelos negros esvoaçantes agachado diante dela, cujo rosto era obscurecido pela câmera. A ligação da noite anterior poderia ter vindo de qualquer lugar, ou de apenas alguns metros de distância. Poderia ter sido feita por qualquer pessoa, por Avendez, seu estagiário ou qualquer um que entrasse e saísse da unidade de processamento durante o dia. Até receber uma resposta da polícia, Rafe apenas especulava. Mas ele sabia que deveria contar a Allie sobre suas suspeitas. Também sabia que ela não gostaria de ouvi-las. Sem querer perturbá-la durante o ensaio, ele esperou até que a equipe retornasse, suja e cansada, de um dia exaustivo. Rafe tomou um banho rápido e percorreu a pequena distância até a cabana dela, só para descobrir que ela não estava lá. Nenhum dos membros da equipe, incluindo Avendez, sabia onde ela estava.

Capítulo 8 Usando os sinais de baixa freqüência emitidos pelo bipe, Rafe localizou Allie em menos de quinze minutos. Posteriormente, quando ele pôde analisar aqueles quinze minutos com certa calma e objetividade, viu que sua reação ao encontrá-la foi um pouco exagerada. Mas na hora, ele fora conduzido apenas por um medo desmedido. Durante a procura, a tênue distância emocional que ele queria manter com relação à cliente foi eliminada. Com a boca cerrada, o estômago revirado em um nó apertado, o coração batendo descompassadamente, ele seguiu os sinais pelo prédio principal do resort. Encontrou Allie em uma pequena cabana perto do saguão. Nos braços de um tipo alto, parecendo um executivo, de cabelos escuros e um sorriso conquistador num rosto muito bonito, que fazia Rafe ter vontade de eliminá-lo. Imediatamente. Dolorosamente. Inconsciente do que fizera Rafe passar, Allie virou ao som de sua abordagem. Passando o braço em torno da cintura do Executivo, ela sorriu em boas-vindas. — Rafe! Você recebeu meu recado. — Não, Srta. Fortune, não recebi. O sorriso dela minguou diante da resposta fria e furiosa dele. — Mas, mas eu liguei para você — ela protestou. — E como você não atendeu, deixei um recado. — Tente novamente. Não havia nenhuma mensagem no meu telefone. Ela se irritou com a ironia dele. Após olhar rapidamente para o homem ao seu lado, ela respondeu com uma voz suave, que só aumentava a raiva de Rafe. — Bem, falaremos sobre este mal-entendido mais tarde, Rafe. Agora eu quero...

— Falaremos sobre isso agora. Em sua cabana. Se seu amigo nos der licença. — Não, não dou — o homem falou, arrastadamente. O sorriso preguiçoso e a gravata listrada de seda não enganaram Rafe nem por um segundo. Podia reconhecer outro predador. Olhando dentro dos olhos do estranho, ele advertiu Allie em voz baixa. — Você deve ter cuidado. Não vai ser tão fácil lidar com este quanto com os demais da sua coleção. Ela se afastou do rapaz, franzindo o cenho. — Que coleção? — Formada pelo Viking e pelo Zebra, para não mencionar o El Tampico e o pobre Descolado. — El quem? Do que diabos você está falando? — Estou falando deste hábito que você tem de convenientemente dispensar nosso acordo sempre que decide dar umas voltas. Os olhos castanhos dela se encheram de raiva. — Sei — disse ela, firmemente. — Sabe, Stone, estou começando a achar que essa conversa que você insiste em ter já terminou. — Em parte — ele concordou. — Mas vamos terminá-la em sua cabana. — Sim, terminaremos — ela prometeu. — Terminaremos um monte de coisas. Antes de irmos, no entanto, gostaria de apresentá-lo a Michael. Michael Fortune. Meu primo — ela acrescentou, com uma falsa doçura. — Ele está a caminho de Los Angeles e parou para me trazer alguns... papéis. De forma mais civilizada, Rafe poderia ter reconhecido seu erro com mais graça. Seus ouvidos registraram a breve hesitação de Allie e imaginavam que papéis o Executivo poderia ter levado. No momento, no entanto, o medo que o tomara quando ele sentiu que a estava perdendo ainda era muito potente, muito forte. O máximo que conseguiu fazer foi balançar a cabeça rapidamente. — Fortune. — Desculpe, Michael — disse Allie, com a voz baixa e trêmula. — Quero conversar com meu guarda-costas. Eu ligo para você mais tarde. Muito mais tarde, pensou Rafe impiedosamente, enquanto a acompanhava pelo saguão de azulejos. Havia algumas coisas a serem esclarecidas entre Allison Fortune e ele de uma vez por todas. Muito mais tarde, pensou Allie, enquanto eles caminhavam pelas portas, envolvidos pelo crepúsculo do deserto. Tinham que ajustar algumas coisas entre eles primeiro, como as razões por trás da raiva mal escondida de Rafe. Ela tinha uma dúzia de explicações para esta raiva, mas apenas duas a satisfaziam. Ele estava chateado, para não dizer coisa pior, com o que viu como uma brecha em suas preciosas regras. E estava com ciúmes. De Michael e este El Alguma coisa e de uma pessoa desconhecida que ele chamava de Descolado. A idéia a maravilhava, a enfurecia e, secretamente, a emocionava um pouco. Como recentemente sofrera da mesma doença, Allie reconhecia os sintomas. Ela inclinou a cabeça para fita-lo rapidamente, pegando a linha apertada de sua boca e o brilho da raiva sufocada de seus olhos. A pulsação dela acelerou. Estava perto, muito perto, de perder o controle e a força de vontade. Allie sentiu pequenas ondas de excitação em seu sangue ao pensar sobre isso. De acordo com o relatório sobre a vida dele que Michael trouxera, Rafe Stone não era o tipo de homem que perdia o controle com facilidade. Com o coração acelerado, Allie queria ter tido tempo para dar uma folheada no relatório. O pouco que lera fornecera uma visão atormentadora sobre a vida dele. Rafe Alexander Stone. Nascido trinta anos atrás em Miami. O pai era estivador. A mãe, uma imigrante cubana. "Encorajado" a se alistar no exército quando adolescente, devido ao temperamento raivoso. Serviu por um período nas Forças Especiais e depois começou a trabalhar por conta própria. Especialmente estourando cativeiros. Gravemente ferido quando uma bomba explodira há alguns anos. Pais falecidos. Sujeito divorciado. Allie queria saber mais sobre o homem que tomara posse de sua mente. Muito mais. Ela pretendia fazê-lo antes de a noite terminar. Primeiro, no entanto, eles tinham que acertar essa história da mensagem perdida.

Decidida a tomar a ofensiva, ela entrou na cabana e foi direto para o telefone. Antes mesmo de Rafe bater a porta, o operador já estava na linha. — Aqui é Allison Fortune. Deixei uma mensagem de voz para o Sr. Rafe Stone e ele não recebeu. Você saberia me dizer a razão? Ela ouviu por um momento e então balançou a cabeça. — Sei. O Sr. Stone está comigo agora. O senhor poderia repetir isso para ele, por favor? Ela passou o telefone para Rafe com olhar desafiador. Rafe pegou-o sem dizer uma palavra, se identificou e ouviu a explicação escusatória do operador. O sistema de correio de voz do computador caiu por uma hora, mas já estava funcionando e, sim, o Sr. Stone tinha uma mensagem da Srta. Fortune. — Isso não muda droga nenhuma — disse ele diretamente, desligando. — O fato é que eu não a recebi. — Não foi culpa minha — retrucou Allie, recusando-se a recuar. Os olhos dela piscavam diante dos cabelos ainda úmidos dele. — Você devia estar tomando banho quando liguei. Ou talvez tenha saído. Foi isso, Rafe? Você estava dando uma volta, apreciando o pôr-do-sol com alguém? Como você faz tanta questão de me acusar? Ele reconheceu o ponto de vista dela com um olhar fixo de raiva. Por um momento, Allie pensou que ele fosse negar a acusação nada lisonjeira que fizera mais cedo. Então ele expirou de forma severa e passou a mão nos cabelos. — Acho que estava errado sobre isso. — Sim, estava — ela respondeu, sem alterar o tom de voz. Sua beligerância fez com que ele se desculpasse. — Está certo — ele admitiu, obviamente relutante. — Talvez eu esteja errado em uma série de coisas quando o assunto envolve você. Allie jamais se considerou o tipo de pessoa que faz alguém se humilhar, mas ainda não estava pronta para liberar Rafe. Não quando ele ainda olhava para ela com uma mistura de irritação e frustração e algo que ela não conseguia sequer definir. Devia ser respeito ressentido. Ou admiração. Ela não queria admiração. Não dele. Ela queria o que seu corpo desejava desde que ele amortecera sua queda e a abraçara, beijando-a. O que ela queria desesperadamente na noite anterior, quando ele acalmou suas lágrimas e acendeu uma necessidade nela que se transformou em um calor intenso todas as vezes que ela olhou para ele naquele dia. Agora, a necessidade dele era tão grande quando a dela. Ela sabia disso, e queria que ele reconhecesse. Aproximando-se, ela o pressionou. — Sobre o que mais você estava errado? O que você pensa que sabe sobre mim? Os olhos dele examinaram o rosto dela, tão próximos agora. — O quê, Rafe? — Sei que você é uma profissional no verdadeiro sentido da palavra — ele admitiu. — Você organiza seu tempo e sua vida, de forma que nunca deixa a equipe esperando. Esse era um começo, mas não era exatamente o que Allie procurava. — E o que mais? — Aprendi a não confundir sua paciência com passividade — disse ele, lentamente. — Você mantém a serenidade quando Avendez esfrangalha a todos, e consegue dirigi-lo mais do que ele a dirige. Você é a pessoa que conduz os ensaios, Allie. Você faz as coisas acontecerem sem dar essa impressão. Isso a surpreendeu um pouco. Somente Rocky e Kate tinham realmente compreendido a freqüência com que a aparentemente dócil e calma Allie instigava os eventos. Atualmente, Rocky culpava a irmã gêmea por 90% das vezes que elas ficaram no quarto de castigo por uma traquinagem ou outra. A idéia de Rafe ter visto por trás da casca de Allie provocou uma esperança ansiosa nela. — E? — ela perguntou, um pouco sem ar, agora.

Ele torceu os lábios. Levantou a mão tão lentamente que Allie pensou que ela nunca atingiria sua meta, e pegou seu queixo. — E, Srta. Fortune, você vem dirigindo a mim também. Quase à distração. O coração dela deu uma guinada pequena e engraçada, acabando com o que sobrava de raiva e indignação. Assim estava melhor, ela pensou. Bem melhor. — Eu também tenho ficado... um pouco distraída — ela confessou, levando os dedos ao encontro dos dele. A mão dele era tão calorosa, tão sólida, ali entre a palma da mão dela e seu queixo. Rafe sabia que iria interromper a discussão. Todos os instintos de seu corpo diziam a ele para manter distância, para abaixar a mão e se afastar. Ele podia ter conseguido, se a pele dela não parecesse tão suave a macia, como se lembrava da noite anterior. Se os olhos dela não o tivessem adulado, atraído e seduzido. — O que mais, Rafe? — ela perguntou, suavemente. — O que mais você viu? — Vi uma mulher forte, generosa e bem humorada, que também pode ser obstinada como o diabo às vezes. — Tudo isso? Rafe tinha que colocar essa conversa em perspectiva antes que ela saísse totalmente do controle e tomasse conta dos dois. — Você é minha cliente, Allie. É meu dever observá-la. Para compreendê-la melhor. — Ah, não — ela respirou, pegando os dedos dele, quando ele tentou se esquivar. — Você não vai escapar com essa justificativa. O que existe entre nós dois agora não tem qualquer relação com cliente e guarda-costas ou qualquer acordo comercial. — A única coisa que existe entre nós é um acordo comercial. — É isso? E o que você acha disso? — Virando a cabeça, ela pressionou os lábios contra a palma da mão dele. —Allie... — Ou disso? — Ela roçou a língua na pele dele. Rafe puxou a mão e se afastou. — Isso não é inteligente. — Você sabe — disse ela com um pequeno suspiro de exasperação. — Eu não sou a única por aqui que às vezes pode ser obstinada como o diabo. Diminuindo o pequeno espaço entre eles, ela o abraçou com os dois braços em volta do pescoço e arrastou a boca dele até a sua. Rafe se manteve rígido diante do ataque determinado dela. Manteve as mãos ao seu lado. Não permitiu que sua boca se moldasse à de Allie. Pensou em todas as razões para aquilo estar errado. Todas as razões que violavam seu próprio código de conduta profissional, sem mencionar as lições duras e dolorosas do passado. Então ela abriu a boca sob a dele, e ele parou de pensar em outras coisas. Com o toque da língua dela, ele deixou explodir o apetite que estava contendo desde a noite que a vira pela primeira vez. Um braço pegou a cintura dela, arrastando-a para junto de seu peito enquanto ele aceitava o que ela oferecia. Ela pressionou os seios contra ele com urgência, enquanto se contorcia para dar mais e mais. Rafe aceitou tudo. Seus beijos. Suas fervorosas explorações com a boca e as mãos, e os quadris contra ele. Seu gemido ofegante quando ele afrouxou sua blusa com uma das mãos e levou seus mamilos a uma rigidez protuberante. Quando ele a jogou na cama, momentos depois, ela estava despida de tudo, usando apenas uma calcinha que logo deslizou por seus quadris. Rafe ficou ao lado da cama, com as mãos no cós de sua calça jeans. Sua camisa tinha sido descartada, juntamente com as roupas dela, durante a dança sensual que os levou para a cama. Quando ele a olhou, as mãos dele paralisaram. As luzes do quarto estavam apagadas, deixando somente a penumbra da sala de estar iluminando a pele dela. A boca de Allie estava inchada e vermelha pelo atrito com a dele. Seus seios estavam eretos sob as mãos dele.

Ela era tão linda. Tão linda! Allie gemeu diante da hesitação dele. — Se você me disser novamente que isso é estupidez, contra sua ética profissional ou alguma loucura do tipo, eu vou... fazer algo muito não profissional. Rafe não conseguiu evitar. Com os olhos cintilando, ele plantou as mãos nos quadris dela. — Ah, é? Como o quê? Ela inclinou a cabeça para alcançar o grau de resistência dele. Então ela curvou as pernas e se ajoelhou. Colocando as mãos dele de lado, ela tomou posse de seu zíper. — Como isso, Rafe. Allie puxou a lingüeta de metal, devagar. O estômago dele ficou côncavo ao toque dos lábios dela contra sua pele. — Mmmmm — ela murmurou, aninhando os cabelos negros encaracolados em volta da barriga dele. — Ótimo. E deliciosamente sem ética. Tão estúpido. A lingüeta atingiu a parte inferior do zíper. Apalpando os quadris dele, ela retirou a calça jeans pelos flancos. Durante todo o tempo, sua boca rondava centímetros da pele dele. O calor úmido de sua respiração aqueceu a cueca dele. — Ainda obstinado? — Ela enganchou as mãos no cós da cueca. Rafe pensou que não poderia ficar mais excitado. Estava errado. Quando a boca de Allie roçou sua carne retesada, ele soube que jamais desejou uma mulher tanto quanto a ela. Com um gemido, ele enterrou as duas mãos nos cabelos dela e inclinou o rosto dela na direção do seu. Plantando um dos joelhos na cama, ao lado dela, ele cobriu a boca de Allie com a sua. Ela ficou enfraquecida com o ataque dele e os dois caíram nos lençóis. Em momentos, Allie estava perdida em um mundo colorido de pura sensação. A boca de Rafe mantinha a dela cativa, enquanto ele abria os joelhos dela usando o seu. As mãos dele a apalpavam, pegavam e invadiam. Ela ouvia o som de sua respiração contra a dele, sentia a aspereza de sua carne interna quando ele a deixava viva, ansiosa e sôfrega. Ela o apertou, gemendo um suave protesto quando ele saiu de lado por um momento para colocar proteção e então abriu avidamente sua entrada. Ela se curvou sob ele, correspondendo a cada encontrão com seus próprios encontrões. As mãos dele inclinaram a cabeça dela para um beijo que a deixou tonta. O corpo dela se apertava contra o dele, seus músculos se contorciam ritmadamente. Demorou um certo tempo, talvez horas, até que ele percorresse seu corpo suado até embaixo e alcançasse o centro dela. Allie cravou seus dedos freneticamente nos ombros dele quando ele a tocou. Um cantinho de sua mente registrou os músculos retesados de um dos ombros e os sulcos do outro. Então, o mundo dela passou a girar em estilhaços de sensações quentes e puras. Ele atingiu o orgasmo logo depois dela. Penetrando-a com toda a força de suas poderosas coxas, ele deixou Allie tremendo de prazer. Gradualmente, os estrondos do ouvido de Allie foram se acalmando. Lentamente, a expiração acentuada de Rafe foi suavizando. Ele rolou para o lado, levando-a com ele, e ela encontrou o mesmo nó excitante entre o pescoço e o ombro que descobrira na noite anterior. Ela sentia-se fraca. E ligeiramente tonta. E maravilhada. Ao abrir os olhos algum tempo depois, ela notou que Rafe não compartilhava o mesmo sentimento que ela. As sombras do quarto ficaram escuras, quando eles terminaram seu balé fervoroso. A pouca luz que vinha da sala de estar foi o bastante para ela notar a preocupação dele. — Não se atreva a dizer que foi estupidez — ela avisou, com uma voz ainda rouca de paixão. — Não direi. Mas isso... complica as coisas. Allie lutou contra um pequena preocupação dolorosa ao notar que a voz dele encerrava uma certa reserva. Ela ainda formigava da cabeça aos pés, e no entanto parecia que ele já tinha se arrependido da paixão explosiva que eles acabaram de compartilhar.

— Não tem que complicar nada — disse ela, sorrindo de leve. — Só porque eu te ataquei hoje não quer dizer que perderei todo o controle. Podemos levar isso lentamente, Rafe. Ou tentar. Ele retirou uma mecha de cabelo do rosto enrubescido dela e ainda brilhando pela transpiração. — Nem brinque. Eu queria que você me atacasse. Ou que fizesse o que quer que tivesse em mente. Queria muito. — Então, qual é o problema? Rafe hesitou. Ele não queria transmitir suas suspeitas infundadas, mas sabia que ela não aceitaria meiasverdades ou evasões. Agora não. Não depois do que eles dividiram. — O problema foi a ligação de ontem à noite — disse ele, suavemente, saindo da cama. — Ela me incomodou. Allie se levantou, puxando o lençol com ela. Ela cruzou os braços sob os seios e Rafe desviou seu olhar faminto dos montes arredondados. — Bem, eu não fiquei particularmente contente — ela retrucou. — Eu sei, querida. A demonstração de carinho saiu antes que ele conseguisse parar. Chateado por ter deslizado, Rafe tateou o quarto em busca de sua cueca. Não mentiu para Allie. A paixão arrasadora que eles acabaram de vivenciar complicava tudo. Seus instintos diziam que ele deveria manter todos os sentidos em alerta nos próximos dias. Não podia se perder em Allie, e possivelmente perde-la também. Seguindo um feixe de luz dourada, ele localizou a calça e a vestiu. — Me conte novamente como era o timbre da voz do cara que ligou — ele pediu. Ela sentiu uma onda de inquietação passando por seu rosto, apagando o tom róseo de enrubescimento. Rafe se arrependeu amargamente por ver aquela coloração desaparecer, mas persistiu. — Descreva a voz dele para mim, Allie. — Baixa e sussurrada — ela respondeu, relutantemente. — E meio arrastada, quase como se estivesse falando em câmera lenta. E... ele sempre me chamava de Allison. — A polícia desconfia que ele esteja usando um sintetizador para disfarçar a voz. — Por que ele teria que disfarçar...? — Ela ficou muda ao compreender a resposta da própria pergunta. — Meu Deus! Eles pensam que o pervertido pode não ser um fã obcecado? Que alguém que conheço pode estar fazendo as ligações? — É possível. Ela apertou o lençol. — Mas quem? — Alguém que queira assustá-la. Alguém que tenha obsessão por você, ele quer controlá-la com essas ligações. Alguém como Avendez — ele sugeriu, antecipando a reação dela. Que veio como um furacão. Ela levantou na cama, com os olhos brilhando. — Sem chances! Dom, não! — Por que não? Ele ama você, Allie. E sempre amou, acredito eu. Ela passou a mão nos cabelos. — Por Deus, eu sei disso! Já conversamos sobre isso. Várias vezes. Mas não posso dar a ele o que precisa, e concordamos em não deixar esse sentimento estragar nossa amizade. Rafe balançou a cabeça. — Não é possível ser amiga de um homem que ama você. — Sim, é — ela respondeu obstinada. — Especialmente de um homem que me ama. Não tenho tantos amigos assim, Rafe. Essa profissão não me permite. Não vou abandonar um em quem confio e admiro.

— Não é assim que funciona, Allie. Nenhum homem se contenta somente com a amizade de uma mulher a qual ele deseja. Ela respondeu bruscamente, balançando a cabeça. — Deseja? — Você mesma disse que ele a ama. Ela não respondeu por um momento. Quando o fez, a voz dela era baixa e distorcida. — Nem todos igualam amor a luxúria. Rafe procurou o interruptor, ciente da necessidade de ver o rosto dela enquanto negociava esta virada perigosa na conversa. — Você é uma mulher linda — disse ele, escolhendo as palavras com muito cuidado. — Do tipo que pode mexer com um homem. Mexer tanto com um homem que ele pode confundir amor com luxúria. Amizade com obsessão. Ela o fitou com seus olhos castanhos por um longo tempo. Rafe se culpou pela dúvida que via nela. — Eu confundo você, Rafe? — ela perguntou, em voz baixa. Ele não podia dizer nada além da verdade. — Você me confunde muito. — Sei. Ele ansiava por tomá-la em seus braços. Para interromper o recolhimento que ele via em seus olhos antes que virasse uma total retirada. Ele tentou pegá-la. Allie sentia pequenas ondas de dor se espalhando em seu corpo. Não podia acreditar que Rafe pensava que a forte paixão que eles dividiram fosse luxúria animal. Naquele momento, ela não tinha certeza se era. Agora, ela não tinha certeza se importava. — Não estou dizendo que Avendez fez as ligações — ele falou. — Mas existe essa possibilidade. Allie ouviu silenciosamente, enquanto ele relatou sua solicitação à polícia para verificar os registros do telefone móvel da unidade de processamento. Um grande nó formou-se em sua garganta quando ele mencionou suas reservas sobre outros membros da equipe, incluindo o estagiário desengonçado. — Conheço essas pessoas — disse ela, diretamente. —Não creio que nenhum deles seja tão... tão obcecado por mim a ponto de me machucar. — Mas mantenha os olhos abertos, certo? E o bipe com você. Allie balançou a cabeça, incapaz de falar com aquele nó na garganta. — Vista-se e vou levá-la ao jantar — disse ele, calmamente. Há apenas alguns minutos ela se sentia repleta, relaxada e maravilhada. Agora, queria que Rafe saísse de seu quarto antes que fizesse algo estúpido, como chorar. Silenciosamente, ela observou quando ele se curvou para pegar sua camisa no chão. Vendo totalmente seu dorso às claras pela primeira vez, Allie não pôde evitar o engasgo. As cicatrizes que desfiguravam parte de seu pescoço e queixo continuavam pelo ombro e davam às suas costas uma aparência desoladora. Rafe congelou ao som do choque dela. Depois, ele vestiu a camisa e virou, abotoando-a. — Esperarei por você na sala de estar. — Espere! — Furiosa com ela mesma por causa da sua reação descuidada, Allie saiu da cama, arrastando o lençol com ela. — Rafe, desculpe. É que suas costas... Deve ter... Ela tentou tocá-lo, tendo a própria dor sufocada pela angústia que ele provavelmente sofreu. Ele pegou a mão dela e a afastou. — Está tudo bem, Allie. Estou acostumado com este tipo de reação.

Capítulo 9 Após um jantar tenso com Michael e Rafe, seguido por uma noite interminável de viradas e inquietudes, Allie acordou irritável e com os olhos fundos. Nem mesmo uma corrida dura em uma manhã colorida poderia animar seu estado de espírito. Todas as vezes em que pensava na possibilidade de alguém da equipe estar fazendo as ligações, ficava um pouco enjoada. E todas as vezes em que tentava dar sentido aos momentos nos braços de Rafe, ele a perturbava. Ela podia ouvir a respiração ofegante dele enquanto a seguia. Com o canto dos olhos, podia ver a sombra do suor estampado no peito dele e suas coxas rígidas. E se lembrar da sensação dessas coisas contra ela enquanto ele a levava a um clímax arrasador. Sempre que Allie contrastava a paixão de tirar o fôlego dos dois com a retirada subseqüente de Rafe, tomava-se novamente de raiva. E de dor. E de perplexidade. Todas as vezes que reproduzia aquele primeiro olhar chocado para as costas dele e ouvia o próprio engasgo de aflição, ela se repreendia. Da forma com que Rafe se esquivava do toque dela, era óbvio que suas cicatrizes iam a um ponto mais profundo do que a desfiguração superficial. Ela só não sabia o quão profundo. E também não tinha certeza se ele sabia. Ainda estava lutando contra essas emoções conflitantes e extenuantes, quando a equipe partiu em carros alugados para as montanhas, para o local do ensaio do dia. A suspeita de Rafe com relação a Dom a aborrecia. Durante o ensaio, sentia os músculos imóveis e sem coordenação, e seus pensamentos vagavam por caminhos que a faziam tensa de preocupação. — Allie, por Deus! — rosnou o fotógrafo depois de três horas frustrantes. — Supostamente, você deve estar apreciando a caminhada por entre as árvores! Já é difícil fotografar com essa luz que muda o tempo todo, não precisa fazer essa cara de quem acabou de pisar em cocô de cavalo. O que há de errado esta manhã? — Nada — ela murmurou. — Bem, relaxe. — Ele se inclinou sobre a câmera. — Levante o queixo. Mostre alguns dentes. Eu disse alguns! Allie inclinou o rosto para a cobertura formada pelos arbustos com casca prateada. O brilho do sol foi filtrado pelos galhos e malhava seu rosto. — Fique assim — pediu Dom. — Assim. Agora incline mais a cabeça. Mais. Mais. O ar revigorante das montanhas deveria tê-la animado, mas não animou. O cheiro forte da resina dos pinheiros deveria ter substituído o odor da pele de Rafe, apesar de ela carregar sua essência com ela. A casca grossa da árvore sob seus dedos deveria ter apagado a memória da sensação das cicatrizes encrespadas. Em vez disso, a planta desprezível só servia para lembrá-la do quanto ele deve ter sofrido. Ela contraiu o rosto em solidariedade. — Droga! — Dom caminhou para o lado dela, estalando folhas secas com cada passo raivoso que dava. — Que diabos está acontecendo aqui? Allie virou um pouco o pescoço para atenuar a dor nos músculos. — Nada. Ele olhou para ela. — Você passou a manhã toda dura feito pedra. Ela tentou reunir sua energia para acalmar o mau humor dele, mas não conseguiu. — Desculpe — respondeu, diretamente. Um rubor aqueceu o pescoço dele diante da concisão não usual de Allie. — Quero sua cabeça para trás. Para trás, droga! Enfiando os dedos nos cabelos dela, ele puxou sua cabeça para o ângulo desejado. Eles entraram em conflito e, por um instante, uma dúvida traiçoeira acometeu Allie. Esta seria apenas mais uma exibição do gênio infame de Dom? Ou havia algo a mais, algo mais tenebroso, por trás do calor de seus olhos?

— Tire as mãos dela, Avendez. Dom virou-se com o rosto tomado de fúria. — Cai fora, Rafe. Isso não é da sua conta. — Errado. Ela é da minha conta. Allie teria ficado agradecida pela intervenção de Rafe, se ela não a fizesse com que as lembranças da noite anterior caíssem sobre a modelo mais uma vez. Ele tinha avisado que tudo que havia entre eles era um acordo comercial. Ela devia ter ouvido, disse a si mesma, amargamente. Ela devia ter ouvido! Se tivesse, talvez não estivesse tendo essas dúvidas horríveis sobre ela mesma, Rafe e um homem que era seu amigo há tanto tempo que ela nem lembrava quanto. — Está tudo bem — ela intercedeu, recebendo um olhar intenso dos dois rapazes. Allie podia contar nos dedos de uma das mãos o número de vezes que ela perdera o equilíbrio em um ensaio. Se não se controlasse, esta poderia ser uma delas. — Temos muito a fazer hoje, inclusive à noite — disse ela, em um tom mais suave. — Vamos continuar. Conforme o dia foi passando, o temperamento de Dom foi de mau a pior. A tensão se espalhou para todos, dos técnicos de equipamento ao diretor de arte. Quando os carros alugados finalmente cruzaram os portões do Rancho Tremayo uma hora antes de anoitecer, Allie teria se aliviado, se não soubesse que logo teria que lidar com aquilo novamente. Agora, com pompa e circunstância. Com tantas noites para fazer um ensaio usando o cenário de um evento de gala beneficente da Ópera de Santa Fé, ela pensou, esgotada. Sentia-se tão alegre e glamourosa quanto uma massa crua de biscoitos.

Rafe colocou sua gravata-borboleta preta enquanto ia para a cabana de Allie. Com tantas noites para se enfiar em um smoking alugado e uma camisa branca apertada, ele pensou, primitivamente. Estava cansado, irritável e frustrado pelo fato de o detetive da polícia de Nova York que trabalhava no caso de Allie ter ficado de cama por causa de uma gripe e ninguém mais no maldito departamento saber nada a respeito de um registro de ligações de um telefone móvel. Pior, ele teve que lutar contra seus pensamentos o dia todo para manter a cabeça na segurança da cliente, e não nos momentos que passaram um nos braços do outro na noite anterior. Apesar de todos os seus esforços para superar isso, a necessidade de Rafe pela mulher crescia a cada hora. Depois de uma noite longa e sem dormir e de uma manhã observando-a se mover com uma graça deliberada entre as árvores, ele ansiava em arrastar Allie dali, deitá-la na grama exuberante e fazer amor com ela sob aquele céu azul infinito. No fim da tarde, no entanto, seu desejo teve o foco alterado. Naquele momento, ele só queria tirá-la dali, deitála e observá-la pegando no sono. Ela precisava desesperadamente descansar, apesar de exigir mais de si mesma do que o Zebra o fazia. Foi duro demais para Rafe ficar de fora enquanto via Avendez maltratá-la durante todo o dia. Agora, teria que passar por todo o processo novamente. Entretanto, se a mulher que abriu a porta para ele sentia-se exaurida ou cansada, não deixava transparecer. Ela parecia totalmente composta e controlada, e tão elegante que Rafe sentiu um nó se formar no estômago. Agora, ele conhecia o bastante sobre a profissão dela para reconhecer suas características. Um produtor arrumara seus cabelos em uma massa de cachos frouxos. O vestido de veludo preto que usava abraçava sua figura esbelta e devia fazer parte da coleção de algum estilista famoso. Ainda que Rafe esperasse que as coisas se estabelecessem, concluiu que Allie não devia sua elegância congênita a qualquer fator externo. Era mais uma questão de estilo pessoal. Era a forma como ela se conduzia. Sua graça sob constante e implacável pressão. Como se quisesse provar que a avaliação dele era válida, ela sorriu, mesmo com o sentimento de tensão que pairava entre os dois desde o dia anterior. — Bela gravata. — Não se acostume a ela — ele avisou, seguindo o caminho. — A outra está no meu bolso. Uma ruga delicada surgiu na testa dela, enquanto ele pegava sua capa. — Está? Por quê?

— Nunca saio de casa sem ela — disse ele, colocando a capa de veludo pesada sobre os ombros dela. Ela inclinou a cabeça, com surpresa no rosto ao olhar para ele. — O que é isso, um amuleto da sorte? — Mais ou menos. — Engraçado — ela murmurou, fitando os olhos dele. —Eu jamais pensaria que você fosse supersticioso. Acho que tenho tanto a aprender sobre você quanto você sobre mim. — Allie... — Precisamos conversar, Rafe — disse ela, calmamente. — Sobre o que aconteceu ontem à noite. — Eu sei. — Hoje à noite? Depois da ópera? — Pode ser, se você não estiver muito cansada. E se ele conseguisse manter as mãos longe dela. Naquele momento, aquela possibilidade parecia remota. O cheiro dela o cercava, delicado e floral, e mais erótico do que qualquer coisa que ele podia se lembrar em uma mulher. O corpo dele enrijeceu e ele ansiou por pegá-la novamente, sentir o corpo dela pressionado ao seu. Colocando a necessidade num canto de seu pensamento, ele ofereceu o braço a ela. Ela hesitou, então deslizou a mão até a curvatura do ombro dele. Os músculos de Rafe se enrijeceram involuntariamente ao toque dela. — Vamos esperar que seu charme funcione esta noite — disse ela, com um tom de enfado na voz, apesar da aparência forte. — Talvez terminemos essa seqüência cedo e possamos aproveitar a ópera. Para Rafe, seria difícil suportar mais de dois minutos depois de a cortina fechar. Mas se uma noite com música fosse aliviar parte da tensão que pesava sobre os ombros de Allie, então ele agüentaria meia dúzia de performances. Eles chegaram ao teatro a céu aberto nos arredores de Santa Fé e encontraram a equipe já adiantada, em cena. Depois de algumas consultas e várias blasfêmias, Avendez decidiu fazer a primeira seqüência de fotos usando o arco majestoso de meia altura sobre o palco e o fosso da orquestra como cenário. Ele anunciou que a composição centralizaria o rosto de Allie e o vestido preto contra as luzes douradas do arco, que oscilavam como a proa de um navio à noite. Ele descreveu o movimento como preto no dourado no preto. Simples. Dramático. Formidável. Rafe sabia, agora, que aquele simples ensaio demandaria toneladas de equipamentos. Os assistentes de Avendez trabalhavam febrilmente para montar imensos estroboscópios nos andaimes portáteis. O gerador zunia um contraponto estável ao murmúrio das pessoas, muitas delas paradas para observar, com taças de champanhe nas mãos. Rafe apertou os lábios quando notou a multidão se apertando. Vestindo de tudo, de roupas formais para a noite ao visual característico de Santa Fé, que somente as pessoas que residiam no local usavam, os curiosos acrescentaram mais confusão ao ensaio. Os babões estavam muito perto, para seu desconforto. Misturando-se à equipe. Observando Dom posicionar Allie e fazer alguns testes com a polaróide. Olhos cerrados, nervos tensos, Rafe se movimentou pela aglomeração até a oficial uniformizada que a polícia local fornecera mediante solicitação. A oficial deve ter sentido a tensão de Rafe. Ela franziu o cenho ligeiramente, avaliando a expressão dele. — Tudo bem, Sr. Stone? Ele hesitou, então respondeu da única forma que poderia. — Não me parece tudo bem. Ela balançou a cabeça e puxou o cinto do uniforme mais para cima. — Manterei os olhos abertos. Um desconforto aborrecia Rafe enquanto ele analisava a cena.

— Gostaria de poder dizer a você o que procurar. — Eu também — ela respondeu, sorrindo. Rafe perambulou pela multidão, estudando rostos e mãos e sapatos, procurando por algo que estivesse fora de contexto. Ele não podia apontar com exatidão a origem de sua tensão, a menos que fosse o senso de empolgação sufocada que vagava pelo ar da noite. Talvez a animação tivesse sido causada pelo evento de gala. Talvez pela novidade do ensaio. O que quer que gerasse aquele ar elétrico desagradava Rafe. Mesmo quando Dom gritou pedindo silêncio e começou sua dança ritual com Allie, havia conversas flutuando pelos cantos. As pessoas entravam e saíam do círculo de espectadores. Uma matrona bem-vestida tropeçou em um dos cabos finos que saíam do gerador. Inutilmente, Rafe seguiu as linhas do cabeamento do gerador para os andaimes que sustentavam os estroboscópios. Quando ele observou o painel de lâmpadas sobrepostas, uma delas caiu, formando um ângulo diferente. De repente, Rafe pressentiu perigo. Ele abriu caminho pela multidão e partiu em direção a Allie. Nesse momento preciso, Avendez retirou o rosto do visor, com os lábios enrugados em um rosnado. — Quem está fazendo confusão com as lâmpadas? Que diabos...? Jesus! O estalo de um cabo chicoteando o ar ecoou sobre o barulho da multidão. Um forte arco de luz invadiu a noite, e depois varreu o céu a um ângulo louco. Alguém berrou. Rafe não precisou olhar para cima para saber que um dos estroboscópios tinha quebrado e se soltado do andaime, e agora balançava na extremidade do cabo que o sustentava. Uma luz intensa brilhava contra seus olhos, cegando-o momentaneamente e fazendo um arco em seguida. Conforme ele avançava pela multidão, spots pretos obscureciam sua visão. — Allie! — Avendez gritou em pânico. A câmera dele ficou despedaçada, quando ele a jogou de lado para correr na direção dela. — Corra! Saia do caminho! Cega pela luz intensa que piscava, Allie colocou um dos braços sobre os olhos e tentou sair de lado, por meio dos ninhos de cabos e refletores que a encurralavam. O estroboscópio balançava na direção dela, formando um arco fatal. Rafe a alcançou meio segundo antes de a imensa caixa atingir o chão. Envolvendo a cintura dela com um braço, ele girou em torno dela e empurrou-a para fora do caminho. Um dos cantos do estroboscópio passou de raspão por seu ombro. Ele sentiu uma borda de metal afiada fatiar seu smoking como uma lâmina, mas sua única preocupação no momento era Allie. Colocando-a ao seu lado para protegê-la de uma nova investida da caixa, ele se esquivou do equipamento. Atrás dele, refletores quebravam enquanto o estroboscópio batia em seus estrados, movendo-os do lugar. Ele ouviu a voz de Avendez berrando do outro lado do arco, mas ignorou. Pondo Allie de pé, ele a equilibrou com mãos fortes sobre seus braços. — Você está bem? Os olhos dela eram enormes bolas de choque em um rosto branco como cera. Ela abriu a boca, mas nenhum som foi emitido. — Allie, querida, você está machucada? — N-não. Ao ouvir aquele pequeno chiado, Rafe gemeu e abraçou-a novamente. — Allie! — O berro rouco de Avendez soou atrás deles. Virando a cabeça, Rafe viu o fotógrafo agarrar o estroboscópio que ainda oscilava e lutar para que ele parasse. Depois, ele empurrou-o para o lado e correu na direção deles. Relutantemente, Rafe afrouxou o abraço. Uma Allie trêmula saiu de seus braços. Avendez foi para o lado dela nesse instante. Passando um braço em volta de seu pescoço, ele a arrastou em um abraço arrebatador.

O medo descarado no rosto dele era a única coisa que impedia Rafe de afastar o braço do homem dos ombros de Allie. — Deus, Allie, você me assustou! — A voz do fotógrafo tremia, enquanto ele enfiava o rosto na cabeleira dela. Ela disfarçou uma risada fraca e se soltou dele. — Não fiz de propósito. — Sim, está certo. Algumas modelos fazem qualquer coisa para ter um pouco mais de atenção. — Ele procurou fita-la, muito ansioso. — Tem certeza de que está bem? Gentilmente, ela retirou uma mecha de cabelo preto do rosto dele. — Estou bem, Dom. Rafe se afastou, observando a cena com uma onda de emoções conflitantes. Parte dele queria ficar entre os dois, chamar a atenção de Allie de volta para ele. Outra parte admirava a lealdade dela ao homem que ela considerava amigo. Relutando, Rafe colocou o fotógrafo no fim da lista de assediadores em potencial. O homem não fora capaz de lidar com o medo que se abatera sobre ele há alguns momentos, ou com o amor que fingia esconder por trás de modos grosseiros. Então outra figura chamou a atenção de Rafe. Abrindo caminho pela multidão, ele chegou ao lado da oficial de polícia. — Acho que o senhor pode se interessar por isso, Sr. Stone. Usando um lenço, ela levantou a extremidade de um cabo preto e fino. A capa de borracha fora serrada, e os fios, torcidos. — Parece que alguém serrou este cabo — ela murmurou. Rafe sentiu um espasmo em um dos músculos da mandíbula. — Também acho. Você consegue que um perito venha até aqui, rápido? — Já liguei para um. Ele está vindo. Levou quase uma hora para o perito chegar e coletar a prova. Em uma conversa particular com Rafe, ele admitiu que as chances de conseguir as impressões digitais em uma capa de borracha porosa eram remotas, mas talvez os peritos do laboratório criminal de Albuquerque pudessem fazer uma identificação positiva. Enquanto isso, a oficial uniformizada pegou declarações com testemunhas. Ninguém viu nada de suspeito. Naquele ponto, Rafe tomou uma decisão instantânea. Até o envio dos resultados da averiguação da polícia, impediria que Allie tivesse contato com multidões e continuasse o ensaio. E o maldito cronograma que a estava derrubando. Estupefata com a possibilidade de o incidente não ter sido acidental, ela não protestou quando Rafe a colocou no carro. No entanto, já tinha se recuperado o bastante do choque para protestar quando ele bateu a porta da cabana dela e disse bruscamente que mudasse de roupa e fizesse a mala. — O quê? — Traga algo para o frio. Ela estava embasbacada. — Algo para o frio? — Vamos sair daqui. — Hoje à noite? — Sim. E ficaremos fora até eu conseguir a resposta para algumas perguntas. — Mas... mas eu não posso simplesmente ir embora. O ensaio... O cronograma... — Para o inferno este cronograma. Rafe caminhou na direção dela e levantou seu queixo.

— Você prometeu seguir minhas ordens se eu percebesse uma ameaça à sua segurança. Imediatamente. Sem perguntas. — Ela abriu a boca, depois fechou com um estalo. — Você tem cinco minutos para se trocar e arrumar uma mala, Allie. Então, sairemos daqui.

Capítulo 10 Allie entrou relutante no carro e analisou o homem ao seu lado pelo canto dos olhos. No brilho das luzes, seu perfil parecia puro e confiável. Uns fios frouxos de cabelos negros caíram sobre a testa dele. Sua boca era formada por uma linha rígida, e seu queixo projetava-se para encontrar a noite. Ele retirara a gravata borboleta e trocara seu smoking pelo colete de pele de ovelha durante uma parada rápida em sua cabana, mas não tivera tempo de trocar a camisa branca e a calça preta. Nos poucos instantes que ele deu a ela para se aprontar, Allie trocou o vestido preto por calça jeans e uma blusa de gola alta cinza, macia. Rafe caminhava como um leão enjaulado enquanto ela enfiava as coisas em sua maleta. Ela apanhou a mala sob a cama e começou a correr, parando apenas para desmontar o carrossel no último minuto. Ela tinha o pequeno brinquedo no colo agora, relutante em deixá-lo no assento traseiro com as bagagens. De alguma forma, ajudava manter a recordação ao alcance, como se o carrossel de Kate pudesse dar a Allie uma medida da força indomável de sua avó em momentos de crise. Não, o carrossel não era de Kate, ela lembrou-se tristemente. Era seu. Kate tinha morrido... como aconteceria com Allie, se Rafe não tivesse se movimentado tão rapidamente. Ela sentiu arrepios em toda a pele. Escorregando pelo banco, cruzou os braços sob os seios. — Frio? — a voz de Rafe cortou a escuridão, firme e reconfortante. Ele tateou o painel. — Quer que ligue o aquecimento? — Não — ela respondeu. Sim, o pensamento dela berrou. Sim, ela queria algum calor. O calor dele. Mais do que desejara qualquer outra coisa na vida. Ela tinha necessidade de se aninhar nos braços dele e esquecer o terror da última hora. Fingir que nunca acontecera. Ansiava pela paixão, pela liberação e pela irracionalidade abençoada que encontrou nele na noite anterior. Assim como o desejava, porém, ela estava determinada a não ignorar as objeções dele e se atirar. Não novamente. Não depois da noite de ontem. Ele teria que chegar até ela, dessa vez. Allie só esperava que ele não demorasse muito. — Para onde vamos? — ela perguntou, precisando do som da voz dele, já que não podia ter o restante. — Para Devil's Peak. — Isso me diz muita coisa. Ele lançou um pequeno sorriso para ela. — É uma estação de esqui nas montanhas, cerca de uma hora daqui. — Por que lá? — Pelo que sei, o local fica lotado no inverno, mas é deserto nesta época do ano. Reservei um chalé enquanto você arrumava sua mala. — Como você ficou sabendo sobre este local? — Fiz umas pesquisas quando viemos para Santa Fé. Sempre gosto de ter uma rota de fuga e um ponto de encontro predefinido. — Sei — Allie engoliu. — Você... você pensava que algo assim pudesse acontecer? Ele agarrou o volante, contraindo a boca.

— Considerei essa possibilidade. Tremendo, Allie se encolheu contra a porta. Era muito ruim pensar que alguém que conhecia pudesse ser aficionado por ela por causa de um amor doentio. A idéia de esta mesma pessoa tentar deliberadamente machucá-la ou matá-la a assustava ainda mais. Não foi à toa que ele fora arredio na noite anterior. Em nome da necessidade por aquele homem, ela ignorou as objeções dele, desprezando suas preocupações profissionais. Allie praticamente o forçara a fazer amor com ela. Fizera pouco caso da necessidade que ele tinha de manter uma distância entre os dois, para que pudesse continuar alerta. Não faria pouco caso novamente. — Por quê? — ela perguntou, sentindo-se muito mal. — Por que alguém que diz... diz me amar quer me machucar? — Talvez não seja você que ele queira machucar. Um psiquiatra poderia sugerir que ele está usando você para atingir todas as mulheres que o machucaram. Ou talvez — Rafe terminou, lentamente, franzindo a testa — ele esteja tentando atingir alguém usando você. Allie o fitou com os olhos arregalados. — Alguém mais? Meus pais, você quer dizer? — Seus pais — respondeu Rafe, com o rosto enrugado. — Ou toda a família Fortune, como personificada na Cosméticos Fortune. — Você... você acha que ele pode estar me ameaçando porque sou o novo rosto da Cosméticos Fortune? — Não sei. Só estou especulando. Quando as ligações começaram? Antes ou depois de você concordar com a campanha? Entorpecida, Allie fez as contas das noites em que tivera o sono interrompido. — Depois — ela sussurrou. — Começaram depois de meu primeiro encontro com Dom, em Nova York, para discutir a possibilidade de fazermos o ensaio. Rafe agarrou o volante. Avendez novamente. Sempre parava em Avendez. Contudo o homem se jogou contra o estroboscópio para interromper o forte balanço, com o rosto branco de medo por Allie. Mesmo que Rafe quisesse muito atribuir as ligações ao fotógrafo destemperado, não seria certo. Não depois de hoje à noite. Muitos outros estavam presentes naquela noite, no entanto. Xola, com sua voz rouca e seu amor unilateral por Avendez. O resto da equipe, incluindo o Descolado. Mais todo um novo grupo dos funcionários da Ópera. Rafe só podia esperar que o laboratório de Albuquerque conseguisse alguma impressão digital daquele cabo cortado. O pensamento dele estava agitado com as possibilidades, até Rafe perceber que Allie estava respirando profundamente. Ela tinha se encolhido contra a porta e apoiado a cabeça em um ângulo desconfortável contra o encosto. Com aquela obscuridade da luz do painel, ele podia ver os cílios negros varrerem as bochechas e uma pequena tristeza, quando ela inclinou o queixo para baixo, e depois para cima. Ela balançou a cabeça, como se quisesse clarear os pensamentos, e murmurou alguma coisa. Alguns momentos depois, o queixo caiu novamente. Mantendo uma das mãos no volante, Rafe a alcançou e a aninhou no círculo de seu braço. Ela suspirou de leve e escondeu o nariz na base do pescoço dele. Ela sempre acabava naquele lugar, pensou, em uma mistura de resignação com diversão. Ele passou o resto da viagem respirando o cheiro totalmente erótico dos cabelos dela e revivendo o terror de quando o estroboscópio pendeu na direção dela. Talvez ele tenha reagido exageradamente ao tirá-la de Rancho Tremayo, admitia. Talvez o telefone móvel e o cabo cortado não tivessem relação com as ligações que ela recebia. Mas Rafe ia além dos "talvez" quando o foco era Allie. Além disso, ele argumentou silenciosamente, ela precisava descansar. Aquelas maratonas de horas maçantes em frente à câmera, além das ligações, tiravam mais sua energia do que ela admitia. Rafe fizera sua parte, aumentando o estresse dela ao deixar que a relação deles passasse dos limites. Ele não podia decidir o problema da relação doentia deles, não quando ele era o responsável pela segurança dela. Mas podia muito bem mantê-la a salvo e ver se ela descansava antes de a polícia fornecer algumas respostas.

Allie acordou em um quarto escuro, confusa, com o barulho de água correndo. Grogue e desorientada, ela se apoiou em um dos cotovelos. Demorou algum tempo até reconhecer a cama estranha e o quarto nada familiar. Piscando, ela fitou a sombra contorcida que dançava contra uma parede distante. Aos poucos, ela notou que vinha de um estreito feixe de luz proveniente do banheiro. Alguns segundos depois, ela identificou a sombra como Rafe. Franzindo o cenho, Allie saiu do colchão fofo. Um ar frio imediatamente subiu por seu corpo. Por todo o seu corpo, exceto pelas pequenas partes cobertas por sua calcinha e seu sutiã. Ela olhou para baixo, confusa. Não se lembrava de ter ido para a cama, muito menos de ter tirado a roupa. Uma outra exclamação vinda do banheiro tornou a questão sobre como ter ido para a cama irrelevante. Ao ver seu suéter cinza em uma cadeira perto da cama, ela o arrebatou depois de caminhar alguns passos descalça sobre o chão macio de madeira de pinheiro. Primeiramente, não conseguiu compreender o que Rafe estava fazendo. Ele estava parado perto da pia, sem camisa, parcialmente contorcido. Seu braço direito estava sobre o ombro, enquanto seu braço esquerdo pegava uma garrafa de plástico. Com os olhos arregalados, Allie percorreu o longo dorso dele com os olhos. Torcidos como estavam, os músculos do peito se agrupavam e refletiam no fulgor brilhante das luzes. Sua calça preta desabotoada caía baixa sobre o quadril. Allie mal tinha absorvido o impacto da sua masculinidade bruta, quando notou que havia sangue na camisa branca jogada aos pés dele. Empurrando a porta aberta, ela entrou. — Rafe! O que houve? Ele virou a cabeça. — Desculpe — murmurou. — Não queria acordá-la. — Não tem problema. O que houve? Por que está sangrando? — Não estou mais. Tirando a franja dos olhos, ela o fitou, confusa. — Mas... o que aconteceu? — O estroboscópio cortou meu smoking e atingiu a pele, foi isso. Volte para a cama. Acabo aqui em cinco minutos e não vou mais perturbá-la. Ela sequer se dignou a responder. Tomando a garrafa de plástico da mão dele, olhou para o rótulo. — Você sempre carrega produtos médicos para emergência, assim como mantém uma rota de fuga e... O que era mesmo? — Ponto de encontro. — Ele balançou a cabeça, sorrindo um pouco. — Não. Peguei o anti-séptico com o gerente, quando chegamos. Volte para a cama, Allie. Estou quase acabando. — Vire. Ele olhou para ela por um momento, com os olhos azuis indecifráveis. — Vire — ela pediu, suavemente. Ele sentiu o pescoço tenso. Por um momento, ela pensou que ele fosse se recusar. Então, ele virou, de forma que a luz batesse em suas costas. Dessa vez, Allie conseguiu controlar a ânsia. Com dificuldade. O talho ensangüentado na carne aberta e enrugada de seu ombro era mais do simplesmente um corte. Manchas de sangue cobriam os locais que Rafe conseguira alcançar e incrustaram os demais. Segurando um pedaço de papel higiênico dobrado, ela espalhou o anti-séptico dando batidinhas no corte. Rafe se encolheu com a dor aguda, seus músculos se contraíam involuntariamente sob o corpo machucado. Franzindo a testa, Allie limpou o sangue seco.

— Você devia levar pontos. — Não está tão profundo. — Como você sabe? — ela retrucou. — Você sequer pode ver. Ele virou a cabeça para ver por cima do ombro. — Só precisa ser limpo. — Fique quieto! Mordendo o lábio inferior, Allie dobrou um novo pedaço de papel e bateu novamente no corte. Quanto mais ela limpava, mais se preocupava. Não sabia muito sobre ferimentos, mas aquele parecia precisar de uma sutura. — Acho que você devia ver um médico. Precisa levar ponto, ou a cicatrização não vai ser adequada. Pode deixar uma... Ela se interrompeu, enrubescendo. Para seu alívio infinito, quando ele virou, seus olhos mostravam apenas um vislumbre de deleite sarcástico. — Pode deixar uma cicatriz — ela concluiu, acidamente. —Outra cicatriz, da qual você obviamente não precisa. Fique quieto e me deixe terminar. Enquanto ela trabalhava, a tensão do pequeno banheiro parecia ir diminuindo a graus quase imperceptíveis. Sob as mãos delicadas dela, as costas e os ombros de Rafe perderam um pouco da rigidez. Por longos momentos, Allie se concentrou somente nas manchas de sangue e no cheiro forte de anti-séptico. Aos poucos, o calor da pele sob seus dedos atingiu sua consciência. Assim como o corpo enxuto e poderoso de Rafe. E do pequeno tufo de cabelos que ele tinha na base das costas. Ele desapareceu no cós frouxo da calça dele, Allie notou, imaginando distraidamente se seguia a espinha dele até o balanço de suas nádegas. Ele tinha um bumbum forte e rígido, ela lembrou, de repente. Ela o agarrara na noite anterior e... — Terminou? — O quê? Ele olhou por cima do ombro. — Terminou? Daqui, parece tudo bem. Jogando o papel no vaso sanitário, ela apertou a descarga. — Bem, o corte está formando uma casca e não está sangrando, mas ainda acho que você deveria ver um médico. — Talvez mais tarde — ele respondeu com um suspiro, pegando a garrafa da mão dela. Enquanto ele tampava a garrafa e limpava a pia, Allie baixou a tampa do vaso e se sentou. Colocando os joelhos sob o suéter largo, ela os abraçou com os dois braços. — Qual foi a causa da explosão, Rafe? — ela perguntou, com a voz calma diante da água que espirrava na pia. As mãos dele ficaram imóveis. — Como você sabe que foi uma explosão? — Pedi a Michael para fazer uma verificação do seu passado — ela respondeu, com desconforto por admitir que invadira a privacidade dele, mas sem ser evasiva. — Ele parou no caminho para Los Angeles para me entregar isso. — Seu primo me reportou como um tipo eficiente. O relatório dele não contém os detalhes sanguinolentos? — Não. Me conte. Por favor. Ele girou a torneira para interromper o fluxo da água. — Por quê, Allie? Por que você quer saber? Ela umedeceu os lábios, um pouco nervosa por causa da forte demanda dos olhos dele.

— Quero saber sobre você, Rafe. Quero saber tudo que você estiver disposto a compartilhar. Se a noite passada tiver tido alguma importância... — Ela engoliu em seco. — Para saber se estou confundindo luxúria com... com qualquer outra coisa, preciso compreender você. Rafe olhou para ela, brigando contra um recuo instintivo. Com os anos, aprendeu a preencher as perguntas algumas vezes lascivas sobre suas cicatrizes com um suspiro ou um olhar gélido. No entanto, não podia fazer isso com Allie. Não havia qualquer traço de curiosidade mórbida nos olhos castanhos que atraíam os seus olhos. Ela queria saber sobre ele, tanto quanto pudesse. Rafe notou que há muito tempo não dividia isso com ninguém. Muito tempo. No entanto, ele se despiu da relutância enquanto apoiava o pé descalço na beira da banheira e apoiava o cotovelo no joelho. — Estava tirando um cliente da América Central — disse ele suavemente, forçando cada palavra por um sólido muro de resistência. — Um engenheiro que explorava campos de petróleo e ficou preso no meio de uma pequena e séria revolução. A facção política que estava no poder achava que ele havia ajudado os rebeldes no campo. Os guerrilheiros pensavam que ele tinha contado o local de seus quartéis aos federalistas. Eu nunca descobri qual dos lados plantou a bomba sob o carro. Com um esforço deliberado, Rafe limpou de sua mente os estilhaços da explosão, as chamas enormes, os gritos do engenheiro que ele arrastou dos destroços. — Pelo menos a bomba chamou a atenção da imprensa internacional. Os Estados Unidos foram capazes de pressionar a facção do governo a nos liberar depois de algumas semanas desconfortáveis no que chamavam de hospital. — E quando você voltou para casa? — perguntou Allie suavemente. — Os médicos conseguiram fazer alguma coisa? Rafe levantou um ombro. — A empresa de petróleo pagou por uma equipe completa de cirurgiões plásticos. Depois de vários enxertos de pele e mais tempo do que eu desejava passar em um hospital, decidi que era o bastante. E assim o decidiu sua esposa, lembrou Rafe. Seu curto casamento, já abalado por suas ausências prolongadas, não sobreviveu ao período de reconstrução. — Você sente dor? — perguntou Allie, olhando gentilmente para as cicatrizes. — Às vezes a pele aperta e estica um pouco, mas não dói. Se alguém dissesse a Rafe que ele estaria com um dos pés apoiado em uma banheira no meio da noite, discutindo sobre suas cicatrizes com uma mulher descabelada e empoleirada sobre um vaso sanitário, ele riria. Ele não conversara sobre a bomba e suas conseqüências com ninguém. Nunca. Não gostava de falar sobre isso. Allie inclinou a cabeça. — Massagem ajuda? Tenho uma loção na minha bolsa. Eu poderia massagear para manter a pele flexível. Era tudo o que ele precisava, pensou Rafe. Seu corpo ainda estava tenso devido à sensação de ter tido as mãos de Allie sobre ele naquela noite uma vez. Ele não achava que poderia lidar com outra sessão, independentemente do quão inocente fosse. —Não, obrigado — ele respondeu, levantando-se. — Hoje à noite, não. E nenhuma vez no futuro previsível, ele concluiu. A única forma de os dois superarem os próximos dias seria manter as mãos afastados um do outro. O pé dela deslizou até o chão. — Tem certeza? Isso é coisa boa. A fórmula mais recente da Cosméticos Fortune. Garante a remoção de linhas, hidrata células secas e geralmente elimina dez anos ou mais. Ela se aproximou. Muito. Rafe sentiu o cheiro fraco do perfume que o torturou durante toda a viagem pela estreita estrada para a montanha. — Hoje à noite não. Você tem que dormir, lembra? Oito horas, no mínimo. — Oito horas no mínimo... durante um ensaio. — Os olhos dela nublaram, e seu rosto foi tomado de preocupação. — Quanto tempo você acha que ficaremos aqui?

— Dois dias. Talvez três. Até eu obter algumas respostas das polícias de Nova York e Santa Fé. — Devemos terminar aqui no fim da semana — ela respondeu, molestando o lábio inferior com os dentes. — Temos horário reservado em estúdio em Nova York na próxima semana, e gravação para filmes de TV marcados para a outra semana. — Eles terão que ser agendados novamente. — Mas Dom e a equipe perderão... — Esqueça Dom e a equipe — disse ele, asperamente. —Pense em você uma vez. Ela piscou assustada com a veemência dele. Rafe não conseguiu evitar. Ele violou a regra firme que estabelecera para ele mesmo e roçou o dedo na pele frágil acima das bochechas dela. — Você não será de muita utilidade para Avendez com sombras sob os olhos e linhas de preocupação no rosto. Simplesmente relaxe nos próximos dias. Dê tempo para a polícia fazer o trabalho dela. Claro, pensou Allie. Ela tinha que relaxar, com a equipe inteira desocupada? Com seu pai e Caroline e todo o clã Fortune esperando ansiosamente pelo lançamento da nova linha? Com nada para distraí-la da presença constante de Rafe? Sem chances. Rafe abaixou a mão. — Durma um pouco, Allie. Vou terminar a limpeza aqui. Balançando a cabeça, ela abriu a porta e parou fora do banheiro. Só então notou que o chalé continha exatamente um quarto. Ela parou, olhando de esguelha, enquanto analisava a espaçosa área de dormir/sala. Havia luz suficiente saindo do banheiro para que ela visse uma lareira de pedra contra a parede oposta, um sofá de estilo rústico e um par de cadeiras agrupadas diante dele, uma mesa com duas cadeiras ao lado da janela e a cama amarrotada da qual saíra alguns momentos antes. Conforme seus olhos iam se acostumando com as sombras, ela percebeu um cobertor dobrado e um travesseiro jogados no sofá. Obviamente, Rafe planejava dormir ali. Há cerca de três metros de distância dela. No mesmo chalé. E ele esperava que ela descansasse? Balançando a cabeça, ela foi para a cama tamanho queen. Enfiou os dedos congelados dos pés no edredom e começou a deslizar sob seu calor aconchegante quando um brilho intenso de luz refletida atingiu seus olhos. Movendo-se rapidamente, ela puxou o carrossel de cima da mesa-de-cabeceira. Certeiros, seus dedos o rodaram o número correto de vezes. Quando ela o colocou na mesa e largou a chave, a melodia que tilintava e a acompanhava na hora de dormir desde que era criança preencheu a noite. Suspirando, ela se aconchegou nas profundezas das cobertas. Do outro lado da porta do banheiro, Rafe congelou, enquanto enfiava um dos braços em uma camiseta limpa. Seus músculos tensos logo relaxaram quando ele identificou o som que chegava até ele. Não reconhecia a música, apesar de ela soar vagamente familiar. O tom era delicado e lindo, como Allie. Clássico... como Allie. Ouvindo intensamente, Rafe colocou o outro braço na camiseta. Ele apagou a luz do banheiro alguns momentos depois e caminhou para fora, permanecendo parado até que seus olhos se ajustassem à escuridão repentina. Enquanto esperava, a música retiniu até parar. No silêncio que se seguiu, ele conseguiu ouvir os altos e baixos da respiração de Allie.

Capítulo 11

Teria sido o cenário perfeito para uma calma noite de descanso. Um fogo alimentado com lenha de pinheiro na lareira de pedra. Patsy Cline cantando com a alma no rádio, que era a única forma de entretenimento eletrônico do chalé rústico. As prateleiras embutidas sobre a lareira tinham uma pilha de revistas antigas, jogos para crianças e uma edição gasta do primeiro romance de Tom Clancy. Rafe colocou um papel no livro para marcar o ponto em que tinha parado e observou, exasperado, a mulher descansando em paz em frente ao fogo. Não lera duas páginas na última hora. Diabos, não lera duas páginas o dia todo. Allie sorrindo e serena era o suficiente para fazer aquele homem se desfazer em suor frio. Allie impaciente e irritada poderia levar um santo a considerar seriamente a utilização de cordas e correntes e outras formas de servidão. Rafe jamais tivera a intenção de ser qualquer coisa perto de um santo. — Allie, por Deus. Você pode relaxar? Ela rodopiou, com os cabelos como um leque vermelho-escuro contra o vermelho mais brilhante das chamas. — Não consigo. Já estamos aqui há quase 24 horas. Quanto tempo demora para testar as digitais e rastrear os registros telefônicos? — Eu disse a você. O detetive que trabalhava com os registros do telefone estava fora por causa de uma gripe. O parceiro dele está trabalhando nisso agora. E a polícia de Santa Fé enviou o invólucro do cabo para um laboratório especial em Albuquerque. Eles prometeram ligar assim que tivessem os resultados. — E meu pai ficou satisfeito com isso? Ele não sugeriu usar sua influência com o prefeito ou o governador para acelerar as coisas? — Ele sugeriu isso. — E? — Eu disse a ele para aplicar qualquer pressão que quisesse, mas que você não voltaria ao ensaio até eu obter algumas respostas. — Ainda acho que deveria ter falado com Dom — ela murmurou. — Explicado a situação... — Expliquei o máximo que ele precisava saber. — Certo. Só imagino o quanto essa conversa não foi amigável e moderada. Ficarei surpresa se ele ainda estiver no rancho quando voltarmos. — Eu ficarei se ele não estiver. Como Allie supunha, a conversa dele com o Zebra fora curta, mas explosiva. Apesar de Rafe ter movido o fotógrafo para o fim da lista de suspeitos, ainda não gostava do homem ou da forma como ele criticava Allie. Mesmo agora, com o nariz brilhando, os lábios sem batom e sua figura enfiada em um suéter cinza que ia quase em seus joelhos, ela era perfeita na cabeça de Rafe. Bem, quase perfeita. Desde que ficara confinado naquele chalé com ela, ele descobrira que Allie Fortune também tinha um gênio danado por trás daquele exterior de porcelana. Sem a válvula de escape de sua corrida matinal e as demandas do trabalho, sua energia natural transformava-se em irritação e nesse caminhar interminável. E Rafe fizera tanto para que ela pudesse descansar, ele pensou pesaroso. — Não acredito — ela exclamou, virando novamente em frente à lareira. — Gripe! — Policiais são humanos. Eles ficam doentes de vez em quando. Girando, ela colocou as mãos nos quadris. — Não seja condescendente. Caso você não tenha notado, não estou com disposição para ser racional. — Eu notei — disse Rafe. Allie o fitou, irritada com sua postura relaxada e seu ar muito paciente. Sabia muito bem o que a estava levando àquela loucura, àquele descontrole fora do comum, e suspeitava que ele também soubesse. Era parte preocupação, parte energia em excesso e seis partes Rafe Stone.

Exceto por curtas incursões ao restaurante para fazer as refeições, eles passaram todo o tempo naquele pequeno chalé. Esperando. Mantendo uma distância de segurança. Jogando cartas com o baralho gasto que Rafe descobrira entre os jogos infantis das prateleiras sobre a lareira. Conversando, sem sequer chegar perto do clima de intimidade que compartilharam na noite anterior. Fiel à sua palavra, Rafe estava seguindo aquele maldito código profissional que dizia que ele não podia misturar trabalho com necessidades pessoais. Fiel à promessa feita a ela mesma, Allie absteve-se de se atirar para aquele homem. Mas estava achando cada vez mais difícil manter a promessa. Passar pelos rituais matinais fora duro o bastante. Ela tropeçou no banheiro e esbarrou em uma toalha úmida que ele usara. Sentiu o cheiro picante de sua loção pós-barba. Viu a nécessaire de couro com seus itens pessoais ao lado da sua, vermelho e dourada. Quando se despiu e entrou no chuveiro, Allie não conseguiu esquecer que ele estava a apenas alguns passos dela. Allie demorou muito mais tempo passando sabonete e xampu naquela manhã do que de costume. O pensamento de Rafe no mesmo cubículo que ela, seu corpo rígido pressionado contra o dela naquele ladrilho antigo, suas mãos deslizando sobre sua pele ensaboada e escorregadia, a deixara molhada e ansiosa... completamente. As longas horas do dia que se seguiram foram ainda piores. O horror do incidente na ópera foi atenuado pelo brilho do sol. Em qualquer outra circunstância, o ar limpo e claro da montanha teria limpado seu pensamento e seus sentidos. Em vez disso, a presença constante de Rafe fez com que o ar ficasse quase sobrecarregado. Sempre que ela virava, pegava uma parte dos amplos ombros dele guardados em uma blusa azul. Quando eles saíam para comer, o toque dele ao ajudá-la a entrar ou sair do carro a incendiava sob as camadas de suéter e jeans. Se as primeiras horas da manhã e o restante do dia transmitiram frustração a ela, aquela intimidade forçada da noite piorou as coisas cem vezes. A lenha estalando na fogueira expelia um círculo de luz que os tragava a uma distância tocante. O sofá e as cadeiras convidavam a conversas preguiçosas e à observação desatenta do fogo. Allie não se sentia nem um pouco preguiçosa ou desatenta. Sentia coceira, agitação e pressa. — Quer tentar sua sorte novamente nas cartas? — perguntou Rafe, casualmente. Ela bufou, grosseiramente. — Sem chances. Se estivéssemos jogando valendo dinheiro esta tarde, você teria ganhado todos os meus rendimentos pelo resto do ano. Acho que você roubou. — Roubei — ele respondeu com um sorriso retorcido, prendendo as mãos por trás da cabeça. Allie sentiu uma guinada no estômago. Com tantos momentos para ele lançar aquele sorriso libertino para ela! Eles estavam no meio de uma situação desesperadora, por Deus! Ele deveria estar tão irascível quanto ela estava. Desesperada por alguma coisa que tirasse de sua mente a proximidade de Rafe, ela se dirigiu às prateleiras sobre a lareira. — Vejamos o que mais tem aqui. Talvez haja um jogo que não seja fácil para você roubar. Com Allie de costas para ele, Rafe fechou os olhos e murmurou uma oração fervorosa para que ela encontrasse uma coisa, qualquer coisa, entre as caixas empilhadas que a distraísse. E a ele. Não sabia por quanto tempo mais conseguiria manter aquela pose de indiferença relaxada. — Que tal Xadrez Chinês? — ela perguntou, espanando a poeira de uma caixa emendada por fita adesiva. —Certo. Franzindo a testa, ela sacudiu a caixa, então levantou a tampa. — Que ótimo. Está sem as bolas de gude. — Ela recolocou a caixa no lugar e pegou outra. — Ludo? — Você terá que me ensinar as regras. — Mas eu não sei. — Podemos criá-las enquanto jogamos. — Está certo. E eu perco os meus rendimentos do ano que vem.

— Se você for jogar, tem que pagar, Allie. — É o que estou aprendendo — disse ela, enquanto colocava a caixa na pilha. — É o que estou aprendendo. Franzindo o cenho, ela pegou outra caixa. Rafe prendeu um gemido com dificuldade, quando a calça jeans dela ficou apertada em suas coxas e nádegas. Está certo, pernas longas eram um requisito para a profissão de modelo. Mas as de Allie precisavam ter três quilômetros de extensão? E terminar em uma base arredondada? Ela se esticou com o rosto radiante. — Ei, aqui tem um Paint by number. Não faço um desses há anos. Quer tentar? Rafe raramente fazia alguma coisa com números, e jamais tinha pintado na vida. Porém, se esfregar um pincel em um pedaço de cartolina fosse manter Allie quieta por algumas horas, ele resolveu começar a contar. — Olhe — ela respirou com prazer, quando ajoelhou ao lado da mesa de centro e esvaziou a caixa. — Esta é uma cena de circo. Um carrossel. Rafe olhou para as linhas e os números esmaecidos em dúvida. — Como você sabe? Ela não aparentou ter ouvido a pergunta. Seu olhar vagueou pelo quarto e parou no pequeno carrossel que estava na mesa-de-cabeceira, ao lado da cama. — Lembro como os carrosséis de Kate eram brilhantes e coloridos. Todos os vermelhos, azuis e verdes cintilantes. Olhando-a pela luz do fogo, Rafe captou uma vacilação de dor no rosto de Allie enquanto ela observava o pequeno brinquedo. Apesar de saber a resposta, ele perguntou: — Kate? — Minha avó — respondeu Allie suavemente, voltando a fita-lo. — Ela fundou a Cosméticos Fortune. Morreu há cerca de seis meses e... eu sinto saudade dela. Ele não devia fazer isso, Rafe sabia. Não devia fazer Allie lembrar daquela avó que obviamente adorava. Durante todo o dia, ele mantivera as coisas superficiais e polidas, determinado a restabelecer a relação de cliente e empregado. Enquanto fosse responsável pela segurança dela, não permitiria nada mais entre os dois. Depois disso, no entanto... Pela primeira vez, Rafe admitiu para si mesmo a possibilidade de um futuro. Ele não fingia nem por um momento que uma atração inegável como aquela pudesse levar a algo permanente, mas enquanto durasse, poderia ser bom. Mais do que bom. Raro e bonito. Como Allie. Ele jurou que não se envolveria, não permitiria que outra mulher complicasse sua vida. Mas, ao vê-la agora àquela luz do fogo, ele não podia mais resistir à tentativa de acalmar a dor que ela sentia pela perda da avó. Rafe não combateu a feroz maré de proteção que tomou conta dele. O que começara como um trabalho agora era necessidade básica. Queria proteger Allie de tudo que machucasse, incluindo a tristeza que escurecia seus olhos a um marrom profundo e incompreensível. — Como ela era? — ele perguntou, calmamente, sentindo que aquela mulher que escondia tanta coisa a seu respeito por trás de um sorriso público de fachada precisava falar, compartilhar um pouco de sua perda. Rafe suspeitou que sua irmã gêmea funcionava como sua válvula de escape. Hoje à noite, no entanto, ela só tinha a ele. — Kate era muito parecida com você — ela respondeu, depois de um momento. — Corajosa, valente e independente. Ela estava pilotando seu próprio avião sobre a Amazônia, quando ele caiu. — Ela parecia uma mulher calma. O carrossel atraiu o olhar dela mais uma vez. — E era.

Apertando os dedos para evitar arrastá-la para seus braços, Rafe procurou uma forma de consolá-la que não fosse física. — Por que não usamos as tintas para restaurar o carrossel de sua avó? — ele sugeriu. — Enquanto trabalhamos, você pode me falar mais sobre ela. Allie mexeu a cabeça, com surpresa nos olhos. — Que idéia maravilhosa! Você sabe pintar? — O que há para saber? Você simplesmente bate o pincel em um desses potes de plástico de tinta e espalha um pouco de cor. — Hum — ela levantou a cabeça. — Por que será que tenho a impressão de que este pequeno exercício será mais desafiador do que jogar cartas? Algum tempo depois, Allie descobriu que dividir com Rafe a pequena mesa ao lado da janela e meia dúzia de recipientes plásticos contendo tinta era mais do que um desafio. Era uma ameaça ao seu comedimento. Mais de uma vez, seu coração pulou diante da visão da cabeça dele curvada sobre o pequeno brinquedo, de sua grande mão manejando o pincel da espessura de um palito. Allie dividiu seu tempo entre acompanhar o progresso dele e fazer seus próprios avanços. Sempre que uma coxa rígida acidentalmente batia na dela sob a pequena mesa ou um cotovelo a cutucava, ela não fazia progresso nenhum. Conforme as horas passaram, ela se pegou falando de todo o clã Fortune para Rafe. Sobre a corajosa e valente Kate. Sobre o crescente estranhamento de seus pais. Sobre as vantagens e desvantagens de ter uma irmã gêmea em uma família grande e turbulenta. — Rocky e eu amávamos trocar as identidades quando éramos mais novas — ela confidenciou, olhando de esguelha enquanto pintava uma linha fina ao longo da rédea de um pequeno cavalo. — No entanto, às vezes o tiro saía pela culatra. Como quando ela saiu com um dos meus namorados e ele acabou se apaixonando por ela, bons tempos. Rafe coçou a testa e borrou uma mancha de verde em um focinho voltado para cima. — O rapaz devia ser um completo idiota — ele comentou, distraído. — Da categoria do Viking. Não posso imaginar um namorado não sendo capaz de distinguir vocês duas. Ela mergulhou a ponta de seu pincel no recipiente plástico de tinta. —Não? Isso foi porque você viu Rocky usando jaqueta de aviador com calça jeans. Quando ela não está usando aqueles trajes, ela é... ela é... Ela era Rocky. Não havia outra forma de descrevê-la. — Ela não é você, Allie — ele murmurou, concentrado em seu trabalho artístico. — Independentemente do que ou de quem ela seja, ela não é você. Surpresa com o eco fantástico de seus pensamentos, Allie parou de movimentar a mão. — Eu diria que vocês duas são como este pequeno brinquedo que sua avó deixou — meditou Rafe, mergulhando seu pincel coberto de verde em um pote de tinta laranja para pintar a crina. — O que importa não é a casca. É o som que vem de dentro que define vocês. Allie olhou para a cabeça inclinada dele com a garganta apertada. Com algumas frases sucintas, ele articulou a beleza oculta de sua herança. Apesar de ela sentir que ele ainda não via a aplicabilidade daquilo para ele mesmo. Ou, se visse, não estava pronto para admitir. Ele deu um pequeno resmungo e soltou o pincel. — Nada mau. Ela tirou o olho do cavalo pintado para ver a satisfação presunçosa no rosto dele e sentiu seu coração baquear uma vez, muito dolorosamente. Então, ele sorriu para ela e aquele mesmo coração derreteu-se completamente. Naquele momento, Allie teve a terrível suspeita de que ela o amava. Ela reconhecera que o que sentia por aquele homem ia além de mera luxúria. Ela nutria a esperança secreta de que a atração que explodia entre eles pudesse

se desenvolver em algo maior, depois do ensaio. Até agora, no entanto, ela a definiu como uma relação frouxa, vaga... um teste, uma tentativa, uma exploração. Não estava pronta para o amor, pensou em um pânico repentino. Ainda não. Quase cometera um erro desastroso com um noivo que pensou que conhecesse e não conhecia. Não podia ter se apaixonado por um homem que mal conhecia, realmente. Especialmente por aquele homem. Ele a irritava tanto quanto a intrigava. Tinha um hábito irritante de manter-se na defensiva e deixar que ela evitasse as investidas de outros homens, recusando-se obstinadamente a agir. Até agora, ela fizera todos os movimentos daquela dança do acasalamento tumultuada e cautelosa dos dois. Mas ela sentia-se protegida com ele. Allie reconhecia. E completamente livre quando eles corriam juntos. E totalmente, eroticamente fêmea quando ele a tomava em seus braços. Tremendo, ela largou o pincel. Tinha que pensar sobre isso. Seriamente. Afastando a cadeira, ela levantou e limpou as mãos na parte de trás de seu suéter. — Está tarde. Eu, uh... talvez devêssemos terminar isso amanhã. Quer usar o banheiro primeiro? — Pode ir. Vou terminar esta crina e depois limpar os pincéis. Allie deixou-o debruçado sobre o brinquedo, com uma mecha de cabelo preto caindo sobre a testa. Ao pegar a camisola na cama, ela se trancou no banheiro. Tirou a roupa, então fez uma careta ao notar que estava tremendo demais para colocar uma roupa de baixo limpa. Allie saiu do banheiro um tempo depois, usando somente a camisola. Naquele momento, Rafe afastou sua cadeira e se levantou. De costas para Allie, ele se esticou. Ela parou abruptamente, atraída pela graça felina e pela masculinidade latente do movimento preguiçoso dele. Sua camisa azul tomou a forma de seu corpo enxuto e poderoso. A artista que existia nela se concentrou no equilíbrio perfeito entre linha e forma. A mulher que havia dentro dela se contraiu em resposta. De repente, ele congelou, contraindo todo o corpo. Sobressaltado, levantou o braço inclinado e, cuidadosamente, levou o cotovelo à frente. Allie foi tomada por uma culpa similar a uma faca de serra afiada. Na noite anterior ele admitira que a pele cicatrizada doía às vezes. Obviamente, aquela era uma dessas circunstâncias, já que ele ficara debruçado no carrossel por horas, tentando mantê-la ocupada. Virando, ela caminhou de volta para o banheiro e pegou seus cosméticos. Quando voltou, alguns momentos depois, tinha um pequeno tubo de plástico na mão. — Terminou? — perguntou Rafe, percorrendo as pernas nuas dela com um olhar rápido. — Não. Ainda não. Ainda tenho mais uma tarefa para hoje à noite. — Ela olhou ao redor e colocou o tubo na mesinha. — Sente-se. — O quê? — Sente-se. Ali; perto da lareira. — Por quê? — ele perguntou, olhando para o tubo com certa suspeita. — Vi quando você se espreguiçou e tentou esticar seu ombro um pouco ainda agora. Eu disse a você ontem que tenho algo que pode ajudar. Vamos tentar uma pequena massagem. — Está tudo bem, você não precisa... — Sim, preciso. — Olhe, está tudo bem... — Sente-se! Rafe levantou a sobrancelha. Por longos momentos, ele analisou a expressão determinada no rosto de Allie. — Você tem idéia do quanto se parece com seu pai agora? Ele também não aceita não como resposta. Dobrando os braços, Allie bateu com um dos pés.

— Está certo, está certo. Enquanto ele caminhava na direção da lareira, era possível notar que seu corpo estava tomado por relutância. Ele desabotoou a camisa azul e a tirou. Allie prendeu a respiração quando ele tocou na bainha da camiseta branca. Lentamente, ele tirou-a pela cabeça e jogou-a no sofá. Ela podia fazer isso, disse a si mesma. Podia apertar um pouco de creme nas mãos, aquecê-lo entre suas palmas e passar nos ombros dele sem se dissolver em uma poça de necessidade líquida ao tocar em sua pele. Podia ficar atrás dele, tocando os joelhos gentilmente contra suas nádegas enquanto passava a loção em sua pele, sem se inclinar para beijar aquelas linhas rígidas. Talvez. As mãos de Allie amassaram os ombros dele. Massagearam suas costas. A carne dele estava ardente sob os dedos dela, seus músculos estavam contraídos. — Tente relaxar, Rafe. Ele não respondeu. Os polegares dela moviam-se em movimento oposto ao dos demais dedos. Tocavam e apertavam suavemente. Com maciez e penetrando firmemente no tecido resistente. O fogo estalava ao perder a força, e os envolvia em um círculo íntimo de luzes douradas. Conforme os momentos silenciosos passavam, Allie sentia uma percepção instintiva e primitiva crescer dentro dela. Ela suspeitava que as coisas acontecessem assim. Um homem relutando em admitir sua fraqueza. Uma mulher tendo que declarar sua própria força para cuidar dele. O pânico incipiente que a atacara mais cedo desapareceu na certeza absoluta daquele momento. Queria cuidar daquele homem, sempre. Ansiava por corresponder sua força divergente à dele e unir as metades para formar um todo mais forte. Implacavelmente, Allie lembrou de sua promessa de não se atirar para cima dele novamente. Ele teria que abordá-la. Ele teria que dar o próximo passo. Sinta-me, ela pedia, silenciosamente. Sinta o toque dos meus dedos e a necessidade do meu coração. A pele dele estava mais aquecida agora, mas cada parte estava tensa. Ela espalhou as mãos até a base da coluna dele e então moveu-as para cima. Sinta meu fogo. Meu calor. Os dedos dela ansiaram quando ela passou para o lado dele e começou a colocar creme em seus ombros e sob o queixo. Ele mexeu o braço, roçando os seios dela. Toque-me, Rafe. Toque-me como estou tocando você. Ela alcançou a forte sustentação do pescoço dele. Passando a mão. Passando creme. Amando. Ele olhou diretamente para o fogo com a mandíbula tão rígida quanto o restante do corpo. Allie lutou contra a urgência de beijar as linhas finas do canto dos olhos dele. De provar o brilho tênue que umedecia sua sobrancelha. Um calor corria pela pele dela agora, queimando-a em todos os locais que estavam em contato com ele. Seus seios estavam doendo, com os bicos duros e tesos. Sentiu um aperto no estômago. Ele se moveu novamente, roçando nela. Ela sentiu uma contração no ventre. Agora, Rafe. Por favor. — Allie? — A voz dele era baixa e ríspida. Ela parou de mover as mãos. — O quê? — Você está vestindo alguma coisa sob a camisola? Ela umedeceu os lábios.

— Não. — Era o que eu temia. Por alguns momentos, nenhum dos dois se mexeu. Então, Rafe lentamente virou e a capturou entre seus joelhos. As mãos dele estavam sobre os quadris dela, e as dela em seus ombros. Allie ficou parada diante dele. Esperando. Esperançosa. Com medo de respirar mais do que superficialmente. Quando ele levantou os olhos para fitá-la novamente, eles tinham uma combinação de rendição relutante e fogo azul que fizeram o coração dela pular. — Uma boa massagem merece uma outra, querida. Onde está este tubo de creme? Com as mãos trêmulas, ela passou para ele um dos produtos em que a Cosméticos Fortune depositara todo o seu futuro. Dessa vez, o amor deles foi lento, deliberado e incrivelmente erótico. Rafe manteve-a presa entre suas coxas, nua e trêmula. Enquanto ele friccionava as palmas uma contra a outra para aquecer o creme, deleitava seus olhos nos seios e na barriga dela, bem como no triângulo escuro entre suas pernas. Quando não era beijada por sombras, a pele dela cintilava dourada na luz vacilante da lareira. Ele não tinha certeza sobre quando exatamente abandonara sua determinação rígida de manter as mãos fora de Allie e a cabeça no trabalho. Durante os últimos minutos, a necessidade dela de alguma forma incendiou a dele a um ponto além da resistência. O que ele queria daquela mulher vermelha e dourada, acariciada pela penumbra, e para ela, agora não tinha mais ligação com a realidade. A realidade era ontem e amanhã. Hoje à noite, era somente Allie. Com o toque das mãos dele, a barriga dela se contraiu e seus seios estremeceram. Ele a acalmou como se tivesse um passarinho agitado nas mãos, com palavras ditas em voz baixa e toques suaves. — Calma, querida, calma. Ele espalhou o creme pelos quadris dela. Seus dedos amassavam as curvas macias, enquanto os polegares rodavam na superfície lisa de sua barriga. Uma ligeira pressão a aproximou. As mãos dele deslizaram pela inclinação das nádegas dela, massageando-a e excitando-a até os dedos dos pés. Lentamente, ele levou as mãos para as costas dela, friccionando levemente nos nós de tensão de sua espinha. As palmas das mãos dele percorriam a coluna dela e levantaram o peso leve de seus seios. Rafe pegou a ponta de um deles com a boca, provando sua doçura enquanto sugava. — Oh! Ela se curvou para trás, arqueando as costas. As coxas dele se abriram ligeiramente. Mantendo-a parada com uma das mãos, ele deslizou a outra por sua barriga. — Abra para mim, Allie — ele murmurou contra seus seios. A parte interna de suas coxas estava apertada, depois foram soltas. Rafe sentiu o movimento espasmódico enquanto ele penetrava seus dedos pelos cachos sedosos no vértice das pernas dela. Ele pressionou mais embaixo, partindo as dobras dela, e continuou sua massagem erótica, com os polegares rodando sobre a carne sensível dela. Allie tremia. As mãos dele umedeceram. Rafe usou os dentes na ponta rígida dos seios dela, mordiscando até que eles intumescessem. Ela inclinou a cabeça para trás, quando ele levou o outro seio ao mesmo ponto de enrijecimento. Ele se afastou dela, com o coração acelerado diante da beleza selvagem de Allie. Não restava qualquer traço da modelo sofisticada e glamourosa. Nenhum sinal da corredora sorridente que ainda podia correr em torno dele na manhã fria, ou da fã de ópera vestida a rigor cuja elegância vinha de dentro. Ali estava uma deusa pagã. Uma criatura em chamas e calor líquido. Uma mulher sem vergonha da própria sensualidade e do prazer que ele propiciava a ela. Ela se regozijava em sua paixão, e Rafe juntava toda a força que tinha para satisfazê-la antes de satisfazer a si próprio. Quando ele aliviou a mão do refúgio molhado e macio dela, ela gemeu em protesto. Sorrindo, Rafe substituiu a mão pela boca. Ela se arqueou para trás, seu grito baixo ecoando pelo chalé. Ele se fartava com ela, ou pelo

menos tentava. Enquanto seus sentidos registravam mel e almíscar, sua cabeça aceitava o fato de que ele nunca teria o bastante de Allie. Uma série de tremores descontrolados avisaram a ele que ela estava próxima do clímax. Mantendo as pernas de Allie esparramadas e o desejo dela como prioridade, Rafe se livrou do restante de roupa. Demorando apenas para protegê-la de uma gravidez para a qual nenhum dos dois estava pronto, ele a trouxe para seu colo. Allie gemeu quando ele deslizou para dentro dela. Então, ela envolveu as pernas na cintura dele e os braços em seu pescoço, cobrindo a boca dele com a sua. Quando chegaram perto do clímax, ela murmurou e enterrou o rosto no pescoço dele. — Oh, Rafe — ela gemeu, em um sussurro. — Eu acho seriamente que amo você. Entorpecida de prazer, Allie prendeu-se ao pescoço de Rafe, quando ele a carregou pelo quarto, algum tempo depois. Ela não fez qualquer esforço para convencê-lo a se unir a ela debaixo do edredom. Não precisou. Ele puxou as cobertas e entrou debaixo delas com Allie em seus braços. Ela se esticou ao lado dele, mantendo os corpos pressionados um contra o outro. Com um instinto certeiro, o nariz dela encontrou a morna cavidade entre o ombro e o pescoço dele. Ela sentia-se exaltada, contente e muito cansada para falar. Um sono se abateu sobre ela, substituindo a pequena preocupação que vagava pelo cantinho de sua cabeça. Não devia ter sussurrado que o amava. Desesperadamente. Seus sentimentos eram muito novos. Muito incertos para ela lançá-los sobre ele agora. Mas, as palavras saíram durante o auge de sua paixão, e ela não podia voltar atrás. Ou se arrepender. Essa era uma preocupação para ontem, ela concluiu. Ou amanhã. Agora, só conseguia se concentrar no calor dele ao seu lado na cama, na respiração dele em seu ombro e nos braços dele em volta dela.

Capítulo 12 Allie acordou no dia seguinte com um feixe estreito de raio de sol entrando pelas brechas das cortinas e em um chalé vazio. Retirando a franja dos olhos, ela se apoiou em um dos cotovelos. Uma análise rápida a convencera de que Rafe partira, deixando-a sozinha no chalé. De repente, ela teve uma grande dúvida, que logo deixou de lado. Rafe poderia decidir fazer o que quisesse depois da noite de ontem, mas não a deixaria desprotegida. Ela achava que ele fora ao restaurante em busca da cafeína de que precisava para dar a partida em seu sistema. E café da manhã, ela suspeitou. A versão de chili-qualquer coisa de Devis Peak. Ele tentara fazer com que ela provasse o prato misterioso ontem, mas ela estava muito à flor da pele e tensa com o incidente da ópera e o atraso no cronograma para sair da dieta. Naquela manhã, ela poderia comer um boi inteiro coberto de pimentões verdes. Ou Rafe coberto por qualquer coisa, ela concluiu, sorrindo. Ela estava vestida e esperando, quando ele voltou uns quinze minutos depois. Trazia uma bandeja plástica com duas xícaras e várias caixas de tamanhos diferentes. Ela respondeu à batida dele e deu um passo para trás, para permitir que uma rajada do ar da montanha entrasse na cabana juntamente com ele. Ele parou exatamente no limite da porta e a fitou do topo dos cabelos penteados e brilhosos até as meias esportivas que ela apanhara na mala dele. Allie viu que ele não tinha tomado banho ou se barbeado, certamente para não acordá-la. Ele tinha uma barba cerrada escurecendo o queixo e a parte inferior da bochecha, e seus cabelos estavam despenteados por causa do vento de lá de fora. Ele parecia rústico e rude, e ao mesmo tempo muito sério para a manhã seguinte a uma das noites mais gloriosas da vida dela. Respirando fundo, Allie desejou que ele a beijasse. Ela uniu os braços atrás das costas e concentrou toda a energia em enviar a ele uma mensagem mental. Toque-me, Rafe. Beije-me. Para seu deleite, ele colocou a bandeja na mesa e apertou o queixo dela com os dedos. A mão dele ainda estava fria do ar gelado da manhã, apesar de Allie ter sentido calor quando ele a tocou.

Ela viu um grande apetite nos olhos dele, que iam além do apetite dela, bem como uma preocupação que lhe dizia que ele trouxera mais do que o café da manhã. Ignorando aquela preocupação com determinação, ela fechou os olhos e aproveitou o beijo dele. Quando abriu os olhos novamente, sua boca se curvou em um leve sorriso. — Bom — ela murmurou. — Muito. — E com certeza nada estúpido. — Uma das coisas menos estúpidas que já fiz — ele concordou, roçando o polegar no lábio dela. Então, ele se afastou para retirar o colete de pele de carneiro e Allie viu que ela não poderia ignorar mais a preocupação. — Você falou com a polícia? Balançando a cabeça, ele pendurou o colete em uma das cadeiras. — Liguei para eles do restaurante. — E? Ele apertou a boca. — E estamos sem pistas. Nas duas frentes. Não há registro de nenhuma ligação para seu quarto feita do telefone móvel do centro de processamento. Allie inclinou-se, aliviada. — Eu sabia que ninguém da equipe podia estar me importunando dessa forma. — Isso não os exime de nada — falou Rafe, acidamente. — Significa apenas que a ligação não foi feita da unidade de processamento. Alguém pode ter ligado de fora do rancho. — Está bem, está bem! E quanto ao incidente da ópera? Ele sacudiu a cabeça. — A cobertura de borracha do cabo era muito porosa. O laboratório só conseguiu ver alguns borrões. O alívio inicial de Allie deu lugar a um forte desapontamento. Ela esperava desesperadamente que a polícia identificasse algum estranho, algum fanático que a seguira até Santa Fé e se misturara às pessoas na noite de gala. Queria acabar com aquela angústia. — E tem mais — ele continuou implacável. — O laboratório não pode declarar com certeza se o cabo foi deliberadamente cortado ou simplesmente arrebentou por meio do mesmo tipo de lâmina afiada que cortou meu smoking. — Então pode realmente ter sido um acidente? — Pode. — O pervertido podia nem estar aqui? Em Santa Fé? — Ele pode estar em qualquer lugar. — Com o corpo tomado por frustração, Rafe passou a mão pelo cabelo. — Parece que voltamos à estaca zero. Allie colocou de lado seu desapontamento. — Ah, não — ela respondeu, suavemente. — À estaca zero, não. Não tenho certeza sobre onde estamos, mas com certeza não é na estaca zero. Ele olhou para ela, com uma tensão que provocava certa confusão. Allie sentira a mesma perplexidade na noite anterior, só que a dela chegara perto do pânico. — Também não sei ao certo onde estamos — disse ele, lentamente. — Tudo o que sei é que violei todas as minhas regras desde que a conheci, senhorita. — Sim, bem, regras foram feitas para serem quebradas, ou pelo menos modificadas para se adequarem às circunstâncias.

Apesar de Allie ter mantido a linha na noite anterior, seu sorriso saiu um pouco assimétrico. Droga! Não devia têlo assustado com aquela promessa sussurrada de quase-amor. Ela o assombrara, como suas palavras provaram depois. — Eu já fui casado uma vez, Allie. — Eu sei. — E não deu certo. — E daí? Eu quase me casei uma vez. E também não deu certo. — Você não entende. Eu não era exatamente uma boa escolha de marido antes da explosão. Minha esposa decidiu que eu não era nem de perto um bom partido depois disso. Agora... — Agora você tem algumas cicatrizes e machucados, como o carrossel — Allie o interrompeu, desejando mentalmente que a Sra. Stone fosse mordida por víboras famintas. Muito famintas. — Mais do que algumas, querida. — Você mesmo disse que não importa como é a casca da pessoa. É a música interna que conta. Eu gosto da forma que você canta — ela concluiu, arrebatadora. Ele curvou um dos cantos da boca. — Gosta, é? — Sim. Bem, na maioria das vezes — ela corrigiu. — Quando você esquece dos zebras e charutos e coisas do tipo. — Acho que terei que tomar cuidado com o que digo sobre a sua coleção. Sem perceber, parece que agora faço parte dela. Teria que pensar sobre isso, Allie decidiu, guardando para análise futura. — Não se preocupe tanto — ela disse a ele. — Não vou colocar você em nada sem que esteja pronto. Um brilho de arrependimento iluminou os olhos dele, deixando-os azuis bem claros. — Você tem feito isso desde o primeiro momento em que coloquei os olhos em você, Srta. Fortune. — Verdade? Ele acariciou a bochecha dela. — Você sabe muito bem que sim. — Estou falando sério, Rafe. Jogaremos isso com... com as regras que você estabelecer. Desde que sejam razoáveis, é claro. — Por que eu sinto que posso ser soterrado por um novo conjunto de regras? Allie escondeu seu alívio. Ele não se comprometera exatamente com algo como um futuro juntos, mas também não virou as costas e fugiu. Depois de todos os anos que passara se esquivando dos homens que se diziam apaixonados por ela, estava achando esse negócio de persuadir Rafe a entrar em sua cama e seu coração um pouco atemorizante. Concluindo que já o pressionara muito, ela soltou a mão dele e puxou uma cadeira. — Eu o ajudarei a escrevê-las — ela prometeu. — Agora, porém, acho melhor comermos e fazermos as malas. Se conseguirmos chegar em Rancho Tremayo perto da hora do almoço, ainda poderemos fazer a seqüência do museu à tarde. — Não acho que devamos voltar para Rancho Tremayo. Ainda não. Ela parou, enquanto tentava espiar o que tinha dentro de uma das caixas. — Por que não? Rafe puxou uma cadeira e sentou-se ao lado oposto dela. — Não posso dar uma razão específica, somente um pressentimento. Apesar de não ter provas, meu instinto me diz que as ligações foram feitas por alguém que você conhece. Alguém que conhece sua programação. Quero fazer mais algumas verificações.

— Pensei que você já tivesse vasculhado a vida de todo mundo, inclusive a minha. — Vasculhei. Franzindo o cenho, Allie observou Rafe enfiar o garfo em uma massa gelatinosa de ovos, legumes, presunto fatiado e pimentões verdes. Ela estremeceu, lembrando-se do que pensara antes sobre comer um boi coberto por aquela coisa. Graças a Deus, Rafe trouxe torrada e frutas para ela. — Eu devo estar esquecendo alguma coisa — disse ele, entre garfadas. — Só tenho que destrinchar mais profundamente. Allie esfarelou um pedaço de torrada nos dedos. Ela compreendia a determinação dele. Ele era um profissional, um dos melhores do mercado, de acordo com seu pai. E ela também. — Quanto tempo isso vai levar? — O tempo que for necessário. Até eu chegar a alguma coisa que me pareça o correto — disse ele. Allie tentou pesar o instinto dele contra a responsabilidade com sua família e com o restante da equipe. Por mais que quisesse passar mais alguns dias com Rafe naquele chalé isolado na montanha, não podia manter uma equipe de quarenta pessoas à toa sem uma boa razão. E ela era Fortune o bastante para não deixar a empresa que Kate construíra com as próprias mãos se afundar no processo. — Rafe, tenho que voltar. Já perdemos um dia e meio do cronograma. Ele olhou para ela de esguelha. — Não foi você que acabou de falar que concordava em jogar com base nas minhas regras... novamente? — Sim... desde que você fosse razoável. — Ela hesitou, procurando as palavras certas. — Não sou valente ou aventureira como Kate era. Fico assustada em saber que alguém que conheço possa me prejudicar, ou prejudicar minha família através de mim. — Eu também não gosto muito da idéia. — Mas, se eu deixar que ele me assuste a ponto de cancelar o ensaio e atrasar o lançamento desta nova linha de produtos, ele terá vencido. —Allie... Ela pegou na mão dele. — Há mais coisa em risco aqui do que muita gente consegue notar, Rafe. A empresa da minha avó. O futuro da minha família. Não posso destruí-los — ou a sua memória. Ele a fitou por algum tempo, mantendo o rosto rígido e resoluto. Então, lentamente ele soltou o ar. — Diante do que você me contou sobre sua avó na noite passada, eu diria que você tem mais da coragem dela do que possa imaginar. Allie sorriu com o canto da boca. — E também tenho você para me proteger. — Sim, bem, essa é uma das regras que vamos revisar imediatamente. De agora em diante, Srta. Fortune, não vou proteger você da cabana ao lado. Ela riu, lentamente. — Esta é uma regra com a qual posso conviver, Sr. Stone.

Eles chegaram de volta no Rancho Tremayo um pouco antes do meio-dia. Como Allie previu, o atraso na produção fizera com que Dom passasse de sarcástico e mal-humorado a selvagem. O mau humor do fotógrafo piorou ainda mais devido a um futuro atraso. Ou pelo fato de Rafe ter anunciado que colocaria seus acessórios na cabana de Allie imediatamente após o ensaio da tarde. A metade careca da cabeça do Zebra ficou vermelha, juntamente com o resto de seu rosto. Ele olhou para Rafe com um desgosto não disfarçado, contorcendo o lábio em escárnio.

— Aparentemente Allie teve mais recreação do que o restante das pessoas durante sua pequena viagem. — Olhe, Avendez. O aviso suave de Rafe aprofundou ainda mais a coloração vermelha de Dom, mas o fotógrafo não recuou. — Conheço Allie há muito mais tempo do que você, Stone. Já vi homens se derreterem por ela, encantados pela mulher que eles pensam que ela é. Muito poucos, porém, conseguem despi-la de sua casca, ou ver o que posso ver através do visor. Uma colagem de imagens imediatamente veio à cabeça de Rafe. Do rosto sorridente de Allie enquanto ela se deitava sobre ele na poeira. De uma mulher enfezada vestindo uma camisola e de pé no meio de um chalé, colocando um tubo de loção hidratante em uma mesinha e ordenando que ele se sentasse. De uma gloriosa deusa pagã com a cabeça arqueada para trás e a pele pintada pelo dourado do fogo. Naquele momento, Rafe notou que ele recebera um presente raro e precioso. Ele vira algo que Avendez jamais veria através de sua câmera. O reconhecimento suavizara seu antagonismo instintivo contra o fotógrafo. — Talvez você veja algo através do visor que poucos outros têm o privilégio de ver — disse ele, calmamente. — Você e Allie sabem usar suas habilidades para trazer à tona o melhor de cada um. Mas eu colocarei minhas coisas na cabana dela depois do ensaio. Por mais um tempo, Avendez manteve seus olhos raivosos, ainda com muito ciúme. Então, o rubor de seu rosto aos poucos foi enfraquecendo, e seus ombros caíram. — Está certo. Mas até lá, ela é minha. Rafe não discutiu. Sabia tão bem quanto Avendez que Allie não pertencia a ninguém, mas a ela mesma. O que ela optava por dar aos outros era um presente. Quando a equipe unida às pressas se encontrou no jardim, o fotógrafo recuperara seu tom ácido. Ele gritou com todas as pessoas, indiscriminadamente, enquanto elas carregavam os carros com os equipamentos para seguirem para Santa Fé. Seguindo o pequeno comboio, Rafe levou Allie para o internacionalmente reconhecido Museu de Arte e Cultura Indígena, uma estrutura elevada composta por vidro e argila que abrigava uma das coleções mais importantes do mundo de artesanato dos nativos da América. Enquanto Xola percorria o museu para obter itens possíveis de utilizar, Avendez posicionava sua modelo contra a imagem de uma cerâmica anasazi de valor inestimável para capturar o que ele chamava de sua essência não afetada pelo tempo. Durante o processo, Rafe varria a cena com os olhos. Um borrão vestido de laranja chamou sua atenção. Cuidadosamente, ele observou o Descolado vestido de camiseta laranja sempre que Avendez gritava para que ele movesse o refletor ou conseguisse um maldito ventilador para fazer uma brisa que balançasse a saia de Allie. Qualquer um que trabalhasse com o Zebra seria candidato a ter um desvio psíquico. Mas o nervosismo espasmódico do rapaz parecia ter alcançado o auge quando ele deixou cair uma bandeja inteira de filmes usados e levou Dom a uma fúria sem precedentes. Apoiado desajeitadamente em mãos e joelhos para recuperar os filmes, Philips os colocou na bandeja e correu para pegar um suprimento de filmes novos. Ele voltou algum tempo depois, passando o braço no nariz como uma criança que chorara. De repente, Rafe se contraiu. Um viciado!, ele pensou, irritado consigo mesmo por não ter notado isso antes. O rapaz era um viciado! Um usuário esporádico, ou os sinais seriam mais visíveis. Caso contrário, Rafe não teria deixado passar o nariz sempre escorrendo, um sintoma clássico. Estreitando os olhos, ele observou Philips esconder-se. Milhares de possibilidades percorreram sua mente. As drogas poderiam ter transformado uma fascinação saudável do rapaz pela imagem da bela Allie Fortune em uma fixação doentia. O rapaz podia ter feito as ligações quando estava alto, tão alto que sequer se lembrava delas ou conseguiu disfarçar todas as evidências quando estava bem. Como ele podia... — Droga! Quero este ensaio iluminado, e não em silhueta. Não dá nem para ver o rosto dela! Mova este maldito estroboscópio.

Enquanto Avendez berrava de raiva com toda a sua infeliz equipe, Rafe observava o Descolado de perto. Visitaria o rapaz mais tarde, decidira. Era hora de eles terem uma outra conversinha.

A equipe exausta voltou para Rancho Tremayo cerca de sete horas depois. Deixando Allie em sua cabana por alguns momentos, Rafe foi à cabana dele pegar alguns equipamentos. Quando voltou, ela tinha tomado banho e mudado de roupa. — Dom quer que trabalhemos nas folhas de contato, na unidade de processamento — ela disse, com um sorriso cansado. — A equipe dele imprimirá as fotos da seqüência de hoje com as quais decidirmos trabalhar enquanto revisaremos a programação de produção para amanhã. — Me dê cinco minutos — respondeu Rafe, colocando sua bolsa na cama. Enquanto caminhava sob a noite fria e estrelada para sua cabana, Rafe notou que teria que adiar a conversa particular com o Descolado. Apesar de seus instintos dizerem para ficar de olho no rapaz, antes que alguma coisa acontecesse, Allie estava esgotada por causa daquele ensaio de sete horas. Além disso, ainda tinha aquela reunião noturna. Precisava dormir e Rafe não a deixaria sozinha em sua cabana ou na cama. Imprensaria o rapaz no dia seguinte. Depois da corrida matinal, quando Allie estivesse seguramente escondida com sua equipe de maquiadores, estilistas e cabeleireiros. Agora, no entanto, ele ligaria rapidamente para Nova York e pediria ao detetive do caso de Allie para verificar os antecedentes de Jerome Philips. Se o Descolado tivesse qualquer histórico de prisão por uso de drogas, isso apareceria nos computadores do Centro Nacional de Informações sobre Crime. Enquanto a sessão de revisão ocorria, Allie estava cansada demais para perceber a tensão de Rafe. Com os olhos enevoados, ela apoiou o queixo nos cotovelos e analisou a folha de contatos em preto-e-branco, na mesa. — Este, eu acho — murmurou Dom. A ponta de seu marcador fez um barulho quando ele circulou uma foto de Allie passando o dedo na borda de um pote de cerâmica preto e lindo. Ela torceu o nariz. Juntamente com o cheiro de solução de revelação de fotos e outros produtos químicos armazenados na unidade, o odor vindo do marcador causava dor de cabeça em Allie. Ela queria desesperadamente sair daquela unidade fechada e caminhar ao ar livre com Rafe. Ou se aconchegar sob ele na ampla cama de sua cabana. Ou se esparramar em cima dele... — O que você acha, Allie? Ela piscou e concentrou os olhos cansados na folha de contatos. — De qual? Dom apertou a boca, formando uma única linha. — Desta — disse ele acidamente, batendo com o marcador na folha. — A que pode me dar um prêmio Addie deste ano. Sem mencionar que vai propiciar a venda de todos os batons Sunglazed Wine que a Cosméticos Fortune puder produzir. Sobressaltada, Allie olhou para a foto em questão. Era uma de cabeça e ombros, com seu rosto virado ligeiramente para a esquerda. Seu queixo estava inclinado para cima. Seus lábios vermelho-escuros estavam partidos em um pequeno meio-sorriso. Dom tinha posto fogo em uma caixa para manchar ligeiramente a parede por trás dela, que era padronizada com antigos símbolos anasazi. No entanto, ainda sobrara bastante textura para remeter ao misterioso passado. Era um porta-retrato de agora e daquele tempo. De uma mulher viva, respirando, e de uma civilização morta há muito tempo. Allie também notou, com seu olhar experiente, que a foto poderia levar o olhar das pessoas a uma boca que usava gloss da nova gradação de cores da Cosméticos Fortune. Naquele momento, Allie concordou com a confidência de Dom, sobre a possibilidade de a foto render a ele o prestigiado prêmio Addie do Conselho Nacional de Propaganda. Allie também tinha esperança de levar todo um continente de mulheres a experimentarem o Sunglazed Wine. — Está boa, Dom — disse ela, calmamente. — Muito boa. Acho que deveríamos usá-la no espaço de duas páginas que compramos na Cosmo.

— Eu também. Os demais se aproximaram para observar a foto. Os assistentes de Dom mais experientes, Xola e o diretor de arte fizeram comentários. A discussão foi crescendo, calorosa e extensa. Então Dom deu a folha de contatos a um estagiário e pediu que ele fizesse cópias das fotos circuladas na sala escura, no fim da unidade de processamento. Pegando a próxima folha, Dom se inclinou na mesa. Cansada, Allie deslizou em sua cadeira. Ela encarou Rafe por cima das cabeças dos demais. Ele parecia tão cansado quanto ela, pensou. A tensão dos últimos dias, sem contar com a atividade extenuante dos dois na noite anterior, acrescentaram uma rede de linhas finas no canto dos olhos dele. Sulcos profundos marcavam sua boca, uma boca que Allie adorava beijar. Acima da gola da camisa azul, o queixo dele mostrava uma sombra escura. Apesar de ele estar sentado em um banco alto com uma graça preguiçosa, com uma das botas apoiada, ela podia ver as linhas rígidas de seus ombros. Afastando a cadeira, ela revirou o pescoço para amenizar a dor e foi para o lado de Rafe. — Cansado? — ela perguntou suavemente, sobre o burburinho da conversa calorosa em torno da mesa. Ele deu de ombros. — Um pouco. Acredito que não tanto quanto você. Venha, vire. Ele começou a massagear seu pescoço e os ombros. O trabalho de seus dedos funcionava como mágica para Allie. Lentamente, ela livrou-se do cansaço como uma pele descartável. Isso era bom, ela pensou, em uma vagarosa onda de prazer. Muito bom. Ela sequer precisava desejar que ele a tocasse. Quando ela virou para olhar para ele, seus olhos estavam iluminados por promessa. — Foi maravilhoso. Vou retribuir o favor quando voltarmos para a cabana. Ainda tenho uma boa quantidade do creme milagroso. Rafe curvou a boca em um sorriso torto. — Acho que não precisarei de milagres esta noite. — Eu não teria certeza, rapaz. Lembre-se, sou uma modelo profissional. Posso ficar em uma mesma posição por horas. O zumbido do telefone portátil interrompeu o riso de Rafe. Dom retirou o fone do gancho, claramente perturbado com a interrupção. — O quê? — ele berrou. — Sim, está certo. Desligando, ele lançou um olhar não amigável para Rafe. — Tem um fax chegando para você na recepção. De Nova York. A recepcionista disse que está escrito Atenção Imediata. A tensão que Rafe esquecera naqueles pequenos momentos com Allie apertou seu pescoço como uma prensa. Ele sentiu um frio na barriga quando ela virou, com os olhos arregalados. — Nova York? Ele balançou a cabeça. — Eu fiz uma ligação hoje cedo. Deve ser a resposta. — É melhor você correr. Rafe hesitou, não querendo deixá-la sozinha, mesmo pelos curtos momentos que levaria para cruzar o jardim até o prédio principal. Franzindo a testa, ele olhou para o grupo reunido em torno da mesa. — Quanto tempo mais vocês ficarão aqui? — ele perguntou a Avendez. — Se você parar de pegar Allie e deixá-la voltar para o trabalho, podemos terminar em meia hora ou menos. — Vá pegar o fax, Rafe — Allie estava ansiosa. — Ficarei aqui. — Você está com o bipe? Ela bateu na perna, balançando a cabeça.

— Já volto. Rafe correu pelo jardim. Passando pelo porteiro sonolento, ele se encaminhou para a recepção. A recepcionista o saudou com um sorriso, então levantou os ombros, quando ele pediu o fax. — Desculpe, Sr. Stone. A máquina comeu a folha. Eu liguei para o emissor e pedi que retransmitisse. Deve chegar em alguns minutos. Rafe blasfemou e praguejou ao informar à recepcionista que o sistema de fax do Rancho Tremayo era tão eficiente quanto o de mensagens de voz. Ele pegou um copo de café destinado aos hóspedes que chegavam tarde, soprando o vapor enquanto tentava se acalmar. Sua impaciência aumentava a cada minuto, assim como sua inquietação. O detetive devia ter descoberto algo muito importante no Centro Nacional de Informações sobre Crimes para enviar um fax a essa hora. Ele verificou o relógio, notando que passava das duas da manhã em Nova York. E uns quinze minutos desde que a recepcionista ligara. — Que tal verificar este fax? Ela olhou para cima, com um sorriso apaziguador. — Não ouvi a máquina na sala dos fundos apitar. — Verifique — ele resmungou. — Sim, senhor. Rafe nunca chegou a ver o fax. Ele ainda estava esperando quando o bipe em seu bolso soou um alarme constante.

Capítulo 13 Mais tarde, Allie se lembraria da seqüência de eventos daquela noite como um sonho em câmera lenta, como um filme antigo reproduzido várias vezes na velocidade errada. Tudo aconteceu muito rápido, mas ao mesmo tempo pareceu ter durado dez vidas. Em um momento, ela estava friccionando a testa para amenizar a tensão deixada pela dor de cabeça causada pelo cheiro de fluido de revelação e pelo marcador. Depois, Dom estava reunindo as folhas de contato e as colocando em uma pasta. Enfiando a pasta em um armário, ele parou. Os demais olharam para ele, surpresos. — Não vamos trabalhar na programação de amanhã? — perguntou o diretor de arte. — Hoje à noite, não — disse ele, bruscamente. — Estamos todos muito cansados. Faremos isso amanhã de manhã. Vamos, vamos levar nossa estrela para sua cabana e ver se encontramos seu cão de guarda no caminho. Allie se levantou e se esticou, sentindo uma prostração sensual percorrê-la diante do pensamento de localizar Rafe e se trancar na cabana com ele. Ela o teria ao seu lado por toda a noite. Se eles terminassem o ensaio amanhã e o fax de Nova York resolvesse o mistério das ligações, talvez ela o tivesse por todas as noites. Longe de Dom, longe da equipe e do estresse das últimas semanas, eles teriam tempo para explorar um ao outro. De reescrever o resto de suas preciosas regras. Antecipadamente cansada, Allie seguiu Dom e os demais até a porta. Ela procurou o interruptor quando saiu, com a intenção de apagar as luzes. — Pode deixar — disse Dom. — Vou voltar. — Pensei que você tivesse dito que estamos todos muito cansados. — Sim, bem, alguns de nós estão cansados. Vamos, menina, vamos para a sua prisão. — Ele começou a passar o braço em volta do pescoço dela, então se policiou. — Acho que terei que me lembrar de não fazer isso. Seu amigo parece não gostar.

Allie sentiu o desafio por trás do escárnio dele, bem como uma necessidade de reafirmação. Pegando o braço dele, ela o empurrou. Xola virou e olhou para eles curiosamente, com o rosto como uma máscara indecifrável sob a luz fraca das lanternas do jardim. — Rafe acha que é impossível um homem ser amigo de uma mulher que deseja — disse Allie, calmamente. — Eu... eu acho que o mesmo acontece com relação às mulheres. O fotógrafo fez uma careta. — Você não tem que me dizer que o deseja. Eu sou aquele que fica do outro lado do visor, lembra? Vi cada olhar ansioso que você lançou na direção dele. Allie sorriu e puxou um pedaço dos cabelos negros dele. — Vai além de desejo, Dom. Pelo menos de minha parte. Acho... tenho quase certeza de que o amo. Ele não respondeu por alguns segundos. Allie pensou ter captado uma vacilação de dor, rapidamente ocultada, mas ela sabia que não havia nada a fazer além de ser honesta com ele... e ser sua amiga. — Você já pensou que estava apaixonada antes, Allie. Pelo que me lembro, você estava com tudo pronto para que eu a fotografasse e lhe desse um porta-retrato de casamento. — Eu sei. — Ela caiu na velha explicação para todas as coisas que não podem ser explicadas. — É diferente. — Tem certeza? — Sim. Os ombros de Dom despencaram, depois ergueram-se em desdém. — Diabos. Creio que terei que fazer outro porta-retrato para você dar a seu noivo de presente. Ela sorriu, diante da expressão cuidadosamente insatisfeita dele. — Espero que sim. Ele hesitou, então respondeu ao sorriso dela com outro sorriso. — Não consigo pensar em nada mais perfeito do que a foto que escolhemos hoje para o anúncio da Cosmo. — Oh, Dom — Allie suspirou. — Aquela foto seria perfeita! Algo do Novo México. Do tempo que passamos juntos aqui. — Deus, não fique toda entusiasmada, toda guinchando e dando uma de super modelo comigo — disse ele, rudemente. — Deixe-me pegar a folha de contatos. Você pode mostrar ao sem-graça por quem tem quase certeza de que se apaixonou e me dizer se ele gosta dela. Ela começou a balançar a cabeça, então captou o olhar de Xola. Por um momento descuidado, foi possível ver um desejo explícito na expressão da mulher. Allie pegou o braço de Dom quando ele virou na direção da unidade de processamento. — Espere. Eu pego. É melhor você explicar a Xola o que estou fazendo. Não quero que ela pense que estou fazendo bagunça com os acessórios que ela reuniu para amanhã. Dando um suave empurrão em Dom na direção da produtora, Allie caminhou de volta para a unidade. Ela entrou e deixou que a porta batesse atrás dela, enquanto caminhava até a mesa. Puxando a pasta na qual veria as folhas de contato de Dom, ela as folheou. Como não encontrou a que queria, começou a folheá-las novamente. Demorou um certo tempo até que ela lembrasse que Dom a entregara a Jerry, para que ele a levasse à sala escura do centro de processamento para ser revelada. Ela estava a meio caminho da sala de revelação quando percebeu um pequeno feixe de luz sob a porta. Franzindo o cenho, ela olhou para a luz e parou, de repente. Lembrava-se de Jerry ter ido para a sala de revelação, mas não conseguia lembrar se ele saíra de lá e deixara o local com os demais. Recordando da suspeita de Rafe sobre o rapaz, Allie começou a recuar. Naquele momento, a porta foi aberta e Jerry saiu, esfregando as costas da mão no nariz. Ele fez um movimento brusco e, quando viu Allie, arregalou os olhos. Então, ele franziu o cenho e olhou para a sala vazia. — Onde estão todos?

— Decidimos terminar mais cedo — ela respondeu. — Eles estão aguardando do lado de fora. Ele sentiu as narinas em chamas e respirou rapidamente quando olhou para Allie. — Por que você está aqui? A intensidade repentina de seu olhar assustou Allie. — Eu, é, só voltei para pegar uma folha de contatos. Olhe, eu não sabia que você estava aqui. Quero dizer, esqueci que você estava trabalhando na sala de revelação. Não queria incomodá-lo. Allie sabia que estava tagarelando, mas o olhar de Jerry arrepiava os cabelos de sua nuca. Ela colocou a mão no bolso. Deu outro passo e sentiu as pernas baterem na mesa. — Eu pego a folha amanhã — ela disse. — Quando você não estiver ocupado. — Espere. Ao comando resmungado dele, ela olhou rapidamente para seu rosto. A voz dele era baixa, quase um sussurro. — Não, realmente. Estou cansada. Eu... O olhar de Jerry percorreu as prateleiras de suprimentos ao lado dele. Quando Allie caminhou ao redor da mesa na direção da porta, ele fez um movimento rápido com a mão e pegou uma garrafa de vidro com um líquido laranja. Era apenas o líquido que indicava o término da revelação, ela disse a si mesma, tentando não se apavorar. Ele precisava daquilo para processar as impressões. Apesar de seus maiores esforços para manter-se calma, sua mão tremia quando ela pegou na fechadura e tentou abrir a porta. Instantaneamente, ele estava ao seu lado, pressionando a porta com a palma da mão. Allie pulou para trás. Apertou o bipe em seu bolso no exato momento em que ele levantou a garrafa e tirou o boné. Um odor de produto químico corrosivo preencheu o ar, somando-se ao cheiro penetrante do medo que preenchia as sensações de Allie. Ela abriu a boca para gritar, então a fechou rapidamente quando ele levantou a garrafa de forma ameaçadora. — Não grite, Allison! — ele pediu, suavemente. Allison! Ele a chamara de Allison! Rafe estava certo, ela pensou, com a garganta bloqueada pelo medo. Ele estava certo. — Não chame os outros. Não quero machucar você mais do que preciso. Oh, Deus. Ela apertou o pulso contra o bipe com o máximo de força possível. Rafe! Por favor, Rafe! Corra! Passando a língua nos lábios, ela se afastou tanto quanto o pequeno local permitia. Uma coxa bateu no banco em que Rafe sentara anteriormente. Allie tateou por trás dela com a mão livre. Jamais deixando de pressionar o bipe. — Por que está fazendo isso? — Eu tenho que fazer. — Por que, Jerry? Pensei que fôssemos amigos. Pensei que você... gostasse de trabalhar comigo. — Eu gosto. Desculpe, Allison. Mantendo os olhos cravados no rosto dela, ele mexeu desajeitadamente no ferrolho da porta. Allie tentava freneticamente distraí-lo enquanto procurava agarrar o banco. Se conseguisse pegá-lo bem o bastante para sacudi-lo com uma das mãos, poderia desviar o corrosivo químico o suficiente para mantê-lo longe de seus olhos. — Por que, Jerry? Só me diga por quê! Rafe! Corra, por favor! A mão dele deixou o ferrolho da porta e arrastou-se nervosamente sobre seu lábio superior. — Você deve saber, Allison. Você é muito linda. Muito perfeita. Você...

Allie ouviu o som de passos correndo do lado de fora meio segundo antes de Jerry. Esse instante deu a ela o tempo necessário para jogar o banco. Ela o sacudiu com força, puxando a outra mão do bolso para proteger os olhos e o rosto quando se virasse. Ela ouviu um grunhido, seguido imediatamente de uma batida na porta aberta a chute. Mantendo os olhos protegidos, Allie se atirou na direção da porta. — Rafe! — ela gritou, atirando-se na figura sólida diante dela. — Saia! Ele tem produtos químicos. Ele... Mãos fortes a pegaram pelo braço e a jogaram para fora. Allie caiu com o rosto para cima, as mãos esparramadas, no mesmo momento em que Jerry berrava enfurecido. Ela sentiu dor nos pulsos arranhados, quando bateu na sujeira com as mãos. Atrás dela, Rafe gritava sobre a fúria e a raiva incoerentes de Jerry. — Largue isso, Philips! Largue a droga... Quando se jogou no chão, Allie ouviu um tiro. Ela ouviu um barulho estrondoso, como o som de um corpo se chocando contra as prateleiras de suprimentos. — Largue! — Rafe gritou novamente, um instante depois. Assim que Allie ajoelhou, outro tiro rompeu a noite. Momentos depois, o mundo explodiu. Quando um lote de produtos químicos pegou fogo, uma luz branca capaz de cegar começou a irradiar da unidade de processamento. A força da explosão jogou Allie para trás. Ela cambaleou um pouco, depois lutou para equilibrar-se. — Rafe! — berrou Allie. — Oh, meu Deus, Rafe! — Que diabos...! Dom passou um braço em torno da cintura dela, puxando-a antes que ela desse um passo na direção da porta. — Rafe está lá dentro! — ela berrou, agarrando o braço dele. — E Jerry! Allie cravou as unhas em Dom. E seus pés o atingiram com chutes. Dom caiu e Allie se livrou dele. Ela passou o braço no rosto e correu para a unidade de processamento. Encontrou Rafe encolhido no chão com sangue escorrendo do talho em sua cabeça. Soluçando e respirando de forma entrecortada para obter ar, ela pegou o braço dele e o arrastou. Allie estava rodeada de chamas, que estalavam nas paredes e na mobília. Nas roupas dela e nas de Rafe. O ar estava tomado por um vapor tóxico, espesso. Fechando os olhos e a boca, Allie tentou não respirar, enquanto tropeçava na direção da porta aberta, levando Rafe. Seu rosto, suas mãos e sua garganta foram chamuscados pelo calor. As chamas brancas a cegavam. De repente, outra silhueta apareceu a seu lado. Dom agarrou as pernas de Rafe e puxou. Momentos depois, os três caíram para fora da porta, com braços e pernas embolados. Allie ouviu sons ao longe. Ela sentiu vagamente mãos arrastando-a e ajudando-a a se levantar. Mais figuras se curvaram para pegar Rafe e afastá-lo das chamas, que agora saíam pela porta. Allie agarrou o colete dele e puxou com toda a força. — Dom! — a voz de Xola estava estridente de pânico, quando ela puxou o braço do fotógrafo. — Levante! Essa coisa pode explodir pelos ares a qualquer momento. — Jerry está lá dentro! — Allie engasgou, quando o grupo começou a correr. — Temos que... De repente, toda a unidade de processamento foi levantada do chão. Um estrondo enorme rompeu a noite. Allie caiu sobre o corpo de Rafe, protegendo-o com seu próprio corpo. Rafe se moveu lentamente na escuridão ao seu redor. Os sons invadiam a neblina impenetrável. Uma sirene soou em algum lugar acima de sua cabeça. Metais chocalhavam. Tons de vozes subiam e desciam, uma masculina e desconhecida, a outra profundamente rouca. Ele franziu o cenho, tentando identificar os falantes e a vibração sob ele. Sentiu dor com o ligeiro movimento de sua sobrancelha. Centelhas brancas iluminaram a escuridão com um brilho incandescente e angustiante. Em meio à dor, ele sentiu uma necessidade única. Tinha que identificar quem estava falando. Tinha que saber se era Allie grunhindo com uma voz tão rouca. Lutando contra um gemido de agonia, ele forçou seus cílios para

cima, primeiro os da direita, depois os da esquerda. Antes de a luz cegante parar de rodar em frente aos seus olhos, seu queixo foi tocado por dedos. — Rafe, você pode me ver? Ele olhou de esguelha, em uma tentativa de interromper as acrobacias das luzes. — Allie? — Estou aqui, querido. Estou aqui. Se Rafe não tivesse visto rapidamente com os olhos cerrados uns cabelos avermelhados, teria pensado que a voz profundamente rouca fosse de Xola. Ele forçou a abertura dos olhos para ver se poderia ser realmente Allie falando daquele jeito. Por uma fração de segundos, ele não tinha certeza. A mulher que se inclinava sobre ele tinha cabelos bem avermelhados, mas ele caía desnivelado e suas pontas encaracolavam em cachos pretos. Seus olhos castanhos injetados pareciam dois buracos brancos enormes em um rosto chamuscado. A maior parte da sobrancelha direita dela tinha sido queimada e algo que ele imediatamente reconheceu como sangue pingava de sua bochecha. Rafe foi tomado por pânico. Ele se moveu bruscamente, ignorando a espetada forte do tubo de soro. A mão dele pegou o antebraço dela, aproximando-a. — Você está bem? — Estou bem. — Ela retirou o cabelo da testa dele. — Estamos preocupados com você. Jerry... Jerry atingiu você com a garrafa de vidro e jogou produtos químicos... Ela parou, engolindo em seco. Rafe recuperou os sentidos o bastante para compreender o significado das palavras trêmulas dela. Ele passou a língua por seus lábios rachados. — Acho que você terá que passar um pouco mais de tinta em mim para cobrir as cicatrizes e os machucados, como fizemos com os cavalos do carrossel. Allie fitou-o por alguns segundos, depois soluçou aliviada, e riu. — Terei que fazer isso em nós dois, apesar de achar que nem os produtos miraculosos da Cosméticos Fortune serão capazes de consertar isso tudo. Rafe retirou uma mecha de cabelo tostado que estava entre seu polegar e seu dedo indicador. Ele esboçou um pequeno sorriso, mas seus olhos ainda estavam muito sérios. — Você não precisa de reparos, querida. Você é a coisa mais linda que já vi na vida. Rafe passou seus dedos aquecidos na bochecha da Allie. Ela deu uma palmadinha neles com as costas das mãos. Naquele momento, sentiu-se mais linda do que nunca. Puxando um dos braços para equilibrar-se contra a parede da ambulância durante uma curva, ela agachou ao lado da maca de Rafe e sussurrou promessas de massagens longas e lentas, noites intermináveis passadas espalhando tinta e vários outros materiais nos dois, e nada de corridas matinais pelas próximas duas semanas, pelo menos.

Capítulo 14 Quando Rafe acordou pela segunda vez, o amanhecer penetrava pelas cortinas penduradas em um par de janelas altas. Piscando, ele passou a língua ao redor da boca seca. Seu primeiro pensamento foi para Allie. Ela estivera com ele na noite anterior. Por um momento. Até que um médico vestido de verde a expulsara, dizendo que ela precisava tanto de repouso e recuperação quanto o paciente. Conforme a mente de Rafe foi clareando, imagens vividas dos eventos que levaram à aparição do médico começaram a surgir. Ele se lembrou de sua pancada no jardim, de um olhar rápido no rosto aterrorizado de Allie quando ele abriu a porta e de quando ela se jogou em cima dele. Seus músculos ficaram tensos, quando ele se lembrou de tê-la salvo e depois voltado para encarar o homem que a ameaçara.

Naquele momento, tudo se perdeu. Ele lembrava de um spray de líquido laranja arremessado em sua direção. De uma sensação de queimação em seu pescoço, no antebraço e no rosto. Dos olhos lacrimejando por causa dos vapores tóxicos. De um grito de alerta, quando Philips estraçalhou a garrafa na beira da mesa e foi na direção dele com um caco de vidro. Como Rafe pretendia, o primeiro tiro pegou o ombro do estagiário. Ele se desequilibrou para trás, caindo contra umas prateleiras, depois se projetou para frente de novo. O segundo tiro deveria ter pego o braço levantado dele. Rafe teve certeza de ter ouvido o ruído horroroso de dilaceramento de osso no mesmo instante em que a bala perfurou o armário atrás de Philips e incendiou os produtos químicos. Ele só conseguia lembrar de fragmentos, depois disso. Uma viagem de ambulância. O rosto sujo de Allie sorrindo para ele. Rafe ficou parado, permitindo que o horror da noite retrocedesse, quando visões de Allie preencheram seus pensamentos. Mesmo enfarruscada e chamuscada, ela se exaltava com uma beleza interior que fazia Rafe padecer. Aos poucos, os sons do hospital começaram a invadir sua consciência. Um carrinho rangia ao longo do corredor. Duas pessoas caminhavam, falando baixo. Rafe notou que o local era agitado. Era hora de se recompor antes que Allie chegasse. Ele se levantou um pouco, fazendo uma careta para o vago latejamento de sua testa. O vento frio no bumbum o agitou mais do que qualquer outra coisa. Enquanto Rafe deslizava suas nádegas nuas para fora da cama, concluíra que os roupões de hospital foram feitos para colocar os homens de pé e expulsá-los do local o mais rápido possível. Agarrando o tubo ligado ao seu braço, ele conseguiu chegar ao banheiro. Uma pequena pancada no interruptor confirmou o que Allie insinuara na noite anterior. Ele logo teria mais algumas cicatrizes para acrescentar à sua coleção. Os produtos químicos que Philips atirara contra ele queimaram algumas partes de seu pescoço e de seu peito. Levantando uma ponta do curativo da testa, Rafe fez uma careta ao ver o corte deixado pelo caco de vidro. Começava bem no canto superior esquerdo da testa, cortava até a sobrancelha e fazia uma curva para a bochecha. Alguém havia suturado. Com muito capricho. Rafe colocou o curativo no lugar e abriu a torneira. Conforme jogava água nas partes de seu rosto que não estavam cobertas por curativo, notou que suas novas ornamentações não o preocupavam. O item mais prioritário em sua agenda agora era conseguir um pijama decente e uma escova de dentes com uma enfermeira para que pudesse beijar Allie quando ela chegasse. Ela chegou quando Rafe estava colocando o pijama com o auxílio da enfermeira. Ele sentiu outra rajada de vento frio em suas costas nuas e levantou o short do pijama até os quadris. Desequilibrado com o nó do cordão, ele virou. Quando viu Allie, ficou gelado. A mulher que o levara para o hospital não era a mesma que se inclinara sobre ele na ambulância. Ela cortara os cabelos em um corte mais curto. Suas bochechas estavam coradas por um blush de cor delicada. Aquela boca carnuda e sensual que dera prazer a Rafe de formas que ele nem ousava lembrar com a enfermeira tão perto estava coberta por um batom acobreado. — Venha, deixe-me ajudá-lo. Ela acotovelou levemente a simpática enfermeira e segurou o cordão do short. Ele olhou para baixo, para o topo da cabeça recém-tosada dela, enquanto os dedos habilidosos de Allie pegavam o cordão e o amarravam em um nó elaborado. — Eu já mencionei antes que acho que você tem o bumbum lindo? — perguntou Allie suavemente, com a respiração morna e molhada contra o peito nu dele. A enfermeira riu e saiu do quarto ao observar que seu paciente estava em mãos competentes. Ela balançou a cabeça para o senhor bem apessoado, de cabelos brancos, que ficou impressionado e colocou as mãos atrás das costas, olhando discretamente para o teto. Rafe só registrava as reações deles de forma periférica. Todo o seu ser estava centrado na mulher diante dele. — Não — ele respondeu, sorrindo de forma assimétrica para ela. — Nunca. — Bem, eu acho. Que bom, já que essa será a única parte do seu corpo que poderei tocar por um bom tempo.

Rafe acariciou o queixo dela e puxou o rosto dela em sua direção. — Acho que seremos capazes de encontrar alguns centímetros quadrados ainda tocáveis. Todo o corpo de Allie se arrepiou com a necessidade de ficar na ponta dos pés e marcá-lo com a força de seu amor. — Mais tarde — ela prometeu, com um sussurro rouco. — Mais tarde encontraremos todos os locais tocáveis. Ele apertou mais os dedos no queixo dela, e o sobressalto de apetite nos olhos dele deu a entender que mais tarde seria cedo. Muito cedo. Escondendo um arrepio de antecipação urgente, ela se esquivou da mão dele e virou-se para apresentar o homem que esperava pacientemente na beira da cama do hospital. — Este é Sterling Foster, Rafe. O advogado principal da Cosméticos Fortune e um de nossos amigos mais confiáveis. Estava em Dallas quando liguei para minha família para contar sobre a explosão de ontem à noite e veio na frente dos outros. — Outros? Foster se aproximou, com a mão estendida. — A irmã de Allie está trazendo os pais de avião para Santa Fé, Sr. Stone. Eu estava mais perto e vim imediatamente. Rafe apertou a mão do homem. A pegada firme de Foster, assim como os ombros largos, sugeriam que ele era um homem que devia ter passado por algumas brigas tanto dentro quanto fora dos tribunais. Sua idade lhe caía tão bem quanto o terno bem cortado, pensou Rafe. — Allie me passou a maioria dos detalhes do que aconteceu — disse o advogado, calmamente. — Mas ainda há algumas perguntas sem resposta que me preocupam. — A mim também — respondeu Rafe. — Mas ainda estou meio tonto com o que ocorreu na noite passada. Seria melhor Allie me passar alguns detalhes também. Sentando-se na beirada da cama, ela deu uma passada nos eventos assustadores. — Descobriram o corpo de Jerry ontem à noite — ela concluiu, revirando as mãos no colo. — Os pais dele estão vindo para cá hoje. — Ele não deu nenhuma razão para o que fez? — perguntou Rafe, preocupado. — Nenhuma, a não ser dizer que eu era muito perfeita. — Ela estremeceu. — Muito... muito linda. Rafe combateu a repentina e homicida raiva que o acometeu. Mais tarde, ele poderia sentir um certo pesar pela morte do estagiário. Agora, porém, não podia perdoá-lo pelo terror e pelo perigo aos quais expôs Allie, ou pelas sombras que manchavam o olhar dela. — O que mais? — ele perguntou. Ela balançou a cabeça. — Nada. Ele só continuou dizendo que tinha que me machucar. — Talvez o fax explique... — Que fax? — perguntou o advogado. — Aqui, eu o tenho em minha bolsa. Allie pegou uma folha dobrada e deu para Rafe. Ele deu uma olhada no cabeçalho e franziu o cenho. — Duas apreensões por droga, uma como menor por vender e a última por portar. Fico surpreso pela administração da universidade ter permitido que ele continuasse estudando depois dessa última. — Talvez eles não soubessem — sugeriu Allie, hesitante. — Em alguns estados, é fácil apagar registros. Rafe queria desesperadamente apagar os últimos traços de medo do rosto dela. Mas todos os seus instintos diziam a ele que havia mais por trás das ligações de Philips do que uma obsessão doentia. Apertando a folha de fax, ele encarou os olhos azuis de Sterling Foster. — Algo não está certo. — Você me permite?

O advogado pegou a folha amarrotada. Seu rosto liso permaneceu impassível quando ele analisou as informações esboçadas do fax. — Minha tia Rebecca contratou um investigador particular para analisar o acidente que matou Kate — falou Allie, lentamente. — Ele ampliou a investigação para incluir a explosão do laboratório. Entre os contatos dele e os seus, talvez consigamos descobrir o que motivou Jerry Philips. — Descobriremos, querida. — A promessa de Rafe era segura e taxativa. — Descobriremos. Foster apertou os olhos por um momento, então dobrou o fax e o colocou no bolso. — Se vocês me dão licença, farei algumas ligações. — Ele estendeu a mão mais uma vez. — Você ouvirá isso mais algumas vezes nos próximos dias, certamente, mas deixe-me dizer primeiro: Obrigado. Rafe olhou para Allie. — Sou eu quem devo agradecer. — Isso fará certas pessoas extremamente felizes — murmurou o advogado obscuramente, ao virar para sair. Rafe se reuniria depois com Foster e Jake Fortune para decidirem para onde iriam depois dali. Agora, sua principal preocupação era Allie. Movido por uma necessidade de tirar as sombras do olhar dela de uma vez por todas, ele aproximou o rosto dela do dele. — Sabe — ele contemplou-a —, Philips estava errado. Você é linda, mas não é perfeita. Não depois de um longo ensaio. Ela piscou surpresa. — É isso? — Sinto que sim. Ela arqueou uma das sobrancelhas. — Você poderia esclarecer essas áreas em que sou deficiente? Só para referência futura, sabe? Rafe roçou o polegar naquela boca maquiada. — Bem, você tem a tendência a reescrever regras quando elas são inconvenientes para você. — Verdade. — Você pode ser cabeça-dura com relação a algumas coisas, como deixar uma cama perfeitamente boa para correr ao amanhecer. — Creio que eu possa ser um pouco mais flexível com relação ao meu cronograma — ela admitiu de má vontade, passando a língua no polegar dele. — Não há razão para abandonar uma cama perfeitamente boa... se houver uma razão para isso. Ele sorriu para ela. — Eu poderia dar-lhe uma razão. O coração de Allie acelerou. Ela esperou, desejando que ele dissesse as palavras que já dizia com os olhos, que ela sentia pelo toque de seu polegar. — Amo você, Allie. Seriamente. O sorriso dela se desdobrou em um suspiro de felicidade. Envolvendo os braços na cintura nua dele, ela ficou na ponta dos pés. — Amo você também, querido. Amo você muito seriamente. Ela fechou os olhos, saboreando o beijo. Foi suave, por causa dos machucados dele, e caloroso, e tão maravilhoso que Allie podia ter se perdido no toque dele para o resto da vida. Infelizmente, uma voz raivosa ecoou do lado de fora momentos depois. — Não, droga, não voltarei em horário de visita. Tenho que trabalhar. Logo depois, a porta bateu contra a parede e Dom entrou. Sua careca estava incandescente, devido à luz fluorescente do local. Assim como Allie, ele perdera cabelo e sobrancelha nas chamas. Diferente de Allie, ele não pintara a sobrancelha.

Xola o seguia a um passo mais vagaroso, sorrindo uma saudação quando o fotógrafo soltou, exasperado: — A que horas esse pessoal levanta? São mais de dez horas, pelo horário de Nova York. Você está bem, Stone? — Estou quase — Rafe se levantou e estendeu a mão. —Allie me disse que você ajudou-a a me arrastar do centro de processamento ontem à noite. Obrigado. Os olhos cinza fitaram os azuis e Dom apertou a mão estendida com firmeza. — Sim, bem, de nada. Estou sentido porque a foto de Allie que eu ia dar para você de presente de casamento em um porta-retrato se foi com as chamas. Rafe fitou Allie por cima da careca brilhante de Dom. — Presente de casamento? Ela sorriu. — Presente de casamento. — Vocês podem conversar sobre isso mais tarde — exclamou Dom, impaciente. — Agora, Allie precisa voltar a trabalhar. Tenho cópia de tudo, menos da seqüência de ontem do museu. Se corrermos, poderemos refazê-la hoje. Um pouco de luz criativa e ninguém notará que ela foi chamuscada. Vamos, Allie, vamos. — Espere, Avendez. Dom virou. — O quê? — Preciso acertar umas coisas com Allie antes de ela sair para qualquer lugar. O fotógrafo passou a mão sobre seu crânio brilhante. — Ah, por Deus! Você ainda está bancando o cão de guarda? Seu trabalho terminou, não? — Ainda não — falou Rafe arrastadamente, com os olhos no rosto de Allie. — Não? — ela perguntou, sem ar. — Não, querida — ele respondeu, acariciando sua bochecha. — Só está começando. Com um riso farto e aveludado, Xola passou o braço em torno do pescoço de Dom. — Por que não esperamos lá fora? Creio que eles querem ficar sozinhos. O fotógrafo lançou um olhar sobressaltado a ela. Por uma vez ele ficou calado e saiu do quarto. — Sobre esse negócio de me proteger...? — ela falou, depois que a porta foi fechada. — Pensei que tivéssemos estabelecido algumas regras de base — explicou Rafe, sorrindo para ela de forma que a fez se derreter. — Algo me diz que esse emprego vai durar para sempre.

Epílogo — Droga, Sterling! Não gosto da idéia de estar morta! O rosto do advogado foi preenchido por um sorriso cansado. Ele passara a noite toda em um avião para voltar para Minneapolis, depois de deixar Allie e seu guarda-costas, ciente de que sua parceira desejaria ter um relatório em primeira mão. Ele a observava agora, enquanto ela caminhava pelo apartamento que ele alugara para ela usando um nome falso, notando o rubor de raiva que tomava conta de suas maçãs do rosto salientes e do tremor delicado de seu nariz adunco. Qualquer filho ou neto de Kate Fortune reconheceria os sinais de perigo imediatamente e manteria uma distância razoável. Para Sterling, que era seu amigo há mais tempo do que seu advogado, a vitalidade que irradiava daquele corpo esbelto era tão fascinante quanto já fora alarmante. Ela virou novamente na sala, ignorando a vista panorâmica para os lagos azuis reluzentes dispostos entre a vegetação de Minneapolis em pleno verão. A bengala que utilizava desde que seu avião caíra na floresta amazônica batia contra o chão de madeira.

— Posso lembrá-la de que toda essa charada foi idéia sua? — ele argumentou, moderadamente. Ela balançou a mão, impaciente. — Eu sei, eu sei. Inicialmente, Foster se opusera à idéia. Aliás, ele também se opusera à idéia de Kate pilotar seu jato até a América do Sul, onde foi em busca de espécies recentemente descobertas de aloe que forneceriam o ingrediente "miraculoso" para sua nova linha de cosméticos. Mas Kate não era mulher de ser interrompida por ninguém. Quando a carcaça queimada de seu avião foi encontrada no fundo da floresta amazônica, ele ficou tão abalado quanto qualquer um dos Fortune. Ele não era um homem dado a emoções, mas aquelas noites longas e sombrias depois do enterro de Kate foram as mais tristes de sua vida. Ainda não tinha se recuperado por completo do vazio causado pela morte dela em seu coração quando a bendita mulher bateu à sua porta e entrou tão audaz quanto possível, quase causando um enfarte nele! Indomável como sempre, Kate lutara contra o agressor que estava escondido em seu avião. A contenda fez com que a aeronave tombasse na cobertura da floresta. Kate fora arremessada para fora momentos antes de o avião explodir em uma bola de fogo. Nativos a levaram para sua aldeia distante e cuidaram dela, que logo se recuperou dos vários machucados que obtivera. Então, ela voltou para Minneapolis e para o homem no qual confiava. Sterling não estava exatamente pronto para admitir nem mesmo para si mesmo que começava a desejar mais do que confiança daquela mulher surpreendente. Conhecia Kate há quatro décadas, como cliente e como amiga. A idéia de alterar aquela relação confortável e bem estabelecida o deixara quase tão nervoso quanto a determinação absoluta de Kate de eliminar a pessoa que contratara seu agressor. Foi idéia dela permanecer como morta, e agora a mulher vibrante e independente fora pega em sua própria armadilha. — Eu devia ter ido para o Novo México — ela murmurou, irritada. — Preciso ver com meus próprios olhos que Allie está bem. — Ela está bem. — Também quero conhecer este Rafe Stone. — Ele é um bom homem. Um homem forte, pelo que pude notar durante o breve espaço de tempo em que estive com ele. — É bom que seja — respondeu Kate, atenuando seus traços aristocratas. — Afinal de contas, Allie é minha neta. Foster hesitou, relutando em sobrecarregar ainda mais a cliente. — Stone não está satisfeito com as respostas por trás da fixação de Jerry Philips por Allie — disse ele, lentamente. — Ele disse... Kate lançou um olhar penetrante para ele. — Disse o quê? — Disse que algo está errado. Sua respiração rápida e ofegante quebrava o silêncio. Segurando a ponta da bengala com as duas mãos, ela o fitou. — Sterling... Ela engoliu em seco e se forçou a traduzir em palavras a suspeita horrenda que ele via se formando em seus olhos. — E se todos os contratempos que a Cosméticos Fortune vem tendo ultimamente estiverem relacionados? E se não forem eventos isolados? Lentamente, deliberadamente, ela relembrou a cadeia de reveses que atingiu sua família. — Ainda não sabemos quem contratou o homem que tentou me matar. E por que o Serviço de Imigração causou tanto problema a Nick e Caroline recentemente? E então teve o incêndio no laboratório, e agora, este ataque a

Allie. — Ela apertou ainda mais a bengala, até os nós de seus dedos ficarem brancos. — E se houver uma pessoa por trás disso tudo? Apesar de a mesma suspeita começar a envolver seu pensamento, o advogado existente em Sterling foi levado a protestar. — Não temos provas, nada concreto que ligue estes eventos. Kate ergueu o queixo. Apesar da bengala e das mechas de cabelos grisalhos na cabeça, ela parecia muito a jovem mulher de negócios que o contratara como primeiro advogado corporativo da Cosméticos Fortune. — Obteremos as provas — disse ela, com os olhos brilhando pela luz da batalha. — Se houver uma ligação, nós a encontraremos. Foster mal escondeu um gemido. Quando Kate sustentava aquele olhar em seu rosto, ela era imbatível. Ele supunha que os meses seguintes seriam empolgantes e altamente perigosos.

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