A construção da “cidade maravilhosa” e o silenciamento da favela1 Uma breve análise sobre o aspecto discursivo dos megaeventos no Rio de Janeiro Pedro Barreto Pereira2

Resumo: Através da análise de matérias jornalísticas, material cinematográfico e campanhas publicitárias, buscamos compreender de que maneira se constrói o conceito de identidade, no contexto contemporâneo do Rio de Janeiro, em tempos de megaeventos esportivos internacionais. De que forma se impõe e se dissemina o discurso que faz ressurgir a “cidade maravilhosa” e como se dá o processo de negociação com as vozes dissonantes a esse discurso. O papel das UPPs e das demais políticas públicas neste processo de construção identitária.

Palavras-chave: identidade, cidade, favela, Rio de Janeiro, UPPs.

Introdução “Cidade maravilhosa Cheia de encantos mil Cidade maravilhosa Coração do meu Brasil Berço do samba e de lindas canções Que vivem n'alma da gente És o altar dos nossos corações Que cantam alegremente”3

1 Trabalho apresentado no GT 6 Discurso e Poder do VII Congresso de Estudantes de Pós-Graduação em Comunicação, na categoria pós-graduação. UFRJ, Rio de Janeiro, 15 a 17 de outubro de 2014. 2

Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Escola de Comunicação (ECO-Pós) da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 3 “Cidade Maravilhosa”, marcha de carnaval composta por André Filho, em 1935.

A marchinha de carnaval composta em 1935 é executada até hoje, nos blocos, cordões e bailes carnavalescos do Rio de Janeiro. As belezas naturais, somadas à propalada hospitalidade, irreverência, bom humor e o gosto pelo samba, carnaval e futebol da população carioca, contribuíram sobremaneira para a construção identitária daquela que ficou conhecida mundialmente como “cidade maravilhosa”. Os anos 1950 ajudaram a consolidar esta identidade a partir da Bossa Nova - nascida em Copacabana, criada pelos jovens de classe média da zona sul Tom Jobim e Vinícius de Morais – o título mundial de futebol em 1958, o Cinema Novo e outros episódios que levaram o Brasil e o Rio de Janeiro a alcançar uma repercussão midiática em escala mundial. O otimismo convenceu ainda jornalistas, articulistas e escritores brasileiros, que não hesitaram em propagar em prosa e verso o ufanismo nacional: “O brasileiro deixava de ser um vira-lata entre os homens e o Brasil um viralata entre as nações. Não havia mais motivos para chorar o gol arrasador do uruguaio Ghiggia, oito anos antes, ou as duas polegadas da Marta Rocha. Café pequeno, xaveco. A taça do mundo era nossa, assim como a Marilyn Maxwell, atriz americana que veio pular o carnaval aqui e o Jorginho Guinle, crau, botou-lhe a bola no fundo da rede, marcando mais um golaço para as nossas cores. A palavra orgulho entrou na moda e, será coincidência?, foi justo aí que tudo passou a ser bárbaro. Era bárbaro, por exemplo, andar na pioneira escada rolante da Sears. Era bárbaro ser do mesmo país da Maria Ester Bueno, que no mês seguinte ao dos canarinhos foi campeã de duplas em Wimblendon.” (SANTOS, 1998: 15)

Seis décadas depois, o Rio de Janeiro parece estar novamente em evidência. A escolha da cidade para sediar a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 motivou uma série de intervenções urbanísticas, investimentos públicos e privados, além de um superaquecimento no setor de comércios e serviços, visando a atender os investidores e visitantes nacionais e estrangeiros. No setor público, nas três esferas governamentais, foram iniciadas diversas políticas públicas que atendem ao mesmo objetivo. A principal delas foi a criação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), que desarmou as quadrilhas de comerciantes varejistas de entorpecentes, outrora detentores de poder bélico nas 38 favelas agora ocupadas pela Polícia Militar, situadas naquele onde se habitou chamar “cinturão de segurança no entorno financeiro do Rio” (segundo o próprio secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, em entrevista ao jornal O Globo4), qual seja, zona sul, centro e parte da zona norte da cidade. Desde a instalação da primeira unidade, no Morro Santa Marta, o jornal O 4 COSTA, A.C., MAGALHÃES, L.E. Lista das comunidades: Prefeito desautoriza representante da Prefeitura que divulgou cronograma de implantação das UPPs. O Globo Online Rio de Janeiro, 23 de março de 2010. Disponível em http://oglobo.globo.com/rio/mat/2010/03/25/prefeito-desautoriza-representante-da-prefeitura-quedivulgou-cronograma-deimplantacao-das-upps-916164513.asp

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Globo (assim como a maioria dos veículos da imprensa comercial) acompanhou com bastante entusiasmo todas essas novidades, publicando em suas páginas principais a nova rotina da cidade (Imagem 1). A alardeada “pacificação”5 serviu, entretanto, como justificativa irrevogável para uma série de violações a direitos civis e liberdades individuais dos moradores. No Morro Santa Marta, a “Cartilha de Abordagem Policial”, iniciativa do rapper Mc Fiell, explica aos moradores como se defenderem dos frequentes abusos cometidos por agentes da Polícia, como invasão de domicílios, intimidações e agressões. Devido à iniciativa, Fiell e sua esposa chegaram a ser agredidos e presos enquanto realizavam uma festa na comunidade. “Levei tapas na cara, socos e pontapés. Minha esposa pediu para me acompanhar e também foi jogada na caçamba e autuada”, afirmou. Em artigo publicado no sítio Viva Favela, Fiell disse que, ao ser conduzido pelos policiais ao “camburão”, chegou a ser “espancado” por “cerca de doze PMs”, que perguntavam: “cadê a sua cartilha agora?”6. Enquanto os tradicionais bailes funk estavam proibidos, o Santa Marta foi inundado por toda a sorte de festas organizadas por e para jovens de classe média, que passaram a acontecer periodicamente na favela. Hoje, são cada vez mais frequentes e notórios os casos de abusos policiais, torturas e até assassinatos cometidos por agentes do Estado. Os mais notórios deles foram os do pedreiro Amarildo de Souza, torturado e morto por policiais da UPP da Rocinha, e do dançarino Douglas da Silva, vulgo DG, assassinado com um tiro nas costas por agentes do Estado na favela do Tabajara, em Copacabana. Outra consequência das ocupações permanentes foi a chegada de grandes e médias empresas às favelas da zona sul. Com isso, os antigos comerciantes locais perderam espaço e, com a concorrência desigual, tiveram que fechar suas portas. Ademais, a maior sensação de segurança garantida pela presença armada do Estado nessas comunidades elevou exponencialmente o valor cobrado pelos imóveis dessas regiões e de seu entorno. O resultado tem sido a saída lenta e gradual de parte da população das favelas ocupadas. Com os novos e extorsivos valores cobrados pelos imóveis e serviços, está ocorrendo uma progressiva mudança no perfil dessas comunidades: entram os turistas e moradores da classe média, antigos residentes do

5 Termo utilizado pelas autoridades governamentais para definir o processo de ocupação policial nas favelas cariocas. 6

Polícia diz que rapper é contra UPP. O Globo. Rio de Janeiro, 24 de maio de 2010. Disponível em

http://oglobo.globo.com/rio/policia-diz-que-rapper-contra-upp-3003465

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“asfalto”7, e saem os antigos moradores, que, devido à falta de recursos financeiros para se manter nas favelas inflacionadas, partem em direção a bairros distantes de suas famílias, amigos, locais de trabalho e lazer, onde há uma notória e histórica carência de oferta de serviços de transporte, habitação, saúde, educação e saneamento. Até a chegada das Olimpíadas, não sei se estaremos aqui no morro Santa Marta. Hoje, mais do que nunca, temos um custo de vida muito caro. A nossa conta de luz chega com valores aleatórios. No mês passado eu paguei R$ 50, sem ninguém ficar em casa, pois trabalhamos o dia todo fora. Nesse paguei R$ 45. Tenho conhecimento de que alguns moradores estão pagando R$ 80, R$100. Cadê a tarifa social? Sutilmente, estão “higienizando” a favela, sem que a totalidade dos moradores perceba. A mídia pulveriza a mente do trabalhador com o slogan de favela modelo e que temos que agradecer ao santo Sérgio Cabral governador do Rio de Janeiro. [...] Toda essa transição beneficiou alguém: os enclaves fortificados dos ricos. Esses estão felizes da vida, com o aumento dos seus imóveis, de R$150 mil para R$ 300 mil e R$ 400 mil etc.8

Para além da elitização de algumas favelas cariocas9, outras mudanças também estão ocorrendo de forma a conformar a cidade aos megaeventos. Com a criação de corredores expressos de ônibus e a construção de equipamentos esportivos, milhares de moradores tiveram suas casas removidas, em troca de nenhuma ou desprezível contrapartida indenizatória. Leis de proteção ambiental também foram ignoradas para que tais intervenções pudessem ser levadas adiante. As comunidades Vila Autódromo, Vila Harmonia, Vila Recreio II e Restinga, entre outras, foram parcial ou totalmente removidas para dar lugar a obras de viabilização dos Jogos Olímpicos e da via por onde hoje transita o sistema BRT (Bus Rapid Transit, em inglês mesmo, quase como um escárnio com a população removida). O argumento para a remoção da Vila Autódromo, por exemplo, foi o de que a favela estaria localizada, segundo a Prefeitura do Rio, em uma área de proteção ambiental. Ademais, toda uma regulação do espaço público está em curso, de modo a atender aos padrões estéticos exigidos pelas entidades que organizam os megaeventos: Fifa (Federação Internacional de Futebol) e COI (Comitê Olímpico Internacional). O 7 Morador do “asfalto” tornou-se o outro do morador da favela, pela presença de calçamento asfáltico nos bairros residenciais socioeconomicamente mais favorecidos do que as favelas e regiões periféricas da cidade. Neste caso, a alteridade constituidora de direitos e legitimamente reconhecida. 8 Fiell. UPP e a Paz Armada: Vejo além da UPP. 27 de outubro de 2011. Disponível em http://vivafavela.com.br/node/3357 9 Das mais de mil favelas recenseadas pelo IBGE, em apenas 38 foram instaladas UPPs. A grande maioria está presente na zona sul da cidade, parte na zona norte (mais especificamente, no tradicional bairro da Tijuca) e Centro. Apenas duas foram criadas na zona oeste, onde há bairros como Santa Cruz, Campo Grande e Bangu, com populações estimadas entre 300 mil e 500 mil habitantes, e onde o poder é exercido pelas chamadas “milícias”, ou “polícia mineira”. Composta por agentes de Segurança Pública, esses grupos se impõem através do poderio bélico, praticando intimidações, achaques, torturas e assassinatos, e econômico, explorando o transporte alternativo, comércio de gás, tv a cabo, entre outros serviços.

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ideário de lei e ordem das classes média e alta cariocas, que levaram o atual prefeito Eduardo Paes à vitória, em 2008 – apoiado pela série de notícias “Ilegal e daí?”, do jornal O Globo, publicada no mesmo ano – legitima iniciativas como a retirada de vendedores ambulantes dos espaços públicos, a aplicação de multas a quem atirar dejetos nas ruas e calçadas, o já conhecido “choque de ordem”, a remoção de casas em favelas onde, supostamente há o risco de deslizamentos, o “recolhimento” compulsório de usuários de crack das ruas, entre outras iniciativas. Tal processo em curso pode ser definido como “gentrificação”. Para explicar o conceito, Paiva e Sodré (2004) recorrem a “Celebration”, um complexo residencial instalado em Orlando, na Flórida, pelas mãos do império Disney (Imagem 3). Nele, funciona a cidade dita perfeita, onde não há lugar para o erro, o atraso, as filas dos bancos, a sujeira nas ruas, o barulho. No entanto, um dos pré-requisitos é que nela impere a segurança máxima, como nas penitenciárias. “Como as grades não são aparentes, uma visita é recomendável, a título de curiosidade. É difícil ficar impassível diante de ruas tão lindamente demarcadas, um trânsito que flui normalmente, jardins impecáveis, todos com quintais e jardins, todos sem cerca. Os bares são decorados e bonitos, sem serem jamais palco das habituais confusões a que estão fadados os lugares onde muitas pessoas se encontram e bebem. Nas ruas, bancos sem filas (aliás, o único banco existente é o Suntrust Bank, da empresa Disney), repartições públicas que funcionam, praças quase vazias e limpíssimas, esquinas e ruas com meio-fio pintado, postes reluzentes, semáforos que nunca deixam de funcionar, mesmo o de pedestres” (ibd: p. 102)

Aqueles que se dispuserem a visitar a cidade precisam ser rápidos. “Celebration” está aberta à visitação. No entanto, “se por acaso o incauto ficar parado por mais tempo do que o necessário (‘necessário’ é, no caso, um conceito kafkiano manipulado por policiais) (...) será convidado a se retirar” (ibd). Nada escapa à vigilância das câmeras instaladas nas ruas durante as 24 horas do dia. No caso específico do Rio de Janeiro, o conceito de “gentrificação” pode ser traduzido como um imóvel posto à venda. Por este motivo, o poder público remove favelas para dar lugar aos equipamentos dos megaeventos ou as cercam para invisibilizá-las. Algo similar ocorreu durante a comemoração da Independência da Nigéria, em 1960, quando o governo murou a estrada que levava até o aeroporto, para que a princesa Alexandra, representante da rainha Elizabeth, não visse as favelas de Lagos (DAVIS, 2006). Afinal, uma nova versão da “cidade maravilhosa”, repaginada e gentrificada, está em gestação.

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1. Construção de identidades

A construção de identidades é realizada através do contraste com outra, ou seja, ela é, “antes de tudo, um exercício de enunciação de si; um esforço discursivo de dizerse, dizer o outro e dizer o mundo” (ELHAJJI, 2011: 6). Sua legitimação se dá sempre discursivamente, através de conceitos, que são formulados, disseminados e, assim, consolidados como uma construção social, quer dizer, “uma narração que se elabora dentro de determinados marcos conceituais” (PIASTRO, 2008: p. 25). Neste processo, os meios de comunicação exercem um papel fundamental. No cenário contemporâneo, com as tecnologias de comunicação e o encurtamento da relação espaço/tempo, tal processo intensificou-se: “É na mídia e através dela que os discursos identitários comunitários e étnicos (reivindicativos ou afirmativos) são formados e formatados, ensaiados e formulados; no afã de expressar as marcas e marcos simbólicos, subjetivos e existenciais, sociais e políticos das comunidades engajadas nos processos de luta pelo poder e negociações de posições e posicionamentos sociais que assegurem seus interesses e/ou garantam a sua continuidade enquanto projeto (social, histórico e político) e diferença (cultural, identitária e subjetiva).” (ELHAJJI, 2011: p.7)

Ao afirmar uma identidade, estamos, ao mesmo tempo, estabelecendo um contraste, construindo o seu “outro”, o que não significa, necessariamente, que reconheçamos seu direito e lugar de fala. Portanto, a construção de identidades pode atuar “tanto no sentido de aproximação dos povos distantes e ampliação da capacidade de aceitação do diferente e da diferença como, ao contrário, para reforçar e arraigar clichês e preconceitos” (ibd: p. 9).

1.1 Identidade nacional

Lindholm (2008) fala acerca das identidades nacionais, citando o exemplo da dança, que aparece como expressão utilizada pelas elites dominantes, de forma a fazer valer uma visão de mundo hegemônica. Na República Dominicana, o meringué é interpretado como uma forma tipicamente europeia de dança, identificada sobremaneira com os colonizadores espanhóis. “Ela foi então escolhida como a dança oficial devido ao apoio à política de ‘hispanidade’, que é a afirmação de que o que é autenticamente dominicano é a sua herança hispânica” (ibd: p.9). Já em “Etnicity, Inc.” (2009), John e Jean Comaroff mostram de que forma o conceito de identidade torna-se “economia identidade”, a partir da produção de mercadorias identitárias, tais como os símbolos 6

nacionais e culturais de um país. “A etnicidade está também se tornando mais corporativa, mais ‘commodityficada’, mais implicada do que já foi antes na vida econômica e cotidiana” (COMAROFF, 2009: 1). O autor cita o grupo étnico Shipibo, no Peru. As peças publicitárias que exploram o turismo na região incentivam os visitantes a aprenderem as técnicas de cerâmica, pesca e mesmo a “consultar os xamãs shipibo licenciados”, oficialmente autorizados a manipular receitas e produzir medicamentos naturais. “Mateo Arevalo, 43 anos, nasceu em uma família de curandeiros tradicionais, na comunidade Shipibo de San Francisco de Yarinacocha no Peru. Enquanto os antepassados de Arevalo colocaram [seu] conhecimento para uso local, geralmente o tratamento de seus vizinhos em uma base pro bono, Arevalo orgulha-se de aplicá-la a um público mais amplo... Ele agora lidera retiros elegantes em hotéis de selva para os estrangeiros, e abriga os alunos de shamanism em sua casa por três ou seis meses de cursos.” (id.)

No Brasil, já se tornou usual dizer que somos “o país do samba, carnaval e futebol”. Ao longo dos tempos fomos “vendidos” desta maneira no exterior para atrair turistas às nossas praias, onde os estrangeiros poderiam admirar mulheres em trajes de banho, beber caipirinha até à embriaguez total e assistir a um jogo no Maracanã, em um experimento antropológico único. A cachaça brasileira e a sandália de dedo, produtos outrora consumidos pela população sem muitos recursos financeiros e desprezados pelas elites, ganharam uma roupagem sofisticada e exportada para todo o mundo, onde são vendidos a peso de ouro. Na campanha publicitária da aguardente Ypióca, o astro estadunidense John Travolta interpreta um turista recém-chegado ao Rio de Janeiro. Para ambientar-se à cidade, passa a frequentar a praia, jogar futebol e, claro, provar uma dose de caipirinha feita com a aguardente da marca10. Nas peças publicitárias divulgadas em mídias impressas, foi criada uma nova identidade, que originou o verbo “brasilizar” (Imagem 2), utilizado pela marca da bebida, cuja dose já foi vendida a R$ 0,50 nos botequins brasileiros. Aos antigos símbolos nacionais, há tempos utilizados como sinônimo da identidade brasileira, foram incorporados outros, atualizados com os novos tempos. Tornou-se programa turístico obrigatório, por exemplo, uma visita à favela a bordo de jipes, tal qual em safáris africanos. E, uma vez na favela, o estrangeiro não deixa de apreciar uma iguaria típica dos trópicos. “O sacrifício não foi nada para o jornalista sueco Hakan Forsberg que ficou maravilhado com a paisagem e o sabor do simples ‘arroz com feijão, bife e

10 Vídeo disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Fx3tfokSsjE

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fritas’ que comeu. ‘A subida foi compensada pela bela paisagem e pela comida deliciosa’, disse enquanto saboreava o almoço.”11

2. Alteridade

Conforme visto anteriormente, as identidades podem servir tanto para aproximar, como para distanciar, segregar. O reconhecimento do direito e do lugar de fala do outro (aquele cuja identidade é antagônica a um determinado grupo) é o que costumamos chamar de “alteridade”. Em seu estudo acerca do papel do imigrante, Sayad (1998) observa as condições através das quais este é inserido, ou não, na sociedade. “De fato, o imigrante só existe na sociedade que assim o denomina a partir do momento em que atravessa suas fronteiras e pisa seu território; o imigrante ‘nasce’ nesse dia para a sociedade que assim o designa. Dessa forma, ela se arvora o direito de desconhecer tudo que antecede esse momento e esse nascimento. Esta é outra versão do etnocentrismo: só se conhece o que se tem interesse em conhecer, entende-se apenas o que se precisa entender, a necessidade cria o conhecimento; só se tem interesse intelectual por um objeto social com a condição de que esse interesse seja levado por outros interesses, com a condição de que encontra interesses de outra espécie.” (SAYAD, 1998: 16)

Desta forma, o imigrante será sempre um imigrante e apenas assim será reconhecido. Ainda que regresse a seu país de origem, ele será visto como um estranho. “O espaço do estrangeiro é um trem em marcha, um avião em pleno ar, a própria transição que inclui a parada. Pontos de referência, nada mais” (Kristeva, 1994: 15). No entanto, o estrangeiro pode ser aceito, ou tolerado, em uma única situação: “(...) um imigrante só tem razão de ser no modo do provisório e com a condição de que se conforme ao que se espera dele: ele só está aqui e só tem sua razão de ser pelo trabalho e no trabalho; porque se precisa dele, enquanto se precisa dele, para aquilo que se precisa dele e lá onde se precisa dele.” (SAYAD, 55: 1998)

2.1 O morador da favela

Citamos o imigrante para falar sobre alteridade, porém, em nosso trabalho, a comparação aos moradores das favelas cariocas não é exagerada. Tal qual o imigrante, ele é relegado a um segundo plano no espaço urbano, na conquista de direitos e liberdades, no acesso a políticas públicas e bens de consumo. Igualmente ao imigrante, 11 COSTA, A.C. Com pratos fartos e preços convidativos, bares de comunidades com UPP querem atrair turistas. O Globo Online. Rio de Janeiro, 9 de outubro de 2010.Disponível em http://oglobo.globo.com/rio/rioelegal/mat/2010/10/09/com-pratos-fartosprecos-convidativos-bares-de-comunidades-com-upp-querem-atrair-turistas-922756117.asp

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o morador de favelas e periferias apenas é tolerado na cidade enquanto trabalhador, de segunda a sexta, durante o expediente comercial e devidamente uniformizado e identificado. Aos sábados e domingos, ele deve retirar-se, deixar o bairro onde trabalha e manter-se em sua casa, a despeito das carências e dificuldades socioeconômicas e infraestruturais encontradas. Recentemente, podemos constatar episódios em que a diversão de moradores de favelas e periferias em locais frequentados pelas classes média e alta causou estranheza e pânico. Em São Paulo, os chamados “rolezinhos” de jovens moradores da zona leste em shoppings da capital paulistana geraram protestos e apelos por mais segurança12. No Rio, são frequentes os relatos de “arrastões” nas praias da zona sul, sempre que um grupo de três ou mais rapazes e moças negros caminham ou causam qualquer tipo de movimentação

estranha

aos

frequentadores

das

classes

média

e

alta.

O

favelado/imigrante, portanto, precisa trabalhar. No entanto, não é qualquer trabalho. “(...) esse trabalho que condiciona toda a existência do imigrante, não é qualquer trabalho, não se encontra em qualquer lugar; ele é o trabalho que o ‘mercado de trabalho para imigrantes’ lhe atribui e no lugar em que lhe é atribuído: trabalhos para imigrantes que requerem, pois, imigrantes; imigrantes para trabalhos que se tornam, dessa forma, trabalhos para imigrantes.” (SAYAD, 55: 1998)

O filme “5 x Pacificação” (BARCELLOS, FELHA, NOVAIS, VIDIGAL, 2012), é um documentário produzido por Carlos Diegues e dirigido por quatro jovens moradores de favelas, ocupadas ou não por UPPs. O filme busca apresentar, sob diversos pontos de vista (morador da favela, policial, comerciante varejista de entorpecentes e morador do “asfalto”), as comunidades “pacificadas”. O objetivo do produtor foi mostrar, a partir da perspectiva dos moradores, o processo de ocupação policial nas favelas cariocas (em grande parte do tempo, utilizando argumentos favoráveis e declarações de autoridades governamentais e da Segurança Pública). No trecho dedicado à inserção de ex-comerciantes varejistas de entorpecentes no mercado formal de trabalho, o documentário apresenta como alternativa o projeto “Empregabilidade”, da Organização Não-Governamental Afroreggae. A iniciativa atua em parceria com empresas de recursos humanos, que buscam oportunidades de trabalho para candidatos com este perfil. Entre os empregos oferecidos estão o de entregador,

12 Conheça a história dos 'rolezinhos' em São Paulo. Shoppings são contra aglomerações de jovens marcadas via redes sociais. Encontros ganharam repercussão na capital paulista em dezembro de 2013. Website G1. Publicado em 14/01/2014, às 13h30, atualizado em 14/01/2014, às 16h25. Disponível em http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2014/01/conheca-historia-dos-rolezinhosem-sao-paulo.html.

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motoboy, pedreiro, servente, auxiliar de construção, entre outros. Ao conseguir um trabalho como servente de pedreiro, o jovem Everton, de 19 anos, que diz já ter sido chefe de uma boca de fumo, se mostra feliz pela oportunidade de trabalhar com carteira assinada. “Graças a deus que deu tudo certo. O importante é trabalhar”13. Já o documentário “Santa Marta: duas semanas no morro” (COUTINHO, 1987), procura apresentar o cotidiano de moradores da favela, localizada na zona sul do Rio. Coutinho, que se caracterizou profissionalmente por enfocar uma determinada realidade sem julgamentos preconcebidos, estigmas ou categorizações, entrevista moradores sobre questões específicas daquela comunidade, como a carência de saneamento básico, precariedade de coleta de lixo, violência policial e confrontos armados, bem como questões comuns a qualquer cidadão brasileiro, como racismo, violência de gênero, trabalho e lazer. Durante uma entrevista com jovens moradores, sobre a preocupação com a colocação no mercado de trabalho, o cineasta conversa com Márcio Amaro de Oliveira, então com 17 anos, que admite suas frustrações em relação à futura carreira profissional, consciente das diferenças de oportunidades que separam moradores de favelas e periferias e jovens das classes média e alta. “O trabalho que eles querem dar para a gente é um trabalho que a gente não quer. Eles querem que a gente continue sendo gari, continue sendo o que a gente não quer ser. Eu gostaria de ser desenhista profissional. Posso não conseguir. Se não conseguir, é aquele lance, como sou pobre não vou ligar tanto”14.

O então jovem Márcio se tornaria conhecido, anos mais tarde, pelo apelido de “Marcinho VP”, temido distribuidor de cocaína do Rio, personagem do livro “Abusado”, (BARCELLOS, 2003), e que, aos 33 anos, morreria assassinado na prisão por traficantes rivais.

3. Silenciamento

Assim como Marcio foi silenciado, milhões de outros jovens o são diuturnamente. Não apenas através da violência armada ou de uma política de Segurança Pública que criminaliza o indivíduo enquadrado no perfil da “sujeição criminal” (MISSE, 2008), qual seja, o jovem pobre, negro e morador de favelas e periferias, em uma guerra sabidamente perdida contra o comércio de entorpecentes. O

13 Depoimento em “5 x Pacificação (Barcellos, Felha, Novais, Vidigal, 2012), em 50’22”. 14 Depoimento em “Santa Marta: duas semanas no morro” (Coutinho, 2987), entre 50’30” a 50’49”.

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silenciamento de vozes se dá também através do alijamento de uma grande parte da população, sem acesso a bens de consumo e políticas públicas, sem possibilidades de fazer valer seus legítimos direitos civis e de verbalizar suas carências e demandas sociais. “A violência, especialmente a violência extrema e espetacular, é um modo de produzir tais certezas e imobilizar o que chamei em outros textos de ‘apego total’ (1998a), especialmente quando as forças da incerteza social se aliam a outros medos sobre a crescente desigualdade, a perda de soberania nacional ou ameaças à segurança e à comunidade. Nesse sentido, um dos repetidos temas de meus próprios argumentos é que, para usar o brutal aforismo de Philip Gourevitch sobre Ruanda, ‘genocídio, afinal, é um exercício de construção de comunidades.’ (1998a: 95)” (APPADURAI, 2009, p. 17)

No caso específico do Rio de Janeiro, no contexto contemporâneo de megaeventos esportivos internacionais, as UPPs atuam de forma a transformar algumas poucas favelas, escolhidas entre os bairros mais ricos da cidade, em exemplos de segurança, serviços e oportunidades a investidores privados. Ainda em “5 x Pacificação”, o filme aborda a questão da “integração da favela com a cidade”, recorrendo à tese da “cidade partida” (VENTURA, 1998), já tão decantada e combatida. A integração apregoada é exemplificada através da entrevista de um dirigente do Banco Itaú, que fala da inauguração de uma agência bancária no Complexo do Alemão e de um jovem empresário que contribuiu para a migração de clientes de uma empresa da comunidade para outra de fora da favela. A entrevista é seguida de falas de comerciantes locais que tiveram seus rendimentos reduzidos após a ocupação policial pelas UPPs15. Se os primeiros esbanjam alegria e otimismo e são enquadrados à frente da bela paisagem da entrada da comunidade, os comerciantes locais estão ambientados em bares escuros e ermos, becos e vielas estreitas, ou em uma Kombi antiga e mal conservada, exibindo o rancor, a tristeza e o ressentimento presentes no olhar baixo e na voz embargada. Não obstante a perda do meio de sobrevivência de alguns dos moradores das favelas, a entrada do capital privado é vista com bons olhos pelo secretário de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, que deixa clara a ideia da cidade integrada a partir da lógica do capital privado, em que o Rio mergulhou nos últimos anos: “Não é só o Estado que tem que entrar lá, o cidadão também tem que entrar lá. Ele tem que começar a ver que ele pode entrar lá, transitar, abrir algum negócio, comer lá dentro, fazer alguma compra, enfim. A estratégia é

15 Depoimento em “5 x Pacificação (Barcellos, Felha, Novais, Vidigal, 2012), entre 1h24’57” e 1h25’17”.

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justamente misturar isso, que a sociedade se intere daquelas áreas, que a iniciativa privada invista naquelas áreas.”16

A integração desejada por Beltrame reserva ao morador das favelas um lugar de segunda ou terceira classe nas relações de trabalho da cidade, em que as remunerações oferecidas estão aquém das necessárias para a obtenção de bens e serviços de qualidade. Enquanto o morador do “asfalto” hoje pode subir a favela, investir em hotéis, pousadas e restaurantes, usufruir da bela paisagem e se divertir nos bailes e rodas de samba, o morador da favela deve contentar-se com um emprego de entregador, servente de obra, carpinteiro e pedreiro. A única ascensão possível a ele é a de traficante a gari, se tiver sorte. Se as oportunidades não são mesmo iguais, o pobre não tem sequer o direito de sonhar.

Considerações finais

Como vimos neste trabalho, está em curso no Rio de Janeiro, um projeto de cidade, com o objetivo de atender aos megaeventos esportivos internacionais, seus organizadores, patrocinadores, clientes e frequentadores. O intuito é transformar a cidade em uma commodity à venda para o capital privado, disponível a poucos. Um dos elementos fundamentais, mas não o único, neste processo são as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Instaladas estrategicamente em favelas da zona sul, centro e parte da zona norte da cidade, elas atendem a interesses particulares de uma pequena parte da população carioca. As ocupações policiais são, muitas vezes, condenáveis pela atuação de agentes de segurança pública que não respeitam os direitos civis de moradores e suas liberdades individuais, garantidos constitucionalmente. Ademais, a maior sensação de segurança nas favelas e no entorno está ocasionando a mudança do perfil nessas comunidades: antigos moradores e comerciantes estão deixando essas localidades para dar lugar a turistas, moradores de classe média e empresas de médio e grande porte. Com isso, em um pequeno trecho da cidade, mais visível às classes dominantes, imprensa comercial e turistas, voltamos a ostentar a alcunha de “cidade maravilhosa”. A identidade construída discursivamente através da grande mídia reforça os estereótipos de um povo alegre, hospitaleiro, bem humorado, apaixonado por samba, carnaval e futebol. Ainda segundo este discurso, nossas favelas agora são lugar de tranquilidade, onde se pode desfrutar de um típico prato de arroz, feijão, bife e batatas fritas, ouvir um 16 Depoimento em “5 x Pacificação (Barcellos, Felha, Novais, Vidigal, 2012), em 52’43”.

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bom samba e avistar as mais belas paisagens da cidade. No entanto, tal construção identitária, ao afirmar o ressurgimento de uma cidade aprazível, divertida e acolhedora, silencia, oculta e omite os dramas vivenciados na maior parte do mesmo espaço urbano, em que milhares de pessoas vivem aonde ainda são graves as históricas carências de saúde, educação, transporte, moradia, saneamento e segurança pública. Se no peito das classes média e alta e dos turistas estrangeiros bate compassadamente um coração “que canta alegremente”, como diz a canção de André Filho, ao peito dos moradores dos moradores das favelas cariocas está endereçada a bala de fuzil. Aos primeiros, a “cidade maravilhosa” oferece a possibilidade de usufruir de suas belezas, conforto e comodidade em bons hotéis, restaurantes, bares e casas noturnas, diversão e lazer, oportunidades de negócios, acesso a políticas públicas e bens e serviços em geral; aos moradores das favelas e periferias, estão destinadas políticas públicas e serviços deficientes, empregos mal remunerados e a repressão policial. Analisadas hoje, as palavras do jovem Márcio, em 1987, que gostaria de ter-se tornado um desenhista em vez de um “fora da lei”, dizem muito não só sobre o seu destino, como o de muitos outros jovens que um dia optaram por fazer parte do comércio varejista de entorpecentes, por representar o caminho mais rápido na direção das “aspirações sociais” (MERTON, 1970) que a sociedade capitalista apregoa. Se nela “todos querem ficar 25% mais ricos” (id.), o Estado policialesco instaurado encontrou uma maneira de alertar: contente-se com um emprego que você não quer ou morra na cadeia.

Referências bibliográficas APPADURAI, Arjun. O medo ao pequeno número: ensaio sobre a geografia da raiva. São Paulo: Iluminuras, 2009. BARCELLOS, Caco. Abusado: o dono do morro Dona Marta. Rio de Janeiro: Record, 2003. COMAROFF, John L. e Jean. Ethnicity, Inc. University of Chicago Press: Chicago, 2009. DAVIS, Mike. Planeta Favela. São Paulo, SP: Boitempo, 2006. ELHAJJI, Mohammed. Mapas subjetivos de um mundo em movimento: migrações, mídia étnica e identidades transnacionais. In: Revista de Economia Política de las

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Tecnologias de La Información y de La Comunicación. Vol. XIII, n.2, maio-agosto, 2011. GUIGNON, Charles. On being authentic: thinking in action. Routledge: London, 2004. KRISTEVA, Julia. Estrangeiros para nós mesmos. Rocco: Rio de Janeiro, 1994. LINDHOLM, Charles. Culture and authenticity. Oxford: Blackwell, 2008. MERTON, Robert. Estrutura social e anomia. In Sociologia: Teoria e Estrutura. São Paulo: Editora Mestre Jou, 1970. MISSE, Michel. Sobre a construção social do crime no Brasil: Esboços de uma interpretação. In Acusados e Acusadores: Estudos sobre ofensas, acusações e incriminações. Rio de Janeiro: Editora Revan/Faperj, 2008. PIASTRO, Julieta. Consideraciones epistemológicas y teóricas para una nueva comprensión de las identidades. In: Retos epistemológicos de las migraciones transnacionales. Antropos Ed: Barcelona, 2008. SANTOS, Joaquim Ferreira dos. Feliz 1958: o ano que não devia terminar. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Record, 1998. SAYAD, Abdelmalek. A Imigração: ou os paradoxos da alteridade. Edusp: São Paulo, SODRÉ, Muniz; PAIVA, Raquel. Cidade dos Artistas: Cartografia da televisão e da fama no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Mauad, 2004. VENTURA, Zuenir. Cidade Partida. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

Filmes 5 x Pacificação. Direção: Cadu Barcellos, Rodrigo Felha, Wagner Novais, Luciano Vidigal. Brasil, 2012. Duração: 96 minutos. Santa Marta: duas semanas no morro. Direção: Eduardo Coutinho. Brasil, 1987. Duração: 54 minutos.

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Anexos

Imagem 1: “Dona Marta livre dos bandidos”

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Imagem 2: “Vamos brasilizar”

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Imagem 3: “Celebration”

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