Nas Sombras de Jacarta Autor: Álvaro Botelho Capa: Roger Vieira Para mais contos acesse: http://fantasticapalavra.blogspot.com.br/sear ch/label/Contos Esta obra está licenciada sob a licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivados 3.0 Não Adaptada. Para ver uma cópia desta licença, visite http://creativecommons.org/licenses/by-ncnd/3.0/.

Alfredo Maior é um homem de cinquenta e poucos anos, um intelectual bem sucedido, mas o estresse e a solidão o fizeram dar uma pausa na rotina. As claras palavras do médico -“você vai morrer se não parar de trabalhar!”- foram a grande e assustadora motivação, assim, ele resolveu escutar o único amigo que o restara e conhecer Jacarta, a capital da Indonésia; nas palavras de seu amigo, um lugar de grande riqueza cultural, peculiarmente mágico. Deixando para trás seu cargo de professor de sociologia na universidade federal de pernambuco e as irritantes falas de seus alunos e orientandos, Alfredo tomou um avião enfrentou dez horas de voo turbulento. Aterrizou no aeroporto Internacional de Soekarno-Hatta com o céu noturno desabando em sua cabeça. Mas, a tempestade não poderia desanimá-lo, eram as primeiras férias em três anos, sua motivação inabalável continuava incólume, “dane-se esta tempestade, amanhã eu vou me divertir nem que seja tomando uma no bar do hotel”, falava para si mesmo, enquanto se encaminhava para o translado. Por sorte, o temporal se dissipou na madrugada e um sol grandiloquente invadiu as vidraças da suíte no hotel Mulia Senayan, “hora de explorar Jacarta!”, disse, como se sua única companhia não fosse a solidão que trouxe de Recife. E assim seguiu Alfredo, livre das responsabilidades intelectuais, mas embebecido da sua imaginação sociológica e seu ethos de intelectual. Visitou o Merdeka Square, depois passou pelo monumento nacional; lá, Alfredo refletiu como os elementos urbanos se constituíam símbolos de um espírito político de independência. Foi ao museu de história de Jacarta, soube detalhes do passado colonial e pensou como Indonésia e Brasil tinham similitudes. Já no final da manhã, foi até a mesquita de Istiqlal, por fim, se permitiu ao luxo de comer em um dos restaurantes caros do shopping Taman Anggrek. Contudo, foi o bairro velho que mais encantou o sociólogo, quase que não o visitara, mas, enquanto tomava um cafezinho pós-almoço, lembrou das palavras do seu único amigo, o antropólogo Renato. “Não se esqueça Alfredo, você tem que visitar o bairro velho, tem que estar lá no festival religioso do espírito Mak-ko” Parecia o destino, mas Alfredo achou uma incrível coincidência, chegou no desfile de abertura da festa. Haviam grandes bonecos de macacos erguidos, homens e mulheres seguravam velas coloridas, grossas e finas; todos estavam fantasiados com máscaras rústicas que lembravam macacos.

O crepúsculo engolia o entardecer, e, Alfredo começava a concordar com Renato, uma atmosfera mística tomava, sorrateira, o lugar. Uma multidão de populares acompanhava o cortejo, com o surgir das estrelas ressoaram tambores acompanhados de flautas, em poucos momentos, um coro de vozes partiu de sussurros ao canto forte e gutural. Um louvor sombrio, indecifrável à Alfredo, mesclava-se ao ritmo compassado e cardíaco das percussões. Os olhos do sociólogo brilhavam, “que riqueza cultural! O Renato tinha toda a razão isto é mágico, precisa ser estudado! Olhe só este encontro entre a modernidade e a tradição, todo o processo de redes associativas envolvidas na organização do festival, isso é incrível.”delirava em seus insights sociológicos. Mas, um puxão atrapalhou Alfredo e ao olhar a borda de sua calça marrom, viu uma criaturinha repugnante, um macaco mascarado com rosto de boneca e transvestido de criança pedindo esmola; a sua carne arrepiou e seus pés o levaram por instinto para longe do animal, Alfredo se viu no centro da multidão que o engolia sufocando-o com as máscaras toscas de símios e macacos. Ao sair da confusão, seus pulmões enxiam-se desesperados em busca de ar. Alfredo achou que tudo estava bem, mas, ao colocar as mãos nos bolsos as chaves do hotel e seu dinheiro já não estavam mais lá. “Maldição, maldição!”, gritou ao escorregar seus olhos entre as pessoas mascaradas e perceber que o macaco que o assustara balançava as chaves, enquanto outro, com um sorriso de um amarelo animalesco, segurava seu dinheiro. Alfredo rompeu a multidão de gente com urgência, o coração quase na boca, pés cambaleantes e joelhos rasgando de dor. O esforço foi inútil, os bizarros macacos riam e riam, enquanto as suas patas desapareciam em uma curva à esquerda, “Merda de Vida”, esbaforiu Alfredo. Ele seguiu as pegadinhas e viu-se nas sombras de um beco sem saída, seus pelos arrepiavam-se, seu nariz era invadido por espesso odor; aos poucos, a esperança se dissipava ritmada pela cadencia do tremor das suas pernas. Definhar sem documentos até o último suspiro, o único pensamento que ecoava na cabeça de Alfredo. Porém, quando os olhos do sociólogo se deram conta de um fosso de esgoto, a sorte pareceu mudar, as pegadas acabavam ao redor do buraco e como os macacos, Alfredo mergulhou naquele abismo fétido. Pareceu uma eternidade a queda, mas quando seus pés tocaram um pequeno córrego, houve uma mistura de nojo e alívio em seu coração.

Ele seguiu por uma galeria sinuosa, pisando em matéria fecal e desviando-se dos ratos e das baratas, por fim, descobriu que o nojento corredor acabava prematuramente, por pouco, não caíra de uma altura considerável. Seu corpo tremia forte, mas o terror testemunhado pelos seus olhos quase o fizera desmaiar. A galeria, julgava Alfredo, como todas as outras do bairro velho, tinha seu fim em uma extensa sala, na qual se encontrava no centro um fosso circular e profundo; lá, ao redor daquele abismo, centenas de macacos transvestidos de infantes seguravam tochas, gritavam e dançavam em frenesi terrível, seus olhos brilhavam verdes e seus dentes amarelados revelavam sádico prazer. Duas dúzias arrastavam homens e mulheres em estado catatônico, presos pelo pescoço por correntes enferrujadas; eles guiaram os moribundos até o fosso e lá os deixaram imóveis como estátuas vivas. Os gritos animalescos deram lugar ao silêncio surdo e os olhares cintilantes logo se dirigiram a uma das inúmeras galerias. Alfredo fitou a figura sinistra sair de um dos túneis sujos, era um outro macaco, mas não vestia-se como criança e sim como um bizarro sacerdote, sua batina tremulava suja e cheia de estranhas colagens de revistas, segurava um báculo tosco em uma das mãos, apoiando-se nele para andar ereto, sua cabeça adornava-se com uma espécie de mitra mal feita de papelão. O macaco era uma figura tosca e desconfortável de olhar, todo o lixo que o adornava concedia ainda mais terror. Todos os outros o reverenciavam em silêncio, logo o sacerdote começou a gritar e gritos eufóricos respondiam, “não pode ser eles estão conversando!”, pensou Alfredo; poucos minutos depois, seus sentidos foram tomados de horror inominável, as vozes romperam em uma soturna e animalesca melodia e uma criatura indescritível arrastou-se, vagarosa, do fosso, projetando-se sobre as mulheres e os homens. Alfredo viu a deformidade peluda devorar em minutos os prisioneiros, seus olhos buscavam um sentindo para aquele demônio macaco, sua garganta seca engolia o nada e seus pés tremendo fraquejaram, derrubando-o da galeria. Quando recobrou a consciência, sentiu-se fora do chão. Pés, pernas, braços e costas segurados por minúsculas mãos, tudo ainda girava como um pião louco. A cabeça doía e algo escorria dela, “estou sangrando.”, pensou ,desordenado, Alfredo.

Foi deitado pelos macacos no úmido chão, incapacitado de se mexer, acompanhou os passos da criatura que há pouco tempo havia devorado os pobres indigentes catatônicos, “o que vai me acontecer? O que é essa coisa?”, pensava o sociólogo, até explodir da sua garganta um choro de desespero indescritível. O horror peludo se aproximava, cadente, tenebroso, sem nenhuma pressa. Os gritos caóticos dos macacos começavam a fazer sentido, como um vidro embaçado que revela uma paisagem, os gritos saudavam a bizarrice andante, louvavam seu nome MAK-KO! MAK-KO! O monstro macaco inclinou-se com a bocarra totalmente aberta, Alfredo fechou os olhos e sem coragem não voltou a abri-los, sentiu a umidade tocá-lo, banhá-lo, envolvê-lo e depois revestir toda sua trêmula carne. Não soube o que de fato aconteceu, mas a escuridão abriu-se em um túnel de luz, viu uma torre enorme, púrpura, cheia de runas; um céu cheio de estrelas e nele grandes olhos vermelhos profundos. Um cheiro de terra molhada revestia a imensidão. No fundo ou na frente, uma criatura enorme de capuz o chamava - Onde estou, onde estou? Estou...- ecoava a voz de Alfredo - Você está em Allirog, a cidade de MAK-KO, MAK-KO. - Eu estou morto? Morto... -A morte é apenas uma ilusão de uma realidade tridimensional simplória, simplória... Alfredo se aproximou daquela figura estranha, não conseguia resistir ao chamado, mesmo que tentasse, seus pés o levavam para frente, afundando nus na superfície argilosa daquele quimérico lugar. Não havia vento, não havia ar, ele não respirava. Se perguntava como ainda podia sentir algum cheiro, mas não conseguia construir uma resposta coerente a lógica científica, concluiu que aquelo era um sonhou ou uma nova realidade que falseava todas as suas concepções de verdade. Se assim fosse, tudo que conhecera não era plenamente real.. - Não se aproxime mais humano, humano...- falou a criatura- você foi escolhido para ser um mensageiro, um filho humano para MAK-KO, MAKKO... - Eu não quero ser nada, nada... - A escolha e a vontade humana são apenas uma ilusão tridimensional de uma realidade simplória, você será um portal, transpassará a torre e sera iniciado, iniciado...

Após a enorme criatura se calar, Alfredo sentiu duas bocas engalfinharem seus pés até rasparem em seus ossos, o sangue que escorreu se transformou em um oceano escuro, os olhos do sociólogo não mais viam o estranho ser, apenas a torre continuava ereta ao longe. Da construção púrpura raios de luz projetaram-se em sua direção, o atravessaram e o puxaram em rápido movimento, a mente de Alfredo foi violada por imagens de mundos e civilizações nascendo e morrendo à sombra da imagem de uma estranha criatura em formas aberrantes de macaco, uma dor terrível sufocou as projeções, depois apenas escuro. Escuro úmido O despertador tocou as sete horas da manhã, Alfredo Maior acordou com muita dor de cabeça, jogado no chão da suíte, sua camisa estava desabotoada, ao seu lado uma garrafa de vodca vazia repousava, suas costas ardiam levemente como se alguém tivesse desenhado algo com uma agulha. Lá fora um céu sisudo preparava-se para derramar uma tempestade. Ele foi ao banheiro, tomou um banho e escovou os dentes, “merda, o que foi que eu fiz nas minhas costas! Eu espero que seja de rena”, falou ao ver uma tatuagem tribal de macaco. “Nunca mais eu bebo!”, repetiu para si mesmo, lembrou-se da criatura peluda no esgoto, da umidade e dos macacos, “foi apenas um sonho, só isso. Na-d-a m-a-i-s.”, falou e teve um arrepio na espinha. Chegou ao aeroporto às 10:30, seu voo era de 11:00. Fez o check in, comprou uma lembrancinha para seus velhos e seguiu ao portão de embarque quando faltavam dez minutos. Olhou para trás e disse para ele mesmo, “ Jakarta é mesmo um lugar muito mágico”. FIM.

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