O Discípulo Juan Carlos ORTIZ

Editora Betânia Cx. Postal 10 - 30.000 Venda Nova, MG Cx. Postal 21.477 - 01.000 São Paulo, SP

Titulo do original em inglês Disciple Copyright © Juan Carlos Ortiz Tradução de Myrian Talitha Lins Sexta edição — 1980 Todos os direitos reservados pela Editora Betânia S/C Caixa Postal 10 30.000 Venda Nova, MG É proibida a reprodução total ou parcial sem permissão, por escrito, dos editores. Composto e impresso nas oficinas da Editora Betânia S/C Rua Padre Pedro Pinto. 2435 Belo Horizonte (Venda Nova) MG Printed in Brazil 2

Índice PRIMEIRA PARTE: O VINHO NOVO 1. O "Evangelho Segundo os Santos Evangélicos" ..................................................................7 2. O Evangelho do Reino........................................................................................................11 3. Servos do Reino..................................................................................................................15 4. Vivendo no Reino...............................................................................................................19 5. O Oxigênio do Reino..........................................................................................................23 6. Amor ao Próximo ...............................................................................................................26 7. Amor aos Irmãos ................................................................................................................29 8. Amor Unificador ................................................................................................................34 9. A Linguagem do Reino ......................................................................................................37 10. Olhos Abertos .....................................................................................................................42

SEGUNDA PARTE: OS ODRES NOVOS 11. Eternas Crianças? ...............................................................................................................47 12. Crescendo ...........................................................................................................................53 13. Membros ou Discípulos? ....................................................................................................57 14. A Formação de Discípulos .................................................................................................62 15. As "Santas Tradições Protestantes" ....................................................................................67 16. Modificando as Tradições ..................................................................................................71 17. Mais que um Culto Dominical............................................................................................74 18. A Célula..............................................................................................................................78 19. A Promessa do Pai: um Coração Novo ..............................................................................82 20. A Promessa do Pai: um Novo Poder ..................................................................................85

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Apresentação O ministério de Juan Carlos Ortiz e o avivamento que os evangélicos de Buenos Aires estão experimentando já chegaram até nós na forma de testemunhos apresentados por pastores e leigos que lá estiveram. Todos eles são unânimes em afirmar que a atuação do Espírito de Deus ali é plenamente sensível no amor que une aquele segmento do Corpo de Cristo, no louvor sincero e espontâneo, na obediência ao Senhor Jesus. Todavia, de nada adiantará copiarmos os métodos e as formas exteriores usadas pelos nossos irmãos argentinos na adoração a Deus. O Espírito Santo tem uma forma toda peculiar de operar em cada um de nós. A cópia de métodos não conduz à operação do Espírito de Deus. Assim, o nosso propósito ao publicar este livro não é o de levar as nossas igrejas a copiar o que Deus está fazendo na Argentina, e, sim, abrir os olhos do nosso povo para o marasmo espiritual em que grande número de pessoas se encontra e desafiar cada crente a reconsiderar, com seriedade, os direitos de Cristo sobre sua vida. Ele morreu e ressuscitou para ser Senhor (Rm 14.9) e revestido dessa autoridade absoluta ele nos diz: "O meu mandamento é este, que vos ameis uns aos outros, assim como eu vos amei." (Jo 15.12, 17.) Que o Espírito Santo nos ajude a compreender o escopo desse mandamento e a colocálo em prática. Editora Betânia

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Prefácio Juan Carlos Ortiz – que homem e que escritor! As páginas que se seguem servirão para apresentar aos leitores um dos mais notáveis e humildes servos de Deus na América Latina. Juan Carlos Ortiz é um escritor sincero e franco que não faz uso de meias medidas. Escreve do mesmo modo que fala; e fala exatamente como escreve. E ele não fala de uma mera teoria baseada em idéias que teria retirado dos compêndios empoeirados de alguma biblioteca. Pelo contrário — sua mensagem de encorajamento para a Igreja é fundamentada nas muitas experiências que viveu como pastor de uma igreja da capital argentina. As ilustrações que apresenta levarão o leitor a pensar, e podem fazê-lo até chorar. E se o leitor for como eu, algumas de suas histórias lhe arrancarão risadas. Nestas páginas há um pouco de tudo. E eu quero deixar aqui um aviso: depois que se pega este livro, fica-se amarrado a ele. O leitor pode não concordar com todas as suas idéias e interpretações, mas não deixe que isto o perturbe. Continue a ler, porque qualquer divergência que porventura surgir, logo perde importância, diante do que ele fala aberta e francamente a respeito do que Deus está realizando entre seu povo, na América Latina, nestes dias. O tema é o amor: amor fraterno, amor comunitário, amor que une, e outros tipos de amor. Juan Carlos nos relembra que, para o seguidor de Cristo, este amor deve se transformar numa compreensão radical e coerente do que seja o discipulado cristão. Para ele, a Igreja não é mais do que um veículo de preparação e treinamento de homens e mulheres para o serviço do Senhor. E é sobre isto que versa esta obra — sobre a Igreja. Juan Carlos é para mim um querido irmão e amigo. Estou muito satisfeito de ver que sua mensagem clara e indiscutível não está mais restrita apenas a nossos vizinhos da América Latina, pois ele é um homem de Deus, que diz verdades que precisam ser conhecidas por toda a Igreja, de todo o mundo. Quando terminar a leitura destas páginas, o leitor provavelmente quererá dar um caloroso abraço em Juan Carlos, e, sem se preocupar muito com seu sotaque em espanhol, poderá querer dizer-lhe: "Muchas gracias!"

Dr. W. Stanley Mooneyham Presidente de World Vision Inter.

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Primeira Parte

O Vinho Novo O que é um discípulo? Discípulo é aquele que segue a Jesus Cristo. Ser cristão não significa automaticamente ser discípulo, embora os cristãos sejam membros do Reino de Deus. Seguir a Cristo implica em aceitá-lo como Senhor; significa servi-lo como um escravo. Também significa amar e louvar. Ê a respeito disso que falaremos na primeira parte deste livro.

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1 O "Evangelho Segundo os Santos Evangélicos" Por que me chamais. Senhor, Senhor, e não fazeis o que eu vos mando? (Lc 6.46.) Na língua espanhola ocorre um fato curioso com a palavra Senhor. Utilizamos este vocábulo com um sentido vocativo, colocando-o adiante do nome das pessoas. Dizemos: Sr. Smith, Sr. William, e Senhor Jesus. Em conseqüência disto, em espanhol, o conceito que temos deste termo é muito amplo. Quando chamamos a Jesus de Senhor, isto realmente não tem um significado muito forte para nós. Mas quando entrei em contato com pessoas de fala inglesa, descobri que elas têm o mesmo problema, apesar de contarem com duas palavras distintas para os dois usos: mister e lord. Talvez seja porque a palavra lord se aplica também aos lordes da Inglaterra, alguns dos quais não têm sido lá muito dignos de admiração. A palavra senhor não tem hoje o mesmo significado de quando Jesus se achava na terra. Naquela época, ela significava autoridade máxima, o número um, o homem que estava acima de todos os outros, o dono de toda a criação. O vocábulo grego kurios (que significa senhor) com inicial minúscula era usado pelos escravos ao se dirigirem a seus amos. A mesma palavra, com inicial maiúscula, era aplicada a apenas uma pessoa em todo o Império Romano — a César. O césar romano era o Senhor. Em verdade, quando os funcionários públicos ou soldados se encontravam na rua, tinham que saudar uns aos outros com as palavras: "César é o Senhor!" E a resposta invariavelmente era: "Sim; César é o Senhor!" Por isso, os cristãos tiveram que enfrentar um grande problema. Sempre que alguém os saudava com estas palavras: "César é o Senhor!", eles respondiam: "Não; Jesus Cristo é o Senhor." Em pouco tempo, tal prática começou a causar-lhes dificuldades. Não que César tivesse ciúmes do nome. A questão era bem mais profunda que isto. A verdade é que César sabia que o que os cristãos diziam na realidade, é que eles estavam sujeitos a um outro tipo de autoridade, e que na balança de suas vidas, Jesus Cristo pesava mais que César. O que eles diziam realmente era: "César, você pode contar conosco em algumas situações, mas se formos forçados a fazer uma escolha, preferiremos a Jesus, porque já entregamos toda a nossa vida a ele. Ele é a pessoa mais importante para nós. Ele é o Senhor, nossa autoridade máxima." Não é de se admirar que César perseguisse os cristãos. O evangelho que encontramos na Bíblia é o evangelho do Reino de Deus. Ele apresenta Jesus como o Rei, como o Senhor, como a autoridade máxima. Jesus se encontra no centro do evangelho. O evangelho do Reino é cristocêntrico. Nos séculos mais recentes, porém, temos ouvido falar de um outro evangelho – um evangelho cujo centro é o homem, um evangelho humano. Ê o evangelho da oferta tentadora; o evangelho da venda fácil; o evangelho do negócio vantajoso que ninguém pode recusar. Os pregadores dizem: "Amigos, se aceitarem Jesus..." (E aqui já encontramos um erro, pois é Jesus quem nos aceita, e não nós a ele. Mas nós colocamos o homem no lugar de Jesus, e agora o homem é a figura mais importante.) Os evangelistas dizem: "Jesus está batendo à porta do seu coração. Por favor, abram a porta! Não vêem que ele está lá fora, de pé, ao frio e ao vento? Coitado de Jesus! Abram a

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porta para ele." Não é de se espantar que o ouvinte pense que está fazendo um grande favor ao Senhor, ao tornar-se cristão. Costumamos dizer às pessoas: "Se vocês aceitarem a Jesus, vocês terão alegria, paz, saúde, prosperidade... Se derem a Jesus cem cruzeiros, receberão de volta duzentos cruzeiros." Estamos sempre apelando para os interesses humanos. Jesus é o Salvador, a cura para nosso corpo, é o Rei que virá para mim. Este mim é o centro de nosso evangelho. Nossas reuniões são centralizadas no homem. O arranjo do mobiliário, as cadeiras, o púlpito — tudo aponta para o homem. Quando o pastor prepara o programa de culto, ele não pensa em Deus, mas apenas em seus ouvintes. "No primeiro hino a congregação fica de pé; no segundo, ficará assentada, para que as pessoas não se cansem. Em seguida, teremos um dueto para modificar um pouco a atmosfera; depois faremos outra coisa. E o culto não deve passar de uma hora para que o povo não se fatigue." Onde é que está Jesus, o Senhor? A letra de nossos hinos segue na mesma linha. "Conta as bênçãos!" "Cristo é meu!" "Estou feliz com Jesus!" Nossas orações também se centralizam no homem. "Senhor, abençoa meu lar, meu marido; abençoa meu gato, meu cachorro, por amor de Cristo, amém!" Esta petição nunca foi por amor de Cristo. É por amor a nós! É certo que muitas vezes empregamos as palavras corretas, mas com a atitude errada. Enganamos a nós mesmos. Nosso evangelho é como a lâmpada de Aladim; pensamos que podemos esfregá-lo e obter tudo que quisermos. Não é de admirar que Karl Marx tenha dito que a religião é o "ópio das massas". Talvez ele tivesse razão; ele não era nenhum tolo. Ele sabia que o evangelho, para muitas pessoas, era apenas uma fuga. Mas Jesus Cristo não é ópio. Ele é Senhor. Quando ele se dirige a nós na qualidade de Senhor, temos que ir ao seu encontro e entregar-lhe nossa vida, e obedecer as suas ordens. Se nossos líderes eclesiásticos fossem ameaçados pelas autoridades religiosas e pela polícia como o foram os apóstolos, provavelmente, eles teriam orado a Deus nos seguintes termos: "Pai, tem misericórdia de nós. Socorre-nos, Senhor. Tem misericórdia de Pedro e João. Não deixe que os soldados toquem neles. Concede-nos um meio de livramento. Não permita que soframos. Olha o que estão fazendo conosco. Ó Senhor, detém estes homens; não permita que nos causem nenhum mal." Nós, nos, eu, me. Mas quando lemos o capítulo 4 de Atos, vemos que a oração que os cristãos fizeram foi no sentido contrário. Notemos quantas vezes os apóstolos dizem tu e teu ou tua. "Ouvindo, isto, unânimes, levantaram a voz a Deus e disseram: Tu, Soberano Senhor, que fizeste o céu, e a terra, o mar e tudo o que neles há; que disseste por intermédio do Espírito Santo, por boca de nosso pai Davi, teu servo: Por que se enfureceram os gentios, e os povos imaginaram cousas vãs? Levantaram-se os reis da terra, e as autoridades ajuntaram-se à uma contra o Senhor e contra o seu Ungido; porque verdadeiramente se ajuntaram nesta cidade contra o teu santo Servo Jesus, ao qual ungiste, Herodes e Pôncio Pilatos, com gentios e povos de Israel, para fazerem tudo o que a tua mão e o teu propósito predeterminaram; agora, Senhor, olha para as suas ameaças, e concede aos teus servos que anunciem com toda intrepidez a tua palavra, enquanto estendes a mão para fazer curas, sinais e prodígios, por intermédio do nome do teu santo Servo Jesus. Tendo eles orado, tremeu o lugar onde estavam reunidos; todos ficaram cheios do Espírito Santo, e, com intrepidez, anunciavam a palavra de Deus." Não é de se espantar que tenha sido como foi. Não poderia ter sido de outro modo, já que a oração deles era centralizada em Deus. E não se trata apenas de uma questão de semântica; estou-me referindo ao imenso problema de atitudes que enfrentamos em nossas igrejas. Não é bastante que modifiquemos nosso vocabulário. Temos que deixar Deus tomar a nossa mente e lavá-la com detergente, dando-lhe uma boa escovada e depois recolocá-la no lugar, mas na posição inversa. Todo o nosso conceito de valores precisa ser mudado.

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Somos como os povos medievais que acreditavam que a terra era o centro do universo. Estavam redondamente enganados, e nós também estamos. Pensamos que somos o centro do universo, e que Deus, Jesus Cristo e os anjos giram ao nosso redor. O céu é para nós; tudo que existe é para nosso benefício. Estamos completamente errados. Deus é o centro de tudo. Temos que modificar nosso conceito sobre o centro da gravitação universal. Ele é o sol, e nós giramos ao redor dele. Mas é extremamente difícil mudar. Até mesmo nossa motivação no trabalho de evangelismo é centralizada no homem. Lembro-me de que, durante meu curso na escola bíblica, ouvi várias vezes a exortação: "0 alunos, olhem as almas perdidas. Elas estão perecendo. Estes pobres homens estão-se dirigindo para o inferno. Cada vez que o relógio dá uma pancada, mais 5822 e meia pessoas vão para o inferno. Será que vocês não têm pena delas?" E nós chorávamos e dizíamos: "Coitada dessa gente! Vamos sair a campo e salvá-la!" Estão vendo? Nós não saíamos por amor a Jesus, mas por causa das almas perdidas. Isto pode parecer muito bonito, mas está errado, pois todas as nossas ações devem ser motivadas por Cristo. Nós não pregamos para as almas perdidas por estarem perdidas. O que temos que fazer é estender o Reino de Deus, pois ele assim nos ordena, e ele é o Senhor. Este evangelho moderno é o que eu chamo de Quinto Evangelho. Já contamos com o Evangelho Segundo São Mateus, o Evangelho segundo São Marcos, o Evangelho Segundo São Lucas, o Evangelho Segundo São João e também o Evangelho Segundo os Santos Evangélicos. Este último é um apanhado geral dos outros quatro; são textos que recolhemos aqui e ali neles. Tomamos as passagens de que mais gostamos, as que oferecem ou prometem alguma coisa — como João 3.16 ou 5.24 e assim por diante — e construímos nossa teologia sistemática em torno delas, e esquecemos todos os outros versos que apresentam as ordenanças de Jesus Cristo. Quem autorizou tal liberdade? Quem disse que tínhamos permissão para apresentar apenas uma face de Jesus? Suponhamos que estamos assistindo a um casamento, e quando chega o momento de o casal repetir os votos matrimoniais, o noivo diz: "Pastor, eu aceito esta mulher como minha cozinheira particular", ou "como minha arrumadeira pessoal". O quê? A noiva provavelmente diria: "Ei, espere um pouco! É verdade que eu vou cozinhar. Vou lavar a louça; vou arrumar a casa. Mas não sou sua empregada — vou ser sua esposa. Você terá de amar-me, dar-me seu coração, seu lar, seus talentos — tudo!" Com Jesus também é assim. Ele é nosso Salvador e nosso Médico. Tudo isto é verdade. Mas não podemos recortar Jesus em partes e escolher apenas a que nos agrada mais. Estamos nos comportando como criancinhas que recebem uma fatia de pão com geléia. Lambem a geléia e depois devolvem o pão. A mãe passa um pouco mais de geléia, e novamente elas lambem a geléia e devolvem o pão. O Senhor Jesus é o Pão da vida, e talvez o céu possa ser comparado com o doce. Mas temos que comer o pão e a geléia. Seria muito interessante, se, durante um congresso de teólogos, eles chegassem à conclusão de que não existe céu nem inferno. Quantas pessoas permaneceriam em suas igrejas depois que tal descoberta fosse divulgada? A maioria sairia. "Se não existe nem céu nem inferno, para que estou vindo aqui?" Elas têm freqüentado a igreja apenas por causa da geléia, atendendo a seus próprios interesses — para se curarem, para escaparem do inferno, para chegarem ao céu. Estão seguindo o Quinto Evangelho. Quando Pedro concluía seu sermão no dia de Pentecoste, ele deixou bem claro o seguinte: "Esteja absolutamente certa, pois, toda a casa de Israel de que a este Jesus que vós crucificastes, Deus o fez Senhor e Cristo." (At 2.36.) Este era o tema da mensagem. Quando aquela gente compreendeu que Jesus era realmente o Senhor, "compungiu-selhes o coração" (v. 37), e começaram a tremer. "Que faremos, irmãos?" indagaram eles.

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A resposta foi: "Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo" (v. 38). O evangelho de Paulo acha-se resumido em Romanos 10.9: "Se com a tua boca confessares a Jesus como Senhor, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo." Ele é o Senhor. Ele não é apenas o Salvador. Deixe-me dar um exemplo a respeito deste Quinto Evangelho. Em Lucas 12.32, lemos o seguinte: "Não temais, ó pequenino rebanho; porque vosso Pai se agradou em dar-vos o seu reino." Este verso é altamente apreciado por todos os crentes. Eu mesmo já preguei sobre ele várias vezes. Mas, e o verso seguinte: "Vendei vossos bens e dai esmolas"? Nunca ouvi um só sermão baseado neste verso, porque não pertence ao Evangelho Segundo os Santos Evangélicos. O verso 32 se encontra em nosso Quinto Evangelho, mas o 33 não — e ele é uma ordenança de Jesus. Jesus ordenou que não matássemos. Jesus ordenou que amássemos nosso próximo. Jesus ordenou que vendêssemos os nossos bens e déssemos esmolas. Quem está autorizado a decidir quais os mandamentos de Deus que são obrigatórios e quais os que são optativos? O Quinto Evangelho introduziu uma estranha inovação: um mandamento optativo. Você faz se quiser, mas se não quiser, está tudo certo também. Mas não é assim o evangelho do Reino.

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2 O Evangelho do Reino "Vinde a mim todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim..." (Mt 11.28,29.) Nós todos gostamos muito deste primeiro verso, o 28. Mas as palavras que Jesus proferiu em seguida — "Tomai sobre vós o meu jugo" — já não são tão apreciadas. A salvação não significa apenas libertação de nossos fardos e dificuldades. Ê verdade que ficamos livres deste jugo, mas é verdade também que recebemos outro para substituí-lo — o jugo de Cristo. Ele nos liberta de nossos velhos fardos a fim de poder utilizar-nos em seu Reino. Ele nos liberta de nossos problemas para que passemos a arcar com os dele. A partir de então, vivemos para o Rei, e não para nós mesmos. Eu poderia dizer que o Quinto Evangelho é composto de todos os versos que nós sublinhamos. Se alguém desejar ler o evangelho do Reino basta pegar a Bíblia, e ler todos os versos que não grifamos, pois eles compõem a verdade que omitimos. Não estou mais sublinhando versos das Escrituras, pois isso é o mesmo que dividi-los em duas classes, primeira e segunda. Eu costumava sublinhar os versículos da Bíblia com lápis de diversas cores, agora, porém, deixo todos da mesma cor. Tudo que está na Bíblia é importante. No Velho Testamento, Jesus é sempre apresentado como Senhor e Rei que haveria de vir. Ele é maior que Moisés, Davi ou que os anjos. Davi chamou-o de "meu Senhor" (SI 110.1). Como foi que Jesus se apresentou a Zaqueu? Se em vez de Jesus tivesse sido um de nós, pastores do século XX, que estivesse tentando abordá-lo, teríamos dito: "O senhor é o Sr. Zaqueu? Tenho muito prazer em conhecê-lo." "Ah! Igualmente. Tenho muita satisfação em conhecê-lo, também." "Sr. Zaqueu, gostaria de dar-lhe uma palavrinha. Será que poderíamos examinar sua agenda? Sei que o senhor é muito ocupado, mas talvez possamos marcar uma entrevista. Quando seria mais conveniente para o senhor?" Isto daria a Zaqueu a chance de optar. Ele diria: "Bem; o assunto é importante?" "É uma questão muito importante, embora o senhor possa pensar diferente." "Bem, vejamos. Esta semana está toda tomada. Talvez, na semana que vem..." Jesus não agiu assim. Ele ergueu os olhos para a árvore, e ordenou: "Zaqueu, desce depressa, pois me convém ficar hoje em tua casa." Quando se trata do Senhor, não há para nós uma escolha de condições. A salvação não é uma opção; é um mandamento. Zaqueu tinha que decidir como iria encarar a ordem que Jesus lhe deu. Ele iria obedecer ou desobedecer. (Foi isso que Jesus quis dizer certa vez, quando afirmou: "Quem não é por mim é contra mim." A posição de cada pessoa em relação a ele, só poderia ser a favor ou contra.) Obedecer implicava num reconhecimento de Cristo como autoridade, como o Senhor. Se Zaqueu houvesse desobedecido, ele teria se tornado inimigo de Cristo. Mas ele resolveu obedecer. Desceu da árvore prontamente, e levou Jesus e os apóstolos até sua casa. Logo que entrou, disse à esposa: "Querida, prepare uma refeição para estes homens." Provavelmente, sua esposa indagou: "Mas por que você não me avisou que havia convidado estes amigos para almoçar?" "Mas, querida, eu não os convidei; foram eles que se convidaram." Jesus não precisa de convite. Ele é o Senhor de todas as casas, de todas as pessoas. 11

Alguns instantes depois, Jesus declarou: "Hoje veio a salvação a esta casa." Quando isso aconteceu? Ninguém lhe havia explicado o plano da salvação. Ninguém lhe havia falado das quatro leis espirituais. Quando Zaqueu foi salvo? Quando ele obedeceu ao Senhor. No instante em que desceu daquela árvore, ele se colocou sob o senhorio de Cristo. O mesmo aconteceu com Mateus. Ele estava recolhendo impostos. Jesus não parou a seu lado e esperou até que estivesse livre para dizer: "Olá! Como vai? Meu nome é Jesus. Tenho muito prazer em conhecê-lo. Sei que está muito ocupado, mas... oh! espere..." Não! Isto teria dado ocasião a que Mateus pudesse escolher entre dar e não dar atenção a Jesus. Mas Cristo disse: "Mateus, siga-me!" Não foi um convite. Foi uma ordem. Mateus iria obedecer ou desobedecer. É assim o evangelho do Reino. "Arrependei-vos, e crede." Ou nós obedecemos, ou não. O mesmo sucedeu ao jovem rico. Ele perguntou: "Bom Mestre, que farei para herdar a vida eterna?" (Lc 18.18.) E ele já havia feito quase tudo. Jesus lhe respondeu: "Uma cousa ainda te falta: vende tudo o que tens, dá-o aos pobres... depois vem, e segue-me" (v. 22). O moço foi para casa muito triste. O que nós teríamos feito? Talvez tivéssemos corrido atrás dele para dizer-lhe: "Moço, não leve isto tão a sério. Você pode vir conosco assim mesmo. Nós daremos um jeito." Isto significaria que ele poderia seguir a Jesus, e continuar vivendo de acordo com suas próprias idéias. Embora Jesus o amasse, deixou que ele se fosse. Se Jesus houvesse abaixado o padrão de suas exigências, o moço nunca teria realmente sido salvo de si mesmo. Jesus ordenou a um outro homem que o seguisse, mas o homem replicou: "Permite-me ir primeiro sepultar meu pai" (Lc 9.59). Nós teríamos respondido: "Lógico! Lógico! Desculpe-me ter chamado você justamente agora. Ah, coitado. Lamento muito. Pode tirar uns dois ou três dias de folga, para o enterro." Mas Jesus não! Ele disse ao homem que deixasse que outros se encarregassem daquilo. O Senhor era muito mais importante que um pai morto ou que qualquer outra pessoa. O homem concordou em seguir a Jesus, mas impôs uma condição: "Permite-me primeiro..." Quem é o primeiro, senão Jesus? Este outro também queria seguir a Jesus em seus próprios termos. E Jesus respondeu: "Não. Sou eu quem determina as condições." Obviamente, Jesus poderia ter permitido que ele fosse sepultar o pai. Mas havia um princípio envolvido naquilo tudo. Um outro homem disse: "Seguir-te-ei, Senhor; mas deixa-me primeiro despedir-me dos de casa." Jesus poderia ter respondido: "Naturalmente! Vá; jante com sua família, e agradeça a todos por permitirem que um de seus membros me siga." Mas Jesus nunca permitiu tal coisa. Nós não somos salvos por aceitarmos uma certa doutrina ou fórmula de vida. Somos salvos porque obedecemos ao que Deus ordena. Tudo que Jesus diz é: "Segue-me!" Ele não diz para onde, e nem quanto nos pagará. Ele apenas dá a ordem. A salvação é uma ordenança. Deus quer que sejamos salvos, pois todos pecaram. Por isso, ele ordena a todos que se arrependam. Se não nos arrependermos, estaremos desobedecendo a Deus. É por isso que as pessoas que não se arrependem são castigadas. Se se tratasse apenas de um convite, não poderia haver castigo. Suponhamos que alguém me diga: "Juan Carlos, você aceita um pedaço de bolo?" "Não, obrigado", diria eu. Então a pessoa começasse a esmurrar-me. "Ei, por que está me batendo?"

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"Porque você não aceitou o bolo." "Mas você me ofereceu e perguntou se eu queria. Por que tenho de ser castigado?" O arrependimento nos é apresentado como um mandamento, e não como um convite. Se assim não fosse, Jesus não poderia punir as pessoas que se recusam a arrepender-se. Se Jesus tivesse permitido que o moço rico o seguisse sem ter que vender seus bens, ele teria sido um mau discípulo. Toda vez que Jesus lhe desse uma ordem, ele diria consigo mesmo: "Bem, eu faço ou não faço?" Assim são muitas das pessoas que se encontram em nossas igrejas hoje, e tudo porque temos pregado o Quinto Evangelho. Salvação é submissão. Salvar-se significa colocar-se sob o domínio de Cristo. Podemos não entender bem o significado de termos tais como expiação e propiciação, mas todos entendemos o que seja submissão ao Senhor. É tornar-nos cidadãos de seu reino. Somos cobertos pela sua proteção. O que significa a petição que fazemos no Pai Nosso, "Venha o teu reino, seja feita a tua vontade assim na terra como no céu"? Significa que precisamos abandonar o trono de nossa vida, que estamos ocupando, e permitir que Jesus tome lugar nele. Antes de eu me encontrar com Jesus, era o único dono de minha vida. Mas depois que o encontrei, é ele quem dita as ordens. "Seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu", é uma norma para ser observada no momento presente, não amanhã, nem nas eras vindouras. Nós, os pregadores modernos, não apenas diluímos o evangelho do Reino, mas também o dividimos em suaves prestações mensais. É como a compra de um carro. Paga-se uma certa quantia de entrada, mas leva-se o carro todo, e continua-se pagando depois. Talvez estejamos tentando vender o evangelho do mesmo modo que vendemos carros. Nós dizemos: "Quer ser salvo? Levante a mão e pronto." "E pronto!" Por quê? Isso é apenas a entrada. Depois de algum tempo, aparece alguém que nos diz: "Você já ouviu falar de batismo? Nós devemos realizar batismos muito breve. Será em um dia bem agradável; aqueceremos a água. Há um bom grupo para ser batizado." Trata-se da primeira prestação. E se o interpelado responde: "Oh, não. Eu não quero ser batizado", então dizemos: "Está bem. Você pode esperar até sentir-se mais preparado." Não era esta a mensagem da Igreja primitiva. Ela dizia: "Arrependam-se e sejam batizados!" Era uma ordem, não uma questão de opção. Depois de algum tempo, temos que fazer mais um pagamento. "Sabe, irmão, é preciso pagar todas as despesas da igreja e por isso damos o dízimo de nosso salário. Mas não é tão ruim quanto pode parecer, porque quando nós damos o dízimo, os noventa por cento que nos sobram rendem muito mais que o salário completo. Deus estica nosso dinheiro para nós." É um evangelho centralizado no homem. O que acontece é que, recebendo estas doses que lhe são aplicadas de vez em quando, as pessoas ficam imunizadas contra o verdadeiro evangelho do Reino. Depois ficamos admirados ao perceber que pregamos, pregamos e pregamos, e nossa mensagem não parece penetrar no coração do povo. Jesus disse: "Buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas cousas vos serão acrescentadas." (Mt 6.33.) Que coisas são estas? O contexto é claro: alimento, vestuário, habitação – as coisas essenciais da vida. Muitas pessoas ficam pedindo a Deus: "Senhor, dá-me isto", ou "Senhor, dá-me aquilo". Se elas têm que pedir estas coisas é porque não as possuem. E o motivo por que não as possuem é que não buscam o reino de Deus em primeiro lugar. Deus prometeu todas estas coisas àqueles que buscarem o seu reino. Eu tenho que buscar apenas o Reino de Deus, e depois irei olhar ao meu redor e ficar espantado. "Mas

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como foi que consegui todas estas coisas? Elas devem ter-me sido concedidas enquanto buscava seu Reino." Se um ser de outro planeta viesse aqui e procurasse ver como vivem os cristãos, ele pensaria que Jesus disse o seguinte: "Busquem primeiro o que vão comer, o que vão vestir, e a casa que vão comprar, o carro que vão preferir, o trabalho que vão fazer e a pessoa com quem vão se casar. Depois, se sobrar tempo, e se não for muito incômodo, façam alguma coisa em prol do Reino de Deus." Certa vez perguntei a um homem: "Por que você trabalha?" "Trabalho porque tenho que comer. Se eu não trabalhar, não poderei comer." "E por que é que você come?" perguntei. "Porque preciso de forças para trabalhar mais." "E por que você tem que trabalhar mais?" "Bem, eu trabalho mais para poder comer de novo, e para trabalhar mais, e para comer..." Isso não é viver. Isso é apenas respirar. Não existe objetivo algum nisso. Certo dia compreendi tudo. Meu objetivo deve ser estender o Reino de Deus. Jesus disse aos discípulos: "Toda autoridade me foi dada no céu e na terra." (Mt 28.18.) Ele tem que conquistar o universo todo para Deus. O Pai disse ao Filho: "Você fará isto por mim. Você reinará até que todos os inimigos estejam subjugados aos seus pés." Jesus veio à terra e declarou aos discípulos: "Eu sou o comandante supremo dos exércitos de Deus. Tenho que conquistar o universo para meu Pai. Entrego a vocês este planeta. Vocês têm que ir ao mundo todo e fazer discípulos em toda a parte, batizando-os e ensinando-os a obedecer todos os meus mandamentos. Adeus, e mãos ao trabalho!" Portanto, é meu dever reconquistar, palmo a palmo, as coisas que pertencem a Deus. Para fazer isto, tenho que comer; para comer, tenho que trabalhar. Mas o propósito é estender o Reino de meu Senhor. Isto significa que meu conceito de valores tem que se modificar inteiramente. Eu não estudo na universidade para obter um diploma; vou lá para estender o Reino de Cristo, e a seu serviço. E, de passagem, obtenho o diploma. Não trabalho na Ford Motores para ganhar a vida. Trabalho lá porque Deus precisa conquistar aquele pedacinho de terreno; precisa que um de seus soldados o conquiste para ele. E o meu patrão me paga para fazer isto. Mas nosso verdadeiro Senhor é Jesus Cristo. Se assim não for, é melhor que eu pare de clamar pelo seu nome, já que Jesus diz: "Por que me chamais, Senhor, Senhor, e não fazeis o que vos mando?"

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3 Servos do Reino "Qual de vós, tendo um servo, ocupado na lavoura ou em guardar o gado, lhe dirá quando ele voltar do campo: Vem já e põe-te à mesa? E que antes não lhe diga: Prepara-me a ceia, cinge-te. e serve-me, enquanto eu como e bebo: depois comerás tu e beberás. Porventura terá de agradecer ao servo por ter este feito o que lhe havia ordenado?" (Lc 17.7-9.) Já falamos a respeito do que significa o vocábulo Senhor. Agora vejamos o que é um servo, Jesus estava-se dirigindo a pessoas que conheciam perfeitamente o significado da palavra escravo. Hoje em dia não existem mais tais condições. A melhor aplicação que poderíamos fazer do termo, seria para servos ou empregados, mas estes percebem um determinado salário, têm um contrato de trabalho e são registrados num sindicato. Mas o servo do primeiro século era um escravo mesmo — uma pessoa que fora destituída de tudo que possuía neste mundo. Perdera a liberdade, a autonomia pessoal, a vontade própria, e até o nome. Fora vendido no mercado como um animal. Uma etiqueta com o preço fora dependurada ao seu pescoço, e os interessados haviam discutido a respeito de seu valor. Mas, no fim, alguém o adquirira, e o levara para casa. Depois fizera uma perfuração em sua orelha e colocara nele um brinco de argola que trazia inscrito o nome de seu dono. E então ele perdera sua identidade. Não se chamava mais João ou Pedro, mas sim o escravo do Sr. Fulano de Tal. E ele não recebia nenhuma paga pelos seus serviços. Perdera totalmente sua liberdade de ação. Se o seu amo lhe dissesse: "Você terá que se levantar às seis horas", ele se levantava às seis horas. Se o dono dissesse quatro, então se levantaria às quatro. Se o seu amo quisesse que ele lhe prestasse um serviço à meia-noite, teria que fazê-lo. Era escravo. Não tinha liberdade, nem direito de escolha, nada! Por isso, quando Jesus narrou esta historieta acerca de um homem que teria convidado seu escravo para assentar-se à mesa e jantar com ele, os discípulos riram. Ninguém faria isto. O escravo sempre tinha que servir primeiramente ao seu amo. Ele tinha que se lavar, trocar de roupa, preparar a refeição e servi-la, e depois que o seu senhor houvesse jantado e tivesse ido deitar-se, então o escravo estaria livre para comer do que sobrara. E quando Jesus afirmou: "E ele não agradece ao servo por ter cumprido as ordens que lhe deu, agradece?" todos responderam: "Ê lógico que não." Então o Senhor concluiu: "Assim também vós, depois de haverdes feito quanto vos foi ordenado, dizei: Somos servos inúteis, porque fizemos apenas o que devíamos fazer." (Lc 7.10.) Nós somos escravos de Jesus Cristo. É possível que não gostemos de ouvir isto, mas é a verdade. Paulo entendeu tal fato perfeitamente, e explicou: "Porque nenhum de nós vive para si mesmo, nem morre para si. Porque, se vivemos, para o Senhor vivemos; se morremos, para o Senhor morremos. Quer, pois, vivamos ou morramos, somos do Senhor. Foi precisamente para esse fim que Cristo morreu e ressurgiu; para ser Senhor, tanto de mortos como de vivos." (Rm 14.7-9.) Já ouvimos muitas vezes a declaração de que Jesus morreu pelos nossos pecados. Mas isto é apenas uma parte da história. O motivo pelo qual ele morreu e ressuscitou – diz Paulo — foi tornar-se Senhor de todos nós, escravos. E o apóstolo explica isto com grande felicidade em 2 Coríntios 5.15: "E ele morreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si mesmos, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou."

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Portanto, nós fomos comprados por um preço. É por isso que encontramos tantas vezes no Novo Testamento a frase: "Paulo, servo de Jesus Cristo", "Tiago, servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo", "Simão Pedro, servo e apóstolo de Jesus Cristo". Até Maria denominouse "a serva do Senhor" (Lc 1.38). Antes de sermos encontrados pelo nosso proprietário, estávamos perdidos. Estávamos condenados à maldição eterna. Mas atentem para esta verdade: nós ainda estamos perdidos. Antes estávamos perdidos no pecado, nas mãos de Satanás. Agora estamos perdidos nas mãos de Cristo. Muitas pessoas crêem que receber a salvação é ser liberto. "Oh! Glória a Deus! Agora sou livre, livre, livre!" Espere! Não é bem assim. "Uma vez libertos do pecado, fostes feitos servos da justiça." (Rm 6.18.) Como sabemos, existem dois reis neste mundo, e cada um deles tem os seus domínios. Nós nascemos no reino das trevas. Somos cidadãos naturais do reino do egoísmo. E neste reino todos seguem sua própria vontade. É deste modo que Satanás governa seu império, "segundo as inclinações da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos" (Ef 2.3). Nós vivíamos como desejávamos; fazíamos o que nos agradava. E isso não fazia a mínima diferença para nós. O reino das trevas é como um navio avariado que está afundando rapidamente. Quando o capitão da embarcação percebe que o navio está perdido, ele se dirige aos passageiros e diz o seguinte: "Os passageiros da segunda classe podem ir para a primeira. Todos podem fazer o que quiserem. Quem quiser beber, pode se servir à vontade em nosso bar; é tudo de graça. Se quiserem jogar futebol no salão de refeições, podem. E se quebrarem as lâmpadas, não se preocupem com isto." E os passageiros exclamam, "Que capitão maravilhoso, este nosso! Podemos fazer o que quisermos, neste navio." Mas acontece que dentro de alguns instantes todos eles estarão mortos. No reino das trevas, podemos gozar à vontade de todos os prazeres das drogas, da lascívia e do engano. Não obstante, estamos perdidos. Pensamos que somos uns reis. Somos dominados pelo espírito de egoísmo de nosso reino. Mas é apenas uma questão de tempo. E o que é realmente a salvação? É o fato de que "ele nos libertou do império das trevas e nos transportou para o reino do Filho do seu amor" (Cl 1.13). Isto não significa ficar totalmente liberto de domínio. É simplesmente mudar do domínio de Satanás para o de Jesus Cristo. Neste novo reino, não podemos fazer tudo que quisermos. Nele, nós somos parte do reino de Deus. Ele é o Rei. Ele é quem governa. Nós vivemos de acordo com seus desejos e vontade. Algumas pessoas crêem que as características distintivas do Reino de Deus são o fato de que nós não fumamos, não bebemos e não freqüentamos cinema. Mas a verdade é bem mais profunda. No Reino de Deus, nós fazemos o que Deus quer. Ele é o Senhor deste reino. O testemunho daqueles que passaram da morte para a vida, que se mudaram de um reino para outro é o seguinte: "Antes de encontrar Jesus, eu dirigia minha própria vida. Mas depois que o conheci, é ele quem governa." Talvez alguns preferissem que não fossemos tão incisivos. Eles pensam que existem três caminhos, e não dois, e vivem por esta idéia. Para eles, haveria o caminho largo, que é para os pecadores destinados ao inferno. O caminho estreito seria para pastores e missionários. E este terceiro caminho — que não é nem muito largo nem muito estreito, uma estrada mediana — seria para o restante dos crentes. Naturalmente, tal hipótese não se acha nos livros de doutrina, mas no livro das realidades, que é onde as pessoas vivem.

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Este caminho mediano é uma invenção humana. A verdade é que ou nós estamos no reino das trevas fazendo o que é de nossa vontade, ou estamos no Reino de Deus fazendo a vontade dele. Não existe uma situação intermediária. Em realidade, não é muito fácil mudar-se de um reino para outro. Não existem passaportes nem vistos. Somos escravos de nossos próprios pecados. Nós não podemos simplesmente levantar e partir. Nenhum escravo pode fazer isto. O único modo de se libertar de um cativeiro é pela morte. Por que é que os cânticos dos escravos norte-americanos falavam tanto a respeito do céu? É porque esta era sua única esperança de emancipação. Também nós, só podemos nos libertar do pecado, morrendo. E há ainda um outro fator: o reino de Deus não aceita cidadãos naturalizados. O súdito tem que nascer neste reino. Suponhamos que a constituição dos Estados Unidos fosse assim também, e que eu me dirigisse ao departamento de imigração e dissesse: "Eu desejo ser americano." "Onde foi que o senhor nasceu?" "Em Buenos Aires, na Argentina." "Então o senhor não pode ser americano", explicariam eles. "pois para ser americano é necessário ter nascido em território americano." "Ah, senhor, eu quero tanto me tornar americano." "Onde foi que o senhor nasceu?" "Em Buenos Aires, na Argentina." "Bem, eu já lhe disse que o único modo de ser americano é ter nascido nos Estados Unidos." "Como é que poderia fazer isto? Eu gostaria realmente de ser americano." "Só se o senhor morresse e depois nascesse de novo, mas desta vez, nos Estados Unidos. É o único meio. Nós não aceitamos mais visitantes, nem concedemos vistos. A pessoa tem que nascer aqui." Então como é que uma pessoa pode mudar sua cidadania do reino das trevas para o Reino de Deus? Jesus- deu a solução. Sua morte na cruz e sua ressurreição significam isto: qualquer escravo que olhar para a cruz tem permissão para considerar a morte dele como sua morte. Assim, o escravo morre e Satanás perde seu controle sobre ele. Depois vem a ressurreição. Por ela somos transportados para o novo reino. Este fator é tão importante quanto à cruz. Morremos para um soberano e renascemos sob o domínio de outro. E é exatamente isso que o batismo enfoca. Durante muito tempo eu batizei pessoas, mas para mim aquilo não passava de uma cerimônia. Era uma bela cerimônia. Contratávamos fotógrafos, usávamos belos mantos; o coro cantava no fundo, em voz suave. Era quase um "show". Mas isto foi antes de Deus começar a renovar-nos. Agora sabemos que o batismo tem um profundo significado. Ele deve ser realizado imediatamente; logo que a pessoa começa a viver neste novo Reino. Não me importo muito se é por imersão ou de outro modo – a Bíblia não é muito específica a este respeito, pelo menos, não tanto quanto nas vezes em que fala sobre amarmos uns aos outros (e isso nós não fazemos). Mas a imersão realmente é uma ilustração clara da morte e ressurreição de Cristo. Nós mergulhamos o batizando na água, mas não o deixamos lá. Nós o erguemos novamente. Tal cerimônia não é uma criação nossa, nem dos apóstolos. O batismo é realizado em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Na verdade, a pessoa está sendo batizada por Deus, que, no ato, é representado por um homem.

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Na Argentina, alguns pastores recitam a seguinte fórmula batismal: "Eu o mato em nome do Pai, do Filho, e do Espírito Santo, para fazê-lo nascer de novo no Reino de Deus para servi-lo e agradá-lo." É bem diferente, mas funciona bem melhor. Algumas pessoas pensam que a salvação vem através do batismo apenas; outros dizem que é somente pela fé. Mas os apóstolos disseram: "Arrependei-vos e sede batizados." São as duas coisas. Eles não disseram: "Aquele que crer e for salvo, deve ser batizado alguns meses depois." Eles afirmavam que o batismo tinha importância para a salvação. Qual é esta importância? É como uma nota de dinheiro. Ela tem dois valores. Um é o seu valor intrínseco — o valor do papel e da tinta, que não é muito grande. Com pouco dinheiro, poderemos comprar uma folha de papel maior do que o papel da nota, e tinta, em quantidade suficiente para fazer muitas notas. Mas existe um outro valor em uma nota de dinheiro: um valor diferente e bem maior — ela é endossada pelas reservas federais da nação. Se pegarmos aquele pedaço de papel e o levarmos ao supermercado, eles nos dão muitas coisas em troca dela (bem, talvez não muitas). Assim também é o batismo. A água e a cerimônia não são muita coisa. Mas tudo é endossado pelo que Cristo realizou na cruz e no túmulo. Portanto, o batismo tem um valor enorme. Ele diz à pessoa que está sendo batizada, que ela passou da morte para a vida. É por isso que ele precisa ser realizado na hora do passamento. Esta idéia não foi criação minha. A Igreja primitiva não batizava ninguém após o dia da sua conversão. Eles nem esperavam o culto noturno. Se uma pessoa era salva pela manhã, era batizada de manhã. Se ela era salva no meio da noite — como foi o caso do carcereiro de Filipos, narrado em Atos 16 — ela era batizada no meio da noite. Na Argentina, nós não damos a certeza de salvação a ninguém, enquanto não for batizado, não por causa do batismo em si, mas por uma questão de obediência. Se uma pessoa disser: "Eu creio!" mas não quiser ser batizada, nós duvidamos de sua submissão a este novo Reino, pois a salvação consiste exatamente nisto: obediência. Se não temos acesso a um rio ou a uma piscina ou batistério, batizamos a pessoa na própria banheira de sua casa. Batizamos o pai, a mãe, e os filhos, todos na mesma banheira. E isto é bem mais prático do que na igreja, pois na casa já temos à nossa disposição água aquecida, toalhas, etc, tudo à mão. E até pode ser que depois tomemos um cafezinho com eles. Portanto, o batismo é uma valiosa lição objetiva. Se o realizarmos no momento certo, as pessoas compreenderão melhor o que estão fazendo. Estão deixando as trevas e entrando no Reino de Deus.

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4 Vivendo no Reino "Se alguém quer vir apôs mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me. Porquanto, quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; e quem perder a vida por minha causa, achá-lá-á." (Mt 16.24,25.) Temos que fugir das trevas e do império do egoísmo, onde cada um vive para si mesmo e faz a própria vontade. Temos que entrar no Reino de Deus, onde todos vivem para Deus e fazem sua vontade. O Reino de Deus tem que se expandir, e ampliar muito até que o reino do mundo se torne de nosso Senhor e do seu Cristo. (Ap 11.15.) Para estarmos no Reino, temos que morrer para nós mesmos. Mas muitas pessoas que já foram salvas não entendem ainda que são escravas. Elas querem continuar a fazer sua própria vontade. Isto não está certo. Foi por isso que Jesus disse que temos que perder a vida a fim de salvá-la. Muitas pessoas acorrem à igreja na intenção de salvarem a própria vida. Mas isto implica em ignorar a vontade de Jesus. E neste Reino, ele é o Senhor. Jesus disse em Mateus 13 que o Reino de Deus era como um mercador que estava procurando finas pérolas. E quando ele encontrou a pérola de grande valor, ele vendeu tudo o que possuía a fim de adquiri-la. Sei que alguns cristãos pensam que esta história ensina que nós somos a pérola de grande preço, e Cristo teve que abandonar tudo para nos redimir. Mas agora compreendemos que ele é a pérola de grande valor. Nós somos os comerciantes, à cata de felicidade, segurança e vida eterna. E quando encontramos Jesus, temos que entregar tudo. Ele tem felicidade, alegria, paz, saúde, segurança, eternidade — tudo. E então nós dizemos: "Quero esta pérola. Quanto custa?" "Bem", diz o joalheiro, "ela é muito cara." "Quanto é?" perguntamos. "É uma soma bem considerável." "O senhor acha que eu poderia comprá-la?" "Ah, naturalmente. Qualquer pessoa pode." "Mas o senhor não disse que era muito cara?" "Disse." "Quanto é, então?" "Tudo que você possui", responde o vendedor. Pensamos um pouco, e depois dizemos: "Está bem; eu compro." "Então vamos ver o que é que você possui. Vamos anotar tudo aqui." "Bem, tenho dez mil dólares no banco." "Dez mil dólares, ótimo. E o que mais?" "Só isto. É tudo o que possuo." "Nada mais?" "Bem, tenho alguns trocados no bolso." "Quanto?" Enfiamos a mão no bolso. "Bem, aqui está, trinta, quarenta, sessenta, oitenta, cem, cento e vinte dólares." "Ótimo. O que mais você tem?" "Nada mais. Isto é tudo." "Onde você mora?" indaga ele querendo sondar. "Em minha casa. É. eu tenho uma casa." "Então, dê a casa também", e acrescenta a casa na lista. "Está querendo dizer que tenho que morar em minha tenda de camping?" "Possui uma tenda também? Ela também entra no negócio. O que mais?" "Terei que dormir no carro." "Ah, possui um carro?" 19

"Dois." "Todos os dois passam a ser meus. O que mais?" "Bem, o senhor já está com meu dinheiro, minha casa, minha tenda, meus carros. O que mais quer?" "Você é só no mundo?" "Não; tenho esposa e dois filhos..." "Então a esposa e os filhos são meus também. O que mais?" "Não resta mais nada. Estou sozinho agora." De repente o mercador exclama: "Ah, quase me esquecia. Você também. Tudo agora é meu — sua esposa, filhos, dinheiro, carros e você também." E depois continua: "Agora escute: deixarei que você fique com estas coisas por enquanto. Mas não se esqueça de que elas são minhas assim como você também. E quando eu precisar de qualquer uma delas, você terá que entregá-las, pois eu sou o proprietário." E é assim que as coisas se passam, quando estamos sob o domínio de Jesus Cristo. Depois que começamos a pregar esta mensagem de discipulado em nossa igreja em Buenos Aires, nossa congregação mostrou-se muito disposta a obedecer. Muitos dos membros dedicaram seus lares e apartamentos à causa. (Em minha pátria, a inflação é tão elevada que ninguém põe dinheiro no banco, porque isto só traz prejuízo. O que fazem então é comprar coisas, quaisquer coisas cujo valor suba com a inflação. Nossos imóveis são nossas economias.) Ficamos sem saber o que fazer com tantas propriedades. Os pastores se reuniram. "Talvez devamos vender tudo isto e construir um grande templo na cidade", sugeriu um deles. "Não; não. Não é esta a vontade do Senhor", disseram outros. Após seis meses de oração, o Senhor nos mostrou o que devíamos fazer. Reunimos todo o povo e dissemos: "Vamos devolver a cada um suas propriedades. O Senhor nos revelou que não quer casas vazias. Ele quer a casa, mas quer vocês dentro dela, cuidando de tudo. Ele quer os tapetes, o sistema de aquecimento, o ar condicionado, as luminárias, o alimento, tudo pronto para ele. Também quer os carros de cada um, e quer a nós como seus motoristas. "Lembremo-nos, porém, de que tudo pertence a ele." Agora, todas as casas são abertas. Quando alguma pessoa visita nossa igreja, nós não indagamos: "Quem quer hospedar esta pessoa em sua casa?" Nós nos dirigimos à determinada pessoa e dizemos: "Irmão, você levará estas pessoas para sua casa." Nós não pedimos, ordenamos, pois a casa já foi entregue ao Senhor. E as pessoas ainda agradecem a Deus por permitir-lhes morarem na casa dele. Esta maneira de ser é totalmente diferente do convencional. Mas depois que passamos a pensar em nós mesmos como escravos do Reino de Deus, isso faz sentido. O Reino de Deus também é comparado a um casamento. Quando uma moça se casa com um rapaz, ela se torna dele. E todas as coisas que ele possui, passam a pertencer a ela. Se ele possui um ou dois carros, eles pertencem a ela também. Mas nesse processo, ela perde a identidade própria. Nós erramos muito no passado, por termos deixado de pregar a mensagem completa. Nós dissemos aos homens que tudo que pertence a Jesus passa a ser deles, mas esquecemos de mencionar que tudo que temos se torna do Senhor. E, se não fizermos isto, não existe senhorio. Jesus disse: "Quem me dera fosses frio, ou quente! Assim, porque és morno, e nem és frio nem quente, estou a ponto de vomitar-te da minha boca." (Ap 3.15.16.)

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Sabe o que isto significa? Permitam-me citar esta ilustração, mas foi o próprio Jesus quem a apresentou. Quais são as coisas que vomitamos? São coisas que ingerimos e não são digeridas. Se comermos algo, e aquilo for absorvido pelo nosso organismo, não volta a sair pela boca. As pessoas vomitadas são aquelas que se recusam a ser absorvidas pelo Senhor Jesus Cristo. E este processo de absorção implica num dissolvimento pessoal, implica no fim da vida própria. Somos transformados e passamos a integrar Jesus. Somos associados a ele de forma inconfundível. Na Argentina fazem-se bons churrascos. Suponhamos que eu coma um bife. Ele cai no meu estômago e os sucos gástricos se aproximam dele, para o digerirem. Então eles dizem para a carne: "Boa noite! Como vai você?" "Muito bem!" replica o bife. "O que desejam?" "Nós estamos aqui para dissolvê-lo, e integrá-lo no organismo de Juan Carlos." Suponhamos então que o bife replique. "Ah, não. Espere um pouco. Já basta ele ter-me comido, mas desaparecer completamente, isso nunca. Estou no estômago dele, mas quero permanecer sendo bife. Não desejo perder minha individualidade. Quero preservar minha cidadania como churrasco." "Não. senhor. Você tem que ser dissolvido e passar a ser Juan Carlos." "Não; quero permanecer sendo bife." Aí começa a disputa. Se o bife vencer a briga, os sucos gástricos terão que permitir que ele continue a ser um pedaço de carne dentro do meu estômago. Daí a pouco o bife será vomitado. Mas se os sucos gástricos ganharem a briga, o bife perde sua personalidade individual e se torna Juan Carlos Ortiz. (Antes que eu comesse aquele churrasco, ele não passava de uma rês qualquer, num pasto qualquer. Ninguém lhe dava a mínima atenção. Mas depois que ele se dissolve e se integra ao meu organismo chega até a escrever um livro.) Assim acontece também com o Senhor. Nós estamos "em Cristo". Cabe a nós escolhermos se permaneceremos nele ou não. Para ficarmos em Jesus, perdemos nossa vida. É como o escravo de que nos fala Lucas 17, todo o nosso tempo passa a ser do Senhor — as oito horas que trabalhamos; as oito horas que dormimos e as outras oito também. Às vezes um cristão fala consigo mesmo: "Bem, acabei de trabalhar, agora vou para casa, tomar um banho. Depois vou assistir televisão e depois vou dormir. Bem, eu sei que temos culto hoje à noite, mas afinal de contas, pastor, tenho direito a um descanso..." Direito a quê. Sr. Escravo? Não tem direito a nada. Você foi comprado por Jesus Cristo, e ele é o dono de todas as horas do seu dia. Quando o escravo da história contada por Jesus acabou de arar a terra, ele não pensou: Bem, o que vou preparar para o meu jantar? Mas o que ele pensou foi: Que será que vou preparar para o jantar de meu amo? Arroz e feijão? Não. Fiz isso ontem. Bife com fritas? Não. Acho que ele preferiria batata assada. "Bem, acho que vou à igreja hoje à noite. Querida, quem é que vai pregar hoje?" "Creio que é o Fulano de Tal." "Ah, então acho que vou ficar em casa." Nós estamos com as posições invertidas. Os senhores se assentam nos bancos. Tratamos a Jesus como se ele fosse nosso escravo. Nós oramos assim: "Senhor (mas a atitude é outra), vou sair agora. Por favor, vigie a casa para mim para que nenhum ladrão entre aqui enquanto eu estiver fora. E, por favor, livra-me de acidentes, enquanto dirijo." Que é que esperamos que Jesus diga?! "Sim, senhor", ou "Sim, senhora"?

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Servos não dizem: "Senhor, faça isto e aquilo." Os servos, em realidade, dizem: "Senhor, que queres que eu faça?" A alegria do escravo é ver seu Senhor satisfeito. Não é de se admirar que nossas igrejas não estejam operando adequadamente. Ainda nem começamos a pensar em como servir a Jesus. Nossas orações são o seu jantar. Os hinos são a água que depositamos em sua mesa. E a oferta também é parte de sua refeição. Mas nós nos enganamos. Nós dizemos: "Vamos tirar uma oferta para o Senhor com a finalidade de instalarmos ar condicionado na igreja." O Senhor não precisa de ar condicionado. Ele se destina a nós. Muitas das ofertas que levantamos para o Senhor, na realidade, são para nós mesmos. As únicas ofertas que Jesus mencionou como sendo dadas para ele são as que damos para os pobres. Qual é o principal prato de Jesus? Vidas humanas. Paulo diz em Romanos 12.1 que o culto racional que temos de apresentar a Deus é o nosso corpo. Quando o Senhor vê alguém conduzindo a ele uma outra pessoa, ele diz: "Ótimo! Aí vem o meu servo com o meu almoço." E assim outra pessoa se dissolve dentro do organismo de Jesus. E Cristo concluiu a sua história dizendo: "Assim também vós, depois de haverdes feito quanto vos foi ordenado, dizei: Somos servos inúteis, porque fizemos apenas o que devíamos fazer." (Lc 17.10.) Será que nós podemos dizer que fizemos tudo que o Senhor nos ordenou? Se assim for, podemos ter nossa cerimônia de colação de grau. Ele nos conferirá um diploma com os dizeres: "Servos inúteis". Mas nós estamos tão errados hoje que damos a estes servos inúteis um diploma com os dizeres: "Reverendo." Certa vez eu me encontrava num culto, em que certo pregador foi apresentado com grande vibração. O órgão tocou uma introdução, os holofotes foram acesos, enquanto outra pessoa anunciava: “E agora, o grande servo de Deus, Sr ...” Se ele era grande, não era servo. E se era servo, não era grande. Servos em geral compreendem que não valem nada. Eles trabalham oito horas diariamente, e depois chegam em casa e preparam o jantar para seu Senhor — e ao verem seu Senhor desfrutando daquela refeição, eles se sentem felizes e revigorados. Que Deus nos ajude a cumprir alegremente a tarefa de servos de seu Reino.

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5 O Oxigênio do Reino "Novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros: assim como eu vos amei, que também vos ameis uns aos outros. Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros." (Jo 13.34,35.) Antes que o leitor comece a ter receios de se tornar escravo, deixe-me falar-lhe um pouco a respeito do oxigênio do Reino — o amor. Durante muitos anos eu vi o amor apenas como uma das muitas virtudes da vida cristã. Em meus sermões, eu dizia aos ouvintes que ele era uma das qualidades mais importantes na vida. Depois, eu vim a conhecer o verdadeiro amor, e descobri que ele não é apenas um dos aspectos da vida cristã — o amor é a vida cristã. Não é uma das virtudes mais importantes — é a única. Quando falamos acerca da vida eterna, parece que estamos sempre pensando em sua duração, anos e anos e anos. Nunca procuramos meditar sobre sua finalidade. Se vida eterna significa apenas uma vida sem fim, então o inferno é uma forma de vida eterna. Mas a finalidade intrínseca da vida eterna que Jesus dá é o amor. É o seu oxigênio; sem ele não há vida. O amor é o único elemento eterno. Os outros notáveis elementos — dons, línguas, profecias, sabedoria, conhecimento, leitura bíblica, oração — cessarão algum dia. O único que atravessará a morte e passará à eternidade é o amor. O amor é a luz do novo Reino. A Bíblia é tão clara quando diz que Deus é luz, e Deus é amor. João escreveu o seguinte: "Se, porém, andarmos na luz, como ele está na luz, mantemos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado. Não sei por que temos sempre pensado em luz como conhecimento. Talvez seja porque em inglês, a palavra light (luz) às vezes significa "um melhor entendimento". Fala-se a respeito de "acender-se uma luz" sobre um determinado assunto. Na Bíblia, entretanto, luz é amor. "Aquele que ama a seu irmão, permanece na luz e nele não há nenhum tropeço. Aquele, porém, que odeia a seu irmão, está nas trevas, e anda nas trevas, e não sabe para onde vai, porque as trevas lhe cegaram os olhos." (1 Jo 2.10,11.) O que são trevas? Simplesmente a ausência de luz. Não precisamos comprar trevas; não é preciso que encomendemos sacos e sacos de trevas para se encher com elas um recinto. Basta que apaguemos as luzes, e as trevas aparecem. O mesmo acontece com o reino das trevas. As trevas nos comunicam um grande sentimento de solidão. Em minha terra, nós costumávamos ter muitos black-outs à noite. Às vezes, estávamos pregando, e subitamente as luzes se apagavam. O que acontecia? As mulheres logo diziam aos maridos: "Querido, onde está você? Dê-me sua mão." Nada se modificara, mas as pessoas se sentiam subitamente sozinhas, apesar de estarem em companhia de outras. Durante o dia, nós vamos a qualquer lugar, e até levamos flores ao cemitério. Mas, não apreciamos muito a idéia de ir ao cemitério à noite. Por quê? Os mortos estão mortos durante a noite, do mesmo modo que estão durante o dia. Mas é a escuridão que faz com que não queiramos ir lá. As trevas falam de individualidade, de egoísmo. A luz é amor, comunhão, convívio. Se andarmos na luz, teremos comunhão, porque veremos uns aos outros como irmãos. O versículo que citamos acima diz também que: "Nele não há nenhum tropeço", falando daquele que ama seu irmão. Nós, os crentes, tropeçamos uns nos outros o tempo todo. Os 23

pastores se embaraçam uns nos outros e os membros da congregação fazem o mesmo. Até os líderes denominacionais estão sempre tendo dificuldades e desentendimentos. E nós erramos tanto que, às vezes, quando o Espírito Santo desce sobre uma igreja em poder e convicção, temos que ficar muito tempo confessando os erros uns aos outros. Não temos caminhado na luz do amor. Se um irmão está na luz e outro não está, ainda é possível evitar tropeços; um pode guiar o outro. E se os dois estão na luz, melhor ainda. Não há trevas. Vou mais longe: o amor é a prova da salvação. Algumas pessoas pensam que esta prova é o modo como nos vestimos, se fumamos ou não, e se fazemos ou não uma porção de outras coisas. Todas estas coisas são importantes, mas não tanto quanto o amor. Se tivéssemos dado ao amor a mesma importância que temos dado ao fumo, por exemplo, tudo teria sido diferente. O amor é a prova de nossa salvação. Ouçamos o que João diz: "Amados, amemo-nos uns aos outros, porque o amor procede de Deus; e todo aquele que ama é nascido de Deus e conhece a Deus. Aquele que não ama não conhece a Deus, pois Deus é amor." (1 Jo 4.7, 8.) Você deseja saber se é nascido de Deus? Muito fácil, não é? João diz também o seguinte: "Nós sabemos que já passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos; aquele que não ama permanece na morte." (1 Jo 3.14.) Às vezes, algumas pessoas dirigem-se ao pastor e dizem: "Não tenho certeza da salvação; estou com muita dúvida. Como posso chegar a ter certeza?" Eis aqui um teste muito simples: "Você ama os irmãos?" De acordo com esta proposição de João, quem não ama os irmãos não é salvo; está vivendo em morte. Uma pessoa pode conhecer bem a doutrina do milênio ou da tribulação, mas a única maneira como ela pode ser salva, pode passar da morte para a vida, das trevas para a luz, é pelo amor. Tenho que ir um pouco mais longe (espero não escandalizar ninguém): se amássemos do modo como Deus quer que amemos, não haveria necessidade dos mandamentos da Bíblia. "De sorte que o cumprimento da lei é o amor." (Rm 13.10.) E é exatamente nisso que se constitui a nova aliança de Deus. "Na mente lhes imprimirei as minhas leis, também no coração lhas inscreverei" (Jr 31.33.) Quando o amor brota em nosso interior, ele soluciona toda sorte de problemas que porventura possam existir. O fruto do Espírito é o amor — e também alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, e domínio próprio. (Gl 5.22,23.) Por que é que pregamos tanto? Porque desejamos implantar o amor e todas estas coisas no coração dos crentes. Mas se o amor estivesse sendo cultivado como deve, não precisaríamos de tantos sermões. O amor não é um dos elementos da vida cristã — é o seu elemento vital. O amor é a própria vida. As pessoas que estão buscando os dons do Espírito ao invés de buscarem o seu fruto, estão enganando a si mesmas. Embora apreciemos os dons, devemos ter muito cuidado em saber a que daremos ênfase. Jesus não disse: "Pelos seus dons os conhecereis", mas "Pelos seus frutos os conhecereis." (Mt 7.20.) Os dons não fornecem o índice de espiritualidade de ninguém, pois os dons de uma pessoa são como os presentes que depositamos ao pé da árvore de Natal. Buenos Aires é uma cidade muito populosa, e por isso, não temos muita arborização. A maioria de nossas árvores de Natal é artificial; elas são feitas de papel verde e arame. Mas são muito bem enfeitadas. Nós compramos uma destas árvores por dois ou três dólares e dependuramos nelas relógios, anéis, e outros presentes. E elas ficam muito bonitas, embora não sejam árvores de verdade. Mas quando se sai à rua no dia 26 de dezembro, vê-se que todas aquelas belas árvores estão no lixo. Na véspera, elas estavam adornadas com caríssimos relógios Omega, mas hoje

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estão nas latas de lixo. Não podemos valorizar muito uma árvore só por causa dos presentes que ela tem em si. Os dons não indicam que tipo de árvore ela é. Só podemos julgar a árvore pelo fruto. Se as maçãs de uma macieira são boas, então dizemos que aquela macieira é de boa qualidade, e isso se aplica a qualquer árvore. Naturalmente, a melhor coisa que poderia acontecer a uma árvore é ela ter ambos: as frutas boas e os relógios Omega — ter os frutos e os dons. Mas, se isto não for possível, pelo menos o fruto deve ser bom. Uma pessoa que não tem dons pode ser desculpada, mas não há desculpas para a não-frutificação. Se perguntarmos a uma macieira: "Por que você não tem um belo anel?" ela poderia responder: "Desculpe-me, mas ninguém dependurou um anel em mim." Contudo, a macieira não pode ser desculpada por não dar frutos, porque a maçã é um produto natural de uma macieira normal. Do mesmo modo, nós não temos desculpas para a ausência do amor em nossa vida. Se estivermos cheios do Espírito Santo, a coisa mais natural do mundo, para nós, será amar. Eu lamento bastante o fato de que nós, os pentecostais, durante muito tempo, tenhamos dado mais importância a Atos 2.4, do que a Gálatas 5.22. Nossa declaração de fé afirma: "Cremos no revestimento do Espírito Santo de acordo com Atos 2.4", isso é, com o dom de línguas. A História poderia ter sido bem diferente se tivéssemos declarado: "Cremos no revestimento do Espírito Santo, de acordo com Gálatas 5.22." Um dos resultados seria que não haveria tantas divisões entre pessoas cheias do Espírito. Sendo um ministro pentecostal, é difícil para mim ter que confessar isso. Mas tal fato é verdade, e o Espírito Santo deseja que encaremos a realidade. Quando alguém sai para caçar veados ou qualquer outro tipo de caça, ele faz mira para a cabeça do animal e não para a sua cauda, pois se o tiro o atingir na cabeça, pega o animal todo. Ao buscarmos o revestimento do Espírito Santo, a cabeça é o fruto do Espírito e a cauda é o dom de línguas. Muitos de nós estão atirando na cauda, e o animal continua fugindo. Se houvéssemos atirado na cabeça, teríamos todo o animal, inclusive a cauda. Jesus não disse: "Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos, se falardes em outras línguas." Embora eu próprio tenha o dom de línguas, devo dizer que o mundo só saberá que eu sou discípulo de Cristo, se eu mostrar o sinal do amor. Já está na hora de colocarmos a ênfase onde ela deve estar, isto é, naquilo a que Jesus deu ênfase. Sansão possuía dons — carismas — mas era um homem carnal. Saul, o primeiro rei de Israel, era carismático, ele profetizava. Mas era um homem carnal. Paulo disse que, se ele falasse as línguas dos homens e dos anjos, mas não tivesse amor, aquilo não passaria de mero ruído. Falar em línguas, sem amor, é apenas fazer barulho. A profecia e a capacidade de compreender os mistérios espirituais, sem amor, nada são. O dom da fé, sem amor, também é nada. Portanto, se virmos uma pessoa manifestando um dom, mesmo que seja ressuscitar um morto, não tenhamos muita pressa em segui-la. Primeiro, aproximemo-nos daquela árvore. Não nos fixemos nos relógios e anéis; olhemos debaixo das folhas; procuremos pelo seu fruto. Nestes dias de grande confusão, o povo de Deus precisa ser muito sábio. Será que cada um de nós está mesmo ciente da importância do amor? Somente se compreendermos isto, é que estaremos abertos para o Espírito. É como a farinha de um bolo. É possível fazer-se um bolo sem ovos e sem sal, mas não sem a farinha. O amor é a vida cristã. As outras coisas, como por exemplo, os dons, e o culto que prestamos têm seu valor, mas o amor é que é a vida.

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6 Amor ao Próximo Amarás ao teu próximo como a ti mesmo. (Lv 19.18.) O primeiro degrau na escala do amor é o mínimo requerido, é o tipo de amor apresentado no Velho Testamento. Este mandamento não é apenas para a Igreja, naturalmente. Ele tem âmbito universal. Ele é parte da Lei moral de Deus; se todos os homens do mundo amassem alguém, então todos seriam amados e todos estariam amando. Qual é o significado deste mandamento? Ele significa que devo desejar para o meu próximo aquilo que desejo para mim mesmo. E devo empregar, em favor do meu próximo o mesmo esforço que emprego para a obtenção de bens para mim. Se eu tenho um prato de comida e meu próximo não tem, amá-lo implica em empregar em seu favor o mesmo esforço que empreguei em obter alimento para mim. Se isso não for possível, então devo dar a ele metade do que eu possuo. Se eu tenho duas mudas de roupa e ele não tem nenhuma, devo fazer um esforço para conseguir-lhe duas mudas de roupa, do mesmo modo como me empenhei para mim mesmo. Se meus filhos estão bem alimentados e freqüentando uma boa escola, e os dele não estão, tenho que fazer por seus filhos o mesmo que faço pelos meus. Ê isto que significa amar o próximo como a si mesmo. Sabe de uma coisa? A maioria dos crentes não está cumprindo nem mesmo este mandamento do Velho Testamento. Não estamos amando uns aos outros como a próximos. E, naturalmente, Jesus disse que deveríamos amar uns aos outros não como próximos, mas como irmãos. Mas se os amássemos pelo menos na igreja, como próximos, isto daria início a uma revolução. Em toda congregação cristã, existem pessoas que têm demais e pessoas que não têm nada. Um crente tem um belo carro e mora numa casa grande e bonita, e se assenta à mesa para comer peru e carne assada. E eles, todos juntos, cantam hinos que falam sobre o amor e como se amam mutuamente. E quando o culto termina, dizem uns para os outros: "Deus o abençoe, irmão!" e depois cada um vai para sua casa. Quando perguntaram a Jesus: "Quem é o meu próximo?" ele respondeu narrando a parábola do Bom Samaritano (Lc 10) Já preguei muitas vezes sobre esta parábola, espiritualizando-a. Jerusalém, era a igreja; Jericó, o mundo; o viajante era o crente que abandonava a igreja e se dirigia para o mundo. Os ladrões eram Satanás e os demônios e o bom samaritano, o irmão que trazia o outro de volta para a igreja. Que bela maneira de fugir à nossa responsabilidade! Eu estava pregando o Quinto Evangelho, o Evangelho Segundo os Santos Evangélicos. Em outra ocasião, dei uma interpretação diferente. Jerusalém era o jardim do Éden, Jericó, a queda do homem, e Jesus era o Bom Samaritano que veio e... ah! existem tantos modos de explicá-la. Jesus encerrou dizendo ao levita que lhe havia feito a indagação: "Vai, e procede tu de igual modo." (v. 37). Ele quis dizer que se virmos uma pessoa necessitada, devemos atender àquela necessidade. Está bem claro. Não é preciso espiritualizar nada. Mas nós passamos por pessoas que sofrem, e a única coisa que fazemos é ir para casa e comentar o fato: "Presenciei uma cena horrível hoje. Coitado do homem! Senti tanta pena dele..." E nada mais. O samaritano não era nenhuma pessoa excepcional. É verdade que nós o chamamos de "Bom Samaritano", mas Jesus não o fez. Ele disse apenas: "Certo samaritano, que seguia o 26

seu caminho, passou-lhe perto..." (v. 33). Ele estava simplesmente observando o velho mandamento. Deixou, na hospedaria, dinheiro para pagar o tratamento do homem, e depois seguiu em frente para cuidar de seus interesses. Mas nós somos tão relapsos que, em comparação conosco, ele é o bom samaritano. O mesmo acontece nas igrejas hoje em dia. Às vezes um pastor me diz: "Irmão Ortiz, quero apresentar-lhe um bom diácono de minha igreja." "Ah, terei muito prazer em conhecê-lo", digo eu. "Então, depois que fomos apresentados, indago do pastor: "Por que você disse que ele é um bom diácono?" "Bem, porque ele assiste a todas as reuniões. Ele dá o dízimo; e me auxilia todas as vezes que lhe peço. Isto não é ser um bom diácono; isto é apenas ser diácono. Mas quando uma pessoa se aproxima da normalidade, dizemos que ela é "uma excelente pessoa". Como Deus ficaria satisfeito se conseguisse que todos nós fôssemos apenas samaritanos normais. Jesus disse: "Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus." (Mt 5.16.) O que é esta luz? O que é que produz boas obras? O amor. E como já disse antes, a luz de Deus é o amor. Agora precisamos fazer uma aplicação concreta. Quando falamos de amor ou de qualquer outro assunto da Bíblia, temos que fazer uma aplicação específica, senão isto seria costurar sem dar nó na ponta da linha. A gente costura, costura, costura, e as coisas continuam do mesmo jeito. Às vezes tentamos costurar até sem linha mesmo, somente com a agulha. Tudo o que fazemos é perfurar o pano deixando nele pequenos orifícios. Mas o tecido permanece rasgado, pois não damos os passos específicos para conservar os lucros. Deus não ordenou: "Amem a todos os próximos!" É impossível amar o mundo inteiro. Ele diz: "Amarás o teu próximo!" Portanto, escolhamos uma pessoa, uma família, e comecemos a orar por ela. Comecemos a analisar seus problemas, suas necessidades espirituais, materiais e psicológicas — todos os tipos de necessidades. Não nos dirijamos a eles com um folheto na mão; iremos dar a impressão de um vendedor de porta em porta. Vendamos a nós mesmos. Demo-nos a nós mesmos para eles. Deixemos que eles vejam que nós os amamos, e nos colocamos à sua disposição para qualquer serviço. Conhecemos uma senhora de idade, na Argentina, que, segundo ela mesma explica, "nunca conseguiu ganhar uma alma para Jesus". (Para falar a verdade, não nos preocupamos muito em ganhar almas, mas sim ganhar a alma, o corpo e o espírito — a pessoa toda.) Aquela senhora já estava na igreja havia muitos anos. Certo dia, o Senhor deu-lhe uma visão clara deste tipo de amor, e ela veio a compreender que não foi um folheto que Deus enviou do céu; ele mandou seu Filho, que desceu à terra e viveu entre nós e curou as pessoas. Ele nos auxiliou e conviveu conosco. Aquela irmã resolveu que iria fazer a mesma coisa. Defronte do lugar onde morava havia uma casa para alugar. Quando os novos moradores se mudaram para ela, essa irmã já estava preparada. Dirigiu-se para a casa levando café e bolinhos, e disse àquela gente: "Vim trazer-lhes alguma coisa para comer, pois sei que se mudaram agora e creio que ainda não puderam preparar uma refeição. Voltarei depois para buscar as vasilhas; e não se preocupem em lavar nada. Devem estar muito atarefados. "E a propósito, se desejarem conhecer o armazém, fica naquela esquina..." E ela nem colocou um folheto por baixo dos bolinhos. Apenas levou aquelas coisas para eles e ajudou-os um pouco. Pouco depois, ela voltou para pegar os pratos e disse-lhes:

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"Se precisarem de mais alguma coisa, estou às ordens. Se quiserem alguma coisa, terei muito prazer em ajudá-los." Ela não falou de Cristo, mas um mês depois a família toda foi batizada, por causa da luz que ela fizera brilhar diante deles. Jesus não disse: "Deixem que seus lábios falem perante os homens de tal maneira que eles ouçam as belas palavras e glorifiquem o Pai." O que ele disse foi: "Deixem brilhar a sua luz!" — seu amor. Talvez alguns de nós tenham dificuldades com esta questão porque fomos doutrinados num evangelho anticatólico. Desvestimos totalmente as boas o-bras de todos os seus méritos. Não somos salvos por boas obras, dizemos; e isto é apenas uma parte da verdade, pois nós somos "criados em Cristo Jesus para boas obras" (Ef 2.10). Em Atos 10, nós lemos a respeito de Cornélio e das boas obras que realizava — e gostamos de acrescentar que ele ainda não era salvo. Mas notemos que Deus enviou-lhe um anjo porque "as tuas orações e as tuas esmolas subiram para memória diante de Deus" (v. 4). Esta é a outra faceta da verdade. As boas obras evidenciam a existência do amor. As vezes, nós levamos tudo para o lado místico — "Oh! Como eu o amo, meu irmão!" — mas não demonstramos nosso amor de outra forma, a não ser com abraços e sorrisos. Boas obras significam boas obras. Obras significam trabalho, e não apenas uma filosofia mística. Precisamos abrir nossa carteira e praticar boas obras. Naturalmente, existe uma diferença entre as boas obras que são realizadas como resultado do amor, e as realizadas na carne. Paulo disse que se eu der todos os meus bens para os pobres e não tiver amor, nada sou. É por isso que o marxismo não representa uma solução completa para os males da humanidade. O marxismo tem muitas características apreciáveis. Ele ensina algumas coisas boas a respeito da justiça social e da partilha de bens. Mas é exatamente o oposto do que Jesus nos ensinou. (O mesmo acontece com o espiritismo e os dons do Espírito — existem alguns pontos análogos entre eles, mas provêm de fontes diferentes.) Mas notemos isto: não podemos combater os dons, a fim de lutar contra o espiritismo. Não podemos ser contrários à partilha de bens, para negarmos o comunismo. Não nos esqueçamos de que temos de amar o próximo no presente momento, no lugar onde nos encontramos.

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7 Amor aos Irmãos "Novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como eu vos amei, que também vos ameis uns aos outros." (Jo 13.34.) O velho mandamento, o menor grau de amor, falava de um amor com limites. Era baseado no amor que sentimos por nós mesmos. Ele ensinava a amar ao próximo desde que isto não implicasse em riscos para nós. Nesse caso, se eu estiver em perigo, o amor que dedico ao meu próximo se acaba. Isto é o mínimo exigido. Naturalmente, nós pensamos que ele exige até demais, e o chamamos de máximo. Mas, na realidade, se alguma pessoa da igreja amar-me apenas como a um próximo, devo sentir-me ofendido. Eu não sou seu próximo — sou seu irmão. Não fazemos parte de duas famílias vizinhas — somos da mesma família. Os discípulos podem ter dito: "Conhecemos os dez mandamentos; mas qual é este? Deve ser o décimo-primeiro." Jesus não estava muito preocupado com o rótulo que lhe dariam, desde que o obedecessem. "Novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros..." "Isto nós já sabemos", diriam os discípulos. "...assim como eu vos amei." Ah! isto é novidade. Que coisa estranha! O velho mandamento determinava: "Amarás a teu próximo como a ti mesmo." O novo diz: "Amarás a teu irmão, assim como eu te amei." Como foi que Jesus nos amou? Ele nos amou como a si mesmo? Não; ele nos amou mais do que a si mesmo. Ele deu sua vida por nós. Neste grau de amor, o eu desaparece. Temos que amar, amar, amar — até quando? Até sempre! Mesmo que isto nos custe a vida. Isto não significa dar apenas metade de nosso prato de comida, mas dar o prato todo, e a nós mesmos também. Este é o grau de amor que Jesus determinou para a Igreja, a família de Deus; é o amor que deveria imperar em nossa comunidade cristã. Não posso amar meu irmão como a mim mesmo porque o ego já não existe. Não sou eu quem vive, mas Jesus. Nós temos dificuldades em nos dar a outrem, não temos? Existe como que uma grande barreira que nos conserva encerrados em nós mesmos. Esta barreira é o egoísmo. Mas ela deve ser derribada, senão nunca modificaremos a igreja. Os pastores, de seus púlpitos, não podem modificar a estrutura da igreja. Cada um de nós deve modificar sua própria vida, que até o momento tem sido baseada no eu. Estou falando do esqueleto interno de nossa casa, a parte que não se vê, escondida pelas paredes e pelos adornos e tijolos de paramento. Às vezes, fazemos uma porção de modificações em nossas casas, sem mudar sua estrutura interna. Fechamos a janela do cigarro, e abrimos a da escola dominical. Fechamos a do teatro de comédias, e abrimos a do ensaio do coro. Fechamos a janela da bebida alcoólica, e abrimos a das ofertas para a igreja. Depois colocamos tapetes novos, cortinas e papel de parede. Mas a estrutura de nossa casa permanece a mesma; sua configuração ainda é a mesma — eu. E, mais cedo ou mais tarde, os problemas se revelarão novamente. Jesus não quer apenas cortinas novas e janelas abertas; a cruz significa morte para a antiga estrutura. Ele derruba a casa e começa tudo de novo. Existe um cântico evangelístico que diz o seguinte: "Deixa teu fardo aos pés da cruz e sê livre, pecador, sê livre. ' Mas isto não basta. Livrar-se do peso do pecado é bom; mas se o ego sai disso ileso, não adianta nada. 29

Na cruz, temos que passar por uma experiência semelhante à da deflagração atômica, uma experiência que não apenas abale a firmeza de nosso fardo de pecados, mas que também destrua a estrutura do ego. Ela deve ser substituída por uma estrutura em forma de C, isto é. Cristo. No batismo, não é somente o cigarro, a bebida e o jogo que ficam sepultados sob a água. É o ego. Nosso povo precisa compreender isto. Quando uma pessoa sai da água, ela está deixando para trás a si mesma. Ela acaba completamente. Agora é um ser totalmente novo que inicia uma vida de obediência, e isto deve ficar bem claro. Nós, os pastores, às vezes, dizemos que devemos ter mais comunhão uns com os outros. Nós gostaríamos de nos avistar com o pastor da igreja metodista, o da presbiteriana, com o padre local, e assim por diante. Mas depois reclamamos: "Ah, mas eu não tenho tempo. Estou muito ocupado com meu ministério." Somos uns grandes mentirosos. Temos tempo sim. Temos vinte e quatro horas por dia, como qualquer outra pessoa. Por que não sermos sinceros e dizermos: "Eu tenho tempo; mas está todo tomado com meus interesses próprios"? Pelo menos, desta forma, não estaríamos sendo hipócritas. Estaríamos definindo nossa vida como ela é — centralizada no ego. Quem pode obedecer o novo mandamento? Quem pode amar os irmãos como Jesus amou? Isto é possível; Jesus espera que nós obedeçamos. Ele deu este mandamento a você e a mim. Temos que arranjar tempo para amar os outros. Havia um estudante em nossa igreja que parecia estar sempre ocupado. Todas as vezes que eu o abordava para pedir-lhe algum favor, dizia: "Ah, desculpe, pastor, mas eu não tenho tempo. Estou estudando e trabalhando oito horas por dia. Por aí o senhor vê que não posso fazer mais nada. Eu posso vir aos cultos uma vez por semana, mas o resto do tempo, estou muito ocupado." Então certo dia, ele se enamorou de uma jovem. E, de repente, arranjou tempo para visitar a namorada três vezes por semana. Como foi que ele conseguiu isto? Eu não sei, mas foi o amor que fez o milagre. Quando dizemos que não temos tempo, estamos apenas revelando nosso próprio egoísmo. Estamos dizendo que todo o nosso tempo é empregado na edificação de nosso pequeno reino particular. Mas se estivéssemos para morrer, teríamos, para os outros todo o tempo que fosse necessário. Jesus tinha vinte e quatro horas por dia, para os outros. Não tinha nada a fazer para si. Por quê? Porque ele carregava uma cruz sobre os ombros, e ele disse que seus seguidores tinham que fazer o mesmo. Será que nós sabemos o que significa tomar a cruz? Algumas pessoas crêem que a cruz é receber a visita da sogra. Isto não é cruz. Quando um judeu via alguém na rua carregando uma cruz, já sabia o que iria acontecer àquela pessoa. Ela estava para morrer. Jesus disse para tomarmos nossa cruz e vivermos como mortos. Será que estamos dispostos a fazer isto? Estamos preparados para, a qualquer momento, ver aquela cruz ser fincada no chão e nós pregados a ela? Se estivermos, não teremos dificuldade alguma em obedecer a este novo mandamento. Todos nós conhecemos o verso de João 3.16; mas será que já observamos 1 João 3.16? Provavelmente, não. Este verso não pertence ao Evangelho Segundo os Santos Evangélicos. Diz o seguinte: "Nisto conhecemos o amor, em que Cristo deu a sua vida por nós; e devemos dar a nossa vida pelos irmãos." Este verso não é encontrado nas caixinhas de promessas. Se fosse, ninguém as compraria. As pessoas que confeccionam tais caixinhas sempre procuram os versos mais bonitos. Então os crentes tiram um car-tãozinho e dizem: "Oh! veja só o que o Senhor está-me dando hoje!"

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Eu creio que me divertiria bastante se fosse fazer uma destas caixas compilando todos os versos que não são sublinhados em nossas bíblias, versículos iguais a 1 João 3.16. Que surpresa não seria! O apóstolo João novamente nos apresenta um teste bem simples. Conhecemos o amor? É fácil saber: não é necessário possuir o dom de discernimento de espíritos, nem nada. Basta que perguntemos a nós mesmos se estamos dispostos a dar a vida por um irmão. Pensemos em uma determinada pessoa de nossa igreja. Será que morreríamos por ela? Alguns amigos, às vezes, chegam-se para mim e dizem: "Juan, entreguei minha vida a Deus por sua causa. Se alguma coisa acontecer a você, será o mesmo que acontecer a mim. Portanto, minha vida está em suas mãos. Se você precisar do meu sangue, ele é todo seu, como também minha casa, meu carro, tudo." Este é o tipo de amor de que fala o novo mandamento. Deus irá possuir uma nova comunidade. Estão começando a acontecer na Igreja alguns fatos de características muito sérias. O mundo, em geral, ainda não tem conhecimento disso, mas os sinais já estão surgindo. Nós vamos nos tornar como uma cidade edificada sobre o monte, um exemplo de comunidade cristã em que todos se amam uns aos outros. E onde é que isto começa? Este amor deve começar entre aqueles que pregam o amor. De um modo geral, os pastores têm divergido mais entre si, têm estado mais cônscios de suas diferenças, do que a congregação. Por isso, precisamos dar o exemplo, e criar, em cada cidade, um congraçamento entre os pastores locais. Nunca conseguiremos levar nosso povo a amar, se nós próprios não amarmos. Afinal de contas, nós somos os pastores do rebanho. Todo pastor prega muitos sermões sobre o amor. Mas precisamos pôr em prática aquilo que temos pregado. As ovelhas desejam a união. Elas estão cansadas de divisões. Mas nós, a liderança da Igreja, é que constituímos o problema. Temos que ser batizados em amor, antes que Jesus venha novamente. Temos que dar o exemplo do amor para o rebanho. Alguns pastores me dizem: "É, eu sei. Conheço a doutrina da unidade da igreja. Eu até convidei outros pastores para nos reunirmos. Mandei cartas a todos eles; mas ninguém apareceu." Mas este modo de começar está errado. Os pastores estão saturados de reuniões. Eles se sentem como que intimidados. Se alguém nos apresenta uma moça bonita, não podemos dizer: "Satisfação em conhecê-la. Venha, vamos casar-nos." Primeiro é preciso a-prender a amar. Da mesma forma, é preciso que aprendamos a amar outros pastores, antes de podermos convidá-los a irem ao cartório para se casarem conosco. Geralmente, nossos encontros não são promovidos com o intuito de se estimular a comunhão uns com os outros. Se uma reunião está marcada para as 8:00 horas, por exemplo, os pastores chegam ao local às 7:59, cumprimentam-se formalmente, e depois assentam-se e ficam cada um olhando para a nuca do que está à sua frente. Quando a reunião é encerrada, eles se despedem e saem. Onde está a comunhão? E, a propósito, existe o mesmo problema entre as ovelhas. Os crentes se reúnem e dizem: "Olá, como vai? Recomendações à sua família!" E fazem isto todos os domingos, durante vinte anos, e nunca aprofundam seu conhecimento uns dos outros. Nossa estrutura de cultos ou reuniões não nos permite mais ensejos de confraternização e demonstrações de amor. Alguém já viu um rapaz dizer à namorada: "Olá! Como vai? Como está sua família? Bom, está na hora de ir para casa." Não. Eles cultivam uma boa camaradagem, para que ela cresça. Depois, chega um dia em que eles não podem fazer outra coisa senão casar-se. É isto que deve acontecer com os pastores de cada cidade. Seus espíritos e almas devem ser despertados para amarem uns aos outros, como Jesus nos amou.

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É por isso que não podemos começar organizando reuniões. Temos que começar dizendo: "Senhor, eu arranjarei tempo para amar dois ou três pastores desta cidade. Vou escrever seus nomes aqui. Nem mesmo os conheço, já que sou contrário à sua doutrina, mas quero amá-los, pois amar é um mandamento teu." (Alguém pode dizer: "Está certo, irmão. Jesus nos deu o mandamento de amarmos, mas se Deus não nos der este amor, então não podemos amar." (Que esperteza a nossa! Deus nos dá uma ordem, e nós damos um jeito de reverter a situação de modo que possamos transferir tudo de volta para ele. Nós pedimos a Deus: "Senhor, dá-me amor por este irmão." E depois ficamos pensando que se não amamos, a culpa não é nossa — Deus não atendeu nossa oração. (Ouça-me — amar é uma ordem. Não precisamos perguntar de onde virá este amor. Precisamos apenas obedecer o Senhor. Quando nós obedecemos, os fatos ocorrem.) Como é que eu começo a amar os dois ou três pastores cujos nomes escrevi? Primeiro, começo a orar diariamente por eles e faço isto durante uma ou duas semanas. Procuro saber se eles têm familiares e parentes; procuro saber seus nomes e oro por eles. Oro pela sua esposa e pelos filhos na escola. Passo pela casa, e digo: "Senhor Jesus, abençoa este lar." E quando finalmente começar a amá-los, faço-lhes uma visita. Bato à porta, com o coração cheio de amor. "Olá! É aqui a casa do Pastor Smith?" "Sim. Sou eu mesmo." "Ah! Eu sou o pastor Ortiz; vim visitá-lo." Ele ficará um pouco espantado, mas não faz mal. "Entre", diz ele. "Por que resolveu visitar-nos?" "Bem, vim apenas fazer-lhe uma visita, irmão", respondo. "É que eu estou um pouco ocupado hoje, portanto, diga-me o que deseja. Qual o motivo que o trouxe aqui?" "O motivo é que eu desejava vê-lo. Sei que está muito ocupado, então vou ficar só uns cinco minutos. Como foram os cultos no domingo passado?" Como é que ele pode recusar-se a responder a esta pergunta? Ele diz: "Foi um domingo muito bom. O sermão saiu a contento; o povo gostou e aceitou a mensagem; e a oferta foi excelente — quase dois mil dólares. Como vê, estamos indo muito bem." "Ah, que bom!" comento. "O senhor é casado?" "Sim, e tenho três filhos. Minha esposa está doente." Eu me levanto. "Ah, lamento muito. Vou retirar-me agora, mas quero orar antes de sair. 'Graças te damos, Jesus, por este lar, por este irmão, pelos cultos realizados em sua igreja, e por sua esposa. Cura-a, Senhor, peço-te, e abençoa-a. Amém.' Obrigado Pastor Smith. Adeus." E enquanto aquele pastor fecha a porta, murmura consigo mesmo: Coitado! Acho melhor avisar o seu bispo. Parece que ele anda meio esgotado. "Alô! É o bispo? O Pastor Ortiz pertence à sua denominação, não é?... Sim, ele veio à minha casa hoje. O senhor notou alguma coisa estranha nele nestes últimos dias? Eu acho que ele não está muito bom. O senhor sabe, os pastores trabalham tanto, que às vezes a mente deles dá um estalo... E, por favor, fique de olho nele. Ele veio aqui sem motivo algum, imagine só. ...Está bem. Estou certo de que vão cuidar dele. Adeus." Na semana seguinte, o Pastor Ortiz volta a bater à porta do Pastor Smith. Este olha pela janela e diz: "Ih! Aí vem aquele maluco outra vez. Felizmente, ele demora pouco." Então abre a porta. "Bom dia, Pastor Ortiz. Como vai?" "Muito bem, Pastor Smith." "O que deseja?" "Vim apenas visitá-lo." Ele já sabe que terá de convidar-me a entrar. Então eu pergunto:

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"Como vai sua esposa? Eu e minha esposa oramos por ela durante toda a semana passada, e minha esposa pensou em visitá-la, mas não sabíamos se ela poderia receber visitas. Mas mandou-lhe uma lem-brancinha." "Ah, muito obrigado! Diga à sua esposa que ela poderá vir se quiser." "Como foram os cultos da semana passada?" "Bem, as reuniões foram ótimas." "Bom, irmão. Vamos orar porque eu vou retirar-me. 'Graças te damos, Senhor Jesus, porque a esposa deste irmão está melhor. Amém.' Adeus, irmão." Na semana seguinte, novamente eu bato à sua porta. Na quinta vez que o faço, ele já está esperando. Mas o passo seguinte ainda não é convidá-lo para uma reunião. Convido-o para jogar golfe comigo, ou para vir à minha casa para tomar um sorvete. Ele pode ser contrário à minha denominação, mas não pode deixar de gostar de sorvete. Eu o amo. Após a partida de golfe, e depois que ele vem à minha casa, e depois que ele convida a mim e à minha esposa para irmos à sua casa, então podemos considerar-nos amigos. Eu já conquistei sua confiança. É então que lhe falo de meus interesses em que os pastores da cidade se tornem verdadeiramente irmãos e se amem uns aos outros. O amor é o cavalo que puxa o carroção da fraternidade. Não ponhamos o carro adiante dos cavalos. Primeiro, que haja amor; depois, falamos de nossos sentimentos. Isto é muito difícil. Jesus disse que nós tínhamos de entregar a vida em favor dos irmãos. Ir visitar um irmão pastor não é dar a vida. É apenas o começo. Depois que esta prática começa a operar entre nós, os pastores, ela se espalhará rapidamente entre as outras partes do Corpo de Cristo de nossa cidade. Mas é preciso que comece conosco. Temos que enxergar os outros com os olhos de Jesus. Quando Jesus olha para nossa cidade, ele vê pastores e ovelhas — todos como uma unidade apenas. Se estivermos em Cristo, veremos as coisas do mesmo modo. Nem todos nós temos a posse das doutrinas "certas". Mas isto não impede que Jesus nos ame. Nem deve impedir os servos de Jesus. Houve um homem de minha antiga denominação que, algum tempo atrás, se tornou meu inimigo. Disse que eu estava sendo desleal para com a igreja. E, eventualmente, ele começou a odiar-me. Durante uma reunião de uma convenção, dirigi-me para ele, dei-lhe um abraço, e disse: "Olá! Como vai você?" "Não me abrace", disse ele entredentes. "Não gosto de você." "Mas eu gosto de você", respondi. "Você não pode amar-me porque eu sou seu inimigo", retrucou ele, quase gritando. \y "Glória a Deus!" respondi. "Eu não sabia que 'vtjcê era meu inimigo; mas isto é bom, pois assim tenho uma oportunidade de amar um inimigo. "Obrigado, Senhor Jesus, por este precioso inimigo." Sabem de uma coisa? Um ano depois, eu estava pregando em sua igreja. O amor é a arma mais poderosa do mundo. Jesus conquistou o mundo pelo amor. Nós também faremos o mesmo.

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8 Amor Unificador "Eu lhes fiz conhecer o teu nome, e ainda o farei conhecer, afim de que o amor com que me amaste esteja neles e eu neles esteja. (Jo 17.26.) O terceiro grau de amor vai além do velho e do novo mandamentos. É o amor da Trindade. Será que podemos imaginar como é o amor que liga as pessoas da Trindade? Como será que o Pai ama o Filho? Como será que o Filho ama o Pai? Como é que o Espírito Santo ama o Filho? E como é que o Espírito Santo ama o Pai? Como o Pai ama o Espírito? Como o Filho ama o Espírito? Que coisa grandiosa! É o amor eterno. Um amor para pessoas maduras. Este grau de amor é sólido e nunca admite um desacordo. No Velho Testamento, vemos como o Pai realizou prodígios e milagres, ressuscitou mortos, curou enfermos. Depois, o Filho veio à terra e fez as mesmas coisas. O Pai não sentiu inveja. Ele disse até que estava muito satisfeito. (Mt 17.5.) Depois, o Espírito Santo veio e começou a operar as mesmas coisas. Ainda assim, havia uma perfeita unidade neles. O amor deles é tão maduro que nada os ofende. O amor do tipo da Trindade é o que faz com que três sejam um. Dois mais amor eterno, igual a um. Três mais amor eterno, igual a um. Quatro mais amor eterno, igual a um. E cem cristãos mais amor eterno, igual a um. Com qualquer número dá o mesmo resultado. Jesus orou a Deus pedindo que este mesmo grau de amor "esteja neles" — referindo-se a nós. Quando eu era garoto, certo domingo na escola dominical, o professor ensinou uma lição sobre como nós estamos em Cristo. Compreendi muito bem. Mas depois, no domingo seguinte, ele falou sobre Cristo em nós. Objetei. "O senhor deve estar enganado. Se nós estamos em Cristo, como é que Cristo pode estar em nós? Se uma coisa contém a outra, o menor não pode conter o maior, ao mesmo tempo." Mas agora tudo está claro. Se eu estou no coração de meu irmão e ele está no meu coração, nós estamos um no outro. Somos um pelo amor. Mas é claro que, hoje em dia, nós não estamos unificados. Estamos divididos em muitos grupos. Somos metodistas, presbiterianos, pentecostais (de vários tipos), nazarenos, Exército de Salvação, anglicanos, irmãos unidos, batistas (de vários tipos), e ainda muitos outros. Contudo, Deus está-nos reagrupando. Ele já começou a unificar-nos. Todavia, ele não nos agrupa segundo nossas categorias. Ele tem apenas dois grupos: os que amam uns aos outros e os que não amam. Portanto, se me perguntarem: "Irmão Ortiz, de que grupo é o irmão"?, responderei: "Sou do grupo dos que amam uns aos outros." E esta é a diferença entre as ovelhas e cabritos que Jesus mencionou em Mateus 25. Na Argentina a criação de ovinos é bem grande. É interessante observar o que acontece quando se precisa deslocar um rebanho de ovelhas. Todas elas seguem na mesma direção. Elas se tornam como um só corpo. Mas se tentarmos fazer a mesma coisa com os bodes, eles começam a dar marradas uns nos outros, e começam a brigar. Portanto, é muito fácil distinguir-se uma ovelha de um bode. Não é necessário o dom de discernimento nem de interpretação, nada disso. Basta conversar com uma pessoa durante um ou dois minutos. Se ela se mostrar agressiva é um bode. Se demonstrar amor é uma ovelha.

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Como foi que Jesus fez a distinção entre as ovelhas e bodes? Ele se baseou no fato de haverem elas dado água aos sedentos, comida aos famintos, feito visitas a enfermos e encarcerados, e assim por diante. Ele chamou as pessoas que haviam demonstrado amor para com seus irmãos de "benditos de meu Pai" (v. 34). Os outros foram chamados pelo adjetivo oposto, "malditos" (v. 41). Mas ouçam — Deus não está apenas reagrupando seu povo. Ele está unificando-o. Desejo ilustrar isto falando sobre as batatas. Cada pé de batata de uma horta tem três, quatro ou cinco batatas no solo. Cada batata em si pertence a uma planta ou a outra. Por ocasião da colheita, todas as batatas são arrancadas e colocadas num saco. Dessa forma elas ficam agrupadas. Mas ainda não estão perfeitamente unidas. Elas podem dizer: "Graças a Deus! Agora estamos todas no mesmo saco." Mas ainda não são uma só massa. Depois, elas são lavadas e descascadas. E aí pensam que agora estão mais unidas. "Como é belo este amor que nos une!" dizem elas. Mas o processo ainda não terminou. Elas têm que ser cortadas em pedaços, os quais serão misturados. A esta altura, elas já perderam bastante de sua individualidade, e pensam que já estão como o Mestre deseja. Mas a união que Deus realmente quer é a do "purê" de batatas, onde haverá não muitas batatas, mas uma única massa de batatas. Pois nesse caso, nenhuma batata pode erguer a cabeça e dizer: "Ei, aqui estou. Eu sou uma batata." O pronome que ela tem que usar é nós. É por isso que o Pai Nosso se inicia com esta expressão: "Pai nosso que estás no céu..." e não: "Mew Pai que estás no céu..." Com toda a reverência, quero dizer que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são três batatas que se tornaram um purê. E Jesus deseja mais destes purês. E vai conseguir. Ele está realizando uma obra profunda em sua Igreja. Sabem de uma coisa? Se nós começarmos a amar uns aos outros deste modo pleno e maduro, dentro em breve a palavra irmão poderá sumir de nosso vocabulário. Mas do modo como somos agora, precisamos chamar uns aos outros de irmão, pois não vivemos como irmãos. Em minha família, eu era apelidado de Magricela. Ninguém precisava chamar-me de irmão Juan Carlos para provar que era meu irmão; todos eles sabiam que eu era irmão deles. Na igreja, nós dizemos: "Pastor Smith", ou "Irmão Ortiz" porque na realidade não temos um relacionamento fraterno, mas queremos dar a impressão de que temos. Certa vez fui a uma igreja de culto muito formal, e ouvi o pastor dizer: "Sr. Brown, queira dirigir-nos numa palavra de oração." Como este povo é frio, pensei. Ele nem ao menos disse: Irmão Brown. Depois, vim a descobrir que aquele relacionamento entre os senhores daquela igreja era exatamente igual ao dos "irmãos" da minha. Estamos iludindo a nós mesmos com tais palavras. Em todas as nossas conversas sobre o amor, lembremos de suas duas dimensões: a mística e a pragmática. A mística diz: "Ah, irmão, eu sinto um grande amor por você." A pragmática fala: "De quanto é que o irmão precisa?" Há pouco tempo atrás, assisti a uma reunião em Córdoba, na Argentina, onde ia se realizar a Ceia do Senhor. Os dirigentes disseram: "Hoje não teremos pregação. Vamos empregar estes momentos na celebração da Ceia do Senhor. Compramos dez quilos de pão, pois a Bíblia não define o tamanho do pedaço de pão que deve ser utilizado na Ceia. Por isso, dividiremos todos em grupos de quatro pessoas, e daremos a cada grupo um pão, para que o dividam entre si como desejarem." Ficamos naquele salão comendo pão por mais de uma hora. Nós nos abraçamos e choramos, e daí a pouco vimos dinheiro passando de um lado para outro, e os problemas financeiros mais imediatos de alguns irmãos foram resolvidos pelo amor, durante a Ceia do Senhor.

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Amar é um mandamento. O amor é o oxigênio do Reino de Deus. O amor é vida.

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9 A Linguagem do Reino Louvai-o pelos seus feitos poderosos. (SI 150.2.) De todos os personagens bíblicos, Davi é o que melhor nos fala acerca do louvor e da adoração. Ele discorre mais que qualquer outro e com mais autoridade sobre como expressar o amor do reino, que temos em nosso coração. Algum tempo atrás, resolvi ler todos os salmos de Davi de uma assentada. Não tencionava procurar versos especiais nem mensagens de conforto ou encorajamento. Apenas queria aprender alguma coisa acerca de Davi, pois desejava ser como ele. Descobri que o livro é como uma sinfonia. Ele começa bem suave. Dá-nos a mesma sensação de quando ouvimos uma orquestra filarmônica pela primeira vez. Vemos todos aqueles instrumentos e calculamos que iremos ser totalmente envolvidos por uma avassaladora onda de sons. Mas, então, começam a tocar apenas dois ou três violinos. Que decepção! Depois, de pianíssimo, a música passa para piano. A seguir, fica um pouco mais forte... meio forte... forte. E quando todos os instrumentos estão soando juntos, ficamos quase amedrontados. O Salmo 150 é o fortíssimo de Davi, o "grand finale" da sinfonia. Louvai-o ao som da trombeta. Louvai-o com saltério e com harpa. Louvai-o com adufes e danças; Louvai-o com instrumentos de cordas e com flautas. Louvai-o com címbalos sonoros; Louvai-o com címbalos retumbantes. Todo ser que respira louve ao Senhor. Aleluia! (Versos 3-6.) Por que todo este barulho? Por causa de seus "feitos poderosos''. Eu nasci e me criei numa igreja que dava muita importância ao louvor a Deus. Bem cedo, aprendi as palavras de louvor. Contudo, não entendi claramente o conceito certo de louvor, embora dedicássemos uma grande parte de nossos cultos ao louvor. O que é louvar? Qualquer dicionário nos dirá que louvar é reconhecer as virtudes de alguém. Louvar não é apenas repetir a palavra louvor. Se eu estou num culto, e ouço alguém fazer um belíssimo solo, eu não me dirijo a esta pessoa e fico a repetir: "Eu o louvo! Eu o louvo! Eu o louvo!" Isto não é louvar. Tenho que louvá-lo por algo que ele fez. Eu deveria dizer: "Olhe, quando você começou a cantar, meu coração se abriu à mensagem do hino. Olhei para as pessoas ao meu lado, e vi que também elas, todos nós, estávamos arrebatados pelo seu canto." Se eu vejo uma senhora andando pela rua com seu filho, corro para ela, agarro seu braço e digo: "õ minha senhora, eu a louvo! Eu a louvo! Eu a louvo!" Se eu disser isso, ela dirá: "Você está louco!" Mas se eu disser: "Com licença, minha senhora. É a mãe desta criança?", ela responderá: "Sou". E eu direi: "Ê uma bela criança. Seu filho tem belos modos, e a senhora pode orgulharse dele." Eu a louvei, embora não tenha pronunciado a palavra louvor.

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Se eu me aproximar de um pintor e disser: "Oh! Eu o louvo, aleluia!" ele sairá correndo, fugindo de mim. Eu deveria ter dito: "Eu estava observando seus quadros, e gostei muito da maneira como você pintou aquela mão segurando a xícara — é simplesmente maravilhoso. Parece até que ela está saindo da moldura e convidando-nos a sentar e jantar." Uma grande parte de nosso louvor consiste somente em repetir a palavra louvor, e isto não significa nada. Nossas palavras são como caixas vazias. Para ensinar à minha igreja esta lição, comecei a interrogá-los. Todas as vezes que ouvia alguém dizer: "Glória a Deus!" eu diria: "Espere um pouco, por que você está louvando ao Senhor?" "Bem, eu estou louvando a Deus porque, ahhh... porque, bem ahhh..." Não sabia. Alguém dizia: "Aleluia!" E eu perguntava: "Por que você disse: 'Aleluia!' ?" "Bem, eu disse Aleluia porque... ahhh..., bem, ahh..." "Você disse 'Aleluia!' porque é pentecostal e faz parte de nossa liturgia dizer 'Aleluia!'." Davi disse: "Louvai-o pelos seus poderosos feitos." Mas nós não temos feito isto. Nós chegamos à igreja puxando um carrinho de mão cheio de caixas belamente embaladas e atadas com lindas fitas, ostentando cartões que trazem os dizeres: "Glória ao Senhor!" "Aleluia!" "Glória a Deus!" e "Amém!" E os pastores dizem: "Que gente maravilhosa! Eles trazem tanto louvor à igreja!" E todas as caixas são levadas para o altar. Mas quando Deus as abre, não encontra nada dentro. Certa vez eu disse para mim mesmo: Já estou na igreja há mais de trinta anos — isto é, desde que nasci. O que aprendi este tempo todo a respeito do louvor? Bem, eu aprendi a repetir quatro fórmulas de louvor: Aleluia! Glória ao Senhor! Glória a Deus! e Amém. E isso em trinta anos. Aprendera também a gritar estas quatro expressões. E ultimamente eu dera um passo à frente dos mais antigos: aprendera a cantá-las também. As palavras eram as mesmas, mas agora eu as cantava, e achei que aquilo era sensacional. E eu disse: "Senhor, será que isto é tudo que eu posso oferecer-te em matéria de louvor?" Depois, então, li um verso que Davi escreveu: - "Louvai-o pelos seus poderosos feitos." E compreendi que cada palavra de louvor deve ter um motivo. Temos que saber por que louvamos o Senhor. De outro modo, estaremos apenas nos enganando, pensando que estamos louvando ao Senhor, quando, na realidade, estamos apenas pronunciando algumas palavras. Suponhamos que eu saia para fazer compras. Quando volto para casa, minha esposa pergunta: "Onde você esteve?" "Fazendo compras." "O que você comprou?" "Nada. Fui fazer compras, mas não comprei nada." Eu disse a palavra compras, mas não fiz compras. Apenas fiquei andando de um lado para outro. Muitos de nós empregam palavras de louvor; nós as repetimos muitas vezes. Mas não estamos louvando realmente. Deus não quer palavras; ele quer louvor. Ele não está interessado nas caixas; quer o conteúdo delas. Minha igreja aceitou bem esta primeira proposição, e então resolvi dar mais um passo. "Para podermos avançar nesta questão de louvor", disse-lhes, "durante este mês estamos proibidos de pronunciar estas quatro fórmulas de louvor em nossos cultos. Vamos continuar louvando a Deus, mas procurando outras palavras."

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Ninguém mais sabia louvar a Deus. Minha esposa perguntou: "Juan, se eu não posso dizer Aleluia, o que vou dizer então? Afinal de contas, os anjos dizem: Aleluia!" "Certo", respondi-lhe, "mas eles dizem: "Aleluia! Pois reina o Senhor nosso Deus, o Todo-poderoso." (Ap 19.6.) Eles louvam a Deus "pelos seus poderosos feitos". Precisamos ter em mente um feito poderoso de Deus, quando o louvamos, senão nosso louvor é vazio." Nós nos tornamos como caminhões pesados, quando atolam na lama. Ficam presos ali, as rodas derrapando violentamente, fazem um enorme barulhão, queimam muito combustível — mas não saem do lugar. Eu estava com o mesmo problema — fazia muito barulho, mas estava grudado no chão. Não tinha palavras. Reconheci minha pobreza no louvor, e disse: "Senhor, acho que, para o meu coração, o Senhor não significa muita coisa. Se não canto os salmos de Davi ou os hinos do hinário, não tenho muita coisa para dizer-te." Mas nós aprendemos bastante com aquela experiência. Descobri que estivéramos avaliando nossas reuniões pela quantidade de palavras de louvor que ouvíamos, o que, muitas vezes, não significavam nada. Comecei a procurar em minha vida e experiência fatos e bênçãos pelos quais eu podia louvar a Deus. E encontrei o Senhor em lugares onde nunca pensei que estaria. Passei a ver Cristo no meu irmão. A princípio, a única coisa que eu conseguia dizer era: “Glória a Deus, porque ele tem uma fisionomia alegre.” Mas, depois, passei a me lembrar de que Jesus vivia dentro dele. E, eventualmente, vim a compreender que o louvor não é apenas uma explosão de palavras que pronunciamos no domingo pela manhã. O louvor é toda uma linguagem. O louvor é a linguagem do Reino de Deus. Assim como o espanhol é a língua da Argentina, o inglês é a língua dos Estados Unidos e da Inglaterra, o português a do Brasil, assim, o louvor é a linguagem do Reino de Deus. Os cidadãos deste Reino falam seu idioma, e nós nos reconhecemos uns aos outros pelo sotaque. Ê como disse Davi: "O seu louvor estará sempre nos meus lábios" (SI 34.1). Ele louvava a Deus no leito, da mesma forma que o louvava durante o dia. Para Deus, existem somente duas línguas neste mundo: a língua de seu Reino e a do reino das trevas. A primeira é a linguagem do louvor; a outra, a da queixa. O louvor exalta virtudes. A queixa critica a virtude. Todo ser humano fala ou uma língua ou a outra. Vamos escutar um pouquinho os cidadãos do reino das trevas. O despertador toca pela manhã: "Ahhhhh! Quem foi que inventou o trabalho?" Assentam-se para o desjejum: "O café está muito quente." Eles reclamam do tempo, do governo, do tráfego — de tudo. É toda uma linguagem. Foi um choque para mim constatar que os cidadãos do Reino de Deus, na maior parte do tempo, falam o idioma errado. Eles vão à igreja e cantam: "Aleluia! Aleluia!" Depois, quando o culto termina, eles saem: "Ih! Está chovendo. Que dia horrível!" Quem fez o dia? O Senhor. Talvez eles devessem fazer uma corrigenda naquele conhecido corinho, e cantá-lo assim: "Este é o dia que fez o Senhor, vamos criticar e reclamar." Como podemos cantar: "Glória a Deus!" e instantes depois criticarmos a mesma Pessoa? Nosso louvor não alcança nosso entendimento. Louvamos sem saber o que estamos fazendo. Às vezes alguns americanos aproximam-se de mim e dizem: "Como está usted?" E eu respondo: "Muchas gracias; muy bien, y usted?" Então eles riem e dizem: "Ah, bom, eu não sei mais nada de espanhol." O espanhol não é a língua deles; tudo que sabem são algumas palavras que aprenderam na escola. Seu vocabulário é muito limitado.

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O mesmo acontece com alguns crentes. A sua linguagem não é o louvor; eles sabem apenas algumas palavras que aprenderam na escola pentecostal: "Aleluia!" "Glória a Deus!" Mas durante o restante do dia eles falam a linguagem da queixa. Se está fazendo muito frio ou muito calor, e não chove, nós reclamamos: "Que dia horrível!" Nada do que Deus fez pode ser considerado horrível. O clima é uma manifestação do seu grande poder. Também o são a neve, o calor e o gelo. Eu já aprendi a dizer: "Que belo dia ensolarado!" "Que belo dia chuvoso!" "Que belo dia de neve!" "Que lindo dia quente!" — por que não? Todos eles são belos, porque Deus os fez, e ele merece ser louvado por tê-los feito. Paulo disse a Timóteo: "Tudo que Deus criou é bom, e, recebido com ações de graça, nada é recusável." (1 Tm 4.4.) Se nós possuímos um coração agradecido, tudo é bom. Se não, tudo é sempre ruim. Em Buenos Aires, às vezes, a temperatura sobe até 43 ° C, no verão. Então, quando está pelos 32 ° ou 35 °, encontro com alguém que me diz: "Olá, Pastor Ortiz, como é que o senhor vai passando com este calor?" "Vou bem, obrigado!" respondo eu. "E você?" "Ah, terrível." "Ah, não, irmão. Foi o nosso Pai que ligou o aquecedor." Quando o termômetro sobe para 38 °, eles reclamam mais ainda. Mas o crente pode sentir orgulho de seu Pai. Que poder tem ele! Para aquecer o prédio de uma galeria de lojas, por exemplo, são necessárias caldeiras enormes. Mas nosso Pai aquece o país todo elevando sua temperatura até 43 °, e faz isso sem nenhuma dificuldade. Ou então ele congela tudo, e mata todos os germes sem precisar de DDT. É fantástico! Todos os anos, uma equipe russa de patinadores no gelo visita nossa cidade e dá um espetáculo ali. Eu já vi as imensas máquinas que eles têm que transportar consigo para produzir uma simples camada de gelo no piso do estádio. Mas também já vi como Deus congela todo o Canadá. E sem maquinário. Isso é o poder de Deus. Glória a Deus pelo gelo e pela neve! Paulo disse também: "Antes de tudo, pois, exorto que se use a prática de súplicas, orações, intercessões, ações de graças, em favor de todos os homens." (1 Tm 2.1.). Certa vez, estávamos tentando louvar ao Senhor em um de nossos cultos sem dizer aquelas quatro frases, quando, num dado momento, pareceu-me que o Espírito tomou controle de mim, e eu disse: "Senhor, nós vamos agradecer-te por algumas coisas ou pessoas em particular. Vamos começar pensando no telefone. Geralmente, não lhe damos o devido valor — mas quanta gente contribui para o seu funcionamento. Quanto trabalho técnico! Graças te damos. Senhor, pela Companhia Telefônica." E todo o povo disse: "Obrigado, Senhor, pela Companhia Telefônica!" "Senhor", continuei, e quando nós abrimos a torneira, dali jorra água — quente e fria. Parece tão simples, mas quantos milhares de pessoas trabalham para que nós tenhamos água. “Obrigado, Senhor, pelo departamento de águas." E novamente o povo disse: "Sim. Nós te agradecemos. Senhor, por ele." E nós continuamos agradecendo a Deus pelos professores, pelos motoristas de ônibus, pelos médicos, enfermeiros, policiais, e até pelo prefeito de nossa cidade. Nunca havíamos feito tal coisa antes. Estávamos por demais atarefados com nossos "Aleluias" e "Glória a Deus!" Mas, proibidos de falar estas palavras, tivemos que arranjar outras. E assim entramos numa nova dimensão de louvor. Eu creio que Deus está cansado de ouvir queixas. Quando nós dizemos: "Senhor, nós te damos graças pelas boas realizações de nosso prefeito", eu acho que Deus diz: "Até que enfim! Alguém finalmente reconheceu que eu realizei algum bem."

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Se um dia o telefone não funciona, começamos a nos queixar e nos esquecemos de todos os outros dias em que ele funcionou perfeitamente. Se um dia o pastor não prega bem, nós o criticamos, esquecendo-nos das boas mensagens que ele já entregou. Mesmo quando alguém morre, por que temos de nos entristecer, esquecendo-nos de todos os anos que aquela pessoa viveu? Certa vez tive que dirigir um culto fúnebre de uma senhora que falecera aos setenta anos de idade. Eu não queria usar a linguagem das trevas, e por isso disse: "Graças a Deus pelos setenta anos em que esta senhora conviveu conosco! Deus é tão bom! Ele permitiu que ela vivesse entre nós todo este tempo. Vamos agradecer-lhe por isto." Toda a atmosfera se modificou. Até mesmo o marido disse: "Graças te dou, Senhor, por teres me dado todo este tempo ao lado de minha esposa!" Mais tarde ele pediu que cantássemos um corinho cuja letra diz mais ou menos o seguinte: Eu venho dizer-te Eu venho dizer-te, meu Salvador. Que eu amo a ti, que eu amo a ti, De todo coração. Oh, estou feliz, estou tão feliz e cheio de gozo. Este hino não seria muito apropriado para um culto fúnebre, mas foi o que ele quis cantar. Depois nós demos as mãos e começamos a dançar no espírito — até o viúvo. Ele estava tão feliz com a revelação de que Deus dera todos aqueles 70 anos à sua esposa, que desejou fazer uma comemoração. E por que não? Temos que nos observar para ver se estamos falando a linguagem certa. Se a que falamos é a do Reino de Deus, então temos que louvá-lo todos os dias, o ano inteiro, e entender plenamente o que dizemos.

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10 Olhos Abertos Quando contemplo os teus céus, obra dos teus dedos, e a lua e as estrelas que estabeleceste, que ê o homem que dele te lembres? e o filho do homem, que o visites? (SI 8.3,4.) Ruja o mar e a sua plenitude, o mundo e os que nele habitam. Os rios batam palmas, e juntos cantem de júbilo os montes, na presença do Senhor. (SI 98.7-9a.) Os poderosos feitos de Deus acham-se em toda a parte. O problema é que nós não os vemos. Certo dia ocorreu-me uma idéia meio pueril a este respeito. É a seguinte: talvez a razão de não termos louvores para dar a Deus é que sempre o louvamos de olhos fechados. Em que podemos pensar quando tudo está escuro? (Geralmente, apenas naquelas quatro frases.) Mas quando abrimos os olhos e olhamos ao nosso redor, encontramos vários tipos de coisas boas pelas quais podemos agradecer a Deus. Certa vez, eu e meu grupo de discipulandos realizamos um retiro num sítio que ficava a duas horas de Buenos Aires. Era uma casa muito boa, com um grande jardim rodeado de pinheiros, muitas flores, aves, etc. Começamos a orar sob uma macieira. Estávamos em setembro, e, em nosso país, nessa época, é primavera. O primeiro a orar disse: "Senhor, nós vimos à tua presença..." falava exatamente como quando orávamos no porão da igreja. O segundo fez a mesma coisa. Quando chegou minha vez de orar, eu disse: "Senhor, nós viajamos um bom tempo para chegar até aqui. Se quiséssemos realizar a mesma reunião de oração que sempre fazemos no porão da igreja, podíamos ter ficado em Buenos Aires." Abri os olhos. A macieira estava toda florida e havia um passarinho pousado bem no meio dela. Continuei: "Senhor, que tolos nós somos, de vir tão longe e chegar neste recanto tão agradável, e ficar aqui de olhos fechados. Senhor, como esta macieira é bela! As flores são belíssimas. Vê esta ave que criaste, Senhor; não é maravilhosa?" Os outros homens começaram a abrir os olhos para ver o que se passava com seu pastor. Eu continuei: "Senhor, vê aquela roseira, aqueles pinheiros... Agora eu compreendo por que não temos encontrado novas expressões de louvor. Agora compreendo por que Davi te louvava tanto — Senhor, em que verso da Bíblia se diz que temos que fechar os olhos para orar?" Dei uma passada rápida de Gênesis a Apocalipse — não encontrei tal regra. Não havia nenhuma. Na verdade, a Bíblia ensina bem o contrário. O Salmo 121 diz: "Elevo os olhos para os montes..." Antes de fazer sua última oração, Jesus "levantou os olhos ao céu" (Jo 17.1). Neste caso também nossa tradição nos coloca ao inverso da Bíblia. Os outros homens abriram os olhos e daí a pouco começavam a fazer orações diferentes. Um deles disse: "Olhe, o sol! Não é maravilhoso? Não é um milagre de Deus? Pai, tu és maravilhoso! Tu fazes tudo tão perfeito!" Depois, pusemo-nos a caminhar pelo terreno. Sentimos o perfume das rosas e conversamos acerca do maravilhoso poder de Deus. Um rapaz subiu a uma árvore e começou a descrever as coisas que via de lá, mencionando seus nomes e dizendo: "Que coisas maravilhosas eu vejo daqui!" Breve, todos nós estávamos trepados em árvores (foi uma reunião de oração bem diferente), berrando como um bando de macacos. "Olhe aquela vaca! Veja o milho crescendo pelo poder de Deus! Veja aquele homem acolá! Olhe aquele casal de namorados. Glória a Deus pelo amor!" 42

Depois nós descemos e pouco depois um deles disse: "Olhem para esta grama." "O que tem a grama?" indaguei. "Nunca viu grama antes?" "Já", respondeu ele. "Mas agora estou compreendendo que ela é o tapete que Deus fez para o mundo. Glória a Deus pelo seu tapete!" E continuamos assim durante quatro horas. Foi a reunião de oração mais prática que já tivemos. Depois daquele dia, passamos a orar de olhos abertos, e penetramos em todo um novo mundo de louvor. Aquilo modificou nossa forma pentecostal de cultuar. Antes, em nossas reuniões, havia muita gritaria e tremores. Mantínhamos os olhos fechados, e assim nos esquecíamos de que havia outras pessoas presentes. Mas, então, tudo isso acabou. Deixamos de demonstrar expressões agônicas no semblante, como acontecia antes, quando orávamos. Sabíamos que havia outras pessoas nos observando, e por isso queríamos estampar no rosto uma expressão bem bonita. Outra coisa que aconteceu foi que paramos de alterar a voz e nosso vocabulário nas orações. Muitos crentes, quando oram, assumem maneiras diferentes de falar; usam modos rebuscados e dramáticos. Por quê? Porque fecham os olhos e pensam que entraram em outro mundo. Mas, com os olhos abertos, compreendemos que temos que viver somente um tipo de vida, nas vinte e quatro horas do dia. Tudo deve ser feito na presença do Senhor; ele está sempre aqui. Nós não precisamos arranjar nenhum discurso especial para ele. Em nossa igreja, tivemos que modificar a disposição dos bancos. Quando estavam em fileiras, ficávamos sempre olhando uns para a nuca dos outros. Agora, queríamos contemplar seus rostos. Por isso, dispusemos os bancos em círculos. Agora parece que temos mais comunhão. Vemos uma pessoa louvando a Deus, e dizemos: "Senhor, eu te agradeço por aquele homem..." É verdade que, às vezes, precisamos fechar os olhos e contemplar o nosso interior. Mas quando louvamos a Deus, estamos entrando em contato com o mundo que nos cerca, e então encontramos ao nosso redor muitos objetos com os quais podemos encher nossas caixas de louvor. Não foi isso que Davi fez? Ele deve ter visto um pastor descendo a estrada em sua direção, e então indagou: "Olá, onde vai levando este rebanho?" E o pastor deve ter respondido: "Para os pastos verdejantes que há do outro lado da colina, e àquele remanso tranqüilo." E Davi, sendo um homem espiritual, que falava a linguagem do Reino, viu a beleza de Deus naquilo. E ao prosseguir sozinho em sua caminhada, cantou: "O Senhor é o meu pastor: Nada me faltará. Ele me faz repousar em pastos verdejantes. Leva-me para junto das águas de descanso." (SI 23.1,2.) Se fossemos nós, crentes carnais, que estivéssemos ali em vez de Davi, não teríamos enxergado nada disso, e o diálogo teria se processado do seguinte modo: "Olá, Sr. pastor! Diga-me, quantos quilos de lã cada ovelha dá, de cada vez?" "Quinze quilos." "Ah! E a quanto vende o quilo?" "Dez dólares." "Entendo. Quer dizer então que você pensa ganhar uns cento e cinqüenta dólares por ovelha, não é? É um bom negócio." Somente materialismo. Entretanto, vamos à igreja e ficamos cantando: "Aleluia! Glória a Deus!"

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E o Senhor nos ouve e diz para si mesmo: Hummm mm. Ê o mesmo velho disco de sempre. Davi disse: "Cantai ao Senhor um cântico novo" (SI 98.1). Se ele fosse um de nossos compositores modernos, ele estaria interessado em vender suas músicas e diria: "Cantai minha bela música sempre!" Mas ele queria que cada pessoa escrevesse seus próprios salmos. Os salmos não estão restritos àquele livro da Bíblia que está entre Jó e Provérbios. Os salmos são uma resposta espontânea de um homem espiritual a uma determinada circunstância. Quando nos sobrevêm algum contratempo, (e a Davi aconteceram vários) nossa reação deveria ser o cântico de um salmo para o Senhor. Se recebêssemos boas notícias, procederíamos da mesma forma. Paulo disse aos efésios que as pessoas cheias do Espírito Santo falam entre si "com salmos" (Ef 5.19). Não era necessariamente aos salmos de Davi que ele se referia. Nós nem precisamos saber ler. Mas o Espírito que habita em nós deve dar origem a novos salmos, salmos de nossa autoria. Quantas vezes, nós "tomamos emprestados" os louvores de outrem. Usamos os salmos de Davi, mas não temos a sua atitude interior. Se ele estivesse aqui provavelmente se aproximaria de nós, arrancaria o hinário de nossas mãos, e diria: "Não cante assim! Não escrevi este salmo para ser cantado em meio a devaneios. Meu coração estava tomado pelas palavras que dizia; elas eram como uma explosão da minha alma. Mas você canta tão displicentemente — está entediado." Está certo tomarmos emprestado alguns hinos, mas seria melhor cantar ao Senhor um cântico novo. Lembremo-nos de quando Maria foi visitar Isabel. Em nossa igreja, como seria a conversa entre duas senhoras que estivessem esperando bebê? "Com quantos meses você está?" "Está passando bem?" "Você quer menino ou menina?" "Já tem bastantes roupinhas?" Mas quando Maria e Isabel se encontraram, a saudação foi uma frase de salmo: "Bendita és tu entre as mulheres e bendito o fruto do teu ventre" (Lc 1.42). E como foi que Maria replicou? Com um cântico de louvor. "A minha alma engrandece ao Senhor, e o meu espírito se alegrou em Deus, meu Salvador" (w. 46 e seguintes). Simeão era outro homem cheio do Espírito. Quando viu o menino Jesus, ele não disse: "Que lindo! Qual a idade de seu filhinho?" Ele disse: "Despede em paz o teu servo, segundo a tua palavra; porque os meus olhos já viram a tua salvação" (2.29 e seguintes). A profetisa Ana fez o mesmo. Por que as pessoas que estão cheias do Espírito não podem ter um fluir constante de salmos? Um dia eu me tranquei em meu gabinete e disse ao Senhor: "Senhor, hoje cantarei para ti um cântico novo." Peguei meu violão e comecei a dedilhá-lo. "Aleluia! Aleluia! Glória a Deus!". Estava bem fraco. Descobri minha pobreza no louvor. Eu não tinha nada para cantar a não ser aquelas frases que podia tomar emprestado de Davi, da virgem Maria, de Carlos Wesley. Mas não desisti; e de lá para cajá aprendi a louvar a Deus em salmos, expressando-lhe o muito que ele significa para mim. Eu e meus discipulandos, muitas vezes, temos cantado cânticos novos para Deus, falando e respondendo, cada um por sua vez. Alguns anos atrás, eu e minha esposa ficamos viajando pela Europa durante um mês. Quando finalmente chegamos a Roma, encontramos ali inúmeras cartas à nossa espera: da secretária, de minha mãe e das crianças. Logicamente, abrimos as das crianças em primeiro lugar. O garoto de seis anos escrevera todas as palavras que conhecia: papai, mamãe, tio, vaca, cavalo. Não era uma carta, realmente, mas era o melhor que ele poderia fazer, e nós ficamos deslumbrados. "Veja isto!" dissemos um para o outro. "Que coisa boa!"

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O outro de cinco anos não sabia escrever nada, então ele fez um desenho de um casamento: o noivo, a noiva, e eu como o pastor oficiante. "Olhe só o que ele fez!" exclamamos rindo e exultando, sentindo-nos assaltados por imensa saudade. Depois, pegamos um pedaço de papel amassado — a carta do pequeno de três anos. Era apenas rabiscos. "Olhe para isto!" exclamei. Minha esposa começou a chorar, e daí a pouco eu também chorava. O pastor italiano que nos levara a correspondência ficou a espiar-nos. Estendi-lhe as três folhas de papel. "Eles não são maravilhosos?" Por que será que ele não disse nada? Porque não se tratava dos filhos dele. Para mim e minha esposa, aqueles pedaços de papel eram os mais preciosos do mundo. E até hoje os conservamos. Ouça-me! Cante para Deus um cântico novo — mesmo que sejam só uns balbúcios. Ele vai gostar de ouvi-lo, mais do que o Aleluia de Haendel cantado pelo Coro do Tabernáculo Mórmon. Comece a cantar. Tome aquilo que está em seu coração e expresse-o em palavras novas, em cânticos novos. Fale ao Senhor sobre o que lhe sucedeu hoje, sobre alguma coisa que vê ao seu redor, sobre qualquer coisa que esteja demonstrando seu poder e glória. Deus fará um alarde tão grande nos céus, que os anjos irao arregalar os olhos para ele, exatamente como fez aquele pastor italiano diante de nós. "Escutem isto!" gritará o Senhor. "Escutem Juan Carlos cantando e tocando o violão. Ontem ele só sabia dizer: 'Aleluia! Glória a Deus!' mas hoje ele já está acrescentando palavras novas. Escutem!" A orquestra filarmônica dos anjos e seu coro sabem cantar e tocar bem melhor, mas Deus diz: "Estou saturado disto. Agora quero ouvir um pouco o Joãozinho com seu balbuciar vacilante." Enchamos nossas caixas vazias com palavras e cânticos novos. Louvai-o pelos seus poderosos feitos.

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Segunda Parte

Os Odres Novos Tenho uma forte impressão de que tudo o que foi dito até aqui não passará de mero palavreado, a menos que encaremos a verdadeira raiz do problema. Chamo a tal problema de "infância permanente" do crente. Que adianta falarmos em reconhecer a Cristo como Senhor, ou em servi-lo como escravos, ou em derramar nosso amor e louvor em atos concretos para o seu novo Reino — se não somos capazes de mudar, crescer, avançar, passar desse estágio infantil que prolongamos tanto? Ê disto que trata a segunda parte deste volume.

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11 Eternas Crianças? A esse respeito temos muitas cousas que dizer, e difíceis de explicar, porquanto vos tendes tornado tardios em ouvir. Pois, com efeito, quando devíeis ser mestres, atendendo ao tempo decorrido, tendes novamente necessidade de alguém que vos ensine de novo quais são os princípios elementares dos oráculos de Deus; assim vos tornastes como necessitados de leite, e não de alimento sólido. Ora, todo aquele que se alimenta de leite, é inexperiente na palavra da justiça, porque é criança. Mas o alimento sólido é para og adultos, para aqueles que, pela prática, têm as suas faculdades exercitadas para discernir não somente o bem, mas também o mal. Por isso, pondo de parte os princípios elementares da doutrina de Cristo, deixemonos levar para o que é perfeito, não lançando de novo a base do arrependimento de obras mortas, e da fé em Deus, e o ensino de batismos e da imposição de mãos, da ressurreição dos mortos e do juízo eterno. Isso faremos se Deus o permitir. (Hb 6.3.) Recebi um grande choque na primeira vez que Deus me revelou como eu e minha igreja éramos infantis. Quando iniciei meu ministério naquela igreja de Buenos Aires, ela contava com 184 membros. Começamos a trabalhar imediatamente, e após dois anos de muita organização e trabalho de expansão chegamos à cifra de 600 membros. Havíamos triplicado nosso número. Eu assistira a muitos congressos de evangelismo, e pusera em prática, na igreja, tudo o que aprendera de novo. Estávamos orgulhosos de ter, como nosso ministro de educação religiosa, um pastor graduado por uma escola superior dos Estados Unidos. Nossa escola dominical era das melhores. A união de jovens estava muito bem, como também os grupos de adolescentes — rapazes e moças — a união de homens, e todos os outros departamentos da igreja. Nosso sistema de assistência aos recém-converti-dos também era muito bom. Tínhamos formulários de números 1, 2, 3 e 4 — um para cada categoria — homens, mulheres, crianças, judeus, árabes — qualquer tipo imaginável. Mantínhamos um registro de todas as nossas chamadas telefônicas e todas as visitas realizadas, e estávamos fazendo campanhas de assinaturas de várias publicações cristãs. Os cartões de decisão eram uma ficha que nos fornecia exatamente o nível em que cada pessoa se achava — se já havia sido batizada, e^c., etc. A liderança ida denominação ficou tão impressionada com tudo isso, que fui convidado a ser o orador oficial de dois congressos, para divulgar nosso sistema de assistência aos convertidos e distribuir amostras de nossos formulários entre os pastores. Entretanto, bem no fundo, eu sentia que alguma coisa não estava certa. Tudo parecia correr bem, desde que eu trabalhasse dezesseis horas por dia. Mas quando eu relaxava o ritmo, os resultados diminuíam. Isto começou a perturbar-me. Por fim, resolvi parar. Reuni a junta diretora da igreja e disse-lhes: "Tenho que me afastar duas semanas para orar." Parti para o interior e entreguei-me à meditação e oração. O Espírito Santo começou a quebrantar-me. A primeira coisa que ele me disse foi: "Juan, aquilo que você tem nas mãos não é uma igreja, é um negócio." Não entendi o que ele queria dizer. "Você está promovendo o evangelho do mesmo modo que a Companhia Coca-Cola vende seu produto", disse ele. Está fazendo o mesmo que o Readers Digest faz para vender seus livros e revistas. Está empregando todas as técnicas aprendidas na escola. Mas, onde está minha mão em tudo isso?" 47

Fiquei sem saber o que responder. Tinha que reconhecer que minha igreja funcionava mais como uma empresa do que como um corpo espiritual. Depois o Senhor me revelou outra coisa. "Vocês não estão crescendo", disse ele. "Vocês pensam que estão, porque subiram de 200 para 600 membros. Mas não estão crescendo realmente — estão apenas engordando." O que quereria aquilo dizer? "Tudo que você conseguiu foi agrupar mais pessoas da mesma qualidade das que já havia. Ninguém está amadurecendo em Cristo. O nível permanece o mesmo. Antes vocês contavam com duzentos bebês espirituais. Agora contam com 600." Era verdade. Não podia refutar nem uma sequer daquelas palavras. "Em decorrência disto", continuou o Senhor, "o que vocês têm é um orfanato, e não uma igreja. Ninguém ali tem pai, espiritualmente falando. Você não é pai deles — é apenas um atarefado diretor de orfanato. Está conservando as luzes acesas, está pagando as contas e enchendo as mamadeiras de leite, mas nem você, nem ninguém está atuando como pai espiritual para aquelas criancinhas." Mais uma vez ele tinha razão. Quando voltei para casa, comecei a notar inúmeras evidências desta infância permanente — não somente em minha própria igreja, mas em todo o Corpo de Cristo. Uma prova disso era que as orações eram sempre as mesmas. É de se supor que, se uma pessoa está-se desenvolvendo em seu relacionamento com o Senhor, as coisas que ela diz agora devem ser bem diferentes de quando ela foi salva. Mas isto não acontece. Suponhamos que eu converse com minha esposa do mesmo modo que fazia quando nos conhecemos. Lembro-me do primeiro dia. Ela era membro de minha igreja, e finalmente eu lhe disse: "Irmã Marta, gostaria de dizer-lhe algumas palavras em particular." "Está bem, pastor", respondeu. "Onde deseja ir?" Quando nos achávamos a sós, eu falei: "Irmã Marta, não sei se já notou, mas tenho para com você, um sentimento diferente que não tenho pelas outras irmãs da igreja." Suponhamos que, agora, após mais de doze anos de vida conjugal e quatro filhos, eu chegasse em casa e lhe dissesse: "Irmã Marta, gostaria de dizer-lhe algumas palavras em particular. Não sei se já notou, mas tenho para com você um sentimento diferente que não tenho pelas outras irmãs da igreja..." Dificilmente eu faria isto. Nós já evoluímos em nossa forma de diálogo, e já deixamos para trás este estágio inicial. Entretanto, na igreja, o nosso povo faz as mesmas orações de sempre e canta os mesmos hinos. O diálogo nunca passa daquele estágio inicial. Outra evidência desta infância são as divisões que há na igreja. Paulo disse aos crentes de Corinto que o fato de uns se apegarem a Pedro, a Apolo e a ele próprio era sinal de imaturidade espiritual. Os coríntios estavam brigando entre si. Eram partidários cada um de um pregador. Mas pelo menos estavam na mesma igreja. Em nossa época, nós não conseguimos nem divergir bem. Pertencemos aos mais diversos grupos e nos reunimos em templos separados, e falamos mal uns dos outros. Se os coríntios eram bebês em Cristo, nós nem nascemos ainda. E em vez de melhorarmos estamos piorando. A cada ano que passa, existem mais denominações. O Corpo de Cristo nunca esteve tão repartido. Outra prova de imaturidade é que estamos sempre mais interessados em receber do que em dar. Somos exatamente como criancinhas, constantemente querendo que o Senhor nos abençoe, que ele faça isto ou aquilo para nós, que nos cure, nos dê felicidade, nos dê dinheiro... nunca paramos de pedir. "Papai, me dê dinheiro; dê-me isto; dê-me aquilo." A pessoa madura sabe dar. Dar é um atributo de um adulto.

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Não é interessante observar que os crentes estão sempre mais interessados nos dons do Espírito do que no seu fruto? Se à igreja chega um pregador com o ministério de curas, ela se superlota. As crianças adoram espetáculos. Mas a pessoa madura está mais interessada no amor, alegria, paz, paciência, bondade, benignidade, fidelidade, mansidão e domínio próprio. Como as crianças, não sabemos dar o valor certo às coisas certas. Qualquer hora que oferecermos a uma criança uma nota de cem dólares ou um chocolate para escolher, ela preferirá o chocolate. Nós agimos da mesma forma com relação às coisas materiais. Sempre preferimos uma bela casa, ou um carro novo, uma boa conta no banco, a quaisquer bênçãos espirituais. Isto porque nosso conceito de valores não é amadurecido. Nós chegamos até a buscar em Deus as coisas materiais. Não nos satisfazemos em buscar nós mesmos a prosperidade; queremos convencer Deus a nos ajudar a obtê-la. Não passamos de crianças egoístas. Outra evidência — a falta de obreiros na igreja, gu não entendo isto, mas há pessoas que já são crentes há dez, ou vinte anos e ainda não conseguiram levar outros a Cristo. O máximo que fazem é convidar alguém para assistir ao culto. "Por que não vem à nossa igreja? Temos um belo templo, todo carpetado, assentos confortáveis, ar condicionado, e o pastor é uma excelente pessoa. Por que nao vem comigo?" Se a pessoa aceita o convite, ele pensa que cumpriu seu dever. "Pastor, trouxe um amigo ao culto. Daqui para a frente, o resto é com o senhor." E assim, o pastor tem que pregar o evangelho, ganhar aquela pessoa para Cristo, batizála, e cuidar dela daí por diante. É interessante notar que Paulo não batizou quase ninguém. Ele escreveu o seguinte aos coríntios: "Dou graças porque a nenhum de vós batizei, exceto Crispo e Gaio... também a casa de Estéfanas; além destes não me lembro se batizei algum outro" (1 Co 1.14-16). Como é então que em Atos 18.8, encontramos o seguinte: "Mas Crispo, o principal da sinagoga, creu no Senhor, com toda a sua casa; também muitos dos coríntios, ouvindo, criam a eram batizados"? Alguém estava batizando os novos convertidos; e não era Paulo. Deve ter sido Crispo ou Gaio e outros pais espirituais, os quais logo depois passavam a cuidar do desenvolvimento de seus filhos espirituais. Todos os domingos nós pregamos o ABC da salvação. As pessoas aceitam e nós as colocamos na classe de catecúmenos para se instruírem nas doutrinas a respeito da igreja, batismo e outras doutrinas fundamentais; mas quem cuida delas depois disto? Quando acabam o curso da classe, já estamos prontos para iniciar o doutrinamento de outro grupo, deixando aqueles primeiros sem qualquer orientação complementar, para se desenvolverem até alcançar a maturidade espiritual. Não é de se admirar que percamos tantos deles. Não podemos nos espantar de os resultados de nossas campanhas parecerem diminuir. Os novos crentes — permitam-me dizê-lo claramente — aborrecem-se na igreja. Todo domingo é a mesma coisa, os mesmos hinos do coro, a mesma pregação. Satanás não tem a mínima dificuldade em atraí-los de volta para o reino das trevas. De quem é a culpa? Estas pessoas nos ouvem sempre dizendo que elas precisam crescer. Mas como, se elas não são alimentadas com outra coisa a não ser leite. O leite é um bom alimento, mas só serve por pouco tempo; depois, a criancinha precisa de outras substâncias mais nutritivas. Contudo, os pastores não são os únicos culpados, pois os seminários e escolas bíblicas não os preparam convenientemente. Se tudo que lhes ensinam é aquecer o leite, quem é o culpado então? Todos nós somos vítimas da estrutura denomina-cional em que fomos formados. Não podemos escapar a isto; ela está gravada em nós. Mas podemos nos forçar a parar e pensar no

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que estamos fazendo. Se não pararmos nossa interminável ronda de atividades, para perguntar a Deus se ele está nisso ou não, então seremos realmente culpados. Foi-me muito difícil parar. O telefone tocava de manhã até a noite. Eu tinha que estar constantemente lubrificando o maquinismo de minha igreja — uma máquina que eu próprio montara — senão ela se desintegraria. Na Argentina, os pastores ainda são mais solicitados que os de outros lugares, pois estão entre as poucas pessoas que possuem automóveis e assim nos tornamos no motorista particular de todo o mundo. Temos que levar os doentes para o hospital, e assim por diante, além de nossos próprios deveres. Mas, graças a Deus, um dia eu parei. E isso provocou uma revolução em minha igreja. Pela primeira vez, eu não estava apresentando meu programa ao Senhor e dizendo: "Senhor, abençoa meus planos!" Agora eu dizia: "Senhor, o que queres que eu faça?" Ê incrível o número de planos que um pastor faz e nao realiza. Eu já visitei muitas igrejas e ouvi pastores dizerem: "No mês que vem, vamos iniciar um novo programa de atividades. Tudo já está planejado e pronto para começarmos." No ano seguinte, encontro aquele pastor e lhe pergunto: "Como foi aquele programa, irmão?" "Ah", replica ele, "não pudemos fazer aquilo. Mas na semana que vem vamos iniciar uma nova programação." Por que nossos projetos acabam sempre se desfazendo? Porque tentamos executá-los utilizando crianças. E não se pode depender de crianças. Elas fazem grandes promessas ("Eu farei; eu me comportarei direitinho; prometo que o farei.") Mas elas não as cumprem. O Senhor teve que convencer-me de que parte de meu problema estava em que eu pregava apenas leite. E eu pensara estar-me saindo tão bem! Mas tudo não passara do que o autor de Hebreus chamou de "princípios elementares". (5.12-6.1.) Arrependimento Fé Batismos A imposição de mãos (o batismo do Espírito Santo, que na igreja primitiva geralmente acontecia logo após o batismo nas águas, quando se impunham as mãos sobre a pessoa, ainda na água). A ressurreição dos mortos O juízo eterno Foi sobre isto que preguei durante vinte anos. Examinei nossos volumes de escola dominical e descobri que eles versavam sobre os mesmos princípios elementares, repetindo-os sempre. Recordei o que aprendera na escola bíblica — a mesma coisa. (Não acreditam? Leiam o índice de qualquer compêndio de teologia. Haverá um capítulo sobre a Bíblia, outro sobre Deus, outro sobre o homem, depois sobre a salvação, depois o Espírito Santo, depois a segunda vinda de Cristo, e finalmente escatologia. E isto é tudo. Nada além dos "princípios elementares dos oráculos de Deus", como diz nossa versão.) Eu pertencia a uma denominação que se orgulhava de pregar sobre quatro temas: salvação, batismo do Espírito Santo, cura e a segunda vinda de Cristo. Chamávamos a isto "evangelho completo". Outros substituem o item n.° 2, batismo do Espírito Santo, por santificação. Como é que isto pode ser chamado de evangelho completo, se o autor de Hebreus diz que é elementar? Não quero ter a pretensão de criticar ninguém. Eu também cometi estes erros. Fiquei perplexo quando descobri que, na igreja primitiva, todas estas coisas — arrependimento, fé, batismo nas águas, batismo do Espírito Santo e preparação para o tempo do fim — eram

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incorporadas à vida do crente no dia em que se convertia. Isto se constituía no ponto inicial do qual ele partia em direção à maturidade espiritual. Há pouco tempo um pastor de outra denominação me disse: "Ah, Pastor Ortiz, eu agora estou penetrando águas bem profundas. Estou penetrando em uma nova dimensão do evangelho que nunca pensei existir." "O que aconteceu, irmão?" indaguei. "Ê que agora estou falando em línguas", respondeu. Isto não é nada", repliquei, "na igreja primitiva eles falavam em línguas no dia em que eram salvos. Você pensa que atingiu o ponto máximo de sua carreira espiritual. Ainda está nos primeiros passos, como a maioria dos crentes." Fiquei muito chocado, certo dia, quando um rapaz de minha igreja me disse: "Irmão Juan", disse ele, "sabe de uma coisa? Eu observei que depois que me converti, há um ano atrás, aprendi muito nos primeiros seis meses. Mas de lá para cá, parece que sei tudo que todos os outros sabem. Estou apenas me mantendo no mesmo nível; não estou-me desenvolvendo, como naqueles primeiros meses." Por que o seu pastor não lhe dava nada além de leite? Comecei procurando descobrir o que poderia ser este alimento sólido. Vi que Paulo disse aos coríntios que não podia dar-lhes alimentos sólidos, porque ainda eram bebês, e, logicamente, seu regime alimentar era constituído apenas de leite. Sobre que fala ele em 1 Coríntios? Imoralidade na igreja, contendas entre irmãos, problemas conjugais, carne sacrificada a ídolos, insubordinação, vestuário das mulheres, observação errada da Ceia do Senhor, dons espirituais, a ressurreição dos mortos, e sobre como se levantar ofertas. Nada a não ser leite, disse Paulo. Mas ele nos deu uma pequena amostra de alimento sólido no capítulo 2. "Entretanto, expomos sabedoria entre os experimentados; não, porém, a sabedoria deste século, nem a dos poderosos desta época, que se reduzem a nada; mas falamos a sabedoria de Deus em mistério, outrora oculta, a qual Deus preordenou desde a eternidade para a nossa glória; mas como está escrito: nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em coração humano o que Deus tem preparado para aqueles que o amam. Mas Deus no-lo revelou pelo Espírito; porque o Espírito a todas as cousas perscruta, até mesmo as profundezas de Deus. Porque, qual dos homens sabe as cousas do homem senão o seu próprio espírito que nele está? assim também as cousas de Deus ninguém as conhece, senão o Espírito de Deus. Ora, nós não temos recebido o espírito do mundo, e, sim o Espírito que vem de Deus, para que conheçamos o que por Deus nos foi dado gratuitamente. Disto também falamos, não em palavras ensinadas pela sabedoria humana, mas ensinadas pelo Espírito, conferindo cousas espirituais com espirituais. Ora, o homem natural não aceita as cousas do espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las porque elas se discernem espiritualmente. Porém, o homem espiritual julga todas as cousas, mas ele mesmo não é julgado por ninguém. Pois, quem conheceu a mente do Senhor, que o possa instruir? Nós, porém, temos a mente de Cristo." (1 Co 2.6-16.) Mas no verso que se segue (3.1), ele volta a dirigir-se a "crianças em Cristo". A que é que Paulo se refere neste capítulo 2? Mais adiante ele discorre acerca de sua jornada aos comandos centrais do universo onde "ouviu palavras inefáveis, as quais não é lícito ao homem referir" (2 Co 12.4). Que será que Deus revelou a Paulo nesta ocasião? Ele não o incluiu em seus escritos do Novo Testamento. Devemos lembrar que as epístolas foram escritas com o propósito de corrigir erros nas igrejas. Elas não apresentam o veio principal do ensino apostólico, mas somente as corrigendas. Nós não sabemos tudo que Paulo ensinou quando estava em Corinto, Antioquia, Troas, Tessalônica e em outras cidades.

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Sobre o que versa o livro de Romanos? Sobre arrependimento. Hebreus — como está claro pela passagem que citamos no início deste capítulo — foi formulado de modo bem simples para que os "bebês" não se engasgassem. (Em nossos seminários, Romanos e Hebreus são epístolas muito profundas, cujo estudo só é feito no terceiro ano.) Não é muito animador constatar que nós ainda nem bebemos uma parte do leite que está ao nosso dispor, nem digerimos o que já bebemos. O que faremos com a sabedoria que não pertence a "este século"?

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12 Crescendo E ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas, e outros para pastores e mestres, com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo, até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade à medida da estatura da plenitude de Cristo. (Ef 4.11-13.) Quando o Senhor começou a revelar-me soluções para nosso problema de crescimento, iniciou-o por esta passagem de Efésios. Minha tarefa era aperfeiçoar os santos e guiá-los à maturidade espiritual. Eu não fora preparado para isso. Aprendera a agradar as pessoas, não aperfeiçoá-las. Este era o objetivo das inúmeras atividades da igreja — entreter as pessoas, rr^ntê-las interessadas, conservá-las envolvidas na obra. Muitos pastores cujas igrejas eu visitei, indagavam-me quase no momento em que ali chegava: "Irmão Ortiz, o senhor tem algumas idéias novas? Sabe de alguma novidade para a União de Homens? para o trabalho de jovens?" Nós estamos sempre à espreita, procurando arranjar idéias novas, atraentes, que segurem nosso povo na igreja. Se pudermos conservá-los debaixo da graça de Deus até morrerem, então vencemos — é o pensamento geral. Mas, na verdade, não é este o nosso ministério como pastores. Não admira que o apóstolo tenha dito aos hebreus: "Pois, com efeito, quando devíeis ser mestres, atendendo ao tempo decorrido, tendes novamente necessidade de alguém que vos ensine de novo quais são os princípios elementares dos oráculos de Deus" (5.12). Ele devia ter estado esperando algo melhor — isto é, que os leigos eventualmente se tornassem mestres. O texto de Efésios 4 não declara que os apóstolos, pastores e profetas tenham que fazer o serviço cristão. Diz, isso sim, que eles tinham que preparar os santos para executá-lo. O arquiteto não constrói os prédios que projeta; ele faz os cálculos e planos, e outros os constroem. Se o arquiteto tivesse que projetar e depois ele próprio erguer as paredes de tijolos e edificar o prédio, provavelmente, ele não faria mais que um edifício em toda a sua carreira. Mas do modo como se faz, ele pode "erguer" vários prédios ao mesmo tempo. O ministério apostólico é necessário em nossos dias. Precisamos de líderes que saibam traçar as plantas dadas por Deus, sendo também aptos para treinar os crentes para o trabalho de construção do edifício. E não apenas isso, mas os arquitetos podem também formar outros arquitetos. Ou então, para usarmos a linguagem bíblica, os pastores podem treinar novos pastores. As ovelhas geram outras ovelhas; e por que não poderiam elas mesmas alimentar com leite os seus cordeirinhos? Esse é o processo natural, e também o segredo da multiplicação. Nosso alvo, afirmou Paulo, é chegar "...à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo" (Ef 4.13). O Pai quer que todos cresçam até alcançar a estatura de Cristo. Os pastores devem começar buscando para si mesmos a maturidade; então poderão levar suas ovelhas a experimentar crescimento semelhante. Como resultado disso, continua Paulo nos w. 14 e 15, não seremos mais "como meninos, agitados de um lado para outro, e levados ao redor por todo vento de doutrina... mas, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é o cabeça, Cristo". É como acontece nas escolas. Quando passamos para o primeiro ano primário já podemos ensinar a outros tudo o que aprendemos no jardim da infância. Um ano depois, devemos ter passado para o segundo ano, e estar aptos a ensinar a outros o que aprendemos no primeiro ano, e os do primeiro ano devem estar ensinando sobre o jardim da infância. Em 53

pouco não estaremos mais ensinando o ABC do evangelho, mas isso não quer dizer que o tenhamos esquecido. Continua sendo ensinado por outros, em níveis inferiores, e o processo de crescimento continua. De que modo Paulo poderia sentir-se desejoso de partir, se não tivesse discipulado homens como Timóteo, Filemom, Epafras e outros mais? Jesus voltou ao céu tranqüilo e satisfeito porque deixava aqui onze réplicas de sua pessoa. Os apóstolos não precisaram escrever a um bispo qualquer pedindo: "Por favor, mande-nos um novo pastor. O nosso acaba de partir para o céu." Eles haviam alcançado a maturidade. Estavam preparados para assumir o ministério deixado por Jesus. Por que razão, quando alguém deseja ser treinado para o ministério é necessário que saia da igreja e vá para um seminário? A igreja não está cumprindo a sua tarefa. Se os pastores estivessem preparando os santos para o desempenho do seu ministério, como manda a Palavra, os seminários seriam desnecessários. Deus só tem um estabelecimento seu na terra — a Igreja. Ela é tudo que ele queria. Acho bom dar um esclarecimento: não sou contra seminários, institutos bíblicos e organizações dessa natureza, que colaboram com a igreja. A igreja está fraca e precisa dessas muletas. E glória a Deus por elas. Todavia, não devemos gastar nosso tempo montando uma fábrica de muletas, e, sim, buscar a cura da Igreja. No momento devemos cuidar em não tomar as muletas daqueles que estão fracos. Não há razão por que se opor aos seminários, organizações de jovens, etc; são úteis para manternos de pé. Porém, quando a cura se efetivar, as muletas serão postas de lado. Oremos pedindo essa cura. De que maneira ela poderá ocorrer? A igreja terá condições de crescer espiritualmente ao ver a sua liderança se firmar no Senhor. Em 1 Coríntios 12.28, Paulo apresenta uma progressão: "A uns estabeleceu Deus na igreja, primeiramente apóstolos, em segundo lugar profetas, em terceiro lugar mestres, depois operadores de milagres, depois dons de curar, socorros, governos, variedades de línguas." Eu nunca prestara grande atenção a estas palavras: "uns... outros... e outros... e outros", enquanto não comecei a pensar nesta questão de crescimento. Na verdade, eu pensava que meu ministério fosse bem amadurecido pois girava em torno de cura, administração e línguas. Eu não percebia que todas estas coisas se achavam no degrau mais inferior da escala. Mas, quando busquei o Senhor a sós, ele começou a mostrar-me que este verso apresentava uma pirâmide. O apóstolo era um homem que profetizava, ensinava, operava milagres e curas, auxiliava a outros, administrava e falava em línguas. Compreendi também que o dom de línguas não era o diploma que se recebe no fim do curso, mas sim uma das primeiras lições aprendidas. Entendi que minha igreja, apesar de ter seiscentas pessoas que falavam em línguas, em vez das duzentas iniciais, não havia crescido, havia apenas engordado. Comecei a perceber por que a família de Deus não funcionava bem. Na maioria das famílias, o primeiro filho já tem dois ou três anos de idade quando nasce o segundo. E quando vem o terceiro, o segundo já está caminhando e o primeiro quase na época de entrar para a escola. Mas, na igreja, quando o segundo filho nasce, o primeiro ainda é bebê. Quanto maior o número de crianças que nascerem na igreja, maior é o número de fraldas que temos para trocar ao mesmo tempo. E, se todos estão crescendo, ministros e ovelhas, então pode haver harmonia. Vejamos o exemplo de Paulo. Ele não foi apóstolo desde o início; era apenas um discípulo que testemunhava nas igrejas. Ao que parece, ele falou em línguas pela primeira vez quando Ananias impôs as mãos sobre ele (At 9). E ele continuou a crescer. Em Atos lie 12, ele era

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auxiliar de Barnabé. Depois, operou milagres e curas, e em Atos 13.1, ele é mencionado entre os profetas e mestres de Antioquia. Depois, então, ele foi enviado como apóstolo. O ministério de cada crente deve seguir estas mesmas diretrizes. Mas sabe o que se passa na igreja moderna? Nós, os pastores, paramos a certa altura do caminho; sabemos falar em línguas, administrar, ajudar os outros, operar algumas curas e até ensinar — mas aí paramos de nos desenvolver. Tornamo-nos como tampões de cortiça emperrados num gargalo. As ovelhas crescem e crescem, e passam a se acumular atrás de nós incapazes de seguir em frente, enquanto nós próprios não crescermos um pouco também. Elas continuam a ouvir nossos sermões, e daí a pouco, já sabem tudo que nós sabemos, e a partir de então, estamos numa câmara de pressão. O pastor não se torna nesta rolha de cortiça intencionalmente; como disse antes, ele é vítima da estrutura, como todos nós. Sempre foi assim. Se a pressão se torna forte demais, o pastor fica meio incomodado, e pede ao bispo para ser transferido. Então o bispo retira aquela rolha e coloca outra em seu lugar. Se se trata de uma igreja cuja denominação não tem bispos, o problema é mais grave ainda. A pressão continua a aumentar e, por fim, a câmara explode, e o tampão voa longe. Naturalmente, ele fica meio abalado com a explosão, e, às vezes, a situação é tão séria, que ele não pode mais continuar no ministério. Logicamente, tudo isto pode ser evitado, se o pastor continuar a crescer até o apostolado, pois assim as ovelhas crescem com ele. Se um pastor é verdadeiramente um pai para sua congregação, ele não pode ser removido (ou explodir) de dois em dois ou três em três anos. Que família muda de pai de dois em dois anos? Talvez nossas igrejas sejam mais como clubes que elegem seu presidente por certo período de tempo, e depois, vencido aquele termo, elegem outro, Mas, se somos uma família, somos uma família, e temos que permanecer unidos. A medida que os filhos crescem, o pai vai passando as responsabilidades para eles. Eventualmente, o ministro está apto para ser enviado como apóstolo — que foi o que aconteceu a Paulo e Barnabé, descrito em Atos 13. Eles haviam se tornado os principais edificadores de igrejas; haviam completado todos os estágios. Agora achavam-se preparados para implantar novas igrejas. Enquanto eu me encontrava na América do Norte, recebi várias cartas de meus discipulandos de Buenos Aires. "Nós choramos muito quando você partiu", diziam. "Na verdade, nós choramos todas as vezes que você viaja. Mas depois que você já se foi, é que nós compreendemos o quanto precisávamos ficar sozinhos." Há quatro anos atrás, alguns deles não sabiam nem dizer "Amém" sozinhos. Agora são os pastores da igreja, e eu posso ficar fora durante seis, sete e até oito meses do ano, pois eles estão em meu lugar. Se eu permanecesse lá o tempo todo, eles nunca se desenvolveriam. Quando estou na igreja, eles não querem pregar, nem dirigir o cântico. Sou como um tampão de cortiça. Mas, quando eu saio, eles são obrigados a fazê-lo. Também Jesus, um dia, deixou sua congregação, e por fim deixou a própria terra, e assim seus discípulos tiveram que ficar sozinhos e se desenvolver. Em nossa igreja moderna — que funciona às avessas — quem é enviado para fundar novas igrejas? Rapazes, mal saídos do seminário. Eu comecei quando contava vinte anos. Não sabia bem o que estava fazendo. O que consegui não foi criar um pomar florescente, mas instalar uma banca de frutas numa esquina. E a banca precisava estar constantemente sendo suprida com mercadoria trazida de outros lugares. Por si própria ela não produzia uma só vida. Todas as vezes que eu tinha que sair, precisava apelar para outro pastor: "Por favor, venha pregar em minha banca de frutas pois tenho que viajar."

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Sendo os principais edificadores da igreja, Paulo e Barnabé estavam aptos para cultivar um pomar vivo, abundante de frutos. Permaneciam num certo lugar por algum tempo, e depois seguiam em frente. Alguns anos mais tarde, Paulo disse: "Voltemos agora para visitar os irmãos por todas as cidades, nas quais anunciamos a palavra do Senhor, para ver como passam" (At 15.36). E eles voltaram. E os pomares ainda estavam ali, e continuavam se desenvolvendo. Depois de ter estado em Tessalônica, ele lhes escreveu para dizer que "Não só na Macedónia e Acaia, mas por toda parte se divulgou a vossa fé para com Deus, a tal ponto de não termos necessidade de acrescentar cousa alguma; pois eles mesmos, no tocante a nós, proclamam que repercussão teve o nosso ingresso no vosso meio" (1 Ts 1.8,9). Creio que está bem claro — não está? — por que foi que o Espírito Santo disse à igreja de Antioquia: "Separai-me agora a Barnabé e a Saulo" — dois dos principais líderes da igreja — "para a obra a que os tenho chamado" (At 13.2). Nós agimos ao contrário. O pastor de sucesso é aquele que permanece no mesmo lugar todos os domingos do ano, pelo maior espaço de tempo possível. Na igreja primitiva, o melhor pastor era o que conseguia que seus discípulos se desenvolvessem mais rapidamente e melhor, desse modo libertando-o para seguir adiante, e lançar-se em outra empresa. E não era que ele fosse afastado do cargo, mas o que acontecia era que agora ele podia deixar aquela igreja nas mãos de seus filhos, e partir para outro lugar. Mas depois ele sempre voltava ao seu ponto de origem, assim como Paulo voltava para Antioquia. Hoje nossos missionários não operam nessas bases. Os melhores pastores ficam na América, cremos. Como conseqüência disso, os missionários não são realmente apóstolos (as duas palavras derivam da mesma raiz grega). Eles são apenas pastores. Primeiramente, atuam como pastores na América; depois pegam um avião e partem para a Argentina, e vão atuar como pastores ali. Será que o avião os transforma em missionários? Isto deve ficar muito caro para as igrejas americanas, pois um pastor argentino pode fazer o mesmo trabalho, por somente duzentos dólares mensais. O que faz de uma pessoa um verdadeiro apóstolo ou missionário? Sua experiência e o dom de Deus que nela habita e que a capacita para planejar toda a estratégia do trabalho, para toda uma região, a fim de preparar obreiros, cultivar pomares vivos em toda parte. Nós temos que crescer. Temos que deixar nossa infância permanente, e ingerir alimento sólido, até que estejamos preparados e possamos preparar outros para disseminar o Reino de Deus.

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13 Membros ou Discípulos? Também vós mesmos, como pedras que vivem, sois edificados casa espiritual para serdes sacerdócio santo. (1 Pe 2.5.) Se ao menos esta declaração de Pedro pudesse ser aplicada aos crentes de hoje em dia. E em alguns lugares talvez possa, mas o mais comum é a igreja não ser uma casa espiritual — mas apenas uma pilha de tijolos soltos. Existe uma grande diferença entre uma e outras Cada membro da congregação é um tijolo, e todos I nós nos esforçamos arduamente para conseguir mais tijolos. Até o pastor trabalha em evangelismo, no intento de levar mais tijolos para o local da construção. Mas existe um problema com este material solto — os tijolos podem ser roubados. O pastor e o pessoal da igreja têm que estar sempre atentojs, pois alguém de outra igreja pode vir e roubar alguns tijolos de seu lote. E, na verdade, estão todos tão atarefados nisso, que o edifício nunca é construído. Nós somos a alvenaria de Deus, mas ainda não fomos assentados no lugar devido, em seu edifício, para que possamos sustentar nossa parte da responsabilidade, e, fortalecer a estrutura. Se tivéssemos sido colocados no lugar, saberíamos quais os tijolos que estão abaixo de nós e quais os que estão acima, e saberíamos como nos relacionar uns com os outros. Mas, atualmente, o que fazemos é ficar o tempo todo vigiando uns aos outros. Temos tanto medo que alguém possa escapulir! E enquanto isso, esquecemo-nos dos perdidos que se encontram lá fora, ao frio, procurando uma casa aquecida que os abrigue. Se o pastor pensa em nos pegar e colocar em nosso lugar do edifício, resistimos. A igreja tem que funcionar democraticamente, dizemos. Não nos submetemos a pessoa alguma. Submetemo-nos somente ao voto da maioria (e, por vezes, nem a ele). Já ouvi crentes dizerem orgulhosamente: "Não sigo homem algum — sigo a Cristo." Tal afirmação pode parecer muito espiritual, mas, na realidade, é um terrível engano. Ela significa que a pessoa quer fazer a própria vontade; ela nem sabe o que significa seguir a Cristo. Paulo disse: "Sede meus imitadores, como também eu sou de Cristo" (1 Co 11.1). Nós, os pastores, às vezes, tememos dizer isto, porque não estamos vivendo como devíamos. E, por isso, o que falamos é: "Não olhe para mim, irmão. Siga a Bíblia." Sabe o que isto quer dizer? Isto quer dizer o seguinte: "Eu já tentei e não consegui. Agora tente você." Não admira que os leigos se sintam desencorajados. Se o pastor não consegue fazer aquilo que a Bíblia diz, quem conseguirá? Paulo não tinha medo de colocar-se como modelo a ser imitado. Ele disse o seguinte aos filipenses: "O que também aprendestes, e recebestes, e ouvistes, e vistes em mim, isso praticai; e o Deus da paz será convosco" (Fp 4.9). Isto pode não ser muito democrático, mas dá como resultado a edificação de um prédio forte. A razão por que isto dá certo é que se baseia no princípio da multiplicação. Certa vez uma senhora idosa apresentou-me uma moça. "Esta jovem é minha neta", disse ela. "É mesmo?" indaguei. "É. E eu já tenho bisnetos", informou ela. "E uma delas já tem quinze anos. Se ela se casar breve, eu posso até chegar a ver meus trinetos." "Quantos filhos a senhora teve?" perguntei. "Seis." "E quantos netos?" i| "Trinta e seis." 57

"E quantos bisnetos?" "Não sei", respondeu ela. "Nunca contei." Nas mesmas proporções, ela poderia ter 216 bisnetos e 1296 trinetos. E a sua família era realmente notável. Um dos filhos era médico; outro, advogado. Dois eram fazendeiros. Um deles era motorista de praça. Entre seus netos contavam-se engenheiros e muitos outros profissionais liberais. Se eu lhe perguntasse: "E como foi que a senhora conseguiu criar uma família tão numerosa — isto é, alimentar bem todos eles, vesti-los, dar-lhes boa educação escolar?" ela teria respondido: "Mas eu não criei todos. Criei apenas seis." Nós não aplicamos este processo de multiplicação na igreja. O pobre do pastor tem que tomar conta de todos, e aí é que está o problema. Se quisermos crescer e expandir e assentar os tijolos para edificar o edifício, temos que modificar este estado de coisas. Temos que fazer discípulos para que estes possam fazer outros discípulos. Temos que ser pais, e não diretores de orfanatos. Foi assim que Jesus agiu. E não foi ele o melhor pastor que já existiu? Entretanto, ele cuidou apenas de doze homens. O verso de Mateus 9.36 diz: "Vendo ele as multidões, compadeceu-se delas, porque estavam aflitas e exaustas como ovelhas que não têm pastor." Por quê? Não era ele o bom pastor? Sim, era. Mas um pastor não pode ocupar-se de um ilimitado número de ovelhas, mesmo que este pastor seja Jesus. Se ele não pôde fazer mais que doze discípulos de uma vez, como é que eu posso fazê-lo? Jesus colocou-os no edifício. Quando partiu, eles já sabiam o que fazer: sair para formar outros discípulos, assim como Jesus fizera com eles. Então eles partiram e começaram a ensinar e a testemunhar de casa em casa, em pequenos grupos. Nós não fazemos assim na igreja moderna. Aos domingos, nós reunimos todos no refeitório do orfanato e dizemos: "Atenção! Abram todos a boca. Aí vai o almoço!" E depois, atiramo-lhes o alimento, a todos eles de uma vez, e no final dizemos: "Adeus. Estão dispensados, e até o próximo domingo!" Isto não é modo de alimentar crianças. Temos que tomar cada uma no colo, uma a uma, e colocar o bico da mamadeira em sua boca. Depois que ela cresce um pouco mais, já começa a alimentar-se sozinha, e por fim, poderá até ajudar-nos a preparar a mamadeira para os mais novinhos. Ela já ocupa sua própria posição de desenvolvimento dentro da família. Assim, trata-se de um ministério de edificação, de construção, e não de ama-seca. Naturalmente, temos que perguntar a nós mesmos o que é que estamos edificando. Uma denominação? Descobri que eu havia feito isto por vários anos. Nas convenções, eu tinha muito orgulho das realizações de meu grupo: era um outro reinozinho pequeno. Então eu compreendi que Paulo nos conclama a trabalhar em prol da edificação do "corpo de Cristo" (Ef 4.12). Nós não entendemos isto hoje em dia. Não pensamos em termos do corpo de Cristo como um todo. Pensamos em termos de partes do corpo — a parte batista, a parte presbiteriana, a parte das Assembléias de Deus, etc. E temos a pretensão de pensar que aquela parte é o todo. Paulo disse aos coríntios que era um erro muito grave comer e beber sem "discernir o corpo" (1 Co 11.29). O pão único da Ceia do Senhor significa que apesar de sermos muitos, somos um. Mas, como podemos edificar algo que não entendemos? Não podemos, e não estamos edificando. Em vez disso, estamos edificando nossos próprios reinos, denominações e programas às expensas de outras partes do corpo. Nós estamos loucos! Se alguém vir um homem cortando o próprio pé com uma faca, ele dirá: "Que loucura é esta que você está fazendo?" "Estou cortando meu pé."

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"Por quê?" "Porque este pé pisou no outro, e o outro disse: 'Corte-o'." Este homem perdeu o juízo. Ele não tem discernimento para ver que os dois pés pertencem a um mesmo corpo. As vezes quando estamos comendo, mordemos a língua. Ah, que dor! Mas ninguém resolve, por isso, extrair todos os dentes. A língua, embora ela possa falar, não se vira para nós e diz: "Vamos nos livrar de todos estes dentes." Está claro que os dentes pertencem ao corpo. Ouçam-me: nós precisamos compreender o que o Corpo de Cristo é. Temos que parar de fazer loucuras com nós mesmos, falando uns contra os outros. Não é de se surpreender que soframos tanto. Não é de se admirar que a Igreja esteja tão fraca e perdendo sangue. Os homens que mataram o corpo físico de Cristo — Pôncio Pilatos, os executores romanos e os sacerdotes judeus — pelo menos tinham um objetivo em mira. Foi um ato terrível, mas pelo menos resultou no fato de Jesus pagar pelos nossos pecados. Mas qual é nosso propósito ao perseguir o corpo espiritual de Cristo? Qual é nosso motivo para crucificar, ferir e dividir o corpo? Não o temos, e nosso castigo por fazermos tal coisa será mais severo que o de Pilatos ou Judas. Talvez a Ceia do Senhor possa ensinar-nos a amar e respeitar e edificar o Corpo de Cristo — todo o corpo. Se não aprendemos isto, estamos loucos. O corpo todo precisa, como dizem os americanos, "ficar junto". Os braços e pernas precisam estar solidamente interligados. "Porque, assim como num só corpo temos muitos membros, mas nem todos os membros têm a mesma função; assim também nós, conquanto muitos, somos um só corpo em Cristo, e membros uns dos outros." (Rm 12.4,5). Já mencionei anteriormente a passagem de Efésios 4.11-15. O verso 16 fala de Cristo: "de quem todo o corpo, bem ajustado e consolidado, pelo auxílio de toda junta, segundo a justa cooperação de cada parte, efetua o seu próprio aumento para a edificação de si mesmo em amor." Deixem-me enfatizar bem isto: se os membros não estão ajustados e consolidados, eles não formam um corpo. São apenas um conjunto de vários membros. O que significa ser membro da igreja hoje em dia? Quase todas as igrejas fazem três exigências: (1) O membro deve freqüentar as reuniões. (2) O membro deve contribuir. (3) O membro deve ter um bom caráter. Se estes três requisitos são satisfeitos, ele é considerado um bom membro da igreja. Então ele é como um sócio de um clube qualquer — freqüenta a sede, paga as mensalidades e procura não envergonhar sua agremiação. Mas quando nós, lá em Buenos Aires, começamos a procurar estas coisas nos Evangelhos e em Atos dos Apóstolos, não encontramos nada. Na verdade, não encontramos a palavra membro em lugar algum. Não encontramos em nenhum dos registros da Igreja primitiva um lugar onde se narrasse que eles aceitaram membros na igreja, ou tivessem realizado uma cerimônia especial, ou coisa semelhante. Mas no livro de Atos, encontramos outra palavra que realmente revolucionou nossa vida e nossa igreja — a palavra discípulo. E indagamos de nós mesmos: "O que era um discípulo?" Não era o que chamamos "membro de igreja". Um discípulo é uma pessoa que aprende a viver do mesmo modo que seu mestre. E depois, ele próprio comunica a outros a vida que tem. Portanto, o discipulado não consiste em uma transmissão de conhecimentos ou de informações. É uma transmissão de vida. Foi por isto que Jesus disse: "As palavras que eu vos tenho dito são espírito e são vida" (Jo 6.63).

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Ser discipulado não_é_apenas aprender o que o mestre sabe — e chegara ser como_gle_á1 Y É por isso que a Bíblia diz que temos que fazer discípulos. Isto implica em algo mais do que apenas falar com eles, ou ganhá-los ou instruí-los. Fazer um discípulo significa formar uma duplicata de outrem. Obviamente, então, o mestre tem que ser, ele também, um discípulo. A visão atual do significado de discipular permite brigar com a esposa à mesa do café, e depois ir para a igreja e pregar a respeito do amor no lar. Mas no método de fazer discípulos, não podemos agir assim. Os discípulos ficam mais tempo conosco; eles entram em nossa casa, vêem como é que nós vivemos e é deste modo que passam a imitar-nos. Suponhamos que uma pessoa viajasse comigo durante uma semana e depois dissesse: "Olhe aqui, Juan Carlos, você é um mestre. Por favor, marque comigo uma hora para ensinarme algumas coisas." Eu responderia: "Se você não aprendeu nada estando em minha companhia estes sete dias, não tenho nada para ensinar-lhe.".Discipular não é tanto falar; é mais vjxex. Vamos pensar um pouco acerca das três dimensões do ensino: revelação, formação e informação. A revelação é algo que somente Deus pode dar. Eu poderia descrever para meus ouvintes a cidade do Rio de Janeiro, falando da atmosfera do lugar, da Baía de Guanabara, do Pão de Açúcar — e mesmo assim eles não poderiam dizer que conheciam o Rio. Eles saberiam alguma coisa a respeito dele, mas, realmente, só conheceriam a cidade quando fossem lá, e ela se revelasse para eles. Da mesma forma, Deus tem que revelar-se a nós, face a face, para que possamos dizer que o conhecemos. Na realidade, qualquer descrição que eu fizesse do Rio de Janeiro representaria apenas a menor dimensão do ensino: a informação. É o modo que usávamos para ensinar em nossa escola dominical e na igreja. P. Quantos livros contém a Bíblia? R. Sessenta e seis. P. Qual é o salmo que fala do bom pastor? R. O Salmo 23. E assim por diante. Recebemos informações acerca de Abraão, Moisés, sobre o céu e o inferno, sobre anjos e demônios, sobre a queda de Satanás e a segunda vinda de Cristo. Dar informação em si não é errado, mas é a mais elementar forma de ensino. Tudo que ela faz é despertar nosso interesse para conhecer experimentalmente as coisas de que nos fala. Infelizmente, nós fizemos da informação um fim em si mesma. Conhecer e memorizar as palavras da Bíblia tornou-se nosso único objetivo. O mais estranho é que Jesus quase nunca usou este método. Nunca vemos Jesus dando aos discípulos um estudo bíblico. Não conseguimos imaginá-lo dizendo: "Não se esqueçam de que amanhã teremos um culto de oito às nove. De nove às dez, estudaremos os profetas menores. E das dez às onze, veremos os livros poéticos, e depois, de onze até meio-dia, teremos aula de homilética e hermenêutica. No entanto, ele estava preparando os melhores ministros que a história já viu. Como é que ele pôde ignorar matérias tão importantes? Será que alguém pode imaginá-lo dizendo: "Agora vamos estudar o livro de Jeremias. De acordo com a alta crítica Jeremias é um mito; ele realmente não existiu. Ou, então, se ele existiu, não foi o autor deste livro..."? Nunca! Jesus não tinha tempo a perder. Ele usava de linguagem simples, clara e concreta. Muitos de nós querem ser assim em nossos estudos bíblicos, mas sempre acabam confundindo as coisas. Certa vez convidaram-me para ensinar o livro de Romanos na Escola Bíblica Argentina. Como considero o livro de Romanos grandemente importante, achei que ele deveria ser

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analisado verso por verso. E foi o que fiz. Levei o ano todo para estudar o livro até o fim. Quando terminamos, não creio que eles soubessem o que a epístola aos Romanos tencionava dizer. Suponhamos que eu escreva ao pastor uma carta assim: "Prezado Bill, estou escrevendo de Roma, onde acabo de chegar com minha esposa e filhos. Até o momento já vimos..." e por aí vou eu, e acabo escrevendo uma longa carta. Ele recebe a carta, e no domingo seguinte vai à igreja e diz: "Amigos, recebemos uma carta do irmão Juan Carlos, e agora dedicaremos os próximos três meses ao estudo dela. "A carta começa dizendo: "Prezado Bill". No grego a palavra "prezado" significa uma pessoa a quem amamos. Ele se dirige a mim como uma pessoa que ele preza. Posso imaginar o irmão Juan pegando a pena e escrevendo "prezado". Seu coração está transbordante de amor. Sua esposa, que se acha a seu lado, também compartilha de seus sentimentos. "Prezados irmãos, como é que os irmãos escrevem suas cartas? Iniciam com a palavra "prezado"? Vamos todos, de hoje em diante, agir sempre assim. "Prezado Bill" — ele me chama pelo meu nome. Ele me conhece. Está interessado em mim pessoalmente. E você? Você chama ai pessoas pelo nome, demonstrando assim que você as reconhece? "Estou escrevendo de Roma..." Ele próprio escreve para nós. Não está-nos escrevendo através de uma secretária, mas escreve para nós de seu próprio punho. "Bem, hoje vamos parar por aqui. No domingo que vem. continuaremos a estudar a carta de Juan Carlos." E no domingo seguinte: "Estou escrevendo de Roma." Ah, é a cidade fundada por Rómulo e Remo, dois homens que na infância foram amamentados por uma loba. É a capital do Império Romano, onde viveram os césares. Todos se lembram de que mais tarde o império se dividiu em duas partes: oriental e ocidental, e por fim, desintegrou-se. "Passemos agora ao verso seguinte..." E o povo da igreja dirá: "Como nosso pastor é profundo. Ele passa dois ou três domingos somente em um verso. Que maravilha!" E três meses depois terão terminado o estudo da carta, mas ninguém saberá o que eu disse. É assim que ensinamos a Bíblia. Vai ser interessante quando chegarmos ao céu e Paulo agarrar pelo braço alguns de nós, professores e mestres, e disser: "Venha cá. Quero ter uma conversa com você. Eu nunca escrevi aquilo que você disse que eu escrevi." Nós gostamos de impressionar os outros com o montante de conhecimentos que possuímos acerca de um verso bíblico. Pensamos estar sendo "profundos". Mas será que alguém realmente entende o que estamos dizendo? Duvido. Nós estamos preocupados em passar informação. Mas Jesus estava mais interessado em formação. Precisamos aprender com ele a fazer discípulos.

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14 A Formação de Discípulos Mas. de preferência, procurai as ovelhas perdidas da casa de Israel; e, à medida que seguirdes, pregai que está próximo o reino dos céus. Curai enfermos, ressuscitai mortos, purificai leprosos, expeli demônios; de graça recebestes, de graça dai... E em qualquer cidade ou povoado em que entrardes, indagai quem neles é digno; e aí ficai até vos retirardes. Ao entrardes na casa, saudai-a." (Mt 10.6-8; 10,11.) Na formação de seus discípulos, Jesus seguia sempre o mesmo padrão. Ao invés de ensinar-lhes fórmulas para guardarem no cérebro, ele lhes dava tarefas concretas para realizarem. E eles obedeciam. Ele não pregou sermões inspirativos para motivá-los. Ele não precisou fazer isto. Sermões inspirativos são para pessoas desobedientes que precisam ser coagidas à ação. Tais pessoas precisam ser ativadas em suas emoções para que possam sentir como seria belo poderem fazer aquilo que Jesus lhes ordena. Se nós nos colocássemos realmente sob as ordens de Cristo, ele simplesmente diria o que desejava, e não precisaríamos de música suave ao órgão, nem palavras tocantes do púlpito — nós faríamos aquilo que ele nos ordenou. Jesus não disse aos doze: "Que tal fazermos uma excursão missionária? Talvez possamos realizar uma viagenzinha por nossa região, agora." Não. Ele ordenou e eles foram. Foi assim a formação daqueles discípulos. Para que haja formação de vidas cristãs, temos que parar de ser oradores e começar a ser pais. Os pregadores têm apenas ouvintes. Os pais têm filhos. Q aprendizado não ocorre pelo ouvir, e sim pelo obedecer. O que acontece ao orador quando acaba de falar? Os ouvintes dizem: "Obrigado, pastor. Foi um ótimo sermão." E é tudo. Quando os setenta regressaram a Jesus após terem obedecido seu mandamento, contaram para o Senhor acerca dos demônios que se lhes submetiam. E a réplica de Jesus não foi: "Muito obrigado por terem feito o que eu disse!" Em vez disso, ele deu outra ordem: "Alegrai-vos, não porque os espíritos se vos submetem, e, sim, porque os vossos nomes estão arrolados nos céus" (Lc 10.20). Na ocasião em que Tiago e João quiseram invocar fogo dos céus sobre os samaritanos hostis, a Bíblia diz claramente: "Jesus, porém, voltando-se os repreendeu" (Lc 9.55). Ao agir assim, ele os estava formando. Quando Pedro levantou aquela objeção à idéia da crucificação, Jesus lhe disse: "Arreda! Satanás; tu és para mim pedra de tropeço" (Mt 16.23). Será que podemos imaginar um pastor moderno dizendo isto para uma pessoa de seu rebanho? Gostemos ou não, a repreensão é parte do processo de formação no disci-pulado. A primeira lei do discipulado é a seguinte: sem submissão não há formação. Membros de igreja que ^ão do tipo sócio de clube não se submetem. Na realidade, tudo funciona exatamente ao contrário — eles querem que o pastor se submeta a eles, pois eles têm o direito de voto dentro do "clube". Aqui novamente vemos a coisa funcionando às avessas. No Evangelho Segundo os Santos Evangélicos o pastor é submisso aos membros. No evangelho do Reino, o braço controla os dedos, e não o inverso. A submissão está tão patente na Bíblia. "Sujei-tando-vos uns aos outros no temor de Cristo", diz o texto de Efésios 5.21. "Obedecei aos vossos guias, e sede submissos para com eles; pois velam por vossas almas, como quem deve prestar contas" (Hb 13.17).

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Eu só posso formar o caráter de meus filhos se eles se submeterem a mim. Suponhamos que a cada vez que eu precisar corrigi-los eu esteja correndo o risco de vê-los correr para outro homem e dizer: "Não quero mais ser filho de Juan Carlos Ortiz. Quero ser seu filho." E suponhamos que aquele homem diga: "Ah, entrem! Podem vir!" Eu teria que parar de corrigir meus filhos, pois não desejo perdê-los. Eu os amo. Mas eu os corrijo porque tenho certeza de que eles ficarão em casa, não importa o que aconteça. Eles são submissos. Na igreja, o pastor não pode formar vidas porque se ele endurecer um pouco com um dos filhos, a .criança foge para outro orfanato. Paulo disse a Tito o seguinte: "Dize estas cousas; exorta e repreende também com toda a autoridade. Ninguém te despreze" (2.15). Nós, os pastores, primeiramente, temos que falar a nossos filhos. Se eles não atenderem, então precisaremos exortá-los. Se apesar disso eles ainda não se corrigirem, temos que repreendêlos com autoridade. Se não agirmos assim, teremos filhos mal criados. Suponhamos que criássemos nossos filhos pelo sistema da igreja. Eu diria a meus filhos: "Venham aqui. Está na hora do culto. Hoje o sermão versará sobre a higiene do rosto e das orelhas. Assentem-se. Primeiro, vamos cantar um corinho muito bonito. Ele diz o seguinte: O sabonete é maravilhoso, maravilhoso, maravilhoso! E quando misturado com água, ele faz bolhas que voam, voam, voam!" Não é lindo? Gostaram do corinho? "Agora passemos à mensagem. O sabonete foi inventado na China, cerca de quatro séculos antes de Cristo. Ele é distribuído em barrinhas de tamanhos variados, e apresenta diversas cores e perfumes. Ele é feito de vários minerais e óleos vegetais ou animais, o que determina o seu preço. E, quando misturamos água com sabonete e passamos a espuma produzida no rosto e orelhas, ela nos torna limpos e bonitos. "Naturalmente, se deixarem cair sabão nos olhos, vai arder um pouco. Mas não demora muito e aquilo passa, e se forem bem cuidadosos, poderão evitar este transtorno. "Portanto, este é o modo de se manter o rosto e as orelhas bem limpos. Agora, enquanto o órgão toca uma música suave e o coro entoa o hino 'Tal qual estou' , se qualquer um de vocês se sentir profundamente tocado, e quiser lavar o rosto e as orelhas, por favor, ergam a mão." Não é este o método certo para se formar vidas. Pelo menos, não foi este o método que minha mãe empregou. Ela dava uma ordem e eu obedecia; agora, eu lavo o rosto e as orelhas sem que ela tenha que se preocupar com isto. A segunda lei do discipulado diz o seguinte: sem submissão, não existe submissão." (O leitor pode pensar que cometi um engano aqui, mas não.) A pessoa que dá ordens para seus discípulos deve estar, ela própria, sob o comando de outrem. Ela repreende seus discípulos — mas quem a repreende? Se não houver submissão em todos os degraus da cadeia de comando, não há submissão alguma. Lembremo-nos do centuriâo romano que pediu a Jesus que curasse um de seus servos. Jesus respondeu-lhe: "Eu irei curá-lo." Então o centuriâo disse: "Senhor, não sou digno de que entres em minha casa; mas apenas manda com uma palavra, e o meu rapaz será curado. Pois eu também sou homem sujeito à autoridade, tenho soldados às minhas ordens, e digo a este: Vai, e ele vai; e a outro: Vem, e ele vem; e ao meu servo: Faze isto, e ele o faz" (Mt 8.7-9). Ele compreendia que ter autoridade significava estar sob autoridade. Eu, por mim próprio, não posso criar minha autoridade. Ela vem de fora de mim. O verso de Romanos 13.1 diz: "Não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas." E se Deus colocar mais dois ou três níveis de autoridade acima do meu? ótimo. A autoridade só pode passar de mim para outros, se eu fizer parte da cadeia.

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Imaginemos um sargento do exército. Ele diz a um soldado para fazer algo, e o soldado obedece. O sargento fica muito feliz e diz consigo mesmo: Como eu sou poderoso! Acho que vou abandonar o exército e formar meu próprio exército, em minha comunidade. Então ele volta para casa, reúne sua antiga turma, e diz: "Muito bem, rapazes. Agora façam isto!" E eles se riem dele. O que aconteceu? Ao rejeitar a autoridade que estava acima dele, ele perdeu a autoridade que possuía. O grande problema nosso, na igreja, é que desejamos ter autoridade e ainda ser independentes. E isto é impossível. Ninguém pode ser independente e ainda ter autoridade. Se alguém deseja possuir o direito de comandar outros, ele próprio precisa estar sob o controle de outrem. Isto é uma lei eterna de Deus. E tal verdade é sumamente importante. O processo de formação de caracteres não somente requer submissão, mas também uma inter-submissãC'. Como foi que aplicamos estas coisas em Buenos Aires? A primeira medida que tomei foi colocar-me sob a autoridade dos pastores da cidade. (Explicarei isto mais adiante.) Aí então, eu estava em posição de começar a fazer discípulos em minha própria igreja. Resolvemos deixar de empregar a palavra membro, pois ela traz consigo a idéia de um clube, situação em que não há o conceito de submissão. Decidimos passar a usar a palavra discípulo. Todos compreendiam bem o significado do vocábulo, e sabiam que ainda não se enquadravam nele. E se alguém perguntasse a qualquer pessoa: "Você é membro desta igreja?" ela responderia: "Sim, sou. Aqui estão minhas credenciais. Sou o membro de n.° 234." Mas se ele perguntasse: "Você é um discípulo?" o outro responderia: "Não. Ainda não. Nem sei se o pastor é realmente um discípulo. Ele ainda não me colocou sob a orientação de um mestre para ser disci-pulado." Continuei pregando sobre o assunto durante um ano e meio, pois estava sem saber como começar a prática. Todos já compreendiam bem o conceito certo de discipulado. Mas não sabíamos realizar a transição. Por fim, sentindo-me grandemente frustrado, eu disse: "Olhem, Jesus escolheu doze discípulos e começou dai. Eu sou o Rev. Juan Carlos Ortiz e tenho que continuar a servir meu clube, mas também vou fundar uma igreja clandestina." E assim o Joãozinho começou as reuniões em sua casa. Roubou os diáconos do clube do Rev. Juan Ortiz, e passou a tentar fazer deles discípulos. (Nesta nova estrutura, não sou mais o Reverendo; sou apenas o Joãozinho. Antes, eu tinha que ser respeitado. Agora quero apenas ser amado.) Dediquei-me àqueles discípulos. Eu os servi. Saímos em passeios pelo campo, em grupo. Eles dormiam em minha casa e eu na deles. Tornamo-nos como uma família. Após um período de mais ou menos seis meses, (isso não aconteceu da noite para o dia), o clube todo começou a notar que meus discípulos estavam mais interessados em ajudá-los, em amá-los, em testemunhar, em aconselhar. Então permiti que meus discípulos roubassem mais alguns membros e passassem, eles próprios, a fazer discípulos. Levamos quase três anos, mas, finalmente, conseguimos transformar todo o clube em uma família de discípulos de mais de mil e quinhentas pessoas. Isto significou, naturalmente, que tivemos de organizar um certo número de células. Durante o período de transição, outras pessoas estavam sendo salvas nestas células, e nós as proibimos de freqüentar a igreja-clube, pois não queríamos que se contaminassem com a estrutura antiga. Eventualmente, esta estrutura velha deixou de existir. Glória a Deus! Sabem o que fizemos em seguida? Encerramos uma perseguição imaginária. Fizemos de conta que nosso templo nos fora tomado por um mês. Reuníamos apenas em casas de família, e aos domingos visitávamos outras igrejas — católicas, batistas, quaisquer igrejas. Cada um dos cinco discípulos ficou como cabeça de um grupo, num bairro da cidade. Cacho, por exemplo, que trabalha como mecânico-lanternei-ro, tem trezentos discípulos em células que

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se acham sob sua supervisão. Ele trabalha nove horas por dia na oficina, e depois dedica-se à formação de vidas, e consegue formar mais discípulos que muitos pastores de tempo integral. Cacho e seus trezentos foram visitar uma igreja batista que contava apenas com cem assistentes. Já imaginaram? Lá vem trezentos visitantes. "De onde são?" "Somos da igreja do irmão Ortiz." "Por que vieram aqui?" "Viemos apenas visitá-los." "E o seu culto?" "Bem. nós suspendemos nosso culto, para virmos visitá-los." Entenda-se; com esta nova estrutura de trabalho, podemos fazer o que quisermos. Podemos convocar o grupo todo para uma reunião, e é possível fazê-lo em questão de horas, caso seja necessário. Da próxima vez que realizarmos uma encenação de perseguição, faremos no inverno, para ver como funciona. Talvez algum dia possamos muito bem dispensar totalmente o uso do templo. Contudo, não iremos vendê-lo. Colocaremos camas, e instalaremos nele uma cantina para abrigar os pobres da comunidade. Será também um centro para acolhermos visitantes e apóstolos itinerantes. Mas nunca mais será uma caverna onde os crentes se escondam do mundo. Jesus nunca disse: "Pecadores, venham para a igreja!" O que ele disse foi: "Crentes, saiam pelo mundo, e façam discípulos." A igreja se assenta nos bancos e canta: "Vem já! Vem já! Alma cansada, vem já!" Mas em vez disso, deveríamos cantar: "Vão já! Vão já! O assentados, vão já!" Realmente, nós fazemos tudo ao contrário. Os pecadores estão mortos, perdidos, surdos, e cegos. No entanto, nós instalamos cartazes para estes cegos lerem. Se não conseguimos mobilizar os crentes que supostamente estão vivos, como podemos ter esperanças de mobilizar os não-salvos? Por outro lado, nossas células estão no mundo. Seus membros se reúnem em qualquer lugar — num lar, numa praça, num restaurante, na praia. Alguns se reúnem às seis da manhã. Outros, à meia-noite, pois as pessoas trabalham até tarde. É um organismo de funcionamento bem flexível. Mais tarde, nós voltamos a usar a palavra membro, mas com um novo significado: o membro do corpo. O membro do corpo é: (1) Dependente — Ninguém vê um nariz andando pela rua sozinho. O corpo precisa estar todo interligado, como um só bloco. Se um membro é independente, não é parte do corpo. (2) Uma parte do corpo que faz a ligação entre duas outras partes. O antebraço liga a mão ao braço. (3) Uma parte que conduz alimentos — Ela recebe a nutrição para si mesma e para as outras que se situam abaixo dela. (4) Um elemento que sustenta, que está fixo — Um membro do corpo não pode ser atirado para fora do corpo. Por acaso, quando um homem chega em casa, a esposa lhe pergunta: "Onde você perdeu sua perna direita?" Impossível! Ninguém perde um de seus membros assim. (5) Um elemento que transmite ordens — A cabeça emite uma ordem para a mão, mas esta ordem tem que atravessar os membros que se acham entre uma e outra. A mão nunca fica aborrecida com o antebraço e diz: "Acho que vou me desligar de você e instalar um cabo de ligação direta para a cabeça." Não. Nós somos um só corpo. (6) Elástico — O corpo é flexível. As organizações, em geral, caminham como robôs. No passado, qualquer pessoa que tivesse uma idéia nova ou um talento novo, geralmente, tinha que deixar a igreja, e ir trabalhar em outra. As pessoas que tinham uma chamada missionária, precisavam dirigir-se à Cruzada Estudantil Para Cristo, ou à Mocidade Para

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Cristo, ou juntar-se aos Navegadores, ou a outra missão qualquer, a fim de se entregar a um trabalho missionário. Mas quando a Igreja é um corpo de discípulos, ela é flexível. A Igreja está espalhada por todas as partes do mundo; está livre para ser o sal da terra e a luz do mundo.

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15 As "Santas Tradições Protestantes" Quem era eu para que pudesse resistir a Deus? (At 11.17.) Ainda me lembro de como fiquei orgulhoso no dia em que meu primeiro filho entrou para a escola. Na Argentina, todas as crianças usam uniforme escolar, uma espécie de macacão branco, e nós fôramos às melhores lojas da cidade, e compráramos para Davi o mais caro macacão que encontramos. E ele ficara tão bem! Seis meses depois, porém, já não nos sentíamos tão felizes. O macacão de boa qualidade não servia mais. Davi crescera. Tivemos que pôr aquele uniforme de lado e comprar outro, um pouco maior. Naturalmente, agora nós já sabemos como são estas coisas. E para nossos quatro filhos, compramos os mais baratos macacões da loja, pois sabemos que dentro de seis meses não servirão mais para eles. ' É o que acontece com qualquer tipo de estrutura. Qualquer estrutura serve muito bem enquanto as pessoas permanecem como estão. Depois que elas crescem, as estruturas não servem mais. Isto sucedeu com a igreja. Quanto mais nos desenvolvíamos na questão do discipulado, mais percebíamos que nossas estruturas estavam atravancando o livre curso do Espírito Santo. Não que as estruturas em si fossem erradas. Nós não as desprezamos: apenas reconhecemos que foram criadas para ontem, e não para hoje. Os líderes não devem se ofender quando falamos acerca de mudanças de estruturação. Isto significa apenas que estamos crescendo. Se pudermos viver anos e anos acomodados dentro das mesmas estruturas, isto demonstra que não estamos crescendo. Por exemplo, em nossa igreja havíamos usado um certo hinário durante quarenta anos. Depois que Deus começou a nos renovar, já mudamos de hinário cinco vezes. Vinho novo precisa de odres novos. A diferença não está no estilo; não é que um odre novo seja mais atraente ou esteja mais em moda que o velho. Não nos descartamos dos odres velhos simplesmente porque estivessem velhos; nós os abandonamos porque estavam enrijecidos. O odre deve ser flexível e elástico para aceitar bem o vinho novo. Os odres velhos de que Cristo nos fala em Mateus 9.17 são as estruturas tradicionais antigas, que às vezes são mais duras que qualquer outra coisa. Alguns de nós acham mais fácil anular um verso das Escrituras, que abandonar uma tradição. Muitas vezes, entramos em conflito com a Bíblia a fim de obedecermos à nossa estrutura. Certa vez indaguei a um católico:! “Escute aqui, onde é que se encontra a adoração de Maria na Bíblia?” Eu realmente desejava convencê-lo de seu erro. Ele era muito humilde. Por isso respondeu-me: “Bem, é possível que a Igreja Católica dê uma importância demasiada à Virgem Maria; mas pelo menos existe uma Maria na Bíblia; não existe?” “Certamente”, respondi. “No entanto, onde é que se encontram na Bíblia as denominações que vocês tanto defendem?” perguntou ele. Não obstante o que a Bíblia ensina, também temos nossas tradições: as denominações. Jesus tem somente uma esposa, a Igreja. Ele não é polígamo. No entanto, chegamos até a dizer que as denominações fazem parte da vontade de Deus. Assim, nós culpamos a Deus pelas nossas divisões e falta de amor. E depois criticamos os católicos pelas suas tradições.

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Pelo menos, suas tradições são mais antigas que as nossas. Não devemos tentar remover o argueiro dos olhos dos católicos, enquanto não tirarmos a trave que se encontra diante do nosso. (No início deste nosso avivamento, comecei a escrever um livro intitulado As Santas Tradições da Igreja Protestante, mas percebi que não estava sendo movido pelo amor, e parei.) Já mencionei anteriormente nossa tradição de fechar os olhos para orar. Mais de uma vez, a Bíblia ensina exatamente o contrário. Observei, também, que a Bíblia diz: "Quem crer e for batizado será salvo" (Mc 16.16). Nossa tradição, porém, ensina que quem crer e for salvo, após alguns meses de teste, será batizado. Jesus disse: "Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-as em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo; ensinando-as a guardar todas as cousas que vos tenho ordenado" (Mt 28.19, 20). Nossa tradição diz para sairmos e fazermos discípulos de todas as nações, ensinando-os a obedecer tudo que Jesus ordenou, e depois batizá-los. E em alguns casos, os membros da igreja ainda precisam votar para aprovar o batismo de qualquer pessoa. De onde foi que tiramos isto? Não sei. Faz parte das santas tradições protestantes. E nós também excluímos pessoas da igreja quando elas não se ajustam direitinho aos padrões propostos pela tradição, sob todos os seus aspectos. E as tradições e estruturas são tão fortes! As vezes, até me pergunto se elas não são inspiradas por um espírito maligno. É interessante notar a força que tem a tradição, mesmo na vida de um apóstolo como Pedro, quando foi enviado à casa de Cornélio. Pedro estivera presente no momento em que Jesus dissera: "Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações" (Mt 28.19). Ele também ouviu Jesus ordenar-lhes claramente: "Sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém, como em toda a Judéia e Samaria, e até aos confins da terra." (At 1.8.) Mas quando se lhe apresentou o momento de testemunhar para Cornélio, um centurião gentio, a tradição de Pedro o impediu. O Senhor precisou repetir a visão de animais imundos suspensos por um lençol e dizer: "Ao que Deus purificou não consideres comum". E Pedro insistia em responder: "De modo nenhum, Senhor..." (At 10.14,15). As tradições têm um poder misterioso. As vezes, elas passam por cima até das palavras do próprio Deus. É a tradição que nos faz dizer: "Não, Senhor!" Nós lemos na Bíblia acerca da unidade do Corpo de Cristo, e dizemos: "Não. Deus deseja que as denominações existam exatamente como são!" Afirmamos que a Bíblia é nossa regra de fé e prática — a menos que entre em conflito com nossa tradição. É fantástico! Por fim, o Senhor disse a Pedro: "Estão aí dois homens que te procuram; levanta-te, pois, desce e vai com eles nada duvidando; porque eu os enviei" (vv. 19,20). (Ele não lhe disse que os dois homens eram gentios, nem qual seria sua missão.) E afinal, Pedro convenceu-se de que poderia obedecer, pelo menos nesta parte. \ Os homens lhe relatam o impressionante fato de que Cornélio estivera orando e recebera a visita de um anjo, que lhe dissera para enviar mensageiros a Jope, exatamente àquela rua e número, para encontrar um homem por nome Simão. O que o apóstolo poderia dizer? Ele é obrigado a acompanhá-los. Mas durante todo o caminho ele vai contrariado. Entra na casa de Cornélio e quase que a primeira coisa que diz é: "Vocês sabem que é abominação para nós visitarmos pessoas como vocês." (Uma tradução livre da versão da Bíblia em espanhol.) Suponhamos que alguém entre em nossa casa e nos diga isto. Imediatamente, nós responderíamos: “E ali é a porta da rua!” Podemos bem imaginar como Cornélio se sentiu. Ele convidara todos os seus parentes e amigos para irem à sua casa. "Vocês irão conhecer um verdadeiro homem de Deus", disselhes. "Um anjo me disse para chamá-lo. Ele é um santo homem, um varão perfeito, e ele nos ensinará muitas coisas a respeito de Deus."

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E então Pedro chega e os insulta. A seguir, o apóstolo menciona por que se deu ao trabalho de ir até ali, e depois diz: “Pergunto, pois, por que razão me mandastes chamar?” (V. 29.) Um apóstolo de Jesus Cristo — e não sabe o que tem a fazer. Até mesmo uma criancinha saberia. Pedro sabe que está fazendo uma pergunta tola; mas não parece disposto a entregar-lhes a mensagem. Por quê? Tradição. Então Cornélio conta-lhe novamente sua história, repetindo o que seus mensageiros já haviam dito a Pedro dois dias antes. Por fim, Pedro começa a pregar. Ele lhes fala de Jesus, de seus milagres, de sua morte e ressurreição. Será que Pedro se atreverá a chegar ao ponto de apelar aos gentios para que se arrependam? Acho que não. Acho que ele está somente rodeando... e finalmente, Deus intervém, a despeito do que Pedro pensa, e o povo começa a louvar o Senhor, a falar em línguas, a chorar, e, talvez, até a dançar — quem sabe? Pedro corre ao cômodo contíguo, onde estão seus companheiros judeus, e conferencia com eles. “O que está havendo?” indaga um deles. “O que você fez, Pedro?” “Não fiz nada”, responde ele. “Eu não os batizei com o Espírito Santo — foi Deus. Eu não posso fazer nada.” “Bem, e o que faremos agora? Será que devemos batizá-los nas águas?” Enquanto isto, os gentios não enfrentam problema algum. Eles estão desfrutando daquele derramamento do Espírito. Mas os tradicionalistas estão a braços com uma terrível questão. A estrutura deles foi abalada. E eles discutem o assunto. Afinal, Pedro diz: "Bem, eu acho que devemos batizá-los. Pois, se Deus..." "Pedro, o que você irá dizer à nossa cúpula em Jerusalém?" "Não sei; mas não encontro razão para não batizá-los." E quando eles regressam a Jerusalém, a notícia já lá chegara, antes deles. Pedro entra na casa. "Olá, irmão. Como vai?" diz ele para alguém. "Vai haver uma reunião da mesa diretora às 6:00 horas." "Para quê?" "Quando chegar lá, ficará sabendo." A reunião inicia. "Muito bem, Pedro", diz um deles, "ouvimos dizer que você entrou na casa de um gentio, comeu com eles. Não toque em nós; não toque em nós. Isto é verdade mesmo?" E Pedro passa a relatar os fatos. "...e logo que comecei a falar caiu sobre eles o Espírito Santo..." "Não! Não!" "...exatamente como aconteceu conosco, no início..." "Não!" "...e se Deus concedeu a eles o mesmo dom que deu a nós, após crermos no Senhor Jesus Cristo, quem era eu para me opor aos intentos de Deus?" Ouçamos agora o que a Bíblia diz: "E ouvindo eles estas cousas, apaziguaram-se e glorificaram a Deus dizendo: Logo..." (At 11.15-18.) O poder da tradição é terrível. Deus fica impedido de realizar muitas das coisas que deseja por causa das amarras que nos tolhem. E nós ficamos escandalizados todas as vezes que ele quer modificar-nos um pouco. Nossa mente é como estas pequenas mesinhas de cabeceiras que comportam somente uma lâmpada e alguns livros. Não poderíamos colocar um refrigerador sobre elas, pois se quebrariam. É isto que acontece quando nossas mentes tradicionais recebem algum ensino daquilo a que estamos acostumados. Ficamos quebrados em pedacinhos.

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Lembro-me da primeira vez que fui a uma igreja da Assembléia de Deus, e vi as pessoas batendo palmas. "Oh!" pensei, "Como estas pessoas são carnais." E eu lhes disse o que pensava. Minha mentalidade simplesmente não tolerava aquilo. Mas depois eles mencionaram para mim todos os versos de Salmos que falam em bater palmas perante o Senhor. A mesma coisa aconteceu na primeira vez que vi as pessoas começarem a dançar para o Senhor. Ah! como eu me escandalizei. Minha tradição não permitia aquilo. E novamente, Deus me fez saber que ele purificara tal coisa, e eu não podia declará-la imunda. Vejamos o fato da mulher que chegou diante de Jesus e quebrou o vaso com o perfume sobre ele. Os discípulos ficaram contrariados e perguntaram: "Para que este desperdício?" (Mt 26.8.) Mas Jesus respondeu: "Ela praticou boa ação para comigo" (v. 10). Que coisa maravilhosa! A mente dele não ficou nem um pouco transtornada! Devemos pedir a Deus para fortalecer nossas "mesinhas", para que elas possam agüentar qualquer peso que ele queira colocar sobre nós. Ele quer realizar coisas maiores em nossos dias, mas ele as retém por temer que sejamos esmigalhados. O que precisamos fazer para conhecer e realizar toda a vontade de Deus? Duas coisas, diz Romanos 12.1,2. Primeiro, precisamos apresentar nosso corpo como sacrifício vivo e santo. Um sacrifício vivo e santo é melhor que um sacrifício morto, pois o sacrifício vivo tem um futuro. Deus pode fazer com ele o que desejar. Em segundo lugar, temos que ser transformados pela renovação de nossa mente. Temos que estar preparados para mudanças. Estar no centro da vontade de Deus significa estar continuamente pronto para sofrer mudanças. As vezes dizemos: "Senhor, mostra-me a tua vontade!" Mas se ele mostrar, nós não faremos nada. Somos como um trem de ferro que diga: "Por favor, dirija-me por estes trilhos." Para quê? Os trilhos já estão ali. Os trilhos são nossas tradições. Nós oramos assim: "Senhor, ajuda-nos a fazer tua vontade", mas os trilhos que seguimos já estão pregados ao chão. Somos como as crianças num parque de diversões, guiando carrinhos. Elas giram o volante para um lado e para outro, mas a despeito disso o carro segue sempre na mesma direção. É assim que somos nas igrejas e nos concílios denominacionais. Fazemos vários tipos de proposições (muita movimentação), mas tudo continua na mesma.

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16 Modificando as Tradições Rogo, pois, aos presbíteros que há entre vós... pastoreai o rebanho de Deus que há entre vós, não porconstrangidos, mas espontaneamente, como Deus quer. (1 Pe 5.1,2.) Quando Deus começou a renovar-nos, algumas de nossas tradições precisaram ser modificadas. A tradição do governo democrático era uma das mais fortes que tínhamos. Começamos a ver que a igreja primitiva não era democrática; era teocrática. Deus dava ordens aos apóstolos, e estes' as transmitiam ao povo. Também nomearam anciãos para as igrejas, mas todos eram obedientes. Era uma igreja comandada pela cabeça e não pelos pés. O poder fluía do alto, passando pelo meio e ia até a base. Numa democracia as coisas funcionam ao contrário. O poder está na base. A cabeça tem que obedecer as ordens dos pés. Não existe registro algum de Paulo dizendo a Timóteo: "Timóteo, será que você poderia apresentar-se como obreiro voluntário para o ministério? Gostaríamos muito que você se unisse a nós, se desejar." O texto de Atos 16.3 diz o seguinte: “Quis Paulo que ele fosse em sua companhia”, e isto foi tudo. Os apóstolos tinham o direito até de definir a doutrina. O Novo Testamento não fala da "doutrina de Jesus", mas, sim, da "doutrina dos apóstolos". Eles eram infalíveis. Os problemas começaram a surgir quando esta igreja teocrática perdeu seu carisma, o poder espiritual. Os líderes se tornaram mais interessados no poder material e terreno do que no que vinha do alto. Eles conservaram a mesma forma de governo, mas o espírito se fora. Eram como um estojo de caneta sem a caneta. Exteriormente, pareciam os mesmos, mas, por dentro, estavam vazios. O papa continuou a crer que era infalível, e eu entendo perfeitamente a razão disso. Afinal de contas, as cartas que Pedro escrevera, as cartas de João e as outras eram toda a verdade. Por que não continuar assim? E poderia ter continuado; mas sem o carisma, sem a revelação divina dos céus, a igreja se tornou um elemento perigoso no mundo. Alguns de seus filhos, como Savonarola, João Huss, Lutero e outros, tentaram renovála, mas a Igreja não aceitou sua mensagem. Eles teriam trazido uma nova vida à Igreja Católica, mas em vez disso, foram afastados dela. É assim que age o poder sem a revelação. Então as igrejas protestantes reagiram e decidiram tornar-se democráticas. E isto foi bom durante algum tempo; reconduziu os leigos ao trabalho eclesiástico. Novamente, eles tinham que pensar, votar e trabalhar. Mas não foi a solução. No decurso da Idade das Trevas, o papa se tornou o substituto da Palavra de Deus. E atualmente é o (voto da maioria que se constitui neste substituto. Q povo continuava sem saber ao certo o que Deus estava dizendo. E por isso dizia: "Vamos resolver esta questão pelo voto. A idéia que obtiver mais da metade dos votos, deve ser a vontade de Deus." A maioria nem sempre está certa. Foi a maioria que construiu o bezerro de ouro no deserto. Foi a maioria que deu as costas para Jesus após suas palavras registradas em João 6. E nestes dias, quando Deus está reestabelecendo ministérios e carismas iremos ter muitas dificuldades com a maioria. Não estou argumentando em favor de um governo de orientação episcopal, mas também não posso apoiar a forma democrática. Sem o carisma 71

nenhum dos dois é bíblico. Talvez quando Deus operar a renovação, as pessoas de formação episcopal se mostrem mais acessíveis a ela — não sei. Elas já estão acostumadas a receber ordens de outras que não possuem a plenitude do Espírito; o que farão se seus bispos realmente se puserem em contato com Deus? A questão do governo eclesiástico já foi exaustivamente discutida através da História, e creio que não pode ser resolvida, simplesmente por uma razão: uma forma de governo estritamente bíblica não dará certo numa igreja não bíblica. A Bíblia fala da Igreja em duas dimensões: a universal e a local. A igreja universal significa “a igreja de toda a terra”. Igreja local significa “a igreja de uma certa localidade”. Mas depois que ocorreu a reforma protestante, nós passamos a ter um novo tipo de igreja que não é nem universal nem local. É a igreja denominacional. As denominações já experimentaram todo tipo de governo eclesiástico que se possa imaginar, desde as rígidas formas episcopais, da direita, às formas presbiteriais, do centro, e até às congregacionais, da esquerda. Mas mesmo assim não se achou a solução. Por quê? Porque não se pode instalar peças de carro Ford em veículos de fabricação Chevrolet. Para autos de marca Chevrolet, só podemos usar peças Chevrolet. O conceito de denominação não é o mesmo da igreja local do Novo Testamento, e portanto, nenhuma de nossas formas experimentais de estrutura neotesta-mentária se encaixam nela. Certa vez fui ao Equador, e vi ali as bananas grandes e doces que aquele país produz. E disse: "Que coisa boa! Será que posso levar uma muda dela e plantar em minha terra? As nossas bananas são tão pequenas." E alguém me respondeu: "Bem, acho que não adiantará muito. O clima da Argentina é muito frio, e lá não dará bananas grandes assim. O senhor teria que levar o nosso solo, a chuva e a temperatura — teria que levar todo o Equador para o seu país." O mesmo acontece conosco. Fizemos uma viagem à Igreja Primitiva e descobrimos o batismo com o Espírito Santo. E tentamos transplantá-lo para nossa igreja atual sem trazer o clima. Acabamos obtendo bananas pequenas e grossas. O que aconteceu? O Espírito Santo ainda é o mesmo do primeiro século. Mas parece que foi diluído — um galão dele, para cem galões de água fria. Nós o enfraquecemos. Nós simplesmente não podemos ter um bom governo eclesiástico bíblico numa estrutura eclesiástica não bíblica. Qual é a igreja bíblica? A igreja da localidade. A igreja de cada área é uma só. Não existem duas igrejas, ou três, ou dez; a igreja é uma só, assim como Deus é um. Quando Deus se revelou a Moisés na sarça ardente, este quis saber qual era seu nome. Em essência, Deus lhe respondeu o seguinte: "Moisés, você vem do Egito, onde existem muitos deuses, e onde é preciso nomeá-los para se distinguir entre uns e outros. Mas existe apenas um Deus. Além de mim não existem outros." Moisés não entendeu. Ele insistiu em saber o nome. E Deus disse: "Escute, se nós fôssemos muitos, precisaríamos de nomes. Mas eu não preciso de nome — Eu sou quem sou. Eu sou o único." "Mas quando eu chegar ao Egito terei que identificá-lo de algum modo. O que devo dizer?" V "Bem, você terá que dizer apenas: Eu sou me enviou." Que nome estranho! O mesmo se aplica à Igreja. Muitas pessoas me perguntam: “De que igreja você é?” "Eu sou da Igreja", respondo. "De qual?" "Da Igreja." "Ora, deixe de brincadeira — você sabe o que quero dizer. De que igreja você é?"

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Existe somente uma Igreja. No Novo Testamento, eles nunca tiveram que arranjar um nome para a Igreja, porque havia somente uma. Quando eu me encontrava na cidade de Charlotte, no Estado de Carolina do Norte, disseram-me que havia quatrocentas igrejas naquele município. Isto não é verdade. Existe apenas uma Igreja em Charlotte, partida em quatrocentos pedaços. Só pode haver uma Igreja em cada localidade. Precisamos descobrir um modo de ajuntar os pedaços novamente. Deveríamos ir ao topo do edifício mais alto do lugar, e pedir a Deus o seguinte: "Senhor, mostra-me a Igreja desta cidade, tal como tu a vês." Mas nós somos míopes. Pensamos que Deus está lá no céu olhando apenas para a nossa congregação, através de um longo tubo, e dizendo: "Como tudo está bonito! Que órgão bom eles compraram... que lindo tapete instalaram!". Olhe! A verdade é que ele está olhando para baixo, chorando. E com estas lágrimas está dizendo o que Jesus disse quando chorou sobre Jerusalém: "Quantas vezes quis eu reunir os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintinhos debaixo das asas, e vós não o quisestes! Eis que a vossa casa vos ficará deserta." (Mt 23.37,38.) Ele vê os vários pastores da cidade, todos unidos como um só corpo de pastores, de sua única Igreja. E se eles são uma corporação só, devem se reunir em grupo, ter comunhão uns com os outros, amar uns aos outros. Devem viver quase como viviam os doze pastores da Igreja de Jerusalém. Eles constituem o presbitério da cidade; os anciãos que estão encarregados do rebanho de Deus. Em alguns lugares nossa estrutura é tão errada que chamamos os diáconos de "anciãos". E assim, temos uma situação estranha — os "anciãos" se acham debaixo dos pastores. Não entendemos que, no Novo Testamento, os dois são a mesma coisa. Jesus é a cabeça que, na visão de João registrada em Apocalipse, caminha entre os candeeiros (as igrejas). A igreja de cada localidade é diferente das de outras; suas características são específicas para as necessidades locais, assim como a Igreja de Jerusalém desenvolveu-se de um modo e a de Antioquia de outro. Mas todas se acham sob o senhorio de Cristo. E através da liderança dos apóstolos e anciãos, o Reino de Deus deve ser estabelecido em cada lugar. Será que este conceito é muito estranho para nós? Será ele uma ameaça às nossas tradições? É verdade que não podemos simplesmente estalar os dedos e consumir com as denominações. Até o governo civil já espera que nós as tenhamos. Mas isto não deve impedir que venhamos a discernir o verdadeiro corpo do Senhor de cada localidade. As santas tradições protestantes não podem servir de barreira para o crescimento.

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17 Mais que um Culto Dominical Ide, portanto, fazei discípulos... (Mt 28.19.) Agora chegou o momento de abordarmos as facetas práticas deste "fazei discípulos". Eu hesito um pouco em fazê-lo. pelo receio de que alguém possa querer sair correndo e tentar pôr em prática o que estou dizendo, sem antes ser renovado pelo Espírito. Se o fizer, logo se sentirá frustrado. Antes de a Igreja poder colocar estas coisas em prática, ela deve renovar sua conceituação do senhorio de Cristo e do papel de escravo — os princípios que expus na primeira parte deste volume. Se não tivermos o vinho novo, não precisamos dos odres novos. A coisa mais importante é conseguir o vinho novo, depois, então, podemos pensar na estrutura que deverá contê-lo. Não recolhemos estas idéias em livros ou salas de aula. Elas brotaram da nossa própria vivência em comum. Começamos a executá-las quase que sem pensar nelas; nós simplesmente estávamos tentando nos ampliar para dar lugar à ação do vinho novo. Primeiramente, a discipulação tem que começar pelos pastores. Se os pastores não se reunirem como expliquei no capítulo anterior, vendo a si mesmos como anciãos da Igreja de Deus na cidade, nunca poderão fazer discípulos de seu povo. O discipulado não se propaga de baixo para cima; ele tem que fluir de cima para baixo. Para podermos fazer discípulos, precisamos ser discípulos. Discipular não é simplesmente ensinar, não é uma experiência de sala de aula; é uma experiência de vida. Os pastores não podem pregar seus velhos sermões e esperar conseguir discípulos com eles. Não dará certo. A vontade de Deus para nossos dias só é manifestada no grupo de seus ministros. Quando eles se colocam diante do Senhor, oram juntos e amam uns aos outros, Deus revela seus propósitos para a sua cidade. Por fim, Deus pode falar aos seus pastores como grupo. Se nós, pastores, não tivermos um espírito de submissão uns para com os outros, como poderemos esperar que o povo se submeta a nós? O fato de existir um grupo de pastores nesta igreja única de Deus é uma garantia, extremamente importante, de que as ovelhas não sofrerão os desmandos de um ditador. Elas sabem que seu pastor também é discípulo, sujeito à liderança do presbitério da cidade. Leva algum tempo para que um grupo de pastores seja transformado em discípulos. Mas isto tem que ser feito. É espantoso o quanto se pode aprender. Eu era um pentecostal orgulhoso, que pensava não ter nada a aprender com os batistas, nem com os presbiterianos, nem com os da Igreja dos Irmãos, nem com um irmão católico. Eu possuía o evangelho "completo". Mas quando começamos a nos reunir, em 1967, descobri que eu e minha igreja não éramos assim tão perfeitos, no final das contas. Nem todo ministro é um profeta ou evangelista. Mas juntos nós nos enriquecemos uns aos outros, exercitando cada um o seu ministério. Agora somos cerca de vinte e cinco pastores. Este grupo acabou por tornar-se uma das células-mães de Buenos Aires. Depois que já estava organizada, dedicamo-nos a selecionar alguns discípulos para cada ancião. Tivemos que tomar cuidado para não escolhermos as pessoas de quem mais gostávamos, ou as pessoas mais ricas, ou mais cultas — não, não. Os discípulos têm que ser escolhidos pela orientação de Deus. Por si mesmo, Paulo nunca teria escolhido Timóteo. Era jovem demais. Além disso era tímido. Paulo teve que escrever-lhe mensagens assim: "Não te envergonhes, portanto, do

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testemunho de nosso Senhor, nem do seu encarcerado que sou eu" (2Tm 1.8). E para culminar, ele padecia de um mal crônico, do estômago. Que discípulo! Mas Timóteo foi escolhido por Deus. Jesus orou toda uma noite, antes de escolher seus doze discípulos (Lc 6.12,13). A escolha dos discípulos é uma decisão espiritual muito séria. A partir daí as células começaram a multiplicar-se. E quanto mais nos expandíamos, mais importante se tornava a questão do senhorio de Cristo — como se verá. Cada discípulo tem sete noites por semana, certo? (Na Argentina, falamos muito em noites, porque quase todo o mundo trabalha o dia todo.) Uma noite é dedicada à reunião da célula, onde o discípulo recebe. Duas noites são destinadas ao dar. Numa célula, ele está formando as vidas de novos convertidos; na outra, está formando futuros dirigentes de células. Aqui vemos o princípio da multiplicação sendo aplicado o tempo todo. Então, quando uma pessoa se torna crente, ela freqüenta somente uma célula, no início. Trata-se de uma célula para bebês em Cristo. Mas, pouco depois, ela se transfere para a célula em que receberá instruções para a liderança. Então, começa a atuar como discípulo completo — recebendo do alto, e ao mesmo tempo, dando, tanto a novos convertidos como a discípulos jovens. Ninguém fica continuamente dando, e portanto ninguém corre o perigo de se esvaziar. Mas também ninguém fica só sentado, "engordando". Numa outra noite (geralmente domingo), nós nos reunimos em conjunto. Uma outra noite é consagrada à família. Isto é um mandamento divino. Os solteiros devem dedicar aquele tempo a seus pais. Afinal, as relações familiares são muito importantes no discipulado. Isto se constitui em todo um novo modo de vida, e não um modo de falar, apenas. A sexta noite é dedicada ao descanso. Isto também é um mandamento. Nós precisamos disto, porque nas noites de reunião de célula raramente vamos dormir antes de uma da madrugada. Portanto precisamos descansar, no interesse do próprio Reino. O Rei precisa de nós repousados para efetuarmos nosso trabalho. Foi com esta finalidade que ele deu a Moisés o quarto mandamento. Muitos crentes dizem que o domingo é seu dia de descanso. Como podem afirmar isto? Domingo é o dia em que se cansam mais. Levantam-se cedo para irem à escola dominical; depois vão para o culto; à tarde, distribuem folhetos; segue-se a reunião da união de jovens e depois o culto noturno. Nós distribuímos as quatro atividades durante a semana. Eles aglomeram tudo em um só dia. Isto não é dia de descanso. Quando Deus disse: "Não farás nenhum trabalho", foi exatamente isso que ele quis dizer. Os fabricantes de roupas ou tecidos geralmente anexam ao seu produto etiquetas com instruções para a lavagem dele: "Lave este tecido assim e assim; passe a ferro assim e assim", e etc. Quando Deus nos criou, ele disse: "Esta máquina tem que descansar um dia por semana." Os médicos e psiquiatras não ganhariam tanto dinheiro se estas instruções divinas fossem obedecidas. Foi por isso que suspendemos os cultos de domingo pela manhã. Nós precisamos dormir. Neste dia, todos ficam em casa e dormem até às dez ou onze horas. É diferente, mas dá certo. A última noite é para reforço. A atividade da semana que precisar de um reforço a mais, recebe-a nesta sétima noite. O discípulo vai ao seu dirigente para receber uma ajuda especial em qualquer setor de sua vida que esteja mais fraco. Ou então ele visita um de seus discípulos. Pode também reforçar seu relacionamento familiar, ou então descansar. Uma vez por mês todas as células se reúnem e passam um fim de semana no campo — de sexta-feira à noite até domingo ao meio-dia. Nós conversamos, convivemos uns com os outros, confessamos pecados, e assim edificamos o nosso relacionamento em comunidade.

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Agora os leitores já podem entender por que nosso povo tem que ser totalmente dedicado ao Reino de Deus. Todo o dia, enquanto trabalham, eles pensam naquilo que irão fazer para o Reino após a jornada de serviço. Eles são discípulos nas vinte e quatro horas do dia. (Eu não creio que tenha que me preocupar com as pessoas que procuram nos imitar, sem estar plenamente submissas a Jesus. Aquilo simplesmente não dura muito.) O que é uma célula? Célula é um nome temporário com que designamos um grupo de pessoas que se reúne com determinados propósitos. Não é um termo bíblico. O nome certo seria "igreja que está na casa", mas muitos crentes não entendem bem esta expressão. Pensam que irão a uma casa e realizarão um culto de igreja — um hino, leitura bíblica, mensagem, oração, encerramento. E as células não operam assim. (Eventualmente passaremos a chamálas a igreja na casa, depois que as pessoas esquecerem o velho conceito de igreja.) Após um ano de uso do termo célula, mudamos para o de pequena comunidade, a fim de dar mais ênfase ao espírito de compartilhar, que é tão importante. Temos nos esforçado grandemente para acabar com a pobreza em nossa igreja. Afinal de contas, temos que ser a luz do mundo. Como poderemos abordar os problemas sociais fora do âmbito eclesiástico, quando não resolvemos os da igreja? Alguns pastores se empolgam muito com questões políticas em favor da justiça social — mas não conseguem resolver o problema dentro da própria igreja. Temos que começar num lugar onde nossas palavras são ouvidas e acatadas. Comecemos com as pessoas que carregam a Bíblia debaixo do braço. Elas, mais que ninguém, têm que praticar a justiça social. É incrível pensar que um irmão da congregação pode possuir dois televisores enquanto outro não tem nem cama. É incrível que um tenha dois ou mais carros, enquanto outro tem que andar a pé vinte quarteirões, e esperar ônibus uma hora por dia. Mas isto acontece demais em nosso país. Por isso, estamos enfatizando o espírito comunitário em nossa igreja. Quando eliminarmos a pobreza de nossa congregação, então teremos autoridade para falar ao mundo acerca da justiça social. Estamos cuidando de arrumar nossa casa primeiro. Uma célula é constituída de cinco a oito pessoas. Se passar disso, ela começará a formar uma igrejinha para si mesma. Queremos que a igreja permaneça unida, e cada pessoa esteja bem cônscia de sua parte dentro do corpo. (Nem todos os componentes das células pertencem à nossa congregação. Alguns deles são batistas, nazarenos, ou católicos, que moram na mesma área, e desejam se desenvolver no discipulado.) O dirigente da célula não recebe nenhuma designação especial. Depois que Deus começou a renovar-nos, ficamos muito cautelosos com títulos. Ainda não impusemos as mãos sobre ninguém para eleger diáconos, anciãos, ou quaisquer outros encargos. Antes, fazíamos isto freqüentemente. Eu era o Reverendo, um pastor ordenado. Mas agora entendo que, na Igreja primitiva, eu não poderia ser nem diácono — eles possuíam iriais espiritualidade, mais sabedoria, mais poder espiritual, mais dons, mais tudo, que os mais importantes prelados de nossos dias. Meu único título é Servo Inútil. A força da autoridade decorre da espiritualidade de alguém, e não do fato de ele possuir um título. Se agirmos de outro modo, é possível que fiquemos decepcionados e cheguemos a desejar que nunca tivéssemos eleito certa pessoa como diácono ou ancião. Se o dirigente cresce espiritualmente, os discípulos se submetem a ele sem qualquer título. Mas se ele não tem a autoridade de Deus, nem o título de Reverendíssimo valerá coisa alguma. Não quero dizer que seja errado indicarmos líderes. Digo apenas que é mais sensato esperar que Deus os leve a operar. Depois, podemos elegê-los facilmente. As células podem reunir-se em qualquer lugar, em qualquer hora. Se faz muito calor no apartamento, as pessoas podem ir para a praia ou para uma praça, já que são somente cinco a oito elementos. A hora do dia também não importa. Não é como numa igreja, onde as portas, em muitos casos, só são abertas às nove horas da manhã de domingo e às sete da noite, e

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quem não comparece nessas ocasiões, perdeu. (O caminho do Senhor é estreito, mas não tão estreito.) A célula deve ter dois objetivos em mira: os grupos e sua tarefa. Eu costumava preocupar-me muito com o trabalho. Desejava alcançar certos alvos e não podia perder tempo preocupando-me com as pessoas que eu estava utilizando para alcançá-los. Eu era como um executivo de uma grande empresa que vê cada empregado apenas como uma máquina, uma ferramenta necessária à obtenção de lucros. Eu adquirira tal atitude no sistema em que fora criado. Quando jovem, eu saía para pregar em cidades pequenas. E quando ia ao escritório central da denominação, quase nunca era notado. Quando visitei a escola bíblica, ninguém me cumprimentou. Corri as salas, visitei os estudantes, e foi só. Mas depois que me tornei pastor de uma grande igreja, a situação se modificou enormemente. Todas as vezes que vou ao escritório da escola bíblica: "Olá, irmão Ortiz! Dême seu casaco. Gostaria de tomar uma xícara de chá?" Agora eu era importante para o negócio deles. Coitado do pobre pastor que cair no desagrado! De repente ele se torna um joâoninguém, novamente. Mas nesta nova vida de discipulado, nós amamos as pessoas, qualquer que seja sua contribuição. Cada membro da célula é importante. O dirigente compreende que cada um deles tem suas aspirações e esperanças. A célula procura atender às necessidades de cada pessoa. O resultado é que não temos que suplicar a ninguém para assistir às reuniões. Não precisamos fazer chamadas telefônicas para dizer: "Olhe, não se esqueça da reunião da célula. Por favor, esteja presente. Prometa-me que irá comparecer." Não. Eles vão porque não podem deixar de ir. Neste grupo, eles se realizam. A célula atende às suas necessidades de contato social, crescimento espiritual, e até as necessidades materiais. Ela os alivia de seus fardos e problemas de modo que eles ficam aptos a assumir responsabilidades no Reino. Mas a célula não pode centralizar-se apenas no grupo, senão não passaria de um clube de boas pessoas que fazem festas e piqueniques em conjunto. A célula também tem uma tarefa a cumprir: a grande comissão do Senhor Jesus Cristo. Ela tem que fazer discípulos, pois de outro modo não haveria razão para sua existência. Entretanto, a tarefa nunca será realizada se as pessoas do grupo não se amarem umas às outras. As duas coisas se acham estreitamente associadas.

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18 A Célula Durante três meses Paulo freqüentou a sinagoga onde falava ousadamente, dissertando e persuadindo, com respeito ao reino de Deus... Durou isto por espaço de dois anos, dando ensejo a que todos os habitantes da Ásia ouvissem a palavra do Senhor, tanto judeus como gregos. (At 19.8,10.) O que há de singular a respeito da célula? Em que ela difere de uma reunião de oração num lar? Ela é constituída de cinco partes: adoração, discussão, programação, mobilização e multiplicação. Naturalmente, não é necessário haver as cinco em todas as reuniões. Uma reunião pode ser toda dedicada à devoção, enquanto que a seguinte pode ser só de discussão. Mas todos estes elementos devêm estar integrados no funcionamento da célula. (Nós os encontramos em Atos 19, quando Paulo fez alguns discípulos em Éfeso, e estes espalharam o evangelho por toda a província da Ásia. Eles cultuavam ao Senhor; doutrinavam; planejavam como iriam fazer a pregação; iam a vários lugares pregar e fundavam muitas igrejas novas — algumas das quais são mencionadas em Apocalipse 2 e 3.) Creio não ser preciso explicar o termo adoração. Oração, adoração, louvor, confissão, quebrantamento de alma perante o Senhor — todas estas coisas são parte da vida devocional da célula. Discussão é o estudo da Palavra de Deus. Mas nós o realizamos de uma forma diferente. Não estudamos uma lição por semana. Um estudo prolonga-se às vezes por dois ou três meses. Por quê? Porque não passamos para a lição seguinte enquanto não estivermos praticando a primeira. Não diz a Bíblia que temos que ser praticantes da Palavra e não somente ouvintes? Nossa geração é uma geração de ouvintes. A razão é óbvia: temos oradores em demasia. Se nós apenas falamos, falamos, falamos, as pessoas não podem fazer outra coisa senão ouvir. Estudos científicos nos dizem que as pessoas retêm apenas vinte por cento do que ouvem, e aquilo que retêm, se não for repetido até dez dias depois, ficará perdido. Portanto, logo que saímos da igreja, lembra-mos apenas vinte por cento do sermão — e, se não o praticarmos, esqueceremos até estes vinte por cento. Ou se não ouvimos outro sermão sobre o mesmo assunto, aquilo ficará esquecido. O que é que lembramos do que aprendemos na escola? Só sabemos ler, escrever, somar, subtrair, multiplicar e dividir, porque continuamos a praticar estas coisas. Mas o que lembramos sobre a geografia da China, por exemplo? Jesus não disse: "Ensinando-os a conhecer todas as cousas que vos tenho ordenado." Mas o que ele disse foi: "Ensinando-os a guardar todas as cousas que vos tenho ordenado." É por isso que, no trabalho da célula, a discussão inclui a prática. Antes fazíamos o seguinte em nossa igreja: tínhamos uma reunião de oração na terçafeira. Pregávamos sobre oração. "Vamos orar, meus irmãos. A oração muda as coisas. A oração é a coisa mais importante da vida cristã." E o povo ia para casa resolvido a orar mais que nunca. Na quinta-feira, tínhamos estudo bíblico. Estávamos no meio do livro de Neemias, e falávamos sobre as muralhas ruídas de Jerusalém, e como ele as reconstruiu. “Que homem extraordinário! Precisamos de mais pessoas como Neemias, em nossos dias.” E o povo esquecia da oração e resolvia imitar Neemias.

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Depois vinha a escola dominical. Eles estavam estudando o tabernáculo e todas as belas tipificações de Cristo nos seus átrios, no Lugar Santo — ah! tudo aquilo também era muito importante. Mas logo depois passávamos para o culto da manhã, e eu pregava sobre santidade. "Sem santidade ninguém pode agradar a Deus", dizia-lhes. "Deus quer um povo santo." E então eles iam para casa pensando na santidade e se esqueciam de tudo que haviam ouvido sobre oração, Neemias e o Tabernáculo. Domingo à noite, eles voltavam à igreja e ouviam: "O Senhor voltará brevemente. Temos que preparar-nos para a segunda vinda de Cristo." E assim continuávamos pelos anos a fora. O que eles poderiam fazer, além de escutar? Cinco mensagens por semana — cinqüenta e duas semanas por ano — 260 mensagens. Teria sido melhor que eles tivessem dito para si mesmos: “Vou dar atenção a esta mensagem, e depois não voltarei mais à igreja enquanto não a puser em prática na minha vida.” Pois, agora, nós temos quatro ou cinco mensagens por ano. Desde que começamos este método de discipulação em 1971, estudamos menos de vinte lições. Mas a igreja está completamente diferente. Por quê? Porque estamos procurando pôr em prática o que aprendemos. Este é o verdadeiro sentido da Palavra de Deus. A doutrina que precisamos em nossa vida não é tanto os itens de fé ou credo, mas a prática. Vejamos o que Paulo diz a Tito. "Tu, porém, fala o que convém à sã doutrina" (e a seguir, expõe a doutrina da santíssima Trindade: certo? Errado.) "Quanto aos homens idosos, que sejam temperantes, respeitáveis, sensatos, sadios na fé, no amor e na constância. Quanto às mulheres idosas, semelhantemente, que sejam sérias em seu proceder, não caluniadoras, não escravizadas a muito vinho; sejam mestras do bem, a fim de instruírem as jovens recémcasadas a amarem a seus maridos e a seus filhos, a serem sensatas, honestas, boas donas de casa, bondosas, sujeitas a seus próprios maridos, para que a palavra de Deus não seja difamada. Quanto aos moços, de igual modo, exorta-os para que, em todas as cousas, sejam criteriosos... Quanto aos servos, que sejam, em tudo, obedientes aos seus próprios senhores, dando-lhes motivo de satisfação; não sejam respondões... Lembra-lhes que se sujeitem aos que governam, às autoridades; sejam obedientes, estejam prontos para toda boa obra." (Tt 2.16, 9; 3.1.) Que sã doutrina! Ela não tem grande relação com a tribulação, nem com o milênio, mas é simplesmente fantástica. O que é credo? Uma declaração das definições filosóficas de nossa fé. O que é sã doutrina? Um empregado de uma firma que não discute ordens. Existem muitos diáconos bons nas nossas igrejas que assinam os artigos de fé todos os anos — eles acreditam no nascimento virginal de Cristo, e tudo o mais — mas não estão praticando a sã doutrina. Eles ainda dirigem a uns vinte quilômetros acima do limite de velocidade. Não têm a mínima intenção de serem sujeitos "aos que governam", se isto não for de seu interesse. Pedro disse aos homens: "Vivei a vida comum do lar, com discernimento; e, tendo consideração para com a vossa mulher como parte mais frágil, tratai-a com dignidade, por isso que sois juntamente herdeiros da mesma graça da vida, para que não se interrompam as vossas orações" (1 Pe 3.7). Muitos pastores e diáconos que são perfeitamente ortodoxos em suas crenças não gostam muito desta sã doutrina. “Mulheres”, disse Pedro no primeiro verso do mesmo capítulo, “sede vós, igualmente submissas a vossos próprios maridos.” Temos diaconisas que agem exatamente ao contrário disso. Nós discutimos estes assuntos em nossas células. Digamos que estamos estudando uma lição sobre os maridos. Na primeira semana, discutimos todo o material da lição. Na segunda semana, recordamos a lição por meio de perguntas e respostas, para verificar se todos

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compreenderam como deve ser o marido cristão, e como deve ser seu relacionamento com esposa e filhos. Na terceira semana começamos a discutir o primeiro ponto da lição: "O marido é o cabeça da família." Discutimos a maneira de se colocar isto em prática. O dirigente vira-se para Roberto e pergunta: "Roberto, você é realmente o cabeça de sua família?" "Bem", responde Pedro, "nós estamos enfrentando um sério problema na família. Acho que não sou o cabeça da família porque não sei solucioná-lo." "O que aconteceu?" "Bem, meu sogro faleceu há pouco tempo. Ele tinha um cachorro grande de que gostava muito. Nós tivemos que levar minha sogra para morar conosco, e naturalmente ela teve que levar o cachorro consigo, já que ele é uma recordação do marido. "O problema é que nosso apartamento é muito pequeno para acomodar um cachorro. E nós discutimos por causa disso. Eu acho que o cachorro não pode ficar lá. Minha esposa diz: 'Coitada da mamãe, ela está tão velha! O cachorro é uma recordação de papai. Por favor, seja bonzinho com ela, deixe-o ficar.' E nós não estamos conseguindo uma solução. Eu nem sei se quero continuar a viver lá." Uma pessoa do grupo diz: "Escute, Roberto, eu posso ajudá-lo. Moro na saída da cidade e tenho um quintal bem grande. Deixe-me tomar conta do cachorro para vocês." Mas o dirigente intervém: "Não, Roberto. Talvez Deus tenha mandado este cão para sua casa justamente para ensinar a vocês uma lição. Você não está agindo como o cabeça da casa, mas não pelo motivo que imagina. O cabeça não é somente uma pessoa que dá ordens a todo o mundo. O cabeça é uma pessoa que sabe encontrar as soluções dos problemas e descobre o que tem de ser feito. "Um cachorro não vale esta confusão toda. Ele está provocando divisão na família e é apenas um animal." Outra pessoa diz: "Talvez o cachorro não deva mesmo ficar no apartamento; talvez você tenha razão. Mas pode ser que Deus queira ensinar-lhe a amar aquele cão assim mesmo. Vamos e venhamos, Roberto. Você está perdendo a esposa, está fazendo a velhinha infeliz. O problema não é o cão, é você." "Oh, não. Eu não consigo solucionar isto." "Não se preocupe", diz o dirigente. "Vamos orar para que Deus lhe dê forças para aceitar o cachorro. Venha aqui e sente-se no meio da sala." Nós todos nos chegamos a ele e impomos as mãos para orar. "Senhor, dá-lhe vitória nesta questão do cachorro. Fá-lo amar a esposa, e a sogra, ajuda-o a..." Roberto começa a chorar. Por fim ele diz: "Está bem. Agora eu creio que já posso resolver a questão." "Está certo", dizem todos. "Agora, quando você for para casa, passe numa loja e compre uma coleira nova para ele. Se você não tiver dinheiro, nós lhe daremos. Mas você precisa aprender a amar o cachorro. E assim você estará solucionando o problema que há em sua casa." "O que Roberto não sabe é que, naquele momento, sua esposa está numa outra célula com minha esposa. Ela também está relatando a história do cão. E minha esposa lhe diz: "Escute, ele é o cabeça da família e você tem que se submeter a ele. Até mesmo sua mãe tem que submeter-se a ele. "Se ele declara que o cachorro não pode ficar lá, então ele terá que ser tirado da casa. Por que você não tenta encontrar um lugar para ele ficar, e você e sua mãe vão visitá-lo uma ou duas vezes por semana?"

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"Nunca pensei nisso", diz ela. "Ele realmente é o cabeça da família, e nós temos que obedecê-lo. Eu vou conversar com minha mãe." E ela vai para casa e convence a mãe a dar o cachorro para alguém. Pouco depois, Roberto entra, com uma nova coleira para o animal. Ninguém consegue uma coisa destas num culto de domingo pela manhã. E naquela reunião, depois que acabamos de orar por Roberto, passamos a orar por Felipe, e depois por outros. (Percebem agora por que a reunião da célula dura de quatro a seis horas?) Na semana seguinte, ouvimos relatórios do que aconteceu. Roberto diz: "Vocês não imaginam o que aconteceu quando cheguei em casa..." E todos nós vamos nos regozijar. Na quinta semana, passamos para o segundo ponto. "Os maridos devem amar suas esposas." Isto enfoca a parte mística do casamento. Cada um de nós leva uma rosa ou uma caixa de bombons para a esposa, e o lar se torna um céu. Eventualmente, chegamos ao terceiro ponto da lição: "Os maridos devem prover o sustento de sua família." Todos reclamam da inflação. Mas depois um deles conta como ele e seus vizinhos compram batatas e carne por atacado, e desse modo fazem uma boa economia. Outro mostra como podemos fazer um orçamento melhor, para controlar o dinheiro que ganhamos. Como vêem, as reuniões das células não são destinadas somente à discussão de temas como o céu e os serafins. Falamos acerca do custo de vida, sobre política, sobre todos os assuntos, porque somos seres completos. Não somos apenas "almas". No Reino de Deus, não existe divisão entre evangelho espiritual e evangelho social. Tudo pertence ao evangelho do Reino. E em minha ilustração pode-se ver como é importante uma atitude de submissão. Se Roberto tivesse um espírito rebelde, nada daria certo. O quebrantamento não é apenas uma questão de lágrimas; é uma questão de obediência. Já vi muitas pessoas ensoparem muitos lenços numa só reunião, e ainda assim não estarem quebrantadas. Não precisamos chorar tanto quanto precisamos obedecer. A obediência e a submissão, naturalmente, estão presentes em nossa vida porque confiamos e amamos. Finalmente, após dois ou três meses, acabamos o estudo sobre o marido cristão. Mas agora todos os lares foram revolucionados. Nós nos tornamos praticantes da Palavra. As células são os verdadeiros ossos e músculos da igreja. A reunião de domingo é apenas a pele. As células internas têm que ser fortes e saudáveis, senão a pele morrerá. Mas quando as células estão vivas e estamos fazendo discípulos por toda a cidade, o tempo todo, as reuniões tornam-se belas e exuberantes de saúde. Vamos fazer o que Jesus ordenou. Vamos colocar a igreja de cabeça para cima e começar uma nova vida de discipulado.

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19 A Promessa do Pai: um Coração Novo Eis que envio sobre vós a promessa de meu Pai; permanecei, pois, na cidade, até que do alto sejais revestidos de poder. (Lc 24.49.) Tudo que eu disse até aqui é importante para a renovação da igreja. Mas antes que esta renovação possa realmente ocorrer, creio que temos que conhecer e compreender a promessa do Pai. Meu objetivo, neste capítulo e no seguinte, é primeiramente animar e confortar os leitores anunciando que a restauração desta promessa está bem próxima. Meu segundo objetivo é tornar-nos mais humildes em nosso relacionamento uns com os outros, como irmãos e irmãs. Quando Jesus falou sobre a promessa do Pai, ele não disse: "Eis que envio sobre vós uma das promessas de meu Pai". (Alguns pregadores dizem que existem seis mil promessas; outros afirmam que há três mil. Eu não sei.) Mas os discípulos de Jesus entenderam perfeitamente o que ele quis dizer quando falou: "Eis que envio sobre vós a promessa de meu Pai". Podemos perfeitamente conhecer e compreender a promessa do Pai hoje, pois as Escrituras falam dela claramente e de maneira bem definida. Mas nós temos dificuldades com isso, embora a Bíblia fale dela de Gênesis a Malaquias. Se alguém perguntar a qualquer judeu o que ela significa, ele poderá dizer-lhe. Mas nós criamos tantos problemas e doutrinas, que não sabemos onde uma começa e onde a outra termina. Portanto, para compreender a promessa, temos que retroceder até Adão e Eva. Algumas pessoas afirmam que se Adão e Eva não houvessem pecado, estaríamos tendo um outro tipo de vida. Outros dizem: "Ah, se eu fosse puro como Adão era antes!" Ele era puro, mas errou. A inocência não é garantia de vitória. Se Adão e Eva não tivessem caído, Abel ou Caim ou qualquer outro teria, pois o homem foi criado com a possibilidade de errar. Quando Deus criou o homem, já sabia que o homem iria pecar. Mas ele tinha um propósito definido ao permitir aquele erro — glorificar a si mesmo partindo do nada. Antes de Adão e Eva pecarem, Deus lhes dissera que não poderiam comer do fruto de uma certa árvore, mas eles comeram assim mesmo. O homem ficou conhecendo o bem e o mal, e daí em diante ficou obrigado a escolher o que iria fazer. Mas era tão fraco que não podia fazer o bem, e abandonar o mal. Sua consciência condenava-o constantemente pelos seus erros. "O que pode o homem fazer?" clamava ele. "Como posso agradar a Deus? Eu conheço o caminho certo e o caminho errado. Quero fazer o que é certo, mas faço o que é errado. O Deus, isto não é vida! Como posso cumprir tuas exigências?" Então Deus enviou a Lei através de Moisés; era a Palavra escrita. Ela era clara e poderosa, com todos aqueles mandamentos e proibições. E o povo foi ver se a pedra continha algum consolo para ele. Leram as inscrições da pedra, mas eram as mesmas exigências. E eles continuaram com os mesmos erros, os mesmos problemas. Eles realmente desejavam cumprir as exigências divinas e viver em santidade, mas não conseguiam. Parecia que não importava o que fizessem, ou quanto se esforçassem, nunca conseguiam levar uma vida agradável a Deus. Então Deus prometeu ao seu povo fazer alguma coisa para ajudá-lo. Esta promessa é encontrada em toda a Bíblia; toda ela é baseada na promessa do Pai. Em Jeremias 31.31-34, o Senhor prometeu o seguinte: 82

"Eis aí vêm dias, diz o Senhor, e firmarei nova aliança com a casa de Israel e com a casa de Judá. Não conforme a aliança que fiz com seus pais, no dia em que os tomei pela mão, para os tirar da terra do Egito; porquanto eles anularam a minha aliança, não obstante eu os haver desposado, diz o Senhor. Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois daqueles dias, diz o Senhor. Na mente lhes imprimirei as minhas leis, também no coração lhas inscreverei; eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo. Não ensinará jamais cada um ao seu próximo, nem cada um ao seu irmão, dizendo: Conhece ao Senhor, porque todos me conhecerão, desde o menor até ao maior deles, diz o Senhor. Pois perdoarei as suas iniquidades, e dos seus pecados jamais me lembrarei." Deus disse que a nova aliança seria completamente diferente da aliança que fizera com seu povo por ocasião de sua saída do Egito. Não seria mais um mandamento que lhes vinha de fora, mas sim um impulso interior. Ele disse: "Na mente lhes imprimirei as minhas leis, também no coração lhas inscreverei." Geralmente, a única parte da nova aliança que nós pregamos e ensinamos é a última: "Perdoarei as suas iniquidades, e dos seus pecados jamais me lembrarei." Mas a nova aliança não consiste apenas nisso. Qual é a diferença entre receber uma ordem que nos vem de outrem, e sentir um impulso interior? Talvez a seguinte ilustração nos ajude a compreender isto. Quando uma mãe diz às suas filhas para fazerem algum serviço na casa, elas objetam; não querem ser forçadas a fazer nada. Mas quando elas trazem o namorado em casa pela primeira vez, ficam dispostas a fazer tudo o que a mãe pedir. Agora existe um impulso de dentro. É deste modo que Deus deseja que nós o sirvamos — de boa vontade. Os dez mandamentos são apenas uma pequena sombra da vontade total de Deus; eles são apenas a cobertura final do bolo. Jesus disse o seguinte no Sermão do Monte: "Ouvistes o que foi dito: Amarás o teu próximo, e odiarás o teu inimigo." (Mt 5.43.) Mas a vontade de Deus vai além disto. Nem mesmo o cumprimento estrito da Lei exalta realmente a Deus, pois ele veria as pessoas servindo-o apenas por obrigação, por serem compelidas a fazê-lo. Aqueles que servem a Deus simplesmente porque a letra da Lei os obriga a fazê-lo, ainda estão sob o regime da velha aliança. Não aprenderam nada a respeito da nova aliança. A maioria dos cristãos ainda está vivendo no regime da velha aliança. Eles dizem: "Eu tentei fazer isto e fazer aquilo." Estão confessando que não conseguem fazer o que é certo.v Eles vivem sob condenação. Embora cantem e louvem a Deus e sejam do povo de Deus, têm dúvidas terríveis e enfrentam problemas e lutas. Fazem boas coisas na igreja, mas quando vão para casa, sabemos bem os problemas que têm. Estão vivendo pela velha aliança. Algumas pessoas pensam que a velha aliança é o Velho Testamento, e a nova aliança é o Novo Testamento. Estão erradas. A velha aliança é a Lei escrita. A nova aliança é um coração novo. "Dar-vos-ei coração novo, e porei dentro em vós espírito novo; tirarei de vós o coração de pedra e vos darei coração de carne. Porei dentro em vós o meu Espírito, e farei que andeis nos meus estatutos, guardeis os meus juízos e os observeis." (Ez 36.26, 27.) Deus não disse: "Eu lhes darei um novo código de ética, uma nova lista de mandamentos." Não. O que ele disse foi que nos daria um coração novo — um modelo moderno, bem feito, que já vem equipado com a vontade dele. Não se trata de algo que nós próprios fazemos. Memorizar os mandamentos de Deus não significa que os tenhamos no coração. Sob o regime da velha aliança, o homem aprendeu os mandamentos de Deus, mas mesmo assim não conseguiu obedecê-los. E algumas pessoas hoje em dia ainda usam o coração velho embora contem com um novo, que receberam por ocasião da conversão.

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Mas, com o coração novo que traz impressa a vontade de Deus, o homem finalmente pode obedecer as exigências divinas. Contudo, só pode fazê-lo pela graça do Senhor. Esta graça não é uma graça apenas em potencial, nem é teórica; ela é bem prática. É um relacionamento dinâmico com Deus, no qual ele nos faz caminhar em sua vontade, pelo seu Espírito Santo. Precisamos compreender que a velha aliança é baseada em leis escritas que tinham que ser obedecidas; a nova aliança é baseada no dom do Espírito Santo que tem que ser seguido. Quem entender isto poderá ser a pessoa mais feliz do mundo, e terá uma nova vida. O Espírito Santo é toda a vontade de Deus, e não apenas uma parte dela, como era a velha aliança. Sob o regime da velha aliança, as pessoas estavam sempre ouvindo as advertências: não roubarás; não cometerás fornicação; não mentirás; etc. Mas no dia de Pentecoste, o que Pedro recebeu não foi um pergaminho com novos versículos e outros mandamentos escritos. Não. Os discípulos receberam o Espírito da promessa do Pai, que Jesus havia prometido. Jesus falara daquela promessa muitas vezes. Em João 14.26, ele diz: "Mas o Consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as cousas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito." E quando eles receberam o Espírito Santo, toda a sua vida se modificou. Eles passaram a levar uma vida que ia muito além das exigências da Lei. Que coisa tremenda! Passaram a dividir seus pertences com outros. Passaram a amar uns aos outros; a regozijar-se quando perseguidos. Não possuíam bíblias nem material de escola dominical, nem gravadores de fitas magnéticas. Contavam apenas com o que o Espírito de Deus lhes dava — uma fé inerente que os fazia andar nos caminhos de Deus. Era por isso que eles cantavam quando estavam presos, embora tivessem sido surrados e se achassem em cadeias. Vejamos o que significava para a igreja primitiva a inserção de um coração novo. "Estando já manifestos como carta de Cristo, produzida pelo nosso ministério, escrita não com tinta, mas pelo Espírito do Deus vivente, não em tábuas de pedra, mas em tábuas de carne, isto é, nos corações. E é por intermédio de Cristo que temos tal confiança em Deus; não que por nós mesmos sejamos capazes de pensar alguma cousa, como se partisse de nós; pelo contrário, a nossa suficiência vem de Deus, o qual nos habilitou para sermos ministros de uma nova aliança, não da letra, mas do espírito; porque a letra mata, mas o espírito vivifica. (2 Co 3.3-6.) Nós também somos a carta de Cristo ao mundo, escrita pelo Espírito Santo. Isto é a promessa do Pai. Só podemos escrever cartas do Espírito Santo se formos ministros da nova aliança. Se formos ministros da velha aliança, só podemos escrever em papel, não nos corações. Qualquer seminário ou escola bíblica pode formar ministros da letra, da velha aliança. Mas somente Deus pode fazer ministros do Espírito, da nova aliança. O ministério do Espírito é dar Espírito, e não dizer-nos: "Atentem para o que a Lei diz e a obedeçam." Todo crente deve indagar de si mesmo: “O que estou eu dispensando aos outros? A letra que mata? Ou o Espírito que vivifica? Devo confessar que durante muitos anos eu matei as pessoas. Eu exercia o ministério da condenação pela letra. Embora eu fosse muito sincero e estivesse fazendo o melhor que podia, a maior parte de meu ministério era do tipo velha aliança. Se dermos aos outros a letra da Lei, estaremos matando ou condenando; se lhes dispensarmos o Espírito Santo, então estaremos dando-lhes vida. Estaremos dando a capacidade de realizar a vontade de Deus. É este o desafio que nos é apresentado pela promessa do Pai, a qual consiste no Espírito Santo, na nova aliança.

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20 A Promessa do Pai: um Novo Poder Porque o reino de Deus consiste não em palavra, mas em poder. (1 Co 4.20.) Pode parecer-nos, muitas vezes, que a pessoa que conhece o maior número de versos bíblicos e sabe explicá-los bem, seja o mais popular pregador do evangelho, se for o caso, ou então o crente mais espiritual. Mas não é assim que deve ser. Não estou falando contra a Bíblia; estou apenas colocando esta preciosa Palavra num lugar onde brilhará ainda mais. Se colocarmos um candelabro debaixo da mesa, ninguém o verá; se o colocarmos junto dos olhos, podemos queimar-nos. Temos que colocar a vela no lugar certo, isto é, no candelabro, no centro da mesa. Se colocarmos a Bíblia sob a cama, ela estará no lugar errado. Se a pusermos acima do Espírito Santo, ainda estará no lugar errado. Temos que pô-la no lugar em que Deus deseja que a ponhamos. Ela é o Livro que nos guiará a toda a verdade. Quanto mais leio as Escrituras, mais sede tenho das coisas de que ela fala. O Livro Santo é um meio para se alcançar um fim, e não um fim em si mesmo. Creio que muitas pessoas fazem das Escrituras um ídolo. Se os magos do oriente houvessem adorado a estrela em vez de adorarem a Jesus, teriam criado um ídolo. A estrela foi apenas um veículo que os conduziu até Cristo; era apenas a sombra da pessoa de Cristo. Alguns exemplares do Novo Testamento trazem uma lista de textos selecionados na primeira ou na última página. "Se estiver triste, leia o Salmo 23"; "Se estiver em dificuldades, leia o Salmo 40". Ministros da velha aliança. Estamos mostrando apenas a sombra de uma realidade; Paulo mostrou a realidade de que falavam as sombras. Nós podemos ser ministros ou das sombras ou das realidades. Se seguirmos a sombra, chegaremos à realidade. Se seguirmos os ensinos da Bíblia, chegaremos à realidade. Temos que dar aos outros o Espírito. Temos que pregar realidades. Se falarmos de um verso que discorre a respeito da paz, estaremos dando apenas a sombra da paz. Mas se dermos paz, aí então estaremos dando aos homens a coisa real. É possível darmos aos outros esta realidade, se seguirmos o Espírito. Quando Jesus enviou os setenta ele disse: "Ao entrardes numa casa, dizei antes de tudo: Paz esteja nesta casa! Se houver ali um filho da paz, repousará sobre ele a vossa paz; se não houver, ela voltará sobre vós." (Lc 10.5.6.) Os discípulos não diziam versículos a respeito da paz, eles davam a própria paz. A nova aliança coloca o amor na prática, ao invés de falar do amor. O fruto do Espírito — amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão e domínio próprio — ultrapassa a lei. Na verdade, o amor é o cumprimento da lei. Se tivermos amor, teremos o restante do fruto também. O fruto do Espírito é o fruto produzido pela nova aliança. Se apenas falarmos a respeito da paz ou do amor, se somente nos limitarmos a dar alguns versos que falam sobre estas coisas, estaremos dando aos outros apenas a sombra da paz e do amor. Mas se dermos paz e dermos amor, estaremos dando a realidade de tais coisas. É nisto que consiste a diferença entre a velha aliança e a nova. A letra é somente a sombra do verdadeiro elemento. O Espírito é este elemento. Sob o regime da velha aliança, a realidade estava por trás do véu. Atrás do véu estava a arca da aliança, e nesta a vara de Arão. O cajado de Arão, uma vara seca que florescera novamente, representa a restauração da autoridade da nova aliança. É o dispositivo que já vem equipado com a lei, e do qual já falei anteriormente. 85

"Tinta fresca. Favor não tocar." É o que diz a proibição, mas nós não conseguimos resistir ao impulso de tocar. A lei diz: "É proibido jogar entulho neste terreno", mas nós jogamos assim mesmo. A lei é boa, mas ela não consegue impedir-nos de fazer aquilo que não devemos. O Espírito Santo, porém, capacita-nos para cumprirmos a nova aliança. "Agora, pois, já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus. Porque a lei do Espírito de vida em Cristo Jesus te livrou da lei do pecado e da morte. Porquanto o que fora impossível à lei, no que estava enferma pela carne, isso fez Deus enviando o seu próprio Filho em semelhança de carne pecaminosa e no tocante ao pecado; e, com efeito, condenou Deus, na carne, o pecado. A fim de que o preceito da lei se cumprisse em nós que não andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito. (Rm 8.1-4.) Isto é a nova aliança. Agora, cabe a nós a decisão de continuar ou não com a velha aliança. A liderança de Cristo está sendo restabelecida na Igreja. Ele sempre foi o cabeça, mas nem sempre estivemos ligados a ele como cabeça. O louvor está sendo restaurado. O verdadeiro culto está sendo restaurado. Os dons do Espírito estão sendo restaurados. Mas a maior restauração é a da promessa do Pai, em toda a sua plenitude: a nova aliança. As pessoas que são guiadas pelo Espírito Santo não pregam heresias. As heresias são criadas por gente que estuda as Escrituras e as torce. Existem muitas doutrinas hoje em dia, e todas elas se dizem inspiradas na Bíblia — mórmons, adventistas do sétimo dia, pentecostais, presbiterianos, batistas. Quase todo ano ouvimos falar de uma nova doutrina que surgiu, e sempre partindo das Escrituras. Mas a Bíblia em si não contém perigo algum. Eu creio na prática das Escrituras. Portanto, este ensino pode parecer perigoso a algumas pessoas — a nova aliança é o Espírito Santo; a velha aliança é a letra escrita. Precisamos falar a palavra do Espírito e vida, e não simplesmente repetir a palavra escrita. O cumprimento da Palavra ocorre por meio da vida que o Espírito coloca em nós. Jesus disse: "Quem crer em mim, como diz a Escritura, do seu interior fluirão rios de água viva. Isto ele disse com respeito ao Espírito..." (Jo 7.38,39.) Esta é a promessa do Pai. A fonte da vida vem de dentro e não da leitura das Escrituras ou de nosso esforço pessoal para cumpri-la. Uma coisa é procurar um copo de água; outra bem diversa é ter rios de águas vivas no interior. A plenitude da promessa do Pai vai muito além deste "pequenino" batismo do Espírito Santo que herdamos de nossos prezados irmãos pentecostais (dos quais eu sou um). No início deste século, o Espírito Santo começou a mover-se no seio da Igreja, e os pentecostais se reuniram para fazer uma declaração de fé. Assim eles institucionalizaram uma experiência que estava começando a ser restaurada. Eles disseram o seguinte (referindo-se à Igreja de Cristo): "Cremos no batismo do Espírito Santo de acordo com a narrativa de Atos 2.4." Se crermos apenas em Atos 2.4, receberemos apenas a bênção de Atos 2.4. E o que dizer de Atos 5.6,7; 8.31,32,33? E quanto a dividir bens com os outros, a vender, etc? O problema é que não prestamos muita atenção a estes versículos. Já perguntei a mim mesmo: "Por que durante tantos anos você declarou: 'Creio em Atos 2.4' , e não 'Creio na Bíblia de Gênesis a Apocalipse'?" Portanto, se tivermos esta declaração de fé, leiamos Atos 2.4 e digamos: "Creio no batismo do Espírito Santo de acordo com as Escrituras, de Gênesis a Apocalipse." Atos 2.4 é apenas uma partícula do todo que é a promessa do Pai. Não podemos negar que Deus usou a Igreja Pente-costal neste século. Não podemos negar que ela é a denominação que mais cresce em toda a América Latina. Ela trouxe à luz

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uma verdade que estivera escondida durante muitos anos. A Igreja Pentecostal enfatiza a possibilidade de termos os dons do Espírito Santo hoje em dia. Mas o ponto a lamentar é que, quando alguém edifica uma denominação sobre determinada doutrina, perde de vista as outras doutrinas, pois a verdade está em Jesus e na Igreja toda, e não apenas num setor dela. Jesus deu a cada dirigente da Igreja uma peça do quebra-cabeças. Se cada um de nós contribuir com a sua peça, poderemos ver o quadro todo. Mas a pessoa que passa por uma experiência e constrói uma denominação em torno dela, está no caminho errado. A Igreja Católica errou quando expulsou Martinho Lutero. Se o houvessem escutado, toda a Igreja Católica poderia ter sido renovada. E quantos outros filhos, fiéis a essa igreja, têm sido expulsos também por não concordarem com ela? Mas nós, evangélicos, estamos fazendo a mesma coisa. Nós aceitamos como nossos somente aqueles que pensam exatamente igual a nós. Mas ouçam, se a Igreja Pentecostal tivesse espalhado amor do mesmo modo que difundiu o dom de línguas, a história mundial deste século teria sido bem diferente. Se a Igreja Pentecostal, com o sucesso que vem obtendo, principalmente no terceiro mundo, tivesse dado ao fruto do Espírito, exposto em Gálatas 5.22, 23, a mesma ênfase que deu ao dom de línguas, o mundo teria sido revolucionado. Começamos com o Espírito, mas acabamos pela letra, e brigamos entre nós. Então, qual é a distinção entre o "pequeno" batismo do Espírito Santo, e a promessa do Pai? Nós adoramos o Senhor em línguas, e isto é bom. Mas ainda não é a promessa do Pai. A experiência que tivemos pode ser descrita como entrar num rio e ficar com água pelos tornozelos. Naturalmente, as pessoas que vivem no deserto — que estão sedentas por esta água durante anos e anos — quando podem entrar no rio um pouquinho, já pensam que aquilo é a plenitude. E elas se deixam ficar ali. Quando dizemos aos nossos filhos: "Vamos ao rio!" estamos querendo dizer: "Vamos à margem do rio." Mas quando Deus diz: "Vamos ao rio!" ele quer dizer: "Vamos entrar no rio". Vez por outra, aparece um evangelista que se aprofunda um pouco mais e espirra água para os lados. Nós todos nos molhamos e clamamos: "Avivamento! Avivamento!" Mas depois que ele se vai, continuamos com água pelos tornozelos. Já tivemos muitas destas experiências. Temos que entrar no rio até não dar mais pé, até sermos levados por ele. O rio de Deus nos carrega, porque ele vai aonde Deus vai. Hoje, estamos dirigindo o Espírito Santo de muitos modos. Isto acontece porque ainda estamos com os pés no fundo — e, portanto vamos onde queremos ir. Mas quando flutuamos, o rio nos leva aonde ele quer que vamos. O rio é a nova aliança. Na Bíblia existe apenas uma promessa — a promessa do Pai, o Espírito Santo. Todas as outras promessas são afluentes desta. Mas — glória a Deus! — se formos fiéis neste "pequeno" batismo do Espírito Santo, Deus nos concederá o batismo total.

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