Uma equação por resolver Enquanto determinava o x de uma reta vertical e procurava achar o y de uma função constante, a esférica maçaneta da minha porta rodou 90 graus e a minha mãe entrou no quarto. Perguntou-‐me se já tinha acabado de simplificar as operações, mas eu estava tão concentrada em desembaraçar os sinais que nem respondi. Depois, aquele ponto com quase quarenta anos moveu-‐se segundo um vetor cujo comprimento não consegui calcular e ficou ao meu lado. Ficou em silêncio por uns segundos. Parecia que estava a organizar as ideias, como eu ordeno dízimas infinitas periódicas e não periódicas antes de as representar na reta numérica. Eu própria me convenci que o que ia dizer não era assim tão importante, por isso continuei a colocar as frações com denominadores comuns até que ela me dizer para parar. Escutei cada palavra com a máxima atenção. Falava de uma forma explicativa, parecendo tentar ensinar-‐me as propriedades das operações que estava a determinar, mas ao mesmo tempo querendo reprimir-‐me por não as ter decorado. Limitei-‐me a concordar e a passar para a equação seguinte. Porém, ao sair do quarto acrescentou, numa voz solene, que ainda hoje iríamos voltar para casa. E disse isto como se nada fosse, como se outra reta não paralela aparecesse no meu gráfico e mudasse completamente a minha direção. Fiquei sem reação, esqueci o elemento absorvente por momentos com esperança deste se converter no neutro e assim continuar a resolver aquela multiplicação, voltando cinco segundos atrás no tempo. Mas isso não aconteceu, aquela conta tinha ficado por ali e o resultado era apenas zero. Quanto mais penso nisto, mais me convenço que a minha mãe é um número irracional pertencente ao conjunto |R, e eu sou apenas um simples número inteiro que tem que obedecer as regras que me impõem. Ainda era cedo e somente ia partir de viagem de tarde. Iria atravessar um segmento de reta orientado, que me esperava ansiosamente, e regressar ao sítio onde sempre vivi. Todavia, eu era só um vetor nulo que não se propunha movimentar nenhum ponto, apenas descolar-‐se e isso não tinha qualquer importância.
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Decidi, então, abstrair-‐me do mundo e contemplar o lado de fora da pequena casa que nos tinha sido sugerida por uns amigos dos meus pais. Estava a nevar e os catetos que constituíam a montanha, onde eu e a minha família nos encontrávamos, estavam cobertos de neve. A hipotenusa, ou seja, a base daquele triângulo retângulo, que ironicamente comparei ao Teorema de Pitágoras, permanecia imóvel. Tinha o mesmo comprimento de todas as outras com a variante de ainda acrescentar ser um vetor simétrico ao da montanha mais alta da serra. A serra era constituída por vários triângulos equiláteros, adjacentes e semelhantes que, unidos por um único ponto, neste caso o vértice de um dos cantos, se prolongavam paralelos à estrada. A casa era toda ela retangular, quer fossem as janelas, as portas, os postigos ou os portões. Tinham todos quatro lados e cada lado seu ângulo reto. A única exceção era o telhado, mais precisamente um trapézio e uma chaminé cilíndrica. Tenho que admitir que é um edifício velho, logo não é de estranhar que a cor das paredes estivesse gasta e as rosáceas da entrada já não fossem constituídas por rotações, mas sim por pontos meio apagados. Entre todos aqueles aspetos normais de uma casa típica havia uma janela que me chamou a atenção. Não calculei a sua área, ao contrário do que é habitual fazer sempre que encontro uma figura relacionada com a Matemática. Era um padrão repleto de referências quartesianas e só conseguia reparar nisso. Olhei atentamente e concentrei-‐me apenas numa. As pingas da chuva relembravam-‐me os pontos com que teria de traçar uma reta e, automaticamente, conclui que se tratava de uma função afim. Mais concretamente, uma função linear, tendo em conta que passava pela origem. E à medida que ia caindo mais uma gota, era mais um ponto naquela minha corrida de pontos. Embora conseguisse imaginar cada objeto da variável independente ou cada imagem da variável dependente, não tinha forma de calcular a expressão algébrica. Então revirei os olhos e entrei novamente em casa. Subi umas escadas que me levavam até ao meu quarto e tornei a sentar-‐me à secretária. Ao meu lado, estava algo a que eu chamava de janela, quatro quadrados perfeitos que faziam parte de um enorme quadrado por eles formado, dividido por várias retas perpendiculares. De vez em quando, olhava através dela e tentava descobrir todas as isometrias que constituíam aquela paisagem. As nuvens pareciam estar numa reflexão deslizante constante. Do mesmo modo que os pássaros formavam frisos no céu com as suas translações, o sol, mesmo sem se dar conta, fazia uma reflexão axial num lago que estava ali perto. O lago também devia ter bastantes simetrias, nem que fossem meras rotações. Mas eu não conseguia perceber, tudo era bastante vago, visto de longe. Lembro-‐me, como se fosse ontem, do dia em que cheguei a este sítio, estava meio ensonada e via tudo enevoado… porém, pareceu-‐me desde logo que havia equações por resolver, e incrivelmente acertei! Para começar, tínhamos percorrido um longo caminho, que não era diretamente proporcional com o tempo que supostamente iria levar até aqui chegar. Depois, estava a nevar bastante, algo que não era muito comum, ainda que fosse inverno rigoroso. Os blocos de neve pareciam figuras que eu tinha aprendido na primária. Quadrados, triângulos, losangos e papagaios com a particularidade que, desta vez, eram polígonos geométricos que eu encontrei numa montanha e não formas estranhas com áreas difíceis, algo complicado para uma criança.
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Os meus dias foram bastante monótonos, atrevo-‐me até a afirmar que foram como os números. Isto porque tiveram sempre os mesmos algarismos. Do zero ao nove e do nove ao zero. Sem grande variedade nem alternância entre eles. Passei a maior parte dos dias no meu quarto, que eu intitulei como conjunto dos números naturais, já que era a divisão mais pequena da casa. O primeiro andar era o conjunto z, escusado será explicar porquê. Por fim, a minha casa, ou melhor, a casa onde eu morei durante um curto período de tempo, era o conjunto dos números racionais, englobando todas as dízimas finitas e infinitas periódicas equivalentes a uma fração. Em todo o caso, não posso dizer que não gostei de aqui estar. É um pouco contraditório, é possível que tenha em mim dois vetores simétricos e que os sentidos opostos me estejam a baralhar, ou simplesmente vetores colineares com comprimentos diferentes que me fazem confundir as ideias. Apesar dos vários motivos que me levam a querer retirar esta reta do gráfico, continua a ser um lugar especial do qual eu guardei várias recordações. Obviamente que estava feliz com a notícia que em breve iria rever todos os meus amigos, contudo, nada nem ninguém ia retirar os problemas e incógnitas que isto envolve. Frustrava-‐me o facto de ter que estar a decompor outra vez todas as dízimas finitas que já tinha arrumado e voltar a escrevê-‐ las na forma de fração. Para não falar das muitas potências que deixei para trás com o argumento de nunca mais ter que decorar aquelas cinco regras principais. Por consequência, e também, certamente, à minha espera, estavam as operações em |R, cheias de raízes e dízimas infinitas não periódicas para calcular. Teria também que reaprender a escrever números em notação científica e lembrar-‐me todos os dias que era obrigatório ser um número entre 1 a 10 para a poder aplicar. Aí a maçaneta voltou a rodar os mesmos noventa graus de há algumas horas atrás e a porta tornou a abrir-‐se. Mas, desta vez, ninguém entrou. Foi só a indicação que eu deveria interromper o que estava a fazer, pegar nas malas e entrar no carro. Não me agradava a ideia de deixar aquele sítio e não concluir a equação, por isso peguei no caderno e num lápis e, enquanto andava, procurei achar o declive de uma função afim. Quando entrei no carro ainda estava a resolver o exercício. Mas o ponto de interseção entre duas retas estava a faltar. Foi então que igualei as duas expressões e descobri a incógnita. Percebi, finalmente, que, apesar de serem funções diferentes, tinham um ponto em comum, e havia algo nelas que as continuava a unir. Tal como estava a acontecer agora, apesar de serem retas diferentes na minha vida, estes dois lugares iriam estar sempre ligados por um insignificante vetor nulo que se limitava a deslocar-‐se continuamente, sem nunca sair do lugar. Autores: Joana Oliveira, Margarida Lopes Ano de Escolaridade: 8º Professoras responsáveis: Alcinda Janeiro
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