A DAMA E O LIBERTINO HIGHLAND ROGUE, LONDON MISS

Margaret Moore

O senhor do vício... Quintus MacLachlann é do tipo arrogante que jamais se desculpa. Quando recebe a missão de fingir estar casado a fim de sé infiltrar na sociedade de Edimburgo, ele saboreou a chance de ser o marido de Esme, que, embora belíssima, o detesta. ... e a senhora da virtude? Esme não esconde sua profunda antipatia pelo desonrado libertino. Ele é a última pessoa no mundo que ela consideraria se casar, simular um casamento ou qualquer outra coisa. Mas ser forçada a atuar como esposa de um homem tão sedutor quanto ele pode criar sentimentos reais de desejo...

Digitalização: Silvia Revisão: Projeto Revisoras

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore Tradução Ligia Chabú Harlequin 2012 PUBLICADO SOB ACORDO COM HARLEQUIN ENTERPRISES II B.V./S.à.r.l. Todos os direitos reservados. Proibidos a reprodução, o armazenamento ou a transmissão, no todo ou em parte. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência. Título original: HIGHLAND ROGUE, LONDON MISS Copyright © 2010 by Margaret Wilkins Originalmente publicado em 2010 por Harlequin Historicals Arte-final de capa: Isabelle Paiva Editoração eletrônica: EDITORIARTE Tel.: (55 XX 21) 2569-3505 Impressão: RR DONNELLEY Tel.: (55 XX 11) 2148-3500 www.rrdonnelley.com.br Distribuição exclusiva para bancas de jornais e revistas de todo o Brasil: Fernando Chinaglia Distribuidora S/A. Rua Teodoro da Silva, 907 Grajaú, Rio de Janeiro, RJ — 20563-900 Para solicitar edições antigas, entre em contato com o DISK BANCAS: (55 XX 11) 2195-3186 / 2195-3185 / 2195-3182 Editora HR Ltda. Rua Argentina, 171,4° andar São Cristóvão, Rio de Janeiro, RJ — 20921-380 Correspondência para: Caixa Postal 8516 Rio de Janeiro, RJ — 20220-971 Aos cuidados de Virginia Rivera [email protected]

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HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore

Capítulo Um

Londres Fevereiro, 1817 Esme McCallan andava impacientemente de um lado para o outro no escritório de advocacia em Staple Inn. De trás da porta fechada, podia ouvir as vozes sussurradas e passos de clientes chegando para se reunirem com outros advogados. Alguns dos passos eram tão ligeiros quanto os de Esme, outros lentos, arrastados e derrotados. Nenhum deles pertencia ao seu irmão. Esme detestava esperar, como Jamie sabia muito bem, todavia já eram quase 3h30 de uma tarde gelada e úmida, e Jamie ainda não chegara lá para encontrá-la, embora tivesse sido ele quem marcara o horário. Só havia uma coisa que podia irritá-la mais e... Aconteceu. Quintus MacLachlann entrou no escritório sem ao menos bater à porta antes. É claro que ela não o ouvira aproximar-se; o homem se movia tão silenciosamente quanto um gato. Vestindo um casaco de lã marrom, colete azul, camisa branca aberta no colarinho e calça bege larga, alguém poderia facilmente presumir que ele era filho de camponeses e ganhava seu sustento lutando boxe. Apenas sua voz e seus modos prepotentes de lorde sugeriam que ele era alguma outra coisa. Se não a verdade: que era o filho imoral e renegado de um nobre escocês, e que desperdiçara todas as vantagens que sua família rica e posição haviam lhe proporcionado. — Onde está Jamie? — perguntou ele com aquela combinação de arrogância e familiaridade que ela achava particularmente irritante. — Eu não sei — replicou Esme enquanto se sentava na beirada da pequena cadeira preta e oval que seu irmão mantinha para clientes. Ela alisou uma prega no colo de seu casaco de pele marrom e ajustou sua touca sem adornos, de modo que esta ficasse mais propriamente centrada em seus cabelos castanhos. — Isso não se parece com ele — observou MacLachlann desnecessariamente enquanto se recostava contra as prateleiras que guardavam os livros de advocacia de Jamie. — Ele ia encontrar alguém? — Eu não sei — repetiu ela, silenciosamente censurando-se por sua ignorância. — Não estou informada de todos os compromissos que meu irmão faz. Os lábios carnudos de MacLachlann se curvaram num sorriso insolente, e seus olhos azuis brilharam com divertimento. — O quê? A mãe galinha não sabe sobre cada passo que seus pintinhos dão? — Não sou mãe de Jamie, e uma vez que Jamie é um homem adulto, com uma cabeça boa e uma educação que ele não desperdiçou, então não, eu não controlo todos os passos dele. Suas palavras não produziram efeito sobre o perdulário, que continuou sorrindo como um tolo. ― Não? Bem, Jamie não está com uma mulher, de qualquer forma, a menos que ela seja uma cliente. Ele nunca se dá ao luxo desse tipo de coisa durante o dia. Os lábios de Esme se apertaram. — Então há mais alguma coisa que a mãe galinha não sabe, certo? — falou MacLachlann com uma risada que a fez se sentir como se tivesse entrado em algum tipo de estabelecimento onde todas as espécies de indecência ocorriam... Provavelmente o 3

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore tipo de lugar que MacLachlann mais frequentava, talvez até mesmo o lugar onde passava todas as suas noites. — A vida privada de meu irmão não é da minha conta — disse ela, sentando-se ainda mais ereta e dando a MacLachlann um olhar cáustico. — Se eu estivesse por dentro de todos os assuntos de Jamie, saberia por que ele contratou um malandro como você. O brilho nos olhos azuis de MacLachlann revelou outro tipo de fogo. — Isso teve a intenção de machucar, docinho de coco? — perguntou ele, enfatizando seu sotaque irlandês e usando uma expressão para chamá-la que ela odiava com todas as suas forças. — Em caso positivo, você não teve sucesso. Já fui insultado de maneiras que curvariam os dedos de seus pés dentro de botas de sola grossa. Colocando seus pés calçados em botas embaixo da cadeira, Esme virou a cabeça em direção à janela quadrada que dava vista para o úmido jardim de inverno e não se dignou a responder. Ela precisava falar com Jamie sobre a insolência de MacLachlann. Se MacLachlann não a tratasse com o devido respeito, deveria haver outros homens em Londres igualmente capazes de descobrir informações. Seu irmão não precisava empregar MacLachlann para tal propósito, mesmo se ele tivesse ido à escola com Jamie. Com um sorriso presunçoso, MacLachlann andou até a mesa e, com um dedo longo sem luva, deu um tapinha nos documentos que ela havia colocado ali. — Fico imaginando o que os clientes de seu irmão diriam se eles soubessem que a irmã de Jamie é tão boa quanto uma advogada associada à firma. Que foi uma mulher quem redigiu os contratos, testamentos, causas e acordos, e fez a maior parte das pesquisas para ele? Esme se levantou num salto. — Eu meramente ajudo meu irmão a compor o primeiro esboço de tais documentos, e encontro precedentes legais para ele. Jamie sempre redige os documentos finais e verifica tudo que eu faço. Se você ousar dizer, ou até mesmo insinuar isso para alguém, nós iremos processá-lo por calúnia. E se você escrever uma coisa dessas em algum lugar, ou contar a algum membro da imprensa que reporte isso, iremos processá-lo por difamação... Não que você terá condições de pagar por quaisquer danos. — Acalme-se, srta. McCallan, e tranquilize sua mente repleta de livros de advocacia — replicou MacLachlann em seu tom de voz mais arrogante. — Eu não contarei a ninguém sobre o trabalho que você faz para seu irmão. — O sorriso costumeiro deixou o rosto dele por um breve momento. — Eu devo muito a Jamie. Deve o quê?, ela queria perguntar. Jamie tinha simplesmente levado o homem obviamente embriagado para casa, deixando-o dormir no quarto de hóspedes, e então lhe dado um emprego como uma espécie de investigador para a firma de advocacia. Naturalmente Esme tivera perguntas, a maioria das quais Jamie se recusara a responder, dizendo apenas que MacLachlann tinha passado por momentos difíceis e estava afastado da família. Somente mais tarde, através de pedaços de conversa entre os dois homens, ela soubera que MacLachlann desgraçara a família com seu modo perdulário de viver. Ela também descobrira, através de observação direta, que ele podia ser muito charmoso quando desejava, especialmente com as mulheres, que então respondiam como se ele, de alguma maneira, tivesse transformado suas mentes em mingau. Não a de Esme, é claro. Ela era muito cautelosa e cética para ser balançada por aquele charme superficial, se MacLachlann algum dia tentasse usar tal charme com ela. Esme olhou para o relógio de ouro sobre a abóbada da lareira, e viu que eram quase 4h da tarde. — Impaciente, não estamos? — perguntou ele. 4

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore — Talvez você não tenha mais nada para fazer, além de desperdiçar o tempo, mas eu tenho — declarou Esme enquanto começava a andar em direção à porta. — Bom dia. — O que é isso? Você vai me deixar aqui, totalmente sozinho? — demandou MacLachlann com falso horror. — Sim, e com prazer — retrucou ela, enquanto abria a porta e quase colidia com Jamie. — Ah, aí estão vocês dois juntos, e nenhum sangue foi derramado — disse seu irmão, atrasado, com um sorriso, o forte sotaque informando-a de que, apesar do aparente bom humor, Jamie estava preocupado. — Eu terminei os documentos que você queria — murmurou ela, curiosa sobre o que tinha acontecido, embora jamais faria uma pergunta como aquela com MacLachlann na sala. Esperançosamente, podia descobrir mais tarde, quando estivesse a sós com seu irmão. — Descobri um precedente interessante num caso de 1602, sobre uma ovelha cujo dono foi contestado por falta de uma marca de identificação na orelha do animal. Jamie pendurou seu chapéu alto no gancho da parede perto da porta. — Eu lidarei com o processo da sra. Allen amanhã — disse ele, passando uma das mãos pelos seus cabelos castanhos cortados bem rente, enquanto rodeava a mesa velha e gasta que eles tinham achado numa loja de móveis usados. — E embora eu lhe agradeça por ter trazido os papéis, há outro assunto no qual espero que vocês dois possam me ajudar. Uma rápida olhada na direção de MacLachlann provou que ele não estava mais ansioso que ela para ter alguma coisa. — Sente-se, Esme, e deixe-me explicar. Você também, Quinn, por favor — convidou seu irmão, indicando uma cadeira. Estudando seu irmão com uma combinação de curiosidade e medo, Esme fez como ele pediu. Mais uma vez, sentou-se na beirada da cadeira, enquanto Quinn se acomodava em outra cadeira igualmente pequena, e a inclinava para trás, de modo que todo o peso descansasse sobre as pernas traseiras. — Você vai quebrar esta cadeira se continuar sentado assim — reclamou Esme. — Quer fazer uma aposta sobre isso? — replicou MacLachlann com aquele sorriso zombeteiro que ela detestava. Ela não lhe deu a satisfação de responder. — Eu chamei ambos aqui — começou seu irmão como se nenhum deles tivesse falado — porque preciso da ajuda de vocês num assunto que requer experiência legal e discrição, assim como certa quantidade de subterfúgio. — Subterfúgio? — repetiu Esme com cautela. — Certamente você não é tão ingênua para acreditar que a prática de advocacia não exige espionagens criativas ocasionais — disse MacLachlann — pelo menos no que se refere a descobrir fatos que algumas pessoas prefeririam manter enterrados. — Eu entendo que há fatos que precisam ser investigados, mas subterfúgio parece alguma coisa ilegal — protestou ela. MacLachlann fez uma careta e pareceu prestes a acrescentar alguma coisa, mas Jamie falou primeiro: — Esse não é o método que eu preferiria. No entanto, temo que, nesse caso, subterfúgio pode ser a única maneira de descobrir o que preciso — murmurou ele. — Com certeza, será a maneira mais rápida, e quanto antes essa questão for resolvida, melhor. Esme reprimiu seus escrúpulos, juntamente com seu desgosto por MacLachlann, e se focou no seu irmão. — Eu recebi uma carta de Edimburgo esta manhã. Catriona McNare precisa de minha ajuda. A boca de Esme se abriu enquanto ela olhava para seu irmão com perplexidade. 5

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore — Lady Catriona McNare pediu a sua ajuda? Depois do que ela fez com você? Jamie hesitou antes de responder. Apesar de considerar sua indignação mais do que justificada, ela lamentou não ter sido mais cautelosa. — Ela precisa da ajuda de alguém em quem possa confiar, e da opinião confidencial de um advogado — explicou ele. — Para quem Catriona deveria se voltar, senão para mim? Para qualquer pessoa, exceto para você, pensou Esme, lembrando-se da noite em que Catriona McNare rompera o noivado com Jamie. O pobre rosto de Jamie ficara branco como neve, os olhos contendo tanto sofrimento que ela havia passado a noite inteira do lado de fora da porta do quarto dele, com medo de que seu irmão pudesse machucar a si mesmo. — Há muitos advogados em Edimburgo que ela poderia contratar — apontou Esme. Uma expressão determinada surgiu nos olhos castanhos geralmente suaves de seu irmão. — Catriona pediu a minha ajuda, e é isso que ela terá. — Ajuda com o quê? — indagou MacLachlann, lembrando Esme que ele ainda estava lá. Uma expressão analítica tinha substituído o sorriso zombeteiro dele, o que fez uma diferença impressionante no seu semblante. Não uma melhora exatamente, pois, sorrindo ou não, MacLachlann era um homem bonito. A expressão atual indicava, todavia, que talvez pudesse haver alguma medida de sinceridade nele, no fim das contas. Provavelmente tal medida sendo uma colher de chá. — Parece que o pai dela sofreu algum golpe financeiro — explicou Jamie. — Infelizmente o conde não revelou à filha o que ele estivera fazendo com seu dinheiro ou que documentos assinou. Ela está com medo de que a situação piore, a menos que alguma coisa seja feita. — Eu iria a Edimburgo pessoalmente, mas se eu chegar lá e começar a fazer perguntas, pessoas irão se perguntar por quê. Todavia, ninguém conhecerá você, Esme. Nós não tivemos a chance de apresentá-la antes... — Jamie hesitou por um breve momento. — Antes que viéssemos para Londres. E para uma nova vida, longe de lady Catriona McNare, a soberana de Duncombe. — Não há ninguém em quem eu confie mais quando se trata de acessar documentos legais, Esme — continuou Jamie. — Você será capaz de dizer que há alguma coisa errada com aqueles que o conde assinou. — Suponho que você quer que eu consiga os documentos? — perguntou MacLachlann. — Eu não quero que você os roube — esclareceu Jamie, para alívio de Esme. — Quero que coloque Esme dentro da casa do conde, de modo que ela possa ver os documentos. Todo o alívio de Esme desapareceu. — O que você quer dizer exatamente com "me colocar dentro da casa dele"? — questionou ela. — Invasão de domicílio é contra a lei, punível por... — Eu não falo sobre invadir a casa — interrompeu Jamie. — Simplesmente quero que Quinn a ajude a chegar perto dos documentos, para que você possa lê-los. — Consequentemente, subterfúgio — suprimiu MacLachlann. — Mas que espécie de subterfúgio? — persistiu Esme. — Nós precisamos de uma desculpa para colocá-la dentro da casa do conde sem levantar suspeita. Se eu não sou bem-vindo lá... e certamente não sou... você também não é, minha irmã — disse Jamie. — Quinn, você mencionou que seu irmão mais velho, o conde de Dubhagen, vive nas Antilhas pelos últimos dez anos, embora ainda mantenha uma casa em Edimburgo. Ocorreu-me que, se ele retornasse a Edimburgo, sem dúvida seria convidado para quaisquer celebrações, festas ou jantares que Catriona e o pai 6

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore oferecessem. Ouvi dizer que todos os filhos do conde de Dubhagen são notavelmente similares em aparência, então pensei... MacLachlann enrijeceu, como se Jamie o tivesse golpeado. — Você quer que eu me passe por Augustus? — Numa única palavra, sim — confirmou Jamie. — E uma vez que seu irmão é casado, você precisará de uma esposa. A implicação do que seu irmão estava propondo atingiu Esme em cheio. — Não! — exclamou ela, levantando-se, rebelando-se diante daquele plano ridículo, e em especial do pensamento de fingir ser esposa de MacLachlann. — Isso é ridículo! E ilegal! Deve haver algum outro jeito. Alguma maneira legal de... — Talvez... se nós soubéssemos exatamente o que está acontecendo e quem está por trás disso, se há alguma coisa ilegal acontecendo, na verdade — replicou Jamie com notável paciência. — Pode ser que Catriona esteja enganada, e as perdas do pai dela sejam apenas o resultado de decisões infelizes nos negócios. Se ele estiver legalmente capacitado para tomar tais decisões, não há nada que ela possa fazer. Mas ela precisa saber, de um jeito ou de outro, e é essa a assistência que pretendo dar a Catriona... ou melhor, que eu espero que vocês me ajudem a dar. — Mas por que devemos representar o papel de alguém? — protestou Esme. — MacLachlann ainda é um nobre, não é? Ele não seria convidado? Não poderíamos dizer que eu sou uma amiga da família dele que veio visitar? Por que precisamos fingir sermos outras pessoas? — Eu sou um nobre execrado, renegado — declarou MacLachlann sem um pingo de vergonha ou remorso. — Não posso mais frequentar os mesmos círculos sociais. Augustus e a esposa podem. Para o desgosto de Esme, ele não parecia mais aborrecido ou nem um pouco ultrajado por aquele esquema inacreditável. — E se nós formos descobertos? ― inquiriu ela. — Eu não irei para a prisão por causa de Catriona McNare! — Eu também não tenho a menor intenção de ir para a prisão — disse MacLachlann com uma calma irritante. — Contudo, uma vez que é o meu irmão que fingirei ser, eu não tenho medo disso. Como Jamie, sem dúvida, levou em consideração quando tramou esse plano, Augustus tem verdadeiro horror por escândalos. Jamais acusaria o próprio irmão de um crime. Ele ficaria contente em pensar na situação como algum tipo de brincadeira de minha parte. O pequeno sorriso de Jamie e os olhares que os homens trocaram disseram a ela que Jamie estava, na verdade, muito ciente dessa possibilidade. De qualquer forma, aquilo não satisfez Esme. — Seu irmão pode não querer aprisionar você, mas talvez não tenha os mesmos escrúpulos em me acusar de fingir que sou esposa dele. — Não precisa se preocupar, docinho de coco — disse MacLachlann com o que poderia ser alegria genuína. — Eu sei... e posso provar... algumas indiscrições passadas de meu querido irmão que ele não gostaria que fossem reveladas para o público em geral. Isso deve mantê-la segura de qualquer acusação judicial. — Certamente as pessoas irão perceber que eu não sou esposa do conde. — Ninguém em Edimburgo jamais a encontrou — disse MacLachlann. — Eles se conheceram e se casaram nas Antilhas. Ele falava como se achasse que não deveria haver mais objeções a serem feitas, mas havia outras considerações... Considerações importantes, se eles iam viver juntos como marido e esposa. Habitariam a mesma casa, compartilhando os mesmos arranjos domésticos. Pessoas assumiriam que eles compartilhavam mais do que isso. Quem poderia dizer o que um perdulário atraente como MacLachlann assumiria também? Que ele seria capaz de... ? Que Esme talvez estivesse até mesmo ávida por aquilo? 7

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore O pensamento era... Assustador. Sim, e terrível, e ela nunca sucumbiria a nenhuma tentativa de sedução por parte dele, ou de qualquer outro homem, independentemente do quanto ele fosse bonito ou charmoso. — Eu não tenho desejo de fingir ser sua esposa, de nenhuma maneira ou por nenhuma razão! — declarou ela firmemente. MacLachlann arqueou uma sobrancelha, friamente. — Nem mesmo se seu irmão lhe pede? Ele a pegara ali, e sabia disso. Ela podia ver o conhecimento nos olhos azuis zombeteiros. — Esme — murmurou Jamie em voz baixa. — Esqueça. Posso ver que meu plano não vai dar certo. Seu irmão se aproximou e lhe tomou as mãos nas suas. Somente uma vez antes Esme tinha visto uma expressão tão derrotada nos olhos de Jamie, e desta vez ela a colocara lá. — Sei que estou pedindo um favor tremendo, portanto, se você recusar, eu não a culparei. Quinn e eu encontraremos outra maneira de conseguir as informações que procuramos. Sim, eles provavelmente poderiam encontrar... Mas talvez aquele fosse outro modo de enviar Jamie para Edimburgo e levá-lo de volta para a órbita de lady Catriona, para ter seu coração partido novamente, ou aquela velha ferida reaberta. Para ser honesta, o plano de Jamie não era totalmente sem risco, e ela não queria ajudar lady Catriona McNare, mas como podia negar isso ao seu irmão, quando ele nunca lhe pedira nada antes? Jamie era a única família que possuía. A mãe deles havia morrido de uma febre dias depois de dá-la à luz, e o pai, de um problema no coração quando Esme tinha 12 anos e Jamie, com 18 anos na época, era assistente de advogado. Não apenas isso. Ele lhe permitia liberdades que muito poucos homens permitiriam. Qual era o risco, quando comparado com tudo que seu irmão fizera por ela, e o jeito que ele lhe permitia quase praticar advocacia? — Muito bem, Jamie, eu farei isso. MacLachlann pegou um fiapo de algodão de sua lapela. — Agora que está tudo estabelecido, eu escreverei para o advogado de meu irmão, informando-o que o conde de Dubhagen decidiu retomar a Edimburgo, e pedindo-lhe que contrate criados adequados, assim como providencie para que a casa esteja pronta para nossa chegada. — Sua irmã precisará de algumas roupas novas ― acrescentou ele, dirigindo-se a Jamie como se ela não estivesse presente. — O atual guarda-roupa de Esme é dificilmente adequado para a esposa de um conde. Esme abriu a boca para protestar, então percebeu que a observação dele podia ter algum crédito. Apesar de suas roupas serem limpas, duráveis e em bom estado, a esposa de um conde teria trajes mais sofisticados, feitos de tecidos mais caros. — Esme terá muitas roupas novas — assegurou Jamie a MacLachlann enquanto ia para sua mesa e pegava um talão de cheques. — Você também deveria adquirir algumas. Eu pagarei o aluguel de uma carruagem para levá-los a Edimburgo, assim como as despesas que vocês terão para manter a casa. Ele escreveu um cheque, o valor fazendo Esme arfar. Jamie cuidava das finanças deles, e sempre tinha cuidado, então ela sabia pouco sobre aquela parte dos negócios de seu irmão, e, embora ele sempre lhe desse uma mesada generosa e pagasse pelas despesas do lar sem reclamar, ela tentava manter a casa da maneira mais econômica possível. De modo que vê-lo entregar tanto dinheiro para um homem como MacLachlann era frustrante. Ainda mais frustrante foi ver que quando MacLachlann pegou o cheque, nem sequer piscou diante do valor. 8

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore Em vez disso, passou uma das mãos pelos cabelos e disse: — Obrigado, senhor! Quando devemos partir nesta missão? — Acha que vocês podem estar prontos em uma semana? — Eu posso. A questão é: minha charmosa esposa pode? Esme cerrou os dentes e lembrou que tinha de agüentar a insolência de MacLachlann pelo bem de Jamie. — Eu estarei pronta. — A carruagem e o cocheiro estarão esperando na nossa casa em uma semana — disse Jamie. — Chegue o mais cedo possível no dia, de modo que vocês possam ter um bom começo de viagem. — Eu ouço e obedeço — respondeu MacLachlann enquanto andava para a porta, antes de se virar e fazer uma reverência teatral. — E então, meu doce de coco e querido cunhado falso, eu lhes dou adeus até que partamos para Edimburgo. Eu gostaria de poder levar minha noiva adorável para a residência do lorde na região montanhosa das Terras Altas, mas infelizmente o tempo não permitirá. O malandro estava apreciando demais aquela situação! — Cuidado, meu amor — disse MacLachlann, endireitando o corpo para que seu rosto não permaneça para sempre nessa expressão desagradável. Então, com outro sorriso irritante, ele saiu da sala. Esme imediatamente se virou para confrontar seu irmão, mas, antes que pudesse dizer alguma coisa, ele falou com profunda sinceridade: — Aprecio muito o fato de que você se arriscará por mim, Esme, e estou mais grato do que palavras podem expressar. A frustração dela diminuiu; de qualquer forma, Esme precisava vociferar sua preocupação: — Você pôs muito dinheiro na mão de um homem como MacLachlann, Jamie. — Será bem gasto, e, se sobrar alguma coisa, ele irá me devolver no devido tempo — replicou seu irmão. Ele foi para sua mesa de trabalho, abriu a primeira gaveta e tirou de lá um livro contábil que ela nunca tinha visto antes. — Quinn faz uma contabilidade excelente de tudo que gasta quando realiza um trabalho para mim, de modo que eu saiba para onde foi cada centavo. Aqui, veja por si mesma. Ele abriu o caderno com capa de couro e o virou para ela. Nas linhas traçadas com régua, numa letra ainda mais bonita que a sua, despesas estavam detalhadas. A lista parecia extraordinariamente completa, indicando até mesmo pão assado e um copo de cerveja para um jantar. Entretanto... — Como você pode ter certeza de que foi assim que ele gastou o dinheiro? — perguntou ela. — Recibos. — Ele dá recibos, para tudo. Eu os tenho aqui. — Jamie abriu outra gaveta e pegou um grande envelope repleto de pedaços de papéis de vários tamanhos e diferentes condições. Alguns pareciam ter sido amassados numa bola, outros pareciam imaculados. — Muito bem, talvez ele seja responsável em relação às finanças — concedeu Esme ―, mas há outros elementos do caráter de MacLachlann, do caráter dele, que estão longe de ser exemplares. — Não há como negar que Quinn cometeu erros no passado, como ele mesmo admite. Mas não cometeu nenhum crime, e a única pessoa que prejudicou com suas ações foi a si próprio. Esme devolveu a pasta de recibos para seu irmão. — Todavia, a própria família dele o expulsou, não é? — Eles perderam mais do que Quinn. Ele teve uma infância muito infeliz, Esme. 9

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore — A família dele é rica e nobre. Muitas pessoas crescem em condições muito mais terríveis, e nem por isso perdem seu dinheiro jogando ou passando seus dias na ociosidade e bebendo em excesso. — Um menino crescendo com riqueza ainda pode ser solitário e infeliz — observou seu irmão. — E ele nunca usa sua infância como desculpa. Na verdade, raramente fala sobre o assunto. Eu descobri mais sobre a família de Quinn através de outros amigos na escola do que a partir dele. Jamie guardou o caderno de contabilidade na gaveta e ergueu os olhos para estudála com firmeza. — O fato de ele ter jogado e bebido em excesso está no passado. Quinn tem sido absolutamente confiável, e sempre fez tudo que eu lhe pedi. — Seu irmão se sentou na beira na mesa. — Ele sente remorso também, embora raramente demonstre isso. Sabe onde eu o encontrei naquela noite em que o levei para minha casa? Ela meneou a cabeça. — Na ponte da Torre. Ele nunca disse o que estava fazendo lá, mas o jeito que estava parado ali de pé, olhando para a água... — Jamie balançou a cabeça antes de desviar o olhar para fora da janela, sem ver nada. — Não acho que ele estivesse tomando ar fresco, e se eu não tivesse procurado por ele e o encontrado... Quintus MacLachlann estivera prestes a se matar? Esme achava difícil acreditar que um homem de tamanha vitalidade algum dia pensaria em terminar com sua existência. — Graças a Deus eu o encontrei, e me sinto mais do que satisfeito desde então — murmurou Jamie enquanto descia da mesa. Olhou mais uma vez para Esme e lhe estudou o rosto. — Isso é tudo que a preocupa, Esme? Ou acha que ele pode tentar tomar liberdades com você? Se este for o caso, fique tranqüila, pois Quinn não fará isso. Ele... bem, houve mulheres na vida dele, eu sei, mas ele nunca foi cruel ou libidinoso. Se eu achasse que houvesse alguma chance de isso acontecer, nunca permitiria que você fosse com ele, especialmente no disfarce de sua esposa. Ademais, se existe uma mulher na face da Terra imune a qualquer tentativa de sedução de um homem, esta mulher é você. Sim, Esme seria imune às tentativas de sedução de qualquer homem, especialmente dos homens que a provocavam e zombavam dela. Jamie pôs as mãos em seus ombros e lhe fitou os olhos com intensidade. — Você pode confiar nele, Esme. Por favor, acredite em mim quando digo que por trás do exterior superficial e irônico de Quinn há um homem bom e honesto, ou eu nunca teria sugerido que você o acompanhasse para Edimburgo. Esme assentiu com um movimento de cabeça. Queria acreditar em Jamie. Queria acreditar que estava indo para Edimburgo por uma causa justa, com um homem confiável. Mas realmente desejou que Catriona McNare e Quintus MacLachlann nunca tivessem nascido.

Capítulo Dois Uma semana depois, vestindo calça nova, botas de couro, camisa branca impecável, gravata de seda preta, colete listrado em cinza e preto, paletó de lã preta e um sobretudo verde-garrafa, o anteriormente Honorável Quintus Aloysius Hamish MacLachlann subiu a rua em direção à casa de Jamie McCallan, uma valise batendo contra sua coxa. 10

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore A moradia de Jamie era uma pequena casa, em boas condições, na extremidade de Mayfair, perto do bairro o bastante para atestar estilo, mas longe o suficiente para que um homem que ganhasse bem tivesse condições de comprar, como Jamie obviamente tinha. Quando Quinn subiu os degraus para a porta, e ergueu a aldrava de latão polido em forma de um espinho, a cortina da janela da frente se mexeu. O movimento foi quase imperceptível, mas suficiente para sugerir que alguém estava vigiando. Esme, sem dúvida. A mulher era como um guarda de prisão. Era também muito preconceituosa, sempre pronta a acreditar no pior dele, independentemente de qualquer evidência ao contrário, e apesar do trabalho necessário que ele fazia para o irmão querido dela. Uma vez que Esme o considerava desprezível, era de admirar que Quinn sempre tentasse lhe dizer coisas ultrajantes? Provocar, zombar e irritar, até que ela protestasse e demonstrasse sua língua ferina e inteligente? O mordomo de Jamie, um homem alto e magro, de idade indeterminada, abriu a porta e pegou o chapéu e a valise de Quinn. — Eles o aguardam na sala de estar, senhor. — Obrigado — replicou Quinn, dando uma breve olhada em seu reflexo no espelho longo e impecavelmente limpo do saguão. Naquele traje, estava muito parecido com seu irmão, sem dúvida o bastante para que o plano desse certo. Ele nunca imaginara que Jamie tivesse um traço de personalidade tão sorrateiro. Bem, houvera indicações disso na escola, supôs. Algumas vezes, Jamie o acompanhara para roubar um pouco de comida da despensa, e uma vez até lhe contara quando a cozinheira estaria fora, mas nunca tinha ficado bêbado com o xerez da cozinha, ou colado em provas ou mentido para o diretor. A sala de estar era tão limpa e organizada quanto o saguão. O ambiente era simples, porém de bom gosto, sem estátuas ou objetos de decoração à vista. Ele nunca vira um ponto de poeira ou sujeira na casa ou no escritório de Jamie. Suspeitava que poeira e sujeira fossem coisas inaceitáveis para a irmã de Jamie. Contudo, havia muitos livros, e os poucos móveis eram primorosos. O sofá convidativo e as poltronas eram gastos, porém confortáveis, e a abóbada sobre a lareira... Esme estava de pé junto à abóbada, mas Esme, como ele, nunca a vira ou a imaginara. Os olhos estavam baixos, os cílios escuros tocando faces rosadas, e o corpo delgado, porém bem-formado, estava coberto num bonito vestido de lã azul-claro. O corpete, bordado por uma faixa vermelha, acentuava seios perfeitos. Cachos castanhoavermelhados brilhavam sob uma touca charmosa, decorada com pequenas rosetas vermelhas, e alguns cachos macios ainda mais charmosos caíam ao redor do rosto e pescoço dela. Esme parecia tão jovem, tão bonita e simples... A figura da Feminilidade Juvenil, até que ela levantou a cabeça e o fitou com olhos castanhos irados, os lábios se curvando para baixo numa expressão igualmente irada. — Embora eu possa ver que ao menos você se lembrou de se barbear, está atrasado — reclamou ela, dando-lhe um olhar arrogante. Quinn adentrou mais a sala, totalmente determinado a não deixá-la perceber que ele estava perturbado pela desaprovação dela. — Eu fui a um barbeiro, de modo que agora meu rosto está suave como seda. Gostaria de sentir? — Certamente não! — exclamou Esme, antes de virar-se abruptamente. Mas ela estava enrubescendo, e tinha baixado os olhos de novo, como se estivesse tentada demais para tocá-lo, mas não ousasse. Bom Deus, era possível que Esme McCallan quisesse secretamente tocá-lo? Aquela era uma evolução muito interessante, e uma que definitivamente valia a pena explorar. — Você está adorável, Esme. 11

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore — Eu lhe agradecerei se mantiver suas observações indesejáveis para si mesmo! — Você é a primeira mulher que já conheci que não aprecia um elogio. — Se eu acreditasse que há alguma sinceridade em suas observações, talvez eu me sentisse lisonjeada. Apesar do desdém dela, Quinn tentou novamente: — Eu estou sendo sincero. Você está muito bonita. Nunca imaginei que uma mudança de roupas pudesse fazer tanta diferença. Ela se virou para encará-lo. E então, um milagre. Esme sorriu... um sorriso caloroso e genuíno. O coração de Quinn disparou com o que podia ser alegria, embora fizesse muito tempo que ele não sentia nada como felicidade verdadeira, de modo que talvez estivesse enganado. — Jamie — disse ela, passando por ele. Ela estivera sorrindo para o irmão, que tinha entrado na sala, atrás dele. É claro. Ele devia ter ficado momentaneamente louco para pensar que Esme lhe sorriria daquela maneira, e não deveria se sentir desapontado. No fim das contas, havia diversas outras mulheres ávidas por sua atenção. — Desculpe-me pelo atraso, Jamie — falou Quinn antes que Esme pudesse condená-lo. — Eu fui atrasado pelo alfaiate. — Sem problemas. Ainda há muito tempo para sair de Londres, e uma boa distância antes de escurecer — replicou Jamie. — O dinheiro foi bem aproveitado, posso ver. — Assim como o seu. Eu confesso que tive minhas dúvidas sobre a habilidade de sua irmã de se passar por uma jovem lady nobre, mas, nestas roupas, acho que ela não terá problemas com isso. — Que encantador que você aprova minha vestimenta — disse Esme friamente. — Agora, posso sugerir que partamos? Quanto antes chegarmos a Edimburgo, mais rapidamente poderemos concluir nossa missão e retornar. Quinn não poderia concordar mais. Enquanto a carruagem alugada na cidade percorria a estrada em direção ao norte, Quinn não se incomodou em esconder seu mau-humor ou tentou puxar conversa. Por que deveria se esforçar com uma mulher que estava tão obviamente determinada a detestálo? Água das poças formadas pela chuva pesada na noite anterior espirrava perto das janelas, e o céu estava sombrio e nublado, com uma brisa fria que não fazia nada para adicionar conforto à carruagem. — Se você continuar nessa postura relaxada, arruinará seu sobretudo — comentou Esme quando o veículo pesado, com estofado de lã listrada, sacudiu-se sobre outro buraco na estrada. — O qual deve ter custado um bom dinheiro para meu irmão. — Duvido que tenha custado mais do que o casaco de pele que você está usando. Provavelmente menos — retrucou Quinn, escorregando um pouco mais para baixo no assento apenas para irritá-la. — Eu apostaria que meu guarda-roupa inteiro custou menos do que um de seus vestidos, e tenho os recibos para provar isso. Ela lhe deu um olhar presunçoso. — Eu sei como conseguir uma boa barganha. — Tenho certeza de que um olhar seu pode congelar a medula óssea de uma costureira e convencê-la a trabalhar com prejuízo — concordou ele. — Eu, por outro lado, acredito em pagar por um trabalho bem-feito. — Eu apenas quero gastar meu dinheiro em coisas que valham a pena. — O dinheiro do seu irmão — apontou ele. Isso levou um rubor ao rosto de Esme. — Se as mulheres pudessem ter uma profissão, eu também seria advogada, e, com alegria, ganharia minha própria renda. 12

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore Ela provavelmente seria uma advogada tão boa quanto o irmão, concedeu Quinn em silêncio. Esme podia ser uma das mulheres mais desagradáveis da face da Terra, mas ele não podia negar a habilidade dela com assuntos legais. — Acho que você seria uma excelente advogada processual — acrescentou ele, e isso não era mentira. — Eu posso facilmente imaginá-la interrogando uma testemunha no banco dos réus. Ela franziu o cenho, claramente não gostando daquele comentário. — Advogados civis fazem todo o trabalho legal real, a preparação e a pesquisa, enquanto advogados processualistas injustamente colhem a glória... do jeito que nobres proprietários de terra colhem os benefícios do trabalho de seus arrendatários, se tais proprietários forem jogadores bêbados e perdulários. Que Deus lhe desse paciência, pensou Quinn. E o lembrasse que ele mesmo tomara aquela crítica possível. Mesmo assim... — A menos que você queira que os criados façam fofocas sobre o nosso casamento, terá de, no mínimo, fingir que gosta de mim quando chegarmos em Edimburgo. — Não vejo motivo para isso — replicou Esme. — Há muitos casamentos infelizes na Inglaterra. O nosso poderia simplesmente ser mais um. — Não se quisermos ser convidados para bailes, festas e eventos, e queremos isso, de modo que possamos descobrir se outros cavalheiros estão experimentando dificuldades financeiras, ou se essa é uma situação específica do conde. Esme meneou a cabeça. — Eu prefiro pensar o contrário. Um casal brigando certamente desperta curiosidade, e se as pessoas pensarem que nós lhe daremos algo sobre o que falar, teremos maior probabilidade de ser convidados para ocasiões sociais. Você nunca notou que as pessoas têm mais curiosidade sobre um casal discutindo do que sobre um casal feliz? — Nesse caso, o ódio que você alimenta por mim é realmente favorável, e temos uma excelente chance de sermos o casal mais popular em Edimburgo. — Eu não o odeio, MacLachlann — disse Esme com compostura irritante. — Eu teria de me importar com você para odiá-lo. Aquelas palavras calmas de desprezo foram como um tapa no rosto de Quinn, ou um golpe no seu coração. Mas ele morreria antes de se permitir mostrar que ela... Ou qualquer pessoa... Pudesse magoá-lo. — Independentemente do que você pensa a meu respeito, srta. McCallan — disse ele, a mesma frieza com que ela lhe falara ―, seu irmão pediu a minha ajuda, e a terá. Esta seria uma tarefa mais fácil para nós dois se você se refreasse de me condenar toda vez que me dirige a palavra. E embora eu não espere que você me respeite, não pode ao menos cooperar? Se não puder, é melhor voltarmos para Londres. Esme adquiriu um brilho de teimosia no olhar. — Eu estou cooperando, ou não estaria aqui. — Ela respirou fundo e alisou suas saias. — Todavia, concordo que animosidade contínua não será benéfica para nossa tarefa. Consequentemente, vamos recomeçar. Ele manteve seu alívio secreto também, mesmo enquanto se perguntava o que exatamente ela queria dizer com "recomeçar". — Se irei fingir ser sua esposa, devo saber mais sobre sua família. Por enquanto, tudo que sei é que seu pai foi um conde e seu irmão mais velho é o herdeiro. Você tem outros irmãos ou irmãs? De todos os assuntos, sua família era o último que Quinn gostaria de discutir. Infelizmente ela havia apontado alguma coisa que ele não podia refutar... Esme deveria saber um pouco sobre a história de sua família. 13

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore — Eu tinha mais três irmãos... Marcus, que era o segundo mais velho, e então Claudius e Julius. Marcus morreu na guerra com a França, Claudius morreu de uma febre no Canadá, e Julius caiu do cavalo e quebrou o pescoço quando tinha 16 anos. Tive uma irmã, mas ela morreu durante a infância, antes de eu ter nascido. Se ele estivesse olhando para qualquer outra mulher, a expressão dela naquele momento poderia indicar compaixão. No entanto, uma vez que era Esme, a testa franzida provavelmente significava que ela estava apenas memorizando a informação. — E o nome de seu irmão mais velho é Augustus? — Meu pai teve uma história de amor desafortunada de latim e romano. — Então ele chamou seu quinto filho de Quintus. — Sim. — Um nome que você desgosta intensamente, julgando pela sua expressão. — Não apenas o nome. Eu tinha pouco amor pelo meu pai... e ele por mim. — Sinto muito. Ela realmente parecia sincera. — Não sinta — disse Quinn com veemência. Se houvesse uma coisa que não queria de Esme McCallan era piedade. Não sentia falta de sua família. Sempre fora muito diferente deles... muito impetuoso, muito cheio de vida para existir no mundo calmo de caçar e pescar, trocando contos sobre peixes capturados, faisões devorados e veados avistados. Tinha ansiado por alguma coisa diferente... morar na cidade, levando uma vida alegre e vibrante. Cara. Sensual. Sedutora. — Eu encontrei grandes compensações quando me tomei mais velho. — Com mulheres, suponho. Ele duvidava muito que Esme algum dia entenderia por que um homem tentaria se consolar nos braços de uma mulher, mesmo se isso proporcionasse apenas um momento passageiro de prazer e esquecimento. Não podia imaginar Esme nua nos braços de um homem, beijando-o, acariciando-o, fazendo amor com suspiros e gemidos, sussurrando palavras carinhosas, contorcendo-se de prazer, gritando no momento do clímax. Na verdade, podia. O que foi uma descoberta muito desconcertante. — Quantos anos Augustas tem? — perguntou ela, tirando-o de seu louco devaneio. — Quarenta e cinco. — Então você tem... ? — Trinta. Ela assentiu pensativamente, e Quinn notou que Esme não parecia achar impossível que ele pudesse passar por um homem 15 anos mais velho. Que importância tinha se ela achasse que ele parecia mais velho do que era? — A esposa dele tem 27. É uma sorte que você pode passar facilmente por uma pessoa dessa idade. Ela não pareceu nem um pouco chateada pela observação. Por outro lado, talvez ele não devesse estar surpreso pela falta de reação de Esme. Nunca conhecera uma mulher menos vaidosa com sua aparência. — Ela estava com 17 anos quando eles se casaram — acrescentou Quinn. — Augustus sempre gostou de mulheres mais novas. Esme não pareceu impressionada com isso também. — Eles não têm filhos? — Ainda não, mas, se eu conheço Augustus, não é por falta de tentativa. Um brilho de interesse surgiu nos olhos castanhos de Esme, o que causou outro choque em Quinn. Ele esperara que ela reagisse com condescendência hipócrita, desgostosa pela mera sugestão de relações físicas entre um marido e a esposa. 14

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore — O que estava no contrato de casamento? — perguntou ela, com entusiasmo. — Havia um contrato, presumo? Ele deveria saber que não era a natureza sexual de um relacionamento que a excitava, mas a parte legal do mesmo. Entretanto, era interessante observá-la quando ela falava de advocacia, e os olhos castanhos se tomavam vibrantes, inteligentes, vivos. Ele podia facilmente visualizar o cérebro de Esme como um tipo de máquina bem lubrificada, repleta de equipamentos girando e alavancas. Mas em relação a qualquer acordo ou contrato matrimonial que seu irmão pudesse ter feito... — Eu não tenho idéia. Nem isso me interessa. Ela franziu o cenho. — Deveria interessar. Se ele morre antes de você, e não há filhos, a herança... — Eu não receberei um centavo, e o título provavelmente irá para meu primo Freddy. Fui deserdado, lembra? Finalmente alguma coisa nublou aqueles olhos brilhantes. — Devo mencionar que meu irmão prefere suas mulheres dóceis e ignorantes, portanto é muito provável que a esposa dele seja a jovem mais desinformada e desprovida de inteligência que você já conheceu. — Oh? — exclamou Esme, como se estivesse prestes a escrever um tratado sobre os MacLachlann. — Esta é uma característica familiar? Mais uma vez sentindo a necessidade de se colocar na defensiva, MacLachlann se inclinou para a frente, de modo que os joelhos deles quase se tocassem. — Eu prefiro mulheres inteligentes que sabem o que querem e não temem lutar por isso. Na verdade, mulheres inteligentes que são fascinadas por leis me fascinam. Especialmente se a mulher tivesse brilhantes olhos castanhos num rosto bonito em forma de coração, com lábios carnudos e bochechas suaves, e a cabeça orgulhosamente acima de um corpo delgado e bem-formado, cuja proximidade estava se provando uma tentação maior do que ele algum dia poderia ter esperado. Uma expressão diferente surgiu nos olhos de Esme, mas desapareceu antes que ele pudesse identificar qual era, e o resto da fisionomia dela não mudou. — Eu não acredito em você. Quinn se recostou e riu, como se ela estivesse certa. Esme deu um longo suspiro exasperado. — Se iremos trabalhar juntos, você precisa parar de tentar brincar de flertes absurdos, ou tentar extrair uma reação minha. Apenas me dê as informações que eu peço, se quiser que as pessoas acreditem que você é Augustus e eu sou sua esposa. Apesar de sua frustração crescente, e de sua própria resolução de lembrar que ela o detestava, desconfiança não era o sentimento que estava despertando no interior de Quinn. — Por exemplo — continuou Esme, clara e abençoadamente inconsciente do efeito que tinha sobre ele -, como sua família o chama? Quinn? Quintus? — Diversos nomes que eu não quero lembrar. Uma vez que seremos marido e mulher, é melhor você começar a se referir a mim como "meu lorde", ou alguma forma de Dubhagen. — Fingiremos que somos marido e mulher — corrigiu ela imediatamente. É claro que ela faria questão de ser precisa. Um tipo diferente de expressão iluminou aqueles olhos castanhos. Uma expressão quase... Travessa. — Dooey — declarou ela. — Uma espécie de apelido de Dooagen — esclareceu desnecessariamente. Ele sabia como o título de sua família e nome de país eram pronunciados. Mas Dooey parecia nome de algum animal de cérebro fraco. 15

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore — Você pode me chamar de Dubhagen, ou de meu lorde. Se me chamar de qualquer outro nome, eu irei ignorá-la... ou me referir a você como minha ovelhinha. Como ele esperava, ela não gostou daquilo. — Muito bem, meu lorde — concedeu Esme mal-humorada. — Qual é o nome de sua cunhada? Aquilo ia ser interessante. — Hortense. Esme se recostou sobre o assento revestido, então estreitou os olhos. — É verdade, ou você só está dizendo isso para me irritar? — É verdade — admitiu ele honestamente. — Todavia, acho que seria melhor se evitássemos o uso de primeiros nomes, mesmo em particular. Dessa forma, caso nosso plano seja descoberto prematuramente, ninguém poderá dizer que nós estávamos usando os nomes deles. — Eu poderia chamá-la de Pônei — propôs ele como se estivesse seriamente considerando a possibilidade, embora as feições dela não lembrassem em nada as do animal em questão. — Ou de meu docinho de coco. Ele a chamara assim no último Natal para provocá-la, mas agora, quando considerava a nova aparência deleitável de Esme, o termo carinhoso parecia combinar com ela. Bom Deus, tinha acabado de pensar em Esme McCallan como deleitável? Ela o olhou como se quisesse matá-lo. — Se você fizer isso, eu o chamarei de benzinho. Ansioso para fazer seus sentimentos voltarem ao normal, Quinn não somente aceitou o desafio, mas também continuou as provocações: — Eu poderia chamá-la de meu doce estorvo. — Meu querido fardo. Ele franziu o cenho e se sentou ereto. — Minha adorada maldição. Esme se inclinou para a frente, como se estar mais perto dele instigasse sua imaginação. — Meu lindo pesadelo. Quinn disse a si mesmo para não notar como ela era bonita, ou pensar sobre aqueles lábios rosados, ou em como seria ter Esme o fitando com desejo, em vez de com irritação. Ou em como seu corpo traidor estava respondendo ao jeito vibrante, à aparência e à proximidade dela. — Minha adorável... punição. — Meu maravilhoso castigo. — Minha querida... — Eu já usei esse! — gritou ela, os olhos brilhantes repletos de triunfo. Parecia haver uma única maneira de conseguir a vitória a partir da derrota... Uma maneira que era simplesmente tentadora demais para resistir. Ele segurou seu rosto nas mãos enluvadas e beijou-lhe a boca. Nunca na vida Quintus MacLachlann tinha sentido uma onda de desejo tão imediata e poderosa como a que experimentou no momento que seus lábios tocaram os dela. Era como ser atingido por paixão líquida e quente, envolvendo-o e preenchendo o ar ao redor deles. Nunca teria imaginado que a boca de Esme McCallan pudesse ser tão suave e beijável. Não tivera idéia do quanto quereria continuar beijando-a, por quanto tempo fosse possível. Ou que queria ser o único homem que já a beijara. 16

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore Mas assim foi, enquanto ele movia sua boca sobre a de Esme, dentro de uma carruagem alugada que viajava ao norte, em direção à Escócia.

Capítulo Três

Esme nunca se sentira tão confusa e desorientada na vida. Quintus MacLachlann a estava beijando, e aquilo não era horrível. Sua boca estava sobre a dela de maneira íntima, os lábios deslizando gentilmente sobre os seus, e ela não achava a sensação repulsiva. Na verdade, era completamente inebriante, como se tivesse tomado o conteúdo da garrafa de uísque de Jamie num único gole. Ela nunca havia sido beijada antes. Nem uma vez, em toda sua vida. Nenhum homem quisera beijá-la, ou ousara. Somente MacLachlann... O malandro, que provavelmente tinha beijado centenas de mulheres, e sem mais afeição genuína do que concederia a um cavalo ou cachorro que achasse útil. Vergonha e desgosto por sua própria fraqueza fizeram Esme se afastar. Indignação pelo ato audacioso e deplorável de MacLachlann se seguiu rapidamente. — Como você ousa? — demandou ela, enquanto ia para o canto mais afastado da carruagem. — Seu... seu... patife! Nunca mais faça isso! Se fizer, escreverei para meu irmão imediatamente e você nunca mais trabalhará para ele! Em vez de ficar zangado, MacLachlann cruzou os braços e a fitou com divertimento. — Eu dificilmente acho que um simples beijo seja causa para uma reação tão extrema. A atitude arrogante e impenitente dele a feriu profundamente... Até que ela percebeu que aquela era outra prova da degradação de MacLachlann. — Foi um beijo que eu não quis, não convidei e não apreciei. Foi também uma afronta à minha dignidade, assim como um sinal de grande desrespeito. O homem sorriu. — Bom Deus, tudo isso? Foi uma traição também? — O que você acharia se eu estendesse a mão e começasse a tocá-lo? — Por que você não tenta, e veremos? Ela estava horrorizada, apavorada... E tentada, o que era certamente errado e pecaminoso. — Ou teme por sua virtude? — perguntou ele. — Se assim for, fique tranqüila, pois você é a última mulher da Inglaterra que eu tentaria seduzir. — Como se você tivesse alguma esperança de sucesso nisso! — Cuidado, srta. McCallan — replicou ele. — Eu gosto de um desafio. — Seu imbecil insuportável! Até mesmo o pensamento de você me tocando me causa calafrios de horror. Você é impossível! Eu deveria pedir que o cocheiro voltasse imediatamente. A expressão sardônica desapareceu do rosto de MacLachlann. — Está esquecendo que Jamie está contando conosco? É assim que recompensa seu irmão por tudo que ele fez por você? Não posso pensar num homem entre mil que 17

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore deixaria a irmã assumir um papel como o seu na vida dele, muito menos nos negócios profissionais. Ele tinha razão. Entretanto, ela também. — Então, eu devo insistir que no futuro você me trate com respeito, não como uma de suas mulheres desfrutáveis do cais. — Embora eu admita ter cometido um erro agindo sem aviso, não me associo com prostitutas — disse Quinn sem indicar remorso ou se desculpar. — E se vamos nos passar por Augustus e a esposa dele, é melhor você se acostumar com o beijo espontâneo ocasional. Os homens de minha família são famosos por sua paixão e demonstrações públicas de afeto. Se eu nunca tocá-la quando estivermos em público, as pessoas certamente irão se perguntar por quê. Como se ela fosse tão ingênua assim. Ele só estava tentando encontrar uma desculpa para qualquer impulso de desejo que o dominara. — Eu não acredito em você. — Por que outro motivo eu a beijaria? — questionou ele. Uma vez que aquele era Quintus, que gostava de provocá-la e atormentá-la, ele não podia tê-la beijado porque a considerava atraente. Devia haver outra razão, e Esme a encontrou: — Para me silenciar da única maneira que um homem de sua categoria faria, porque eu estava vencendo numa discussão. A expressão dele lhe disse que ela adivinhara corretamente, o que era... Não, Esme não ficaria desapontada com aquilo. Não quando o homem que a beijara era Quintus MacLachlann. E então um sorriso lento se abriu no rosto dele. — O que ajuda a provar meu ponto. Meu irmão é da mesma categoria, srta. McCallan, e usaria o mesmo método para silenciar a esposa numa situação similar. — Se isso é verdade — replicou Esme com ceticismo -, nós deveríamos ter alguma espécie de sinal, de modo que eu possa me fortalecer em preparação de seus avanços. Do contrário, estarei propensa a recuar de horror. Sobrancelhas escuras se uniram numa expressão de incredulidade. — Você gostou daquele beijo, ou teria me detido no momento que eu a toquei. Não tente negar. Ambos sabemos que é verdade. Era verdade, como Esme bem sabia; todavia, admitir a veracidade daquela declaração daria a MacLachlann a vantagem, e isso ela não ia fazer. Ele era, no fim das contas, homem, e os homens acreditavam que tinham todo o direito de impor regras às mulheres. Além do mais, ele era um homem muito viril, poderoso e confiante, cujos beijos haviam lhe embotado a razão. Esme deveria tomar cuidado para que aquilo nunca mais acontecesse, ou MacLachlann, sem dúvida, tentaria dominar a situação inteira. E dominála. — Eu não posso negar que você tem facilidade nesse aspecto, MacLachlann, e uma que eu achei momentaneamente interessante. Todavia, não sou a espécie de mulher que se dá a tal tipo de desfrute. Sugiro que você se lembre disso e me dê alguma indicação de que está prestes a me abraçar, antes que tome liberdades novamente, em nome da verossimilhança. MacLachlann cruzou os braços e a estudou com sua insolência usual e irritante. — Que tal uma piscadela? — Não muito sutil, embora meu irmão pareça pensar que você é o modelo da discrição. — Eu sou — replicou Quinn. — Do contrário, você saberia tudo sobre minha vida particular, o que não sabe. — Eu não tenho desejo de saber sobre sua vida particular. 18

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore Apesar de sua resposta honesta, Esme não podia negar que algumas vezes se perguntava onde ele morava e com quem passava seu tempo livre, especialmente depois que ele tinha passado uma noite com Jamie, e ela os ouvira rindo na biblioteca. MacLachlann possuía uma risada atraente, rica, profunda e alegre. — Eu posso olhá-la assim — murmurou ele, trazendo-a de volta ao presente. Era possível que um olhar aumentasse a temperatura do corpo de uma pessoa? De que outra forma explicar a onda de calor que a inundou, enquanto ele a olhava com uma expressão de desejo? Desejo que parecia genuíno. Ela definitivamente não queria encorajar aquilo. — Se isso é o melhor que você pode fazer, eu sugiro outra coisa. Como Esme esperava, a expressão desejosa desapareceu instantaneamente, sendo substituída por indiferença zombeteira. — De que outra maneira você propõe que eu demonstre o enorme desejo que sinto por minha esposa? — Tratando-a com cortesia e respeito — retomou Esme. — É assim que um cavalheiro mostra consideração pela esposa. — Ou pela mãe, ou pelo seu soberano — replicou Quinn. — Um homem deve demonstrar alguma coisa um pouco mais apaixonada por sua esposa, não acha? Ou talvez não concorde, e, nesse caso, eu teria pena de seu marido, se você algum dia tiver um. Aquelas palavras machucaram, porque ela secretamente queria se casar e ter filhos. Mas não estava prestes a deixá-lo descobrir qualquer fissura em sua armadura. — Se você precisa demonstrar afeição por sua esposa em público, um simples beijo no rosto será suficiente. — Muito bem — concedeu ele com um dar de ombros... e para grande alívio de Esme. — Um beijinho no rosto será. Então, virou-se para olhar pela janela e não falou mais uma palavra. Quinn estava satisfeito por Esme ter permanecido em silêncio pelo resto daquele estágio da jornada deles. Não queria discutir com ela mais uma vez, ou ser bombardeado por observações cáusticas. Era o bastante que ela havia deixado claro que considerava abominável fingir ser sua esposa. Quanto àquele beijo... Apesar de ter reagido como se ele a tivesse estuprado ali no assento da carruagem, Esme respondera com paixão surpreendente, pelo menos no começo. Ele não se imaginaria fazendo amor com Esme McCallan ali no assento, o corpo delgado contra o seu, enquanto ele investia profunda e ardentemente, levando ambos ao êxtase. Que Deus o ajudasse; o que estava errado com ele? Estaria fatigado? Com febre? Solitário a tal ponto? Felizmente, eles percorreram somente mais alguns quilômetros antes que a carruagem entrasse num jardim de uma estalagem em Stamford, passando por portões altos e arqueados. A construção de alvenaria com vigas de madeira parecia cheia e movimentada, com diversos hóspedes, assim como criados e ajudantes de estábulos fazendo seu trabalho. Videiras cobriam o muro de pedra que cercava o jardim e se estendiam ao redor das extremidades. Gamelas largas de pedra estavam cheias de água e prontas, e fumaça saía em espirais das chaminés dos cômodos comuns e da cozinha. Apesar de ainda não ser noite, o brilho das janelas predizia boa iluminação de lampiões e velas. Satisfeito por não estar mais chovendo, Quinn ajudou Esme a descer da carruagem, como seus papéis demandavam. Enquanto isso, o dono da hospedaria, um homem magro e pálido, vestindo um casaco liso feito em tear caseiro, gravata, camisa branca e 19

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore calça escura, aproximou-se deles. Um criado mais musculoso saiu do estábulo e foi pegar a bagagem deles do porta-malas. — Bom dia, bom dia! — cumprimentou o dono da hospedaria, o olhar estudando rapidamente as roupas deles e a carruagem. Quinn não duvidava que o homem de meiaidade pudesse estimar o valor quase exato das roupas e carruagens de seus hóspedes. — Vão passar a noite, senhor? — Sim — respondeu Quinn com seu sorriso mais charmoso. — Minha esposa e eu queremos dois quartos. O homem franziu o cenho e coçou sua cabeça quase calva. — Dois, eh? Lamento dizer, mas estamos quase lotados. Eu tenho apenas um quarto vago, e este será bom o bastante para o senhor e sua esposa. Havia um problema. — Tenho certeza de que um quarto será suficiente — disse Esme docemente, enganchando o braço no de Quinn. Foi necessário um grande esforço para não olhá-la fixamente, pois Quinn nunca sonhara que Esme McCallan pudesse soar tão doce e acanhada. Quanto à sensação daquele braço delgado no seu e à possibilidade de compartilhar um quarto... Deus, há quanto tempo ele não fazia amor com uma mulher? Muito tempo, claramente. O que mais poderia explicar o jeito como seu corpo pareceu ganhar vida no instante em que a senhorita insolente e melindrosa, que nunca o olhara, exceto com desgosto, o tocou? Ela mal podia tolerá-lo, enquanto Quinn ficara mais excitado por aquele beijo... E agora por este toque... Do que pelos esforços sedutores da cortesã mais experiente. Determinado a agir como se não estivesse excitado, e como se o relacionamento deles fosse perfeitamente comum, ele lhe deu um tapinha na mão enluvada. — Sim, um quarto está bem. Por favor, leve-nos até lá e peça para que subam com a bagagem em seguida. E vamos querer jantar, é claro. — Quinn já tinha decidido sobre os procedimentos para esta parte da jornada deles, e não via necessidade de mudar isso. — Jantaremos em nosso quarto. Esme apertou mais seu braço. Ele ignorou o aperto, e ela, enquanto eles seguiam o dono da hospedaria, atravessando o jardim, passando por uma porta e entrando numa tavema lotada. Não surpreendentemente, diversas das pessoas dentro do bar se viraram para ver os recém-chegados, e mais que um dos homens olhou para Esme com admiração aberta. Ele podia adivinhar o que eles estavam pensando... Que ela era linda e desejável. Que a levariam para a cama com prazer, se tivessem a chance. Uma sensação primitiva, possessiva o preencheu, e Quinn olhou para os homens com raiva, como se eles fossem ladrões tentando roubar seu bem mais valioso. Não que Esme precisasse desse tipo de assistência. Ela podia colocar um homem em seu devido lugar com um único olhar, ou com algumas palavras ferinas. Na verdade, ele pagaria para testemunhar aquilo... Exceto que ela não podia vê-los. A touca sofisticada de Esme era como viseiras num cavalo, impedindo-a de ver a atenção dos presentes, e impedindo-o de ver o rosto dela. — Aqui está, senhora, senhor — disse o dono da estalagem depois que eles subiram a escada, e ele abriu a porta para um quarto pequeno, porém confortável. Embora houvesse uma cômoda e um lavatório com roupas de cama e banho limpas, a maior parte do espaço era ocupada por uma grande cama cortinada, que parecia ter, no mínimo, duzentos anos de idade. — Quando vocês gostariam de jantar? — As 20h — respondeu Quinn, enquanto Esme andava até a pequena janela dividida por barras verticais e olhava para fora. — Tomaremos o café da manhã às 6h. — Certo, meu lorde. Deixem as botas do lado de fora da porta para limpar, se quiserem. 20

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore — Obrigado. Assentindo com um gesto da cabeça, o dono da hospedaria saiu e fechou a porta, deixando Quintus MacLachlann sozinho num quarto, com uma cama grande e provavelmente muito confortável. E uma linda mulher que o detestava. Pelo canto dos olhos, Esme observou MacLachlann andar em direção à cama cortinada, coberta com uma manta de lã marrom. Ele sentou-se no colchão, como se testando sua maciez... Ou estabilidade. Bom Deus, certamente ele não achava que... — Você, é claro, dormirá no chão esta noite — disse ela, virando-se para encará-lo. MacLachlann deitou-se na cama, apoiou a cabeça nas mãos e cruzou as longas pernas. Ainda estava de botas também... O típico comportamento de um homem egoísta e sem consideração, que só pensava em seu próprio conforto, e não no da pessoa que teria de limpar o cobertor. — Você esqueceu que somos casados? — perguntou MacLachlann como se ela fosse estúpida. Esme fechou as mãos em punhos quando se virou para olhar para um carvalho enorme da extremidade do jardim. Como adoraria tirar aquele sorriso presunçoso do rosto dele! — Supostamente casados, mas não casados de verdade. Você é o último homem na face da Terra com que eu ia querer... Uma visão surgiu na mente dela, de Quintus MacLachlann naquela mesma pose e lugar, nu e sorrindo, com uma expressão sedutora nos olhos. — Querer o quê? — incentivou ele, a voz baixa e rouca, e mais perto também. Ela enrijeceu. Ele tinha saído da cama? Onde quer que MacLachlann estivesse, Esme não queria que ele soubesse que ela estava curiosa sobre qualquer aspecto, então nem sequer moveu a cabeça para olhar no pequeno espelho sobre o lavatório e tentar localizá-lo. — Com quem eu gostaria de me casar — continuou ela. — Se você é o melhor que posso esperar, prefiro ficar solteira. Você é muito insolente, rude, grosseiro e bárbaro, como exemplificado por seu comportamento na carruagem. — Presumo que você esteja se referindo ao beijo. E claro que Esme estava. Como ele poderia pensar que aquele beijo era apropriado, ou que ela apreciaria uma familiaridade tão indesejada? Exceto que tinha apreciado. E muito. Mesmo agora, não conseguia parar de pensar sobre o beijo, imaginando se sentiria a mesma onda de desejo e excitação se MacLachlann fizesse aquilo de novo. — Eu também me refiro ao seu modo imprudente de falar. E à sua postura excessivamente relaxada. — Que Deus me ajude! — exclamou Quinn com uma ironia que era personificada. — Eu não tinha idéia que até mesmo minha postura me condenava aos seus bons olhos! Determinada a não ser intimidada por ele, Esme se virou no quarto, para descobri-lo a poucos centímetros de distância, parecendo o epítome de um bonito cavalheiro... Exceto que ele não era cavalheiro, como ela sabia muito bem. Nem ela era prostituta ou uma mulher vulgar. Era irmã de Jamie McCallan e uma mulher virtuosa, e esperava ser tratada com respeito. — Seu linguajar é inapropriado, assim como foi aquele beijo. — Inapropriado, mas agradável. — Para você, talvez, mas não para mim. Os olhos dele pareceram brilhar com satisfação felina, e o sorriso teria dado crédito a um devasso. — Mentirosa. 21

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore — Você é insuportável! — declarou ela, virando-lhe as costas e passando os braços ao seu redor. — Você gostou quando eu a beijei. Esme continuou olhando para a janela. — Deixe-me em paz. — Eu também gostei. Ela não deveria ouvir. Qualquer coisa que ele dissesse não podia ser levada a sério, e quaisquer sentimentos que um homem como MacLachlann despertasse deveriam ser suspeitos. Apesar do traje e da nova aparência, com o rosto barbeado, que de súbito a lembrou que ele era filho de um conde, ele ainda era um homem desonroso, que provavelmente seduzira centenas de mulheres. Era disso que ela precisava se lembrar, não do desejo que sentira quando aqueles lábios sensuais tinham deslizado sobre os seus com suavidade. — Vá embora! — Você não está falando sério. — Eu lhe asseguro que estou! Houve uma batida à porta. Grata pela interrupção, Esme passou por MacLachlann e abriu a porta, para encontrar o criado musculoso esperando com a mala dela, cheias de roupas novas, atrás de si. — Por favor, coloque-a aos pés da cama — instruiu ela. Outro criado, duas vezes o peso e a idade do primeiro, seguiu com a valise muito menor de MacLachlann. — Ponha esta ao lado da bagagem de minha esposa — disse ele, enfiando a mão no bolso para retirar algumas moedas. Deu-as para os homens, que mexeram nos seus topetes, então partiram. Ignorando MacLachlann, Esme removeu a touca, colocou-a sobre a penteadeira e começou a tirar os grampos de seus cabelos. Ela se sentiria melhor quando seus cabelos estivessem soltos; sempre se sentia. Percebeu que ele a estava observando. — Você precisa ficar me olhando? Os lábios de MacLachlann se curvaram em outro de seus sorrisos insolentes. — Eu a estou deixando nervosa, não é? — É rude ficar olhando assim para uma pessoa. — Se vai me criticar, para começar — murmurou ele ― não deveria olhar para um homem como você estava me olhando esta manhã. — Eu não sei o que você quer dizer. — Você me olhou como se estivesse imaginando como eu seria nu. — Isso não é verdade! — exclamou Esme... E não era. Logo que ele tinha entrado na sala de estar, ela estivera pensando que ele parecia mais bonito nas roupas novas e com o rosto recém— barbeado. Todavia, se admitisse isso, certamente aumentaria a vaidade dele; então disse parte da verdade: — Eu estava preocupada sobre esta jornada e sobre o que temos de realizar. — Você não me acha bonito? Que pergunta convencida! Ele não merecia uma resposta honesta. — Não. Em vez de parecer rejeitado, MacLachlann curvou os lábios no sorriso mais triunfante que ela já vira, enquanto andava na sua direção. — Uma de minhas características é ser capaz de dizer quando uma pessoa não está sendo completamente honesta, e você, srta. McCallan, não está. Esme deu um passo atrás. — Eu não estava visualizando você totalmente nu esta manhã. 22

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore Ela fizera isso mais tarde, mas não naquela manhã. — Não totalmente nu? — Sim! Não, isto é... — Ela bateu as costas no peitoril da janela e não pôde ir mais para trás. — Fique longe de mim! Não ouse me beijar! Com uma expressão que combinava inocência com satisfação, ele abriu os braços. — Srta. McCallan, eu lhe asseguro que não tenho a menor intenção de beijá-la novamente... a menos que você queira que eu faça isso, é claro. Nesse caso, eu não colocarei limites às minhas ações. — Seu... seu... seu! — Esme pôs um dedo no peito dele, como se isso pudesse afastá-lo. — Recue, ou eu pedirei socorro! Quinn não se moveu, seu sorriso se transformando num olhar malicioso. — Você poderia pedir socorro, mas nós somos supostamente marido e mulher, lembra? Isso me dá o direito de fazer com você o que eu quiser. Aquela resposta arrogante, todavia ignorante, enviou uma onda de triunfo através de Esme. — Não, você está errado. Entre outras coisas, a Lei de Habeas Corpus de 1679 afirma que é ilegal para o marido aprisionar sua esposa a fim de forçar relações conjugais. Aquilo o deixou sério, e o olhar malicioso foi substituído por uma carranca. — Suponho que se existe alguma mulher viva que sabe disso é você. Felizmente para nós dois, eu não ia beijá-la. — Agora, quem está mentindo? — acusou ela, embora não fizesse idéia se aquela tinha sido a verdadeira intenção dele ou não. — Não que seria um elogio se você tivesse me beijado — acrescentou com firmeza. — Provavelmente beija quase qualquer mulher com mais de 15 anos e menos de 70, e por motivos insignificantes. — Enquanto você provavelmente nunca mais será beijada! — retrucou ele, antes de virar-se e sair, batendo a porta como o perdulário mimado e arrogante que era. Mesmo se beijasse como um amante carinhoso e compassivo.

Capítulo Quatro

— Eu trouxe seu jantar, senhora — chamou um homem de trás da porta fechada do quarto da estalagem, algum tempo depois. MacLachlann não tinha voltado, e Esme não ficaria surpresa se descobrisse que ele pretendia permanecer na taverna embaixo durante a noite inteira. — Entre — replicou ela, pondo o livro de Direito sobre a mesa ao lado de sua cadeira perto da janela. Depois da saída infantil de MacLachlann, Esme decidira estudar sobre as diferenças entre a lei escocesa e a inglesa, de modo que estivesse preparada. Certamente não ia perder tempo ponderando sobre o estado mental de MacLachlann, ou quaisquer habilidades... sexuais ou não... que ele pudesse possuir. Então o próprio MacLachlann entrou no quarto, carregando uma grande bandeja com diversos pratos cobertos, como se fosse um garçom. Aquele dificilmente era o comportamento de um nobre, e uma possível explicação lhe veio à mente de imediato... Exceto que ele não parecia estar embriagado. Na verdade, 23

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore os passos de MacLachlann estavam notavelmente firmes, como se a bandeja e tudo que havia sobre a mesma não pesassem quase nada. Certa do que dizer ou fazer, Esme pegou seu livro e saiu do caminho, de modo que ele pudesse colocar a bandeja sobre a mesa. — Você vai estragar sua vista lendo no escuro — murmurou ele com suavidade, como se eles não tivessem discutido mais cedo. Se MacLachlann podia ignorar o que tinha acontecido, então ela também podia. — Ainda estava claro o bastante para ler. E eu noto que um conde dificilmente carrega uma bandeja. — Ele carrega se estiver com fome. Eu também disse a eles que queria agradar minha esposa depois de uma discussão tola. Aquilo explicaria a porta sendo batida, se outras pessoas tivessem ouvido, e provavelmente tinham. MacLachlann gesticulou para que ela se sentasse. — O jantar está servido, minha esposa. Apesar de Esme não considerar a discussão anterior tola, eles precisavam trabalhar juntos, portanto ela se comportaria como se houvesse uma trégua entre os dois. Pondo o livro em cima de sua mala, sentou-se à mesa antes de remover o guardanapo cobrindo uma pequena cesta de pão recentemente assado. O cheiro era maravilhoso. Enquanto isso, MacLachlann sentou-se em sua cadeira com sua usual flexibilidade e graça masculina. Ele se movia como se fosse parcialmente gato. — Suponho que este não é um romance — comentou ele, gesticulando com a cabeça para o livro de Esme, enquanto passava manteiga no pão. — E sobre hipotecas e notas promissórias — replicou ela, tirando a tampa da travessa diante de si antes de revelar um bife escuro e rico, com cenouras e batatas em molho ferrugem. O aroma era quase tão bom quanto o do pão. — Deus me livre! E você não caiu no sono? — Eu gosto de pesquisas. — Eu ouso dizer que existem algumas pessoas que gostam de ter seus dentes arrancados também — observou MacLachlann enquanto se servia de legumes. Apesar da necessidade de se dar bem com ele, tanto o tom de voz quanto as palavras de MacLachlann a irritavam. — Assim como eu suponho que existem algumas pessoas que gostam de beber em excesso. — Eu nunca fui uma delas. — Verdade? — replicou Esme em tom irônico, enquanto continuava a comer com prazer. — Eu não nego que costumava me embriagar, e com freqüência. Nego ter gostado disso algum dia. — Então por que você bebia? MacLachlann ergueu os olhos e a fitou com uma franqueza que a desarmou. — Para esquecer O quê?, queria perguntar ela. O que ele queria esquecer? A família? Algum passado pecaminoso? Uma mulher? Mas se perguntasse e ele respondesse com aquela aparente honestidade, ela poderia começar a se importar com ele. MacLachlann olhou para seu próprio prato de comida. — Eu era um tolo, mergulhado era autopiedade e pondo a culpa de todas as minhas desgraças em outros... os jogadores que ganhavam aquele dinheiro que eu tinha, meus supostos amigos, que me abandonaram quando nada mais me restava. Meu pai, que nunca gostou de mim. O resto de minha família, com quem eu não tinha nada em comum. Acredito que culpei até mesmo minha mãe por ter morrido quando eu era criança. Era 24

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore mais fácil fazer isso do que admitir ter cometido erros terríveis. Então, uma noite, eu me encontrei na ponte da Torre, sozinho, bêbado, sem dinheiro nenhum, pensando que faria um favor ao mundo se pulasse na água e nunca subisse à superfície. Ele ergueu os olhos para fitá-la novamente. — Foi quando seu irmão me encontrou. Ele soubera que eu estava em Londres através de um de meus amigos falsos que Jamie estava representando, e saiu para me procurar. Ele me levou para uma estalagem, comprou meu jantar, disse que queria a minha ajuda, e que me pagaria por isso. Eu nunca mais bebi desde então. Enquanto MacLachlann fazia aquela confissão inesperada, Esme descobriu que não podia mais encontrar-lhe o olhar. Sempre pensara que ele não sentisse vergonha ou remorso por sua juventude desperdiçada. Como estivera errada! Nunca tinha ouvido um arrependimento tão sincero. No entanto, tudo que conseguiu expressar em resposta daquela confissão foi um fraco: — Oh. Se falasse mais, o que poderia confessar? Que nunca vira contabilidade tão excelente? Que o achava incrivelmente bonito? Que quando o ouvia rir queria rir também? Que havia ficado atordoada de desejo quando ele a beijara na carruagem? — Acabou? — perguntou ele, a voz tão casual como se eles estivessem discutindo o preço do chá. Assim como a de Esme deveria ser, apesar das batidas aceleradas de seu coração. — Sim — disse ela, empurrando o prato. MacLachlann se levantou e foi tocar o sino pendurado da pequena lareira, a fim de chamar um criado, e então retomou. — Eu não espero que entenda por que eu bebia — murmurou ele em tom baixo, olhando-a com o cenho franzido. — Não imagino que você tenha feito alguma coisa errada em sua vida. Ela não podia encontrar-lhe o olhar, e não podia mentir. — Uma vez eu roubei um xelim de Jaraie. Senti-me tão culpada que nunca o gastei. Eu o tenho até hoje, numa caixa em meu quarto. Até agora, a culpa por seu pequeno pecado a devastava e a fazia se sentir envergonhada. De qualquer forma, arriscou uma olhada para MacLachlann, para vê-lo sorrindo com deleite. — Meu Deus, estou me associando com uma criminosa! Embora o que ela tivesse feito não fosse um grande crime, Esme imediatamente se arrependeu de ter revelado seu segredo. MacLachlann parou de sorrir. — Bom Deus, acho que você se sente pior sobre isso do que eu me sinto sobre — ele movimentou os ombros largos num gesto de indiferença — algumas das coisas que fiz e que são muito piores. Gostei muito de você ter me confidenciado isso, minha florzinha, e fique tranqüila, seu segredo está seguro comigo. Ele falou com tanta sinceridade que ela acreditou que MacLachlann guardaria seu segredo. Embora isso fosse um alívio, Esme não podia evitar se perguntar por que ele estava sendo subitamente tão gentil, tão sincero, tão sério e cavalheiro. E por que ela achava tão fácil acreditar que MacLachlann estava sendo honesto sobre guardar seu segredo, e se ele realmente faria isso? Enquanto lhe estudava os olhos, tentando decidir se podia mesmo confiar nele, outra batida indesejada à porta anunciou a chegada de um criado para levar a bandeja. Enquanto MacLachlann esperava em silêncio, Esme pegou seu livro, pretendendo ler. Estava tentando agir como se nada de extraordinário tivesse acontecido, e como se ficasse na companhia de um homem... Um homem bonito e sedutor... Todas as noites. 25

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore Depois que o criado saiu, ela prendeu a respiração, esperando que MacLachlann também saísse. Ele não saiu. Sentou-se na cadeira à sua frente, e não falou uma palavra. O silêncio dele era tenso e enervante, preenchendo-a com insegurança e nervosismo, porque... Porque ele estava ali, observando-a. Finalmente, depois de ler o mesmo parágrafo cinco vezes, ela não aguentou mais. Fechou o livro e disse: — Eu gostaria de me recolher. — Por favor, faça isso — replicou ele, e estendeu as longas pernas à frente. — Eu gostaria de dormir — acrescentou Esme de maneira veemente. — Eu também. — Você deve descer até que eu esteja na cama. Então pode retomar e dormir no chão. Pode ficar com o cobertor — Quanta generosidade. Todavia, eu já vi o bastante da taverna e seus clientes por hoje, especialmente se você espera que eu durma no chão. — Onde mais você poderia...? O olhar de MacLachlann foi para a cama. Bom Deus! — Nunca! — exclamou ela, levantando-se num salto. — Nem aqui, nem em Edimburgo! — Acalme-se, srta. McCallan — murmurou ele, levantando-se também. — Eu não tenho o menor desejo de fazer amor com você esta noite, ou algum dia. Esme acreditava naquilo também, e sentiu a mais ridícula onda de desapontamento. E apesar de não haver uma mudança óbvia no semblante de MacLachlann, ela teve a terrível impressão de que ele podia sentir aquele desapontamento. Esme endireitou os ombros imediatamente. — Se você me tocasse, eu o teria acusado de tentativa de estupro. — Duvido — disse ele, enquanto ia para a porta. — Isso significaria contar ao mundo que nós não somos realmente casados. Com a mão no trinco, ele pausou e olhou para ela, a expressão enigmática. — Boa noite, florzinha. Depois que ele saiu, Esme se sentou na cama e esfregou suas têmporas. Mesmo por Jamie, como ela suportaria aquela situação insustentável com o homem mais insolente e irritante da Inglaterra? Que a fazia se sentir tentada além da razão.

Pelo que tudo indicava, MacLachlann tinha se arrependido de suas revelações, uma vez que parecia não ter mais desejo de conversar enquanto eles continuavam a viagem para a Escócia. Infelizmente, Esme não conseguia ignorá-lo com tanta facilidade. Durante o dia, quando MacLachlann se acomodava num canto da carruagem, dormindo ou olhando pela janela com fisionomia mal— humorada, ela era capaz de preencher sua mente com precedentes legais e possíveis cenários que pudessem explicar os problemas financeiros do conde; à noite, todavia, quando eles paravam numa estalagem e tinham de representar seus papéis de marido e esposa, era muito mais difícil provar que ele não estava lá. Pelo menos MacLachlann nunca mais fizera drama sobre dormir no chão. Todas as noites ele saía do quarto enquanto ela se preparava para se recolher, então retomava quando Esme já estava na cama, e presumivelmente dormindo. 26

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore Mas ela só fingia dormir, para evitar outro confronto. Mais de uma vez havia sido recompensada... Ou amaldiçoada... Pela visão das costas nuas de MacLachlann, com músculos poderosos e algumas cicatrizes marcando a pele cor de mármore. Os ombros e os braços eram bastante musculosos, como se ele tivesse passado diversos anos remando um barco. Ou lutando boxe. Ou praticando esgrima. O resto do corpo dele era todo proporcional, forte e bem-delineado. Então agora, durante o dia, ela estava quase sempre ciente do corpo de MacLachlann sob as roupas novas dele, mesmo enquanto lembrava a si mesma que ele era Quintus MacLachlann, e eles tinham um trabalho a fazer que exigia sua máxima atenção. Finalmente, contudo, o castelo de Edimburgo apareceu a distância, e a cidade abaixo pôde ser avistada. Esme não ficou surpresa quando a carruagem foi em direção à cidade nova, onde todos da nobreza e da aristocracia viviam desde o Grande Confronto, no fim do século anterior, quando eles haviam abandonado a parte interna e mais velha da cidade por casas melhores e mais novas. MacLachlann continuou olhando pela janela, uma profunda expressão insatisfeita cobrindo suas feições. Ou ele estava irritado com ela, ou tão preocupado com a habilidade de ambos de atingir o objetivo deles quanto Esme. Uma terceira opção era que Edimburgo não lhe trouxesse lembranças felizes. Considerando o que ela descobrira sobre MacLachlann, não ficaria surpresa se descobrisse que a união desses três motivos tivesse levado aquela expressão ao rosto dele. A carruagem parou do lado de fora de uma casa de pedra imponente, de três andares, com uma enorme claraboia acima da porta. Ela imaginara que a casa de um conde seria grande e bonita; mesmo assim, não estivera preparada para uma casa do tamanho de um palácio, com uma abundância de janelas e portas duplas pretas que brilhavam como piche líquido. Sem dúvida havia um jardim de inverno nos fundos, além de uma cocheira e estábulos para cavalos e carruagens. — Lar, doce lar — murmurou MacLachlann com ausência de qualquer coisa remotamente parecida com alegria quando as portas da casa se abriram e um mordomo apareceu na soleira, o semblante sério e grave. MacLachlann praguejou e, antes que ela pudesse perguntar qual era o problema, disse: — É McSweeney. Ele está com a família desde sempre. — Acha que ele irá reconhecê-lo? — perguntou ela, tentando esconder sua própria preocupação com aquela mudança de eventos inesperada. — Se ele me reconhecer, nós teremos de lidar com isso. Em caso negativo, ele provavelmente fará todo o possível para me evitar, pois nunca gostou de Augustus. — E lembre-se de agir de maneira enfadonha e superficial, escondendo sua inteligência — acrescentou ele. — Atrevo-me a dizer que os criados ficarão mais curiosos a seu respeito do que sobre mim. Isso não era exatamente confortante, pensou Esme quando um lacaio uniformizado saiu de trás do mordomo, descendo os degraus e abrindo a porta da carruagem. MacLachlann desceu, então estendeu a mão para ajudá-la a fazer o mesmo. Ela tentou ignorar o calor da mão dele, assim como a expressão, que poderia ser encorajamento, quando pisou no pavimento. — McSweeney, meu velho! — exclamou MacLachlann enquanto eles começavam a subir os degraus. — Pensei que você devesse estar morto a essa altura. — Como pode ver, meu lorde, eu não estou — replicou o mordomo, soando exatamente como um coveiro num cemitério. — Nem foi contratado por outra família? — perguntou MacLachlann. — Eu estava trabalhando com outra família, até que seu advogado me questionou sobre a possibilidade de retomar para a Casa Dubhagen, meu lorde. 27

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore — Ele lhe ofereceu um bom dinheiro também, não duvido. É isso que um advogado faz por você, sempre pronto a gastar o dinheiro do cliente. Esme apertou-lhe o braço pelo insulto, mas MacLachlann a ignorou, enquanto eles continuavam entrando na casa. MacLachlann olhou para trás quando o mordomo ordenou que o cocheiro levasse a carruagem para uma construção anexa ao estábulo, então sussurrou com óbvio alívio e deleite: — McSweeney não mostrou o menor sinal de reconhecimento. Se podemos enganálo, podemos enganar qualquer um. Esme estava aliviada também, mas não conseguia compartilhar a confiança de MacLachlann. Para começar, ele tinha sido criado para aquele papel. Ela não. Também não tinha crescido num ambiente tão opulento. Uma mesa redonda de mogno, com um enorme vaso oriental repleto de rosas, jazia no centro do foyer com piso de mármore, o cheiro delas perdido entre os aromas mais fortes de cera de abelha e limões. Copos estavam pendurados em paredes verdes, decoradas com um bonito trabalho em gesso branco. Duas criadas de meia-idade, segurando vassouras e pás de lixo, encontravam-se no corredor que levava para os fundos da casa. Um garoto cora um recipiente para carvão vazio espreitava perto de uma porta que provavelmente levava a uma escada para o andar de baixo. Outro lacaio em uniforme vermelho esperava junto à porta que possivelmente conduzia à sala de estar, e mais três criadas olhavam para baixo, de um andar acima, alcançável por uma larga escadaria. — Providencie para que nossas malas sejam desfeitas imediatamente — ordenou MacLachlann com um gesto casual de uma das mãos. — Eu mesmo levarei a lady ao seu quarto. Suponho que esteja pronto? — Certamente, meu lorde — replicou o mordomo. — Seu advogado contratou uma excelente governanta, de modo que tudo está preparado, apesar da falta de tempo. MacLachlann se voltou para o mordomo com uma velocidade chocante. — Você está tentando me criticar, McSweeney? — demandou ele. Assustado, o pobre homem deu um passo atrás. — Não, meu lorde. É claro que não, meu lorde. — Ótimo. — MacLachlann se dirigiu a Esme, como se esse confronto nunca tivesse acontecido. — Vamos, minha querida. Ele lhe deu aquele... Aquele olhar. Ela ficou tensa, esperando por um beijo. Ele a puxou para mais perto... E apertou-lhe o traseiro. Esme necessitou de cada gota de autocontrole que possuía para não esbofeteá-lo, principalmente quando viu o olhar dissimulado de divertimento no rosto bonito, e os olhos azuis brilhando de um jeito que fez o sangue correr mais rápido nas veias dela. Então, sem uma palavra ou sequer um olhar de aviso, MacLachlann a ergueu nos braços e começou a ir em direção à escada. Horrorizada e com medo de que ele a derrubasse, Esme lhe envolveu o pescoço com os braços. Ia demandar que ele a pusesse no chão imediatamente, até que viu a expressão atônita do mordomo. Esme tinha um papel a representar, e assim deveria fazer; então, em vez disso, sussurrou alto o bastante para que o mordomo e os outros criados ouvissem: — Ponha-me no chão, benzinho, ou o que os criados irão pensar? Ele não respondeu enquanto continuava subindo a escada. Incerta do que fazer, Esme começou a tagarelar como uma tola: — Oh, você é um homem tão romântico! Fico feliz que seja tão forte. E não me contou que sua casa era tão magnífica, benzinho, ou eu teria lhe pedido para me trazer aqui antes. Todo aquele tempo me cortejando, e você nunca disse nada. E seus criados... todos tão educados. Espero que eles gostem de mim! 28

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore Ele continuou silencioso enquanto eles passavam pelas criadas, que abaixaram a cabeça em reverência. Talvez Augustus não fosse um homem loquaz. MacLachlann a carregou ao longo de um corredor repleto de retratos, pinturas e paisagens, as paredes pintadas de azul-claro, até que eles chegaram em um quarto quase no fim do corredor. Finalmente ele falou, assim que eles atravessaram a soleira: — Esta é a câmara de minha lady. Distraída, enquanto era carregada como uma inválida, Esme não pôde deixar de notar que aquele era um quarto lindo. Os papéis de parede eram estampados com um delicado design de verde-claro e azul; as cortinas, de veludo, eram verdes, e os móveis de madeira polida brilhavam de modo espetacular. Entretanto, o ambiente era menos importante do que o fato de que MacLachlann ainda a segurava nos braços. — Você pode me pôr no chão agora. Ele fez isso, lentamente. Muito lentamente. O corpo de Esme perto do seu. Muito perto. De súbito, a expressão de MacLachIann se tomou sombria, e o coração de Esme quase parou enquanto se perguntava o que tinha feito. — Quem é você? — demandou ele, e Esme percebeu que ele estava se dirigindo a alguém atrás dela. Virou-se rapidamente e viu uma mulher num vestido de lã inteiro cinza e touca branca, com um travesseiro na mão, parada do outro lado da cama cortinada em tecido de seda azul-clara. Ela devia ser uma criada, pensou Esme, e uma mulher muito bonita também, apesar de não ser tão jovem quanto supôs no começo. Imediatamente desejou que não precisasse se preocupar sobre seu suposto marido seduzir criadas. — Sou a sra. Llewellan-Jones, a governanta, meu lorde. Não foi informada de sua chegada — acrescentou a mulher com um sotaque galés, enquanto se curvava numa cortesia, e encontrava o sorriso encantador de MacLachIann com o cenho franzido. Esme de repente teve quase certeza que, se MacLachIann tentasse seduzir a governanta, a sra. Llewellan-Jones seria capaz de resistir a ele. Enquanto ela, aparentemente, e para seu desgosto, não era. — Ah. O advogado a contratou também? — perguntou MacLachIann. — Sim, meu lorde. Eu estava recentemente trabalhando para lorde Raggles. — Como está o velho Rags? — indagou MacLachIann, com um de seus sorrisos charmosos, enquanto Esme andava em direção a um armário enorme perto da porta. — Lorde Raggles estava muito bem da última vez que eu o vi, meu lorde — respondeu a sra. Llewellan-Jones. — Fico contente em saber. Agora, se nos der licença, sra. Jones, minha esposa e eu gostaríamos de descansar antes do jantar. Esme enviou-lhe um olhar irritadiço, então enrubesceu quando viu o olhar no rosto dele. — É Llewellan-Jones, meu lorde, e o que gostaria que fosse feito com sua bagagem? — As malas podem ser levadas para o quarto de vestir e desfeitas... mas ninguém deve entrar neste quarto até que toquemos a sineta para chamar um criado. Até...? O que ele estava pensando? — Como desejar, meu lorde. Minha lady — murmurou a governanta, sua fisionomia serena enquanto saía do quarto e fechava a porta silenciosamente.

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Capítulo Cinco

Vigilante e pronta para qualquer coisa, Esme esperou enquanto prendia a respiração. Felizmente, MacLachlann não se aproximou mais. Ele enfiou as mãos nos bolsos da calça e permaneceu parado, observando ao redor do quarto. — Vejo que Augustus não pagou por nenhuma redecoração. Determinada a agir como se estivesse totalmente calma, Esme começou a remover suas luvas. — Era tão necessário agir de maneira tão primitiva? Eu não sou uma das mulheres sabinas para ser carregada através da seleira da porta. — Pareceu apropriado — respondeu MacLachlann distraidamente, enquanto andava até um espelho longo, que estava rachado num canto. — Meu Deus, este lugar está em piores condições do que eu imaginava. Augustus devia ter vendido a casa, se ia deixá-la cair em ruínas. — Talvez ele espere retomar e reformá-la algum dia. — Talvez, mas eu duvido — disse MacLachlann, enquanto continuava em direção à penteadeira vazia, passando um dedo ao longo do tampo, como se procurando poeira não existente. Apesar do mau estado de conservação, era óbvio que o quarto tinha sido limpo recentemente. — Parece que seu advogado contratou um número considerável de criados. — Augustus sempre teve um número considerável de criados. — Pelo que, presumo, meu irmão está pagando? — perguntou enquanto começava a tirar os grampos de seus cabelos e os colocava um a um sobre a penteadeira, formando uma pequena pilha organizada. — Eu, com certeza, não teria tido condições financeiras para isso — admitiu MacLachlann, sem a menor vergonha. — Jamie estava ciente de que haveria custos consideráveis, por mais que eu tente economizar. — E você tenta? — questionou ela. — O máximo possível. Todos os gastos serão registrados e comprovados. Enquanto Esme comprimia os lábios com desdém, pois o dinheiro ainda seria gasto, ele foi para a janela e abriu as cortinas, olhando para o que devia ser o jardim dos fundos. — Eu não acho que estaria disposto a gastar tanto para ajudar uma mulher que me rejeitou — comentou ele baixinho, como se pensando em voz alta. Ela também não estaria disposta a ajudar um homem que partira seu coração, concordou Esme silenciosamente, mas não ia fazer mais nenhuma confissão para MacLachlann. — Meu irmão é um homem muito gentil e generoso. — Com certeza — murmurou MacLachlann -, ou ele teria me deixado na ponte da Torre. Ele se virou no quarto, e ela lamentou ver que a expressão geralmente sardônica e zombeteira tinha retomado às feições dele. — Ainda bem que eu nunca me apaixonei. Ele nunca se apaixonara? — E quanto a você, srta. McCallan? Algum jovem cavalheiro já mexeu com seu coração? Como se ela fosse lhe contar, caso isso tivesse acontecido! 30

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore — Não. — Imaginei que não — disse ele com outro sorriso irritante. Então, sem uma palavra de aviso ou explicação, ele de repente se jogou sobre a cama e rolou em cima do colchão, como se estivesse possuído. — Que diabos você está fazendo? — Fazendo parecer como se nós estivéssemos engajados em relações maritais íntimas. — Para quê? — Eu lhe avisei que os homens na minha família são apaixonados. Apaixonada não era como ela definiria a ação de MacLachlann. — Que infelicidade para as mulheres de sua família... serem sempre exploradas. — Exploradas? A típica fala de uma virgem. Esme não permitiria que ele a fizesse se sentir envergonhada ou ignorante. — É claro que eu sou, e assim permanecerei até que me case. Ele saiu da cama e ficou de pé num único movimento. — Até este dia, se realmente acontecer... ou, devo dizer, até o dia após o evento abençoado... eu não presumiria comentar como outras mulheres se sentem sobre as atenções apaixonadas de seus maridos. Enquanto ela enrubescia e tentava pensar numa resposta apropriada, ele seguiu em direção a uma porta na parede à direita de Esme. — Agora, se você me dá licença, minha florzinha, eu irei trocar de roupa. — Este não é o meu closet? — Nossos quartos são anexos. Como eu disse, os homens em minha família são apaixonados — replicou ele, dando-lhe outro sorriso sardônico antes de sair do quarto. Naquela noite, a delicada porcelana brilhava sobre a longa mesa coberta com toalha de linho, pratarias, cristais e iluminada por velas em castiçais de prata, na enorme sala de jantar do conde. Lacaios estavam prontos para servir o lorde e a lady, com o mordomo para supervisioná-los. Esme, todavia, estava cega para as glórias do cenário sofisticado, e mal sentiu o gosto da excelente refeição. Estava descobrindo que não era tão fácil fingir ser ignorante e tola, como imaginara que fosse. Não somente tinha de tomar cuidado com o que falava constantemente, mas usar roupas caras, como aquele lindo vestido decolado de seda verde-esmeralda, era também um tormento para seus nervos. Ela temia que pudesse derrubar vinho ou sopa, um pedaço de peixe com molho ou rosbife no tecido fino e arruiná-lo. Não ajudava que MacLachlann estava se deleitando no papel de lorde da mansão, enquanto Esme precisava se restringir ao seu papel de esposa ignorante e superficial. Ou que ele parecia ainda mais bonito em trajes noturnos. O corte do paletó preto acentuava-lhe os ombros largos, enquanto uma calça justa enfatizava-lhe as pernas musculosas. — Sim, o melhor cavalo castrado que acho que eu já vi — disse ele, referindo-se ao cavalo selado que tinha comprado em Londres com o dinheiro de Jamie, e enviado para Edimburgo, como se não houvesse bons cavalos na Escócia. Ela tremeu interiormente ao considerar quanto um animal como aquele e seu transporte deveriam custar. — Deve dar um bom lucro se eu algum dia decidir vendê-lo — comentou ele. Ele estava lhe dizendo que aquele seria o destino do cavalo quando a missão deles estivesse terminada? — Você o venderia? 31

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore — É claro. Se pudesse conseguir o preço certo, eu o venderia amanhã. Então, ele não pretendia manter o animal... Graças a Deus. — E muito provável que eu consiga um excelente preço por ele aqui. Não há cavalo melhor em Edimburgo... provavelmente na Escócia inteira. Acredito que sua égua também dará um bom lucro. Esme quase derrubou seu garfo de prata. — Você comprou dois cavalos? — Então, ela lembrou que deveria ser burra, e acrescentou com uma risadinha, enquanto arregalava os olhos: — Não está dizendo que comprou um cavalo para mim, está? Eu não monto. Aquilo era verdade. Quando Esme começara a crescer na região das Terras Altas, eles não tinham tido condições financeiras de adquirir um cavalo. Jamie aprendera a cavalgar mais tarde; ela nunca aprendera. MacLachlann riu, e dessa vez ela não achou o som da risada tão atraente. — Bem, agora que nós estamos em casa, você terá de aprender. Se houvesse um bom momento para ser enfadonha... Ela bateu palmas como uma suplicante arrependida. — Mas, benzinho, cavalos são tão grandes e altivos, tenho certeza de que eu vou cair. Você não ia querer sua amada machucada, ia? E não me obrigaria a fazer alguma coisa que eu realmente não quero fazer, ia? Ele pareceu levemente irritado. — Não há nada para temer. É apenas um cavalo. De maneira teimosa, Esme pôs o guardanapo nos olhos e fungou, como se estivesse chorando. — Meu benzinho vai ser cruel com sua doce amada? MacLachlann fez uma careta enquanto pegava seu cálice de cristal com excelente vinho tinto. — Se você não quer mesmo cavalgar, muito bem, não cavalgue. — E você venderá a égua? Ele franziu o cenho por um momento, então foi como se subitamente tivesse deparado com uma visão angelical. — Provavelmente eu consiga fazer um negócio ainda mais lucrativo com a égua — declarou MacLachlann com óbvia satisfação. — Então, sim, irei vendê-la. Um brilho predatório surgiu nos olhos azuis de MacLachlann. — Enxugue suas lágrimas, meu anjo, e venha dar um beijo no seu marido. Com os criados na sala, o que Esme podia fazer senão obedecer? Então, ela fez aquilo, mantendo os olhos baixos, com discrição, e enviando um olhar aparentemente encabulado para o lacaio mais perto, antes de dar um beijo rápido no rosto de MacLachlann. Contudo, antes que pudesse se afastar, ele deslizou um braço ao seu redor e a puxou para mais perto. O tal olhar estava evidente enquanto ele lhe acariciava o rosto com gentileza. O toque era quente e suave, leve como uma pena, todavia o bastante para despertar cada terminação nervosa no corpo de Esme e fazê-la se lembrar da cena de MacLachlann deitado na cama. — Como eu posso negar alguma coisa a você? — perguntou ele suavemente, como se estivesse falando a verdade. O coração de Esme disparou, e suas pernas pareceram fracas como geleia. Como ela desejava que aquilo fosse verdade... Não, não desejava! Não podia desejar! Aquele ainda era Quintus MacLachlann, e ele estava apenas fingindo. Não havia sentimento verdadeiro atrás daquela ação e daquele olhar. O homem era simplesmente um grande ator... E ela não podia se esquecer disso. — Não na frente dos criados, benzinho — murmurou ela, afastando-se. 32

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore Ele não protestou quando ela voltou apressadamente para sua cadeira. Graças a Deus a refeição estava quase acabando... Todavia, o que aconteceria em seguida? Esme descobriu logo. MacLachlann bebeu o resto do vinho, afastou a cadeira da mesa e se levantou. — Boa noite, minha querida — disse ele. — Eu a verei no café da manhã. Ela não esperara por aquilo. — Você já vai se recolher? Ele meneou a cabeça. — Eu vou para o clube dos cavalheiros. Não sei a que horas voltarei. Durma bem, fiorzinha. — Eu tentarei — replicou ela, esforçando-se para esconder sua irritação por não ter sido informada daquele plano. — Não chegue muito tarde, benzinho. Foi um dia longo e cansativo. A expressão maliciosa no rosto de MacLachlann não teria parecido estranha num romano no meio de uma orgia. — Para você, talvez — disse ele, e saiu da sala. Cedo no dia seguinte, Esme andava de um lado para o outro na saleta da condessa. Estava muito agitada para prestar atenção no papel de parede retratando pavões e rouxinóis, ou para o trabalho ornado em gesso. Sua mente mal registrou que as cadeiras delicadas eram douradas, ou que a escrivaninha de madeira era lindamente entalhada, como teria registrado em outra ocasião, porque ela estava exausta. Tinha ficado acordada na cama por horas, esperando pelo retomo de MacLachlann. Finalmente adormecera perto do amanhecer, apenas para sonhar com Quintus MacLachlann como um sátiro, com chifres, pernas peludas e uma barba em formato de V. Ele a tinha perseguido e a capturado, rindo enquanto a deitava no solo e... Pior, em vez de ficar horrorizada, Esme tinha ficado excitada pelo abraço selvagem. Apaixonadamente excitada. Ela pressionou os dedos nos olhos fechados, tentando esquecer aquele sonho vivido. Devia ser o vinho. Ela geralmente não bebia mais do que uma única taça, e na noite anterior tinha bebido três. Agora já passara da hora do café da manhã, e MacLachlann ainda não havia retornado. Ele realmente fora ao clube de cavalheiros, perguntou-se Esme pela centésima vez, ou para algum outro lugar? Retomara para os lugares que um dia freqüentara em Edimburgo, e, em caso positivo, quanto tempo levaria antes que alguém percebesse que ele não era o conde, mas o irmão do homem? — Bom Deus, que noite! Ela se virou e viu MacLachlann inclinado contra a moldura da porta. Ele estava com a barba por fazer e descabelado, a gravata frouxa ao redor do pescoço, os primeiros botões da camisa abertos, expondo boa parte da clavícula. Também parecia extremamente exausto... E ainda assim era o homem mais atraente que a maioria dos homens que ela já vira na vida. E pelo estado desalinhado e exausto, ele só podia culpar a si mesmo. Se não tivesse saído, poderia ter passado a noite dormindo entre lençóis limpos e passados, numa cama macia, numa bonita câmara perto da dela. Muito perto da dela. Esme observou enquanto ele andava para a cadeira mais próxima e se sentava, como se as pernas estivessem bambas. MacLachlann fechou os olhos.

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HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore — Eu nunca me senti mais entediado na vida! — disse ele com um longo suspiro sofredor. — Tudo que eles falavam era sobre cachorros e cavalos... e nem mesmo sobre cavalos de corrida. Apenas cães caçadores. Eu pensei que fosse enlouquecer. Certamente parecia que ele tinha ido a um clube de cavalheiros, o que causou um grande alívio em Esme, maior do que ela estava preparada para admitir. Entretanto... — Se estava tão tedioso, por que você ficou tanto tempo lá? Ele abriu os olhos. — Porque eu pensei que pudesse ouvir alguma coisa útil, é claro. E ouvi. Se o conde está tendo dificuldades financeiras, esse não é o estado geral das coisas entre a nobreza daqui. Se fosse, duvido que eles estariam gastando tanto em cães de caça e cavalos. — MacLachlann voltou a fechar os olhos. — Pelo menos achei um comprador para a égua, disposto a pagar um bom preço, e poderei vender o cavalo castrado para ele e ter um excelente lucro também, antes de voltarmos para Londres. Esme se sentou na beira da cadeira dourada perto da escrivaninha e, distraidamente, levantou a tampa do tinteiro. Estava tão seco quanto o deserto do Saara. — Ninguém questionou a sua identidade, espero. — Eu mal reconheci qualquer um deles, portanto não, ninguém questionou a minha identidade, florzinha. Ela cruzou os braços. — Por favor, não me chame assim. Ele se levantou e andou até ficar diante dela, os braços cruzados, o peso sobre uma das pernas. — Você vai continuar me chamando de benzinho? Ela não deveria permitir intimidade... que ele a intimidasse. — Eu paro de chamá-lo de benzinho se você parar de me chamar de florzinha. MacLachlann assentiu: — Muito bem. Estamos combinados. Agora eu vou dormir. — Ele começou a ir em direção à porta, então parou e olhou para trás, sorrindo. — Sem um beijo de boa-noite? Esme ficou tensa: — Uma vez que nós estamos sozinhos, e é quase de tarde, certamente não. — Que pena. Você beija tão bem... para uma novata — disse ele enquanto abria a porta. Apenas alguns dias atrás Esme teria ficado tentada a jogar o tinteiro vazio na cabeça dele, por tão condescendente observação. E agora? Agora ela mal sabia o que fazer com Quintus MacLachlann. Duas horas depois, Esme estava sentada à escrivaninha. Onde antes o delicado móvel estivera vazia como o tinteiro, agora estava equipado com diversas folhas pautadas, penas e um canivete para afiá-las. O tinteiro havia sido preenchido com a mais fina tinta indiana. Ela dera um pouco do dinheiro de sua mesada para que o mordomo comprasse os artigos necessários para escrever. Esme não incluiu esse detalhe na carta que estava escrevendo para seu irmão, apenas que eles tinham chegado bem, que o plano parecia estar dando certo, e que MacLachlann já conseguira obter algumas informações úteis no clube do irmão. Ela havia acabado de relatar na carta a observação de MacLachlann sobre a aparente prosperidade da nobreza quando McSweeney chegou, trazendo um cartão numa bandeja de prata. — Você está em casa, minha lady! Esme pegou o cartão e franziu o cenho ao ver quem estava esperando, antes que erguesse a cabeça. 34

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore — Sim, estou. Quando o mordomo se retirou, Esme fechou a escrivaninha e alisou seu belo vestido verde-claro. Tão bem-vestida, sentiu-se mais em pé de igualdade com lady Catriona McNare, a soberana de Duncombe, que destruíra o coração e a felicidade de seu irmão.

Capítulo Seis

Enquanto Catriona entrava no quarto, Esme tentou não olhá-la fixamente. E claro que soubera que Catriona estaria mais velha... Todos eles estavam. E Catriona estava vestida de maneira tão sofisticada como sempre, num adorável casaco de pele cinza, com acabamento em preto, e chapéu cinza com fitas de veludo pretas, combinando com o casaco. Então não foram as roupas ou o comportamento dela que surpreenderam Esme, foi a mudança nas feições da mulher. Esme só a vira uma vez, naquela noite fatídica, quando Catriona rejeitara Jamie, mas nunca se esqueceria da beleza juvenil que tinha despedaçado o coração de seu irmão. O rosto de Catriona, na época, era redondo e suave, as bochechas, altas e rosadas. Agora, ela estava pálida e magra demais. Os olhos verdes revelavam uma expressão melancólica, não diferente da de Jamie quando, sem perceber que Esme o estava observando, ele olhava pela janela da sala de estar numa tarde chuvosa de domingo. — Olá, srta. McCallan — disse a soberana de Duncombe depois que uma rápida olhada ao redor lhe assegurou de que estavam sozinhas. — Eu não posso agradecê-la o bastante por vir a Edimburgo para me ajudar, ou ao seu irmão por tê-la enviado. Embora ela tivesse mudado, e por mais grata que se sentisse, aquela ainda era a mulher que tinha rejeitado seu irmão porque ele era pobre e insignificante para se casar com a filha de um conde. — Ele é um homem muito generoso, que perdoa com facilidade. — Mas você não me perdoa — afirmou Catriona com tristeza. — Eu não a culpo. Tratei seu irmão muito mal, e eu... — Ora, ora, quem temos aqui? — MacLachlann entrou no quarto e perguntou jovialmente. Apesar de fazer apenas duas horas desde que Esme o vira pela última vez, ele parecia notavelmente descansado. Também havia se barbeado, penteado os cabelos e usava uma camisa branca limpa, gravata, calça preta, paletó e colete verde-escuro. Na verdade, parecia o próprio cavalheiro rico e confiante. — Esta é lady Catriona McNare, a filha do conde de Duncombe. — Estou encantado em conhecê-la, minha lady — respondeu MacLachlann, inclinando-se para erguer uma das mãos enluvadas de Catriona e levá-la aos lábios. — Você deve ser Quintus MacLachlann — disse Catriona. — Jamie me falou a seu respeito na carta. — Meu Deus, espero que ele não tenha lhe contado tudo — exclamou MacLachlann com horror fingido — ou você nunca mais irá querer falar comigo. Lembrando mais a beleza que exibira no auge da juventude, Catriona deu a ele um sorriso caloroso. — Eu sempre ficarei feliz em falar com qualquer amigo de Jamie. 35

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore Não querendo perder tempo com conversa-fiada e com a troca de elogios insignificantes, Esme foi direto ao ponto: — Você conseguiu achar algum documento relevante? Catriona balançou a cabeça, fazendo os pequenos cachos loiros da testa dançarem. — Infelizmente, não. Meu pai mantém a porta da biblioteca trancada a maior parte do tempo. MacLachlann enviou um olhar inescrutável para Esme, então gesticulou para uma cadeira. — Por favor, sente-se. Ele estava implicando que ela havia sido negligente? Ou rude? Esme não se importava. Não se importaria com o que ele ou Catriona McNare, que arruinara a paz e a felicidade de seu irmão, pensassem ao seu respeito. — Pela maior parte do tempo? Mas ele não mantém a porta fechada o tempo inteiro! — perguntou MacLachlann para Catriona depois que eles estavam sentados. — Não. Às vezes ele deixa a porta aberta, embora por um curto período de tempo, se é chamado para alguma tarefa breve. — Catriona pigarreou com delicadeza. — Entendo que uma porta trancada não deve representar um obstáculo para você, sr. MacLachlann, portanto, quando eu soube que vocês estavam chegando, organizei um jantar em sua honra esta noite. Meu pai era um bom amigo do seu, pelo que sei. — Sim, ele era. Esme tentou não revelar sua indignação por estar ouvindo isso somente agora. — Você nunca mencionou que ele o conhece. — Ele me conhece, mas nós nunca nos encontramos — explicou MacLachlann. — Eu raramente vinha a Edimburgo quando era criança. Meu pai me considerava muito bagunceiro, então me obrigava a ficar na escola. Esme tinha gostado da escola, mas apreciara ainda mais suas férias em casa. Teria sido triste ser forçada a permanecer na escola durante o ano inteiro. Disse a si mesma para se concentrar nos negócios atuais, não na infância de MacLachlann. — Ele terá conhecido seu irmão? — Suponho que sim. Essa resposta dita com indiferença esquentou o sangue de Esme, e não com desejo. — Entretanto você não achou que isso fosse algo que eu deveria saber? — Nós seremos apresentados para muitas pessoas que conheceram Augustus — disse MacLachlann suavemente. — O conde não será diferente dos outros. — Exceto que nós vamos procurar a papelada particular dele. Se o conde tiver algum motivo para suspeitar que você não é Augustus... — É o meu trabalho me certificar de que ninguém desconfie que nós não somos quem alegamos ser, e sou muito bom no meu trabalho. Se formos descobertos na biblioteca, diremos simplesmente que a porta estava destrancada e entramos para — ele arqueou a sobrancelha de modo sugestivo — desfrutar de alguns momentos a sós. Essa explicação poderia ser plausível, mas entrar secretamente na biblioteca do conde ainda era perigoso. — Nossa ausência pode ser notada. — Não imediatamente — murmurou Catriona. — Eu convidei vinte casais. Isso parecia mais um baile do que um jantar para Esme. — Meu pai gosta de grandes festas — explicou Catriona. — E, considerando o propósito de vocês, eu pensei que seria melhor ter o máximo de convidados possível. — Você está certa — concordou MacLachlann com um sorriso tranquilizador. — Quanto mais, melhor, eu sempre digo. 36

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore — Felizmente a maioria dos conhecidos de seu irmão está no interior do país nesta época do ano — continuou lady Catriona. — Eu convidei amigos de meu pai, assim como nosso advogado, Gordon McHeath. Embora Esme quisesse acreditar que nenhum advogado trairia ou enganaria um cliente, conhecia a natureza humana muito bem para saber que isso era possível. — Se seu pai está sendo enganado em questões contratuais, é possível que o sr. McHeath esteja envolvido — apontou ela. — Eu gostaria de pensar que não — respondeu Catriona com o semblante horrorizado. — Há três gerações não houve uma única mancha na reputação da família dele, e Gordon McHeath parece um jovem bom. Eu nunca ouvi uma palavra contra ele. O que não fazia dele um homem honesto. — Algumas das pessoas que Jamie representa foram enganadas por homens que eram supostamente exemplos de virtude — observou ela. — É um pouco cedo para caluniar alguém — palpitou MacLachlann. — A propósito, minha família usa a mesma firma de advocacia. Esme o olhou. Por que ela não soubera disso também? Uma conexão com o representante legal do conde teria ajudado a investigação deles. O que mais MacLachlann e Jamie escondiam dela? — Eu tenho certeza de que o sr. McHeath é confiável — disse Catriona com um sorriso tímido, como se fosse muito modesta para vociferar uma opinião. — E talvez vocês estejam certos de que eu tenho me preocupado sem motivo. Espero muito que sim! Há mais alguma coisa que queiram saber? — A que horas deveremos chegar? — Às 7h da noite. — Catriona olhou de um para o outro e brincou com as franjas que rodeavam sua bolsa preta de veludo. — Eu não poderia expressar o quanto estou agradecida a vocês dois — murmurou, a voz doce tão suave e agradável quanto Esme se lembrava, os olhos verdes úmidos, como se ela estivesse prestes a chorar. — Temo que nossa situação financeira esteja até mais precária do que eu pensei. — Não pode ser tão ruim assim, se vocês estão oferecendo um jantar para quarenta pessoas — apontou Esme. E as roupas de Catriona eram claramente novas, assim como caras. Apesar de sua observação lógica, MacLachlann enviou-lhe outro olhar de censura. Como a maioria dos homens, ele estava obviamente disposto a aceitar, sem maiores análises, qualquer coisa que viesse da boca de uma linda mulher. — Papai finge que tudo está bem e que nós não temos necessidade de nos preocupar com dinheiro — disse Catriona, enquanto um rubor lhe pintava as faces. — Mesmo depois que ele me conta sobre outra perda, se eu tento economizar, ele insiste em gastar, como sempre gastamos. Mas estamos com grandes dívidas, e prestes a perder nossa propriedade, hipotecada. — Não se preocupe, minha lady — assegurou MacLachlann. — Nós a ajudaremos, e talvez você esteja se preocupando à toa. Os homens às vezes podem dizer coisas sem considerar o efeito de suas palavras nos outros, e implicar que uma situação é pior do que realmente é. Sem todas as informações, é fácil para uma mulher se preocupar. — Se o pai de um homem estivesse perdendo dinheiro e não lhe contasse os detalhes da situação, eu suponho que o filho também ficaria preocupado — observou Esme friamente. MacLachlann a ignorou. — Por esta noite, acho que será suficiente que nós conheçamos o advogado McHeath e entremos na biblioteca de seu pai para examinar os documentos que conseguirmos encontrar. Se acharmos evidências de negociações suspeitas, decidiremos nosso próximo passo. Ele deu outro sorriso encorajador para Catriona. 37

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore — Mas como eu disse, é possível que, não informando a você sobre suas negociações, seu pai a tenha preocupado desnecessariamente. Vamos esperar que esse seja o caso, certo, minha lady! Parecendo quase tão jovem quanto a Catriona de quem Esme se recordava, a mulher se levantou e estendeu uma das mãos para MacLachlann. — Muito obrigada... vocês dois — acrescentou Catriona com um olhar para Esme, como se ela... e, por extensão, Jamie... não fossem importantes. — É Jamie quem merece seu agradecimento — disse Esme, enquanto também se levantava. — Nós não estaríamos aqui se não fosse por ele... e pelo dinheiro dele. Jamie está pagando todas as nossas despesas. Catriona teve a graça de enrubescer. — É claro que eu providenciarei para que ele seja reembolsado. — Eu me certificarei de fazê-lo enviar a conta. Catriona assentiu com a cabeça e, ainda enrubescida, deu a eles outro sorriso trêmulo. — Até esta noite, então — murmurou ela, antes de sair do quarto. No momento em que a porta foi fechada, MacLachlann se virou e olhou para Esme com óbvia irritação. — Que diabos foi aquilo? Esme tinha quase certeza de que sabia a que a pergunta se referia, mas não estava no humor para as críticas de MacLachlann. Vira muitos homens caírem no encanto de uma mulher bonita para que isso a surpreendesse. A única surpresa hoje era que um homem como MacLachlann seria suscetível. Presumira que ele tivesse muita experiência com mulheres para sucumbir ao charme de qualquer mulher. Obviamente, enganara-se. — Uma vez que foi uma longa conversa, por favor, esclareça a que ponto você se refere — replicou ela, indo para a escrivaninha, sentando-se e abrindo o tampo. — Por que você teve de mencionar dinheiro e contas? Recusando-se a sentir vergonha de qualquer coisa que dissera para Catriona McNare, Esme se virou na cadeira para fitar MacLachlann. — Foi um simples lembrete de que isso está custando dinheiro a Jamie, e que ele deveria ser reembolsado. Ou você acha que ele deveria arcar com todos os custos sozinho? Catriona o rejeitou, sabia? E ela não parece estar sem dinheiro de mesada. — Você precisava levantar esse assunto hoje? No nosso primeiro encontro? — Por que adiar? É melhor que ela entenda suas obrigações de uma vez do que alegar ignorância mais tarde. Na verdade, na minha opinião, Jamie deveria ter redigido um contrato para Catriona assinar, descrevendo exatamente o que nós íamos fazer e como ele seria reembolsado. — Meu Deus! — exclamou MacLachlann, abrindo os braços num gesto exasperado. — Mulheres e a lei... que combinação! É muito bom que mulheres não possam ser advogadas, ou nós, homens, receberíamos as nossas cabeças numa bandeja legal! — Se você mereceu isso, assim deveria ser — replicou Esme calmamente. Quanto mais ele perdia o controle das emoções, mais fácil ela achava refrear as suas próprias emoções. -— Se mulheres pudessem ser advogadas, o mundo seria um lugar diferente... especialmente para as mulheres. E também seria melhor se os homens não guardassem segredos desnecessários. Por que você não me contou que seu pai era um bom amigo do pai de Catriona, e que sua família usava a mesma firma de advogados? — Eu não pensei sobre isso — murmurou MacLachlann. — Se é assim que você conduz seus negócios, eu devo avisar a Jamie que talvez ele não esteja obtendo todos os fatos necessários. — Ele obtém todos os fatos necessários. E você também, quando precisa deles. Eu estou no comando desta investigação, srta. McCallan, não você, que está aqui somente para oferecer conhecimentos legais em relação a documentos, e nada mais. 38

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore Esme mal podia conter sua ira: — Oh, então você é o capitão deste navio? — Sim! E você sabe disso, Esme, portanto não tente me dizer que eu estou me excedendo em qualquer coisa. — Você está se excedendo desde que começamos. E se é o capitão, eu irei me assegurar de ter um colete salva-vidas e minha própria bússola, porque você certamente está nos levando para o lugar errado. — Para mim basta de sua insolência — explodiu ele. — Minha insolência? — devolveu Esme. — Você não tem sido nada, exceto insolente desde o dia em que nos conhecemos... assim como desrespeitoso e rude, com suas incontáveis insinuações desagradáveis. — Confesso que estou surpreso de que, considerando sua experiência limitada, você possa até mesmo entender insinuações. — Eu certamente entendo... e elas são detestáveis, assim como você. Praguejando baixinho, MacLachlann andou para a porta. — Aonde você vai? — demandou Esme. — Voltar para a cama. — Ele se virou e bateu um dedo sobre a escrivaninha. — Se você está escrevendo uma carta para Jamie, diga-lhe que ele deveria estar me pagando o dobro para agüentar sua irmã autocrática. O insulto magoou, mas ela não lhe permitiria ver isso. — Você está tentando mudar os termos de seu emprego arbitrariamente e sem concordância anterior? Se assim for, Jamie poderia processá-lo por quebra de contrato. MacLachlann abriu a porta. — Mulheres e a lei! — repetiu ele enquanto saía do quarto. Esme se afundou na cadeira e recomeçou a escrever a carta que ainda não terminara. O que mais não sabia sobre MacLachlann, o conde, Jamie e Catriona... E sobre seu coração rebelde que, mesmo quando ela estava furiosa, ainda achava Quintas MacLachlann tão atraente? Deus, àquele lugar não tinha mudado em nada, pensou Quinn quando entrou na casa de jogos que Augustos freqüentara. Embora uma vez o estabelecimento tivesse sido bem mantido, o papel de parede agora estava se soltando, os tapetes sobre o piso de madeira estavam gastos e o ar, carregado de fumaça, cheirava como se uma janela não tivesse sido aberta desde quando Quinn deixara Edimburgo, dez anos atrás. Os barulhos eram os mesmos... Os gritos comemorativos de pessoas embriagadas quando alguém ganhava, os murmúrios de descontentamento quando alguém perdia, as conversas sussurradas em outras partes do salão, as risadas rudes de homens que sugeriam que uma piada suja acabara de ser contada. E, como sempre, alguns homens caídos nos cantos, desmaiados de tanto beber ou muito desesperados por suas perdas para fazerem qualquer coisa, exceto olhar para um ponto fixo, sem ver nada. Esme provavelmente acreditava que aquele tipo de lugar era seu hábitat preferido. Apesar de ter jogado em sua juventude, Quinn detestava lugares como esse, com os ruídos, o cheiro e o ar velado de desespero. Ele jogara em lugares mais exclusivos e privados... Lugares que lhe davam a ilusão de que ele não estava fazendo nada deplorável, nem mesmo quando estava perdendo o último centavo. Antes que tivesse perdido o respeito de sua família e de todos os seus amigos, exceto daquele que tinha salvado sua vida. Não era como se Esme não tivesse defeitos. Teria doído tanto ser educada com lady Catriona? Ela precisara tratar a jovem mulher como um juiz do tribunal de justiça prestes a pronunciar uma sentença de morte? Com experiência em assuntos legais ou não, ele nunca teria concordado em deixar Esme acompanhá-lo a Edimburgo. Deveria ter insistido em ir sozinho. Teria encontrado 39

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore um meio de fazer cópias dos documentos e levá-los de volta para Jamie, ou pelo menos das partes mais importantes. Sabia ler. O quanto aquilo podia ser difícil? — Meu Deus, é você, Dubhagen? — gritou um homem do outro lado do salão. Esperando fervorosamente que reconhecesse a pessoa que o chamava, Quinn olhou através da fumaça, tentando identificar a figura troncuda apressando-se na sua direção, através das mesas de jogadores de cartas, a maioria dos quais nem olhava acima de seus jogos. O homem parecia vagamente familiar, e Quinn vasculhou seu cérebro por um nome. — Ramsley? — sugeriu Quinn quando um sujeito que parecia ter a mesma idade de Augustus parou à sua frente, por pouco não colidindo com um garçom carregando uma bandeja de drinques. — Sim, por Deus, sou eu — exclamou Ramsley, os olhos lacrimejando e o nariz vermelho, mais do que um pouco embriagado, embora nem fosse meio-dia ainda. — Eu nunca pensei que o veria novamente! Nós todos pensamos que você ficaria na Jamaica para sempre. O que o trouxe para casa? Quinn reprimiu um suspiro de alívio ao perceber que o sujeito pensava que ele fosse Augustus. Por outro lado, talvez não precisasse ficar tão ansioso. Tinha enganado McSweeney, no fim das contas, embora houvera um breve instante, quando ele pensou que McSweeney estava começando a sorrir. O mordomo nunca teria sorrido se Augustus tivesse retomado. — Eu voltei para Edimburgo a fim de cuidar de alguns investimentos ― explicou Quinn quando Ramsley passou o braço ao redor dos ombros de Quinn, como se eles tivessem sido os melhores amigos antes de Augustus ter ido embora. Quinn, todavia, sabia que Augustus tinha detestado o homem. Apenas tolerara Ramsley por causa das conexões da família dele, e do dinheiro que Ramsley herdara. Provavelmente não restava muito desse, pensou Quinn, se Ramsley estava numa casa de jogos e bêbado, antes do meio-dia. — Investimentos, eh? — repetiu Ramsley quando, com sua mão livre, agarrou o braço do garçom que passava. — Dois uísques para meu amigo e para mim — ordenou ele, enquanto começava a conduzir Quinn para um canto do salão. — Nada errado, eu espero. Ouvi dizer que você se casou com uma garota rica por lá? — Oh, eu me casei — respondeu Quinn quando eles chegaram a um sofá de veludo que claramente já vira melhores dias. — Foi por isso que vim. Preciso me certificar de fazer um bom investimento com o dote da noiva, você sabe. — Um dote substancial? — perguntou Ramsley. — Considerável — concordou Quinn. Ramsley adquiriu um brilho ganancioso nos olhos. — Suponho que ela não tem uma irmã? — Não — respondeu Quinn, pensando que Ramsley era o último homem na face da Terra que ele iria querer casar com qualquer parente seu. — Não há jovens adequadas em Edimburgo, ansiosas para se unirem a uma velha família estabelecida? Que tal a filha do conde de Duncombe? Ela não é casada, pelo que sei. Ramsley fez uma careta. — Eu aceitaria a garota e o dote dela num piscar de olhos. É o pai que não consigo engolir. Como se a lady estivesse simplesmente esperando o pedido de casamento dele. Todavia, Quinn fingiu preocupação: — O que há de errado com ele? Sempre pensei que o conde fosse um tipo cordial. — E é, a menos que você dê atenção à filha dele — replicou Ramsley, recostandose no sofá. — Então ele o trata como um leproso. 40

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore — Eu ouvi falar alguma coisa sobre um jovem que queria se casar com ela. Isso não deu em nada, certo? — Devo dizer que não. O sujeito era apenas um advogado. O desprezo no tom de voz de Ramsley indicava que ele pensava da mesma forma que o pai de Catriona. Mais uma vez, Quinn se perguntou como Jamie podia querer ajudar uma mulher cujo pai o desprezava. Como seria amar uma mulher com tanta devoção? Ele nunca se apaixonara. Tinha experimentado a luxúria, é claro, algumas vezes. E certamente não era celibatário. Mas amar uma mulher como Jamie havia amado lady Catriona... Esse era um sentimento que Quinn provavelmente nunca conheceria, assim como não era provável que alguma mulher sentisse esse tipo de amor por ele. Então, embora Esme provavelmente chamasse aquilo de sentimentalismo tolo, saber que Jamie era capaz de tanta devoção tomava Quinn muito mais determinado a ajudá-lo. Se isso significasse agüentar Esme, que assim fosse. Ele a ignoraria da melhor maneira possível, ou pelo menos não permitiria que ela o aborrecesse, como conseguia fazer tão bem. E com certeza não a beijaria de novo, nem mesmo se desejasse fazê-lo. Mesmo se os beijos de Esme fossem surpreendentemente... Excelentes. — O conde se transformou num eremita regular — disse Ramsley, lembrando a Quinn que ele estava lá. — Raramente vai a bailes ou festas, e mantém a filha em casa também. Quinn decidiu jogar uma pequena isca: — Eu me pergunto... — O quê? — quis saber Ramsley quando o garçom trouxe os uísques. Depois que o garçom se retirou, e Ramsley deu um gole de seu drinque, Quinn baixou o tom de voz para um sussurro confidencial: — Eu ouvi rumores de que a situação financeira do conde pode não estar tão boa quanto costumava ser. Ramsley riu com zombaria. — A pessoa que lhe disse isso é tola. Meu pai pede conselhos ao conde para investir seu dinheiro por anos, e nunca teve um momento de arrependimento. — Nem mesmo este ano? — Nunca. Ramsley parecia absolutamente seguro disso. Mas então ele estava mais do que um pouco embriagado, e nunca tinha sido particularmente brilhante. Quinn não ficaria surpreso ao descobrir que Ramsley era tão ignorante sobre a situação financeira de sua própria família quanto Catriona era sobre a situação do pai.

Capítulo Sete

Diversas horas mais tarde, depois de Quinn ter conseguido se livrar de Ramsley e da casa de jogos, sem beber mais que dois uísques ou apostar um centavo, ele esperou por Esme ao pé da escadaria. 41

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore McSweeney estava de pé junto à porta, e o lacaio francês que McHeath também havia contratado estava pronto para entregar o chapéu a Quinn e assisti-lo com seu sobretudo. Por mais que ele apreciasse ter criados e roupas boas, havia muita coisa sobre aquela missão que a tomava desagradável, uma das maiores sendo ter de suportar a companhia de homens como Ramsley, em lugares como aquela casa de jogos. Ele estava absolutamente determinado a terminar o trabalho o mais breve possível, e prestar o mínimo possível de atenção em Esme enquanto estivesse em sua companhia. Não esperara que sua resolução fosse testada no momento em que ele olhou para cima e viu Esme descendo a escada. Ela usava um vestido de seda cor-de-rosa clarinho, com um decote redondo e baixo, que revelava boa parte da pele. A faixa sob os seios parecia designada a acentuar sua forma arredondada e generosa. As mangas bufantes e luvas longas de noite cobriam a maior parte dos braços delgados, salvo por um vislumbre tentador de pele entre mangas e luvas. Os cabelos, presos no topo da cabeça num estilo intrincado de tranças e cachos, com uma fita do mesmo tom de rosa clarinho do vestido entrelaçando-os, faziam-na parecer uma deusa. Vênus. Não, Atena, a deusa da sabedoria, descendo à Escócia numa forma mortal, linda e serena, calma e confiante, capaz de lidar com qualquer problema, humano ou sobrenatural. Quinn imediatamente quis beijá-la novamente, e fazer mais que isso. Queria acariciá-la e excitá-la, mostrar-lhe todas as alegrias íntimas que um homem e uma mulher podiam compartilhar, deitá-la em sua cama e fazer amor com ela até que ambos estivessem saciados e completamente contentes. — Há algum problema com o meu vestido, benzinho? — perguntou Esme, suas sobrancelhas se unindo em preocupação enquanto acabava de descer a escada. Ele lembrou a si mesmo que aquela ainda era Esme McCallan, a mesma mulher que geralmente o tratava com escárnio, desprezo e desrespeito. — Eu só estava pensando que cor-de-rosa lhe cai bem — replicou Quinn. — Faz você parecer... mais jovem. Uma breve expressão de irritação brilhou nos olhos dela. Graças a Deus. Ele precisava fazer alguma coisa para sufocar seu desejo, e deixá-la furiosa, certamente funcionaria. Tinha de funcionar. — Ninguém adivinharia que você tem 27 anos, minha querida. Você não parece um dia a mais que 26. Esme McCallan tinha, como ele bem sabia, recentemente completado 22 anos. Em vez de lhe dar uma resposta mordaz, ela riu. E Quinn descobriu que achava aquela risadinha inesperadamente atraente, como onda espumante batendo sobre pedras. Então ela falou: — E você não parece um dia mais velho que quarenta, meu amor. Ter perdido trinta quilos na viagem para casa fez tanta diferença! Trinta quilos? Ele teria sido tão gordo quanto um porco doméstico criado para o mercado. — Eu tive medo de que você nunca mais seria capaz de comer uma refeição inteira — continuou ela daquele jeito levemente tolo que adotara, enquanto uma criada a ajudava a vestir o casaco, e Quinn permitia que o lacaio o auxiliasse a colocar seu sobretudo. — Era apenas enjoo — mentiu ele, para benefício dos criados, enquanto McSweeney ia abrir a porta. Havia um sorriso curvando os lábios de McSweeney? — Nós chegaremos atrasados — disse Quinn, conduzindo Esme para o lado de fora. Felizmente ela não falou mais uma palavra, até que eles entraram na carruagem que pertencia ao seu irmão. Uma vez dentro, Quinn se acomodou no canto, os braços 42

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore cruzados, enquanto Esme ajustava as saias cora a expressão mais convencida que ele já vira no rosto dela. — Eu não tinha idéia de que você pudesse bancar a tola tão bem — observou ele friamente. — Nem eu — respondeu ela. — É bem fácil, na verdade. Eu simplesmente finjo que tenho 5 anos de idade. Como você consegue? Quinn fez uma careta e relaxou mais sua postura no assento quando a carruagem entrou em movimento. — Sente-se direito ou suas roupas ficarão amassadas. Ele nem se moveu nem respondeu. — Agora, quem está agindo como uma criança de 5 anos? — Por que eu não deveria agir como criança quando você está agindo como se fosse minha mãe? "Sente-se direito, olhe os modos, o que está errado com você?" Quinn não pretendera que a última sentença escapasse de seus lábios. — Basta, florzinha — murmurou ele. — Eu devo minha vida a Jamie, mas não serei alvo de todas as suas piadas, ou das piadas de qualquer outra pessoa. Ela o olhou com expressão de incredulidade. — Você ousa me dizer isso, quando faz piada de tudo que eu falo? — Isso não é verdade! — protestou ele. — E não apenas isso — retomou ela. — Você me ignora, esconde informações importantes de mim, me insulta, e tem a audácia, a insolência de me beijar... entretanto, ainda insiste que eu o trate com o mesmo respeito com que trato outros homens? Quinn cruzou os braços sobre o peito e a fitou com raiva. Esme provavelmente ficaria feliz em matá-lo com um tiro e cuspir no seu cadáver, se isso não fosse contra a lei. — Se você prefere que eu a trate como uma virgem puritana, então eu a tratarei assim. Isso não será um sacrifício para mim, garanto-lhe. A carruagem parou do lado de fora de uma mansão brilhantemente iluminada, feita de pedras cinza-chumbo e janelas arqueadas, até mesmo maior do que a casa da família de Quinn. — Chegamos — anunciou ele desnecessariamente. — Lembre-se do motivo pelo qual estamos aqui. — Lembre-se disso você também... e que eu sou irmã de Jamie McCallan. Como se ele pudesse esquecer. Uma vez fora da carruagem, Esme pegou a mão de MacLachlann com força e marchou estoicamente ao seu lado para dentro da casa, não olhando para sua direita nem para sua esquerda. Como ele ousava lhe falar daquela maneira? Como tinha a audácia de demandar que ela o tratasse com respeito, quando sempre zombava dela, a provocava e... A beijava? Esme se afastou de MacLachlann assim que foi capaz, quando criados se apressaram para ajudá-los a remover o chapéu, o casaco e o sobretudo. Então eles foram conduzidos para a sala de estar, repleta de móveis caros, decorada em tons de azul e prata, e rosas numa variedade de vasos altos orientais. Diversos homens e mulheres bem-vestidos já estavam se socializando, resplandecentes em seus trajes noturnos. Os homens estavam quase uniformizados em seus temos escuros, camisas brancas e gravatas. As mulheres, por outro lado, eram como uma coleção de flores, os tons variando de roxo e preto até cor-de-rosa clarinho e amarelo, com muitas tonalidades de verde que poderiam representar folhagem. Os estilos de cabelo eram modernos, com fitas e flores entremeando-se nas mechas e cachos brilhantes. Algumas das mulheres mais velhas usavam turbantes com flores e jóias fixadas. Na verdade, havia tantas jóias de todos os tipos e tamanhos que Esme estava impressionada, embora achasse que seu 43

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore simples colar de pérolas, dado a ela por Jamie em seu aniversário de 21 anos, fosse o mais belo dos colares, porque tinha sido presenteado com amor. — Ah, aí estão vocês! — exclamou Catriona, apressando-se na direção deles, através da multidão. Ela usava um vestido de velado verde que realçava a cor de seus olhos. Os cabelos estavam adornados por pérolas que combinavam com as pérolas da gargantilha, e as luvas, longas, eram impecavelmente brancas. Ela se movia com graça, e seu sorriso era tudo que um sorriso de boas-vindas de uma mulher deveria ser. Não era de admirar que homens jovens a rodeassem, e que Jamie se apaixonara profundamente por ela. Que homem a acharia atraente, perguntou-se, se soubesse a verdade sobre sua paixão por leis, sobre a alegria que ela encontrava em pesquisar procedimentos legais, o triunfo que experimentava quando redigia um excelente contrato ou um testamento, a falta de preocupação por seu guarda-roupa ou cabelos, ou se visse a tinta que manchava seus dedos com tanta freqüência? Aparentemente, MacLachlann a achava atraente... Exceto que ela não podia acreditar que os beijos dele significavam afeição sincera. Luxúria, talvez... E embora mesmo isso fosse surpreendente, não era o sentimento duradouro que ela desejava inspirar no coração de um homem. — Vocês devem vir cumprimentar meu pai — disse Catriona, pegando o outro braço de Quinn e conduzindo-os em direção a um cavalheiro mais velho, com cabelos brancos, tão enrugado quanto uva-passa e magro como uma vara de pescar, sentado perto da lareira de mármore, parecendo perdido em pensamentos. Enquanto eles atravessavam a sala, Esme podia sentir o olhar das pessoas observando-a. Apesar de sua ansiedade, ela fez o possível para dar a impressão de que pertencia àquele lugar, entre as pessoas ricas e glamorosas. Arriscou uma rápida olhada para o homem ao seu lado, e viu que ele não parecia nem um pouco inseguro ou deslocado. Na verdade, considerando a aparência bonita e segura de MacLachlann, Esme podia muito bem acreditar que as mulheres o estavam olhando por admirarem um homem bonito, não porque suspeitavam que alguma coisa estava errada. E Catriona chamaria a atenção de qualquer homem com mais de 15 anos. — Papai — disse Catriona quando eles chegaram ao cavalheiro idoso estes são o conde de Dubhagen e sua esposa, que retornaram recentemente da Jamaica. — Quem? — demandou o homem mais velho, franzindo o cenho e olhando para eles, enquanto curvava a mão em concha ao redor da orelha direita. Alguns fios de cabelos brancos se sobressaíam de cada orelha, e mais alguns eram igualmente rebeldes nas sobrancelhas, parecendo antenas. — Lorde Dubhagen e sua esposa — repetiu Catriona um pouco mais alto. — Voltaram da Jamaica. — Dubhagen, eh? — exclamou o conde com a súbita compreensão e um sorriso. — De volta da Jamaica finalmente! Todo mundo achava que você nunca voltaria. E esta é sua esposa. Uma moça muito bonita, devo dizer. Ele se inclinou em direção a Esme. — Ele parece forte o bastante — murmurou em voz alta -, mas os jovens de hoje não sabem nada sobre agradar as mulheres. Esme não foi capaz de esconder seu choque, e não foi difícil fingir uma risadinha embaraçada. — Ele é adequado para mim, meu lorde. — Você é um homem de sorte, Dubhagen, mas então sua família sempre teve sorte, exceto por aquele jovem malandro. Qual era o nome dele? O quinto filho, que fugiu com os ciganos. 44

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore — Quintus, meu lorde — respondeu MacLachlann casualmente. — Mas não foi com os ciganos. Ele pegou o melhor cavalo de meu pai e partiu para Londres. — Qualquer coisa que tenha lhe acontecido, teve um final mim, sem dúvida? — Eu não tenho idéia, meu lorde. Não tive nenhum tipo de comunicação com ele pela última década. Esme soubera que MacLachlann estava separado de sua família, mas aquele era um longo tempo para se estar sozinho. — Não desde antes de seu pai morrer, certo? Aquele sim era um homem de verdade... seu pai. Não como esses jovens de hoje em dia, que são fracotes e só pensam nas aparências. Aquele homem podia lutar! — Sim, ele era muito forte — concordou Quinn, num tom de voz frio e distante que Esme reconheceu. Ouvira esse tom muitas vezes de filhos adultos de pais e guardiões que haviam sido negligenciadas, até mesmo de maneira brutal. Um jovem de ombros largos e cabelos castanho-dourados se aproximou e fez uma reverência. O conde assentiu em resposta, indicando claramente que conhecia o homem, enquanto Catriona dava a ele um sorriso que falava mais de amizade do que de desejo, ou essa foi a impressão de Esme. Quando ele falou, todavia, não se dirigiu ao conde ou a Catriona, mas a MacLachlann: — Por favor, perdoe meus modos rudes, meu lorde — disse ele. — Eu deveria ter ido à sua casa assim que você chegou de Londres, mas eu estava trabalhando num contrato muito difícil em Inverness. Eu sou o seu advogado aqui era Edimburgo, meu lorde. Gordon McHeath. Outro advogado finalmente! Agora ela poderia ter alguma conversa inteligente, que não fosse carregada de... Nada. — Eu estava tão ansiosa para... — começou ela, com sinceridade, antes que lembrasse que deveria agir como uma pessoa superficial e ignorante, e que, embora detestasse acreditar que um advogado pudesse ser cúmplice em atividade.? ilegais, isso era certamente possível. — Para conhecer o advogado do meu marido — completou com outra risadinha tola. McHeath sorriu. — Verdade? Bem, isso não é algo que um advogado ouve com freqüência. Esme tinha ciência disso. Advogados eram geralmente vistos com desprezo, como charlatões gananciosos... Até que eram necessários, é claro. — Não que eu entenda alguma coisa do que vocês fazem — continuou ela, com outra risadinha afetada. — Eu quero agradecê-lo por ter contratado todos os criados e providenciado para que a casa estivesse pronta para nós. Deve ter sido necessário um grande esforço de sua parte, em adição às suas outras tarefas. — Não foi trabalho algum, eu lhe asseguro. O sotaque de McHeath era mais pronunciado do que o de MacLachlann ou do que o seu próprio, e ele possuía excelente dentição. Sem dúvida, não faltava clientes, especialmente mulheres, para um advogado de boa aparência, constituição física musculosa e bons modos. — Seu trabalho deve ser tão interessante! — disse ela, voltando a conversa para assunto de negócios. — Meu benzinho aqui... oh, quero dizer, lorde Dubhagen... Não faz nada em absoluto, sabe. — Não diga isso, minha lady — replicou o advogado gravemente. — Ele tem muitas decisões a tomar durante o curso de um ano, e isso requer algum esforço. Esme gesticulou com a mão para dispensar o comentário, e pegou o braço de McHeath, conduzindo-o para longe dos outros. — Mas causas, testamentos e contratos... é tudo tão complicado. Você compõe todos os documentos sozinho, ou tem ajuda? 45

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore

Apesar da excelente refeição de diversos pratos e vários tipos de vinho, quanto mais tempo Quinn permanecia sentado na opulenta sala de jantar do conde, mais lembrava por que preferia refeições em pubs e tavernas, ou sozinho em seus aposentos de Cheapside. Nunca se sentira à vontade com as restrições exigidas pela formalidade, e tinha se irritado com regras sem sentido e hierarquias sociais mesmo durante sua infância. De qualquer forma, aquelas refeições agora pareciam brincadeira de criança, enquanto ele fingia ser Augustus e fingia um interesse na conversa. Não ajudava que estivesse sentado à direita da anfitriã deles, que, por sua vez, estava ao lado do pai idoso, enquanto Esme estava na outra ponta da mesa, ao lado do bonito advogado. Quinn nunca havia pensado sobre a aparência de um advogado, até que McHeath... Atraente como Adônis, com cabelos castanhos ondulados... Se aproximara deles e sorrira. Se o homem fosse vestido numa saia escocesa e segurasse uma espada de dois gumes, Quinn não duvidaria que metade das mulheres na sala desmaiasse. O homem possuía a voz profunda e aveludada de um ator também. Ele pensara que Esme fosse menos suscetível do que a maioria das mulheres no que dizia respeito à aparência física de um homem... Ela certamente nunca reagira à sua aparência externa, a qual Quinn sabia que a maioria das moças achava atraente... Até que ele a viu sorrir para Gordon McHeath, como se ele fosse um cavaleiro em armadura brilhante, chegando para resgatá-la. Dissera a si mesmo que ela estava excitada e contente por conhecer o homem, porque ele era advogado, então temera que ela esquecesse que tinha um papel para representar, e esse não era a "Senhorita Advogada". Esperou que Esme não revelasse, sem querer, um nível de conhecimento que despertasse suspeitas de McHeath, ou qualquer outra coisa. Felizmente ela parecia ter adotado uma estratégia de falar muito pouco, bater os longos cílios e sorrir como uma tola. Aquilo podia ser pior, disse Quinn a si mesmo. Se Catriona não fosse tão impetuosa quanto Esme, pelo menos era uma visão bonita de se olhar. Na verdade, era fácil entender por que Jamie se apaixonara por ela, principalmente considerando como Catriona devia ter sido há cinco anos... Rosa e fresca como o primeiro botão de rosa da primavera, doce e inocente. Esme, por outro lado, era cheia de espinhos, e tão arrogante quanto uma imperatriz, desde a primeira vez que ele a encontrara. Ela sempre se vestia com roupas largas, que mascaravam sua figura. Seus cabelos normalmente eram penteados num estilo severo... As madeixas suaves puxadas para trás de maneira tão esticada que ele sempre imaginara se aquilo doía... Também não faziam muito por suas feições, embora enfatizassem os olhos brilhantes e inteligentes. Felizmente os modos de Esme eram impecáveis, e ela parecia muito mais à vontade naquele tipo de ambiente do que ele teria esperado, enquanto permanecia sentada ali, ouvindo com atenção a tudo que McHeath estava dizendo, embora talvez fosse a atenção quase constante do homem que a deixasse tão relaxada, como ela nunca ficava com ele. O que o advogado estaria pensando sobre Esme? Obviamente a considerava atraente, mas qualquer homem acharia Esme atraente naquela noite, com os cabelos penteados num estilo moderno, os olhos modestamente baixos, as faces brilhando com excitação ou pelo calor da sala, vestida com um traje que expunha muita pele. Ele queria ser capaz de olhar dentro daqueles olhos brilhantes, ouvir o que ela estava realmente pensando sobre a companhia, e protegê-la dos olhares libidinosos dos homens... Talvez principalmente do seu, se ele não pudesse dominar o desejo que ganhava vida em seu interior toda vez que olhava para ela. 46

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore O conde pigarreou quando seus convidados terminaram a sobremesa de crème brülée e frutas. — Diga-me, Dubhagen — começou o velho nobre o que acha desses abolicionistas? Certamente você não será capaz de cuidar de sua plantação de cana-de-açúcar sem os escravos. Quinn estava muito ciente da atitude de seu irmão no que dizia respeito à escravidão. Augustos freqüentemente usara a opinião de Quinn sobre a escravidão como prova da ignorância de seu irmão mais novo em relação aos negócios. Infelizmente o conde, e talvez outros ali, conhecesse a opinião de seu irmão, de modo que esta noite ele teria de sustentá-la. — Você está certo — replicou ele, detestando falar as palavras, mesmo sabendo que eram necessárias. — Homens que condenam o uso de escravos são tolos que não têm idéia do que é necessário para levar açúcar às suas mesas. Esme franziu o cenho, assim como McHeath, que disse: — Certamente, meu lorde, nestes tempos modernos, existem alternativas para a escravidão, especialmente quando o comércio de açúcar é tão lucrativo. Por que não pagar pelo trabalho requerido? — Nós pagamos — replicou Quinn, repetindo as palavras bem recordadas de seu irmão. — Nós lhes damos comida e roupas, e cuidamos de seus ferimentos e doenças, assim como damos a eles lugar para morar e os convertemos em cristãos. Eles estão muito melhores sob nossos cuidados do que deixados para viver como pagãos na África. — Mas eles são seres humanos, meu lorde — protestou McHeath não animais irracionais para serem capturados e transportados em navios como gado. — Então o que você, como advogado, pensa do direito do conde de remover seus arrendatários de suas propriedades na região das Terras Altas, de modo que a terra possa se tomar pasto para ovelhas? — questionou Quinn. — Os arrendatários deveriam ter o direito de desobedecer à lei? — Alguma coisa pode ser certa aos olhos da lei, todavia moralmente injusta — replicou o advogado. — E a lei deve mudar para refletir isso. Eu estou confiante de que um dia a escravidão será considerada tão abominável quanto é. Os arrendatários terão mais, ajuda sob a lei. As mulheres deixarão de ser vistas como posses e serão pessoas sob a lei, com todos os direitos e privilégios legais. Com os olhos castanhos contendo total aprovação, Esme olhava para McHeath como se quisesse beijá-lo. Ou mais. — Nunca — exclamou Quinn antes que lembrasse sobre o que deveria estar falando. — Como pessoas não civilizadas podem ter direitos? Ou os camponeses? Ou as mulheres? Eles não saberiam o que fazer com tais direitos, mesmo se os tivessem, e a anarquia ; acabaria dominando este país. Veja o que aconteceu na França. — Certamente você não acha que as mulheres deveriam ter o direito de votar? — perguntou outro cavalheiro para McHeath, rindo, como se aquela fosse a melhor piada que já tivesse ouvido. — Se assim fosse, somente políticos bonitos teriam uma chance de eleição! Em vez de políticos ricos, ou daqueles com o apoio de uma família rica, queria retrucar Quinn. Em vez disso, murmurou: — Talvez o sr. McHeath se candidatasse a um cargo político. — Talvez eu me candidatasse — retomou o advogado. — E eu daria crédito às mulheres por serem tão capazes de considerar assuntos importantes quanto os homens. E homens podem ser igualmente influenciados por popularidade. — Ou por riqueza e família — sugeriu Esme. — Bem, eu não vejo nada de mal nisso — murmurou outro homem, de maneira prepotente, enfiando os polegares dentro dos passantes no cós da calça. — Minha esposa votaria em quem eu lhe dissesse para votar. 47

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore Esme bateu os longos cílios para ele. — Se a eleição fosse secreta — perguntou ela com expressão aparentemente inocente como você saberia? Antes que aquele homem, ou qualquer outro, pudesse pensar numa resposta, Catriona levantou-se rapidamente, sinalizando que era hora de as mulheres se retirarem para a sala de estar. Esme demorou-se a se levantar, como se não quisesse partir. Graças a Deus ela não podia ficar. Quem poderia adivinhar o que diria em defesa dos direitos das mulheres? Apesar de concordar com ela, e embora ela estivesse fazendo o possível para parecer estúpida, Quinn não sabia quanto tempo levaria antes que Esme perdesse o controle, e, com este, sua fachada. Depois que as mulheres deixaram a sala de jantar, McHeath afastou a cadeira da mesa e fez uma reverência para o anfitrião mais velho. — Se O senhor me der licença, lorde Duncombe, eu tenho alguns documentos em casa que requerem minha atenção imediata. Por favor, expresse meu pesar por minha partida apressada para sua filha. — Meu Deus! — exclamou Quinn depois que o homem marchou para fora da sala. — Um sujeito nervoso, não é? — Com algumas idéias radicais — concordou o conde. — Entretanto, ele é o melhor advogado de Edimburgo, então vale a pena agüentar suas excentricidades. Eu não assino um único contrato sem as explicações dele. — Verdade? — murmurou Quinn. — Ele é tão bom assim? Ou tão desonesto?

Capítulo Oito

Sem escolha, Esme seguiu sua anfitriã para a sala de estar, mesmo que detestasse o costume da classe alta que requeria que as mulheres saíssem da sala de jantar antes dos homens, como se as mulheres não pudessem ou não devessem participar de discussões políticas ou de assuntos sociais. Embora MacLachlann estivesse provando que podia representar muito bem o cavalheiro rico e nobre, ela desejou que estivesse em Londres, em sua casa, com seus livros de Direito. Diversas mulheres jovens se reuniram ao redor de Esme depois que ela se sentou num sofá estofado em seda azul. — Que vestido adorável! É de Paris? — perguntou uma delas. Esme se recordou de que quem perguntava era a filha mais nova de um magistrado. Em Londres, ela e a família provavelmente não teriam sido consideradas de uma classe social alta o bastante para estar em tal reunião. Na Escócia, todavia, membros magistrados eram mais estimados... Como mereciam ser. — Não, de Londres — respondeu Esme, perguntando-se quanto tempo mais levaria para que os homens retornassem. Ela achava moda um assunto tedioso, e essa era uma das razões pelas quais raramente se sentia à vontade com membros de seu próprio sexo, pois aquele parecia ser o assunto favorito das mulheres. Não que culpasse inteiramente suas companheiras por seus tópicos limitados de conversa. O que se podia esperar, considerando a educação que a maioria das mulheres 48

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore recebia? Mesmo aquelas de classe alta aprendiam apenas noções de Francês, um pouco de desenho ou pintura em aquarela, a tocar piano, ou, se fossem capazes, cantar. Passavam a maior parte do tempo se preparando para eventos sociais; portanto, o que mais elas pensariam, senão em roupas, estilos de cabelo, leques, bolsas e luvas? — Quem foi a modista? — perguntou outra jovem ansiosamente. Lady Eliza Deluce estava num lindo vestido de seda vermelha, com diversas fileiras de faixas azuis e verdes ao redor da bainha. Sobre os braços elegantes havia um xale de cashmere, e os cabelos dela brilhavam como uma grinalda dourada. Infelizmente nem o vestido nem os cabelos podiam esconder as verrugas de nascença no queixo e na testa da mulher. Esme rapidamente inventou um nome de modista, e fez o possível para parecer interessada quando a conversa abrangeu tópicos mais gerais, como costureiras, tecidos, cortes e estilo, mesmo se permanecesse em silêncio. Enquanto as outras jovens tagarelavam, seu olhar foi para um pequeno grupo de mulheres mais velhas, que estavam sentadas num par de sofás no fundo da sala, conversando de maneira entretida. Esme achou que elas lembravam um grupo de ladrões conspirando, e com bastante freqüência uma delas olhava na sua direção, convencendo-a de que ela, e seu suposto marido, fossem o provável tópico de conversação. MacLachlann realmente acreditava no que tinha falado sobre escravidão, ou estava dizendo aquelas coisas para manter a farsa deles? E quanto ao bonito advogado do conde? Um homem que falava com tanto sentimento sobre os males da escravidão poderia ser um ladrão ou um defraudador, roubando dinheiro do conde? E claro que poderia. Ela participara o bastante dos negócios de seu irmão para saber que um determinado hipócrita era facilmente capaz de mascarar interesse próprio. Uma mulher rechonchuda, de meia-idade, usando um turbante roxo com uma pluma de avestruz pendurada sobre sua orelha esquerda e um bonito vestido verde brilhante começou a insinuar-se entre Esme e o braço do sofá. — Posso me juntar a você, querida? Era lady Stantonby, recordou Esme, uma viúva muito rica. Infelizmente ela não pôde pensar numa razão para negar o pedido. — É claro. — Você está bem? Parece um pouco irritada — disse sua companheira num tom de voz compassivo, que era mais apropriado num leito de morte do que numa sala de estar. Ela se sentiria melhor se tivesse mais espaço, pensou Esme; entretanto, sorriu de modo insípido e respondeu com a verdade: — Eu não estou acostumada com grandes jantares como este. Lady Stantonby deu-lhe um sorriso sagaz e adquiriu uma expressão dissimulada nos olhos que deixou Esme instantaneamente alerta. — Suponho que ser casada com Dubhagen é exaustivo também. — Não tenho certeza se entendo o que você quer dizer — replicou Esme inocentemente, embora pudesse adivinhar a intenção da mulher. Lady Elvira Cameron, que devia ter aproximadamente 65 anos, e tentava aparentar 20, num vestido de seda cor-de-rosa, com pó de arroz e ruge nas faces, sentou-se numa poltrona oposta e se inclinou para a frente, como se estivesse desesperada para falar com Esme desde o começa da noite. — Sem dúvida ele mudou muito depois do casamento. Você é tão adorável que Dubhagen certamente não tem necessidade de traí-la. Eu espero muito que não. Ele era muito galanteador em sua juventude. — Tenho certeza de que lady Dubhagen não precisa ouvir sobre todos os segredos da família do marido — protestou lady Stantonby suavemente. — Bem, ela deve ser grata por ter se casado com o mais velho, e não com o mais novo... Quinine, ou Quentin, ou seja lá qual for o nome dele — disse lady Elvira. — 49

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore Expulso da escola, passava os dias jogando e bebendo, ou enfiado em festas. — Ela deu um tapinha no braço de Esme com seu delicado leque feito de marfim entalhado. — Ele era um malandro, eu lhe garanto. Não é de admirar que o pai o renegou... mas tenho certeza de que você sabe tudo sobre isso. — Na verdade, eu não sei. Não sei muita coisa sobre o filho mais novo do conde — replicou Esme com sinceridade, subitamente satisfeita pelos homens não estarem ali, e esperando que eles continuassem na sala de jantar por mais um tempo. Os olhos de lady Elvira se arregalaram. — Não? Pobre homem, deve se sentir muito envergonhado de falar do irmão. — Ou triste — disse uma mulher mais velha, enquanto se sentava do outro lado de Esme. Diferentemente de lady Elvira, lady Marchmont usava um vestido verde, de bom gosto, com um colar de topázios no pescoço e uma pena de pavão nos cabelos pretos. Apenas algumas rugas ao redor dos olhos levemente acinzentados sugeriam que tinha mais de 25 anos. — O primo de meu marido conheceu Quintus MacLachlann na escola. Ele acha que o pobre homem foi muito caluniado. — Se meu filho tivesse sido expulso da escola por estar bêbado em público, eu também o teria renegado — disse lady Stantonby com um suspiro desdenhoso. — Meu marido me contou que Quintus se embriagou porque tinha acabado de descobrir que a mãe falecera, e ele não teve permissão de ir para casa, a fim de comparecer ao funeral. Ele acha que Quintus fez aquilo de modo que eles tivessem de enviá-o de volta a Edimburgo. Esme uniu as mãos no colo e seu coração se encheu de compaixão, tanto por MacLachlann quanto pela mãe dele, que havia morrido com o filho longe, na escola. — Ele amava a mãe, então? — Oh, sim, muito. — Eles eram muito parecidos — observou lady Elvira de maneira raivosa. — Ela era linda, e bastante inútil, exceto para ter filhos, é claro. Pelo menos nunca houve a menor dúvida de que os filhos dela também eram do conde... todos eles se parecem muito com o pai. Caso contrário, bem... ela estava sempre indo a bailes e festas. — Procurando todas as oportunidades para estar fora de casa — concordou lady Stantonby. — O conde era um homem de temperamento forte e podia ser altamente desagradável, embora tenha sido o dote de noiva dela que o permitiu manter sua propriedade. Se o casamento deles tinha sido infeliz, Esme não culpava nem um pouco a mãe de MacLachlann por querer ficar longe do marido a cada chance que tivesse. Na verdade, Esme teria aconselhado a mulher a pedir o divórcio, embora supusesse que o medo de nunca mais ver os filhos impedisse tal curso de ação. As mulheres sempre temiam essa ameaça em processos de divórcio, uma vez que os homens possuíam a vantagem legal nesse aspecto também. — Ah, aí vêm os cavalheiros — murmurou lady Stantonby quando o pai de Catriona entrou na sala, seguido pelo resto dos cavalheiros, inclusive por MacLachlann. Como antes, ele parecia totalmente à vontade naquele traje justo de noite, e um perfeito lorde. — Seu marido é certamente o homem mais elegante aqui — disse lady Elvira, chamando a atenção de Esme mais uma vez ―, então suponho que, mesmo que ele tenha o temperamento do pai, há certas compensações. — Suponho que sim — concordou Esme com uma risadinha, mesmo enquanto tentava não imaginar quais seriam exatamente aquelas compensações, ou como seria recebê-las. Catriona imediatamente se aproximou do pai, conduzindo-o para a poltrona perto da lareira. Os outros cavalheiros, com uma notável exceção, se espalharam ao redor da sala. 50

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore MacLachlann andou diretamente para Esme, e ela se levantou para encontrá-lo. Com o que parecia um brilho ansioso nos olhos, ele logo a afastou dos outros, e a conduziu para uma alcova sombreada. Ela não tinha escolha senão segui-lo, raciocinou, com tantas pessoas na sala. As mulheres observaram cada passo, e começaram a sussurrar ansiosamente, enquanto mais do que uma a olhava com inveja descarada. Mas o que ele estava fazendo, e por quê? E por que ele tinha aquela expressão em particular no rosto? E onde estava o advogado? Até agora, tudo que Esme havia descoberto era que ele gostava do trabalho que fazia, e achava as diferenças entre as leis escocesas e inglesas fascinantes. — O que aconteceu com o sr. McHeath? — perguntou ela num sussurro. — Ele tinha negócios que não podiam esperar — replicou MacLachlann em tom de voz baixo. — Que pena. Eu terei de arranjar um encontro com ele algum outro dia. O semblante de MacLachlann se tornou irritado. — Porquê? Ela pensou que aquilo fosse óbvio. — Como advogado do conde, ele tem muita influência sobre as decisões do conde... ou poderia ter, se escolher exercê-las — explicou Esme. — Eu espero que ele não esteja envolvido em nenhum tipo de fraude com o conde, mas não sou tão ingênua para acreditar na honestidade de McHeath simplesmente pelo fato de ele ser advogado. Se ele é um vigarista, eu pretendo lhe dar a oportunidade de tentar nos enganar também, e que maneira melhor de fazer isso do que através de sua esposa desprovida de inteligência? — Que razão você daria para marcar um encontro com ele? — perguntou MacLachlann, franzindo o cenho. — Direi a ele que tenho preocupações sobre como você irá usar meu dote de noiva. — Você não teria nada a dizer sobre tal questão — apontou ele. — Tenho total ciência dos limites dos direitos de uma esposa sob a lei — replicou Esme. — Todavia, considerando o jeito como tenho agido, duvido que o sr. McHeath ficará surpreso se eu confessar completa ignorância sobre o que foi feito do dote. — E se ele tentar seduzi-la? Como se ela fosse alguma garota ingênua e inocente, recém— saída de um convento! — Como você já deveria saber a essa altura, eu não sou facilmente balançada por aparências ou charme. Apenas quero dar a ele a chance de expor alguma iniciativa criminosa na qual talvez esteja envolvido. — Ele pode estar ansioso para expor alguma coisa — concordou MacLachlann amargamente. — Não seja repulsivo. — Esse é um aviso — murmurou ele, deslizando um dedo ao longo do rosto dela. Esme recuou, não porque o toque era desagradável, mas porque foi inesperado... E agradável demais. Ela baixou os olhos, enrubescendo. Podia sentir o cheiro da colônia dele... Um maravilhoso aroma de madeira que se misturava com a goma da camisa e a lã do casaco... E sentir o corpo poderoso próximo ao seu. — O que você está fazendo? — demandou ela com irritação contida. — Tratando de agir como seu marido, e dando assunto para os outros falarem — murmurou ele, inclinando-se para mais perto, o corpo a meros centímetros do seu. — Qual é o problema, Esme? Está com medo de que eu a beije de novo? Ou está com a esperança de que eu faça isso? As últimas palavras estavam muito perto da verdade. Perto demais. — Afaste-se — avisou ela. — Não tenha medo, florzinha. Nem mesmo eu a beijaria com essas fofocas acontecendo. 51

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore Esme respirou novamente, e ergueu os olhos para encontrá-lo encarando-a com uma expressão muito estranha. Ele parecia quase... Desejoso. — McHeath provavelmente agarrará a chance de encontrá-la, mesmo se estiver tentado a retirar seus serviços depois de nossa pequena discussão na sala de jantar. Ela precisava perguntar, precisava saber: — Aquelas opiniões eram suas? — Deus, não. Eram de meu irmão, e seriam opiniões bem conhecidas, de modo que eu não tive escolha senão falar aquelas coisas. E não esperei que McHeath ficasse tão zangado. Pensei que todos os advogados conseguissem manter a cabeça fria. Normalmente Esme conseguia, exceto quando estava perto de MacLachlann. — Talvez nada ilegal esteja acontecendo com os assuntos do conde — continuou MacLachlann, ainda perto o bastante para beijá-la. — Você notou quanto vinho ele bebeu no jantar? Talvez esteja tendo dificuldades financeiras porque o vinho está embotando seu julgamento. Ela não havia notado, embora devesse. Não deveria estar tão distraída pela ânsia de discutir as diferenças entre as leis escocesas e inglesas com McHeath, ou tão consciente de como MacLachlann estava bonito naquele traje noturno, ou com que freqüência ele se inclinava para mais perto de Catriona para ouvir o que ela estava dizendo. Ele gesticulou com a cabeça para o fundo da sala de estar, onde lady Marchmont se preparava para tocar piano, e alguns lacaios moviam cadeiras para abrir espaço para a dança. — Assim que a dança começar, nós devemos ir para a biblioteca do conde. Você sai da sala primeiro, e eu a sigo um pouco depois. Catriona diz que a biblioteca fica na direção dos fundos da casa. A porta é à esquerda da pintura do castelo de Edimburgo. Felizmente MacLachlann recuou sem tocá-la. — Até lá, sugiro que você converse com aquelas tagarelas, que estão, sem dúvida, decidindo que a Jamaica não fez bem à minha saúde, que você está muito magra e nosso casamento é um desastre. Eu tentarei entreter o conde numa discussão sobre as terras dele na região das Terras Altas. Após alguns momentos, peça licença a se dirija à biblioteca. Logo em seguida, eu a encontrarei lá. — Muito bem — replicou ela, não tendo plano alternativo, e achando muito difícil pensar com ele tão perto. Ele lhe segurou o rosto com a palma. — Não se preocupe. Apenas faça perguntas sobre as famílias delas, e não terá de dizer uma palavra sobre si mesma. O toque gentil e as palavras tranquilizadoras eram mais agradáveis do que Esme queria reconhecer. — Até mais tarde, então. MacLachIann assentiu e foi em direção ao conde e a Catriona, que estava sentada ao lado do pai e cercada por um grupo de homens jovens, que pertenciam a famílias ricas. Mais que um tinha um título e herdaria uma propriedade. Todavia, nenhum deles comandava atenção do jeito que MacLachIann o fazia, simplesmente por atravessar a sala ampla. Na primeira oportunidade, e após se certificar de que ninguém a estava observando, Esme escapou da sala de estar e entrou no corredor principal. Com o coração disparado, seguiu o corredor em direção aos fundos da casa, procurando o quadro do castelo de Edimburgo. Como ladrões agüentavam a tensão, o medo de serem descobertos a qualquer momento, o terror de serem capturados, especialmente sabendo das usuais conseqüências sob a lei?

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HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore Finalmente ela viu a pintura do castelo, e se apressou para perto da porta da biblioteca do conde. Tentou girar a maçaneta, e descobriu que a sala estava realmente trancada. Quase ao mesmo tempo, ouviu vozes vindas da sala de estar. Que desculpa daria se alguém a visse? Se dissesse que estava perdida, isso poderia funcionar. Ou poderia alegar que estava admirando a pintura do castelo. Ela inclinou a cabeça e deu alguns passos à frente, a fim de estudar o quadro, quando as vozes felizmente se afastavam. A pintura parecia sem perspectiva e aquelas nuvens davam a impressão mais de lã do que... — Você nunca seria uma boa espiã. Arfando, Esme se virou, para encontrar MacLachlann bem atrás de si. — De onde você veio? — demandou ela num sussurro. — Pela escada dos criados — respondeu ele calmamente. — É um milagre que ninguém o viu se escondendo por aí e chamou a polícia. — Nenhum milagre nisso. Apenas experiência e saber a hora certa para agir — disse ele, olhando-a. — Então eu sugiro que você use um pouco dessa experiência para entrar na biblioteca — replicou ela, ansiosa para completar a tarefa. Aquela excitação de medo era muito diferente de suas excitações usuais... Encontrar precedentes legais obscuros ou a redação perfeita para um contrato... E era tão desagradável quanto Esme tinha esperado. MacLachlann tirou alguma coisa do bolso do paletó, que inseriu no buraco da fechadura da porta. Ela não devia estar surpresa de que ele não somente sabia abrir portas trancadas, mas que também possuía as ferramentas para fazer isso. Ele girou a ferramenta pontuda, até que ela ouviu um clique suave, então abriu a porta e gesticulou para que Esme o precedesse para dentro. Esperando que não batesse em algum móvel ou não derrubasse alguma coisa, ela adentrou a sala escura. MacLachlann a seguiu, aparentemente sem tais preocupações. Sem demora, ele atravessou o cômodo até a janela e abriu as cortinas grossas. No momento em que Esme fechou a porta, um facho de luz da lua caiu diretamente sobre a escrivaninha perto da porta. Quando seus olhos se ajustaram à luz disponível, Esme notou uma mesa de madeira com uma cadeira estofada Carlos II atrás dela, na frente das janelas, e uma cadeira reclinável do lado oposto, perto da lareira. As paredes eram alinhadas com prateleiras de livros e retratos, incluindo um de Catriona sobre a lareira de mármore preta. Devia ter sido pintado na época que Jamie a conhecera e se apaixonara, pois o retrato descrevia, com perfeição, a linda jovem de quem Esme se recordava. No retrato, Catriona estava de pé num jardim, e segurando um buquê de rosas brancas tão exuberantes e frescas quanto ela. Como se eles tivessem todo o tempo do mundo, e tivessem apenas de determinar os hábitos de leitura do conde, MacLachlann vagava ao redor da sala, estudando as prateleiras, enquanto Esme ia diretamente para a mesa. Ela tentou abrir uma gaveta, apenas para descobrir que esta não se movia. — Você pode abrir esta também? — perguntou num sussurro. MacLachlann não parou de andar ao redor da sala. — Ele não guardaria nada importante aí. Cartas e recibos, talvez, mas não documentos legais. — Como você pode estar tão certo? — Porque isso é óbvio. Embora o conde possa ter perdido algumas de suas faculdades mentais, sempre foi o tipo de sujeito ardiloso e desconfiado, ou assim eu me 53

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore lembro de meu pai ter comentado numa das poucas vezes em que falou comigo sobre alguma coisa além de meus defeitos e fracassos. Aquele não parecia o momento apropriado para lhe dizer o que ela ouvira sobre a família dele. Além disso, o que diria exatamente? Sinto muito que seu pai era um bruto? Gostei de saber que você amou sua mãe? — É mais provável que haja algum tipo de armário escondido, ou talvez até mesmo um gabinete à prova de fogo escondido dentro da parede ou de prateleiras, ou atrás de um painel deslizante. Procure alguma coisa que pareça estranha ou fora de lugar, ou algo incomum nos objetos de madeira. — Eu não acho que posso ver bem o bastante — admitiu ela. Ele estendeu uma das mãos e mexeu nos dedos. — Use as pontas de seus dedos. Tentando não visualizar aqueles mesmos dedos roçando em seu rosto e seu corpo nu, Esme fez como ele sugeriu, começando com a borda decorativa da mesa. — Como você consegue enxergar tão bem, quando eu não consigo? — perguntou ela. — Talvez porque eu não passe o tempo inteiro lendo livros de Direito sob iluminação precária. Talvez ele tivesse razão. No futuro, ela se esforçaria para garantir melhor iluminação quando fizesse suas pesquisas. Infelizmente, sua exploração da mesa e do exterior das gavetas não levou à descoberta de nada incomum, nem ela conseguiu abrir alguma gaveta. Pensando que pudesse sentir ao redor a parte de baixo do tampo da mesa, sentou-se na cadeira... E ouviu o som familiar de papel amassando. Abaixo de si. Levantando-se, tateou ao redor das extremidades da almofada do assento, e primeiro encontrou um fio solto, depois um buraco na costura largo o bastante para enfiar sua mão dentro. — MacLachlann, venha aqui! — sussurrou ela de maneira empolgada. — Eu achei alguma coisa! Enquanto ele se aproximava, Esme puxou diversos documentos tanto de papel almaço quanto de pergaminho de dentro da almofada, e os colocou sobre a mesa. Alguns estavam meramente dobrados, enquanto outros estavam dobrados e selados com cera e fita, com uma notificação identificadora do lado externo. A letra era mal legível na luz parca. Um dos documentos era o último desejo e testamento do atual conde de Duncombe, e outro era o último desejo e testamento do pai dele. Havia o acordo nupcial entre o conde e sua esposa falecida também. Esme desdobrou os papéis e descobriu diversas notas promissórias e hipotecas que o conde tinha dado, algumas de valores muito altos. — Deus, eu sabia que o homem era rico, mas não tinha idéia — murmurou MacLachlann, enquanto parava ao lado dela e estudava os documentos. — Tudo parece completamente em ordem — disse Esme. — Na verdade, pela leitura rápida dos papéis, ela diria que aqueles não eram somente documentos legais e legítimos, como também tão bons quanto qualquer coisa que ela... ou Jamie... pudessem ter redigido. — Parecem honestos para mim — concordou MacLachlann. — Nenhum destes envolve fundos recebidos pelo conde — observou Esme. Na verdade, em cada caso, era o conde quem providenciara o dinheiro para as notas promissórias ou hipotecas. — Os problemas financeiros dele poderiam ser resultado de pessoas não pagando os reembolsos devidos? — Talvez — disse MacLachlann presumindo que esses empréstimos foram feitos para pessoas de verdade. 54

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore Esme não precisou perguntar o que ele queria dizer com aquilo. Fazer o conde emprestar dinheiro para indivíduos não existentes seria uma maneira de roubá-lo, e seria uma maneira que necessariamente envolveria o advogado dele. — Iremos descobrir se estas são pessoas reais — continuou ele. — Se não forem... — Catriona precisará fazer uma acusação formal contra o sr. McHeath — completou Esme por ele, e com firmeza. Embora detestasse pensar que um advogado abusaria da confiança de seu cliente dessa forma, se assim tivesse acontecido ele deveria ser detido. — Se estas forem pessoas reais, nós teremos de tentar descobrir a situação financeira delas também. — Precisaremos de uma caneta, tinta e papel para fazer anotações dos nomes — observou MacLachlann, olhando sobre o topo vazio da mesa. — Não há necessidade disso — disse ela enquanto começava a dobrar os documentos. — Eu me lembrarei dos nomes. MacLachlann hesitou somente por um instante, antes de inclinar a cabeça em aceitação. — Jamie diz que você tem uma memória notável. — Porque eu a treinei — replicou ela, tentando não se sentir tão alegre pelo elogio. Era um elogio de segunda mão, no fim das contas, baseado em alguma coisa que seu irmão falara a seu respeito. MacLachlann pegou o testamento do conde, obviamente pretendendo abri-lo. Apavorada, Esme segurou o braço dele para impedi-lo. — Nós não podemos abrir isso. Está selado — protestou ela, gesticulando a cabeça para o lacre de cera vermelha com a insígnia do conde. MacLachlann arqueou uma sobrancelha e, pegando um canivete da mesa, deslizouo por baixo do selo. Esme tinha sentido uma onda de culpa por entrar na biblioteca trancada. Aceitando que aquilo era necessário, até mesmo experimentara uma sensação de vitória quando encontrara os documentos escondidos. Mas abrir e ler um documento legal selado... Ela havia tentado impedi-lo, racionalizou quando sua curiosidade começou a dominá-la. — Leve-o para a janela, de modo que eu possa lê-lo melhor. MacLachlann lhe entregou o testamento e ficou ao seu lado enquanto ela lia o mais rapidamente possível, cuidando para não perder nenhum dado importante. O testamento era detalhado, preciso, claro... Assim como tão bem redigido quanto qualquer documento que ela ou Jamie teriam criado. — Nós não podemos ficar longe da sala de estar por muito mais tempo — disse MacLachlann quando ela se aproximava do final. — Este é um excelente testamento. Acho que eu nunca vi um melhor, e embora o documento nomeie Gordon McHeath como executor, ele não deve receber uma porcentagem dos bens. Está citado o valor pelos seus honorários aqui, e este é menor do que Jamie teria pedido por uma situação similar. — Você acha que isso significa que McHeath é inocente de qualquer delito? Ela queria responder de maneira afirmativa, mas tinha de ser honesta: — Acho que se ele estiver envolvido em alguma coisa ilegal não tem nada a ver com o testamento, o qual precisa ser selado novamente, de alguma maneira. — Oh, você tem pouca fé — disse MacLachlann, pegando o documento da mão dela. Então, sentou-se na cadeira, dobrou O testamento e o colocou sobre a mesa com o selo no topo de madeira, depois soprou com força sobre este. — Não ficará bem selado, mas bom o bastante — murmurou ele enquanto pressionava a palma sobre o papel. — Isso não irá danificar o selo? 55

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore — Se estiver um pouco rachado, quem poderá provar que não foi porque o conde se sentou sobre ele? Isso era verdade, Esme supôs. — Você se lembra da ordem em que os papéis estavam dentro da almofada da cadeira? — perguntou ele quando se levantou. — Sim — respondeu ela, abençoando sua memória retentiva. Esme os colocou na ordem certa e, então, retomou-os ao lugar de esconderijo. — Engenhoso, realmente — murmurou ela. — Foi por mero acaso que eu me sentei nesta cadeira e ouvi o baralho de papel. — Talvez você devesse considerar jogar. Ela estava prestes a responder que não tinha desejo de desperdiçar dinheiro, mas a lembrança das perdas do passado dele a fez permanecer calada. Enquanto isso, MacLachlann fechou as cortinas, deixando-os no escuro. Esme colocou uma das mãos sobre a mesa para se orientar, e começou a andar em direção à porta, então hesitou, incerta, até que sentiu a mão dele em seu cotovelo. — Bom Deus, Esme, você tem lido demais. Ficará cega se não tomar mais cuidado. Ali, no escuro e em tamanha proximidade, MacLachlann parecia sinceramente preocupado com ela. Muito ciente do corpo dele, ouvindo o som suave de sua respiração, inalando o aroma da colônia masculina, assim como o cheiro de goma e de lã, ela podia facilmente acreditar que eles estavam sozinhos na casa, e que não havia nada ou ninguém para impedi-lo de tomá-la nos braços e... — Você não ajudará muito a Jamie se estiver cega — observou MacLachlann, o tom de voz casual como um banho de água fria, acordando-a e levando-a de volta à realidade, enquanto ele a guiava para a frente. Ele abriu a porta e espiou o corredor. — O caminho está livre. Você vai na frente, e eu sigo depois. Esme saiu da sala e esperou que MacLachlann também saísse. Relaxou e exalou a respiração devagar depois que ele trancou a porta. Até que ouviu pessoas falando e passos se aproximando, vindos da sala de estar, e mais vozes vindas do lado oposto do corredor, deixando-os presos no meio. Ela olhou para MacLachlann com desespero. — O que nós vamos...? Ele a empurrou contra a parede, então lhe cobriu a boca com a sua.

Capítulo Nove

O choque de Esme durou um mero momento, antes que ela erguesse as mãos para empurrá-lo. MacLachlann deslizou a boca para mais perto de sua orelha. — Nós somos supostamente casados — sussurrou ele, enquanto angulava um joelho entre as pernas dela, criando uma pressão de um tipo que Esme nunca tinha experimentado antes, uma pressão tão excitante quanto os toques e os beijos dele. MacLachlann lhe encontrou a boca novamente e insinuou a língua entre seus lábios. 56

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore Os protestos de Esme e qualquer pensamento de meramente fingir estar excitada desapareceram quando seu corpo respondeu às sensações daqueles lábios sensuais nos seus e do corpo musculoso a pressionando. Desejo a dominou. Paixão a consumiu, enquanto ela relaxava completamente contra ele, de modo que parecia que apenas os braços fortes de MacLachlann a estavam mantendo ereta. Uma mão lhe segurou o quadril, então o torso, movendo-se para um de seus seios. Aquilo era chocantemente íntimo, inacreditavelmente excitante e... — Ora, ora! — exclamou lady Elvira, a súbita explosão da voz em tom de desdém tirando Esme de sua nuvem de desejo. MacLachlann a soltou, e Esme descobriu que suas pernas eram realmente capazes de mantê-la em pé. Quando ele deu um passo atrás, evidenciou um leve rubor no rosto, e um brilho hostil nos olhos. Ela desejou que soubesse o quanto da reação de MacLachlann era real, e o quanto era fingimento, exceto que... Se ele realmente estivesse irritado porque eles tinham sido forçados a parar, o que aquilo significava? Ela queria muito uma resposta para tal pergunta. — Ah, Dubhagen e sua bonita esposa — disse o velho conde, enquanto Esme se esforçava para controlar suas emoções tumultuosas. — Isso é uma surpresa — observou lady Elvira com sarcasmo. — É uma surpresa que eu queira beijar minha linda esposa? — MacLachlann respondeu friamente, arqueando uma sobrancelha quando dois lacaios passaram a caminho da sala de jantar, pela escada dos fundos. Eram provavelmente as vozes que eles tinham ouvido vindas da direção oposta. — Você estava fazendo muito mais que beijar — observou lady Elvira com irritação. — Nem de perto tanto quanto eu gostaria — retrucou MacLachlann sem um pingo de acanhamento, enquanto Esme enrubescia dos pés à cabeça. Não apenas a situação era humilhante, mas suas próprias reações também estavam zombando de sua determinação de estar no comando daquela missão, e de MacLachlann. — Talvez seja melhor irmos embora — continuou MacLachlann, pegando o braço de Esme. — Boa noite, lorde Duncombe. Obrigado, e agradeça à sua filha charmosa também por uma noite adorável. Vamos, minha querida, antes que lady Elvira tenha um ataque. Com os braços cruzados sobre o peito, franzindo a testa como só Esme sabia franzir, a suposta esposa de Quinn se espremeu num canto da carruagem como se estivesse determinada a ficar o mais longe dele possível. Se ela pretendia fingir que ele não estava lá, Quinn a ignoraria também. Não era culpa sua que lady Elvira, o conde e alguns criados tinham aparecido no corredor, todos ao mesmo tempo. Ela preferia que eles tivessem sido pegos dentro da biblioteca? — Eu não pude pensar em nenhuma outra coisa para fazer naquele momento, a fim de não levantar suspeita, ou, acredite, eu teria feito — murmurou ele, dizendo a si mesmo que aquilo era verdade. Além disso, apesar de todos os protestos, Esme tinha respondido aos seus beijos de maneira apaixonada. Ela poderia alegar que só estava fingindo, mas, ou era a melhor atriz do mundo, ou se sentira tão excitada pelos abraços deles quanto Quinn. Embora ele não devesse sentir nada. Ela era irmã de Jamie, no fim das contas. — Eu acho interessante você pensar somente em certas atividades íntimas em momentos de dificuldade — replicou ela com seriedade, falando como se beijá-lo fosse o equivalente a ser forçada a engolir alguma medicação de gosto horrível. — Você é escravo de sua natureza básica ou tem uma distinta falta de imaginação. E eu sugiro que tome cuidado com seu comportamento em relação a Catriona. Se o pai dela pensar que você está tentando seduzi-la, isso destruiria nossos esforços... embora pior ainda seria o quanto Jamie ficaria chateado. Ele não podia acreditar no que estava ouvindo. 57

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore — O que eu fiz para levá-la a pensar que tenho tal intenção? — O jeito que você olhou para ela durante o jantar. — De acordo com essa avaliação, você deve estar completamente apaixonada pelo sr. McHeath. Ela franziu a testa ainda mais. — E você por ela. — Você olhava para o advogado como se ele fosse o rei Arthur ressuscitado. — Eu não tenho sentimentos de paixão pelo sr. McHeath! — Como eu não tenho sentimentos de paixão ou intenções de sedução em relação a lady Catriona. E você honestamente me acha capaz de tamanha ingratidão, que eu tentaria seduzir a mulher que seu irmão amou? — Sim! Quintus MacLachlann tinha sido insultado muitas vezes e de muitas maneiras, mas nenhuma ferira tanto seu coração como a resposta de Esme, falada com tanta convicção. — Bem, eu não seria! E não era como se ela fosse um anjo, ou tivesse algum amor em seu coração pela mulher que rejeitara o irmão. — Eu confesso que fico atônito que você sinta que lady Catriona merece sua proteção desnecessária. Seu preconceito contra a mulher está óbvio desde o momento em que Jamie mencionou o nome dela. — Independentemente do que ela fez — retrucou Esme ―, Catriona é mulher, e nós, mulheres, devemos nos unir contra malandros sedutores. Ele era um patife sedutor, não era? E nunca seria outra coisa aos olhos de Esme, sem dúvida. Muito bem, então. Ele lhe ensinaria uma lição sobre sedução que ela não esqueceria tão cedo. — Você me magoou, Esme — disse ele, demonstrando toda sua dor sincera quando se moveu para se sentar ao lado dela. — Eu jamais seduziria lady Catriona, e não somente por causa da devoção de Jamie por ela. Por que eu faria isso, quando ela não tem o que eu procuro numa amante? Ela não tem fogo, nem faísca nem paixão... não como você. Catriona seria muito obediente também, muito facilmente cortejada e seduzida. Não como você. Esme não acreditava nele. Não poderia acreditar, pensou enquanto ia mais para o canto da carruagem, se afastando o máximo que o espaço físico permitia. Ele se aproximou mais. — Eu deveria ter pensado em outra diversão ou algum outro modo de evitar que. fossemos detectados, mas não consegui. Não quando você estava tão perto de mim, e tão linda. Linda? Isso lhe disse que ele não podia estar sendo sincero. Ela não era linda. Nunca havia sido e nunca seria. E seria tola se pensasse o contrário, quando possuía a evidência diante de si no espelho todos os dias. — Como eu poderia não querer beijá-la? Como poderia não desejá-la? E eu a desejo — declarou ele, o tom de voz baixo e carinhoso. Ela queria acreditar nele, oh, queria tanto... Até que reconheceu a expressão calculista nos olhos de MacLachlann, do tipo que vira nos olhos de um fraudador, enquanto tentava justificar suas atividades ou culpar outra pessoa por seus crimes depois que tinha sido pego. A raiva substituiu o desejo e a angústia matou o desejo. Ele era, no fim das contas, como qualquer homem que já a menosprezara, e se comportara de maneira arrogante com ela, que acreditava ser mais esperto e mais sábio por natureza do que qualquer mulher poderia ser. E como muitos outros homens bonitos, 58

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore MacLachlann tinha certeza de que ela se esqueceria de tudo, exceto do desejo de estar nos seus braços, se ele parecesse tão ávido em tê-la. O que ele realmente queria, Esme tinha certeza, era o controle. Sobre ela e sobre aquela missão dos dois. Bem, ela lhe mostraria que ele não era o único que podia fazer esse tipo de jogo. Não ouvira o bastante de criadas que tinham sido seduzidas por empregadores para saber como tal coisa era feita? Deslizou os braços ao redor do pescoço dele. — Oh, Quinn — suspirou Esme e relaxou contra o corpo forte. — Eu nunca imaginei, nunca sonhei que você poderia se sentir assim sobre mim. Ela pressionou os lábios contra os dele, movendo-os deliberadamente devagar, como se ansiando para que ele aprofundasse o beijo... Algo que MacLachlann não hesitou em fazer. Ele deslizou uma das mãos para dentro de seu casaco e correu os dedos ao longo de sua clavícula, roçando a parte alta dos seios. Ela não podia sucumbir ao desejo que ele lhe despertava. Não podia. Tinha de permanecer no controle, no momento presente e pelo tempo que eles estivessem em Edimburgo. A língua quente passou entre seus lábios entreabertos, dançando com a sua, enquanto ele a puxava para seu colo. Esme sentiu a ereção sobre si e mal podia acreditar o quanto a excitava saber que MacLachlann queria fazer amor com ela. Fazer amor, não amar. A diferença era importante. Tinha de ser. Ele lhe segurou um dos seios, massageando-o gentilmente, roçando o bico com o polegar. O coração de Esme disparou ainda mais, sua respiração se tomando errática. Controle. Ela precisava de controle. Necessitava mantê-lo. Não podia entregar-se ao seu desejo. Sua luxúria. Sua ânsia de estar nos braços dele. Na cama dele. A carruagem parou. Com o coração bombeando freneticamente, Quinn abriu a porta da carruagem e saltou para o chão. Convencido de que Esme sentia mais do que luxúria... Que ela talvez gostasse dele e não fosse mais condená-lo pelo seu passado... Não se importou se chocou os criados quando estendeu os braços e a segurou pela cintura, a fim de ajudá-la a descer. Uma vez que ela estava fora da carruagem, Quinn lhe pegou a mão e a conduziu degraus acima e através da porta aberta da casa, onde um lacaio igualmente surpreso esperava. Sem prestar atenção no rapaz, ele continuou a guiá-la para o andar de cima, e depois ao longo de um corredor fracamente iluminado, enquanto avidez, desejo e excitação se misturavam em seu interior, causando-lhe um estado quase febril. Quantas vezes tinha imaginado aquilo... Ou tentado não imaginar? Talvez durante todos aqueles meses, Esme só estivera fingindo detestá-lo, por achar que deveria. Ou talvez ela o tivesse odiado até que passasse mais tempo em sua companhia, e percebesse que ele não era mais o perdulário que havia sido em sua juventude. Independentemente do que Esme estivesse pensando, ela não disse uma palavra, nem mesmo quando eles atravessaram a soleira para dentro do quarto dela. Três velas queimavam sobre a penteadeira. Havia mais algumas sobre a mesa ao lado da cama, e um fogo queimava na lareira, deixando os cantos do quarto na sombra. Prendendo a respiração, imaginando se ela o mandaria embora, Quinn se virou para encará-la. Ela era tão adorável, tão linda e serena, tão boa e verdadeira, e... Ele podia ser menos? — Esme, eu devo ir — disse Quinn, embora fosse necessário muito esforço para falar aquilo. Ela andou na sua direção. 59

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore — Depois de todas essas coisas que você me disse? Fique — suplicou Esme suavemente. — Não me deixe sozinha esta noite, Quinn. Estou sozinha há muito tempo. Assim como ele. Sozinho e solitário. Como um homem atravessando o deserto que vê água brilhando a distância, ele se aproximou, prendendo a respiração quando ela desamarrou o cordão do manto e o deixou cair no chão, até que parou diante dele, exuberante em seu lindo vestido, que não chegava nem aos pés da beleza dela. Incapaz de esperar outro momento, Quinn a puxou para si, tomando-lhe a boca com desejo fervoroso e incontido. Oh, Deus, como tinha ansiado por aquilo, mesmo antes de eles irem para Edimburgo! Quisera fazer isso desde o instante em que Esme o fitara com aqueles olhos inteligentes e brilhantes. Ela passou os braços ao redor de sua cintura e se inclinou contra ele, enquanto Quinn a abraçava como se nunca quisesse soltá-la. De maneira deliberada e apaixonada, ele moveu seus lábios sobre os dela, então entreabriu-os para aprofundar o beijo. Ele se afastou do abraço para remover o sobretudo e o paletó, deixando-os cair no chão, antes de puxá-la para mais perto novamente. Esme lhe tirou a camisa de dentro da calça e deslizou a mão por baixo, subindo-a e acariciando o peito nu antes de se afastar. — Você faria uma coisa por mim, Quinn? — perguntou ela suavemente, os olhos castanhos brilhando enquanto o fitavam. Aquela era a primeira vez em que ela o chamava pelo primeiro nome. — Qualquer coisa — respondeu ele, e estava sendo sincero. Naquele momento, faria qualquer coisa que estivesse em seu poder por ela. A expressão de Esme mudou para uma de especulação, como se ela tivesse acabado de ler uma pesquisa científica e estivesse considerando a conclusão. — Então é assim que uma pessoa usa o desejo para manipular outra — observou ela friamente. — Que interessante. Quinn arfou em choque. Aquilo tinha sido um experimento! Um truque? Porque ela assumira... Erroneamente... Que ele estava apenas tentando seduzi-la para ganhar sua cooperação? E então decidira usar o desejo dele para magoá-lo? Raiva, frustração e humilhação o percorreram com uma onda gigantesca. Como Esme podia ter feito aquilo? Como ousara? Quem ela pensava que era? — Não é sábio brincar comigo, Esme. Ela inclinou a cabeça para estudá-lo. — É terrível ser usado, não é? Entretanto, você parece pensar que é perfeitamente aceitável brincar com as mulheres. — Eu não brinco com as mulheres, ou as uso, como você está implicando. Eu satisfaço meus desejos naturais, assim como elas fazem comigo. Um pouco de sedução é natural, e sempre fica claro que não há obrigações, para nenhum de nós. E eu nunca fingiria desejo meramente para provar um ponto! Com isso, ele pegou seu paletó e o sobretudo, abriu a porta e saiu, batendo-a com toda força. Horas depois que MacLachlann tinha saído, Esme estava deitada na cama, acordada e irrequieta. Estivera apenas tentando colocar MacLachlann em seu lugar pelo mesmo tipo de método que ele empregava, até que as coisas haviam ido longe demais. Apesar dos motivos de Esme para fazer o que fizera, a raiva de MacLachlann era justificada. Mas não era na raiva dele que ela pensava agora. Era na dor que vira nos olhos azuis, atrás da raiva. Magoara-o profundamente, e essa mágoa lhe dizia que MacLachlann não estivera apenas tentando dominá-la. Talvez realmente a achasse linda, 60

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore e talvez verdadeiramente a desejasse, e ela havia zombado de tais sentimentos. Sem dúvida, MacLachlann a provocara e a ridicularizara com muita freqüência, mas não o suficiente para causar-lhe o nível de angústia que Esme vira nele, mesmo que brevemente. O que MacLachlann faria agora? Permaneceria ali, ou voltaria para Londres? Se ele ficasse, o que ela deveria dizer na próxima vez que o visse? E se ele voltasse para Londres, o que Esme deveria fazer? Se ambos retomassem a Londres, ela teria fracassado com Jamie, para quem devia tanto. Todavia, como poderia permanecer em Edimburgo se MacLachlann fosse embora? Esme se virou de lado na cama. Nunca deveria tê-lo beijado, ou tentado usar o desejo como uma arma. Por que até mesmo considerara aquilo? Nunca se sentira nem remotamente interessada em fazer algo daquele tipo com qualquer outro homem... Mas então MacLachlann não era como outro homem qualquer. Ele era sofisticado e selvagem ao mesmo tempo, inteligente e vulgar, descaradamente másculo; no entanto, podia ser compassivo também. Essas eram algumas das mesmas qualidades que o tomavam tão útil para Jamie, e outro motivo pelo qual Esme deveria manter distância. Não somente estava fazendo coisas com ele que nenhuma mulher moralmente correta deveria fazer, mas poderia também estar pondo em risco o relacionamento de seu irmão com um homem que lhe era muito útil. A porta do quarto começou a se abrir. Esme prendeu a respiração. Não era MacLachlann. Com O rosto manchado de fuligem, segurando o recipiente para carvão e uma vassoura, e arrumadeira se abaixou numa cortesia quando percebeu que Esme estava acordada e observando-a. — Eu... sinto muito, minha lady! Eu não queria acordá-la — gaguejou a garota. — Voltarei mais tarde. Esme se sentou depois que uma breve olhada no pequeno vão formado pelas cortinas confirmou que o sol estava nascendo. — Não, está tudo bem. Faça seu trabalho, por favor. — Ela saiu da cama, lavou-se e esperou que sua criada chegasse para ajudá-la com o vestido e os cabelos. Enquanto sua criada a ajudava, estava na ponta da lingua de Esme perguntar se MacLachlann estava em casa ou tinha saído, ou se dissera alguma coisa sobre fazer as malas e voltar para a cidade. Todavia, sua relutância para parecer ignorante dos planos de seu próprio marido a impediu. Após ter tomado o café da manhã sozinha, exceto pela presença do lacaio e do mordomo, Esme foi para a saleta da condessa, pegando os jornais de Edimburgo e diversos convites de várias pessoas que estavam sobre uma mesa no corredor ao longo do caminho. Julgando pela qualidade dos envelopes, os convites eram para mais jantares, festas e bailes. O conde de Duncombe e sua esposa já eram muito populares, parecia, embora se isso se devia à curiosidade das pessoas sobre eles, ou ao fato de que Quinn era bonito e charmoso, ela não poderia dizer. Quanto aos jornais, Esme supunha que a verdadeira lady Dubhagen não os lia, mas ela precisava fazer alguma coisa até que MacLachlann voltasse. Se ele voltasse. A saleta da condessa era opressivamente feminina e repleta de lembretes da espécie de vida que Esme nunca levara e nunca queria levar. Havia uma caixa de costura num canto, com um bordado inacabado saindo. Diversas peças de porcelana chinesa pintada estavam dispostas em delicadas prateleiras de madeira, e algumas das aquarelas eram obviamente de artistas amadores. Havia uma espineta num canto e uma harpa em outro, e uma caixa de madeira, contendo o que parecia ser itens para enfeitar chapéus, numa pequena mesa perto da janela. Havia uma mesa grande, adequada para servir chá, 61

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore no meio da sala, cercada por sofás bem acolchoados e cadeiras, exceto pelo lado mais perto da lareira. Tal existência... De pequenos hobbies e trabalhos manuais, reuniões sociais e fofocas sem sentido... Seria muito tediosa para Esme. Ela preferia muito mais ajudar Jamie com sua prática em Direito. Entretanto, enquanto estava sentada numa das cadeiras Luís XVI com estofado de veludo, e olhando os convites, percebeu que talvez houvesse algumas coisas que oferecessem compensações para a existência limitada de uma mulher rica... Boa comida e bebidas, criados e outros confortos. E se ela fosse esposa de um marido carinhoso e devotado, poderia haver ainda mais: a sensação dos lábios de um homem nos seus, a sensação de estar nos braços dele. Tal especulação era inútil, disse a si mesma quando pôs os convites de lado para serem respondidos mais tarde. Sua vida aqui era uma aberração, e muito em breve ela estaria de volta a Londres, levando a vida que conhecia. E preferia. A chuva começou a cair contra as vidraças, e o céu estava sombrio. Onde MacLachlann poderia estar nesse clima horrível? Em um dos clubes de cavalheiros, quente e aconchegante? Ou com uma mulher? Levantando-se, Esme foi olhar no espelho pendurado acima da lareira, estudando seu reflexo como se este pertencesse a outra mulher, que estava acostumada a ter seus cabelos penteados todos os dias, e com roupas caras, como o vestido verde que ela usava agora, com três camadas de diferentes tonalidades de verde e uma fita marrom ao longo da bainha. O tipo de mulher que não tinha dedos manchados de tinta ou passava horas lendo livros de Direito. Ela não era tão linda como Catriona, mas não era tão sem graça quanto algumas das outras ladies que conhecera. Seus cabelos castanhos penteados naquele estilo simples combinavam com seu rosto em formato de coração, e suas bochechas não eram muito pálidas. Ela levou os dedos aos lábios. Eram carnudos, macios e vermelhos. Os lábios de MacLachlann eram carnudos também, e quando tocavam os seus... Alguém bateu à porta. MacLachlann? Esme esperava que sim, mas caso não fosse, voltou rapidamente para a cadeira e escondeu os jornais não lidos debaixo da almofada. — Entre — disse ela, sentando-se no sofá de veludo azul e fazendo o possível para manter o tom de voz firme. McSweeney entrou na sala com uma bandeja de prata na mão. — Um cavalheiro está aqui para vê-la, minha lady. Normalmente ele teria anunciado a chegada de um cavalheiro para seu suposto marido primeiro, o que lhe disse que MacLachlann não estava em casa. Tentando não demonstrar desapontamento e preocupação no rosto, ela pegou o cartão e leu o nome de seu visitante. — Eu receberei o sr. McHeath com prazer. Depois que o mordomo saiu, Esme alisou sua saia e se preparou para encontrar o advogado. O sr. McHeath entrou na sala e se curvou numa cortesia que falava de um misto de prazer e deferência. Ele estava vestido exatamente como um jovem advogado próspero deveria se vestir, em roupas de boa qualidade, mas não ostentosas. O paletó era de lã azul-marinho com botões prateados, o colete, listrado de azul e cinza, a calça, cinza, e as botas, brilhantes e polidas. Ele era tão alto quanto MacLachlann, e tinha uma boa aparência, embora houvesse alguma coisa... Enfadonha sobre ele também. — Espero não estar atrapalhando, tendo chegado tão cedo no dia, minha lady. 62

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore O sotaque irlandês do sr. McHeath era mais pronunciado do que o seu ou do que o de MacLachlann, sem dúvida porque ele ficara na Escócia, enquanto Esme e MacLachlann tinham ido para a Inglaterra. A voz profunda também era desprovida do tom suave e aveludado da voz de MacLachlann. — De maneira alguma — replicou ela. — É um prazer vê-lo novamente. Eu lamentei por você ter ido embora tão cedo do jantar. — Eu também. Mas às vezes é difícil refrear meu temperamento, e ontem a noite foi uma dessas vezes. Sob tais circunstâncias, achei melhor ir embora. Esme se moveu para lhe dar espaço no sofá. — Por favor, sente-se, sr. McHeath. Ele fez como sugerido, mantendo uma distância própria entre os dois. Lembrando-se que deveria ser superficial, Esme ajustou as saias, antes de dar um suspiro melancólico. — Política causa muitas brigas. Eu acho que tais assuntos deveriam ser banidos das conversas sociais, você não acha? — Eu não gostaria de causar mais nenhuma ofensa, mas não, eu não concordo — replicou ele. — Discussões deveriam ser sempre encorajadas. Lamento apenas não ter sido capaz de permanecer calmo, e não a escolha do assunto. — Você não quer falar sobre escravidão de novo, quer? — perguntou ela, como se a ideia a apavorasse, embora, na verdade, adoraria lhe dizer que concordava com a opinião dele sobre a escravidão, assim como sobre os direitos das mulheres, e todos os motivos pelos quais concordava. — Eu vim para verificar se seu marido deseja encontrar outro advogado para lidar com os assuntos dele — admitiu McHeath. — Naturalmente eu entenderei, se ele quiser. — Eu não o vi esta manhã — confessou Esme mas espero que ele continue usando os seus serviços. No fim das contas, eles ainda precisavam descobrir se o sr. McHeath estava envolvido em algum delito, embora isso parecesse cada vez mais duvidoso. — Lady Catriona fala muito bem de você — acrescentou ela. O jovem homem corou, e, apesar de Esme não poder ter certeza absoluta de que ele era inocente de qualquer crime, sentiu-se compelida a poupá-lo do mesmo destino de seu irmão. — Ela é uma garota doce, não é? Uma pena que não se casará com ninguém sem um título... ou assim eu ouvi dizer. O rubor do advogado se aprofundou. — Tenho certeza de que o futuro marido dela será um homem de sorte. ― Você redigirá o acordo de casamento para Catriona, não vai? — Talvez. Esme alisou as saias mais uma vez, e lhe deu um sorriso encorajador. — Eu pensei que você escrevesse todos os contratos do conde e essas coisas. — Eu escrevo. — Isso deve mantê-lo muito ocupado, com certeza. — Ocupado o bastante, minha lady. — O sr. McHeath se levantou. — Eu já tomei muito do seu tempo esta manhã, minha lady, então... ― Ora. sr. McHeath, que prazer inesperado — declarou MacLachlann, entrando na sala, fazendo o coração de Esme disparar de susto. Obviamente ele não tinha partido para Londres. Mas onde teria passado a noite? Em qualquer lugar que fosse, retomara a tempo de mudar de roupa, pois agora usava roupas mais apropriadas para um dia passado fazendo pequenas tarefas na rua ou num passeio... Calça e colete cinza, casaco azul e botas de montaria. Independentemente do que ele estivera fazendo, ambos ainda tinham papéis a representar, pelo menos por enquanto. 63

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore — Olá, benzinho! — exclamou ela, apressando-se para ele e pegando-lhe o braço. Ela pôde sentir o músculo do braço forte enrijecer, como se o toque dela fosse horrível. Esme não deixaria que isso a perturbasse. — Aqui está o sr. McHeath, todo preocupado achando que você dispensaria os serviços dele por uma simples questão de diferenças de opinião. Não vai fazer isso, vai? No fim das contas, nós discordamos em tantas coisas; entretanto, você ainda me ama, não ama, benzinho? Irritação brilhou nos olhos de MacLachlann antes que ele lhe desse um sorriso condescendente. Então ele olhou para o sr. McHeath. Embora os dois homens se entreolhassem com expressões neutras, Esme podia sentir a animosidade entre eles. Era como estar numa pequena sala com dois animais ferozes prestes a se atacarem. Se o sr. McHeath desgostasse tanto de MacLachlann, por que lamentaria a perda de seus serviços? Talvez não tivesse condições de perder nenhum de seus clientes, e se estivesse com dificuldades financeiras... — Eu não vejo motivo para procurar outro advogado — replicou Maclachlann calmamente. Essas palavras não indicavam que MacLachlann estava planejando deixar Edimburgo, pensou ela com alívio. — Fico satisfeito em ouvir isso, meu lorde — murmurou o sr. McHeath, embora seu semblante não sugerisse nem um pouco de prazer quando ele fez uma reverência excessivamente rígida. — Perdoe-me, meu lorde — entoou McSweeney da soleira da porta. — Lady Catriona está... Com o chapéu inclinado para o lado, os cabelos desalinhados, o vestido não completamente abotoado e sem luvas, Catriona passou pelo mordomo atônito e entrou na sala.

Capítulo Dez

Catriona parou de maneira abrupta quando viu que Esme não estava sozinha. — Oh! Desculpem-me! Eu... não pretendia interromper. — Está tudo bem — assegurou Esme a Catriona enquanto a conduzia para o sofá, e MacLachlann pedia que McSweeney mandasse alguém trazer chá para eles imediatamente. O sr. McHeath olhou na direção de Catriona, então hesitou, e permaneceu onde estava. — Não, por favor, perdoem-me. Eu devo ir embora — protestou Catriona. — Eu não deveria perturbá-la com os meus problemas, mas não sabia o que mais fazer, em quem mais eu poderia confiar. A maioria das mulheres mais velhas de meu círculo social faz muita fofoca, e lady Marchmont disse que visitaria a filha esta manhã, então eu... eu vim aqui. É papai. — Ele está doente? — perguntou Esme, tomando cuidado para que o sr. McHeath não percebesse que ela sabia alguma coisa sobre a situação financeira do conde, e esperando que Catriona tivesse a presença de espírito para estar consciente disso também. 64

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore — Não fisicamente, embora ele esteja muito angustiado. Temo que esteja sofrendo sérias perdas financeiras, mas ele não me contará. Quando os olhos verdes de Catriona se encheram de lágrimas, Esme arriscou uma olhada para o jovem advogado, que parecia genuinamente confuso. Ela vira muitas emoções falsas dos clientes de seu irmão para convencê-la de que, a menos que estivesse muito enganada, ou que o sr. McHeath fosse um grande ator, a aflição dele era sincera. Todavia, era possível que ele fosse um grande ator, e nesse caso eles deveriam sugerir que ele partisse. Esme deu um olhar significativo para MacLachlann, mas ele meramente inclinou o cotovelo sobre o consolo da lareira e observou a cena de maneira desapaixonada, como se todos fossem personagens numa peça teatral. Ou ele não se importava se o sr. McHeath ouvisse o que Catriona tinha a dizer, ou não achava que o advogado estava envolvido em qualquer ato desonesto. Esme também não queria desconfiar do sr. McHeath, mas cautela não era sempre o curso de ação mais sábio? Infelizmente, uma vez que nem Catriona nem MacLachlann pareciam pensar que o advogado deveria partir, e ela não sabia como fazer a sugestão sem despertar a desconfiança de McHeath de que tudo não era o que parecia ser, ele teria de ficar por enquanto. A sra. Llewellan Jones chegou à porta, carregando uma grande bandeja, com um bule de chá de prata, leite, açúcar e quatro conjuntos de xícaras e pires. Sem uma palavra, como se Catriona fosse invisível e suas fungadas inaudíveis, ela pôs a bandeja sobre a mesa redonda no centro da sala e se retirou. Esme serviu uma xícara de chá para Catriona. Ela não sabia se a jovem mulher gostava de açúcar, mas adoçou o chá de qualquer forma. — Beba isto. Está bom e quente — murmurou ela, estendendo-Ihe a xícara. — Obrigada — sussurrou Catriona. Ela tomou alguns goles de chá, então deu um suspiro trêmulo antes de continuar: — Papai estava muito agitado no café da manhã, hoje. Mal tocou a comida, e isso é incomum para ele. Havia alguns papéis sobre a mesa e ele ficou o tempo inteiro olhando para eles. — Eram documentos legais? — perguntou o sr. McHeath. Catriona meneou a cabeça. — Não, pareciam cartas, mas, quando eu me aproximei, ele as dobrou rapidamente, de modo que não pude ver nada do conteúdo. Ela fungou novamente, e, sem fazer nenhum comentário, Esme lhe tirou xícara e pires, quando as peças de porcelana começaram a balançar nas mãos trêmulas de Catriona. — Obrigada — disse a mulher, angustiada novamente, antes de continuar: — Papa finalmente me contou, com grande agitação, que nós não iremos para Londres na estação de festas deste ano. — Ela os fitou com ar de desespero. — Vocês tinham de ter visto a expressão dele quando falou isso! Eu não o questionei sobre o motivo... estava com medo de aborrecê-lo mais... e então ele disse que nós... não tínhamos condições de viajar! O sr. McHeath não teria parecido mais chocado se Catriona tivesse anunciado que o pai tinha roubado o Banco da Inglaterra. — Não tinham condições? — repetiu o advogado com incredulidade. — Ele usou exatamente essas palavras? Aquela reação não parecia fingida também, embora fosse possível que o sr. McHeath não estivesse tão chocado pela perda quanto pelo fato de o conde ter revelado alguma coisa sobre sua situação financeira para a filha. Com tristeza, Catriona assentiu com um movimento da cabeça. 65

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore — Seu pai disse que ele não tinha condições, ou que você não tinha condições de viajar? — indagou MacLachlann. — Ele falou que nós não tínhamos condições — esclareceu Catriona. — Você presume que ele quis dizer financeiramente. — O que mais ele poderia querer dizer? — questionou Esme. MacLachlann uniu as mãos atrás das costas e deu alguns passos à frente. — Há muitas maneiras de pagar por alguma coisa, e dinheiro é apenas uma delas. Talvez ele tenha querido dizer que vocês não tinham condições de dispor de tempo para viajar, por exemplo. — O que mais eles têm para fazer? — demandou Esme, tarde demais se lembrando de que deveria agir como alguém desprovida de inteligência. Rapidamente arregalou os olhos e falou como se estivesse confusa: — É a estação de festas, benzinho. Não há nada mais importante do que a estação de festas! — Pode ser importante para uma jovem procurando desesperadamente um marido, mas a herdeira do conde dificilmente está nesta posição. — Apontou MacLachlann calmamente. — Talvez o conde estivesse se referindo ao custo de morar em Londres. O qual está muito alto no momento atual. — Mas ele é rico! — protestou Esme daquela mesma maneira confusa. — Certamente tem condições de gastar... a menos que alguma coisa terrível tenha acontecido. Em vez de responder a Esme, o sr. McHeath se dirigiu a Catriona: — Duvido que qualquer coisa que tenha acontecido seja tão ruim quanto o conde pensa — disse ele, mais uma vez parecendo sincero. — Acho que seu pai tende a ter uma visão muito pessimista da situação, qualquer que seja esta. Eu irei encontrá-lo agora mesmo e ver se consigo descobrir o que aconteceu exatamente. Talvez ele seja mais direto com seu advogado do que seria com sua filha. — Oh, obrigada! Eu ficaria imensamente grata se você fizesse isso! — exclamou Catriona, batendo palmas como se ele fosse a resposta pelas suas preces. — Posso levar vocês dois em minha carruagem — ofereceu MacLachlann. — Talvez eu também possa oferecer alguma ajuda ao conde, se ele está assim tão aflito. — Eu irei com vocês — acrescentou Esme rapidamente, e não apenas porque aquela poderia ser uma boa oportunidade para descobrir o que estava errado com as finanças do conde. Apesar do que Catriona tinha feito com Jamie, ela estava claramente à mercê do pai, uma situação que sempre despertava compaixão. — Eu aceitaria de bom grado a oferta da carruagem. Todavia, acredito que o conde prefere manter sua situação financeira privada — replicou o sr. McHeath, o tom de voz amigável, mas a expressão determinada... Uma mudança interessante, e uma que fez Esme imaginar se não tinha sido precipitada em absolvê-lo de qualquer envolvimento em alguma falcatrua financeira. — Na verdade, eu acho que ele prefere — concordou Catriona, levantando-se. — Temo que meu pai se recusará a falar de negócios se você retomar comigo, lorde Dubhagen, ou você, minha lady, e minha própria carruagem está esperando do lado de fora. O que significava que eles não tinham escolha, exceto ficar para trás. — Bom dia, meu lorde, minha lady — disse o sr. McHeath. Então, voltou-se para Catriona com um sorriso gentil. — Vamos, minha lady! Com os olhos baixos e um "adeus" murmurado, Catriona permitiu que ele o conduzisse para fora da sala. Assim que eles saíram, Esme se sentou no sofá, nem um pouco satisfeita com o que tinha acabado de testemunhar. 66

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore — Se Catriona confia tanto assim no sr. McHeath, por que se incomodou em escrever para Jamie e pedir a ajuda dele? E se ela não confia, por que permitiu que ele a acompanhasse até sua casa? Essa teria sido uma excelente oportunidade para descobrir alguma coisa sobre as negociações do conde, e para observar o relacionamento dele com o sr. McHeath. Nós poderíamos ter sido capazes de determinar de uma vez por todas se o advogado dele está agindo de maneira imprópria. MacLachlann andou até uma das aquarelas de uma paisagem das Terras Altas, com algumas ruínas no primeiro plano, antes de voltar-se para ela. — Como você diz, isso teria ajudado a nossa investigação, mas foi melhor que Catriona não tenha aceitado nossas ofertas. Teria parecido muito estranho se ela preferisse nossa assistência quando o advogado estava prontamente disponível. Nós somos, no fim das contas, supostos novos conhecidos. O fato de ela ter vindo aqui já causa uma impressão estranha o bastante. Esme tinha de admitir que isso fazia sentido, e admitiu... Silenciosamente. — Foi por isso que você não pediu que o sr. McHeath saísse da sala quando ela chegou? — Eu achei que, se eu pedisse para o advogado se retirar, ele iria questionar sobre a nossa associação com lady Catriona. — Ele inclinou a cabeça para estudá-la. — Você acha que ele é confiável? — Eu estava começando a concluir que sim, mas agora não tenho mais certeza. — Ótimo — murmurou MacLachlann, enquanto começava a ir para a porta. Ele estava indo embora de novo? Simplesmente assim? — Espere! Ele se virou e a olhou com expectativa. — Aonde você vai? — Tentar descobrir mais coisas sobre o sr. McHeath. — MacLachlann arqueou uma sobrancelha interrogativa. — O que você pretende fazer hoje? Ler mais livros de advocacia? Espero que acenda lampiões. Pelo menos ele não voltaria para Londres. — Eu vou escrever outra carta para Jamie, informando-o sobre esses últimos acontecimentos, e então acho que farei uma visita a lady Elvira. MacLachlann franziu o cenho. — Tudo que você vai tirar dela é a pior espécie de fofoca. — Como você descobriu no seu clube ou em qualquer outro lugar onde esteve, a fofoca pode ser uma excelente fonte de informação. Eu certamente não tenho a menor intenção de ficar sentada aqui o dia inteiro. — Esse seria o curso de ação mais seguro, e o com menor probabilidade de levantar suspeitas de alguém. Também acho que não seria sábio escrever para seu irmão todos os dias, a menos que queira que os criados pensem que você está envolvida num caso ilícito. Infelizmente ele tinha razão. — Muito bem. Mas, então, você deveria escrever para ele. — Farei isso quando eu retomar. — Nós fomos convidados para um baile na casa de lady Marchmont esta noite — informou-o Esme. — Ela se desculpa por ter enviado o convite tão em cima da hora, mas uma vez que acabamos de chegar... — Ela ficou silenciosa por um momento, então falou com mais determinação: — Nós devemos ir. — Com certeza. Augustus iria. Na verdade, estou ansioso pelo evento, minha florzinha — replicou ele, antes de sair pela porta. Deixando-a sozinha. Novamente. 67

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore — Diga a ela que o conde de Dubhagen deseja lhe falar — informou Quinn, de maneira arrogante, ao homem musculoso de meia-idade enquanto eles estavam parados no saguão de um estabelecimento não muito longe de Mayfair. O homem estreitou os olhos para Quinn, então assentiu e andou em direção à escadaria. Antes de chegar ao corredor do primeiro andar, parou e apontou para a porta aberta de uma sala no andar de baixo. — Você pode esperar lá dentro. Quinn decidiu que também deveria se sentar enquanto esperava por Mollie, que tinha sido uma mulher mais velha, de 25 anos, da última vez em que ele a vira, antes que fugisse para Edimburgo. A sala de estar da casa estava, felizmente, vazia. E era decorada de uma maneira que deixava claro que aquele não era o lar de uma família, com cortinas de veludo vermelhas, móveis pesados, estofados também em veludo vermelho e uma fotografia sobre a lareira de um grupo de mulheres gordas e nuas. Aquele era, na verdade, um bordel, e o tipo de lugar que Esme provavelmente pensava que ele passava muitas noites. Quinn não passava, e não chegava perto de uma prostituta há anos, a menos que tivesse perguntas a fazer sobre os clientes dela, como estava prestes a fazer agora. Ele tinha passado a noite anterior numa taverna, cochilando num canto, até que o dono o mandara embora. Depois andara até encontrar uma carruagem de aluguel, e retomara para casa de seu irmão. — Meu lorde? Ao som da voz familiar, Quinn imaginou se havia sido sábio ir lá, mesmo se Mollie provavelmente fosse uma excelente fonte de informação. Todavia, era tarde demais para mudar de idéia agora, então ele representaria seu papel, a menos que, e até que ela sugerisse que ele não era Augustus. — Srta. MacDonald? — perguntou ele quando se virou para encará-la. Ela havia mudado, é claro. Fazia anos, e a profissão de Mollie não ajudava a manter a juventude das mulheres, embora ela ainda fosse uma mulher bonita. E era aparente que, desde a última vez em que ele a vira, ela ganhara dinheiro suficiente para se vestir em sedas e cetins, mesmo se no estilo das prostitutas sofisticadas de hoje em dia. Mollie se aproximou, os quadris balançando sedutoramente. — Eu sou Mollie MacDonald. O que posso fazer por você, meu lorde? — perguntou ela com um sorriso, e claramente não o reconhecendo. — Ou eu já o conheço? Por um momento, Quinn ficou tentado a apreciar os muitos talentos de Mollie, e no passado não teria hesitado. Mas isso tinha sido antes. Antes que tivesse sido achado por Jamie na ponte da Torre. Antes de ter recebido uma chance de redenção, e se determinado a fazer tudo que pudesse para merecê-la. — Eu quero informações. Mollie franziu o cenho, e a mudança de expressão a fez parecer ainda mais velha do que era. — Eu não faço nada de graça. — Eu esperava por isso, de modo que vim preparado para pagar — replicou Quinn. Ela arqueou uma sobrancelha em expectativa, enquanto ele enfiava a mão no bolso de seu paletó e retirava de sua carteira, então uma nota de dez libras. Mollie tirou a nota de sua mão e assentiu: — Muito bem, pode perguntar. — Eu ouvi um rumor muito perturbador sobre meu advogado, Gordon McHeath, e ele visita seu estabelecimento. Era mentira, mas, se houvesse algum bordel com o potencial de atrair um homem do nível do sr. McHeath... Que tinha uma boa renda e necessidade de discrição... Seria o bordel de Mollie. 68

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore — Sim, ele esteve aqui — replicou Mollie enquanto enfiava a nota dentro do corpete justo do vestido verde de cetim, entre seus seios amplos. Quinn imaginara que ficaria feliz em ouvir uma resposta afirmativa, mas estava muito ciente do desapontamento que Esme sentiria para ficar contente. Ela queria acreditar que todos os advogados eram modelos de virtude, como o irmão, Jamie. Infelizmente, descobriria o contrário. — Mas apenas uma vez, e ele não veio para o que a maioria dos homens quer — continuou Mollie. Ao ver a surpresa que Quinn não escondeu, ela riu com zombaria: — O quê? Você acha que uma prostituta não pode ter nada a ver com a lei, exceto violá-la? Eu estou morrendo, então queria escrever meu último desejo em meu testamento. Morrendo? Quinn a olhou com ansiedade, subitamente percebendo como ela estava pálida sob o ruge. — Não é nada contagioso — disse ela com uma ponta de desafio. — Mas o médico disse que eu não durarei um ano, então pensei em fazer um testamento. Este estabelecimento é meu, para começar — terminou ela com mais do que um pouco de orgulho. — Eu sinto muito... minhas condolências — murmurou ele, querendo falar mais alguma coisa, lembrando-se dos bons tempos que eles haviam compartilhado. Logo que ele chegara a Edimburgo, depois de ter fugido da escola pela última vez, Mollie lhe oferecera não somente o seu corpo, mas também conforto e o consolo da risada, coisas que Quinn tinha precisado muito na época. Coisas que ainda precisava, mas sem as quais aprendera a viver. — Você pode acreditar em mim, o sr. McHeath é um bom homem, um cavalheiro gentil que não freqüenta este lugar, ou qualquer outro lugar desse tipo. Também é honesto em sua profissão. Acredite, eu saberia se ele não fosse, e arranjaria outro advogado para mim. — Ela riu novamente, só que desta vez a risada acabou numa tosse áspera. — Se existe uma coisa que uma prostituta conhece são os homens, e ele é um homem em quem você pode confiar. Quinn tirou outra nota de dez libras de sua carteira. — Você tem algum banqueiro entre seus clientes? Eu ouvi outras coisas também, sobre certos investimentos que devem ser evitados. — O quê? Você acha que eles querem falar de negócios quando estão aqui? — perguntou Mollie, sorrindo enquanto se aproximava. Num instante, a nota seguiu o mesmo destino da outra. — Uma pena para você que eles não querem, de modo que eu não poderia lhe contar, mesmo supondo que eu quisesse. Eu posso guardar um segredo, do contrário já teria lhe contado que conheci seu irmão mais novo. Muito bem, na verdade. — A expressão de Mollie endureceu, e agora ele pôde ver como ela estava mal. — Eu acho que é uma vergonha, o jeito que você e sua família o trataram. Ele tinha de continuar fingindo ser Augustus. — Se achasse isso tão vergonhoso, você não teria aceitado meu dinheiro. — Porque eu sou uma mulher prática, e dinheiro é dinheiro. Agora, mais alguma pergunta, meu lorde? Ele meneou a cabeça e começou a ir para a porta. — Eu ouvi dizer que você tem uma bonita esposa — falou Mollie atrás dele. Quinn se virou devagar para encará-la. — Eu ficaria de olho nela se fosse você, meu lorde. Mulheres assim estão maduras para ser colhidas, e há alguns sujeitos dissimulados em Edimburgo que adorariam apanhá-la. Eu não falo para seu bem, ou para salvar sua preciosa honra. Estou lhe dizendo isso porque seu irmão foi um amigo meu, e independentemente do que você pensa sobre ele ou de como o tratou, ele se importa com a família. — Ela deu um passo 69

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore na sua direção, e um olhar diferente surgiu nas feições cansadas. — Ele não... ele ainda está vivo, eu espero? — Sim, ele ainda está vivo. — É casado? Tem filhos, talvez? — Não, ele vive sozinho. — Que pena — murmurou ela suavemente. Não, a pena era que uma mulher como Mollie MacDonald, que tinha sido tão bonita como Catriona McNare e tão inteligente como Esme, não encontrara outra maneira de ganhar a vida, exceto com seu corpo. Quinn enfiou a mão na carteira e sacou outra nota de dez libras, uma vez que a despesa desta visita sairia de seus próprios fundos. — Essa é pelo quê? Porque ele lamentava ter ido embora de Edimburgo sem uma palavra de despedida para Mollie, mesmo que o relacionamento deles já tivesse acabado. Porque lamentava que ela estava doente, e porque sempre pensaria em Molhe com respeito e compaixão. Porque desejava que tivesse sido capaz de salvá-la da vida que ela tivera de levar, e que Mollie pudesse ter tido as oportunidades que ele desperdiçara. Em vez disso, respondeu: — Por suas informações, é claro. Eu fiquei impressionado. Ela inclinou a cabeça e o estudou de um jeito que o fez temer que Mollie estivesse começando a perceber que ele não era Augustus. — Você pode parecer com seu irmão, mas não é nem metade do homem que ele é. Eu sei algumas coisas sobre você também, meu lorde, coisas que tomam as ações de seu irmão insignificantes quando comparadas às suas. Ele nunca lhe contou o que eu descobri, não é? Embora eu tenha contado a Quinn? Não, porque ele é um homem bom e gentil... melhor do que você algum dia será, com toda certeza. Quinn queria beijar-lhe a face, pegar-lhe a mão e agradecê-la por tudo que ela fizera por ele, e desejar-lhe o melhor, dentro do possível. Queria lhe dar mais dinheiro, de modo que Mollie parasse com aquela vida e terminasse seus dias com conforto e em paz. Mas ela era tão orgulhosa quanto qualquer homem, do seu próprio jeito, então ele não fez isso. Também não poderia arriscar revelar sua verdadeira identidade, nem mesmo para Mollie. Tudo que podia fazer era ir embora. E silenciosamente jurar que, de alguma maneira, através de Gordon McHeath ou de alguma outra pessoa, iria se certificar de que ela passasse seus últimos dias em paz. Ele lhe devia isso, pelo menos.

Capítulo Onze

— Ora, Lady Dubhagen, esta é uma surpresa! — exclamou lady Elvira quando Esme entrou na saleta dela. A pequena câmara no primeiro andar, nos fundos da casa estreita, possuía uma decoração egípcia extravagante, desde o papel de parede até os móveis, como se lady Elvira tivesse comprado qualquer coisa e tudo que visse que parecia remotamente ligado à terra dos faraós. 70

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore Esme atravessou o cômodo congestionado para o sofá de seda cor de laranja e se sentou num dos cantos, ao lado de uma mesa dourada que não parecia forte o bastante para agüentar uma xícara de chá. — Eu tive medo de que você não falasse mais comigo depois que meu marido foi tão rude ontem à noite — disse ela, agarrando sua pequena bolsa de mão, como vira tantas mulheres preocupadas fazerem enquanto esperavam para falar com Jamie. — Sinto muito por ele ter sido rude. Ele é... bem, ele pode ser... dominador e difícil, às vezes. — Tenho certeza de que não foi culpa sua, lady Dubhagen — disse lady Elvira quando se sentou ao lado de Esme e bateu em sua mão enluvada com dedos que pareciam garras. — Estou certa de que deve ser extremamente cansativo ser casada com tal homem. A família inteira era assim, sabe? Bem, o mais novo nem tanto. O jogo era o vício dele, não... — Lady Elvira pigarreou delicadamente. — Não outras coisas. Entretanto, ele era um tipo selvagem, e Edimburgo está melhor sem sua presença. Esme sentiu um alívio inegável ao saber que, apesar de sua juventude escandalosa, MacLachlann não tinha sido um libertino lascivo. Mas então o que significava o fato de que ele parecia se comportar como um, quando estava ao seu lado? Simplesmente a considerava um alvo fácil para sedução, ou havia alguma coisa mais genuína sobre o desejo dele? Aquele não era o momento certo para considerar os motivos de MacLachlann. — É difícil ser casada com um homem com tanto... apetite — disse ela, como se estivesse aliviada por desabafar com uma ouvinte empática. — Eu não o conhecia muito bem antes de nos casarmos, e... bem... ele é muito mais velho do que eu e tão... tão exigente de certas maneiras. Os olhos de lady Elvira brilhavam com interesse ávido. — Realmente? Isso deve ser exaustivo para você. — Pelo menos ele é um homem bonito — murmurou Esme com um suspiro. — Mas eu temo que possa ser impulsivo e impetuoso de outras formas também. Por exemplo, não tenho idéia do que meu marido fez com meu dote depois que nos casamos. E não ouso perguntar, com medo de que ele fique zangado. Eu sei que ele confia no sr. McHeath com seus assuntos legais... hipotecas, contratos e coisas assim... e rezo para que ele não esteja fazendo a coisa errada. — Ela deu um olhar suplicante para lady Elvira. — Você já ouviu alguma coisa que sugere que o sr McHeath não é confiável? — De jeito nenhum — negou lady Elvira com outro tapinha em sua mão. — Ele vem de uma família inteira de advogados, e o pai era juiz. Tenho certeza de que você pode confiar nele. — Oh, obrigada! Você me tranqüiliza muito. O que era verdade, pelo menos um pouco. Se houvesse alguma suspeita de delitos ou más ações por parte do sr. McHeath, lady Elvira era o tipo de mulher que provavelmente sabia das histórias, e até mesmo as exagerava. — Eu pensei que estivesse enganada em duvidar dele, mas nunca podemos ter certeza sobre as pessoas, não é? — Não, nunca podemos. É sempre sábio ser um pouco desconfiada, especialmente com homens bonitos — disse lady Elvira com um olhar significativo que sugeria que não estava se referindo apenas ao sr. McHeath. Por mais tentador que fosse questionar lady Elvira sobre os MacLachlann, Esme não estava lá para saber sobre eles. Deveria descobrir sobre as pessoas nomeadas nos documentos que estavam escondidos dentro da cadeira do conde de Duncombe. — Diga-me, você sabe se um médico chamado Kenneth Sutherland mora por aqui? — perguntou Esme. — Acredito que ele e a família se mudaram para Edimburgo depois de comprarem uma casa grande e algumas terras não longe do castelo. — Oh, na verdade eu sei! O dr. Sutherland é um cirurgião na Enfermaria Royal, e o pai era um famoso pastor da Igreja da Escócia. Uma boa família. 71

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore — Que encantador! — exclamou Esme, nem sequer tentando sugerir uma conexão, para evitar que lady Elvira fizesse perguntas. Deixaria que lady Elvira presumisse que ela conhecia o dr. Sutherland através da família ou de amigos, não pela leitura de seu contrato de hipoteca com o conde de Duncombe. — E você também conhece os Milton? De Upper Glen? — Minha filha é muito amiga da jovem lady Milton. Você parece conhecer muita gente aqui, lady Dubhagen. Ela deu uma risadinha, como se estivesse embaraçada. — Oh, eu nunca conheci os Milton. Ouvi o nome uma noite dessas, e imaginei se eles podiam ser parentes do poeta com esse nome. Felizmente lady Elvira aceitou sua explicação sobre os Milton, assim como os outros nomes que Esme conseguiu lembrar. Lady Elvira estava aparentemente mais ansiosa e interessada em provar suas próprias conexões sociais vastas do que em descobrir as de Esme. Em cada caso, lady Elvira conhecia a família, e estava mais que disposta a falar sobre as circunstâncias financeiras destas, pelo menos tudo que sabia. Foi um alívio descobrir que as pessoas realmente existiam. Ela não queria descobrir que o sr. McHeath... Ou qualquer outro advogado... Estava traindo seus clientes. Com aquela bateria de questões completa, Esme não pôde resistir à vontade de fazer mais uma pergunta para a volúvel e informada lady Elvira. — Eu também ouvi falar de outra família de advogados que costumava morar em Edimburgo, chamada McCallan. Suponho que seja um erro mencioná-los na frente do conde de Duncombe? — Oh, verdade, isso não seria sábio — concordou lady Elvira, ansiosamente. Então, Jamie estivera certo em temer que o que tinha acontecido com Catriona mancharia sua reputação em Edimburgo, mesmo que ele não tivesse feito nada de errado. — O filho era um bom rapaz, sem dúvida — continuou lady Elvira -, mas ele cometeu o erro de pedir a mão de lady Catriona em casamento. O conde jamais concordaria, é claro. Ele era apenas um advogado, entende, e o conde nunca consideraria alguém na profissão legal... ou em qualquer profissão... adequado para a filha. Ela deve se casar com um cavalheiro nobre, ou com ninguém. E então havia o problema da irmã do sr. McCallan. Esme lutou arduamente para não trair sua surpresa, mas como ela poderia ter prejudicado as chances de Jamie com Catriona? Tinha passado somente uma noite em Edimburgo, e nunca conhecera ninguém mais antes que ela e Jamie houvessem partido para Londres. — O que a irmã dele tem a ver com isso? Lady Elvira balançou a cabeça, como se estivesse prestes a anunciar um defeito muito grave. — Aparentemente ela tem muito interesse em literatura. — E? — incentivou Esme, certa de que havia mais. — Isso não é o bastante? — replicou lady Elvira, como se chocada porque Esme não estava completamente horrorizada. Esme se esforçou para esconder sua irritação e desprezo pela atitude da mulher. — Você a conheceu? — perguntou ela, sabendo muito bem que nunca tinha sido apresentada para lady Elvira até que viesse para Edimburgo com MacLachlann. — Ela ainda estava estudando fora, mas nós ouvíamos sobre ela com freqüência. Pobre sr. McCallan, sentia muito orgulho da irmã. Se ele ao menos soubesse, na época, que o conde não pode tolerar mulheres instruídas e cheias de opiniões! Embora Esme estivesse orgulhosa de sua instrução, e não fosse tímida para emitir suas opiniões, não foi capaz de impedir o rubor que esquentou seu rosto diante da idéia de que ela havia sido, mesmo sem querer, a causa de algum problema para Jamie. 72

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore — Mas e quanto ao amor? O jovem homem amava lady Catriona, e ela o amava? Lady Elvira olhou para Esme como se ela tivesse enlouquecido completamente. — Lady Catriona é herdeira de muito dinheiro para se casar somente por amor! Ela deve se casar com alguém que saiba lidar com riqueza e propriedades... e isso significa um título de nobreza. E embora um advogado possa entender sobre leis, ele nunca será realmente aceito pela sociedade. Pelo tipo de sociedade dela, pensou Esme. — E, é claro, quando fortunas e expectativas são tão distintas, há sempre a possibilidade de que uma das partes seja um caçador de fortunas. Esme teve de lutar para não expressar sua raiva. E estava satisfeita de que Jamie não tinha se casado com Catriona. Independentemente do que qualquer pessoa pensasse, ele nunca se casaria por motivos mercenários, e tinha seu orgulho também. — Todavia, talvez eu não precise dizer isso a você — acrescentou lady Elvira com um olhar significativo. Esme se enfureceu ainda mais com o insulto ao seu marido, então percebeu que não apenas não estava realmente casada, como ela mesma dera a entender que o marido a escolhera por causa de seu dote. Lady Elvira se moveu ansiosamente para a frente. — Mas basta da sociedade de Edimburgo. Conte-me, lady Dubhagen, como era na Jamaica? — Quente — replicou ela, enquanto se levantava rapidamente. Já agüentara lady Elvira tempo demais. — Muito quente. Se você me der licença, eu acho que já tomei bastante do seu tempo. — De maneira alguma! — protestou lady Elvira. — Eu quero mesmo ouvir sobre as Antilhas. — O sorriso dela se tomou dissimulado. — E deve ser um alívio para você estar longe de seu marido excessivamente atencioso. Sem demora, Esme inventou uma desculpa: — Eu não estou me sentindo muito bem. Os olhos de lady Elvira foram imediatamente para a barriga de Esme. Quando Esme percebeu o que ela poderia ter implicado, sentiu-se enjoada de verdade. Felizmente a mulher possuía alguma educação, pois não fez mais perguntas. — Você tem de me prometer que voltará aqui e me contará tudo sobre as Antilhas — disse ela, enquanto acompanhava Esme até a porta. — Sim, eu voltarei — replicou Esme, embora preferisse passar uma semana estudando os precedentes legais mais obscuros da existência a visitar lady Elvira novamente. Enquanto andava de um lado para o outro na sala de estar naquela noite, Quinn não tinha certeza se Esme o acompanharia ao baile de lady Marchmont ou não. Apesar de ela ter lhe falado sobre o convite, depois do que acontecera na noite anterior, e a tensão que ela deixara transparecer nesta manhã, ele não ficaria surpreso se Esme escolhesse ficar no seu quarto. Quinn quase esperou que assim fosse, porque não sabia ao certo o que deveria dizer, ou fazer, se ela aparecesse. Além disso, depois de ver Mollie e descobrir sobre a situação dela, não sentia vontade de passar outra noite numa festa, entre os ricos. Ouvindo um barulho à porta, virou-se para encontrar Esme parada na soleira, observando-o. Ela usava um vestido azul de seda, com um decote redondo que revelada muita pele. O tecido caía suavemente de seu corpo até o chão, onde as pontas de sapatos brancos com pequenas rosetas azuis apareciam debaixo da bainha. Os cabelos castanhos estavam presos no topo da cabeça orgulhosa e enfeitados com rosas brancas. 73

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore Um colar de pérolas, tão adorável e perfeito quanto ela descansava ao redor do pescoço delgado. Sim, ela era perfeita. Perfeita não apenas por causa de sua mente vivida e língua afiada, mas por causa delas. Perfeita por causa de sua dedicação e devoção. Perfeita... Mas não para ele. Nunca para ele. Ela era irmã de Jamie, no fim das contas, e ele devia a Jamie mais que sua vida. Por causa de Jamie, Quinn encontrara alguma medida de redenção. Por causa de Jamie, tinha sido capaz de colocar habilidades e conhecimentos que aprendera nos lugares mais desagradáveis em bom uso, e ajudar outras pessoas. Não importava quão tentadora Esme fosse, quão apaixonada ou o quanto inflamasse seu desejo, ele não poria em risco a amizade mais importante de sua vida, cedendo à luxúria. Não que a culpa daquilo fosse toda sua. Quem teria adivinhado que uma paixão tão feroz se escondia por trás do comportamento intelectual e geralmente frio de Esme? Quem teria suspeitado que os beijos dela fossem tão inebriantes? Você não suspeitava?, sussurrou seu coração. Não era por isso que ele costumava provocá-la tanto? Para alcançar além daquela parede fria de indiferença? Não quisera fazer o rubor subir às faces dela, arrancar-lhe algum tipo de resposta, mesmo se fosse ironia? Quinn podia negar o quanto quisesse, mas bem no fundo de seu coração sabia que quisera Esme McCallan, com os dedos manchados de tinta e a testa franzida em concentração, com os vestidos sem forma e os cabelos desalinhados, com sua mente inteligente e inquisitiva, e com sua devoção ao irmão, desde o primeiro instante que a conhecera. Então agora não podia encontrar-lhe o olhar, e ela desviou os próprios olhos com a mesma rapidez, antes de entrar na sala silenciosamente. Quinn sempre estivera ciente, em algum nível, de que ela era graciosa. Tendo sentido aquele corpo delgado ao longo do seu, agora o tomava ainda mais ciente do jeito que Esme se movia. — A carruagem está pronta? — perguntou ela. Para qualquer outra pessoa, essa pergunta poderia ter soado calma e desapaixonada. Talvez um dia tivesse parecido assim para ele também. Mas não hoje. Não agora. Ele podia sentir a tensão, vê-la no corpo dela. — Ainda não — replicou Quinn, permanecendo ao lado do sofá. Esme assentiu em reconhecimento e andou em direção à janela. O decote nas costas do vestido era baixo também, expondo uma expansão de pele desde a nuca até quase o centro das costas. Como aquela pele parecia suave! Ele queria deslizar o dedo ao longo da coluna dela e fazê-la tremer com antecipação. Queria deixar seus lábios trilharem o mesmo caminho, enquanto Esme estava deitada sob ele, nua e... — Meu lorde, a carruagem está à porta ― anunciou McSweeney. Amaldiçoando sua imaginação, aquele vestido e McSweeney pela interrupção, Quinn silenciosamente estendeu o braço e escoltou Esme para fora da sala. Pela fisionomia séria de Esme, ela não estava feliz ou contente de estar em sua companhia. Provavelmente desejava que McHeath a escoltasse. Depois que os criados o ajudaram com seu casaco, e ajudaram Esme com o manto, e eles estavam na carruagem, nenhum dos dois falou uma palavra até quase chegarem ao seu destino, quando ela finalmente quebrou o silêncio: — Você descobriu mais alguma coisa sobre a situação financeira do conde, ou sobre o sr. McHeath? — Tudo indica que o sr. McHeath é exatamente o que parece ser: um jovem advogado honesto e correto — replicou ele. 74

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore Ele não deveria se sentir irritado pela expressão prazerosa que surgiu no rosto de Esme. No fim das contas, McHeath era um membro da ordem sagrada de advogados. De qualquer forma, e apesar da fé que ele tinha na maneira que Mollie analisava os homens, ainda era muito cedo, e havia muita coisa em jogo, para confiar completamente no homem. — O que não quer dizer que ele seja. Meu informante pode estar enganado. Irritação brilhou nos olhos de Esme, mas ele não se importou. Qualquer coisa era melhor do que aquele distanciamento frio. Sempre tinha sido. — Tenho total consciência de que um exterior bonito pode esconder uma natureza dúbia — murmurou ela, olhando para a rua, como se preferisse ver prédios cinza úmidos a vê-lo. Basta, pensou Quinn com súbita determinação. Bastava de especulação sobre os pensamentos e sentimentos de Esme. Estava cansado de esperar que um dia ela percebesse que ele havia mudado e não era mais o perdulário que tinha sido em sua juventude. Ali, agora, descobriria se ela podia ver além de seus erros passados. — Você também tem consciência de que um homem pode mudar? Que remorso e arrependimento podem afetá-lo e fazê-lo aprender com seus erros? Ela voltou seus olhos inquisidores para ele. Com intensidade... Como um raio brilhante do sol de verão. — Você está tentando me dizer que aprendeu com seus erros? — Estou tentando lhe dizer que, apesar de meu passado e de quaisquer liberdades necessárias que eu possa ter tomado com você recentemente eu não sou um completo imoral desonroso. E se você souber que visitei certo estabelecimento de má reputação, foi somente por causa do trabalho que Jamie nos pediu para fazer aqui, não por algum divertimento pessoal. Quinn não sabia se ela acreditava nele ou não, enquanto Esme continuava estudando-o, como se estivesse tentando olhar dentro de seu coração. Que continuasse tentando, então, se isso significasse a possibilidade de ela ver além da superfície externa, e encontrar o homem bom e honrável que existia em seu interior. Se ela fizesse o esforço de abrir a mente e o coração.

Capítulo Doze Esme nunca se sentira tão feliz em chegar a algum lugar em sua vida, pois a chegada à casa de lorde e lady Marchmont a poupou da necessidade de responder imediatamente. Seus sentimentos estavam tão confusos que ela não sabia o que dizer a MacLachlann. Num momento, tinha certeza de que ele estava apenas provocando-a e atormentando-a, no momento seguinte, acreditava que ele verdadeiramente gostava dela e sentia algo mais que luxúria. Então temia que só estivesse vendo o que desejava ver, e devia tomar cuidado para não se tomar uma vítima do charme e da boa aparência de MacLachlann. Por que não conseguia se lembrar de quem ele era e das oportunidades que tinha desperdiçado quando ele a fitava com o que parecia ser arrependimento genuíno e sinceridade? Por que esquecia que eles estavam lá juntos por causa do trabalho que tinham a fazer, e nada mais? 75

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore Por que não podia dominar o desejo de estar nos braços de MacLachlann, de sentir aqueles lábios nos seus, de entregar-se à paixão que ele inspirava? Uma coisa estava clara quando eles adentraram no saguão espaçoso, repleto de convidados, criadas e lacaios, e Esme sentiu o olhar firme de Quinn sobre si: ela precisava se afastar dele, mesmo que somente por um momento, para acalmar seu coração descompassado e restaurar seu processo mental normal. Uma criada de rosto simples e solene, parecendo no auge da juventude, ajudou-a com seu manto. — Oh, meu Deus, acho que uma parte da costura de meu vestido abriu na lateral — mentiu ela, inclinando a cabeça de leve, como se examinando o dano enquanto tentava não arruinar os cabelos. — A sala de estar no andar de cima está sendo usada como vestiário feminino — ofereceu a criada. — Excelente! — exclamou Esme. Sem esperar pela resposta de Quinn, começou a subir a larga escadaria de mármore que ficava à direita do foyer. A sala de estar do andar superior ficava no topo da escada, uma adorável câmara pintada de azul-claro, com um trabalho simples em gesso e móveis de madeira estofados em seda azul-clara e cor de damasco. No momento, as únicas ocupantes eram três criadas, esperando ansiosamente por alguém. Uma delas tinha agulha e linha prontas, outra, grampos de cabelo e pentes, e a terceira, sais aromáticos. Talvez ela requisitasse esse serviço da criada antes que a noite acabasse, se não conseguisse controlar seus nervos, pensou Esme enquanto ia para o espelho de corpo inteiro e ajeitava uma flor mais firmemente no seu penteado. Enquanto estudava seu reflexo, disse a si mesma para lembrar que aquele vestido, aquele estilo de cabelo e aqueles sapatos finos eram uma espécie de fantasia. Quinn não a achara atraente antes desta viagem a Edimburgo, e provavelmente pararia de achá-la atraente quando eles retomassem para Londres. Era possível que se perguntasse o que tinha dado nele, como se seu desejo apaixonado tivesse sido um tipo de loucura temporária. Talvez fosse, e talvez, quando ela voltasse para Londres, seus sentimentos por ele seriam os mesmos de antes também. Todavia, no fundo de seu coração Esme sabia que isso não era verdade. Alguma coisa tinha mudado entre eles, de modo permanente e irrevogável, ali em Edimburgo. Não, a partir daquele primeiro beijo. — Ah, lady Dubhagen! Eu estava com a esperança de encontrá-la aqui! — exclamou uma jovem, entrando no vestiário e apressando-se em direção a Esme, seu vestido de seda vermelha farfalhando ao redor dos tornozelos e seu colar e brincos de diamantes brilhando à luz de velas. — Perdoe-me pela rudeza, mas eu simplesmente não posso esperar por uma apresentação formal. Eu sou Finula Blackmure, filha de Sir Walter Blackmure. — Como vai? — murmurou Esme cautelosamente, perplexa pelo cumprimento entusiástico da garota de cabelos negros. — Bem, obrigada. Outra mulher, que também não devia ter mais de 20 anos, num elegante vestido de cetim de tonalidade púrpura-azulada, chegou e parou do lado da srta. Blackmure, que olhou para ela com um sorriso e disse: — Esta é lady Penelope Ponsenby. Ela também está ansiosa para conhecê-la. — Verdade? — replicou Esme, incerta do motivo daquela excitação. — Oh, sim! — concordou lady Penelope, sorrindo. — Nós queremos saber como é viver numa plantação de açúcar. Deve ser emocionante, como tantos criados e coisas... A srta. Blackmure deu uma risadinha travessa enquanto afastava Esme do espelho. 76

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore — Eu ouvi dizer que alguns dos escravos são tão... bem, nada como os cavalheiros ingleses. Primitivos e muito... musculosos. Como se eles fossem animais num zoológico para serem vistos, não seres humanos, pensou Esme com desgosto. — Não, eles não são como os cavalheiros ingleses — respondeu ela. — A menos que você pegasse um cavalheiro inglês, sua esposa e filhos, os trancasse num navio por diversos meses, os deixasse passar fome e batesse neles, e, caso eles sobrevivessem para chegar à praia, os fizessem trabalhar como animais de uma fazenda. Eu me pergunto como vocês se sairiam em tais circunstâncias, caso fossem tão desafortunadas. Ela estava prestes a detalhar algumas das atrocidades às quais as mulheres escravas eram sujeitas, mas se conteve. Aquelas garotas afetadas provavelmente desmaiariam. A srta. Blackmure ficou tão vermelha quanto a seda de seu vestido, enquanto lady Penelope estava pálida. ― Acho que lady Penelope precisa de sua ajuda — falou Esme para a criada com os sais aromáticos, enquanto ia para a porta, sentindo-se muito mais ela mesma e pronta para enfrentar um leão em sua jaula. Ou para encontrar Quintus MacLachlann num salão de bailes. Mas quando Esme olhou ao redor do salão de bailes de lady Marchmont, iluminado por dois grandes candelabros e diversos castiçais presos às paredes, a luz das velas refletida por espelhos que iam do chão ao teto, não conseguiu avistar MacLachlann em lugar nenhum. Ela não podia entrar, a menos que fosse anunciada, e não podia ser anunciada sem seu marido. Enquanto olhava ao redor mais uma vez, também começou a se arrepender de sua resposta descontrolada para as duas jovens no andar de cima. Deveria ter controlado sua raiva. Por mais furiosa que se sentisse, não deveria ter reagido daquela forma. As pessoas poderiam começar a suspeitar que alguma coisa não estava certa. O som de uma risada baixa veio de uma sala por perto, e uma nuvem fina de fumaça saiu de baixo da porta fechada, enquanto uma voz masculina falava alguma coisa sobre ponche com rum. Os cavalheiros deviam estar reunidos lá, inclusive MacLachlann. Ou assim ela esperava. Esme bateu à porta, que foi aberta por um homem baixo e gordo, cujo peito arredondado a fez pensar num pombo. Ele pareceu surpreso ao vê-la, ou talvez estivesse perplexo que alguma mulher ousasse interromper a reunião dos homens, então ela se refugiou em seu papel. Batendo os cílios, sorriu e disse: — Lorde Dubhagen está aí? — Eu fui chamado! — anunciou Quinn aparecendo, os polegares enfiados nos pequenos bolsos do paletó verde-escuro. — Seu vestido foi consertado, minha florzinha? — Sim — respondeu ela, enquanto o resto dos homens a olhava com interesse aberto. Esme nunca se sentira tão consciente do tipo de escrutínio ousado que outras mulheres suportavam diariamente, como se não fossem mais do que estátuas para serem admiradas, ou do que objetos para serem possuídas, em vez de pessoas de carne e osso com sentimentos. Infelizmente, esta noite, Esme tinha de suportar isso e representar seu papel. — Vamos para o salão de bailes? 77

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore — Até mais tarde, cavalheiros — disse MacLachlann sem demora, pegando o braço dela e conduzindo-a para o salão de bailes. Entretanto, uma vez que estava fora da sala, a expressão dele se tomou séria, como se quisesse estar em qualquer outro lugar, com outra pessoa. Aquele não era provavelmente o melhor momento para mencionar sua conversa com as jovens ladies. Ela poderia fazer isso depois. Ou talvez nem lhe contar em absoluto. — O conde de Dubhagen e a condessa de Dubhagen — anunciou o mordomo alto, de peruca, quando eles entraram no salão, o qual se tomara ainda mais cheio. Esme notou lady Penelope e a srta. Blackmure inclinadas em direção aos cavalheiros ao lado delas e sussurrando atrás de seus leques, enquanto mantinham os olhos em Esme e seu suposto marido. Ela podia facilmente adivinhar que tipo de coisas que as garotas diriam sobre a esposa de temperamento estouvado do conde de Dubhagen, que lhes respondera de maneira tão rude. Independentemente do que os outros estavam falando, ela e MacLachlann precisavam agir como se nada estivesse errado e cumprimentar seus anfitriões. Lorde Marchmont era um homem de meia-idade, de aparência saudável, num traje noturno muito bem confeccionado. Lady Marchmont, num vestido de veludo cor de vinho, enfeitado com rendas douradas, com um lindo colar de rubis e brincos combinando, deulhes um sorriso de boas-vindas. — Charmosa, minha querida, muito charmosa — disse lorde Marchmont antes de dar um sorriso de aprovação para Quinn. — Você está de parabéns, Dubhagen, devo dizer. Ouvi falar que o clima tropical é ruim para as mulheres, mas parece que sua esposa desabrochou como uma rosa de estufa. — Ela é linda em qualquer clima, meu lorde — replicou MacLachlann de maneira galante, enquanto Esme fazia o possível para sorrir como uma tola ingênua. A expressão do nobre mais velho era abençoadamente paternal enquanto ele a olhava. — Os homens bem-apessoados sempre conseguem as esposas mais bonitas. — Como o senhor fez — murmurou ela com um sorriso afetado, embora aquilo não fosse mentira. — Na juventude, lorde Marchmont provavelmente tinha encantado muitas mulheres, e era óbvio que lady Marchmont havia sido muito bonita. Ela ainda era linda e, diferente de algumas ex-belezas, não parecia desesperada para se agarrar à juventude perdida, uma atitude que a fazia parecer não apenas adorável, mas sábia também. O garçom veio e sussurrou alguma coisa no ouvido de lorde Marchmont. Ele assentiu, então falou com sua esposa: ― É hora de começar, minha querida. Quando eles se moveram pelo piso para a quadrilha de abertura, Esme recuou para mais perto da parede. Jamie tinha tentado ensiná-la dançar como preparação para aquela jornada, mas ela estava longe de ter confiança em sua habilidade e não queria parecer incompetente. Felizmente Quinn não parecia estar mais ávido para dançar do que ela, até que subitamente lhe pegou o braço. — Eu não quero dançar — sussurrou ela com desespero. — Acalme-se, minha querida. Não era essa a minha intenção. Venha comigo. Ele parecia determinado, não sedutor, e uma vez que Esme não queria chamar atenção, permitiu que MacLachlann a conduzisse em direção ao terraço e para o ar frio da noite. Para onde eles estariam longe de todos, e ninguém poderia vê-los. Onde poderiam fazer quase qualquer coisa...

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HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore — Por que todos a estão olhando como se você tivesse roubado a prataria? — demandou ele em tom baixo, e a liberou. — Ou sou eu? Há uma mancha em minha camisa? Minha gravata está torta? Era melhor contar para ele, decidiu Esme. Ele provavelmente ficaria sabendo mais cedo ou mais tarde, de qualquer forma. — Eu perdi o controle no quarto de vestir e fui um pouco brusca nas respostas que dei para algumas das ladies mais jovens. — Brusca? O que você falou? Ela não queria responder, embora as palavras em si pouco importassem. E eles não deveriam ficar ali por muito tempo, de qualquer forma, sozinhos no escuro. — Aqui não é hora nem lugar para um interrogatório. — Eu preciso saber o que você disse, de modo que possa estar preparado se alguém me questionar sobre isso. Ele estava lamentavelmente certo. Mas, antes, Esme explicaria as circunstâncias, para que Quinn entendesse por que ela fora levada a responder daquela maneira. — A srta. Blackmure e lady Penelope Ponsenby queriam saber sobre os escravos. Ficou claro que elas estavam predominantemente interessadas nos escravos do sexo masculino e em seus atributos físicos, não sobre o sofrimento deles. Eu não fui capaz de conter minha irritação, e respondi de acordo. Ele franziu o cenho. — Você falou desse jeito? — Que jeito? Se você quer dizer mostrando minha raiva, sim, falei — admitiu ela. — Bem, não há nada a fazer agora — murmurou Quinn com resignação. — Vamos esperar que sua resposta intempestiva seja considerada uma aberração ou algum tipo de brincadeira. — Mas e se elas desconfiarem que eu não sou quem alego ser? — perguntou Esme. — O que devemos fazer? Ele deu de ombros. — Enfrentar o desafio com ousadia. — O olhar dele a percorreu. ― Você já está sendo bastante ousada neste vestido. Ela enrubesceu com embaraço, temendo que tivesse cometido outro erro. — A modista disse que era a última moda — explicou Esme. — Eu sugeri alguma coisa para cobrir as costas, mas ela falou que arruinaria o visual. Eu deveria ter usado um xale. — Eu não quis aborrecê-la — murmurou Quinn com aparente sinceridade. — É um vestido bonito... muito bonito. Eu só gostaria que houvesse mais dele — acrescentou com um pequeno sorriso. — Um homem não gosta de ver muito de sua esposa à mostra. O corpo dele estava a meros centímetros de distância, o peito e os ombros largos protegendo-a da luz, música e barulho saindo pelas portas do terraço. Alguma coisa pareceu mudar, como a temperatura ou o nível de umidade no ar. Acontecia algo entre eles que ela não podia nomear. — Eu não sou sua esposa. — Eu não admitiria isso num baile, nem mesmo para mim — sussurrou ele com voz rouca e sensual. Ele estava tão perto que Esme podia ouvir-lhe a respiração e sentir o aroma da colônia masculina. Tudo que precisava fazer era colocar-se na ponta dos pés e levar sua boca para a de Quinn... Não deveria fazer isso, é claro. Seria errado. Uma fraqueza. Entregar-se ao que só podia ser luxúria... Mesmo se ele não fosse o perdulário que ela acreditara que MacLachlann era, antes que eles viajassem para Edimburgo. 79

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore Agora ela sabia mais sobre o homem por trás do charme, o homem com jeito zombeteiro e feições bonitas. Quinn era um homem que tinha sofrido e que pagara um preço, e ainda estava tentando se redimir. Seria tão errado assim beijá-lo? Permitir a si mesma alguns momentos de prazer? Depois daquilo, depois que eles retomassem para Londres, sua vida voltaria a ser o que sempre fora. Era tão errado vivenciar uma pequena excitação enquanto podia? De repente, Esme McCallan não queria mais ser correta ou honrável. Queria ser louca e devassa, livre e apaixonada. Queria desejar e ser desejada. Beijar, acariciar e experimentar a alegria de estar nos braços de um homem bonito, mesmo se por um curto período de tempo. Então cedeu ao seu desejo, ergueu-se na ponta dos pés e o beijou. O desejo explodiu. Um calor delicioso a inundou quando ele a envolveu nos braços e correspondeu ao beijo com o mesmo ardor As mãos deles acariciaram, tocaram, exploraram, enquanto Quinn aprofundava o beijo e lhe encostava a cabeça contra a parede de pedra, pressionando-se ao seu corpo. A língua de ambos se movia numa dança erótica. Ele insinuou um joelho entre as pernas de Esme, enquanto deslizava uma das mãos lentamente pelas suas costas. Então ele se afastou, ofegando. — Oh, Deus, Esme, nós temos de parar, ou eu vou fazer amor com você aqui mesmo. Sim, eles deveriam parar. Essa seria a coisa apropriada, correta, a coisa honrável a fazer. Exceto que Esme nunca se sentira tão viva e tão consciente de outra pessoa. A sensação do corpo forte. O leve cheiro da pele máscula. O incrível calor do desejo dele. Quinn se afastou ainda mais, a testa franzida com inesperada cautela. — Você não está tentando me testar de novo, está? — sussurrou ele. Pela primeira vez desde que o conhecera, Esme ouviu verdadeira vulnerabilidade na voz de Quinn MacLachlann. Viu a profundidade da solidão dele e a extensão de sua angústia nos olhos azuis. Percebeu o poder que exercia sobre ele, se escolhesse exercêlo, e a dor que poderia lhe causar. Mas sabia como era ser solitária e vulnerável. Tinha seus livros e seu trabalho de advocacia, e especialmente Jamie, mas isso não era o bastante. Não mais. — Não, Quinn, eu não estou tentando magoá-lo — sussurrou ela. — Eu apenas queria beijar você. Um sorriso curvou os lábios dele. Então outro casal saiu no terraço e Quinn se tomou sério novamente. — É melhor entrarmos — sussurrou ele com voz rouca — ou quem pode dizer que rumores começarão sobre nós? Esme não protestou, porque ele estava, infelizmente, certo. Havia convidados num baile, ao ar livre, no escuro. Eles não eram marido e mulher de verdade. Ela não deveria beijá-lo ali, ou em nenhum outro lugar. Não deveria querer ser devassa. Era uma mulher honrada com um irmão que a respeitava. Tinha muito a perder caso se entregasse ao seu desejo. Então não disse nada quando Quinn estendeu o braço, a fim de escoltá-la para dentro. Horas depois, enquanto eles esperavam pela carruagem que os levaria para casa, Esme estava um pouco mais relaxada, porque parecia que eu ataque no quarto de vestir não fora um completo desastre. Algumas das mulheres a tinham ignorado, mas outras, que compartilhavam seu ponto de vista, haviam sido simpáticas. Embora ela ainda tivesse de representar uma tola, estava grata pelo apoio delas, de qualquer forma. 80

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore la.

Quinn, por outro lado, mal lhe falara pelo resto da noite, e até mesmo parecera evitá-

Ele também não lhe falou ou a tocou quando eles entraram na carruagem. Sentouse num canto, a cabeça baixa e os braços cruzados sobre o peito, como uma tartaruga se recolhendo dentro de seu casco. Ou como se estivesse lamentando o que acontecera entre eles. Tinha sido o desejo de Esme, sua fraqueza, que levara ao abraço apaixonado de ambos e fizera com que ele revelasse sua solidão e vulnerabilidade. Um homem orgulhoso como Quinn poderia não gostar de tais revelações, assim como dos sentimentos que levaram às mesmas. Um homem orgulhoso poderia até mesmo se ressentir dela por isso. Talvez até odiá-la. Alguns dias depois, e logo após o amanhecer, Quinn estava acomodado num assento de uma carruagem alugada que balançava mais que um barco no mar. A leste, o céu estava se iluminando com a aurora. Padeiros, vendedores de frutas e peixeiros estavam começando a aparecer com suas carruagens ou carroças, enquanto ele tinha desperdiçado outra noite em outro clube de cavalheiros. Bem, não desperdiçado completamente a noite. Agora estava certo de que, se houvesse algo errado com o dinheiro do conde, era culpa do próprio homem, e não havia nada criminoso por trás daquilo. Também parecia que McHeath era uma excelente pessoa. Ninguém tinha uma palavra para falar contra ele, e todos os seus clientes estavam mais do que satisfeitos com seu trabalho. Então, Quinn tivera de chegar a outra conclusão naquela noite, uma conclusão que vinha tanto antecipando como temendo desde aquela noite no terraço com Esme. Tinha chegado o momento para eles retomarem a Londres e acabarem com aquela farsa, com o sonho de uma vida que ele nunca poderia levar, numa casa que nunca sentira como lar, até que Esme estivesse nela. Seria melhor para os dois... Para Esme porque ela retomaria para uma vida feliz com o irmão e todas as esperanças de casamento com um homem como McHeath, enquanto Quinn retornaria à existência solitária, porém útil, que merecia. Ele bateu no topo da carruagem de aluguel, e o cocheiro parou de maneira obediente. — Nós não estamos no endereço que o senhor me deu — protestou o homem quando Quinn abriu a porta e desceu no pavimento. — Eu quero andar um pouco para clarear minha cabeça — replicou Quinn, enquanto generosamente pagava o cocheiro. — Ah — murmurou o homem, dando-lhe um sorriso sábio. — Quer ficar um pouco mais sóbrio antes de encontrar a lady, não é? Quinn sorriu em resposta, apesar de estar totalmente sóbrio. Sóbrio demais. Teria sido melhor se tivesse se embriagado. Então teria sido capaz de esquecer Esme e como se sentia sobre ela. O quanto ele a queria, e não somente na sua cama. Poderia esquecer todas as coisas que tinha feito e não tinha feito que significavam que nunca mereceria uma mulher como ela. Graças a Deus que ele não havia cedido ao desejo mútuo deles naquela noite no terraço. Nada de bom poderia surgir disso, exceto uma breve satisfação do desejo físico de ambos, mesmo se a avidez de Esme tivesse sido tão forte quanto à sua. Quinn tossiu no ar pesado, que cheirava a fumaça. As arrumadeiras tinham acordado cedo, para acender o fogo nas lareiras, pensou ele... Até que virou uma curva e parou abruptamente. 81

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore Uma nuvem de fumaça grossa estava subindo dos fundos da casa de seu irmão.

Capítulo Treze

— Fogo! Fogo! — gritou Quinn a plenos pulmões, enquanto começava a correr. Quando chegou mais perto da casa, ele avistou um grupo de mulheres ansiosas e vendedores de rua num pequeno parque na frente da casa de seu irmão. As mulheres, que eram provavelmente criadas, se aninhavam umas às outras como refugiadas, e ele reconheceu uma ou duas. Os vendedores de rua estavam mais excitados, falando e apontando. Onde estava Esme? Por que ela não estava com as criadas? Ele também não via a sra. Llewellan-Jones, percebeu quando a porta da casa de seu irmão se abriu. McSweeney apareceu, o rosto e as roupas pretas pela fumaça. — O fogo foi apagado e ninguém está ferido, então cuidem de seus afazeres — anunciou o mordomo enquanto Quinn parava. Ninguém estava ferido. Graças a Deus, oh, graças a Deus! McSweeney o viu e, parecendo tão aliviado quanto Quinn se sentia, desceu os degraus. — Meu lorde! O senhor está de volta! — Ele franziu o cenho. — Parece péssimo. Está doente? Respirando fundo, ciente de que os espectadores o fitavam com curiosidade não disfarçada, provavelmente enquanto julgavam, em silêncio, sua chegada àquela hora da manhã e naquele estado, Quinn ajeitou o paletó no corpo e tentou amarrar a gravata com dedos que tremiam, não por causa de qualquer coisa que tivesse feito, mas por causa do que poderia ter acontecido. E ele não estivera lá. — Eu estou bem. O que aconteceu aqui? Onde está lady Dubhagen? — perguntou Quinn enquanto a conduzia escada acima para dentro da casa. — Acredito que a lady está na cozinha, tomando uma xícara de chá, meu lorde. Foi apenas um pequeno incêndio no jardim, por felicidade. Parece que um lampião caiu perto de algumas das caixas de madeira e da palha, que foram deixadas lá depois da última entrega de vinho. O fogo logo foi extinto. — Graças a Deus não foi pior — murmurou Quinn ―, embora você pareça ter sido tostado. — Fuligem, meu lorde, nada mais. A casa precisará de alguns reparos... uma nova janela e pintura. — Contanto que não tenha ninguém machucado — disse Quinn, gesticulando com uma das mãos para indicar despreocupação com os reparos. Ele passou a escadaria principal e foi em direção à escada dos criados e ao piso inferior. Tinha mais perguntas sobre o ocorrido, mas estas podiam esperar até que ele visse por si mesmo que Esme estava bem. Entrando na cozinha, Quinn sentiu outra onda de alívio diante da visão de Esme sentada à grande mesa no meio do cômodo branco, os cabelos numa longa trança desalinhada, o vestido de seda azul-clara cheio de manchas pretas de fumaça e com uma 82

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore mancha de fuligem no adorável narizinho. Ela estava obviamente segura e abençoadamente viva. Se alguma coisa tivesse acontecido a ela... Ele estava tão feliz e aliviado que não podia evitar o que fez a seguir. Alcançou-a em dois passos longos e colocou-a de pé e então beijou-a fervorosamente, com toda a paixão que vinha dizendo a si mesmo que nunca deveria sentir por ela. Os cabelos de Esme estavam cheirando a fumaça e os lábios dela tinham gosto de chá aromatizado com óleo de bergamota, mas ele não se importava. Ela estava bem, viva e era preciosa, e por um momento glorioso Esme relaxou contra ele e lhe permitiu beijá-la... Embora isso fosse somente por um momento, antes que ela se afastasse. — Benzinho! — exclamou ela, rubra e ofegante. — Onde você estava? Está com cheiro de taverna. — Eu estava num clube. Você está bem? Eu vi a fumaça e temi... — Eu estou bem. Ninguém foi ferido e os danos parecem ser mínimos — replicou ela, olhando ao redor do cômodo e lembrando-o de que eles não estavam sozinhos. Em adição à cozinheira andando perto dos fomos, a governanta estava parada ao lado da despensa, e a ajudante da copa observava de olhos arregalados, perto da porta dos fundos. — Fico feliz que não tenha sido pior — disse Quinn da maneira mais casual que foi capaz, mesmo enquanto notava o vidro quebrado na janela da cozinha. — Eu chamarei um vidraceiro e um pintor assim que possível — disse a sra. Llewellan-Jones. — Ótimo. E mande alguém levar uma tina de água quente para o quarto de minha esposa imediatamente, e outra para meu quarto — ordenou ele, pegando a mão de Esme a fim de conduzi-la para fora da cozinha. Enquanto eles andavam em direção à escada, Quinn notou as manchas escuras sob os olhos de Esme e como ela estava pálida sob a fuligem. Considerou erguê-la nos braços e carregá-la escadaria acima, mas se refreou... Até que ela tropeçou. Ele imediatamente a pegou nos braços. — Não me diga para colocá-la no chão — avisou ele, começando a subir os degraus. Ela nem sequer tentou. Em vez disso, com um suspiro cansado que o fez praguejar contra sua ausência novamente, Esme descansou a cabeça sobre seu ombro. — Tem certeza de que você não está machucada? — perguntou ele com preocupação. — As vezes, uma pessoa não percebe que está, até depois que a crise passa. — Não, eu não estou ferida, somente cansada. Quinn a carregou ao longo do corredor e para dentro do quarto dela, abrindo a porta com um chute antes de colocá-la no chão. Esme não reclamou disso também, felizmente, porque o que ele tinha a dizer era somente para que ela ouvisse. — Esme, sinto muito porque eu não estava aqui — disse ele, desviando o olhar quando a culpa o preencheu mais uma vez. — Se alguma coisa tivesse lhe acontecido... Ela pôs a mão sobre seu ombro, oferecendo-lhe o tipo de conforto com o qual Jamie provavelmente contava como certo. De súbito, uma ânsia por ter o tipo de amor e devoção de uma mulher como Esme o percorreu... — Está tudo bem — murmurou ela suavemente. — Nenhum dano sério foi causado. Foi um incêndio muito pequeno, e danos mínimos foram feitos à casa. Felizmente a sra. Llewellan-Jones já estava de pé e viu a fumaça. Foi uma simples questão de organizar os criados para apagá-lo. As faces de Esme enrubesceram. — Eu esqueci que deveria ser meramente decorativa. 83

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore Ela se sentia culpada? Ele deveria ter estado lá para protegê-la, em vez de desperdiçar seu tempo em outro clube. — Considerando que eu não estava aqui, fico feliz que você tenha esquecido. Ou talvez ela estivesse chateada pelo beijo na cozinha. Quinn decidiu não falar sobre aquilo, e tentar não pensar no assunto também. — McSweeney me contou que o fogo começou depois que um lampião caiu perto de palha e de caixas deixadas após uma entrega de vinho. Você acha que o incêndio foi um acidente, ou um ato deliberado? As delicadas sobrancelhas de Esme se arquearam numa expressão pensativa. — Eu realmente considerei a possibilidade de ter sido deliberado, causado por alguém que tinha vindo do estábulo através do portão dos fundos, mas não até que o fogo foi apagado. Àquela altura, o portão estava aberto. Todavia, podia ter sido aberto pelo lado de dentro. De qualquer forma, eu me certifiquei de conferir se os criados estavam fazendo seus serviços corretamente, e se nenhum deles estava faltando. É claro, é possível que o fogo tenha começado antes que o criminoso entrasse na casa e subisse aos aposentos dos criados, e antes que a sra. Llewellan-Jones desse o alarme. Ela pensou em tudo, exatamente como Quinn sabia que Esme era capaz de fazer tudo, inclusive de lutar para apagar um fogo sozinha, ou de chamar e orientar qualquer ajuda disponível. — Alguém poderia ter pulado o muro, é claro — continuou ela. — E é possível que eles tenham acendido o lampião dentro do jardim, de modo que ninguém os visse no estábulo. Mas por que alguém tentaria incendiar a casa de seu irmão? Que inimigos ele tem aqui? Ou você acha que alguém sabe que nós não somos quem alegamos ser, e quer nos assustar para nos fazer ir embora de Edimburgo? — Se foi um acidente ou não, eu não estou disposto a correr nenhum risco com sua segurança, Esme — disse Quinn com firmeza. — Contratarei um cocheiro para levá-la de volta para Londres amanhã. Esme o olhou com horror, sua fadiga pela excitação anterior do incêndio desaparecendo num instante. — Pode ter sido apenas um acidente, não algo planejado por um vilão para nos prejudicar. No fim das contas, eu acho que se alguém quisesse realmente nos machucar teria pensado numa maneira melhor de fazer isso, você não acha? Só havia madeira e palha para um pequeno fogo, dificilmente o bastante para destruir a casa ou até mesmo causar muitos danos. Ela endireitou os ombros e o encarou com determinação. — Além disso, eu não sou uma covarde que foge ao primeiro sinal de problema. Vim aqui porque Jamie me pediu, e não irei embora até que eu possa lhe dar uma resposta satisfatória sobre o pai de Catriona. Um brilho igualmente teimoso surgiu nos olhos azuis de Quinn. — Nós não descobrimos nada que indique que o conde está sendo enganado, de modo que não há necessidade de você ficar. Antes de eu chegar esta manhã, ia sugerir que nós dois voltássemos para Londres, mas agora eu devo permanecer, caso o incêndio tenha sido proposital, a fim de descobrir quem fez isso e por quê. — Se esse incêndio foi começado por alguém que sabe quem nós somos realmente e quer nos desencorajar, isso é uma prova de que há algo errado por aqui, no fim das contas, e eu não pretendo ir embora até que saibamos disso — replicou Esme com a mesma seriedade. — Seja lá o que esteja acontecendo aqui, duvido que suas habilidades legais sejam requeridas — argumentou ele. — Você não sabe disso — redargüiu ela. — E como explicaria a súbita partida de sua esposa? 84

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore — Eu posso simplesmente dizer que você foi para Londres, a fim de visitar amigas ou para comprar algumas roupas novas. — Mas... — Basta, Esme — declarou ele. — Você irá embora. Amanhã. — Eu não irei! — Eu não colocarei sua vida em risco! — Você não está fazendo isso — apontou ela de maneira decisiva. estou... ou Jamie estava quando sugeriu esse plano, para começar; portanto, pode absolver-se de qualquer responsabilidade em relação a mim. — Concorde ou não, eu sou responsável por você, e não a colocarei em perigo — insistiu Quinn, sua paciência claramente chegando ao fim. Ela não se importava. Assim como não se importava com o que ele dizia. Não ia fugir. Quinn achava que ela era uma criança a quem ele podia dar ordens? Ou uma subalterna? Ou uma covarde, que teria muito medo de ficar depois daquela mera possibilidade de perigo? No fim das contas, talvez o incêndio tivesse sido um acidente, causado por um criado com muito medo de ser demitido para confessar, em vez de uma ameaça ou um aviso. Ela não era uma criada subalterna, uma criança ou covarde. Tinha concordado em ajudar seu irmão a descobrir a verdade sobre o que estava acontecendo lá, e, por Deus, ajudaria. Mas o que poderia dizer que fizesse Quinn entender isso? Se ele fosse como a maioria dos homens, haveria algumas coisas que não toleraria. Se Esme fosse obrigada a recorrer a tais táticas, assim faria, pois ele a estava forçando a isso. — Eu sou uma mulher adulta, não uma criança. Também não sou sua esposa ou sua irmã, de modo que você não tem autoridade para ordenar a minha partida. E, se tentar, eu farei um escândalo do tipo que você nunca viu. As sobrancelhas de Quinn se uniram, e ela supôs que ele estava tentando imaginar que tipo de escândalo seria aquele. — O quê? Você vai chorar? — Acredite, eu farei muito mais do que isso — replicou ela. — Eu chutarei e gritarei, e terei de ser carregada à força. Como você explicaria isso para os criados? E mesmo se conseguisse tal façanha, eu iria procurar Catriona. Houve uma batida suave à porta do quarto, seguida pela voz ofegante de uma criada: — Minha lady, nós trouxemos a sua banheira. Não havia nada a ser feito, exceto abrir a porta, e, uma vez que Quinn estava parado ali, como algum tipo de guerreiro irado, Esme marchou para a porta, a fim de admitir a criada ofegante, carregando uma tina redonda e pequena. Atrás dela, mais três criadas carregavam jarros altos de metal com água quente, e a sra. Llewellan-Jones estava com um braço cheio de panos limpos. — Eu a deixarei para o banho, então — murmurou Quinn, indo para a porta do closet. — Discutiremos sua viagem às compras mais tarde. Não, eles não discutiriam, respondeu Esme silenciosamente. Em sua opinião, o assunto estava encerrado, e a única maneira que ele poderia fazê-la partir seria pondo uma venda nos seus olhos e uma mordaça em sua boca. Algum tempo depois, após se lavar e trocar de roupas, e acompanhado por um policial e um condestável, Quinn estava parado no jardim dos fundos, analisando os danos causados pelo incêndio. 85

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore O muro de trás da casa estava preto pela fumaça acima de diversas caixas de madeira queimadas. Cinzas molhadas cobriam o solo e o canteiro perto, e os galhos das árvores mais próximas tinham sido queimados. Perto do muro estavam os restos de um lampião quebrado, e a área ao redor ainda cheirava a óleo de baleia. Uma inspeção mais detalhada tinha revelado que diversos vidros nas janelas mais baixas haviam sido rachados pelo calor, e teriam de ser substituídos. Entretanto, poderia ter sido pior. Muito pior. Quanto a Esme, ele ainda estava determinado que ela voltasse para Londres; era uma pena que ela estivesse igualmente determinada a ficar. Pior ainda, era que Esme estava certa ao dizer que ele não tinha autoridade sobre ela para forçá-la a retomar. Havia um único homem no mundo que exercia tal autoridade sobre ela, e Jamie... A resposta lhe veio como uma faísca brilhando das caixas queimadas. Ele escreveria para Jamie e lhe diria que ele deveria chamar Esme de volta. Quando o irmão dela soubesse sobre o incêndio, certamente concordaria que Esme tinha de ir embora. Tão aliviado por essa decisão quanto por ter descoberto que Esme não havia sido ferida, Quinn voltou sua atenção para seus companheiros... O policial de cabelos cor de areia, num uniforme largo, que cutucava os destroços ensopados com a ponta de sua bota, enquanto coçava a cabeça sob o chapéu, e o condestável, que era açougueiro quando não estava engajado em suas tarefas oficiais. O condestável, sr. Russell, estava vestindo roupas adequadas a um comerciante próspero, o que ele era. Em termos de feições, constituição física e modos, todavia, ele lembrava um galo. Tinha até mesmo "papos" no queixo, que balançavam. — Ninguém confessou ter derrubado o lampião, certo? — disse o sr. Russell quando percebeu que Quinn o estava olhando. — Ainda não — respondeu Quinn. — Eu falarei com eles agora. Quinn os escoltou para a biblioteca, dizendo para um dos lacaios chamar o mordomo ao longo do caminho. Quando eles chegaram ao cômodo, com painéis de mogno, alinhados com livros que Augustus provavelmente nunca lera, Saunders, o policial, assumiu seu lugar perto da porta e se movimentou, como se não estivesse à vontade. O sr. Russell, por outro lado, acomodou-se na cadeira que Quinn lhe ofereceu, como se planejasse permanecer ali até que o jantar fosse servido. Quinn não tinha muita esperança de que qualquer um daqueles homens fosse capaz de descobrir quem era o responsável pelo incêndio, ou, na verdade, de descobrir muita coisa sobre aquilo. Entretanto, um protocolo apropriado devia ser observado. — Há alguma razão pela qual alguém iria querer incendiar sua casa, meu lorde? — perguntou o condestável. — Nenhuma de que eu tenha ciência — replicou Quinn. — Eu gostaria de conduzir as entrevistas, se vocês não se importarem — continuou ele, não apenas porque não tinha muita confiança nas habilidades dos oficiais públicos, mas também porque seria capaz de evitar quaisquer possíveis problemas relacionados às suas próprias atividades. — E claro, vocês ficariam livres para fazerem suas próprias perguntas também. — Como quiser, meu lorde — concordou o condestável amigavelmente. Saunders parecia muito impressionado pela magnificência ao seu redor para fazer qualquer coisa, exceto assentir com a cabeça. Com aparência cansada, mas bem-vestido e recém-barbeado, McSweeney chegou. Ele não prestou atenção no condestável e ao policial, e falou diretamente com Quinn: — O senhor deseja falar comigo, meu lorde? — Sim. Naturalmente, nós temos algumas perguntas sobre o que aconteceu ontem à noite... ou melhor, esta manhã — disse Quin de onde estava, em pé atrás de uma grande mesa de madeira, com as mãos atrás de si, como seu pai costumava se 86

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore posicionar com tanta freqüência quando questionando ou censurando seu filho mais novo. — Você tem alguma idéia de quem podia estar no jardim com um lampião? — Ninguém deveria estar lá numa hora daquelas, meu lorde, com ou sem um lampião — respondeu o mordomo sem rodeios. — Você não viu nada incomum antes de se recolher? — Não, senhor. Eu fui para meu quarto no meu horário de costume, e deixei o lacaio do saguão, esperando o seu retomo. A próxima coisa que ouvi foi a sra. Llewellan-Jones pedindo socorro. — A que horas foi isso? — Não sei exatamente, meu lorde. Eu não parei para consultar meu relógio de bolso. Estava perto de amanhecer, embora ainda estivesse escuro. — Você sabe por que a sra. LlewelIan-Jones estava de pé àquela hora? — É o costume dela se levantar cedo, meu lorde. A sra. LIewellan-Jones não confia que as criadas se levantarão e farão suas tarefas, a menos que ela esteja acordada para se certificar disso. Ela é uma mulher muito conscienciosa. — Tenho certeza de que é — replicou Quinn. De qualquer forma, ninguém na casa, exceto Esme, estava acima de suspeita, nem mesmo McSweeney. Todavia, Quinn achava difícil acreditar que McSweeney pudesse ser um criminoso. O mordomo sempre fora gentil com ele, parando para conversar quando o encontrava sozinho com um livro, ou simplesmente olhando pela janela e se perguntando como era o resto do mundo. Entretanto, McSweeney não o reconhecera; portanto, quem podia dizer o que mais tinha mudado com a passagem do tempo? Ele mudara, então talvez McSweeney também tivesse mudado, embora Quinn detestasse pensar em tal possibilidade. — Todos os criados têm excelentes referências, meu lorde. O sr. McHeath e eu os entrevistamos pessoalmente — continuou McSweeney. McHeath. Com o advogado encarregado de contratar os criados, teria sido fácil para ele conseguir um associado ou cúmplice dentro da casa, para espionar ou causar problemas. — Obrigado, McSweeney. Acho que isso é tudo, a menos que o condestável ou o policial tenha alguma pergunta. — Você parece ter pensado em tudo, meu lorde — replicou o condestável, enquanto Saunders mais uma vez apenas as— sentia. — Acho que você merece tirar uma soneca, McSweeney — disse Quinn. — Mas, antes, peça que a sra. Llewellan-Jones entre. O mordomo fez uma reverência e saiu da sala no mesmo instante em que Esme entrou. Ela estava obviamente refrescada pelo banho. Mechas de cabelos ainda úmidos se reuniam no pescoço e ao redor do rosto bonito. O vestido parecia alguma coisa que uma ninfa das águas usaria, em seda esvoaçante azul e verde, decote quadrado, com mangas curtas bufantes expondo os braços. Um xale de cashmere ao seu redor parecia tão suave quanto a pele de Esme. O condestável se levantou, estufou tanto o peito quanto o queixo. Quinn quase esperou que ele começasse a cacarejar. Esme corou como uma garota inocente quase desnuda. — Oh, eu estou interrompendo, benzinho? Quando aquele termo carinhoso começara a soar tão atraente? — Sr. Russell, permita-me apresentar minha esposa — disse ele, reprimindo o desejo de que ela fosse realmente sua esposa. — Minha lady, este é o sr. Russell, um dos condestáveis de alto posto de Edimburgo, e aquele jovem é um policial. 87

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore Boquiaberto, o jovem inclinou a cabeça num cumprimento. — Sa... Saunders, minha lady. Quinn não podia culpar o sujeito por se tomar incoerente de tão perplexo na presença de Esme. Ele também estava achando difícil se concentrar com ela na sala. — Como vão, sr. Russell, sr. Saunders? — murmurou Esme com um sorriso. — Eu espero que nós possamos descobrir o que aconteceu. Nunca senti tanto medo na minha vida! É claro que ela ficara assustada ao ver o fogo. E onde ele es tivera? Em alguma perseguição ao impossível, e tentando evitá-la. Mais uma vez, foi tomado por remorso e pesar, suas companhias familiares. — Nós pegaremos os culpados, minha lady, não se preocupe! — prometeu o sr. Russell com determinação. Ainda boquiaberto, Saunders assentiu ansiosamente: — Eu tenho certeza de que sim — replicou Esme, enquanto dava um rápido olhar em Quinn. De aprovação? De desejo? De simples reconhecimento de sua existência? Ele gostaria que soubesse. — Sinto muito, mas eu não vi ou ouvi nada, até que a sra. Llewellan-Jones gritou "fogo" — disse Esme, sentando-se em uma das cadeiras ao lado da mesa. — E você, meu lorde? — perguntou sr. Russell. — Também não viu ou ouviu alguma coisa incomum? — Eu não estava em casa. Saunders pareceu chocado, como deveria, enquanto o açougueiro corava como se tivesse pisado em alguma coisa que não deveria. — Eu estava no meu clube, como diversos outros membros do clube irão atestar. O sr. Russell enrubesceu e pareceu prestes a engasgar. — Eu nunca pretendi sugerir... — Eu não me ofendi ― interrompeu Quinn quando a sra. Llewellan-Jones, tão asseada e vestida com simplicidade como sempre, apareceu na soleira da porta. Apesar da aparência limpa, não havia como disfarçar o inchaço ao redor dos olhos dela e a tensão evidente ao redor dos lábios finos. Como McSweeney, ela ignorou os outros dois homens e se dirigiu a Quinn: — O senhor queria falar comigo, meu lorde? — Sim. Sente-se, por favor

Capítulo Catorze

Quando a governanta fez o que Quinn pediu, Esme se forçou a concentrar-se no propósito daquela entrevista. Não deveria ser distraída pelo incrivelmente bonito Quinn, com seus cabelos ainda úmidos e o rosto recém-barbeado, mesmo se ele ficara obviamente tão aflito por causa do incêndio e tão aliviado que ela não se ferira. E quem a beijara na frente dos criados com paixão fervorosa, embora Esme não pudesse ter certeza se isso era por causa dos sentimentos que Quinn nutria por ela ou porque sentira que aquilo era necessário para os papéis que eles estavam representando.

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HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore Ela devia se concentrar no que a governanta tinha a dizer... E deveria ter estado presente durante o interrogatório do sr. McSweeney também, apesar de ser obrigada a fingir-se uma esposa estúpida. — Estes são o sr. Russell, um condestável, e o sr. Saunders, da polícia de Edimburgo — começou Quinn. A sra. Llewellan-Jones assentiu com a cabeça em reconhecimento dos outros homens. — Eu lhe farei algumas perguntas sobre os eventos de ontem à noite — disse Quinn. — Depois eu lhe darei a mesma ordem que dei ao sr. McSweeney... tire uma soneca. A governanta respondeu com um pequeno sorriso: — Obrigada, meu lorde. — Pelo que entendo, foi você quem deu o alarme? — Sim, meu lorde. — Antes do amanhecer. As faces da governanta se tomaram levemente rosadas quando ela respondeu: — Sim, meu lorde, um pouco antes. É meu costume acordar cedo, para garantir que os criados comecem suas tarefas na hora certa. — Assim eu soube. Como você descobriu o fogo? — Senti o cheiro de fumaça, meu lorde. Eu estava entrando na cozinha e imediatamente senti cheiro de fumaça. Ao sair do lado de fora, vi as chamas e gritei por socorro. — Entendo. Obrigado, sra. Llewellan-Jones. A governanta assentiu, levantou-se e começou a andar para a porta. Aquilo era tudo que ele ia perguntar? E o condestável e o policial não iam questionála? Esme podia pensar em pelo menos mais um fato pertinente para esclarecer. — Você já estava vestida quando viu o fogo? A sra. Llewellan-Jones lentamente se virou. — Sim, eu estava. Esme sorriu, em parte para manter seu papel, e em parte para desviar qualquer suspeita que pudesse ter levantado em relação à sra. Llewellan-Jones, que parecia a Esme o tipo de mulher que podia frustrar quaisquer esforços para conseguir respostas honestas, se assim escolhesse fazer — Você deve realmente acordar muito cedo! Eu não tinha ideia. — Eu sempre acordei cedo, minha lady — replicou a sra. Llewellan-Jones. Ela olhou de Esme para os outros. — Há mais alguma coisa? — Bem, eu só estava pensando — murmurou Esme, determinada a obter algumas respostas, enquanto fazia o possível para continuar representando seu papel — onde você estava quando os homens estavam apagando o fogo. Eu não me recordo de tê-la visto. — Uma vez que vocês tinham tudo sob controle, minha lady — replicou a sra. Llewellan-Jones calmamente eu não vi necessidade de ficar no jardim. Entrei para me certificar de que a cozinheira estava preparando o café da manhã. Esme podia ver que, por mais serenamente que a sra. Llewellan-Jones tivesse respondido, ela não tinha gostado da pergunta. Isso era interessante. — E o sr. McSweeney a estava ajudando na cozinha? — perguntou ela com aparente inocência. — O sr. McSweeney tinha ido chamar a polícia, minha lady, como tenho certeza de que o sr. Saunders pode atestar. Eu pensei que ele tivesse lhe dito isso. — Eu não falei com ele pessoalmente esta manhã — respondeu Esme, então olhou para o jovem policial. 89

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore — Ah... sim, está certo, minha lady — gaguejou ele. — O mordomo foi... me chamar. A sra. Llewellan-Jones olhou para Esme com o cenho franzido. — Certamente você não desconfia do sr. McSweeney? — Claro que não! — declarou Quinn. — Eu não desconfio de ninguém nesta casa. Nós meramente queremos saber o que aconteceu esta manhã. Uma vez que a casa poderia ter incendiado inteira, se você não estivesse acordada para dar o alarme, tem minha profunda gratidão, sra. Llewellan-Jones. Esteja certa de que minha gratidão encontrará outra expressão em seu salário este mês. Os olhos da governanta brilharam com surpresa, antes que ela desse outro pequeno sorriso e assentisse com um gesto de cabeça. — Obrigada, meu lorde. Mais alguma coisa? Ela olhou para Esme, que decidiu que tinha perguntado o bastante. — Eu estou satisfeito — disse Quinn. Então, voltou-se para o condestável e para o policial. — A menos que vocês, cavalheiros... — Não, eu acho que tudo de importante foi perguntado e respondido — disse o sr. Russell. Saunders assentiu. Depois que a sra. Llewellan-Jones se retirou, Saunders começou a ir em direção à porta. — Eu... eu acho... se vocês me dão licença, meu lorde, minha... minha lady, sr. Russell. — Fico satisfeito em ver que você está ansioso para começar a trabalhar! — exclamou Quinn. — Eu tenho fé que o culpado deste crime será capturado rapidamente, e asseguro-lhe que você também receberá uma expressão adequada de minha gratidão nesse dia feliz. O sr. Russell se levantou e assumiu uma postura que infelizmente lembrava Napoleão Bonaparte. — Não se preocupe, meu lorde. O regimento de policiais de Edimburgo possui um bom nível! Ao trabalho, Saunders. Com isso o açougueiro saiu da sala de maneira empertigada, seguido pelo humilde policial que, no fim das contas, tinha capacidade de falar. Depois que eles se foram, Quinn ficou de pé atrás da mesa, como um almirante do convés de um navio, e Esme mentalmente se preparava para outro confronto. Ele poderia discutir o quanto quisesse; ela não sairia de Edimburgo, a menos que ele a forçasse fisicamente. Mas, em vez de fazer outra demanda para que ela seguisse suas ordens e partisse, Quinn suspirou, então se sentou e disse: — Não posso dizer que estou muito confiante de que estes dois serão capazes de descobrir o que aconteceu. Ele ia fingir que outra conversa não tinha acontecido? Simplesmente presumia que ela iria embora porque ele achava que esse era o melhor? — Outro motivo pelo qual eu devo ficar. Em vez de parecer irritado, Quinn deu de ombros, e falou num tom de concordância inesperada: — Uma vez que concordo que é inútil tentar forçá-la a partir, eu não falarei mais nada sobre isso. Ele não falaria? Finalmente havia percebido que ela não ia ceder, apenas porque ele era homem e achava que aquele era o melhor curso de ação? — Ótimo — murmurou ela, não disfarçando seu alívio. — Você disse que os criados estavam fazendo seus serviços corretamente? 90

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore Assim era melhor.. Uma discussão num tom de voz moderado e profissional, não uma discussão repleta de correntes de emoção. Era aquilo que ela preferia, ou assim disse a si mesma quando se sentou na cadeira mais próxima e respondeu: — Sim, pelo menos depois que o fogo foi apagado. Até lá, estava tudo muito caótico. Você acha que pode ter sido um dos criados? — Talvez, mas tenho certeza de que não foi McSweeney. Eu o conheço desde criança, e não posso ver nenhuma razão pela qual ele iria querer nos prejudicar, ou a Augustus. Se ele sentisse qualquer animosidade em relação a nós, teria se recusado a voltar. — E quanto à governanta? — sugeriu Esme, lembrando-se do comportamento da sra. Llewellan-Jones ao responder as perguntas. — Eu tive a forte impressão de que ela não estava sendo completamente sincera. — Você acha que ela está escondendo alguma coisa? — Acho. Quinn franziu o cenho enquanto considerava essa declaração, então disse: — Minha experiência me diz que ela está sendo verdadeira. — A minha me diz o contrário. Homens estão sempre prontos e dispostos a acreditar que as mulheres são muito estúpidas, ignorantes ou virtuosas ou amorosas para serem capazes de fazer coisas erradas. Mas as mulheres, especialmente as desesperadas, infelizmente são tão capazes quanto os homens de fazerem o que acreditam que irá ajudá-las, ou o que irá remover uma dificuldade, seja essa real ou imaginária. As mulheres também podem ser tão gananciosas e maliciosas quanto os homens. Então, repito, eu acho que a sra. Llewellan-Jones não estava sendo completamente sincera. Quinn se levantou e começou a andar de um lado para o outro, as mãos atrás das costas. — Vamos assumir que você está certa — começou ele. — Eu estou — insistiu Esme com segurança. Tinha visto muitas mulheres passarem pelo escritório de seu irmão, conhecido muitas garotas na escola para duvidar de seus instintos agora. — Por que a sra. Llewellan-Jones esconderia alguma informação? E de que tipo? Se ela iniciou o incêndio, por que faria isso? Que possível motivo teria? Esme podia pensar em um, pois não havia fúria, como a de uma mulher desprezada ou abandonada. — Uma vez que esta é a mulher de quem estamos falando, o que você sabe sobre as indiscrições passadas de seu irmão? Quinn se aproximou dela lentamente. — Talvez a sra. Llewellan-Jones tenha sido uma vítima da luxúria de seu irmão. — Se assim fosse, ela não teria percebido que eu não sou Augustus? — Teria? — questionou Esme. — McSweeney não o reconheceu. Ou talvez ela não tenha sido a vítima. Talvez seja parente de uma mulher que seu irmão enganou, ou talvez de alguém que ele tenha prejudicado de outra maneira... um comerciante trapaceado, ou um que acredita ter sido trapaceado. É possível que seu irmão tenha executado uma hipoteca. Você sabe alguma coisa sobre as negociações profissionais de Augustus? Quinn meneou a cabeça. — Não. McHeath deve saber, mas ele não daria informações sobre os casos amorosos do passado de Augustos. Como eu disse, meu irmão tem horror a escândalos, de modo que, se ele mantinha algum segredo, seria esse tipo de coisa. — Negociações profissionais realizadas nos dariam um lugar para começar, pelo menos — replicou ela. — Infelizmente o sr. McHeath com certeza acharia estranho se você o questionasse sobre seus próprios negócios. Eu, por outro lado, poderia alegar ignorância sobre seus assuntos financeiros. O sr. McHeath também contratou todos os criados, então seria natural que sua esposa lhe perguntasse sobre eles. 91

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore Quinn brincou com a ponta do mata-borrão sobre a mesa. — Entendo seu ponto de vista — concedeu ele, e Esme não pôde evitar uma onda de triunfo pela admissão. Era como se Quinn estivesse finalmente reconhecendo sua contribuição para aquele desafio dos dois. — Eu também não acredito que devemos assumir que o incêndio foi um ato de violência contra nós — continuou ela. — Como falei antes, devemos sempre entreter a possibilidade de que foi um acidente. No entanto, estou muito ciente de que pode não ter sido, então sugiro que os lacaios continuem vigiando, um na frente da casa, outro nos fundos. Quinn assentiu em concordância. — Eu contratarei mais alguns também. Não acho que alguém questionaria isso, depois do que aconteceu. — Visitarei o sr. McHeath esta tarde e verei o que posso descobrir sobre os criados. — Uma vez que ele foi responsável por contratá-los — começou Quinn com expressão preocupada ―, pode ser que ele... — Tenha deliberadamente contratado um cúmplice criminoso, ou pode estar aliado a algum? — interrompeu Esme quando sua mente chegou à óbvia conclusão. — Que talvez ele tenha contratado o criminoso para esse propósito, ou para nos espionar? Sim, é possível — admitiu ela com relutância. — Isso significaria que McHeath é um homem perigoso. Talvez eu deva acompanhar você. Pelo menos isso não era uma exigência. De qualquer forma... — Acho que não — replicou ela. — Ele não será tão sincero se você estiver comigo, e como eu poderia implicar que tenho dúvidas sobre competência financeira, se você estiver presente? Ele suspirou e uma expressão de resignação, quase... Fracasso... Surgiu nas feições de Quinn. — Muito bem, Esme. Mas seja cuidadosa, e se ele parecer até mesmo um pouco suspeito... — Eu irei embora — assegurou a ele. Esme se levantou, pronta para ir à procura do sr. McHeath, sem demora, mas as palavras seguintes de MacLachlann a fizeram hesitar: — Seu irmão terá de ser informado disso. Teria mesmo? Que bem faria preocupar Jamie sobre alguma coisa que podia não ter nada a ver com a razão pela qual eles estavam em Edimburgo? Ou MacLachlann tinha outro motivo? E se, apesar da aparente mudança de opinião, ele ainda quisesse que ela voltasse para a Inglaterra? Certamente descreveria o incêndio nos piores termos possíveis, dando a impressão de que a vida deles estava correndo grave perigo. Uma vez que Jamie ficaria preocupado com ela, sem dúvida, ordenaria que Esme voltasse para Londres. Amenos que, é claro, a carta de MacLachlann nunca chegasse. — Se você acha necessário, mas lembre-se que o fogo pode ter sido acidental — disse ela alegremente, como se não tivesse percebido a possível intenção dele. — Eu não quero que você preocupe Jamie desnecessariamente. — E se ele quiser que você volte para Londres? Esme deu um suspiro cansado enquanto andava para a porta, sentindo uma pequena onda de satisfação por ter percebido a trama de MacLachlann. — Eu irei, é claro, obedecer aos desejos de meu irmão, embora sinceramente espere que ele não queira isso.

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HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore — Boa tarde, lady Dubhagen. Esta é uma surpresa muito agradável. Por favor, sente-se — convidou o sr. McHeath quando Esme foi conduzida ao seu escritório pelo secretário dele, um homem decentemente vestido, com cabelos ruivos e sardas. Ela fez como o advogado sugeriu, notando a qualidade da mesa... Carvalho entalhado com incrustações de mogno, assim como os painéis de madeira e as prateleiras de livros de Direito. Alguns papéis estavam espalhados sobre a mesa e um tinteiro de prata estava polido e brilhante como um espelho. As janelas daquela câmara eram grandes, embora a luz do sol não pudesse penetrar o nevoeiro do lado de fora, de modo que lampiões, brilhantes como o tinteiro, haviam sido acesos para proporcionar melhor iluminação. — O que eu posso fazer por você, minha lady? — perguntou o sr. McHeath enquanto ocupava a cadeira atrás de sua mesa, preocupação evidente em cada feição. Era realmente possível que ele fosse um canalha? Que, apesar da solicitude aparente, do comportamento gentil, procurasse roubar os clientes e causar até mesmo danos físicos a outras pessoas? Todos os instintos, toda a experiência e intuição que Esme possuía lhe diziam que isso não podia ser. De qualquer forma, deveria ser cautelosa, e não lhe dar motivo para desconfiar de que ela estava agindo, exceto pelo que afirmava, caso MacLachlann estivesse certo e ela, errada. — Eu vim lhe falar sobre nossos criados, sr. McHeath, mais especificamente sobre a sra. Llewellan-Jones — disse Esme, mordendo o lábio inferior para denotar ansiedade. — Sabe, houve um incêndio no nosso jardim um pouco antes do amanhecer... um princípio de incêndio — apressou-se em acrescentar quando viu o choque no rosto dele. — O que aconteceu? Alguém se feriu? Se ele estivesse fingindo suas reações, deveria estar no palco do teatro Royal, na Drury Lane. — Todos estão bem, graças a Deus, e nós não sabemos ao certo o que aconteceu — disse ela, torcendo a pequena bolsa nas mãos. — Foi iniciado por um lampião caído, embora quem estivesse com o lampião e o que estava fazendo lá àquela hora da noite eu não tenho idéia! Pensei que pudesse ter sido um criado, mas nenhum deles confessou, de modo que decidi checar as referências deles. O sr. McHeath imediatamente se levantou e andou até um gabinete de madeira com puxadores de latão, do qual retirou um maço de papéis. — Aqui estão as cartas de referência de todos os seus criados, se você quiser examiná-las, mas eu lhe asseguro que fiz as investigações de praxe sobre eles. Ela ansiosamente aceitou as referências. — Obrigada. Sem demora, Esme começou a ler a primeira, que pertencia à sra. Llewellan-Jones. Se aquela referência fosse confiável, ela era realmente um modelo de perfeição entre governantas. A próxima se referia ao sr. McSweeney, e a seguinte ao lacaio chefe. Logo ficou aparente que cada criado vinha com um caráter excelente e recomendação dos empregadores anteriores. Enquanto lia, Esme percebeu que o sr. McHeath tinha se aproximado. Ele estava um pouco perto demais, talvez... Pelo menos perto o bastante para deixá-la desconfortável e fazê-la começar a se perguntar se Quinn estava certo sobre a atração do sr. McHeath por ela. Quanto aos seus sentimentos pelo advogado... Para ser honesta, ele era um homem de boa aparência, com aproximadamente a mesma idade de Quinn, respeitável, inteligente, escocês e ainda por cima advogado; todavia, não mexia com seu coração daquela maneira. Nem Esme mexia com o dele... Ou pelo menos tivera certeza disso até aquele momento, e apesar das suspeitas de Quinn. Ela se levantou rapidamente. — Eu não deveria tomar tanto de seu tempo. 93

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore — Há mais algum problema, não há? — perguntou o advogado gentilmente, enquanto pegava os papéis da mão dela e os colocava sobre sua mesa. — Eu não sei o que você quer dizer — murmurou Esme, desejando que ele não estivesse de pé entre ela e a porta, imaginando se aquela posição era uma tentativa deliberada de bloquear sua saída. — Há outra explicação para o lampião e o incêndio — disse o sr. McHeath. — Posso lhe perguntar onde seu marido estava quando o fogo começou? Ela não sabia o que responder. Poderia mentir e dizer que ele estava em casa, mas havia a chance de o sr. McHeath ter ouvido sobre as atividades noturnas de MacLachlann através de outros clientes ou de membros dos clubes. — Ele estava fora... — respondeu Esme. O advogado a olhou com o que parecia compaixão. — Lamento que isso confirme outras coisas que eu ouvi, minha lady, e me faz perguntar se não foi seu marido quem derrubou o lampião. Quinn teria contado a ela se tivesse derrubado o lampião enquanto voltava de uma de suas escapadas investigativas no clube dos cavalheiros, não teria? Por que fingiria outra coisa para ela? A menos que não estivera sozinho. Talvez ele tivesse estado com um criado. Ou talvez achasse que a ameaça em potencial de dano físico seria uma boa forma de fazê-la partir. Quando ela voltou a se sentar, o sr. McHeath falou com gentil compaixão: — Lamento afligi-la tanto, mas nós devemos considerar tal possibilidade, e se foi isso... Se foi isso o quê? — Minha lady, eu vi o jeito com que ele a trata. Estou muito preocupado com sua segurança, assim como com sua felicidade. Por favor, deixe-me ajudar. A última pessoa com quem ela queria falar agora era com o sr. McHeath. Queria fugir dele, estar sozinha para pensar. — Obrigada por sua preocupação — murmurou ela, levantando-se rapidamente ―, mas agora, se me der licença, eu tenho de voltar para casa. Em vez de ir para a porta e abri-la para ela, como Esme esperava, McHeath lhe segurou as mãos e lhe estudou o rosto ansiosamente. — Se ele a está destratando de qualquer maneira, eu posso ajudá-la a se livrar de lorde Dubhagen. Se você teme vingança ou o fato de que ficará sem dinheiro porque ele tem o controle dos bens, há meios de conseguir uma renda para você, ou até mesmo um divórcio. "Deixe-me ajudá-la, minha lady" suplicou o advogado. "Nenhuma mulher merece ser miseravelmente casada." — Por favor, sr. McHeath, solte-me! Ele a soltou, no entanto continuou entre ela e a porta. — Então, antes que vá, por favor, me responda uma coisa — disse ele, olhando-a com intensidade. — Por que você está tentando enganar a mim e a todos em Edimburgo?

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Capítulo Quinze

Tentando desesperadamente manter o controle, Esme fez a única coisa que podia fazer... Continuou fingindo ser a esposa superficial de Quinn, olhando para o sr. McHeath com aparente confusão. — O que você quer dizer, sr. McHeath? O advogado se aproximou um passo, não zangado ou aborrecido, mas compassivo e sincero. — Por que você está fingindo ser pouco inteligente? É para pacificar seu marido? Tem medo de seu marido? Ele tem acessos de ira se você expressar uma opinião que contradiz a dele? Não ocorrera a Esme que sua atuação de uma esposa tola, superficial e levemente intimidada poderia despertar o senso de cavalheirismo num homem. O que ela deveria dizer? Como poderia explicar seu relacionamento com Quinn sem entregar muito da verdade? — Sinto-me bastante tocada por você estar preocupado com meu bem-estar — respondeu ela honestamente mas isso não é necessário. Lamento ter lhe dado uma idéia errada, sr. McHeath. Eu não queria parar de ser a condessa de Dubhagen. Eu só queria descobrir sobre a sra. Llewellan-Jones. Um homem terá sua recreação, no fim das contas. Eu só não gostaria que fosse com uma criada em nossa própria casa. Ela viu o respeito do advogado por sua tristeza e lamentou isso; porém, o que mais podia fazer? — Agora, você realmente precisa me dar licença, sr. McHeath — continuou ela enquanto se apressava para a porta. Mais uma vez ele passou na frente dela para bloquear sua saída. — Minha lady, se seu marido é o bruto insensível que penso que ele é... — Não, ele não é — insistiu ela no momento em que a porta do escritório se abriu. — Que diabos você está fazendo com minha esposa? — demandou Quinn, olhando para o sr. McHeath como se quisesse matá-lo. Esme o fitou com perplexidade. Ele soubera que ela ia lá e por que, e Quinn concordara, então por que a seguira? Achava que ela era incapaz de conduzir uma investigação independente? Ou estava realmente convencido de que o sr. McHeath tinha intenções sedutoras a seu respeito... E que ela poderia sucumbir? — Estou lhe dizendo que se ela deseja se libertar de um casamento infeliz eu a ajudarei — admitiu o advogado sem medo e de maneira acusatória. — Afaste-se dela — avisou Quinn. — Não fique nervoso, benzinho — disse Esme antes que se virasse para o advogado, que estava olhando para MacLachlann como se quisesse mandar prendê-lo. — Está tudo bem realmente, sr. McHeath. — Do que ele estava me acusando? — quis saber Quinn. — De nada, benzinho, verdade. — Eu soube das inúmeras visitas que você tem feito a vários estabelecimentos imorais em Edimburgo desde seu retorno — disse McHeath, apesar da interjeição de Esme. — Estabelecimentos que não apenas podem causar embaraço financeiro e social para a sua esposa, mas possivelmente prejudicar a saúde dela também. Esme se virou devagar para fitar Quinn. — O que ele quer dizer? — perguntou suavemente, embora entendesse perfeitamente a implicação das palavras do sr. McHeath. 95

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore — Nós discutiremos isso em particular — replicou Quinn através de dentes cerrados, estendendo o braço para pegar a mão dela. McHeath se colocou entre os dois. — Fique longe de minha esposa, e cuide de sua própria vida — falou Quinn com raiva. — Se sua esposa quiser a minha ajuda, ela a terá — retomou McHeath no mesmo tom zangado de voz. Jamie sempre dissera que Quinn era um lutador habilidoso e feroz, com mais vidas que um gato, então ela intercedeu sem demora, movendo-se para parar na frente de Quinn e abrindo as mãos no peito dele para mantê-lo no lugar. — Acalme-se, benzinho. — Ela olhou por sobre o ombro para o indignado McHeath. — Ficarei bem, embora, naturalmente, eu esteja tocada por sua preocupação. Vamos, meu querido — murmurou enquanto pegava o braço de Quinn. Por um momento, ela temeu que MacLachlann não fosse se mexer, mas ele fez isso, compassivamente deixando-a conduzi-lo para fora do escritório. No momento em que eles estavam sentados na carruagem, e independentemente da expressão mal-humorada e da postura defensiva de Quinn no canto, Esme exigiu saber o que ele pensara que estava fazendo para ir ao escritório do advogado. — Ou você me acha incompetente para fazer perguntas? — É claro que eu acho você competente — respondeu Quinn em tom de voz irritado. — Eu queria ver o que ele faria se eu chegasse inesperadamente. Surpresa, no geral, resulta em reação irrefletida, e, por conseguinte, leva a uma melhor compreensão da pessoa de quem eu desconfio. — E quanto a mim? E quanto à minha reação irrefletida? Isso a fez ganhar o tipo de sorriso irônico que não via no rosto de Quinn por vários dias, e do qual não tinha sentido falta. — Eu presumi que você continuaria representando seu papel, o que fez, e muito bem, aliás. Esme se sentiu esquentar sob o olhar firme, mas ainda não estava preparada para renunciar sua indignação. — O que você concluiu da reação do sr. McHeath, então? Espero que o comportamento cavalheiresco dele o tenha feito subir em sua estima, como o fez na minha. MacLachlann a olhou como se ela tivesse enlouquecido completamente. — Cavalheiresco? É isso que você pensa? Ela falara isso, não falara? — O que mais, quando ele estava tão determinado a ajudar uma mulher que acredita estar presa num casamento horrível? — O homem não a vê como algum tipo de donzela em apuros — replicou Quinn, como se ela fosse tola. — Ele a quer em sua cama. Esme não acreditava nisso nem por um instante. — Somente porque ele tentou me ajudar... ou melhor, ajudar a mulher que acredita ser esposa de seu irmão... você assume que o sr. McHeath tem motivos egoístas. E não pode ver que se há uma mulher que ele quer, esta é Catriona, e não eu? — Se você tivesse alguma experiência real de vida, saberia que eu estou certo. — Eu tenho experiência real de vida, como você chama isso — retorquiu ela. — Como eu poderia não ter, ouvindo sobre as coisas com as quais Jamie tem de lidar todos os dias? Maridos preguiçosos e infiéis que abandonam suas esposas, deixando-as à mercê de seus credores. Pobres viúvas e órfãos sem marido e pais. Criadas que são rejeitadas, geralmente com uma criança para sustentar, porque seus empregadores as 96

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore estupraram. Donas de lojas, que precisam abrir processos para conseguirem manter o que possuem, porque homens pensam que podem roubar as mulheres sem conseqüências. Eu lhe garanto, MacLachlann, vi muita coisa na vida, e muitas eu preferia não ter visto, incluindo o que aconteceu com a saúde de uma mulher cujo marido frequenta bordéis. Quinn teve a decência de corar. — Sim, independentemente do que você pensa, eu tenho experiência suficiente para entender o que o sr. McHeath quis dizer. Você tem ido a bordéis. — Fui somente a um — replicou Quinn de modo desafiador. — E apenas para fazer perguntas. Desta vez foi a vez de Esme dar um sorriso irônico. — Sem dúvida. O olhar dele endureceu. — Essa é a verdade, Esme. O único motivo pelo qual eu estive naquele lugar foi para obter informações. E como McHeath ficou sabendo de minhas atividades, você supõe? — Eu suspeito que ele tenha fontes, assim como você — replicou ela. — E uma de minhas fontes é Mollie MacDonald, que por acaso é uma prostituta. — Quinn cruzou os braços e a fitou sem vergonha ou remorso. — Talvez, em algumas coisas, você não seja tão ingênua quanto pensei, mas eu ainda não confio em McHeath. Ou ele a que ou quer alguma coisa de você. Tenho certeza disso. — Talvez tudo que ele busque seja a satisfação de ser útil e gentil. MacLachlann bufou, o som evidenciando desdém. — Por que você persiste em ver motivos vulgares e não confiáveis em todos os lugares? Ele endireitou o corpo e se inclinou para a frente no assento. — Porque, minha florzinha, você é uma linda mulher, e, em minha experiência, nenhum homem quer ser meramente amigo de uma linda mulher. Ela não era linda. Era a comum Esme McCallan, então ele tinha de estar mentindo ou exagerando, numa tentativa de desculpar seu próprio comportamento ridículo no escritório do sr. McHeath. Quinn franziu o cenho e uniu as sobrancelhas, como se estivesse confuso. — Qual é O problema, Esme? Ninguém nunca lhe disse que você era linda? — É claro que não — redargüiu ela porque isso não é verdade. — Sim, é — afirmou Quinn, o tom baixo, porém resoluto, como se as palavras precisassem ser vociferadas, ele querendo dizê-las ou não. — Você é linda, Esme, e sempre foi, apesar dos vestidos horríveis que geralmente usa, de seus dedos manchados de tinta e de seus cabelos lisos. — Isso é mentira — insistiu ela. Só podia ser. Nenhum homem a olhara duas vezes, exceto para reclamar que, como uma criança, uma mulher deveria ser vista e não ouvida. Nenhum homem jamais elogiara sua beleza, e certamente nenhum homem já tentara seduzi-la para algum tipo de intimidade, exceto por Quinn, é claro. — Não, não é, mas você estava muito absorta no mundo das leis e devotada ao seu irmão para perceber isso. — Então por que ninguém mais nunca me disse isso? Por que nenhum homem mostrou qualquer interesse por mim? — Provavelmente mostrariam, se não temessem sua língua afiada. — Não comece. — Eu gosto de sua língua afiada. Admiro sua mente inteligente, embora outros homens talvez não admirem, e sua independência. Também admiro sua devoção ao seu irmão. — Ele a encarou diretamente então, os olhos repletos de um desejo tão intenso 97

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore que pareciam puxá-la em direção a ele como ímãs. — E eu a quero desde a primeira vez que a vi. Isso não podia ser verdade. Com certeza ela teria percebido... Visto... Adivinhado... E MacLachlann não teria sido tão insolente, tão zombador. Todavia, quando ela lhe estudou os olhos, acreditou que ele estava falando a verdade. A evidência da sinceridade estava ali, clara como se estivesse escrita em pergaminho. Como se tivesse sido decretado por lei, Esme se moveu para se sentar ao lado dele, e estendeu o braço para lhe tocar o rosto. Há quanto tempo o queria também? Desde o dia em que ele chegara em suas bonitas roupas novas, no dia em que eles tinham partido para Edimburgo? Desde o mês anterior, quando ele e Jamie estavam rindo juntos de uma história que Quinn estava contando? Ou desde o primeiro encontro deles, quando Quinn parecera tão elegante, apesar dos trajes não tão na moda? Independentemente de quando tinha acontecido, o que importava era que acontecera, e agora ela queria beijá-lo. Então fez isso, e, enquanto o beijava, cada músculo, cada terminação nervosa de seu corpo pareceu ganhar vida como nunca ganhara antes. Cada fibra de seu ser lhe dizia que ela queria aquele homem, precisava dele, como nunca precisara ou quisera outra pessoa. Quinn tinha o poder de lhe despertar uma excitação incrível e deixá-la atordoada de desejo. Ele oferecia o fogo que Esme pensara que nunca experimentaria, que nem mesmo precisaria, como outras mulheres precisavam. Como estivera errada sobre aquilo, e sobre ele! Quão cega e ignorante tinha sido! Seu coração começou a disparar quando Quinn retomou seu abraço com igual fervor. O corpo de Esme foi tomado por calor, por desejo, pela excitação da paixão mútua, quando ele a envolveu nos braços e aprofundou o beijo. Dedos hábeis abriram os botões de seu casaco de pele, até que ele pudesse deslizar uma das mãos para o seio dela, através do vestido. Gentilmente, Quinn a circulou com o outro braço e a puxou para mais perto, enquanto ela lhe tirava o chapéu da cabeça para entrelaçar os dedos nos sedosos cabelos escuros. Com suas bocas unidas, mãos acariciavam e massageavam. As pontas dos dedos de Quinn roçavam sobre seu vestido, até que ele finalmente insinuou a mão dentro do corpete do vestido para lhe segurar um seio. Esme gemeu com desejo, encorajando-o, e tirou a camisa de dentro do cós da calça, de modo que pudesse sentir os músculos do peito sólido sob o tecido fino. Ele pegou a saia de seu vestido com uma das mãos, deslizando a outra por baixo e entre as pernas dela com lenta deliberação. Esme se arqueou contra ele, quando os lábios de Quinn deixaram os seus e roçaram seu queixo, depois seu pescoço. Ela lhe abriu os botões da camisa, querendo sentir mais da pele dele. Quando conseguiu, e abriu a mão sobre o peito nu, ele gemeu, o som vindo do fundo do peito, primitivo como seu próprio desejo ardente. Ela esqueceu que deveria ser bem-educada e moralmente correta. Que eles não eram casados, nem estavam noivos. Que promessa de nenhum tipo tinha sido feita. Nenhum contrato de casamento, verbal ou assinado. Eles eram simplesmente um homem e uma mulher capturados em desejo mútuo. Em luxúria incontida. Desenfreada. Dedos trabalharam nos cordões da calça que ela usava por baixo do vestido, até desatá-los. Ela deveria estar tímida. Embaraçada. Envergonhada. Mas não estava. Até mesmo movimentou os quadris para ajudá-lo a abaixar sua calça. 98

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore Sabia o que estava prestes a acontecer. O que queria que acontecesse. O que vinha tentando imaginar desde a primeira vez que vira Quintus MacLachlann. O que vinha dizendo a si mesma que não podia acontecer, por mais que quisesse, porque ele era um malandro. Um malandro sedutor. Agora sabia que não era bem assim. Quinn era um homem que tinha desperdiçado suas chances... E vivido para se arrepender disso. Que sentia remorso e sofria por seus erros. Que era tão sozinho e solitário de seu próprio jeito quanto Esme era do seu. Entretanto, ele a queria e precisava dela. Despertava-lhe um desejo primitivo e natural, como nenhum homem jamais fizera e provavelmente nunca faria. Ele lambeu a pequena curva na base de seu pescoço, enquanto a segurava por baixo e pressionava a mão contra ela. Esme se contorceu e gemeu quando ele deslizou um dedo para dentro da abertura escorregadia. Ele pressionou novamente e outro dedo se juntou ao primeiro. E então... E então, foi como se o corpo dela tivesse adormecido durante sua vida inteira e subitamente despertado. Cerrando os dentes para conter um grito, ela ergueu um pouco o corpo quando a tensão aumentou, levando-a para um mundo novo... Um mundo sem pensamentos, sem lógica, sem leis ou modos de conduta. Apenas de sentimentos. E de sensações primitivas. Aquilo era maravilhoso. Aquilo era intimidade. Era prazer... E ela lhe daria o mesmo. Todavia, quando sua mão foi para a calça de Quinn, ele se afastou de súbito e lhe abaixou as saias, como se ela tivesse sacado uma faca. — Não — murmurou Quinn, a voz rouca, séria e inflexível. Como se ele estivesse envergonhado. Como ela deveria estar. Com a mesma rapidez que Esme experimentou aquela liberação magnífica, a vergonha a inundou. Apesar de toda sua determinação, da força interior que acreditava possuir, tinha sido tão fraca como qualquer mulher, e disposta a ceder às demandas da carne... E dentro de uma carruagem também. Deveria ter lembrado que era uma mulher boa e decente, que queria o respeito de Quinn, e entregar-se à luxúria não era a maneira de conseguir tal respeito. Embora essa noção tivesse parecido totalmente ridícula apenas alguns dias atrás, o que Esme realmente deveria querer... O que queria... Era estar casada com Quinn, ser sua esposa e mãe dos filhos dele. Exceto que isso significaria abandonar sua prática de advocacia, pois certamente não seria capaz de continuar ajudando seu irmão se estivesse casada, mesmo com Quinn. Enquanto ela amarrava suas roupas de baixo e alisava a saia, evitou olhar para Quinn. Tentando ignorar os anseios de seu coração, forçou-se a considerar as praticidades de um casamento com ele. Quinn seria apaixonante na cama, mas e quanto ao resto? Que tipo de segurança poderia lhe oferecer? Que tipo de profissão um herdeiro renegado com um passado dúbio encontraria? Que tipo de vida? E se os sentimentos que eles nutriam um pelo outro fossem apenas de luxúria? Esme vira muitos casamentos se destruírem porque não havia amor, confiança, segurança. Ela deveria evitar um destino similar. Deveria ficar longe de Quinn e impedir encontros íntimos como aqueles, a menos que, e até que, estivesse certa de que os sentimentos deles eram mais do que desejo físico. Do contrário ela não seria melhor do que muitas das mulheres que procuravam Jamie depois de perderem tudo porque se acreditavam apaixonadas. A carruagem parou de se mover. — Graças a Deus — murmurou Quinn, a voz rouca, enquanto ele terminava de abotoar a camisa. 99

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore Quando o lacaio abriu a porta, Quinn não esperou por ela. Nem mesmo a olhou antes de desembarcar e ir para dentro da casa, deixando o lacaio para ajudá-la a descer da carruagem. Apesar disso, Esme ergueu a cabeça e entrou na casa, embora por dentro estivesse se sentindo tão desolada e envergonhada quanto se tivesse sido abandonada no altar. Esme McCallan havia sido humilhada finalmente... E não por um homem. Por seu próprio desejo lascivo. Quinn entrou na biblioteca de seu irmão e foi diretamente para o gabinete de bebidas, servindo-se de uma dose de uísque, que tomou num único gole. O que tinha feito, pelo amor de Deus? Como podia ter ido tão longe? Em mais um momento alimentado por paixão ele teria tirado a virgindade de Esme. Como podia ter sido tão egoísta? Como tinha sido capaz de esquecer o que devia para Jamie, e chegado tão perto de deflorar sua irmã? Embora pudesse ter algum orgulho no fato de que conseguira parar antes que as coisas fossem longe demais, ainda se deixara levar pelo desejo avassalador que o consumia. A única forma que Esme deveria perder sua virgindade era quando se casasse, e nunca poderia se casar com um homem como ele. O que ele tinha a lhe oferecer, no fim das contas? Nada, exceto um homem bonito na cama, e Quinn sabia precisamente o valor disso, que lhe fora provado com freqüência em sua juventude por mulheres que o bajulavam e provocavam, apenas para descartá-lo quando se cansavam dele, até que ele aprendera a deixá-las primeiro. Se tivesse sido sábio, Quinn teria percebido como aqueles relacionamentos eram vazios e insatisfatórios, e procurado alguma coisa... Alguém... Melhor. Alguém como Esme, que mexia tanto com sua paixão quanto com seu coração. Que tinha o poder de fazê-lo se sentir tão bem... E ao mesmo tempo tão mal. Ele se serviu de uma segunda dose de uísque, que logo seguiu o caminho da primeira. Havia feito papel de tolo no escritório de McHeath também. Não fora lá porque não confiava na habilidade de Esme de se defender sozinha, ou de desviar atenção indesejada, e sim porque não confiava em McHeath. Apesar de Esme não acreditar que McHeath tivesse algum interesse libidinoso em relação a ela, Esme não era homem, com o conhecimento de um homem de seu próprio sexo. Quinn se serviu de um terceiro drinque, então hesitou quando o copo estava a caminho dos lábios, enquanto lembrava que tinha dito a Esme que nunca mais bebera em excesso. Pondo o copo sobre a mesa, sentou-se numa poltrona verde. Agira como um marido ciumento em algum tipo de melodrama vulgar. Exceto que não estivera representando. Ver Esme com McHeath, ouvir as acusações do homem, o preenchera com raiva primitiva e sentimento de posse... Algo que Esme obviamente achara desagradável e rude. Porque era. Quinn se levantou e andou para a janela que dava vista para o jardim e o estábulo. A sujeira do incêndio tinha sido limpa, e ele podia ouvir os vidraceiros trocando os vidros das janelas da cozinha. Não poderia esperar que Jamie ordenasse que a irmã voltasse para casa. Teria de fazê-la ir embora, para o bem de Esme, assim como para seu próprio bem.

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Capítulo Dezesseis

— Algum problema, meu lorde? — perguntou McSweeney enquanto Quinn andava de um lado para o outro no foyer da casa naquela noite. Ele não tinha visto ou falado com Esme desde que eles haviam retomado do escritório do advogado, nem ela fizera qualquer tentativa de lhe falar. Por que faria? Depois de sua falta de controle da última vez que eles tinham estado juntos, ele não ficaria surpreso se Esme nunca mais quisesse vê-lo. — Temo que minha esposa possa não estar se sentindo muito bem para ir à festa esta noite. O mordomo arqueou as sobrancelhas de leve. — Realmente, meu lorde? Ela chamou uma das criadas para ajudá-la com o vestido, uma hora atrás. — Ah. Encantador — murmurou Quinn, tentando não trair a total extensão de seu alívio. — Eu não quero falar o que não me diz respeito, meu lorde, mas devo lhe contar que os criados gostam muito da condessa. O comportamento dela durante o incêndio foi exemplar. Quinn se virou para encarar o homem mais velho. — Como assim? — Ela manteve uma calma impressionante, meu lorde. — Eu gostaria de ter estado aqui — replicou Quinn, as palavras escapando como se ele fosse um garotinho novamente, confiando no único aliado que tivera na casa de seu pai. — Se posso dar uma opinião... — começou McSweeney, apenas para ficar silencioso quando Esme, num vestido de noite e manto, apareceu no topo da escadaria. Os cabelos dela estavam penteados num estilo mais simples do que recentemente, puxados para trás, do jeito que Esme os usava em Londres, embora houvesse delicados cachinhos na testa e roçando as faces. As jóias também eram simples, brincos e colar de pérolas, e o vestido que aparecia sob o manto tinha somente duas fileiras de rufos na bainha. Mesmo assim, ela estava tão adorável quanto qualquer jovem vestida na última moda. Não, mais adorável, porque nenhuma quantidade de belos trajes poderia equiparar-se ao brilho inteligente dos olhos de Esme, ou aos lábios carnudos e vermelhos que eram capazes de beijar com tanta paixão. Ele precisava parar de pensar daquela forma. Tinha de esquecer da sensação de segurar Esme nos braços e beijá-la. Ou assim comandou a si mesmo durante todo o caminho para a casa de lady Elvira, um dos domicílios mais exageradamente decorados que ele já tivera a infelicidade de entrar. Seu desconforto em relação às redondezas cresceu quando uma voz infelizmente familiar chamou seu nome assim que eles entraram na sala de estar Ramsley. De todos os homens mais imbecis, inúteis... E até agora ele conseguira manter Ramsley longe de Esme. Pior ainda, Ramsley não estava sozinho, e sim acompanhado por um grupo de homens igualmente arrogantes e vestidos de modo pomposo.

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HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore Com um sorriso amplo no rosto redondo e sardento, Ramsley parou diante deles e gesticulou para seus companheiros, que estavam obviamente mais do que um pouco embriagados. — Eu lhe apresento Dougal McSudderland, lorde Ramsley de Tam — disse Quinn relutantemente para Esme enquanto o jovem idiota fazia uma reverência. — Ramsley, minha esposa. — Charmosa, absolutamente charmosa — exclamou o homem mais novo, pegando a mão de Esme e beijando-lhe o dorso. — Meu Deus, Dubhagen, que prêmio! Os cantos da boca de Quinn ficaram tensos, enquanto Esme punha um sorriso falso no rosto e dizia: — É um prazer conhecê-lo, lorde Ramsley. — O prazer maior é meu, minha lady. Você é até mesmo mais adorável do que eu ouvi falar. Esme deu uma risadinha, enquanto Quinn segurava-lhe o cotovelo. Se ele não podia arriscar ficar sozinho com ela, o mínimo que podia fazer era afastá-la de Ramsley. — Se você nos dá licença, Ramsley, há algo que eu gostaria de discutir com o conde de Duncombe — disse ele, conduzindo Esme em direção ao nobre mais velho, que estava sentado a uma curta distância, com a filha ao seu lado. Esme não protestou quando Quinn afastou-a do jovem nobre que a estivera olhando como se ela fosse uma prostituta em exposição. Todavia, quando o peso da mão de Quinn no seu braço a aqueceu e a fez lembrarse da excitação dos abraços e beijos dele, ela percebeu que acompanhá-lo àquela festa tinha sido um erro ainda maior. Deveria ter alegado dor de cabeça e ficado em seu quarto. Talvez pudesse render-se e voltar para Londres, por mais dolorosa que a ideia fosse. Se não era capaz de controlar seu desejo quando estava perto de Quinn, talvez tivesse de se afastar dele, mesmo se isso significasse desapontar Jamie. No momento em que eles pararam diante do conde, Quinn se abaixou um pouco, de modo que pudesse ser ouvido sobre o barulho da música. — Eu gostaria se ter uma conversa com o senhor sobre hipotecas. Ocorreu-me que eu poderia fazer mais esse tipo de coisa. O senhor faz tantas barganhas financeiras, não é? — Algumas. Aqui não é lugar para falar sobre dinheiro — replicou o conde, afligindose e dando um olhar de lado para sua filha. Catriona estava linda num vestido de seda verde-claro, com fitas de cetim verdeescuro ao redor da bainha e do corpete, de mangas justas que enfatizavam seus braços delgados e graciosos. Muitas das mulheres estavam igualmente bem-vestidas, assim como a maioria dos homens, em seus temos de noite, embora nenhum estivesse tão bonito quanto Quinn. — Acredito que encontraremos uísque, assim como privacidade, na biblioteca — sugeriu Quinn. As sobrancelhas do conde de arquearem. — Nunca pensei nisso! Um lugar muito melhor para conversar, de homem para homem — disse ele, levantando-se com a ajuda de Quinn e Catriona. Enquanto Esme os observava ir, maravilhando-se mais uma vez com o jeito que Quinn se movia com tanta flexibilidade e graça atlética, Catriona andou em direção a um canto. Os modos da jovem eram furtivos, como se ela não quisesse ser vista. — Algum problema? — perguntou Esme seguindo-a. — Não, não realmente — replicou Catriona, brincando com as franjas de seu leque, sua ação nervosa lembrando Esme das outras mudanças da jovem, que parecia ter realmente sofrido. 102

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore Mas então Jamie também sofrera. — Eu não quis alarmá-la — Catriona murmurou suavemente. — Acho preferível ficar longe do caminho das pessoas, isso é tudo. Elas podem fazer fofocas dos gestos e palavras mais insignificantes, e depois de Jamie... — Ela enrubesceu, então continuou com mais firmeza: — Pessoas fizeram fofocas ao meu respeito o bastante para durar uma vida inteira. Esme sempre se ressentira de Catriona por ter tomado necessário que ela e Jamie partissem de Edimburgo. Agora, todavia, ocorreu-lhe que talvez tivesse sido mais difícil ficar e suportar as fofocas e comentários maldosos, como Catriona suportara. — Seu irmão é o melhor homem que eu já conheci, ou que algum dia conhecerei — continuou Catriona, fitando Esme com olhos tristes. Parecia como se Catriona ainda o amasse. Era possível que ela tivesse interpretado a jovem mulher de maneira totalmente errônea? Se Catriona tivesse amado Jamie o bastante para ainda amá-lo, apesar da passagem do tempo, por que ela o rejeitara? O pai tinha tanto controle assim sobre a filha? Catriona desistiria do homem que amava para não chatear ou arriscar ofender o pai amado? Era tão devotada assim? Em caso positivo, talvez fosse capaz de continuar amando um homem que acreditava que não poderia ter... Esme subitamente sentiu uma pequena tontura. Aquele seria o seu destino também? — O que duas das mulheres mais bonitas de Edimburgo estão fazendo sussurrando num canto? — perguntou lorde Ramsley, aproximando-se e parando na frente delas. Quatro de seus amigos estavam com ele, todos com olhos vermelhos e o nariz ainda mais vermelho, como se eles estivessem bebendo vinho há horas. — Se você nos der licença, lorde Ramsley — disse Esme, começando a se mover para a frente, até que ele lhe bloqueou o caminho. — Vocês devem me permitir apresentar-lhes meus amigos, que estão ansiosos para conhecê-las — continuou Ramsley sem deixar que Esme ou Catriona respondessem. — Este é lorde Luchbracken, lorde Esterton e o honrável George Teannet. Os três outros homens fizeram tentativas de reverências, e lorde Esterton que era certamente muito pesado para sua altura, falou de maneira inteligível: — Encantado, ladies, mui... encantado. — Se nos derem licença — insistiu Esme, preparada para empurrar quem estivesse em seu caminho, se necessário. Ramsley se moveu para a frente, fazendo-a recuar para evitar uma colisão. — Nós só queremos conversar com vocês. — Nós não queremos conversar com vocês — retorquiu Esme, pegando a mão de Catriona. — O que, em nome de Deus, vocês pensam que estão fazendo, seus imbecis? Esme nunca ficara tão feliz em ver ou ouvir Quinn em sua vida. Logo atrás dele estava o indignado sr. McHeath, parecendo um anjo vingador se materializando do céu. Os outros cavalheiros se afastaram o mais rapidamente que seus estados de embriaguez permitiram, mas Ramsley permaneceu. — Eu só estava falando com elas. — E agora você pode parar de falar com elas e ir embora — comandou Quinn. — Você não tem o direito de me dar qualquer tipo de ordem! — Talvez não, mas, se você for sábio, fará o que eu digo. — Por quê? Porque você é rico e sua família é antiga? — zombou Ramsley. — Antiga e degenerada, se metade do que eu ouvi for verdade. E se você for tão ruim quando qualquer um deles. 103

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore — Sugiro que você pare e desista, lorde Ramsley — disse o sr. McHeath com calma, porém com firme resolução. — Afaste-se das moças. Em vez de seguir o sábio conselho, Ramsley fez uma careta. — Então você também vai me dar ordens? Estou ainda menos propenso a ouvi-lo, McHeath, apesar do dinheiro que sua família fez. — Por que você não volta para a Jamaica? — continuou ele com um sorriso falso quando mais uma vez se dirigiu a Quinn. — Pode deixar sua esposa, todavia. Atrevo-me a dizer que eu posso fazer com que ela o esqueça rapidamente. Quinn enrijeceu como se tivesse sido atingido por um raio. Então suas sobrancelhas se abaixaram de forma ameaçadora e as mãos se fecharam em punhos em suas laterais. Esme segurou o cotovelo de Catriona para levá-la dali, enquanto o sr. McHeath rapidamente se colocava entre os dois homens. — Você não deve fazer nada imprudente, meu lorde — falou o sr. McHeath para Quinn. — Há, todavia, razões para... — Saia do caminho, McHeath — ordenou Quinn, a voz baixa e dura. — Sim, saia do caminho — concordou Ramsley. — Como se este lorde pudesse me machucar. — Oh, eu posso — replicou Quinn tão fria e calmamente que Esme acreditou que ele pretendia matar o tolo. — Benzinho, por favor, vamos para casa — pediu Esme, deixando Catriona e pegando o braço de Quinn. — Uma excelente idéia — apoiou o sr. McHeath, claramente também preocupado sobre o que podia acontecer. Enquanto isso, Catriona se aproximou do advogado. — Sim, fuja, meu lorde — provocou Ramsley. — Não é isso que você sempre faz? Não é por isso que foi para a Jamaica? Em vez de responder a Ramsley, Quinn deu a Esme um sorriso tenso. — Vamos, meu amor. Concordo que este inseto não vale o esforço necessário para esmagá-lo. Esme reprimiu um suspiro de alívio. Então, enquanto a atenção de Quinn ainda estava nela, Ramsley deu um soco no rosto de Quinn. Esme gritou um aviso diante do ataque covarde, mas Quinn já tinha abaixado e se virado num movimento flexível. Apesar de sua ação defensiva, o golpe atingiu o nariz dele e sangue escorreu pelo queixo e sobre a gravata impecável. Emitindo um som que lembrava um leão feroz, Quinn retaliou, dando uma série de socos rápidos que fizeram Ramsley tropeçar para trás. Mais pessoas se juntaram ali para ver o que estava acontecendo, enquanto os que estavam mais perto se apressavam em sair do caminho da briga. — Pare! Ao som da voz aflita de Esme, Quinn olhou para trás. Ramsley viu sua chance e avançou para golpeá-lo novamente. Mas Quinn estava pronto e se virou para evitar o golpe, movendo-se para a frente de forma abrupta. Usando um dos ombros, empurrou Ramsley no chão polido, agora manchado com sangue de seu nariz, então agarrou o braço do homem e, num único movimento rápido, quebrou-o. Ramsley gritou quando o osso estalou; então, tomou-se pálido como papel e desmaiou. Ofegante e satisfeito, Quinn endireitou o corpo, então se virou e viu Esme olhando-o como se não pudesse acreditar na evidência de seus próprios olhos. Ele havia reagido instintivamente para se proteger, mas para ela devia ter parecido um selvagem... Ou a opinião anterior que Esme tinha sobre ele voltara a aflorar. Assim Quinn temeu, até que ela correu para ele, exclamando: — Que ataque vil e covarde! Ramsley deveria ser preso! 104

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore Subitamente, o nariz de Quinn não doía mais tanto, embora, no momento em que lorde Luchbracken gritou para chamar um médico, ele lembrou, da mesma maneira súbita, que deveria fingir ser Augustus. Não tinha lutado como um cavalheiro. Aprendera a se defender nas mas, nos pubs e nas casas de jogos de Londres, não em algum clube de boxe para os ricos ociosos. Augustus ficara fora de Edimburgo por anos, racionalizou Quinn, enquanto tentava não notar que Esme tinha jogado os braços ao seu redor. Quem poderia dizer o que ele aprendera durante esse tempo? — Seu nariz está quebrado? — perguntou Esme quando parou de abraçá-lo. Então tirou um lenço do bolso do paletó dele e começou a limpar seu nariz ensangüentado. Apesar de sua sincera intenção de manter distância, Quinn teve o mais intenso desejo de tranquilizá-la com um beijo. Em vez disso, ergueu uma das mãos para sentir seu nariz e rosto, recuando ao descobrir o inchaço. — Não, apesar de doer como... Dói muito — disse ele, pegando o lenço da mão de Esme e enxugando sangue de seu queixo. -Acredito que o imbecil insolente aprendeu a lição. — Espero que sim — murmurou McHeath, juntando-se a eles, seguido por uma Catriona preocupada. — Uma vez que ele deu o primeiro golpe, você poderia acusá-lo de agressão. — E processá-lo pelo valor de suas roupas arruinadas ― acrescentou Esme. Ela falava exatamente como Jamie, quando ele discutia um caso. Quinn pigarreou, esperando que ela percebesse que poderia revelar muitos conhecimentos da lei, embora o que Esme tinha dito era muito menos arriscado para a farsa deles do que suas próprias ações. — Pelo menos eu... acho que sim — gaguejou ela. — Meu querido pai esteve numa situação parecida depois que um cocheiro espirrou lama e estrume no seu melhor casaco e o arruinou completamente. — Acho que a justiça foi feita — replicou ele. Lady Elvira passou por diversas mulheres reunidas ali e se aproximou. — Ele está morto? — gritou ela, a expressão horrorizada diante da visão de lorde Ramsley. Os amigos dele o tinham virado, de modo que ele estava com o rosto para cima, mas ainda deitado no chão. — Ele está vivo e provavelmente continuará tão vivo quanto eu — respondeu Quinn calmamente. — Se meu sangue manchou seu piso, eu ficarei feliz em pagar pelos reparos. — Manchou meu... — murmurou lady Elvira enquanto estudava o chão. — Isso é sangue? — Alguém segure a lady — ordenou Quinn quando lady Elvira começou a balançar. Quando diversas mulheres se apressaram para ajudar a anfitriã atordoada, Esme se inclinou para mais perto de Quinn e sussurrou: — Acho melhor nós irmos embora. — Eu não poderia concordar mais — replicou ele. A cortina parcialmente aberta da janela da carruagem que levava Esme e Quinn de volta para a casa do conde de Dubhagen permitia a entrada da luz dos lampiões laterais para iluminar o interior. Quinn, todavia, estava na sombra na maior parte do tempo, salvo por ocasionais vislumbres do rosto quando a carruagem virava, como se os lampiões e a estrada estivessem conspirando para provocar Esme com breves vislumbres do rosto machucado de seu bonito companheiro. 105

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore Era óbvio que Quinn estava com dor, mas, como muitos homens, tentava não demonstrar isso. Um homem como Quinn provavelmente agiria como se uma costela quebrada não fosse importante, portanto ela duvidava que perguntar como ele se sentia, ou mencionar as circunstâncias que lhe causara os ferimentos, provocasse alguma resposta bem-vinda. Esme também queria lhe contar como ficara aliviada ao vê-lo quando ela e Catriona estavam sendo importunadas por aqueles imbecis. Queria agradecê-lo pela intervenção, apesar de ter sentido muito medo de que ele pudesse matar Ramsley ou se ferir seriamente. Mas estava muito ciente do que tinha acontecido da última vez em que eles estavam sozinhos numa carruagem para arriscar um elogio, ou o que talvez ele considerasse uma crítica, e pouco tempo depois a carruagem parou. Quando o lacaio abriu a porta, olhou para Quinn como se outro nariz tivesse crescido no rosto dele. — Apenas um pequeno inconveniente na festa — disse Quinn como explicação enquanto descia da carruagem e estendia a mão para ajudar Esme e acompanhá-la para dentro da casa. No momento em que eles chegaram à porta da frente, encontraram McSweeney, que também se mostrou chocado pela aparência de Quinn. — Precisa de alguma coisa, meu lorde? — perguntou ele num sussurro. — Bandagens, unguento ou... qualquer outra coisa? — Eu estou bem. Vá para a cama, McSweeney. Não fazia sentido tentar esconder como Quinn havia se machucado, pensou Esme. Os criados ouviriam sobre o que tinha acontecido muito em breve. — Ele parece assustador, eu sei, mas é somente um nariz inchado e ensangüentado — disse ela com uma risadinha. — Isso ensinará meu lorde o que dá brigar numa festa, eu espero! — Sim, minha lady — murmurou o mordomo, obviamente ainda perplexo enquanto eles começavam a subir a escada. Independentemente do que Quinn pudesse pensar sobre seu ferimento, ela não ia deixá-lo sozinho naquela noite. Tinha ouvido falar sobre casos onde ferimentos na cabeça, que pareciam ser pequenos, podiam às vezes levar à morte, então ficaria com Quinn para se certificar de que ele não começasse a manifestar sintomas mais sérios. Quinn não falou, até que viu seu criado pessoal e a criada de Esme, esperando-o do lado de fora das portas de seus respectivos quartos. — Você pode ir — falou ele para seu criado. — Eu cuidarei de mim mesmo esta noite. O homem pareceu aliviado, e não hesitou ao se dirigir à escada dos criados, antes que Quinn desaparecesse dentro do quarto sem ao menos um olhar na direção de Esme. — Você também pode ir — disse Esme para sua criada, que cumpriu a ordem rapidamente. Então ela abriu a porta de Quinn.

Capítulo Dezessete

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HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore O quarto de Quinn era decorado de maneira tão ostentosa e elaborada quanto um palácio de um soberano oriental, repleto de móveis de madeira escura entalhada, com cortinas brocadas em vermelho e dourado ao redor da cama, pesadas cortinas de veludo dourado nas janelas, um tapete rico e espesso no chão e castiçais de bronze cheios de velas brancas altas iluminando o grande espaço. Um fogo tinha sido aceso na lareira, e as chamas tremulavam, fazendo as sombras dançarem quando Quinn se virou para encarála. — Esme? O que você...? — Eu acho que deveríamos mandar buscar um médico ou um farmacêutico — replicou ela, fechando a porta, o tom de voz energético e casual ao mesmo tempo. Um homem como Quinn não ia querer sua piedade, ou mimos. — Ferimentos na cabeça podem parecer pequenos, mas podem se provar desastrosos. — Isso não é nada — disse Quinn, provando que ela estava certa ao pensar que cuidados maternais não seriam bem-vindos por ele. — Eu já fui muito mais machucado do que isso. — Talvez, mas eu não estava por perto, e você não estava sob meus cuidados. — Eu não estou morrendo e não estou sob seus cuidados! ― protestou ele, enquanto vigorosamente mexia no fogo, fazendo as chamas se erguerem ainda mais. — Se você quer brincar de enfermeira, encontre outro paciente. — Eu não quero brincar de enfermeira, mas, uma vez que estou fingindo ser sua esposa, a responsabilidade da sua saúde é minha. Você está machucado em algum outro lugar? — Não! Droga, Esme... — O uso de palavras rudes não irá me encorajar a ir embora também. E depois do que testemunhei, recuso-me a acreditar que você não esteja machucado em nenhum outro lugar. Quinn se sentou em uma das poltronas estofadas. — Suponho que talvez haja alguns arranhões — concedeu ele, mal-humorado. Um filete de sangue apareceu na ponta do nariz inchado de Quinn. Quando Esme viu, sentiu o mesmo medo que experimentara ao ver Ramsley atacando-o... Mas não ousou demonstrar. — Seu nariz está sangrando. Ponha a cabeça para trás — ordenou ela, antes de ir para o lavatório do quarto. Felizmente ele fez o que ela lhe disse sem objeção, e Esme começou a limpar o sangue com um pano úmido e frio. — Seu nariz está muito dolorido? — Não está quebrado — replicou ele. — Tenho certeza de que minha aparência está linda — acrescentou com sarcasmo. — Espero que suas habilidades de pugilista não sugiram para alguém que você não é seu irmão. — Eu agi por instinto... assim como você, presumo, quando sugeriu que eu poderia processar o imbecil. Ela não poderia discordar. — Eu só comentei sobre seu estilo de luta porque nós deveríamos ter algum tipo de explicação plausível para métodos incomuns, caso isso se tome necessário. — Podemos dizer que eu aprendi a dor socos como um hobby. Muitos cavalheiros aprendem. — Isso deve ser suficientemente satisfatório — concordou Esme, agindo, de propósito, da maneira desapaixonada que um advogado questionaria uma testemunha. — Por que seu irmão foi para a Jamaica?

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HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore — Ele partiu de Edimburgo depois que eu fui renegado, de modo que não sei realmente. Mas é bem possível que tenha fugido para evitar um escândalo, ou qualquer possibilidade de um. Eu lhe disse que ele tem aversão a escândalos. — O sangramento parou por agora; então, se você ficar de pé, eu o ajudarei com seu paletó — murmurou ela, movendo-se para fazer isso. Quinn se levantou, removeu o paletó e o jogou sobre a cama. — Eu não preciso de sua ajuda para me despir. Vá para seu quarto, Esme, e deixeme em paz. As palavras zangadas dele eram piores do que um soco, mas Esme não ia obedecer-lhe até que tivesse certeza de que ele estava bem. — Não. Quinn a olhou como um imperador poderoso. — Esme, pare de discutir comigo. Sua presença não é mais requerida, nem neste quarto nem em Edimburgo. Você voltará para Londres assim que eu mandar arrumar suas malas e preparar a carruagem. O estômago de Esme se contorceu com uma combinação de medo e incredulidade, todavia ela o encarou com raiva. Não queria ir embora antes que eles finalizassem sua missão, e não sentia que estava correndo perigo, não enquanto Quinn estivesse ao seu lado. Contudo, mais importante, no fundo de seu coração, não queria voltar para Londres por um motivo que não tinha nada a ver com sua segurança ou com a investigação deles. Londres parecia um lugar solitário e vazio agora, sem estímulos, exceto por aquelas poucas vezes em que ela encontraria Quinn. Iria vê-lo ocasionalmente, mas não tocaria nele. Iria lhe falar, mas nunca beijá-lo. — Eu não irei. Não irei embora até que eu esteja convencida de que realizamos toda investigação possível. Vim aqui para ajudar meu irmão, e a menos que tenha certeza de que estou correndo perigo físico iminente, é isso que pretendo fazer. Você não pode me forçar a ir. — O incêndio e aqueles imbecis na festa me dizem que você está em perigo iminente, então irá embora, nem que eu tenha de amarrá-la como um pacote de lã e colocá-la dentro da carruagem. — Você não ousaria! — Eu lhe garanto que ousaria, e o farei. Esme podia ver que ele falava sério, então ela precisava encontrar outro motivo para ficar E encontrou, um motivo novo e recém-descoberto, mas válido de qualquer maneira. — Eu passei a acreditar que Catriona ainda gosta de Jamie. Se ele ainda a ama, como você parece pensar, e como nossa presença aqui aparentemente atesta, eu devo ao meu irmão tentar consertar as coisas entre eles. Um incidente numa festa, um pequeno incêndio... o que são estas coisas comparadas à felicidade futura de meu irmão? Então, digo-lhe mais uma vez, eu não irei embora. E não sairei deste quarto até que tenha certeza de que você não está seriamente ferido. Engolindo em seco, mas determinada a lhe mostrar que falava muito sério, Esme começou a desatar-lhe o nó da gravata, tentando conter o tremor de seus dedos. — Eu disse que não quero a sua ajuda — repetiu ele com firmeza. — Estou meramente removendo sua gravata. Ele lhe cobriu a mão com a sua. — Pare. Esme ignorou tal ordem também. Se ele quisesse realmente que ela parasse, ia ter de empurrá-la. Ele não fez isso, e apenas manteve as mãos ao lado do corpo. Talvez Quinn quisesse ver o quanto ela estava determinada, ou esperasse que o fato de ela ser virgem a faria parar, se as ordens dele não funcionavam. 108

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore Se assim fosse, ele logo descobriria que estava errado. — Isto está arruinado — comentou Esme, jogando a gravata dentro da pia. Pressionando os lábios, começou a abrir os botões da camisa igualmente ensangüentada. — Esta também. A respiração de Quinn se tomou mais errática, o peito largo se movimentando com a mesma rapidez que o de Esme, mas ele ainda não tentou detê-la. Uma vez que a camisa estava aberta, ela começou a removê-la pelos ombros dele, expondo o torso magnífico. Havia alguns arranhões e muitas pequenas cicatrizes que provavam que Quinn não tinha levado uma vida fácil. Ele se afastou subitamente, como se ela o tivesse esbofeteado. — Esme, pelo amor de Deus, tenha piedade de mim e vá embora! — ordenou ele com voz rouca, angústia nos olhos enquanto ele se abaixava sobre os joelhos. — Eu sou um perdulário, um tolo que desperdiçou uma herança privilegiada. Sou tudo de ruim que você sempre pensou de mim, e provarei isso, se insistir em ficar aqui. — Não! — gritou ela, horrorizada por ele ter se ajoelhado na sua frente. Esme estendeu as mãos e o ajudou a ficar de pé. — Você é um homem bom... um homem gentil e generoso, inteligente e corajoso, e, se cometeu erros em seu passado, já pagou por eles desde então. Meneando a cabeça, ele se afastou. Ela deveria falar a verdade, e falaria. — Independentemente do que você fez no passado, tem a minha afeição, assim como a minha admiração e o meu respeito. Os olhos azuis pareceram penetrar sua alma. — Se eu pudesse ter esperança, Esme, desejaria mais do que sua afeição, admiração e respeito. Eu desejaria seu amor. — Você está falando sério? — sussurrou ela, com medo de acreditar que aquilo fosse verdade. — Fingir ser meu irmão não foi a primeira vez que eu representei um papel. Eu venho representando desde que a conheci, Esme — murmurou ele baixinho. — Zombei de você e a provoquei, porque não queria que você soubesse como eu realmente me sentia. Ele falava com tanta sinceridade que era como se uma corda tivesse sido jogada ao redor de Esme, e agora a puxava em direção a ele. — Como você realmente se sente, Quinn? Por favor, me fale. — Eu a amo — sussurrou ele, e com absoluta sinceridade. — Acho que me apaixonei desde a primeira vez que a vi, apesar daquele horrível vestido marrom que você estava usando, mas eu não queria admitir, nem para mim mesmo, porque isso teria significado reconhecer tudo que eu tinha feito para ser indigno de você. Se eu apenas tivesse me comportado de maneira diferente, feito escolhas melhores, sido um homem melhor e mais forte, poderia ter esperança de que você correspondesse ao meu amor. Do jeito que é... Quinn estendeu os braços e lhe tomou as mãos nas suas. Quando falou, ela viu honestidade e vulnerabilidade nos olhos azuis, uma alma desprovida de todas as suas máscaras e defesas. — Nenhuma outra mulher jamais tocou meu coração como você fez, Esme. Elas tiveram o meu corpo, mas nunca meu amor. Somente você. Essa não era uma declaração sublime feita num jardim cheio de rosas, não era um juramento feito de joelhos, ou uma promessa numa igreja iluminada. Era a simples declaração de um fato, clara e concisa. Enquanto seu coração saltava com alegria, Esme resolveu ser tão honesta sobre seus sentimentos quanto Quinn havia sido sobre os dele. 109

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore — Eu também sempre senti alguma coisa por você — confessou ela. — Nenhum outro homem já me atraiu tanto, embora eu não tenha deixado transparecer isso. No começo era apenas desejo, mas era tão forte que tive medo do que aconteceria se eu deixasse de vê-lo como me afetava. E temi estar sendo tão tola quanto qualquer adolescente apaixonada. Então disse a mim mesma repetidamente que você era um malandro, um homem ruim. — Mas eu sou um malandro e um perdulário, e nem de perto bom o bastante para você, Esme. — Deixe-me terminar! — comandou ela em tom de desespero, segurando-lhe os ombros. — Estou apaixonada por você há meses, mas tinha certeza de que você nunca gostaria de uma mulher como eu, então tentei me convencer de que o que sentia era errado e um erro terrível. — Por muito tempo consegui enganar a mim mesma. Desde que roubei aquela moeda e jurei que nunca mais faria uma coisa como aquela, tenho me orgulhado de minha honestidade e integridade moral, apenas para viver uma mentira colossal no que se refere aos meus sentimentos em relação a você. — Porém, não mais. Eu quero admitir o que sinto. Estou feliz por sentir o que sinto, e não mudaria isso por nada no mundo. Ele a fitou com olhos esperançosos, ansiosos. — Eu amo você, Esme — murmurou ele suavemente. — Eu a amo há meses, mas somente percebi aqui, onde nunca fui mais feliz antes. E, uma vez que Quinn estava abrindo o coração, ela abriria o seu para ele. — Eu também o amo, Quinn, com todo meu coração. Esme abriu as mãos sobre o peito dele, que inflava e desinflava com a respiração, sentindo o calor da pele sob seus dedos, sentindo-lhe as batidas do coração e a pulsação do sangue. — Eu quero estar com você como se nós fossemos realmente marido e esposa. Ele lhe segurou os pulsos e balançou a cabeça em negativa, mesmo quando o desejo brilhou nos olhos azuis, que escureciam agora. — Eu tenho de obrigá-la a partir. Carregá-la para seu próprio quarto. — Se você tentar, eu voltarei — prometeu ela, antes de pegar a mão dele a fim de conduzi-lo para a cama, apesar dos riscos. Pois havia riscos, especialmente para ela. Eles não eram casados, e Esme poderia engravidar. Ela estava convidando escândalo e vergonha, e, pior de tudo, teria de deixar Jamie, de quem vinha sendo companheira e secretária. Teria de desistir da advocacia. Estar com Quinn. Amá-lo completamente e arriscar perder a vida que conhecia, ou deixá-lo e nunca descobrir como era estar nos braços do homem que amava e desejava, o homem que a fazia se sentir como ninguém jamais conseguira ou, ela suspeitava, conseguiria. A escolha era fácil. — Eu sei exatamente o que estou fazendo — assegurou ela. — O que estou oferecendo. O que quero. Quem eu quero. Amo você, Quintus MacLachlann. — Graças a Deus! — exclamou ele, tomando-a nos braços e beijando-a com todo o desejo fervoroso pelo qual ela poderia ansiar. Era maravilhoso e excitante, enquanto seu corpo esquentava e esperava, seu coração pulsando com desejo, um desejo que cresceu quando dedos hábeis brincaram com o nó do cordão na parte traseira de seu vestido. Ela se afastou do beijo e se virou, apresentando-lhe as costas num convite silencioso. Quinn entendeu de imediato, e começou a desatar o cordão de renda do vestido, seus lábios roçando-lhe a nuca e enviando tremores pela coluna dela. — Você não imagina com que freqüência eu sonhei com isso. 110

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore — Ou com que freqüência eu sonhei em estar nos seus braços. Ele riu baixinho quando conseguiu abrir as laterais o vestido. — Você tem razão. Eu não tinha idéia, ou lhe garanto que teria arriscado sofrer as conseqüências de sua língua ferina e tentado beijá-la muito antes. Segurando o corpete junto aos seios, Esme se virou para fitá-lo. — Eu sou como sou, Quinn. Você deve me aceitar como sou, ou não me aceitar em absoluto. O sorriso dele instantaneamente a tranqüilizou, antes que ele dissesse: — Isso não foi uma crítica, Esme. Eu a quero exatamente como você é, teimosa, determinada, inteligente, orgulhosa e organizada como uma senhora solteirona. Eu a quero por causa de quem você é, não apesar de quem você é. Quinn deu um passo atrás e abriu os braços. — Mas você deve me aceitar como eu sou também, Esme, com pecados passados, cicatrizes e tudo o mais. — Nenhum de nós é perfeito — murmurou ela. — Eu o quero, Quinn, exatamente como você é. Os olhos azuis brilharam com admiração e desejo, enquanto os lábios sensuais se curvavam num sorriso feliz de um homem que começava a acreditar que um sonho impossível poderia ser realizado, no final das contas. Esme removeu o vestido, e, apenas em combinação e calça usada por baixo do vestido, foi para os braços abertos de Quinn. — Você é tão linda — disse ele, roçando os lábios no rosto, nariz, queixo dela, antes de tomar-lhe a boca num beijo profundo e apaixonado. Esme relaxou contra ele e se entregou ao prazer e excitação que aqueles beijos e carícias lhe despertavam. Ele introduziu a língua entre seus lábios enquanto deslizava as mãos em seus ombros, a fim de remover-lhe a combinação, o ato tomando-a mais consciente de quem ela era, onde estava e o que estava fazendo. Mas ainda se sentiu confiante de que aquela era a escolha certa. O lugar que queria estar. O homem com quem queria estar. Nenhum homem jamais a vira sem roupas. Esme nunca desejara que algum a visse... Até esta noite. Até Quinn. Ela se afastou um pouco e abaixou sua combinação lentamente. A respiração de Quinn acelerou e o rosto enrubesceu, enquanto ele a observava, sem fazer um único movimento para se aproximar. Não até aquele momento, nem quando ela desatou o cordão de sua calça de baixo e a deixou cair aos seus pés. Quando o olhar ardente de Quinn viajou pelo seu corpo nu, ela instintivamente pôs um braço sobre os seios, e sua outra mão abaixo de seu umbigo. — Não se cubra — sussurrou ele suavemente. — Deixe-me ver você. Deixe-me admirá-la na luz das velas. Meu Deus, Esme, eu não tinha idéia... Aqueles vestidos horríveis... Não, eu devo ser grato por você os usar. Do contrário, muitos outros homens mais ricos e mais finos estariam competindo por seu amor. — Eles poderiam ter competido quanto quisessem — disse ela, abaixando os braços, sentindo-se segura e adorada, admirada e respeitada. Parece que prefiro malandros... e uma vez que você me viu assim, acho que é justo que se descubra completamente também. — Eu nunca tive tanta vontade de me despir antes — replicou Quinn com voz rouca.

Capítulo Dezoito 111

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Esme descobriu que não era tão ousada quanto pensara, ou talvez fosse o finalzinho de sua modéstia de virgem, mas quando Quinn começou a remover seu calção branco de seda, que batia nos joelhos, ela correu para a cama e se refugiou debaixo das cobertas. — Eu posso ter algumas cicatrizes, mas não sou tão assustador assim, com certeza. — Isso não é medo — respondeu ela, a voz abafada pelas cobertas. — É só que... eu nunca vi um homem totalmente nu antes. — Ah — exclamou ele. — Bem, para uma mulher tão organizada, você deixou sua combinação em sério risco de ser amassada. O que ele estava fazendo? Pegando a combinação dela? Esme abriu um pouco os olhos, para ver que aquele era realmente o caso. Ele pegara sua combinação do tapete e estava no processo de colocá-la sobre o espaldar de uma cadeira. E estava completamente nu. Ela abriu mais os olhos para ter uma visão melhor das nádegas firmes e pernas longas e musculosas, a pele bronzeada brilhando à luz das velas. Como o peito, as costas de Quinn tinham um número razoável de cicatrizes, algumas obviamente antigas, outras mais recentes. Ele se virou, e Esme fechou os olhos rapidamente. No momento seguinte, sentiu o colchão afundar quando Quinn se juntou a ela. — Não há necessidade de desviar o olhar, minha florzinha ― disse ele, estendendo um braço para tocá-la. — É justo que você me veja como Deus me fez, uma vez que eu a vi dessa forma. Ela abriu os olhos para encontrá-lo fitando-a com o brilho da paixão nos olhos azuis. — Você foi machucado tantas vezes — murmurou Esme, deslizando a ponta dos dedos sobre uma cicatriz abaixo da clavícula dele, do lado esquerdo do corpo forte. E de outras maneiras também, pensou ela. — Nunca entrei numa briga de faca com um cigano. — Quinn lhe alisou o braço. — Você, eu notei, não tem nenhuma cicatriz. — Eu levei uma vida muito monótona. — Até agora. — Ótimo. — Ele se aproximou mais, trazendo o corpo em total contato com o dela, mais uma vez lhe capturando a boca com a sua. Gloriosamente feliz, e ainda firme em sua resolução, Esme tremeu com desejo e antecipação. Ele se inclinou para deslizar a língua ao redor de um de seus mamilos. Ela nunca tinha experimentado nada como as sensações que ele despertava... Entretanto, havia mais por vir, percebeu, quando Quinn fechou os lábios úmidos sobre o bico saliente. Ela gemeu e arqueou o corpo para cima, muito surpresa e excitada para fazer qualquer outra coisa, até que ele quebrou o contato. — Eu... eu não... sabia... — gaguejou ela num sussurro. — Há muito mais coisas que eu quero lhe mostrar. Esme se sentia livre, desvinculada das convenções, capaz de fazer exatamente o que desejava. — Oh, sim, por favor! Ele lhe mostrou, trilhando a ponta dos dedos de maneira agonizantemente ao longo de seu braço, então descendo para seu colo e abaixo do umbigo, antes de subir a mão novamente, até que ela estivesse se contorcendo. Quinn ergueu um dos braços dela e beijou o interior do pulso, antes de deixar que seus lábios seguissem a mesma trilha que seus dedos tinham percorrido... Com uma diferença importante. No seu retomo para o pescoço de Esme, ele pausou para lhe 112

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore lamber e provocar os seios, até que ela quase não pudesse mais suportar a tensão crescente. Com a esperança de aliviar tal tensão, imaginando se seria capaz, Esme começou a fazer o mesmo com ele, deslizando as mãos pelos braços de Quinn, depois as abrindo sobre o peito poderoso, suas palmas roçando-lhe os mamilos igualmente rijos, observando a reação dele, para ver se estava sendo bem-sucedida. Julgando pelos nervos visíveis no pescoço dele, pela extensão e rigidez do membro masculino, ela estava. Ainda mais excitada, Esme pôs as mãos sobre o peito de Quinn, a fim de impulsioná-lo um pouco mais para cima. Levantando a cabeça, começou a provocar-lhe os mamilos, da mesma maneira que ele provocara os seus. A pele de Quinn tinha um leve gosto de sal, cheirava a sabonete de ervas, e os pelos curtos no peito largo faziam cócegas no seu nariz, mas, quando ele gemeu, uma onda de puro deleite a percorreu. Ali, naquela câmara, naquela cama, enquanto eles se tocavam e se acariciavam, eram iguais, como nunca poderiam ser no mundo externo. Eram parceiros, ambos querendo dar e receber, e fazendo isso. Quinn a rolou sobre as costas e se posicionou entre suas pernas. — Eu não posso esperar mais, Esme — disse ele, levando uma das mãos para baixo da cintura dela, para onde Esme estava quente, úmida e necessitada. — Nem eu — replicou ela, pronta para o que viria a seguir. Ávida pelo momento. Para provar isso, e que ainda estava segura de sua escolha, circulou-o com uma das mãos, e se movimentou para se colocar numa melhor posição para ele. Olhando-a com intensidade, Quinn começou a penetrá-la. Ela relaxou e lhe segurou os braços, enquanto ele investia um pouco mais fundo. Esme sentiu a pele romper... Uma dor breve... E estremeceu de leve. — Sinto muito — sussurrou ele, as sobrancelhas franzidas com preocupação. — Não é necessário — assegurou ela, deslizando as mãos para as nádegas dele, a fim de mostrar-lhe que não tinha arrependimentos. — Eu quero isso, Quinn. Quero você, e quero que me ame. Ele lhe deu o que ela desejava, preenchendo-a completamente, quando, com outro gemido baixo, começou os movimentos. Ao mesmo tempo, apoiou seu peso sobre o cotovelo esquerdo e, com a mão direita, acariciou-lhe os seios. O toque sensual, a sensação de tê-lo dentro de si... Tudo combinou para fazer a excitação de Esme crescer. Aquilo superava qualquer coisa que ela já imaginara. Aquilo era fazer amor. Era ser amada. Esse foi seu último pensamento coerente, quando excitação e tensão cresceram para um nível quase insuportável. A respiração de Quinn era quente no seu rosto, o corpo poderoso estava tão tenso quanto o seu, enquanto ele a amava com velocidade crescente e com ardor e paixão. Ela lhe envolveu a cintura com as pernas, abraçando-o com mais força, sua própria respiração ofegante e rasa. O desejo aumentava a cada instante. Subitamente, seu corpo enrijeceu, sua mente ficou em branco, consciente apenas do prazer da boca e língua de Quinn em sua pele, das mãos fortes em seu corpo. Ela se contorceu e se agarrou a ele... Até que a tensão foi rompida, como um navio ancorado tendo sua corda liberada num mar violento, de modo que a embarcação balançasse e viajasse sobre as ondas sem controle ou piloto. Quinn também gemeu, um som alto e gutural, enquanto enrijecia, então estremecia de modo intenso. Depois, respirando fundo diversas vezes, ele abaixou-se para descansar a cabeça sobre os seios dela. Eles permaneceram deitados assim por um longo tempo, até que suas respirações voltassem ao normal. Esme abriu os olhos e fitou-o, antes de observar a cama e o quarto ao redor. Como tudo aquilo podia estar igual, perguntou-se, quando ela se sentia tão 113

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore diferente? Talvez ela também parecesse igual, apesar de que nunca mais poderia ser a mesma Esme. Sempre acreditara que queria algo mais do que o destino usual reservado para seu sexo: casamento, filhos e vida em família sem fim. Acreditara ter encontrado uma vida melhor, trabalhando com teu irmão. Agora sabia que, por mais que amasse a advocacia e ajudasse pessoas que necessitavam de um bom advogado, amava Quinn ainda mais. Talvez eles devessem ter esperado até que estivessem verdadeiramente casados, se comportado de maneira mais apropriada, contado a Jamie sobre o sentimento deles. Em vez disso, ela agira do modo impetuoso, egoísta, louco... Como Quinn em sua juventude. Agora entendia como emoções possuíam o poder de regrar a mente. E ela era mais velha do que ele tinha sido na época, de modo que, presumivelmente, Esme deveria ter tido mais auto-controle. Mas se Quinn a amasse como ela acreditava que ele a amava, eles estariam sempre juntos, e a vida como sua esposa era a única coisa que podia prometer-lhe ainda mais felicidade. Desde que atingira a maioridade, Esme havia traçado seu próprio caminho, feito suas próprias escolhas, num mundo que esperava pouco das mulheres, exceto obediência e obrigações, mas ela nunca fizera nada tão anticonvencional quanto ao que estava prestes a fazer agora. De qualquer forma, faria isso. Segurou o rosto de Quinn gentilmente entre as mãos, e, fitando-lhe os olhos com intensidade, perguntou: — Você vai se casar comigo? Com o pedido de Esme falado tão suavemente, o peso total do que eles haviam acabado de fazer caiu sobre Quinn como uma arvore enorme que o esmagava. Fizera amor com a mulher que adorava e respeitava acima de todas as outras, sem o benefício do casamento. Tinha tirado a virgindade da irmã de seu melhor amigo, sem uma palavra de promessa. Independentemente do que Esme dissera antes, seu julgamento estivara nublado pelo desejo, e ela com certeza se arrependeria do que acabara de acontecer, mesmo se eles se casassem. Talvez especialmente se eles se casassem, pois quaisquer que fossem as esperanças que ele tivesse para o futuro, o passado não podia ser mudado. Quinn se levantou e vestiu sua calça sem olhar para ela, sabendo que só havia uma coisa a fazer, uma maneira de proteger e preservar a vida feliz que ela levava em Londres. — Não, Esme, eu não me casarei com você. Eu não sou ninguém. Não sou nada. Não tenho títulos, nem propriedade, nem casa ou riqueza. Não tenho nada para lhe oferecer. Apenas com os cabelos soltos a cobrindo, Esme também se levantou da cama. — Essas são suas únicas objeções? — Não são suficientes? — demandou ele, pegando sua camisa. — Deveriam ser. — Eu estou ciente de seu passado, Quinn, e sei que você fez coisas das quais qualquer homem de bom-senso e honra deveria se envergonhar... como você se envergonha, o que só me prova que você é um homem de bom-senso e honra. Se não fosse, seu passado não o perturbaria da forma que o perturba. Independentemente do que fez no passado, você é um homem bom e digno, e eu não o abandonarei. Ela não entendia. Não realmente, ou não ia querer se casar com ele. Quinn teria de tentar uma tática diferente: 114

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore — No geral, é o homem quem faz o pedido de casamento, Esme, e pode notar que eu não fiz. Não tenho desejo de me casar. Por que eu deveria, quando posso apreciar os benefícios sem quaisquer elos legais? Certamente você pode entender como tudo será mais fácil quando eu me cansar de minha amante. — Houve uma época na qual eu teria aceitado estas palavras e acreditado que você não podia realmente me amar — disse ela, com tanta calma e frieza como se eles estivessem discutindo uma causa judicial. — Eu teria pensado que você tinha, no fim das contas, me seduzido para depois terminar comigo. Mas eu o conheço muito bem para acreditar nisso agora. Você me ama tanto quanto qualquer homem já amou uma mulher, e a prova disso é sua recusa de nos unir por lei ou contrato, porque tem a tola noção de que não é bom o bastante para mim. — Mesmo se você não quiser mesmo se casar comigo, eu não tenho arrependimentos pelo que fizemos. Depois que acabarmos nossa missão aqui, eu voltarei para a casa de Jamie, e você poderá voltar para a sua. Nós nos encontraremos lá, se isso é o que prefere. Sem elos legais. Finalmente convencido de que o que ela sentia ia muito além de desejo físico, e de que Esme sabia o que estava fazendo, uma esperança como nada que ele experimentara na vida brotou no coração solitário de Quinn. Esme McCalIan o amava de verdade, e o aceitaria como ele era, apesar do seu passado. Ela o aceitaria como seu marido, e lhe daria a chance de ser parte de uma família novamente. Apenas que desta vez os laços desta família seriam de amor. Entretanto... — E quanto ao seu irmão? Como eu posso voltar para Londres e dizer a Jamie, o homem que me ajudou quando eu estava no fundo do poço... que viu o pior de mim... e isso foi horrível... que eu quero me casar com a irmã dele? — Nós falaremos com Jamie, juntos — replicou ela, olhando-o com resoluta serenidade. — Ou eu mesma conto a ele, se você preferir. Como se ele fosse um covarde. — Eu não tenho medo de Jamie. — Não tem? — perguntou ela suavemente. — Você não tem medo de perder a amizade dele? Medo de que ele o odeie? Esme se aproximou e o tomou nos braços, sua voz firme e segura, a respiração quente no seu rosto: — Jamie não vai odiá-lo, porque ele me ama e sabe que eu não sou uma garota tola e leviana para agir de modo impulsivo por alguma coisa que apenas penso ser amor. — Oh, Esme — sussurrou Quinn e a abraçou. — Sim, sim, eu me casarei com você, e, com alegria, passarei o resto de minha vida tentando ser digno do seu amor. — Você já é — disse ela enquanto o abraçava mais forte, até que sentiu alguma coisa molhada em seu ombro. — Quinn, seu nariz! Está sangrando de novo! Ele praguejou, então foi para o lavatório e umedeceu uma toalha com a água fria do jarro. Esme pegou um lençol para enrolar em seu corpo, e puxou uma cadeira para mais perto. — Sente-se e ponha a cabeça para trás. Ele obedeceu ao comando, e ela limpou o sangue de seu lábio superior com a toalha fria. — Pronto. O sangramento parou por hora. Eu realmente acho que você deveria ser examinado por um médico. Ele meneou a cabeça. — Isso não é nada. Já sofri ferimentos piores. E, como você deve ter notado, eu sou um homem saudável e viril. 115

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore O olhar de Quinn foi para a toalha era seu colo, a qual não estava na mesma posição de antes, tendo sido erguida por uma parte da anatomia obviamente excitada. Apesar da intimidade recente deles, Esme enrubesceu. — Pensei que os homens ficassem sempre... exaustos... depois de exercícios tão intensos — disse ela, lavando a toalha. — Alguns homens ficam — replicou ele de onde ainda estava sentado. — E às vezes eu fico. Mas não esta noite. Não com você. — Mas seu nariz... — Está bem — murmurou ele, a voz baixa e sedutora quando estendeu o braço para lhe alcançar a mão e puxá-la para si. — Vamos voltar para a cama, Esme, minha futura esposa. Ela deu o sorriso mais travesso que ele já vira no rosto de uma mulher. — Eu não vejo por que temos de voltar para a cama quando você parece tão confortável aqui, meu futuro marido — disse ela, enquanto se sentava de pernas abertas sobre ele, suas coxas descansando nos quadris de Quinn. — Bom Deus — exclamou ele, deleitando-se enquanto a abraçava. — Se eu soubesse que mulher aventureira e fogosa existia por baixo das roupas sem forma que você usava, eu teria me determinado a conquistá-la no dia em que nos conhecemos, e não parado até tomá-la minha, em corpo, coração e por lei. Rodeando-lhe o pescoço com os braços, Esme se inclinou para a frente. — Nós atingimos dois desses objetivos. Você tem meu coração e meu corpo. Tudo que resta é que a lei seja satisfeita — disse ela antes de beijá-lo. Instantaneamente um desejo ardente ganhou vida entre eles. Suas línguas se encontraram, seus beijos profundos e excitantes, enquanto os seios desnudos de Esme roçavam o peito de Quinn mais uma vez. — Eu quero fazer amor com você novamente — sussurrou ele, a boca contra o rosto dela ―, mas não quero machucá-la. — Se machucar, nós pararemos — prometeu ela, erguendo-se para tomá-lo em seu interior. — Esme? — Está tudo bem — tranquilizou-o quando o prazer excedeu a pequena pontada de dor. — Eu não quero parar. — Balance o corpo para a frente — incentivou ele, roçando-lhe os lábios com os seus. Esme fez como ele sugeriu, a sensação fazendo-a arfar. — Continue balançando — sussurrou ele, segurando-a com sua mão esquerda enquanto lhe provocava o mamilo rijo com o polegar direito. Então a boca de Quinn estava em seus seios, lambendo, enlouquecendo-a, dandolhe prazer com lábios e língua. Ela começou a se movimentar mais depressa, com desejo ávido, enquanto aquela tensão deliciosa se construía de maneira crescente. Um gemido baixinho começou na garganta de Quinn, aumentando para quase um grito, e ela cerrou os dentes para se impedir de gritar com êxtase quando eles atingiram, juntos, um clímax explosivo. Esme fechou os olhos com força, enquanto onda após onda de liberação abalava seu corpo, levando-a a uma abençoada satisfação. Quinn a abraçou bem junto a si, descansando o queixo sobre o delicado ombro suado, até que ela se moveu para trás e lhe examinou o rosto. — Eu não estou sangrando de novo, estou? — perguntou ele. — Não — replicou ela, aliviada. — E você? Como está se sentindo? — Eu me sinto maravilhosa — disse ela, até que ele se mexeu um pouco, e Esme novamente experimentou uma pontada de dor. — Não tanto — acrescentou ele, franzindo o cenho. — Pode se mover? 116

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore — Sim. — Ela saiu de cima de Quinn. — Eu ficarei bem daqui a pouco. — Logo, eu espero. Enquanto isso, você deve descansar. Comigo — acrescentou ele, gesticulando a cabeça em direção à cama. Cautelosa, dolorida, mas imensamente feliz, Esme não protestou. No fim das contas, eles eram supostamente casados, não eram? E um dia, em breve, seriam de fato marido e esposa. Ela se aninhou contra ele, contente e segura. Então sussurrou: — Eu amo você, Quinn. — Eu amo você, Esme — disse ele, beijando-a ternamente, e abraçando-a, até que eles adormeceram. Eles ainda estavam aconchegados um nos braços do outro e dormindo pacificamente quando foram acordados pelo som de passos furiosos subindo a escada. Jamie McCallan irrompeu no quarto. Usando casaco e um chapéu azul, com o rosto pálido e os cabelos desalinhados, ele olhou para a cena diante de si como se Esme e Quinn estivessem ensangüentados dos pés a cabeça. — Jamie! O que você está fazendo aqui? — exclamou Esme, cobrindo os seios com o lençol, enquanto Quinn saía da cama e pegava a colcha para enrolar ao redor da cintura. Jamie se virou de Esme para se dirigir a Quinn, como se não pudesse suportar olhar para ela. — Eu confiei em você — acusou ele. — Confiei que você fosse cuidar de minha irmã, não... — Isso é culpa minha, não dele — interrompeu Esme, saindo da cama e colocando o lençol à sua volta como uma toga. Jamie a olhou de um jeito que a arrasou, como se ela não passasse de uma mulher tola e patética, facilmente seduzida por um homem rude. — Eu pensei que você, de todas as mulheres... McSweeney chegou, ofegante, à soleira da porta. — Perdoe-me, meu lorde! O cavalheiro não quis esperar. — Assim estou vendo. Quem você pensa que é, McCallan, para entrar na nossa câmara dessa maneira bárbara? Enlouqueceu completamente? — demandou Quinn, seus modos de súbito se tomando arrogantes e desdenhosos... compatíveis com os modos de um conde ultrajado. Ele pôs sua máscara firmemente de volta no lugar, assim como ela e Jamie deveriam fazer também. Aquele plano tinha sido idéia de Jamie, no fim das contas. Se ele agora tivesse algum motivo para voltar atrás... — Eu tenho notícias importantes para Sua Senhoria — anunciou Jamie. — Notícias muito importantes. Esme de repente notou como seu irmão estava pálido, e que ele tinha manchas escuras sob os olhos, como se não dormisse há dias. Ou como se tivesse ido para Londres o mais humanamente depressa possível. Sua criada apareceu à porta, com o roupão de Esme sobre o braço e uma expressão muito surpresa no rosto. Quinn pegou o roupão, dispensou-a com uma breve ordem, e então disse para McSweeney: — Este homem é meu advogado em Londres. Certifique-se de que não sejamos perturbados. — Muito bem, meu lorde — murmurou McSweeney, saindo e fechando a porta.

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Capítulo Dezenove

Quinn tinha se arrependido de muitas coisas em sua vida, mas nunca tanto quanto se arrependeu do que fizera com Esme quando olhou para o irmão indignado dela. Indignado com toda razão. Por mais que amasse Esme, ele deveria ter tido mais autocontrole e esperado para fazer amor com ela depois que eles estivessem legalmente casados. Então percebeu que Jamie não parecia mais zangado. Agora parecia... Desgostoso. E talvez até um pouco triste. — O que foi? — demandou ele. — O que aconteceu? Jamie encontrou o olhar de Quinn diretamente e respondeu sem mais preâmbulos, embora com óbvio pesar: — Seu irmão e a esposa morreram de febre intermitente na Jamaica, um mês atrás. Você é agora oficialmente o conde de Dubhagen. Por um momento, Quinn não sentiu... Nada. Nem dor, nem tristeza, nem alegria. Nada, como se o anúncio de Jamie fosse para alguma outra pessoa, e essa pessoa fosse um estranho. Até que a mão de Esme, quente, suave e vital, deslizou para dentro da sua. — Eu recebi uma carta, através de um associado meu no escritório, do advogado do conde na Jamaica — explicou Jamie. — Ele também estava escrevendo para o advogado da família aqui em Edimburgo, então eu pensei que deveria me apressar para lhe contar sobre a mudança de suas circunstâncias, e para decidir a melhor maneira de proceder. — Mas eu não posso ser o conde — protestou Quinn. — Meu pai me deserdou. — Assim, ele deve ter ameaçado ou até mesmo planejado fazer, mas nunca fez. Não existe uma única razão legal que o impeça de receber o título! E, uma vez que Augustus não deixou herdeiros, tudo vai para você... título, propriedades e renda. Você é um homem rico, Quinn... ou eu deveria dizer, meu lorde. Ele não tinha sido deserdado? Quinn mal podia acreditar naquilo, mas se Jamie estava dizendo... — Seu pai deve ter amado você, no fim das contas — murmurou Esme suavemente. — Talvez — concordou Quinn após pigarrear para tentar desfazer o nó que se formara em sua garganta. — Eu gostaria de ter descoberto isso quando ele estava vivo. O que teria feito... teria feito uma diferença. Eu não teria me sentido tão sozinho. — Você não está mais sozinho — disse Esme, apertando-lhe a mão, sua presença e amor sendo um grande conforto. Jamie pigarreou, o som alto no silencio. — Lamento ter de ser prático num momento como este, mas o advogado de sua família aqui em Edimburgo ouvirá sobre a morte de seu irmão a qualquer dia agora. Talvez fosse melhor se vocês dois voltassem para Londres. — O sr. McHeath e o resto da sociedade de Edimburgo ficarão chocados se ficarmos ou se partirmos — replicou Quinn. — Uma vez que sou realmente o conde por aproximadamente um mês agora, eu não estava violando a lei. Se as pessoas assumiram que eu era Augustus e Esme era Hortense, bem... — A única mentira que nós contamos é que já somos casados — disse Esme. — Eu realmente nunca disse que era da Jamaica. Falei que lá era quente... o que é. 118

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore — Quanto à parte do casamento, nós pretendemos retificar isso assim que possível — acrescentou Quinn. — Graças a Deus as leis na Escócia são mais flexíveis a esse respeito. Jamie tateou por uma cadeira e se sentou pesadamente. — Vocês querem se casar? — Embora eu queira muito sua bênção, Jamie, sou maior de idade, então não preciso de sua permissão para me casar — observou Esme em tom muito baixo, como se estivesse falando com uma pessoa doente. Sua expressão e voz se suavizaram, parecendo quase suplicante: — Você gosta de Quinn, não gosta? Eu o amo e ele me ama, e nós iremos nos casar. — Você realmente quer se casar com ele? — perguntou Jamie, parecendo tão perplexo quanto Quinn também teria ficado, se alguém tivesse feito tal sugestão apenas 15 dias atrás. — Sim, eu quero. Também quero deixar claro que Quinn não me seduziu. Foi decisão minha passar a noite com ele sem a bênção da Igreja, apesar dos esforços dele para me dissuadir; então, se você deve ficar zangado com alguém por causa disso, é comigo. — Eu sei que não sou nem de perto bom o bastante para ela — disse Quinn — e que, apesar do amor que sinto por Esme, eu deveria ter esperado até estarmos casados antes de compartilhar uma cama. Mas uma vez que não esperamos, só posso pedir que você me perdoe. Eu a amo, Jamie, com todo o meu coração, e lhe dou a minha palavra de que Esme sempre virá em primeiro lugar na minha vida. Eu realizarei tudo que estiver em meu poder para fazê-la feliz. Antes que Jamie pudesse responder, houve uma batida forte e insistente à porta. — Meu lorde! — chamou McSweeney do outro lado. — Perdoem-me perturbá-lo, mas um lacaio chegou com uma mensagem urgente de lady Catriona. É o conde. Ele teve um acesso de apoplexia. Ele está morrendo, segundo o lacaio.

Esme e Quinn se vestiram o mais rapidamente possível, então se reuniram a um Jamie igualmente ansioso na carruagem. No caminho para a casa do conde, Esme e Quinn contaram a Jamie o que tinham e o que não tinham descoberto sobre as finanças do conde. Esme duvidava que ele tivesse ouvido metade da conversa. Eles foram admitidos na casa do conde imediatamente, e levados para a sala de estar, enquanto o mordomo despachava uma criada para chamar Catriona. A casa estava silenciosa, como se ninguém ousasse falar, ou estivessem com medo do que aconteceria se falassem. Esme se sentou ao lado de Quinn em um dos sofás e lhe segurou a mão, enquanto Jamie começava a andar de um lado para o outro em frente à lareira. — Apoplexia nem sempre é fatal — disse ela, desesperada para quebrar o silêncio enervante. — Talvez ele sobreviva. — Talvez — concordou Quinn. — Lembra-se da sra. Beesdale? — perguntou Esme para seu irmão. — Ela esteve à beira da morte por essa mesma causa por pelo menos três vezes, que nós saibamos, e sempre se recuperou. Fazia um novo testamento a cada vez — acrescentou para o benefício de Quinn. Jamie não pareceu ouvir isso também, mas ao som de passos leves e rápidos todos os olhos, inclusive os dele, foram para a escada além da porta. Catriona desceu os degraus correndo. Seus cabelos estavam presos numa trança e ela usava um traje bem simples, um vestido de musselina verde com uma única fileira de 119

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore renda mais escura... Prova de que se vestira com pressa e de que o ataque do conde provavelmente acontecera durante a noite. Esme olhou para Jamie, que estava imóvel, como se a visão de Catriona o tivesse enraizado ao chão. — Agradeço a vocês dois por terem vindo — disse Catriona, apressando-se em direção a Esme com os braços estendidos. Até que viu Jamie. O que restava de cor no rosto bonito desapareceu, e ela começou a balançar. Quando Esme gritou um aviso, Jamie correu e pegou Catriona antes que ela caísse; então, carregou-a para o sofá. Esme seguiu, desesperada para ajudar de alguma maneira, e lamentando por eles não terem dado à pobre garota algum aviso da presença de Jamie. Enquanto isso, Quinn correu para a porta e chamou ajuda. Esme observou, impotente, quando Jamie se sentou na beira do sofá, olhando para Catriona como se ela pudesse evaporar no lugar. Gentilmente afastou-lhe os cabelos do rosto, a fisionomia e a ação mostrando a Esme, mais do que qualquer declaração, que seu irmão ainda amava Catriona, e provavelmente sempre amaria. Agora ciente do que o amor entre um homem e uma mulher podia significar, ela não seria capaz de culpá-lo por sua devoção, apesar do que tinha acontecido no passado e nos anos desde então. Poderia somente admirar e respeitar mais ainda seu irmão. O mordomo apareceu e perdeu um pouco de sua calmaria. — Ela desmaiou — explicou Esme. — O médico ainda está aqui? — Não, não! — exclamou Catriona com fraqueza enquanto abria os olhos e fitava Jamie, como se incerta se ele era real. — Deixe o dr. Seamus ficar com meu pai. Eu só estava... É você, Jamie? É você realmente? — Sim, realmente sou eu -— assegurou Jamie. — Traga chá e uísque — falou Quinn para o mordomo. O homem imediatamente partiu, e Catriona pegou a mão de Jamie. — Papai adoeceu de repente. Esta manhã. E eu chamei o médico, que diz que não há esperança, então eu queria... eu pensei... Oh, Jamie, como senti sua falta! — declarou ela, jogando os braços ao redor do pescoço do irmão de Esme e soluçando contra o ombro dele. Esme não sabia o que fazer ou dizer. Olhou para Quinn, mas ele também parecia perdido. — Talvez Esme e eu devêssemos ir embora — murmurou ele. — Não! — protestou Catriona. ― Por favor, fiquem. Eu quero que Esme ouça tudo, mesmo que ela me odeie, com razão, pelo que aconteceu entre Jamie e eu. — Não odeio você, Catriona — disse Esme rapidamente. — Eu estava zangada e ressentida antes, porém não estou mais. Os lábios de Catriona se curvaram num sorriso antes que ela falasse: — Oh, fico tão feliz! Mas eu ainda quero... preciso explicar, contar-lhe tudo... mas especialmente a você, Jamie. Eu menti quando disse que não me casaria com um homem que trabalhava para ganhar seu sustento. Menti pelo seu bem, porque meu pai ameaçou arruiná-lo se eu não desistisse de você... e ele poderia fazer isso também! A expressão dela se tomou mais determinada e intensa. — Eu queria me casar com você, Jamie, oh, eu queria tanto! Contei a ele que você era um homem bom e que eu o amava, mas papai não concordou. Eu até mesmo ameacei fugir com você, mas então ele disse que o destruiria. — Ele é um homem poderoso, com amigos influentes — continuou Catriona, a voz tremendo de emoção. — Poderia ter arruinado a carreira que você lutou tanto para construir, Jamie, mesmo se nós fôssemos para a América ou para a Austrália. Eu não podia arriscar isso. Não arrisquei, mesmo tendo partido seu coração, assim como o meu. 120

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore Esme subitamente desejou que estivesse em outro lugar... Qualquer outro lugar. Aquele era um tipo de conversa que ninguém além dos principais envolvidos deveria participar. Ela começou a ir em direção à porta, enquanto Quinn olhava pela janela, como se tivesse se transformado em pedra. — Mas isso não é o pior de tudo. Ele tem mentido sobre suas finanças também — disse Catriona, interrompendo a tentativa de Esme de partir. — Depois que o médico falou para meu pai que... falou que o ataque poderia ser fatal, papai confessou para mim que não estava perdendo dinheiro em absoluto. Isso era mentira, o tempo todo, para me manter perto dele. Para me fazer pensar que ele estava correndo perigo, de modo que eu não o abandonasse. Com expressão inescrutável, Quinn se virou lentamente, a fim de olhar para o casal. — E isso não é porque ele me ama — continuou Catriona amargamente. — Quem seria a anfitriã de meu pai se eu me casasse e o deixasse? Quem o mimaria, cuidaria de suas necessidades e de seus caprichos? Quem mais, senão uma filha obediente? Ele somente me contou agora porque quer morrer num estado de graça, ou pelo menos com o perdão de Deus. O conde parecia monstruosamente egoísta, e muitos teriam dificuldade em acreditar que Catriona estava falando a verdade, mas Esme podia acreditar, assim como Jamie e Quinn, ou como qualquer pessoa familiarizada com o tipo de casos que chegava à mesa de um advogado: os testamentos contestados, os contratos amargos, as brigas entre membros da família, os contratos de casamento feitos sem pensar em amor, felicidade e nem mesmo contentamento. Todos naquela sala tinham visto o bastante para acreditar que um velho homem arrogante e egoísta poderia e faria o que Catriona acabara de descrever, e por nenhum outro motivo além de interesse pessoal. Catriona enxugou os olhos com o dorso da mão. — Eu não estou chorando por ele... não mais — murmurou ela, tremendo. — Estou chorando pelo que ele fez conosco, Jamie. E porque estou tão feliz em vê-lo novamente. Ela baixou os olhos e torceu as mãos no colo. — Eu nem pensei em perguntar. — Ela ergueu os olhos, os quais evidenciavam esperança e medo, ao mesmo tempo. — Você está casado? O irmão de Esme sorriu, como ela não o via sorrir desde a noite em que Catriona o rejeitara. Este era o Jamie que ela conhecera em sua infância, o Jamie que estivera ausente por tanto tempo. — Como eu poderia ter me casado quando minha futura esposa está aqui? Você vai se casar comigo, não vai, Catriona? — Oh, sim! — exclamou ela, envolvendo o pescoço de Jamie com os braços e beijando-o apaixonadamente. O mordomo apareceu à entrada da sala de estar. Seus olhos estavam arregalados, mas a voz era controladamente inexpressiva quando ele falou: — Por favor, minha lady, o médico a está chamando imediatamente. Catriona suspirou antes de assentir e se levantar, segurando-se no braço do sofá para apoio, até que Jamie pôs um braço ao seu redor. — Você gostaria de vê-lo sozinha? — perguntou ele suavemente. Ela se inclinou para Jamie e o olhou como se ele fosse seu herói, que finalmente tinha ido salvá-la. — Eu preciso de você, Jamie, agora e sempre — murmurou, antes de voltar-se para Esme e Quinn. — Eu ficaria grata pela companhia de vocês também. Eu gostaria de ter amigos por perto, se esta será uma despedida. A grande câmara do conde parecia uma tumba, cheia de móveis escuros e pesados. Cortinas de veludo grosso cercavam a cama, e outras do mesmo tipo cobriam as janelas 121

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore altas. A única luz vinha de uma pequena vela sobre a mesa ao lado da cama cortinada, e o ar tinha cheiro de bolor e de doença. O conde parecia definhado por travesseiros e cobertas, como se tivesse encolhido, ou já estivesse morto, o rosto magro e pálido demais. Entretanto, o peito ossudo ainda se movimentava com a respiração, mesmo que esta fosse rasa e ofegante. O médico, esperando perto da cama como um padre prestes a administrar a extrema-unção, virou-se para olhá-los quando eles entraram no quarto. Se ele ficou surpreso ao ver quatro pessoas, escondeu bem. Esme supôs que o médico, como um advogado, tinha visto muitas coisas na vida para se surpreender facilmente. — Papai, eu estou aqui — sussurrou Catriona, sentando-se na beira da cama, ao lado dele. Pegou-lhe a mão e a segurou gentilmente, como a filha devotada que era. Como a esposa amorosa que seria. — Lamento, mas Sua Senhoria perdeu a capacidade de falar — informou-a o médico em tom de voz baixo, e seu semblante grave dizia a todos que ele não esperava que o conde durasse muito mais. Todavia, as pálpebras do conde se moveram... Ou melhor, a direita se moveu. A esquerda, como todo aquele lado do rosto, estava paralisada, com o lado esquerdo da boca torto. — Papai? — tentou Catriona mais uma vez. — Você pode me ouvir? A pálpebra do conde se moveu novamente, desta vez se abrindo um pouco. O olhar dele vagou por um momento, antes de focar-se no rosto da filha. — Papai, eu o perdoo — disse ela suavemente, e com sinceridade. Esme havia pensado que nunca admiraria ou respeitaria Catriona McNare, mas naquele momento a admirou e a respeitou, e para sempre depois disso. Ela também se sentiu tanto orgulhosa quanto triste quando Jamie deu alguns passos à frente, pôs a mão sobre o ombro de Catriona e, com compaixão no rosto e na voz, disse: — Eu também o perdoo, meu lorde. Houve um breve brilho de reconhecimento no rosto do conde idoso, um instante no qual Esme teve certeza de que ele sabia quem tinha lhe falado e o que ele dissera, antes que o velho homem fechasse o olho e emitisse um longo suspiro. O médico lhe checou a pulsação, então meneou a cabeça. — Oh, Jamie! — disse Catriona com voz chorosa, virando-se em direção a ele. Jamie a abraçou com força enquanto ela soluçava. Quinn deu um tapinha gentil no braço de Esme. — Acho melhor esperarmos lá embaixo — sussurrou ele. Ela assentiu com a cabeça em concordância e, juntos, eles saíram do quarto, e o casal se uniu finalmente.

O MORDOMO do conde, que obviamente estivera esperando perto da porta, deu um passo à frente quando eles saíram. — O conde foi para o outro mundo, receber sua recompensa? — indagou ele gravemente. — Sim — replicou Quinn, pegando a mão de Esme. — Eu acredito que sim, e espero muito que ele consiga o que merece. O mordomo franziu o cenho por um momento, então adotou um comportamento sombrio, mais apropriado para um funeral. — Eu ficarei, é claro, satisfeito em continuar na casa, se asSim a condessa desejar. 122

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore — Eu mencionarei isso para ela, se a condessa perguntar — replicou Quinn. — Ouso dizer que ela tem outras coisas na cabeça no momento. O mordomo assentiu. — O advogado do conde está esperando na sala de estar, meu lorde. Lady Duncombe o chamou também. Devo dizer-lhe para retomar amanhã? — Não, nós falaremos com ele e o informaremos sobre o falecimento do conde — respondeu Quinn.

Capítulo Vinte

Antes de descer a escada, Quinn conduziu Esme para outro quarto. As cortinas estavam fechadas, de modo que eles estavam no escuro, assim como tinham ficado no terraço, e a percepção fez o coração de Esme disparar com o desejo mais inoportuno. — Suponho que seja necessário, mas não tenho vontade de discutir nada com o sr. McHeath — murmurou Quinn. — Eu preferiria ficar aqui com você. — Eu também preferiria ficar a sós com você, mas este dificilmente é um lugar adequado. — Mais uma vez você surgiu com o argumento perfeito — observou Quinn com um tom divertido na voz profunda. — É isso que acontece, suponho, quando você se apaixona por uma advogada... ou por uma mulher que deveria ter sido advogada. Esme se sentiu repleta de gratidão e orgulho. Provavelmente não existia outro homem, em um milhão, capaz de aceitar sua outra paixão sem críticas ou protestos. — Pelo menos agora podemos ter certeza de que o sr. McHeath não estava envolvido em nenhum tipo de delito — disse ela embora eu nunca tenha acreditado realmente que ele estivesse. — Você confia demais naqueles magistrados, minha querida. — Em absoluto — discordou ela, deslizando as mãos pelo peito dele. — Eu ouvi muitas histórias de delitos na área legal. Todavia, aprendi a confiar em meus próprios instintos, e eu senti no meu coração que ele era um homem honesto. — Então eu aprenderei a confiar em seus instintos, e em seu coração também — disse Quinn enquanto a puxava para mais perto. Perto o bastante para beijá-la. — Embora haja partes do seu corpo que eu apreciaria ainda mais nesse momento. — Quinn, você não faria isso! Não aqui! — Eu não quis dizer aqui, e devo acrescentar que, se era nisso que estava pensando, você é mais aventureira do que imaginei. — Não era nisso que eu estava pensando! — Ela se apressou em assegurá-lo. — Não até que você me trouxesse para este quarto, e quando temos uma notícia triste para dar. — Verdade — concordou Quinn, liberando-a com óbvia relutância. — Um dia de choques e surpresas. — Sim — disse Esme baixinho, lembrando-se da expressão perplexa no rosto de Quinn ao receber a notícia da morte do irmão e da cunhada. — Sinto muito sobre Augustus e a esposa. — Eu também, e nunca terei a chance de me reconciliar com ele, ou com meu pai — murmurou Quinn com tristeza. Suspirou, então conseguiu dar um pequeno sorriso. — Eu também lamentei quando pensei que minha carta tivesse trazido Jamie para Edimburgo 123

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore com tanta pressa. Tive certeza de que ele mandaria buscá-la e fazê-la voltar. Eu devia ler percebido que não houve tempo suficiente para que ele recebesse minha carta antes de vir para Edimburgo. — Quinn? — disse Esme em voz muito baixa. Intrigado pelo tom de voz dela, ele se afastou para estudar-lhe o rosto na semiescuridão. — Eu tenho uma confissão a fazer. Interceptei a carta que você ia enviar para Jamie. — Interceptou? — repetiu ele cuidadosamente. — A carta nunca saiu da casa — confessou ela. — Eu a peguei da mesa do hall antes que ela fosse postada. Temi que Jamie fosse me obrigar a voltar para Londres, mas eu queria ficar aqui, com você. E uma vez que seus medos se provaram sem fundamento... — Eu não diria isso ainda — interrompeu Quinn. — Nós ainda não sabemos quem derrubou o lampião. Apesar do que o bom sr. McHeath sugeriu, eu lhe asseguro de que não estava no jardim com um lampião, ou com outra mulher. — Eu sei disso, Quinn. E, falando no sr. McHeath, acho que já o fizemos esperar tempo demais. — Sim — concordou Quinn calmamente. Quando eles entraram na sala de estar, encontraram Gordon McHeath com as mãos nas costas, andando de um lado para o outro sobre o tapete na frente da lareira de mármore, como um soldado esperando suas ordens militares. Ao vê-los, fez uma parada abrupta e arqueou as sobrancelhas. — Onde está lady Catriona? — Lá em cima — respondeu Esme, aproximando-se dele. — O pai dela faleceu. Enquanto Esme se sentava numa delicada cadeira dourada, a expressão do advogado revelou choque, antes que ele adotasse o que ela reconheceu como uma máscara desapaixonada do advogado. Quinn permaneceu onde estava, na metade do caminho entre a porta e a lareira, como se mesmo agora não gostasse da ideia de se aproximar muito do sr. McHeath. — Ela escreveu no bilhete que o pai havia adoecido — disse o advogado. — E a letra de Catriona sugeria... — Ele pigarreou, então falou num tom mais normal, embora sem compaixão: — Como ela está aceitando isso? Quinn respondeu antes que Esme pudesse abrir a boca: — Melhor do que poderíamos ter esperado, mas suponho que isso se deva à chegada do noivo de Catriona. O pobre homem balançou sobre os pés como se tivesse sido golpeado, confirmando as suspeitas de Esme de que os sentimentos do sr. McHeath por Catriona não eram estritamente profissionais. — Ela está — Sim, do jovem com quem ela quis se casar anos atrás — confirmou Esme. — Por favor, sente-se, sr. McHeath. — Nós temos outras notícias para o senhor também. — Outras notícias? — perguntou ele, como se estivesse zonzo, então se sentou no sofá. — Sim... boas notícias. Parece que o conde estava mentindo sobre suas dificuldades financeiras. Ele confessou isso para Catriona esta manhã. — Esta manhã? — Depois que ele adoeceu — disse Quinn. — E ela contou a vocês? Esme olhou para o jovem homem com compaixão. 124

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore — Sim. Ouça, sr. McHeath, esse foi o motivo pelo qual viemos para Edimburgo. Catriona estava com medo de que o pai estivesse sendo enganado, e queria ajuda para descobrir a verdade. McHeath se levantou. — Ela pediu a ajuda de vocês, não a minha? Meu Deus, Catriona não confiou... ? — Ele pareceu ainda mais arrasado ao exclamar: — Certamente não pensou que eu... ― Lamento, mas Catriona não podia ter certeza sobre ninguém em Edimburgo, por isso escreveu para meu irmão — explicou Esme. — Seu irmão? — repeliu o sr. McHeath. — Quem é seu irmão para que Catriona lhe escrevesse? — Talvez, minha querida, maiores explicações possam esperar até outra vez, quando as emoções estiverem menos turbulentas — sugeriu Quinn. Pensando que ele estava certo, Esme assentiu em concordância, no exato momento em que Jamie e Catriona apareceram na soleira da porta. Apesar dos olhos vermelhos e inchados de Catriona, ela parecia feliz. McHeath enrijeceu enquanto seu olhar passava por Jamie, antes de descansar em Catriona. — Sinto muito por sua perda, minha lady — murmurou ele de modo tenso e por você não ter confiado em mim. Se ainda duvida da minha honestidade... — Eu não duvido! Nunca duvidei — disse ela, deixando Jamie e se aproximando do advogado, fitando-o com olhos suaves e gentis. — Mas eu não podia ter certeza absoluta. Sei que você tem... certos sentimentos... por mim, e perdoe-me se alguma coisa que fiz o magoou. O sr. McHeath deu um passo atrás, como se temesse ser contagiado por alguma doença. — Entendo que suas afeições já eram dirigidas a outra pessoa — disse ele com uma reverência. — Eu... — McHeath respirou profundamente, e quando falou foi com menos amargura e mais sinceridade: — Eu lhe desejo felicidades, minha lady. — Obrigada, Gordon. Sua gentileza e preocupação sempre significaram muito para mim. — É melhor eu ir falar com o médico sobre a certidão de óbito — replicou o advogado bruscamente. O coração de Esme doeu pelo jovem advogado, embora não pudesse haver outro resultado, considerando o amor mútuo entre Catriona e Jamie. McHeath começou a se retirar, então hesitou. — Se você precisar de mim para qualquer outra ajuda, minha lady, por favor, peça. — Eu pedirei — garantiu ela. Assentindo com um gesto de cabeça, McHeath saiu da sala de maneira apressada. — Bem — começou Quinn, a palavra como uma exalação de alívio. — Agora que todas as formalidades foram cumpridas, e vocês dois finalmente se reconciliaram, Esme e eu estamos livres para ir? Há um assunto importante do qual precisamos cuidar imediatamente. — E qual seria? — perguntou Esme, confusa pelo tom da voz dele, assim como pela expressão nos olhos azuis. — Nosso casamento, florzinha. Graças a Deus estamos na Escócia, então podemos realizá-lo de imediato. Ou você prefere esperar? -— Não! — exclamou ela sem hesitação. — Vocês precisarão de uma testemunha — ofereceu Jamie. — Eles precisarão de duas — disse Catriona, evidenciando um brilho de súbita resolução nos olhos. — E talvez vocês dois possam ser as testemunhas do meu casamento com Jamie... a menos que você prefira esperar. — sugeriu ela para Jamie. — Eu esperei cinco anos — replicou ele. — Mas seu pai... 125

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore — Está morto. E foi por causa dele que nós perdemos cinco anos de felicidade, então eu não irei me preocupar sobre o que é ou não apropriado agora. — Meu Deus, Esme, acho que você é contagiosa! — exclamou Quinn. Ele não falou isso com cautela ou como uma crítica, mas com um orgulho franco que a deixou tão excitada quanto seu toque mais íntimo. Quinn era realmente um homem notável. Jamie sorriu para a mulher que amava. — Graças a Deus! — Então, a igreja é o destino — declarou Quinn, fazendo uma reverência abrangente para sua futura esposa, enquanto dava a Esme um sorriso tão sensual que fez o corpo inteiro dela esquentar. — E às favas com o que é apropriado! Algumas horas mais tarde, o conde de Dubhagen e sua esposa, com o semblante sério após terem ido ao velório do conde de Duncombe, dispensaram seu mordomo e foram, sem decoro, para a sala de estar. Uma vez lá, Esme não perdeu tempo em puxar Quinn para seus braços e beijá-lo. — Meu Deus, eu libertei uma tigresa — murmurou Quinn entre risadas, enquanto beijava a ponta do nariz de sua esposa. — Com certeza. Você não está arrependido disso? — provocou Esme, gloriosamente feliz, inclinando a cabeça para estudar os alegres olhos azuis. — Nem um pouco — respondeu ele, abraçando-a mais apertado. — Eu só me arrependo de ter levado tanto tempo para perceber que você era a única mulher capaz de me fazer verdadeiramente feliz. — Nós dois fomos cegos, tolos e teimosos — murmurou Esme com um suspiro. — Eu fui uma boba por tentar mantê-lo a certa distância. — Certa distância? — questionou Quinn antes de beijá-la novamente. — Eu tive a impressão de que você me queria em outro país. — Bem, houve uma época na qual eu pensei que quisesse... mas porque eu o achava irresistível. — Eu acho você irresistível, florzinha — disse ele, dando-lhe mais uma indicação física daquela verdade. — Quinn, por favor! Estamos no meio da tarde — protestou ela, embora sem muita convicção. — Do dia do nosso casamento — relembrou-a. Ela suspirou e relaxou contra ele. — Espero que o pobre reverendo um dia se recupere da surpresa de dois casais chegando e pedindo para serem casados imediatamente. — A quantia que eu lhe dei com certeza compensará qualquer desconforto que ele tenha sentido — assegurou Quinn. — Assim como a expressão em seus olhos disse a ele claramente que você não aceitaria uma recusa. — Não duvido — concordou ele, acariciando-lhe o rosto. — No entanto, tenho de apontar, minha florzinha, que sua expressão não era menos determinada. Rindo, Esme lhe segurou o rosto entre as mãos e o aproximou para um beijo breve. — Agora, o que devemos fazer, marido? Ficar aqui e enfrentar a sociedade, ou voltar para Londres? Quinn se tornou sério. — O que você acha? — Ficar — respondeu ela com firmeza. — Apesar de agora sabermos que as finanças do conde nunca estiveram com problemas, ainda há a questão do incêndio no 126

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore jardim. Eu não quero ir embora antes de sabermos quem foi o responsável, e ver tal pessoa... ou pessoas... presa e acusada. — Eu não esperaria menos de você — disse Quinn, assentindo com um gesto da cabeça. — E concordo. — As mãos dele começaram a acariciá-la. — Se isso não fosse aborrecer os criados, eu a carregaria para o andar de cima e a manteria no quarto por uma semana. — Você não pode me manter prisioneira — brincou Esme quando começou a acariciar o magnífico corpo musculoso, algo que agora tinha todo o direito de fazer. — A lei do habeas corpus. Eu lembro — murmurou ele, enquanto se sentava no sofá e a puxava para seu colo. — Eu só precisaria me certificar de que você queria ficar. Esme lhe envolveu o pescoço com as mãos. — Eu tenho certeza de que você poderia me tornar sua prisioneira. Mas nós ficaríamos com fome. — McSweeney poderia nos levar provisões de tempos em tempos. Falando nisso — ele se afastou preciso falar com McSweeney e contar-lhe a verdade sobre quem somos. Ele sempre foi gentil comigo durante minha infância e adolescência, e gostaria que soubesse quem eu sou realmente antes que a notícia da morte de Augustus se tome pública. Esme não viu razão para discordar. — Se você acha que isso seria melhor. Quinn sorriu com alívio. — Eu pensei que talvez tivesse de convencê-la. Ela meneou a cabeça. — Se você acha que essa é a coisa certa a fazer, é tudo que eu preciso saber. — Todavia, eu não preciso contar a ele há quanto tempo estamos casados — acrescentou Quinn com um sorriso travesso. — Ou onde a cerimônia foi realizada. — Ou que eu sou irmã de um advogado? — Ninguém em Edimburgo me perguntou sobre a família de minha esposa — observou Quinn. — Há outra coisa que me preocupa — confessou Esme, enquanto brincava com as pontas da gravata dele. — Eu não sei como ser uma lady. Consegui disfarçar por algumas semanas, mas passei minha vida inteira estudando sobre leis, não sobre etiqueta. Não sei como seria servir jantares ou organizar um baile. — Certamente isso não pode ser mais difícil do que aprender a maneira adequada de redigir um testamento de modo que possa ser contestado — replicou Quinn. — Faz um longo tempo que estive inserido na sociedade, e provavelmente cometerei mil erros para cada um que você cometer — acrescentou enquanto a beijava de leve. — Perdoe-me, meu lorde, minha lady — entoou McSweeney da porta. Gorando, embora estivesse só um pouquinho embaraçada, Esme rapidamente se levantou. — Sim? — disse Quinn para o mordomo, e não parecendo nem um pouco envergonhado quando pegou a mão de Esme e gentilmente a puxou de volta para seu colo. — O condestável deseja lhe falar, meu lorde. — Talvez eles finalmente tenham descoberto quem provocou o incêndio — murmurou Esme, de maneira esperançosa. Quinn pareceu igualmente esperançoso enquanto dizia a McSweeney para mandar o condestável entrar. Esme foi para outra cadeira, e Quinn ficou de pé junto à lareira numa atitude que sugeria que ele estivera numa posição de poder e comando durante toda sua vida adulta. Com uma onda de humildade, ela subitamente percebeu que não se casara com um homem sem título e renegado pela família, como teria feito, de qualquer forma. Tomando127

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore a como sua esposa, Quinn aumentara sua posição social para um nível que uma mulher de sua classe normalmente não ousaria aspirar. Ele a transformara, da irmã de um advogado sem riqueza ou título, numa condessa. O que Esme tinha a oferecer para um homem como aquele, exceto seu amor e devoção? Contudo, parecia que, de todas as coisas no mundo, Quinn não queria nada mais que isso, exatamente como ela sempre ansiara por amor aliado a respeito e igualdade. Quinn lhe daria isso, e, com ele como marido, ela era certamente uma das mulheres mais afortunadas da Inglaterra. — Então, sr. Russell — disse Quinn no momento que o condestável entrou na sala. — Quais as novidades? — Infelizmente, meu lorde — começou ele num tom de voz melancólico, depois de se sentar na cadeira que Quinn ofereceu com um gesto silencioso apesar de nossos melhores esforços... que não foram poucos... não conseguimos descobrir quem foi o responsável pelo incêndio. O sr. Russell se inclinou para a frente em sua cadeira. — Francamente, meu lorde, eu acho que as pessoas que querem derrubar a monarquia são rebeldes. Elas, sem dúvida, copiaram a idéia dos franceses. — O que o faz pensar assim? — indagou Quinn, obviamente tão desnorteado pela sugestão quanto ela. — Porque há muitos anarquistas e malandros descontentes em Edimburgo, meu lorde-— replicou o sr. Russell, recostando-se com óbvia satisfação, como se tivesse oferecido a única explicação possível. — A rebelião na França trouxe espaço para muitas idéias. Mas fique tranqüilo, meu lorde, nós iremos encontrar os culpados, e eles irão sentir a força total da lei! — Noção interessante — disse Quinn, unindo as mãos atrás das costas e balançando o corpo de leve no lugar. — Vocês não encontraram evidências de nenhum possível criminoso? — Não, meu lorde, nem uma única pista. — Não acha que pode ter sido um acidente? — perguntou Esme. A expressão do condestável quando ele a fitou foi tão arrogante que ela teve de cerrar os dentes para manter a aparência serena. — Meu Deus, minha lady, se tivesse sido, por que a pessoa não admitiria? — Ele sorriu para Quinn. — Assim são as mulheres, não é, meu lorde? Sempre prontas para encontrar desculpas para qualquer vilão. — Se foi um acidente, talvez a pessoa responsável não tenha falado por medo de punição, e por temer ser obrigada a pagar pelos reparos — apontou Esme. Diante dessas palavras faladas com tanta firmeza, a expressão do condestável se tomou um pouco duvidosa. — Isso é possível — concedeu ele. — Obrigado por nos manter informados, sr. Russell — disse Quinn, dispensando-o. — Tenha um bom dia. O homem pareceu tão chocado e desapontado com a dispensa de Quinn que Esme quase sentiu pena dele. Quando o sr. Russell se levantou, Quinn foi para a porta e chamou o mordomo. — Por favor, acompanhe o sr. Russell até a porta — disse ele quando McSweeney apareceu. — Depois volte aqui. Eu tenho uma coisa para lhe contar, McSweeney. Quinn observou Esme sentada naquela cadeira exageradamente ornada e parecendo ansiosa, enquanto eles esperavam pelo retorno de McSweeney. Ela era muito 128

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore mais valiosa do que muitas outras mulheres para ser uma condessa. Quantas outras mulheres poderiam trazer tanta inteligência e experiência de vida para aquele papel? Quantas outras condessas seriam tão apaixonadas? E quantas outras mulheres o aceitariam como ele era e o fariam tão feliz? McSweeney apareceu à porta da sala de estar. — Gostaria de falar comigo, meu lorde? Quinn respirou fundo. Aquela não seria uma confissão fácil, apesar de ele ter certeza de que era a coisa certa a fazer. — Eu tenho algo para lhe dizer, McSweeney. Alguma coisa bastante chocante. O mordomo arqueou uma sobrancelha. — Realmente, meu lorde? — Sim, quero esclarecer uma coisa, algo que eu deveria ter lhe contado desde o começo. — Ele respirou fundo novamente. — Eu não sou Augustus. Sou Quintus. O homem não pareceu nem um pouco surpreso. — Você não tem nada a dizer? — perguntou Quinn com incredulidade. -Não está surpreso pela novidade? — Talvez eu devesse deixar claro, meu lorde, que sabia quem o senhor era desde o momento de sua chegada — replicou o mordomo calmamente. — Seus irmãos nunca tiveram seu porte, muito menos Augustus, que era um homem muito desajeitado, e o senhor, meu lorde, está longe de ser desajeitado. McSweeney soubera a verdade desde o começo? — Por que diabos você não disse nada? — Não me cabe questioná-lo, meu lorde. Quinn imaginou se depois daquilo alguma coisa seria capaz de surpreendê-lo. — Então você sabe sobre Augustus e a esposa na Jamaica? Que eles faleceram recentemente? — Eu presumi que seu irmão estava morto, ou o senhor não seria o conde — murmurou o mordomo de maneira casual. — Quanto a uma notificação oficial, assumi que o senhor tinha seus motivos para não anunciar a morte deles da maneira costumeira. Falando por mim mesmo, meu lorde, estou feliz que herdou o título e a propriedade. O senhor sempre foi o melhor da família... se não se importa que eu diga isso. Enquanto Esme relaxava em sua cadeira, Quinn não pôde evitar desejar que McSweeney tivesse falado aquilo mais cedo. Fingir ser Hortense havia ido contra toda a moral e a natureza dela, e ele duvidava que Esme tivesse feito isso por qualquer pessoa, exceto pelo irmão. Bem, talvez por ele, agora. O mordomo pigarreou e mudou o peso para o outro pé. — Meu lorde, uma vez que honestidade é a ordem do dia... — Ele hesitou e, numa chocante violação das regras de comportamento adequadas para um mordomo, enfiou o dedo entre o pescoço e a gravata, como se o tecido estivesse subitamente apertado demais. — Eu tenho um pedido para lhe fazer, meu lorde. A sra. Llewellan-Jones e eu queremos nos casar, e esperamos que o senhor nos permita manter nossas posições, se assim fizermos. Com um grito de triunfo que causou um sobressalto de susto nos dois homens, Esme se levantou. — Você estava no jardim naquela noite! — exclamou ela, apontando para McSweeney. — Você e a sra. Llewellan-Jones! É claro! Isso explica por que a sra. Llewellan-Jones já estava acordada e vestida! Eu devia ter pensado nisso antes. — Bom Deus! — exclamou Quinn. Nem em um milhão de anos ele teria suspeitado que McSweeney tivesse feito uma coisa daquelas, mas o homem tinha uma expressão tão arrependida no rosto que Esme só podia estar certa. 129

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore — Fui eu quem derrubou o lampião — admitiu o mordomo pesarosamente. — Eu o chutei enquanto nós estávamos... eu o chutei sem querer. — Por que você não disse isso na ocasião, em vez de nos fazer pensar que havia algum tipo de vilão querendo nos assassinar ou destruir a casa? — demandou Quinn, aliviado, mas frustrado também. Se não fosse pelo incêndio, ele não teria acreditado que precisava mandar Esme embora. Por outro lado, se não tivesse enfrentado a possibilidade de perdê-la, talvez eles nunca tivessem falado sobre seus sentimentos, ou agido sobre eles, e o resto de sua vida teria sido tão solitário quanto o começo da mesma. — Delia... a sra. Llewellan-Jones teve medo de que nós perdêssemos o emprego, e se a razão fosse a que seria, ela nunca conseguisse outro — explicou McSweeney com pesar. — Ela tem muito orgulho de sua reputação, e não queria manchá-la. Embora eu tivesse certeza de que você não nos dispensaria, a sra. Llewellan-Jones ficou tão preocupada sobre as possíveis conseqüências que eu decidi não dizer nada, algo do que me arrependo muito, meu lorde. A causa do remorso de McSweeney parecia tão pequena para Quinn que ele quase riu, exceto que sabia como o remorso genuíno podia ser doloroso. — O amor tem um jeito de nos levar a fazer coisas que normalmente não faríamos, tanto boas quanto ruins — disse Esme de modo gentil. McSweeney a olhou como se ela estivesse recitando poesia. Ela soava tão diferente... Mas Quinn tinha ouvido aquele tom de voz antes, na cama, de modo que não ficou tão surpreso. — Uma vez que não desejo perder dois excelentes criados — assegurou Quinn ―, é claro que vocês podem se casar e permanecer trabalhando para nós enquanto estivermos em Edimburgo, a menos que chegue um dia que haja pequenos McSweeneys correndo por ai. O mordomo sorriu com alívio. — Obrigado, meu lorde. — Acabei com você agora, McSweeney -ordenou Quinn. — Vá dizer à sra. Llewellan-Jones que vocês podem se casar e manter seus empregos... mas som mais encontros noturnos no jardim, por favor. — Sim... sim, meu lorde. Obrigado, meu lorde — gaguejou o culpado, porém alegre McSweeney, e, aparentemente esquecendo as regras de conduta adequada, correu para a porta. Todavia, conseguiu retomar ao comportamento apropriado e fechou a porta silenciosamente. — Bem, isso é um alívio — disse Quinn com um suspiro quando se sentou no sofá. — Teremos de informar ao sr. Russell que o incêndio foi um acidente, no fim das contas, apesar de achar que o pobre homem ficará desapontado pelo fogo não ter sido parte de uma grande conspiração de rebeldes. — Talvez então o sr. Russell também perceba que as suspeitas de uma mulher não devem ser descartadas tão facilmente — observou Esme de maneira audaciosa. — Talvez, mas eu devo apontar, florzinha, que ele não sabe o quanto você é inteligente... assim como nós não sabíamos sobre McSweeney e a sra. Llewellan-Jones. Devo dizer que é difícil imaginar McSweeney no papel de um amante. — Por quê? Porque ele não é tão jovem e bonito como outros homens que eu poderia nomear? — perguntou Esme, a expressão se suavizando enquanto ela continuava de pé, fora do alcance de Quinn. — Amor não depende da idade. Eu já vi diversos cavalheiros de idade mais madura vivenciando um amor tão poderoso que estavam dispostos a fazer as concessões mais absurdas em acordos de casamento. — As quais você... ou seu irmão... o convenceram a não fazer, suponho? — É dever de um advogado cuidar dos interesses de seu cliente. 130

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore — Eu tenho um interesse, Esme, e é um dos quais acho que minha esposa deveria cuidar. — Oh? — murmurou ela com inocência fingida. — E qual seria? — Venha se sentar ao meu lado e eu lhe contarei. Se ela concordasse, suspeitava de que haveria pouca conversa e muitos beijos e carícias, talvez até levando ao ato de amor ah mesmo no sofá. Esme se sentou ao lado dele e adquiriu um comportamento sério, em divergência com as batidas aceleradas de seu coração e com o calor crescente de seu desejo. — Sim, meu lorde? Para sua surpresa, ele manteve as mãos unidas e se virou para ela com uma expressão muito séria. — Há muito trabalho legal quando se tem bens, uma casa em Edimburgo e outra em Londres. Eu quero que você seja a nossa advogada. — Oh, Quinn! — exclamou ela tanto com deleite quanto com tristeza. Estava radiante pelas palavras dele, mas consciente da realidade. — Eu não posso. Sou mulher. — Definitivamente é — concordou ele. — Uma mulher linda e incrível, então eu percebo que você não pode ser oficialmente minha conselheira, embora eu tenha certeza de que é tão boa em redigir contratos quanto qualquer advogado do sexo masculino poderia ser, se não melhor do que a maioria. Entretanto, você poderia ser minha advogada na prática, e podemos deixar que McHeath e Jamie sejam os advogados oficiais. — Talvez o sr. McHeath não aprecie minha interferência — sentiu-se ela compelida a apontar. — Nesse caso, eu contratarei outro advogado. — Espero que isso não seja necessário — replicou Esme. — Eu sinto pena do pobre homem. Ele claramente se importava muito com Catriona. — E muito com você, considerando que você era supostamente minha esposa. — O sr. McHeath só queria ajudar uma mulher que ele acreditava estar infeliz no casamento — replicou ela. — Eu não gostei de precisar enganá-lo. — Eu sei que foi difícil para você — disse ele, afastando-lhe uma mecha de cabelos da testa antes de beijar aquele ponto. — Foi muito mais difícil para você bancar a tola do que foi para mim... representar o nobre dominador. — Você desempenhou muito bem o seu papel — murmurou Esme com um brilho travesso nos olhos. — Suspeito que poderia se tomar um grande tirano, se eu lhe permitisse. — O que significa que o ponto é controverso, porque você nunca me permitiria. Uma expressão crítica nestes seus olhos, e eu me renderia... então suponho que estou condenado a fazer o que você quiser. — Qualquer coisa que eu quiser? — perguntou ela, a voz baixa e sedutora, enquanto chegava mais perto. — Há algumas ordens às quais eu obedeceria com mais satisfação, minha rainha. — Então só há mais uma coisa que eu desejo, uma vez que lenho o marido mais maravilhoso do mundo — disse ela, acariciando-lhe o peito. — Você tem meu coração, e eu lhe darei, com alegria, qualquer coisa que seu coração desejar. — Tenho certeza de que você fará o possível para providenciar isso — murmurou ela, beijando-o com tema paixão. — Como posso, se você não me conta o que é? — questionou Quinn, sorrindo mesmo enquanto correspondia ao beijo. — Filhos — sussurrou Esme, com os lábios contra o rosto dele. — Eu quero ter os nossos filhos. Quinn riu suavemente enquanto a abraçava com mais força. 131

HH 94 – A dama e o libertino – Margaret Moore — Eu prometo dar o melhor de mim, minha florzinha. E ele deu.

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