Entre cartografias e sensibilidades1 O filme-ensaio de um peixe-terrorista e seus homens nus Wiliam Domingos2 Resumo Este artigo pretende investigar as resistências artístico-políticas e os territórios afetivos de criação do pensamento no fazer ensaísta cinematográfico de The Terrorists (2011), de Thunska Pansittivorakul. Nesse filme, as manifestações populares na Tailândia em 2010 e a repressão violenta do governo são pensados além da forma do documentário e das estratégias clássico-narrativas de construção do real na imagem. A análise busca refletir os atravessamentos das temporalidades, as intensidades do afeto e o desejo, os agenciamentos coletivos e individuados, os processos de subjetivação e a possibilidade de uma sensibilidade queer, a partir de reterritorializações das incidências da história, da memória e da visualidade do prazer sexual.

Palavras-chave Afetos; Temporalidades; Resistências; Documentário Ensaístico

Um filme dedicado aos mortos e feridos nas repressões de protestos na Tailândia nos meses de Abril e Maio de 2010 é o que anuncia a primeira cartela em fundo preto de The Terrorists (Poo kor karn rai, 2011), de Thunska Pansittivorakul. “Amaldiçoamos aqueles que estão por trás do massacre no meio da capital” - frase na primeira pessoa do plural que vem logo após uma acusação ao governo de Abhisit

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Trabalho apresentado no GT 2 – Políticas e Análise do Cinema e do Audiovisual do VII Congresso de Estudantes de Pós-Graduação em Comunicação, na categoria pós-graduação. UFRJ, Rio de Janeiro, 15 a 17 de outubro de 2014. 2 Mestrando no programa de pós-graduação em comunicação da UFF, na linha de Estudos de Cinema e Audiovisual, integrante do grupo de pesquisa NEX!!! - Núcleo de estudos do excesso nas narrativas audiovisuais, coordenado pela professora doutora Mariana Baltar. www.conecorio.org

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Vejjajiva, o qual deve ser condenado pelas calúnias contra seu próprio povo e contínua demolição do país, segundo a cartela.3 Uma das características mais evidentes desse realizador nascido em Banguecoque é a presença de texto na composição dos planos, geralmente centralizadas e desvinculadas das narrativas da imagem. Em 9 minutos de filme é acionada essa prática e o que lemos agora é uma voz muda em primeira pessoa, no caso, o próprio Thunska. No plano, um pescador descamisado sai do interior de um barco em alto-mar. Em seguida, vemos um cesto de peixes cintilantes pela luz esverdeada que os tocam. É uma pesca noturna. Há mais dois descamisados no barco. Dos três, os dois mais jovens têm seus corpos decupados em planos de extrema proximidade. Braços, pernas, peitorais, virilhas. A luz esverdeada é lançada também sobre a água para atrair os peixes, como um encantamento para o abate, uma força de controle maior e sedutora. Eles - os peixes - também habitam um aquário de aspecto futurista datado, como que projetado num passado que via no futuro uma modernização extraordinária, arquitetônica e imperial. Um homem qualquer os fotografam através do vidro transparente, lembrando os flashes sonoros e perturbadores de Flash Happy Society (2009), de Guto Parente. O excesso é invocado como num filme experimental de horror e aprisiona ainda mais esses peixes controlados novamente por uma luz esverdeada. Porém, resta aqui uma possibilidade de sobrevivência, comparado a outro momento posterior do filme, em que alguns peixes tentam sobreviver à insalubridade de uma vizinhança prejudicada pela ausência de recursos básicos de saneamento. Os manifestantes, em geral trabalhadores e integrantes dos Camisas-vermelhas – a frente liderante - foram acusados de serem terroristas pela mídia controlada pelo governo, diferentemente dos manifestantes brasileiros dos protestos de 2013, recorrentemente chamados de vândalos. Mas um elemento comum que se ouve no final do filme são gritos enfurecidos acusando o governo de matar o seu povo como se 3

Em 2010, o ponto de transbordamento foi “quando os Camisas Vermelhas realizaram enormes manifestações contra o governo não eleito de Abhisit Vejjajiva. Estas manifestações foram esmagadas com violência extrema pelos partidários da monarquia” (GLINIECKI, 2014). O golpe em 2006 que colocou Vejjajiva no poder, atingiu diretamente as camadas oprimidas – das áreas rurais e urbanas – e os camisas vermelhas – composto em sua maioria de camponeses -, os quais viam em Thaksin Shinawatra – deposto pelo golpe militar – uma esperança de mudança fundamental no quadro social e econômico do país. www.conecorio.org

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fossem peixes. Uma cartela num momento anterior distante lança uma entrevista ocorrida em 1976 com o monge budista Kittivuddho Bhikku, em que o mesmo dizia: “matar um comunista não é como matar um humano. É o mesmo que matar um peixe para cozinhar e oferecer aos monges. É claro que é um pecado matar um peixe, mas terá mais mérito oferecendo a comida aos monges.” Se estamos diante dessa associação de forças simbólicas entre os manifestantes e os peixes, resta ao filme nos envolver num devir terrorista e ensaísta da possibilidade do pensamento fílmico. Logo, não estamos diante de um filme de associações simples e dadas, sendo os peixes talvez a única possibilidade de engajamento sentimental e racional de rápido alcance, por mais que esse tipo de pensamento seja sempre questionável. Em The Terrorists, é como se embarcássemos em uma viagem de estrada única, mas com máquinas do tempo invisíveis na paisagem, como buracos-negros. Estrada única, porque há na experiência do deslocamento um ser pensante em busca da criação de um pensar tão fascinante, que torna precipitada e injusta a desconfiança de um “e se traçássemos um outro percurso qualquer, melhor sinalizado, seguro e mapeado”? Para nós, não nos interessa aqui pôr em xeque as escolhas do montador, dos territórios visitados, das imagens de arquivo, das fotos de famílias, dos órgãos sexuais eretos. Mas sim pensar quais os engendramentos e em quais cartografias se move quem guia essa viagem? Quais mundos se constroem e quais mundos tornam-se obsoletos? Que afetos ganham corpos? Construir um discurso sensível para o mundo, buscando a complexificação do objeto e do sujeito diante dele e assumindo paixões e emoções que invocam o saber e o pensamento são elementos que arquitetariam uma maneira de pensar na linguagem cinematográfica, como um filme-ensaio (MACHADO, 2003). Sem dúvida, é o movimento mais evidente que se tem no filme de Thunska, ainda que não se esgote nessa espécie de gênero. O que precisa estar claro nesse primeiro momento é como se dá a intensificação dramática no desenvolvimento da forma de pensamento que se apresenta no filme. Pensar assim implica em olharmos para a obra para além de uma forma documentária de um filme político de resposta à repressão. Se nesse momento o conceito de filme-ensaio nos serve como alternativa a algumas possibilidades de www.conecorio.org

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cinemas documentaristas mais pautados pela racionalização e exposição de fatos, como seria possível pensar em políticas de resistências que são atravessadas por uma exterioridade do mundo fora de um procedimento clássico?

As temporalidades e ardência das imagens Diante da imagem, o olhar que nos retorna espera que percebamos as múltiplas temporalidades que ela – a imagem – comporta simultaneamente, e isso só é possível quando nos distanciamos de uma iconologia e passamos a ver como sujeitos portadores de uma memória (PUGLIESE, 2005). Esse é o pensamento de Georges Didi-Huberman, o qual vê na imagem algo que sempre escapa à historicidade, por sua atemporalidade e, ao mesmo tempo, eternidade, absoluta em si mesma, ainda que repleta de atravessamentos dialéticos. Didi-Huberman em suas proposições incorpora o conceito de anacronismo e de abertura dialética, atingindo diretamente “qualquer certeza histórica ou interpretativa” (PUGLIESE, 2005, p. 208). Essa associação processual, disruptiva e variante dos elementos de uma imagem aponta para uma linguagem de colagem, entre distanciamentos e aproximações anacrônicas, evidenciando-se assim a importância da ideia de montagem para esse historiador. O autor enfatiza que [...]a montagem escapa às teleologias, torna visíveis as sobrevivências, os anacronismos, os encontros de temporalidades contraditórias que afetam cada objeto, cada acontecimento, cada pessoa, cada gesto. (DIDI-HUBERMAN, 2012, p. 212)

A memória no filme – afetiva, histórico-filosófica e mítica - é um elemento essencial e comum às micro-narrativas criadas. Para Didi-Huberman, em seu conceito de montagem, a memória “nos permite encontrar no visível, a abertura para aquilo que nos situa simultaneamente no presente e para além dele, promovendo, portanto, o encontro entre o vivido e o rememorado” (COSTA, 2009, p. 90). Segundo Costa (2009), o autor a vê também como parte do invisível, o qual é capaz de se revelar

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como uma aparição e nos surpreender.4 Por essa perspectiva, podemos tatear alguns possíveis mundos que se criam na emergência das imagens do filme de Thunska. Parte dessa “dialética do ver” nos interessa bastante em relação ao valor de sintoma e afloramento, como cita Costa (2009, p. 91): o paradoxo visual é a aparição: um sintoma aparece, um sintoma sobrevive, interrompe o curso normal de uma coisa segundo uma lei – tão soberana como subterrânea que resiste à observação banal. O que a imagem-sintoma interrompe não é outra coisa senão o curso normal da representação. (...) um sintoma jamais emerge em um momento correto, aparece sempre a contrapelo, como uma velha enfermidade que volta a importunar nosso presente (DIDI-HUBERMAN, 2005, p. 44).

Importunar nosso presente a contrapelo interrompendo o curso normal da representação nos parece sobretudo uma das vontades mais reconhecíveis no filme aqui em análise. É certamente um movimento que tensiona a memória e a historicidade, uma dialética, propriamente, de dimensão sensível-corpórea, acima de tudo. Os encontros de temporalidades contraditórias são nítidos no filme, mas os agenciamentos da montagem e dos afetos que se acionam são pouco palpáveis, por isso talvez tão terrorista. Intempestivo ao mesmo tempo que paciente. Suicida, mas em nenhum momento em vão. Simultaneamente, corpo excitado e sonolento. Um filme que não se perde em onirismos, mas acessa nos sonhos o anacronismo da memória e das sensibilidades. Movimentos de desterritorialização das temporalidades e dos afetos formando devires de vida, gozo e morte. Essas três últimas palavras parecem se fundir numa espécie de duelo na cena em que um garoto se masturba, ao mesmo tempo que são colocadas sobre a imagem cartelas de texto relatando a resistência e o assassinato de Wichitchai Amornkool, manifestante universitário tailandês, no ano de 1975. “Wichitchai Amornkool tinha sempre um sorriso gentil no rosto”, é o que nos diz a primeira cartela sobre a imagem de um garoto que observa o movimento de um trem urbano na sacada de um prédio. A história do estudante Wichitchai prossegue sendo contada como num ensaio literário, em que as informações se misturam a uma 4

Ainda sobre a memória, há uma eloquente passagem em que Didi-Huberman (2000) diz que “diante da imagem – não importa quão recente, quão contemporânea ela seja -, o passado também não cessa jamais de se reconfigurar, pois esta imagem não se torna pensável senão em uma construção da memória, chegando ao ponto de uma obsessão”. www.conecorio.org

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poética do pensamento, libertas das rígidas amarras jornalísticas e imersas num terreno mais da imaginação e de uma fruição sensória. O garoto que estava na janela a essa altura já é visto num banho tranquilo, como se a luz e as paredes brancas pudessem acariciar teu corpo. O conteúdo político do contexto daquela circunstância narrada ganha contornos excessivos e grandiosos, transformando aquele estudante em figura quase heróica, vítima de um horror extraordinário. Se podemos facilmente separar esses instantes na tela enquanto histórias distintas, não é certo, porém, que elas não se atravessem substancialmente e anacronicamente. A provocação de um sintoma – dialogando com as ideias de Didi-Huberman na imagem parece se anunciar no momento em que o relato histórico abre um horizonte de morte e o garoto começa a se masturbar ao encontro possível do gozo. Qual o lugar desse garoto que se masturba enquanto é relatado um passado histórico acerca de uma antiga manifestação contra o governo? A cristalização do sexo na imagem, a visualidade material do órgão sexual excitado e o gozo são dimensões dadas como obscenas quando desassociadas do gênero pornográfico. Logo, poderia parecer natural a recusa e a condenação desse tipo de encenação num filme nãopornográfico, por uma imposição na imagem do que deveria estar fora dela, que seria a própria definição de obsceno (ABREU, 1996). Se a pornografia é uma forma de veiculação do obsceno, ela exibe o que deveria estar oculto (ibidem), por isso é um tipo de revelação que se impõe transgressivamente num dado regime de visibilidades e representações. As manifestações que aconteceram em 2010 na Tailândia se deram num contexto de controle da informação a partir do governo e de práticas de censura. Isso nos faz entender que a exposição da história do assassinato de Wichitchai e tantos outros estudantes é tão transgressiva quanto o garoto se masturbando no banho e na cama. Ambas narrativas são obscenas naquele contexto político do país e são introduzidas no filme como um ato de imposição do que “deveria” estar fora daquele regime de representação.5 Pensando a partir da imagem-sintoma, é como se aquele corpo se masturbando não estivesse a serviço só das intensidades do prazer – como na 5

Antes de The Terrorists, Thunska havia realizado um filme que provocava justamente uma lei federal que proibia conteúdo sexual e pornográfico em filmes, dentre outras limitações como obras que subvertessem a nação, a moralidade e afetassem a segurança dos indivíduos. www.conecorio.org

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pornografia -, mas também como imagem de uma experiência reprimida de passado histórico guardado nos escombros da memória de violência do país. Imagem e representação

multidimensional,

ambígua,

anacrônica

e

com

múltiplas

temporalidades. A descrição detalhada das cartelas exprime uma violência descarada e excessiva e, assim, pornográfica, talvez. Esse é um viés de pensamento possível, mas certamente não é o único. A esperança que emana da liberdade da masturbação e do gozo, por exemplo, parece estar carregada de temporalidades desconhecidas que acionam a resistência do desejo e da vida à violência histórica. Quando buscamos os efeitos dos engendramentos entre a imagem, o real, a história, a memória e a revelação do que é dado a ver é como se fosse necessário provocar um incêndio para conhecer a fumaça e depois as cinzas, movimentando-se num conhecimento que se dá a partir da ardência das imagens. Não se pode falar do contato entre a imagem e o real sem falar de uma espécie de incêndio. Portanto, não se pode falar de imagens sem falar de cinzas. As imagens tomam parte do que os pobres mortais inventam para registrar seus tremores (de desejo e de temor) e suas próprias consumações. (DIDI-HUBERMAN, 2012, p. 210)

Parece que o movimento de vontade de criação do filme é o novo na possibilidade da “percepção em devir”6, a partir de uma impossibilidade de continuar sendo o mesmo canalizada num novo tipo de sensibilidade (ZOURABICHVILI, 2000). Uma urgência que precisa reinventar relações de afetação com o outro e com o lugar do outro em si mesmo. Assim, o passado que se coloca dimórfico e transeunte entre a totalidade das diversas narrativas construídas ao longo do filme não é colocado para explicar os atuais eventos daquelas manifestações. Esse passado não possui continuidade com o hoje, como se fosse uma origem. Quem sabe ele seria o que teria tornado intolerável e o que possibilitaria uma nova circunscrição do intolerável, uma nova distribuição dos afetos (ibidem, p. 339). Se o fosse, poderíamos falar na abertura de um novo campo de possíveis que um acontecimento gera, segundo o pensamento de Deleuze, 6

Zourabichvili (2000) chama atenção para a ideia de “vidência”, presente em Deleuze, a qual se dá na esfera do acontecimento. Seria uma capacidade e um modo de ver que revelaria num só golpe e instante o intolerável do mundo e a possibilidade de outra coisa, como um fenômeno coletivo. Não é sobre ver o futuro, mas sim o que excede e transborda. É uma percepção em devir a partir de um modo de perceber que se transforma, implicando assim na possibilidade de existência de um elemento novo acrescentado ao mundo. www.conecorio.org

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conforme citado por Zourabichvili (2000). Para Deleuze, o acontecimento instaura uma bifurcação na ordem do tempo/mundo, escapa à história e é sempre surpreendente, da ordem do intempestivo.7 É algo pelo qual somos tomados, logo, não é engendrado por um sujeito de vontade (ibidem). Entretanto, não cabe a nós nomearmos os eventos de 2010 na Tailândia como um acontecimento. Esse conceito se faz presente aqui pela sua dinâmica de reorganização das temporalidades e dos afetos e, principalmente, pelos agenciamentos que se coletivizam e se individuam. Por mais que o que tenha ocorrido na Tailândia não se compreenda como um acontecimento, é evidente que os eventos tenham tomado os sujeitos, os afetos e os pensamentos acerca da memória, do despertar da história e da resistência ao intolerável. As cartografias de um terrorista Pensemos, então, esse contexto em que Thunska é tomado por uma vontade e necessidade de reação através da arte. O realizador diz em uma entrevista8 que quando faz um filme ele nunca está interessado em mais nada do que nele mesmo e nas pessoas com quem convive ou de seu universo compartilhado. Sendo assim, que atravessamentos se dão no processo de criação em torno desse filme? Por que ele existe e como não deixa de ser um filme sobre quem o faz, apesar de se apresentar como um filme sobre um dado quadro político-social e aos mortos e feridos de um massacre? Podemos perceber a criação de máscaras que querem ser habitadas por uma sensibilidade queer? Na mesma entrevista, o cineasta percebe a particularidade de The Terrorists, como um caso à parte de suas vontades cinematográficas. Ele explica que em torno de dois anos ele foi lançado para dentro das questões políticas, uma vez que isso começou a ter um efeito em seu cotidiano e no dia-a-dia das pessoas, intensificandose na irrupção das manifestações de 2010. O segundo estopim foi a morte do filho de

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São acontecimentos, por exemplo, o que se passou na Tunísia, no Brasil, na Revolução Árabe. Entrevista disponível em: http://desistfilm.com/qa-thunska-pansittivorakul/ (Março, 2012). Por Mónica Delgado. 8

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um amigo, baleado por militares posicionados e autorizados a atirar do alto de um prédio. Thunska começou as gravações logo depois desse ocorrido, como se não houvesse mais como estar à parte de tudo. Isso nos lembra dos protestos ocorridos no Brasil em meados de 2013 e da mobilização de grande parte da população do território brasileiro. Nas ruas, nas redes sociais, nas produções artísticas, na criação de canais de transmissão ao vivo dos protestos e também de blogs de denúncia, os quais se opunham às grandes mídias. As cenas finais de The Terrorists mostram pessoas de todas as idades, da área rural e urbana, nas ruas aos berros, segurando cartazes recusando a “derrota”, o massacre e o desrespeito aos direitos humanos, mesmo tendo a liderança do movimento recuado – os camisas vermelhas -, em função da intensificação da repressão do governo e do elevado número de mortes. Algo aconteceu nessas duas ocasiões que teria tornado o intolerável visível, produzindo agenciamentos e novas redistribuições dos afetos e a abertura de um campo de possíveis? Se não podemos responder essa pergunta, o que pode estar em jogo nessa determinada circunstância de ampla mobilização popular contra o governo? Segundo Escóssia e Kastrup (2005, p. 303), a partir de Guattari, a relação, entendida como agenciamento, é o modo de funcionamento de um plano coletivo, que surge como plano de criação, de co-engendramento dos seres. Cabe ressaltar que este plano coletivo e relacional é também o plano de produção de subjetividades. Subjetividade aqui não é sinônimo de indivíduo, sujeito ou pessoa, pois inclui sistemas pré-individuais/pré-pessoais (perceptivos, de sensibilidade, etc) e extrapessoais ou sociais (maquínicos, econômicos, tecnológicos, ecológicos, etc). Assim, os processos de subjetivação são sempre coletivos, na medida em que agenciam estratos heterogêneos do ser. Podemos até falar em subjetividades individuais e subjetividades coletivas. Individuais, porque “em certos contextos sociais e semiológicos a subjetividade se individua” (Guattari, 1992, p.19). Coletivas, porque “em outras condições, a subjetividade se faz coletiva, o que não significa que ela se torne exclusivamente social”(Guattari, 1992, p.19-20). 9 9

É importante enfatizar o caráter impessoal e partilhável que se revela em um agenciamento. O que mais nos interessa entender, a partir de Deleuze e Guattarri, é que o par indivíduo-sociedade são atravessados e produzidos por linhas e fluxos molares e moleculares. O indivíduo e o social não são categorias dicotômicas e isoladas. “As idéias de coexistência, atravessamento mútuo e prolongamento são constantemente reafirmadas pelos autores” (ESCÓSSIA; KASTRUP, 2005, p. 300). www.conecorio.org

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Ainda que o realizador não opere a partir de sua vida privada, elemento este que nada tem a ver com o agenciamento coletivo, o realizador também não se movimenta exclusivamente nesse agenciar, pois parece difícil perceber nesse pensamento fílmico um espaço-tempo comum, partilhável. Mas parece viável acreditar que estamos diante de subjetividades que se individuam e se coletivizam. O que temos então é justamente esse borramento entre sujeito e social, que parece se intensificar ainda mais nesse contexto de agenciamentos e processos de subjetivação uma percepção em devir. Thunska definitivamente não dispensa o exercício de escolher para si “um futuro simultaneamente individual e colectivo negociado entre a garantia de suas liberdades individuais e o direito a participar na publicidade e partilhar um destino comum, o da sociedade humana” (MATEUS, 2011, p. 105). Por isso que mesmo interessado em refletir as manifestações, o realizador não se distancia das visualidades homoafetivas, dos corpos nus, da visibilidade do prazer e do gozo, aspectos inesgotáveis em seus filmes. No pensar ensaístico de Thunska, há incessantemente uma redistribuição dos afetos, de criação de novas possibilidades de vida e de desterritorialização do comum, num movimento de fuga às capturas hegemônicas do fazer e expressar interioridades de minorias e desejos assimilados, desapropriados de um devir da resistência. Um dos desafios e horizontes é a invenção de uma linguagem enquanto prática de constituição de corpos e territórios, desterritorializando uma dimensão representativa, e também negar as esferas dicotômicas (coletivo-público x individual-privado). Um garoto nu dorme sob a incidência de um clarão solar, enquanto sobre a imagem se inscreve um conto de Panu Trivej sobre uma tailandesa que se apaixona por um moken10. Em dado momento, pouco antes do despertar do garoto desconhecido, temos um plano detalhe de seu pênis quase ereto se movimentando, como se respirasse. Logo em seguida, por um procedimento de montagem, vemos a imagem fantasmagórica, como uma nuvem do mesmo garoto penetrando a si mesmo, um corpo duplicado, produzindo e recebendo prazer. O momento que sucede é a primeira sequência nas ruas de Banguecoque, durante uma manifestação - depois de 10

Moken é um grupo étnico que vive em áreas costeiras de Myanmar e da Tailândia. São nômades e possui uma cultura baseada no mar, sendo conhecidos como excelentes nadadores e portadores de uma capacidade ótica extraordinária (wikipedia). www.conecorio.org

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49 minutos de filme – no estilo de cinema direto. A câmera se faz presente e uma voz surge por detrás dela ao se comunicar com os manifestantes. Assim como os demais personagens do filme, o garoto que dormia na sequência anterior não retorna mais, deixamos de vê-lo, como um fantasma passageiro. O filme nunca está interessado em constituir personagens que se particularizam, mas sim nas formações do desejo, nas afetações e nas dissimetrias das associações entre esses corpos excitados e a imaterialidade viva e morta das memórias, dos arquivos, dos entraves dos agenciamentos coletivos e das subjetivações. Esse movimento de recombinações e desterritorializações de gestos, signos, formas, escritas, tempos e diversos outros elementos possuem “elementos minoritários,

variações,

potências

desconhecidas,

impensadas,

indizíveis”

(LEANDRO; RESENDE, 2013, p. 9). Tudo se torna palco de emergência de intensidades estranhas e novas sensibilidades. Evidentemente que estão dispostas também antropofagias nesse pensamento que se tensiona e molda. Thunska acrescenta a um repertório de linguagens uma escrita que aspira pela constituição híbrida de uma sensibilidade queer, uma esperança que irrompe significados reterritorializando os corpos, os membros e os desejos na destituição dos poderes hegemônicos da linguagem heteronormativa. Mas ele não só acrescenta, como também se alimenta dessas experimentações. Antes mesmo do nascimento da teoria queer,11 já se questionava a linguagem cinematográfica, a imagem falocêntrica, as representações heteronormativas, entre outros dispositivos de poder. As mudanças ao longo do tempo acompanharam às demandas pela expressão dos afetos e garantia das liberdades e dos desejos e, assim, foram modificando as linguagens pela invenção e também pela antropofagia desterritorializada de determinados elementos hegemônicos. A pornografia e as paixões, o amor e o cuidado de si, os corpos e as práticas sexuais não cessam em suas modulações na imagem 11

“Uma das perspectivas da Teoria Queer, em linhas gerais, é desnaturalizar as categorias de gênero e sexualidade enquanto produtos de processos normalizadores, apostando na “multiplicação das diferenças que podem subverter os discursos totalizantes, hegemônicos e autoritários” (MISKOLCI, 2009, p. 175). Nesse sentido, a expressividade queer rompe com o essencialismo da identidade gay fixa e homogênea, com o discurso de minorias sexuais e naturalização e originalidade da categoria de gênero. A política queer opera através da performance dos corpos múltiplos, de subjetividades dissonantes e descontínuas, de estéticas que desconstroem o tolerável e a imagem positiva dos indivíduos queer em troca da proliferação estética do obsceno, do desejo e das práticas sexuais entre corpos abjetos” (CARDOSO, 2013, p. 9). www.conecorio.org

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enquanto conteúdo e forma. O que mais se destaca na cinematografia de Thunska é como a categoria descentrada do queer é canalizada pela forma de um pensamento, mais do que no conteúdo das imagens, ainda que as mesmas se agenciem: os sons, a montagem, as cartelas, a memória, o arquivo, o artifício do dispositivo, etc. É a partir dessas considerações que podemos pensar o personagem do cartógrafo – enquanto antropófago e criador – diante dessa expressão do realizador de uma consciência e necessidade de uma sensibilidade queer. A cartografia12, nesse caso, acompanha e se faz ao mesmo tempo que o desmanchamento de certos mundos - sua perda de sentido - e a formação de outros: mundos que se criam para expressar afetos contemporâneos, em relação aos quais os universos vigentes tornaram-se obsoletos. Sendo tarefa do cartógrafo dar língua para afetos que pedem passagem, dele se espera basicamente que esteja mergulhado nas intensidades de seu tempo e que, atento às linguagens que encontra, devore as que lhe parecerem elementos possíveis para a composição das cartografias que se fazem necessárias. (ROLNIK, 2014, p. 23)

Poderíamos apreender a própria escrita de Suely Rolnik, em Cartografia Sentimental, como a invenção de linguagem em si. Estruturas, personagens, rupturas, fabulações e discursos histórico-filosóficos repleto de temporalidades demarcam sua forma de pensar e trabalhar um conhecimento. “O que define, portanto, o perfil do cartógrafo é exclusivamente um tipo de sensibilidade, que ele se propõe fazer prevalecer [...]”(ibidem, p. 66), e, assim, talvez em Thunska é o que existe de potência de criação de mundos e de resistências nas noções de queer que definem essa sensibilidade. O cartógrafo é mobilizado e impulsionado por uma relação paradoxal entre a capacidade de apreender a “alteridade em sua condição de campo de forças vivas que nos afetam e se fazem presentes em nosso corpo sob a forma de sensações” (ibidem, p. 12) e a percepção e as representações associadas ao “tempo, à história do sujeito e à linguagem”(ibidem, p. 12). Quanto à primeira capacidade, Rolnik vai chamar de “corpo vibrátil” ou “vibratibilidade do corpo”, que percebe o outro como “uma presença que se integra à nossa textura sensível, tornando-se, assim, parte de nós mesmos”(ibidem, p. 12). Sobre o paradoxo, trata-se do que já foi pensando 12

Diferentemente do mapa, a cartografia é a “inteligibilidade da paisagem em seus acidentes, suas mutações: ela acompanha os movimentos invisíveis e imprevisíveis da terra – aqui, movimentos do desejo -, que vão transfigurando, imperceptivelmente, a paisagem vigente” (ROLNIK, 2014, p. 62) www.conecorio.org

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anteriormente, dos atravessamentos e coexistências no agir das segmentaridades e fluxos da macropolítica e micropolítica e, por conseguinte, dos riscos e desafios da potência de criação na contemporaneidade cognitiva e maquínica. A partir de processos de territorialização e desterritorialização podemos pensar que há nesse anseio por uma nova sensibilidade, que seja essa sensibilidade queer, engendramentos que produzem sentidos e intensidades. Thunska se movimenta entre esses dois tipos de efeito, que no caso é parte do próprio processo de produção do desejo. Faz parte também da produção de desejo, segundo Rolnik (2014), falar em máscaras como operadoras de intensidade em que, no caso, os afetos são conduzidos, criam corpos e se apresentam como matérias de expressão, ganhando espessura de real, proveniente de um movimento de simulação. Os agenciamentos que anseiam os desejos não são dados a ver pelo olho da câmera como extensão do nosso olho nu, mas só são percebidos pelo nosso corpo vibrátil, que é tocado pelo invisível (ibidem). Ou seja, “corpo sensível aos efeitos dos encontros dos corpos e suas reações: atração e repulsa, afetos, simulação em matérias de expressão” (ibidem, p. 31). O cartógrafo, “em nome da vida, pode e deve ser absolutamente impiedoso” (ibidem, p. 69). Assim como num feminismo queerizado, “prevalece a anarquia dos afectos” (COELHO, p. 39). Mas para Rolnik (2014), não se trata bem de uma anarquia impiedosa, uma vez que a autora sugere uma regra de prudência, um limiar a ser considerado, uma espécie de “feeling que varia inteiramente em função da singularidade de cada situação, inclusive do limite de tolerância do próprio corpo vibrátil que está avaliando, em relação à situação que ele avalia” (ibidem, p. 69). Tanto a criação de novos mundos e sentidos como o desencantamento de afetos obsoletos estariam se perguntando o quanto se suporta da criação e do desencantamento desses mundos. Aqui encontraríamos um obstáculo em relação ao filme de Thunska Pansittivorakul. The Terrorists é sem dúvidas um filme que perturba as temporalidades, a memória e os afetos. Quando trata de lidar com as mortes e massacres espalhados ao longo da história política do país está sempre compensando com novas possibilidades de vida e de maneiras de se afetar, ler e ver uma imagem. É no invisível que se apoiam as resistências. Em função disso, espera-se atingir esse corpo vibrátil da alteridade em nós mesmos. Mas é sempre problemática a relação das www.conecorio.org

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imagens com o real pelo seu anacronismo e pelos enraizamentos das historicidades, dos discursos e das linguagens, tidas enquanto naturais no processo de constituição dos sujeitos na história. Então a questão do quanto se suporta da criação e da destruição ou desencantamento dos agenciamentos que se dão no encontro dos corpos será sempre uma inquietação de variáveis não solucionáveis de imediato. O filme de Thunska não foi bem recebido em seu país, assim como seus demais trabalhos. Não resta a nós aqui investigar as razões disso, mas se há algo para o qual isso nos alerta é o aspecto da dissimetria do Outro presente na potência de vida da multidão, do caráter dissonante e multi-narrativo dos processos de subjetivação. Ainda que possamos perceber agenciamentos coletivos que atravessam as vontades de um realizador em se expressar em determinada circunstância partilhável, não podemos negar também que as novas circunscrições do intolerável se estendem aos entrelaçamentos de diversas lutas e resistências, percepções sobre o social e sobre os afetos e sensibilidades reprimidas. Talvez precisamos pensar com mais frequência nos territórios que se criam quando uma micronarrativa minoritária se lança a partir de um acontecimento ou de eventos de uma outra natureza, num duplo movimento de resistência, em que são colocadas em xeque as experiências de subjetivação impessoais e a própria dimensão do que se torna intolerável, a partir da possibilidade de experiência de partilha de um espaço tempo-comum. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABREU, Nuno Cesar. Olhar Pornô – A representação do obsceno no cinema e no vídeo. Campinas: Mercado de Letras, 1996. CARDOSO, Wiliam Domingos. Intimidades e Corpos Abjetos: o gênero performativo e as imagens subversivas do hustler como personagem filmíco. In: Rascunho, n, 8-9, p. 1-79, nov. 2013 COELHO, Salomé. Por um feminismo Queer: Beatriz Preciado e a Pornografia como Pre-textos. In: Ex aequo, n, 20, p. Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Ex aequo, n. 20, p. 29-40, jul. 2009. COSTA, Luciano Bernardino da. Imagem Dialética / Imagem Crítica: Um percurso de Walter Benjamin à George Didi-Huberman. In: V Encontro de História da Arte – IFCH, p. 87-93, 2009.

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