TIRADENTES A CONSTRUÇÃO DE UM HERÓI Fabrício Colombo

O que é um herói? Segundo o significado da palavra, é um homem notável por suas qualidades, por seu grande valor e coragem, por suas virtudes guerreiras, que se distingue dos outros pelos seus atos. Ou seja, um homem que luta por seus ideais em favor de uma minoria oprimida, que tem carisma e apoio popular. No Brasil, com certeza, devem existir milhares de heróis no significado mais simples da palavra. Mas um herói que reúna todas essas características e que possa ser citado nacionalmente, como um herói da pátria, símbolo de uma grande conquista para a nação é deveras difícil essa missão. Pois nosso país carece de nomes nacionalmente aceitos e de grandes feitos. Mas para haver um herói é preciso ter uma grande conquista. E o nosso herói começa a nascer dessa grande conquista. A grande conquista, a Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, que até podemos discutir se foi realmente uma conquista, mas não é o foco do tema em questão, pois se formos a fundo, até a nossa independência gera dúvidas de ter sido uma grande conquista. O fato é que na época da proclamação, os republicanos necessitavam de um herói, de um símbolo que representasse tal conquista. E necessitavam muito, devido ao fracasso de seus representantes maiores que não tinham uma unanimidade e muito menos popularidade. E neste caso especificamente seria muito difícil, já que a Proclamação da República não teve envolvimento popular e eis a questão, pois a participação e o envolvimento popular em um processo de transformação político social é que “elege” naturalmente o herói. Como não houve esta participação. O herói, símbolo de uma nova era tinha que ser construído. O eleito, Tiradentes. Por quê?

Como já referido, a tentativa de eleger um dos líderes republicanos a herói não deu certo. Vários fatores contribuíram para isso: uns eram militares demais (muito parecido com o autoritarismo monárquico), outros não agradavam uma ou outra facção; e afinal, um herói, deve ter no mínimo um consenso, ser aceito pela maioria. Assim, os republicanos foram buscar na figura de Tiradentes (mais de um século antes da proclamação) o grande herói republicano e, posteriormente, nacional. Entre os fatores que contribuíram para essa escolha está a dúvida historiográfica a seu respeito, sua imagem assimilada a de um “Cristo”, ou seja, mártir e por defender um regime republicano contrário a monarquia. Começando pela dúvida historiográfica, afinal quem foi Tiradentes? Foi realmente um herói ou uma farsa? Até hoje existem discussões acirradas a respeito da personagem histórico de Tiradentes. Portanto, esta dúvida a respeito do mito foi um fator altamente favorável, pois senão há um consenso (falta de documentos contribuem para isso) não há como afirmar como também negar o heroísmo, então, o mito se constrói. Os republicanos apoiando-se nos ideias republicanos dos inconfidentes mineiros, pegaram seu único condenado para fazê-lo símbolo da República, um século depois do martírio de Tiradentes. Uma grande característica de herói aproveitada pelos republicanos para construir em Tiradentes o seu símbolo maior foi que, o mesmo, morreu por seu ideal, verteu o seu sangue e demonstrou a sua coragem e mostrou a virtude um grande ato de heroísmo, o de não recuar diante à morte. Mas um dos grandes fatores que proporcionaram a grande aceitação popular da figura de Tiradentes, que o levou a ser mais que um herói republicano e sim um herói nacional foi a sua transformação em mártir. E isso foi possível por não haver nem um retrato seu, o que levou a idealização de um rosto e essa representação física ficou assimilada a de um Cristo, onde ele aparece de cabelos longos e barba, lembrando muito a imagem ocidentalizada de Cristo. O herói cívico, agora se mistura ao fervor religioso. E como sabemos a religião sempre teve um grande apelo popular. E é esse caráter de mártir que se transformou no grande responsável pela divulgação do ser heroico de Tiradentes pelo país, assimilado a imagem de Cristo, como afirma Murilo de Carvalho:

“Talvez esteja aí um dos principais segredos do êxito de Tiradentes. O fato de não ter a Conjuração passado a ação concreta poupo-lhe ter derramado sangue, ter exercido violência com outras pessoas, ter criado inimigos. A violência revolucionária permaneceu potencial. Tiradentes era o mártir ideal e imaculado na brancura de sua túnica de condenado. A violência real pertenceu aos carrascos. Ele foi à vítima de um sonho, de um ideal, dos loucos desejos de uma sonhada liberdade. Foi vitima não só do governo português e de seus representantes, mas até mesmo de seus amigos. Vitima da traição de Joaquim Silvério, amigo pessoal, o novo Judas...”(Carvalho, José Murilo, p.68).

Outro fator muito importante para a consolidação de Tiradentes como herói nacional foi o político, afinal, ele era um defensor da República e a defendia nos moldes norte-americanos, por consequência, um opositor da monarquia. A mesma monarquia que impedia maiores conhecimentos históricos a respeito do homem que teve seu corpo esquartejado, sua cabeça decepada e mostrada pelas ruas. E não podemos esquecer que D. Pedro I e D. Pedro II, eram filho e neto de Dona Maria, responsável direta pela condenação de Tiradentes. Portanto, era inviável que em um regime monárquico se escrevesse de alguém que era considerado traidor da Coroa. Assim, era óbvio que a figura de Tiradentes ficasse esquecida, pois não se fazia questão de ser mencionada e muito menos lembrada. Fato esse, que mudaria com o crescimento dos ideais republicanos, sendo que historiadores e jornalistas adeptos a República buscavam estudar e divulgar a Inconfidência Mineira e o seu nome maior. Dessa forma, surgiram clubes republicanos chamados Tiradentes, o que ajudou em muito a propagação no centro do país de uma imagem mitológica e heroica. E como explicar que este herói regional se tornasse em um símbolo nacional, sendo que sua imagem era muito retratada no centro do país (Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro). Este fato, podemos explicar da seguinte forma: “Um dos fatores que podem ter levado a vitória de Tiradentes é sem dúvida, o geográfico. Tiradentes era o herói de uma área que, a partir do século XIX, já podia ser considerada o centro político do país – Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, as três capitanias que ele buscou, num primeiro momento, tornar independentes. Aí foi também mais forte o republicanismo e mais difundidos os clubes Tiradentes...” (Carvalho, José Murilo, p.67).

Portanto, Tiradentes tinha todas as características para se tornar um herói da República e isso foi percebido e utilizado habilmente pelos próprios republicanos. E assim, se forjou na época o herói que não se tinha e que era de fato um republicano, que defendeu e morreu por suas ideias. Não lançou mãos das armas, por conseguinte não era violento, tornando-se uma figura carismática, um verdadeiro mártir comparado à imagem e as ações de um Cristo (um forte apelo religioso, portanto, popular), que derramou o seu sangue em prol de outros sem ter manchado suas próprias mãos, além de ter no centro politico da nação o seu maior respaldo. Temos também que salientar que durante décadas e até hoje existe uma ambiguidade a respeito de Tiradentes. Essa visão histórica ou mitológica construída em torno de Tiradentes, dita como verdade no decorrer do tempo sempre foi contestada. Quem foi realmente Tiradentes “um líder ou um mero seguidor, um revolucionário ou um simples falastrão”. Aliás, foi essa ambiguidade que sempre ajudou a manter viva a imagem mitológica de Tiradentes. Pois até hoje, nacionalmente ele é conhecido como um herói, feriado nacional no dia de sua morte (21 de abril). Nas escolas ensinam que Tiradentes é nosso primeiro patriota, o percussor da independência, um homem corajoso, inteligente, bom, forte, ou seja, adjetivos de um herói. E podemos concluir tranquilamente que Tiradentes venceu como herói, seja ele realmente este herói ou um símbolo construído entre as linhas da nossa história. Pois afinal, o que realmente será mais forte, a história real ou o mito? REFERÊNCIAS: CAPISTRANO, José de Abreu. Capítulos da história colonial. Edusp, São Paulo, p.32-38. CARVALHO, José Murilo. A formação das almas: o imaginário da república no Brasil. Cia das Letras, São Paulo, cap.3, p.55-73. RODRIGUES, José Honório. História da história do Brasil. Nacional. São Paulo, p. 350355. VILHENA, Luís dos Santos. Pensamentos políticos sobre a colônia. Arquivo Nacional. Rio de Janeiro, p. 5-63.

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