Lisa Kleypas  MINHA A MEIA‐NOITE  Nº 1 Série Hathaways 

  Quando uma inesperada herança eleva a sua família à categoria da aristocracia,  Amélia Hathaway descobre que atender a suas irmãs menores e a seu rebelde irmão  era  fácil,  comparado  a  conduzir‐se  pelas  complexidades  da  Alta  Sociedade.  E  que  havia  algo  mais  provocador:  a  atração  que  sente  pelo  alto,  escuro  e  perigosamente  atrativo Cam Rohan.  Muito mais endinheirado do que a maioria dos homens sonham ser, Cam está  cansado  das  mesquinhas  restrições  da  sociedade  e  deseja  retornar  as  suas  “pouco  civilizadas”  raízes  ciganas.  Quando  a  deliciosa  Amélia  o  chama  lhe  pedindo  ajuda,  pensa lhe oferecer somente sua amizade… mas suas intenções não coincidem com o  desejo que os  deslumbra.  Poderá um homem que rechaça com desprezo a tradição,  cair na tentação desse consagrado acerto que é o matrimônio?   

 

   

Disponibilização: Ja   Revisão Inicial: Daniela   Revisão Final: Ja e Mariana    Comentário da Revisora Daniela: Quem não se lembra do Cam Rohan da série  Wallflowers? O cigano TDB que geria o Jenner´s?    Pois  é  minha  gente,  quem  gostou  das  Wallflowers,  vai  amar  os  Hathaways.  Neste 1º livro temos uma visão geral da famila, suas loucuras e os seus problemas.   O  Cam,  é  completamente  HOT  e  vai  levar  a  Amelia  a  loucura.  (Quem  a  pode  condenar, a mim tambem me levava kkkk).  Neste  livro  vamos  rever  algumas  personagens  da  Lisa  Keypas  que  adoramos  como Lorde Westcliff; Lillian Bowman; St Vincent e Evie.  Tenho a certeza que vocês vão adorar!!!    Comentário  da  revisora  Mariana:  Amei  a  história  desta  família  incomum!  E  como cabeça da família está nossa mocinha, uma irmã superprotetora que faz papel  de  mãe  e  tem  medo  de  encontrar  um  amor  pra  si.  Melhor  ainda  é  o  mocinho  se  convencendo de que ama ela e depois convencendo ela também. São cenas lindas e  emocionantes.  Agora  quero  conhecer  toda  a  família  e  suas  histórias  de  amor  e  superação! 

 

Capítulo 1    Londres 1848. Outono.    Encontrar  uma  pessoa  em  uma  cidade  de  quase  dois  milhões  era  uma  tarefa  formidável.  Ajudava  que  o  comportamento  dessa  pessoa  fosse  previsível  e  que  normalmente  o  pudessem  encontrar  em  um  botequim  ou  em  uma  loja  de  genebra.  Mesmo assim, não era fácil.  “Leo,  onde  está?”  pensava  a  senhorita  Amélia  Hathaway  desesperada,  enquanto as rodas da carruagem estalavam pela rua empedrada. O pobre, selvagem  e  problemático  Leo.  Algumas  pessoas,  frente  a  circunstâncias  intoleráveis,  simplesmente...  rompiam‐se.  Um  pouco  parecido  ao  que  tinha  ocorrido  ao  seu  anteriormente  elegante  e  responsável  irmão.  Neste  momento  ele  estava  provavelmente além de toda esperança de reparação.  — O encontraremos —disse Amélia, com uma segurança que não sentia. Olhou  ao  cigano  que  se  sentava  frente  a  ela.  Como  sempre,  Merripen  não  mostrava  nenhuma expressão.  Assumir que Merripen era um homem de emoções limitadas, era inegável. Era  tão  precavido  que,  de  fato,  ainda  depois  de  viver  com  a  família  Hathaway  durante  quinze anos, ainda não havia dito a ninguém seu nome de verdade. Conheciam‐lhe  só como Merripen desde que o tinham encontrado, maltratado e inconsciente, junto a  um riacho que atravessava sua propriedade.  Quando  Merripen  despertou  para  tirar  o  chapéu  rodeado  pelos  curiosos  Hathaway,  tinha  reagido  violentamente.  Tinham  sido  necessários  seus  esforços  combinados  para  lhe  manter  na  cama,  todos  eles  exclamando  que  pioraria  suas  feridas, que devia ficar quieto. O pai da Amélia tinha deduzido que o menino era o  sobrevivente  de  uma  caçada  de  ciganos;  uma  prática  brutal  segundo  a  qual  os  fazendeiros  locais  percorriam  a  cavalo  suas  propriedades  com  armas  e  paus  para  limpar os  acampamentos de ciganos.   

 

  —  O  moço  provavelmente  foi  abandonado  para  que  morresse  —  tinha  comentado  gravemente  o  senhor  Hathaway.  Como  cavalheiro  instruído  e  progressista,  desaprovava  qualquer  forma  de  violência  —  Temo  que  será  difícil  contatar com sua tribo. Provavelmente estarão bastante longe a estas alturas.  — Podemos ficar com ele papai? — A irmã menor de Amélia, Poppy, chorava  ansiosamente,  sem  dúvida  visualizando  ao  menino  selvagem  (que  lhe  mostrava  os  dentes como um lobo apanhado) como um divertido novo mascote.  O senhor Hathaway lhe havia sorrido.  —  Pode  ficar  tanto  tempo  quanto  queira.  Mas  duvido  que  fique  aqui  mais  de  uma  semana  ou  assim.  Os  ciganos  romanies  –  os  romani,  como  se  chamavam  a  si  mesmos – são gente nômade. Desagrada‐lhes permanecer embaixo de um teto muito  tempo. Faz‐lhes sentir encarcerados.  De  todas  as  formas,  Merripen  tinha  ficado.  Tinha  começado  como  um  moço  pequeno e bem mais magro. Mas com os cuidados apropriados e comidas regulares,  tinha  crescido  de  uma  forma  quase  alarmante,  até  converter‐se  em  um  homem  de  proporções  robustas  e  poderosas.  Era  difícil  dizer  exatamente  o  que  era  Merripen.  Não  era  em  realidade  um  membro  da  família,  nem  um  criado.  Embora  desempenhasse  diversas  tarefas  para  os  Hathaway,  como  condutor  e  homem  para  tudo;  também  comia  na  mesa  familiar  cada  vez  que  desejava;  e  ocupava  um  dormitório na parte principal da casa de campo.  Agora  que  Leo  se  perdeu  e  estava  possivelmente  em  perigo,  teria  que  pedir  a  Merripen que a ajudasse a encontrá‐lo.  Não  era  muito  correto  que  Amélia  viajasse  sozinha  em  companhia  de  um  homem  como  Merripen.  Mas  aos  vinte  e  seis  anos,  ela  se  considerava  além  de  qualquer necessidade de acompanhante.  —  Começaremos  por  eliminar  os  lugares  que  Leo  não  iria  —  disse  ela  —  As  Igrejas, os museus, os lugares culturais e as vizinhanças refinadas estão naturalmente  fora de consideração.  — Isso ainda nos deixa a maior parte da cidade — grunhiu Merripen. 

 

Merripen  não  gostava  de  Londres.  Em  sua  opinião,  o  funcionamento  da  chamada sociedade civilizada era imensamente  mais bárbaro  que algo que pudesse  ser encontrada na natureza. Se lhe dessem a escolher entre passar uma hora com uma  piara de javalis ou em uma sala de estar com companhia elegante, ele teria escolhido  aos porcos sem titubear.  — Provavelmente devêssemos começar com os botequins — continuou Amélia.  Merripen lhe dirigiu um olhar sombrio.  — Sabe quantos botequins há em Londres?  — Não, mas estou segura de que saberei quando acabar a noite.  —  Não  vamos  começar  com  os  botequins.  Iremos  aonde  é  provável  que  Leo  encontre mais problemas.  — E isso seria?  — Jennerʹs.  Jenner’s era um clube de jogo de má reputação onde os cavalheiros comportam‐ se  de  formas  pouco  cavalheirescas.  Originalmente  fundado  por  um  ex‐boxeador  chamado  Ivo  Jenner,  o  clube  trocou  de  mãos  a  sua  morte,  e  agora  o  possuía  seu  genro, Lorde St. Vincent. A maltratada reputação do St. Vincent só tinha realçado o  atrativo  do  clube.  Associar‐se  ao  Jenner’s  custava  uma  fortuna.  Naturalmente,  Leo  tinha insistido  em  associar‐se  imediatamente apesar de herdar seu título três meses  antes.  —  Se  tiver  intenção  de  beber  até  lhe  matar  —  lhe  havia  dito  Amélia  a  Leo  serenamente—, desejaria que o fizesse em um lugar mais acessível.  —  Mas  agora  sou  visconde  —  tinha  respondido  Leo  despreocupadamente  —  Tenho que fazê‐lo com estilo, ou o que dirá a gente?  — Que é um esbanjador e um parvo, e que um título tão antigo recaiu em um  macaco?  Isso tinha produzido um amplo sorriso de resposta na aparência agradável de  seu irmão. 

 

— Estou seguro de que a comparação é muito injusta para o macaco.  Cada vez mais fria por causa da crescente preocupação, Amélia pressionou seus  dedos  enluvados  sobre  a  superfície  dolorida  de  sua  frente.  Esta  não  era  a  primeira  vez que Leo tinha desaparecido, mas definitivamente era a mais longa.  — Nunca estive dentro de um clube de jogo. Será uma nova experiência.  —  Não a deixarão  entrar. Você é uma  dama.  E  embora  eles o  permitissem, eu  não.  Baixando a mão, Amélia o olhou com surpresa. Era estranho que Merripen lhe  proibisse alguma coisa. De fato, esta podia ser a primeira vez. Encontrou‐o irritante.  Já que a vida de seu irmão podia estar em jogo, ela não ia deter‐se em amenidades  como as sutilezas sociais. Além disso, sentia curiosidade por ver como era o interior  do  exclusivo  refúgio  masculino.  Já  que estava  condenada  a  ficar  para  vestir  Santos,  bem podia desfrutar das pequenas liberdades que isso suportava.  — Tampouco lhe deixarão entrar — assinalou—, é um ROM.  — Ocorre que o gerente do clube também é um ROM.  Isso era incomum. Extraordinário, inclusive. Os ciganos tinham fama de ladrões  e enganadores. Que um ROM fora o encarregado da contabilidade e os créditos, sem  mencionar o arbitrar as controvérsias nas mesas de jogo, era um motivo de assombro.  — Deve ser um indivíduo do mais que notável para ter assumido tal posição —  disse Amélia — Muito bem, permitirei‐te me acompanhar ao interior do Jenner’s. É  possível que sua presença o induza a ser mais aberto.  — Obrigado.  A voz do Merripen foi tão seca que podia ter acendido um fósforo com ela.  Amélia  guardou  um  estratégico  silêncio  enquanto  ele  conduzia  o  carro  de  quatro  portas  coberto  entre  a  aglomeração  de  atrações,  lojas,  e  teatros  da  cidade.  A  carruagem  estalava  e  ricocheteava  com  desenvoltura  ao  longo  das  largas  ruas,  passando  a  frente  de  formosos  blocos  adornados  com  colunas  e  pulcros  sebes,  e  edifícios  de  estilo  georgiano.  À  medida  que  as  ruas  se  voltavam  mais  luxuosas,  as  paredes de tijolo davam lugar ao estuque, o qual logo deu lugar à pedra. 

 

A paisagem do West End não era familiar a Amélia. Apesar da proximidade de  seu  povo,  os  Hathaway  não  se  aventuravam  frequentemente  a  ir  à  cidade,  e  certamente não a esta zona. Inclusive agora com sua recente herança, era pouco o que  podiam permitir‐se aqui.  Olhando  ao  Merripen,  Amélia  se  perguntava  por  que  ele  parecia  saber  exatamente onde foram, quando não estava mais familiarizado com a cidade que ela.  Mas Merripen tinha instinto para encontrar seu Caminho onde fora.  Giraram em King Street, que resplandecia por causa da luz que despediam os  abajures de gás. Era ruidosa e estava lotada, congestionada por veículos e grupos de  pedestres  se  encaminhando  para  os  entretenimentos  noturnos.  O  céu  era  de  um  vermelho opaco, como a luz que conseguia penetrar através da névoa causada pela  fumaça  do  carvão.  As  silhuetas  dos  telhados  dos  edifícios  elegantes  rompiam  o  horizonte, uma fileira de formas escuras projetando‐se como os dentes das bruxas.  Merripen  guiou  o  cavalo  para  um  estreito  beco  de  estábulos,  detrás  de  um  grande edifício com a fachada de pedra. Jenner’s. O estômago da Amélia se contraiu.  Provavelmente  era  pedir  muito  encontrar  seu  irmão  aqui,  no  primeiro  lugar  onde  olhavam.  — Merripen? — Sua voz era tensa.  — Sim?  —  Provavelmente  deveria  saber  que  se  meu  irmão  não  conseguiu  matar‐se  ainda, penso disparar contra ele quando o encontrarmos.  — Darei‐te a pistola.  Amélia sorriu e endireitou seu chapéu.  — Entremos. E recorda: falarei eu.  Um aroma inaceitável alagava o beco, um aroma de cidade, a animais, lixo e pó  de carvão. Em ausência de uma boa chuva, a porcaria se acumulava rapidamente nas  ruas e os regachos. Descendendo até o sujo chão, Amélia se separou de um salto do  Caminho dos ratos rangentes que corriam ao longo da parede do edifício. 

 

Enquanto  Merripen  entregava  as  rédeas  a  um  moço  de  quadra  dos  estábulos,  Amélia olhou para o final do beco.  Um par de jovens da rua se inclinava perto de um fogo diminuto, assando algo  em  umas pontas agudas. Amélia não quis  fazer  conjeturas  sobre  a natureza  do que  estavam  assando.  Sua  atenção  se  dirigiu  a  um  grupo,  três  homens  e  uma  mulher,  iluminado  por  uma  incerta  chama.  Parecia  que  dois  dos  homens  se  davam  de  murros.  Entretanto,  estavam  tão  embriagados  que  sua  briga  era  como  uma  atuação  de ursos bailarinos.  O  vestido  da  mulher  era  de  um  tecido  de  cores  gritantes,  o  sutiã  decotado  revelava as colinas gordinhas de seus seios. Parecia divertida pelo espetáculo de dois  homens brigando por ela, enquanto um terceiro tratava de acabar com a briga.  —  Já  vos  disse  antes,  meus  elegantes  machões  —  exclamou  a  mulher  com  acento  coquete—,  que  lhes  aceitaria aos dois, não  há nenhuma  necessidade de  uma  briga de galos!  — Fique atrás — exclamou Merripen.  Fazendo‐se  surda,  Amélia  se  aproximou  mais  para  ver  melhor.  Não  era  a  imagem da rixa o que resultava tão interessante, inclusive em seu pequeno, e pacífico  povoado,  Primrose  Agrada,  tinha  sua  ração  de  brigas  a  murros.  Todos  os  homens,  qualquer que fora sua situação, sucumbiam ocasionalmente a seus baixos instintos. O  que atraía a atenção da Amélia era o terceiro homem, o presumido pacificador, que  se lançou entre os estúpidos bêbados e tratou de acalmá‐los.  Ia  tão bem vestido  como os cavalheiros que tinha a cada lado... Mas resultava  óbvio  que  este  homem  não  era  um  cavalheiro.  Tinha  o  cabelo  negro  e  sua  pele  era  morena e exótica. E se movia com a graça veloz de um gato, evitando facilmente os  golpes e as estocadas de seus adversários.  —  Senhores  —  dizia  em  um  tom  razoável,  soava  depravado  inclusive  quando  bloqueou  um  murro  com  seu  antebraço—  Temo  que  ambos  de  devem  deter  agora,  ou me verei obrigado a… — se interrompeu e se inclinou a um lado ao tempo que o  homem que tinha dava um salto.  A prostituta gorjeou ante a imagem. 

 

— Têm‐lhe dando saltos esta noite, Rohan — exclamou.  Esquivando outro golpe, Rohan tratou de convencê‐los de novo.  —  Senhores,  certamente  sabem  que  —  se  agachou  sob  o  arco  veloz  de  um  punho— a violência —bloqueou um gancho de direita— nunca soluciona nada.  — Sodomita! — disse um dos homens, e investiu para frente como uma cabra  enlouquecida.  Rohan  saltou  a  um  lado  e  lhe  fez  arremeter  diretamente  contra  a  parede.  O  assaltante sofreu um colapso com um gemido e caiu sem fôlego ao chão.  A  reação  de  seu  adversário  foi  singularmente  ingrata.  Em  lugar  de  lhe  dar  as  graças ao homem moreno por deter a briga, grunhiu:  —  Maldito  seja  por  interferir,  Rohan!  —  Carregou  para  frente  batendo  os  punhos como sinais de multiplicação de moinho.  Rohan evitou um gancho de esquerda e lhe lançou habilmente ao chão. Saltou  por cima da figura tombada, limpando a frente com a manga.  —  Teve  o  bastante?  —  perguntou  amavelmente  —  Sim?  Bem.  Por  favor,  me  permita lhe ajudar a levantar‐se, milord. — Enquanto Rohan atirava do homem para  cima,  olhou  para  a  soleira  de  uma  das  portas  do  clube,  onde  aguardava  um  empregado  —  Dawson,  escolte  a  Lorde  Latimer  até  sua  carruagem.  Eu  levarei  a  Lorde Selway.  — Não é necessário — disse o aristocrata, que acabava de ficar em pé, e parecia  sem  fôlego  —  Posso  Caminhar  até  minha  maldita  carruagem  —  Atirando  de  suas  roupas  para  recolocá‐las  sobre  sua  volumosa  figura,  lançou  ao  homem  moreno  um  olhar ansioso — Rohan, me dá sua palavra.  — Sim, milord?  — Se soubesse uma palavra disto, se Lady Selway descobrisse que briguei pelos  favores de uma prostituta, minha vida não valeria um quarto de peni.  Rohan respondeu com reconfortante calma.  — Ela nunca saberá, milord. 

 

— Ela sabe tudo — disse Selway— Está aliada com o diabo. Se lhe perguntarem  alguma vez por esta pequena briga...  —  Deveu‐se  a  uma  partida  de  whist  particularmente  encarniçada  —  foi  a  insípida resposta.  — Sim. Sim. Bom homem. — Selway aplaudiu ao homem mais jovem no ombro  —  E  para  selar  seu  silêncio…  —  levou  uma  mão  musculosa  a  seu  colete  e  extraiu  uma pequena bolsa.  — Não, milord.  Rohan  deu  um  passo  atrás  com  uma  sacudida  firme  de  sua  cabeça,  seu  brilhante cabelo negro voou com o movimento e o retirou a seu lugar.  — Meu silêncio não tem preço.  — Tome — insistiu o aristocrata.  — Não posso, milord.  — É seu. — Lançou a bolsa de moedas ao chão, aterrissando aos pés do Rohan  com um ruído metálico — Aí está. Se escolhe deixá‐lo na rua ou não é sua decisão.  Enquanto o cavalheiro partia, Rohan cravou os olhos na bolsa como se fosse um  roedor morto.  — Não a quero — resmungou para ninguém em particular.  —  Eu  a  agarrarei  —  disse  a  prostituta,  adiantando‐se.  Recolheu  a  bolsa  e  a  sopesou. Um sorriso de brincadeira cruzou seu rosto — Nossa, nunca vi a um cigano  que tivesse escrúpulos.  — Não os tenho — disse Rohan rudemente — Mas não a necessito.  Suspirando, esfregou a nuca com uma mão.  Ela  riu  dele  e  deslizou  um  olhar  abertamente  apreciativo  sobre  sua  magra  figura.  — Odeio agarrar algo por nada. Que tal uma pequena cavalgada no beco antes  que volte para o Bradshawʹs? 

 

— Agradeço a oferta — disse ele educadamente—, mas não.  Em um quase divertido encolhimento de ombros, ela elevou um ombro.  — Menos trabalho para mim, então. Boa noite.  Rohan respondeu com uma breve inclinação de cabeça, parecia contemplar uma  mancha  do  chão  com  muita  concentração.  Estava  muito  quieto,  parecia  escutar  algum som quase imperceptível. Subindo uma mão até sua nuca de novo, esfregou‐a  para apaziguar uma pontada. Lentamente se girou e olhou diretamente para Amelia.  Uma  pequena  sacudida  a  transpassou  quando  se  cruzaram  seus  olhares.  Embora  estivessem  a  várias  jardas  de  distância,  ela  sentiu  a  força  completa  de  sua  advertência.  Sua  expressão  não  estava  atenuada  por  calor  ou  bondade.  De  fato,  parecia  desumano, como se muito  tempo  atrás tivesse  descoberto  que  o mundo  era  um lugar desagradável e tivesse decidido aceitá‐lo em seus próprios temos.  Enquanto seu olhar se deslizava sobre ela, Amelia soube exatamente o que via:  uma mulher vestida com roupa cômoda e sapatos práticos. Ela tinha a pele clara e o  cabelo  escuro,  de  altura  média,  com  as  rosadas  bochechas  comuns  a  todos  os  Hathaway.  Sua  figura  era  robusta  e  voluptuosa,  mesmo  que  a  moda  era  ser  magra  como um junco, pálida e frágil.  Sem  vaidade,  Amelia  sabia  que  embora  não  era  uma  grande  beleza,  era  o  suficientemente  atrativa  para  ter  apanhado  um  marido.  Mas  tinha  arriscado  seu  coração  uma  vez,  com  consequências  desastrosas.  Tinha  pouca  vontade  de  tentá‐lo  de novo. E Deus sabia que estava bastante ocupada tratando de dirigir ao resto dos  Hathaway.  Rohan apartou a vista dela. Sem uma palavra ou uma inclinação de cabeça em  sinal  de  aceitação,  caminhou  para  a  entrada  traseira  do  clube.  Seu  caminhar  era  pausado,  como  se  estivesse  concedendo‐se  tempo  para  pensar  em  algo.  Havia  uma  facilidade distintiva em seus movimentos. Suas pernadas eram tão regulares como se  fluísse sobre a água.  Amelia alcançou a soleira ao mesmo tempo que ele.  — Senhor, senhor Rohan, suponho que você é o gerente do clube. 

 

Rohan  se  deteve  e  enfrentou  ela.  Estavam  de  pé  o  suficientemente  perto  para  que Amelia detectasse o aroma masculino do esforço excessivo e a pele quente. Seu  colete desabotoado, feito de luxuoso brocado cinza, pendurava aberto aos lados para  revelar uma Camisa branca de fino linho debaixo. Enquanto Rohan voltava a abotoar  o  colete,  Amelia  distinguiu  vários  anéis  de  ouro  em  seus  dedos.  Uma  onda  de  nervosismo a percorreu, deixando um calor pouco familiar a seu passo. Notava seu  espartilho muito apertado, o decote de pescoço alto a constrangia.  Precipitadamente,  resignou‐se  a  cravar  os  olhos  diretamente  nele.  Era  ainda  jovem,  ainda  não  teria  trinta,  com  o  semblante  de  um  anjo  exótico.  Esta  cara  definitivamente se criou para o pecado... A boca ameaçadora, a mandíbula angulosa,  os  olhos  de  um  dourado  avelã  sombreados  por  largas  pestanas.  Seu  cabelo  necessitava  um  corte,  os  cachos  negros  se  curvavam  ligeiramente  sobre  a  nuca.  A  garganta  da  Amelia  se  fechou  com  um  rápido  ofego,  quando  viu  o  brilho  de  um  diamante em sua orelha.  Concedeu‐lhe uma meticulosa reverência.  — Às suas ordens, senhorita...  —  Hathaway  —  precisou  ela.  Começou  a  assinalar  a  seu  companheiro,  que  se  tinha ficado a sua esquerda — E este é meu companheiro, Merripen.  Rohan o olhou com alarme.  — A palavra cigana para ”vida” e também para “morte”.  Era isso o que o nome do Merripen queria dizer? Amelia, assombrada, olhou‐o.  Merripen fez um leve encolhimento de ombros para indicar que não importava. Ela  se voltou para o Rohan.  — Senhor, viemos para lhe fazer uma pergunta ou duas referente a…  — Eu não gosto das perguntas.  —  Ando  procurando  a  meu  irmão,  Lorde  Ramsay  —  continuou  ela  tenazmente—, e necessito desesperadamente qualquer informação que você possa ter  respeito a seu paradeiro.  — Não o diria embora soubesse. 

 

Seu acento era uma mescla sutil de estrangeiro e cockney, e inclusive um toque  de classe alta. Era a voz de um homem que alternava com um sortido incomum de  pessoas.  —  Asseguro‐lhe,  senhor,  que  não  me  poria  mesma  ou  a  qualquer  outro  em  problemas, se não fora absolutamente necessário. Mas é o terceiro dia desde que meu  irmão desapareceu…  — Não é meu problema.  Rohan se voltou para a porta.  — Tende a juntar‐se com más companhias…  — É uma desgraça.  — Pode estar morto a estas alturas.  — Não posso ajudá‐la. Desejo‐lhe sorte em sua busca.  Rohan  abriu  a  porta  e  começou a  entrar  no  clube,  deteve‐se  quando  Merripen  falou em romaní.  Desde  que  Merripen  estava  com  os  Hathaway,  só  tinha  havido  umas  poucas  ocasiões em que Amelia lhe tivesse ouvido falar o idioma secreto dos ROM. Era um  som  pagão,  repleto  de  consonantes  e  vocais  intermináveis,  mas  havia  uma  música  primitiva na forma em que se ensamblavam as palavras.  Cravando  os  olhos  no  Merripen,  Rohan  apoiou  o  ombro  contra  o  marco  da  porta.  — O antigo idioma — disse — Faz anos que não o ouvia. Quem é o patriarca de  seu clã?  — Não tenho clã.  Transcorreu  uma  larga  pausa,  enquanto  Merripen  permanecia  inescrutável  frente ao olhar do Rohan.  Os olhos cor avelã se estreitaram.  — Entre. Verei o que posso averiguar. 

 

Foram  introduzidos  no  clube  sem  demoras,  Rohan  indicou  a  um  empregado  que  lhes  mostrasse  uma  sala  privada  escada  acima.  Amelia  ouviu  o  zumbido  de  vozes,  e  música  procedentes  de  alguma  parte,  e  o  ruído  de  passos  de  um  lado  a  outro. Esta era uma concorrida colmeia masculina proibida para alguém como ela.  O  empregado,  um  jovem  com  acento  da  parte  leste  de  Londres  e  maneiras  cuidadosas, os fez  passar a  um  quarto bem mobiliado e lhes pediu que esperassem  ali até que Rohan retornasse. Merripen foi até uma janela que dava para King Street.  Amelia estava surpreendida pelo cometido luxo que a rodeava: o tapete cozido  à mão era feito de sombras azuis e natas, os painéis eram de madeira e o mobiliário  estofado em veludo.  — Tem muito bom gosto — comentou ela, tirando o chapéu e colocando‐o em  uma  mesita  de  mogno  com  as  patas  em  forma  de  garra  —  Por  alguma  razão  tinha  esperado algo um pouco... bom, grosseiro.  — Jenner’s é algo mais que o típico estabelecimento. Faz‐se passar por um clube  de  cavalheiros,  quando  seu  verdadeiro  propósito  é  oferecer  a  maior  variedade  de  apostas de Londres.  Amelia  foi  até  uma  estante  de  livros  e  inspecionou  os  volumes  enquanto  perguntava ociosamente:  —  Por  que  acha  que  o  senhor  Rohan  resistiu  a  agarrar  o  dinheiro  de  Lorde  Selway?  Merripen lhe dirigiu um olhar sardônico sobre o ombro.  — Já sabe o que sentem os ROM sobre as posses materiais.  —  Sim,  sei  que  a  sua  gente  não  gosta  dos  estorvos.  Mas  pelo  que  vi,  os  ROM  raras vezes rechaçam aceitar umas moedas em troca de um serviço.  — É algo mais que não querer ter estorvos. Para um xale estar nesta posição…  — O que é um xale?  — Um filho de ROM. Para um xale vestir roupas finas, ficar embaixo de um teto  muito  tempo,  conseguir  recompensa  financeira...  é  abafadiço.  Dá‐lhes  vergonha.  É  contrário a sua natureza. 

 

Estava tão sério e seguro de si mesmo, que Amelia não pôde resistir a burlar‐se  um pouco.  — E qual é sua desculpa, Merripen? Ficou sob o teto dos Hathaway durante um  tempo terrivelmente longo.  — Isso é diferente. Em primeiro lugar, não ganho nada vivendo com vocês.  Amelia riu.  —  Por  outro...  —  A  voz  do  Merripen  se  suavizou  —  Devo  minha  vida  a  sua  família.  Amelia sentiu uma quebra de onda de afeto quando cravou seus olhos em seu  perfil inquebrável.  — Que desmancha‐prazeres — disse ela em voz baixa — Tento me burlar de ti,  e  arruína  o  momento  com  sinceridade.  Sabe  que  não  está  obrigado  a  ficar,  querido  amigo. Pagou sua dívida conosco mais de mil vezes.  Merripen negou com a cabeça imediatamente.  — Seria como deixar um ninho de pintinhos com uma raposa.  —  Não  estamos  tão  indefesos  absolutamente  —  protestou  ela—  Sou  perfeitamente  capaz  de  me  ocupar  da  família...  e  também  de  Leo.  Quando  está  sóbrio.  — E quando é isso? — Seu tom ligeiro fez a pergunta ainda mais sarcástica.  Amelia  abriu  a  boca  para  discutir  a  questão,  mas  se  viu  forçada  a  fechá‐la.  Merripen  tinha  razão…  Leo  tinha  passado  os  últimos  seis  meses  em  um  estado  de  perpétua embriaguez. Colocou uma mão sobre o diafragma, onde a preocupação se  acumulou como um saco de chumbo. Pobre Leo… a aterrorizava a possibilidade de  não poder fazer nada por ele. Era impossível salvar a um homem que não queria ser  salvo.  No entanto, isso não lhe impediria de tentá‐lo. 

 

Passeou  pela  habitação,  muito  agitada  para  sentar‐se  e  esperar  serenamente.  Leo estava ali fora em alguma parte, precisando ser resgatado. E não havia forma de  saber quanto tempo lhes faria Rohan esperar ali o momento oportuno.  — Vou dar uma olhada — disse ela, encaminhando‐se à porta — Não irei longe.  Fique aqui, Merripen, no caso do senhor Rohan regressar.  Ouviu‐lhe resmungar algo em voz baixa. Ignorando sua petição, lhe pisava nos  calcanhares quando saiu ao vestíbulo.  — Isto não está bem — disse detrás dela.  Amelia não se deteve. As convenções não tinham poder sobre ela agora. “Esta é  minha  única  oportunidade  de  ver  o  interior  de  um  clube  de  jogo,  e  não  a  vou  desperdiçar”. Seguindo o som das vozes, aventurou‐se para uma galeria que rodeava  o segundo andar de um enorme e esplêndido salão.  Montões  de  homens  elegantemente  vestidos  se  reuniam  ao  redor  de  três  grandes mesas de jogo, observando o processo, enquanto os coupieres empregavam  restelos para recolher os jogo de dados e o dinheiro. Havia uma grande quantidade  de  conversações  e  gritos,  o  ar  rangia  de  excitação.  Os  empregados  atravessavam  o  salão de jogo, com algumas bandejas de comida e vinho, outros levando bandejas de  fichas e naipes novos.  Permanecendo  semioculta  atrás  de  uma  coluna,  Amelia  examinou  à  multidão  da galeria superior. Seu olhar se deteve no senhor Rohan, que vestia uma gravata e  um casaco negros. Embora estava vestido de modo semelhante aos sócios do clube,  distinguia‐se de outros como uma raposa entre as pombas.  Rohan  estava  meio  sentado,  meio  apoiado  contra  a  volumosa  escrivaninha  de  mogno  do  gerente  em  um  rincão  do  salão,  onde  se  dirigia  o  jogo.    Parecia  dar  indicações a um empregado. Usava um mínimo de gestos, mas mesmo assim, havia  um indício de talento para o espetáculo em seus movimentos, uma habilidade física  que saltava à vista.  E  então…  de  certa  forma...  a  intensidade  do  interesse  da  Amelia  pareceu  lhe  alcançar.  Elevou  a  mão  para  sua  nuca,  e  logo  a  olhou  diretamente.  Tal  como  tinha  feito  no  beco.  Amelia  sentiu  seus  batimentos  do  coração  por  todo  o  corpo,  nas  extremidades, as mãos e os pés e inclusive nos joelhos. Uma maré de rubor a alagou. 

 

Sentiu‐se imersa na culpabilidade, o calor e a surpresa, com o rosto aceso como o de  um  menino,  antes  que  finalmente  pudesse  apartar  seus  olhos  o  suficiente  para  esconder‐se detrás da coluna.  — O que acontece? — ouviu perguntar Merripen.  — Acredito que o senhor Rohan me viu. — Lhe escapou uma risada tremente  — OH, Deus querido. Espero que não lhe tenha incomodado. Voltemos para a sala.  E arriscando‐se a jogar um olhar rápido ocultando‐se depois da coluna, viu que  Rohan se foi.                            Capítulo 2    Cam se separou da escrivaninha cor mogno e abandonou o salão de apostas. E  como de costume, não pôde sair dali sem antes ser detido uma ou duas vezes… por 

 

um lanterninha, que lhe sussurrou que um tal lorde desejava aumentar seu crédito…  e também por um garçom que lhe perguntou se era seu trabalho encher o aparador  de refrescos em um dos salões de cartas. Respondeu a suas perguntas ausentemente,  já que sua mente estava ocupada na mulher que o esperava acima.  Essa  tarde  que  tinha  prometido  ser  rotineira,  estava  resultando  ser  bastante  peculiar.  Tinha passado muito tempo desde que uma mulher lhe tinha despertado tanto  interesse como o fazia Amelia Hathaway. Do momento em que a tinha visto de pé no  beco,  saudável  e  ruborizada,  com  sua  figura  voluptuosa  envolta  em  um  modesto  vestido,  não  tinha  deixado  de  desejá‐la.  Não  sabia  qual  era  a  razão  de  seu  desejo,  tendo em conta que ela era a encarnação de tudo o que detestava das inglesas.  Resultava óbvio que a senhorita Hathaway tinha uma segurança implacável em  sua própria habilidade para organizar e manipular tudo o que girava a seu redor. A  reação  habitual  de  Cam  era  fugir  em  direção  oposta  à  tomada  por  essa  classe  de  mulheres.  Mas  quando  olhou  fixamente  esses  olhos  azuis  tão  bonitos,  observando  como o cenho de determinação se franzia entre eles, havia sentido o maligno impulso  de  tomá‐la  e  levá‐la  longe,  a  qualquer  lugar,  e  lhe  fazer  coisas  selvagens.  Inclusive  um pouco incivilizadas.  Sem dúvida nenhuma, esses impulsos selvagens sempre tinham querido sair à  superfície. E este último ano tinha custado muito mais a Cam controlá‐los. Ficava de  mau humor, estranhamente impaciente e se desgostava por qualquer tolice. As coisas  que  antes  lhe  tinham  dado  prazer  já  não  o  satisfaziam.  O  pior  de  tudo,  era  que  atendia suas necessidades sexuais com tão pouco entusiasmo como lhe acontecia com  o resto de coisas nesses dias.  Encontrar  companhia  feminina  nunca  tinha  sido  um  problema,  Cam  tinha  encontrado a liberação nos braços de muitas mulheres desejosas e as tinha agradado  até as deixar ronronando de satisfação. Entretanto, não sentia nenhuma emoção real  ao fazê‐lo. Nenhuma excitação, nenhum fogo, só sentia um pouco parecido a cumprir  com uma função corporal rotineira como comer ou dormir. Cam estava preocupado  por todos os problemas que estava tendo e por isso tinha querido comentar com seu  patrão, Lorde St. Vincent. 

 

Este tinha sido uma vez um renomado libertino e agora era reconhecido como  um  marido  devoto,  por  isso  Cam  acreditava  que  St.  Vincent  devia  ter  muito  mais  conhecimento  que  qualquer  outro  homem  sobre  esses  assuntos.  Quando  Cam  lhe  perguntou se a diminuição dos desejos físicos era algo natural em um homem que se  aproximava dos trinta, St. Vincent se engasgou com a bebida.  — Bom Deus, não — disse o visconde, tossindo ligeiramente quando um pouco  de brandy lhe obstruiu na garganta. Tinham estado no escritório do gerente do clube,  revisando os livros de contabilidade desde as primeiras horas da manhã. St. Vincent  era  um  homem  bonito,  com  o  cabelo  cor  mel  e  os  olhos  azul  claros.  Alguns  afirmavam que tinha a constituição física e os rasgos mais perfeitos que se viram. A  aparência de um santo e a alma de um descarado.  —  Posso  perguntar  que  tipo  de  mulheres  tem  levado  para  a  Cama  ultimamente?  — O que quer dizer com o tipo? — perguntou Cam cautelosamente.  — Formosas ou singelas?  — Formosas, suponho.  — Bem, esse é seu problema — disse St. Vincent com um tom muito seguro—  As  mulheres  singelas  são  muito  mais  agradáveis.  Não  existe  um  afrodisíaco  mais  efetivo que a gratidão.  — Ainda assim, você se casou com uma mulher formosa.  Um sorriso lento curvou os lábios do St. Vincent.  —  As  esposas  são  um  assunto  totalmente  diferente.  Requerem  muito  esforço,  mas as recompensas são excepcionais. Recomendo muito as esposas. Especialmente a  uma como a minha.  Cam olhou fixamente a seu patrão um tanto molesto, já que tentar manter uma  conversação  séria  com  o  St.  Vincent,  frequentemente  lhe  enfurecia  a  afeição  do  visconde a convertê‐lo tudo em um exercício engenhoso. 

 

—  Compreendo,  milord  —  disse  ele,  laconicamente—  Sua  recomendação  para  acabar  com  minha  falta  de  desejo  é  que  comece  a  seduzir  mulheres  muito  pouco  atrativas?  Tomando uma pluma chapeada, St. Vincent encaixou a ponta distraidamente e  imitou o ato de mergulhá‐la em uma garrafa de tinta.  — Rohan, estou fazendo meu melhor esforço por entender qual é seu problema.  Entretanto, nunca experimentei essa falta de desejo. Teria que estar em meu leito de  morte para não querer, não, esquece‐o, estive em meu leito de morte recentemente, e  inclusive prostrado tive desejos pecaminosos com minha esposa.  — Felicitações —murmurou Cam, abandonando qualquer esperança de lhe tirar  uma  resposta  séria  a  esse  homem—  Deveríamos  nos  ocupar  dos  livros  de  contabilidade.  Esse  é  um  tema  de  discussão  muito  mais  importante  que  os  hábitos  sexuais.  St. Vincent fez uma careta e pôs a pluma de novo em seu sítio.  —  Não,  insisto  em  falar  sobre  os  hábitos  sexuais.  É  um  tema  muito  mais  entretido que o trabalho — relaxou na cadeira, com um gesto fingido de preguiça—  Tão discreto como é, Rohan, e ainda assim não pude evitar notar quão ardentemente  é  procurado.  Parece  que  é muito  solicitado  pelas  senhoras  de  toda  Londres.  E  tudo  indica que tomaste em demasia tudo o que te ofereceu.  Cam o olhou fixamente sem nenhuma expressão.  — Perdoe, mas aonde quer ir parar, milord?  Apoiando‐se  no  respaldo  da  cadeira,  St.  Vincent  fez  um  gesto  com  suas  elegantes mãos e assinalou Cam.  —  Já  que  não  tiveste  nenhum  problema  com  a  falta  de  desejo  no  passado,  só  posso  assumir  que,  como  passa  com  outros  apetites,  o  teu  se  saciou,  porque  está  cansado do mesmo. Talvez, um pouco de novidade possa solucionar seu problema.  Considerando essa declaração, que realmente tinha sentido, Cam se perguntou  se sua formação de notório libertino tinha‐o tentado a desviar‐se alguma vez. 

 

Tendo conhecido a Evie da infância, já que estava acostumado a visitar seu pai  viúvo no clube, Cam havia sentido a necessidade de protegê‐la como se fora sua irmã  pequena.  Ninguém  tivesse  tentado  emparelhar  a  gentil  Evie  com  este  libertino.  E  possivelmente  ninguém  tinha  estado  mais  surpreso  que  o  próprio  St.  Vincent  ao  descobrir  que  seu  matrimônio  de  conveniência  se  converteu  em  um  apaixonado  romance.  —  Como  é  a  vida  de  casados?  —  perguntou  Cam  brandamente—  Se  volta  aborrecida com o tempo por tanta abundância do mesmo?  A  expressão  do  St.  Vincent  trocou,  seus  olhos  azul  claro  se  esquentaram  ao  recordar a sua esposa.  — Ficou claro para mim, que com a mulher correta, nunca é suficiente. Darei as  boas  vindas  a  toda  a  abundância  que  me  pudesse  oferecer,  mas  duvido  muito  que  isso seja humanamente possível.  Ao dizer isso, fechou o livro de contabilidade com um golpe seco e se levantou  do escritório.  — Se me perdoar Rohan, desejarei‐te boa noite.  — E não terminaremos com a contabilidade?  — Deixarei o resto em suas capazes mãos — ante o cenho do Cam, St. Vincent  se  encolheu  de  ombros  inocentemente—  Rohan,  um  de  nós  é  um  homem  solteiro,  com habilidades matemáticas superiores e sem nenhum plano para passar o resto da  tarde. O outro é um reconhecido libertino, com uma complacente e desejável jovem  esposa  esperando‐o  em  casa.  Quem  acha  que  deve  terminar  a  condenada  contabilidade?  E com uma onda de indiferença, St. Vincent abandonou o escritório.  Essa  novidade  tinha  sido  a  recomendação  do  St.  Vincent.  Bem,  essa  palavra  poderia aplicar‐se perfeitamente à senhorita Hathaway. Cam sempre tinha preferido  às  mulheres  experimentadas  que  consideravam  a  sedução  como  um  jogo  e  sabiam  que  não  deviam  confundir  o  prazer  com  os  sentimentos.  Nunca  tinha  tentado  representar  o  papel  de  tutor  de  uma  inocente.  De  fato,  a  ideia  de  iniciar  a  uma  virgem resultava claramente molesta. Tudo seria pura dor para ela e logo caberia a 

 

possibilidade de ter que enfrentar suas lágrimas e arrependimentos. Encolheu‐se ante  essa  ideia.  Não,  com  a  senhorita  Hathaway  não  haveria  nenhuma  perseguição  em  busca de alguma novidade.  Acelerou o passo. Cam subiu os degraus até o quarto onde a mulher o esperava  com um véu que lhe obscurecia o rosto. Merripen era um nome cigano comum. Mas  o trabalho do homem era algo estranho para os de sua classe. Parecia como se fora o  servente  da  mulher  e  essa  era  uma  estranha  e  repugnante  situação  para  um  cigano  amante  da  liberdade.  Assim  ao  final,  Cam  e  Merripen  tinham  algo  em  comum.  Ambos  trabalhavam  para  os  gadjos  em  lugar  de  vagar  pela  terra  livremente,  como  tinha proclamado Deus.  Um cigano não podia estar encerrado e rodeado de paredes. Vivendo em caixas,  com  todos  os  quartos  fechados  e  as  casas  longe  do  céu,  o  vento,  o  sol  e  as  estrelas.  Respirando o rançoso aroma de comida. Pela primeira vez em anos, Cam sentiu uma  onda de pânico. Lutou por combatê‐la e se concentrou em encarregar‐se da peculiar  tarefa que o esperava no quarto de recepção.  Apertando o pescoço para relaxar‐se, empurrou um pouco a porta e entrou na  habitação.  A  senhorita  Hathaway  permanecia  perto  da  porta,  esperando  com  uma  impaciência logo dissimulada, enquanto Merripen seguia sendo uma escura presença  na esquina do quarto. Quando Cam se aproximou e observou seu rosto transtornado,  o  pânico  se  dissolveu  e  se  converteu  em  um  curioso  rubor.  Seus  olhos  azuis  se  empanaram  com  sombras  cor  lavanda  e  seus  suaves  lábios  permaneceram  firmemente apertados. Tinha o cabelo escuro e brilhante recolhido para trás em um  coque estirado.  Esse cabelo recolhido e sua modesta  e restritiva vestimenta advertiam que era  uma mulher inibida. Uma solteirona afetada. Mas nem sequer isso podia ocultar sua  radiante determinação. Era uma mulher… deliciosa. Queria desembrulhá‐la como se  fora  um  presente  muito  esperado.  Queria  tê‐la  vulnerável  e  nua  debaixo  dele,  lhe  inchar essa boca suave com beijos duros e profundos e fazer que seu pálido corpo se  ruborizasse pelo desejo. Sobressaltado pelo efeito que lhe produzia, Cam apagou sua  expressão enquanto a estudava. 

 

—  E  bem?  —  perguntou  Amelia,  claramente  ignorando  seus  verdadeiros  pensamentos.  Isso  era  algo  muito  positivo,  tendo  em  conta  que  se  soubesse  o  que  estava  pensando,  provavelmente  sairia  gritando  do  quarto  —  Tem  descoberto  algo  sobre o paradeiro de meu irmão?  — Sim.  — E?  — Lorde Ramsay veio muito cedo esta tarde, perdeu um pouco de dinheiro na  mesa de apostas…  — Graças a Deus que está vivo — exclamou Amelia.  — … e aparentemente decidiu consolar‐se visitando o bordel mais próximo.  — O bordel? — Lançou a Merripen um olhar furioso — Prometo Merripen, que  por  isso  morrerá  esta  noite  em  minhas  mãos  —  olhou  a  Cam  outra  vez  —  Quanto  perdeu na mesa de apostas?  — Quase quinhentas libras.  Seus olhos intensamente azuis se alargaram pelo ultraje.  — Morrerá muito devagar em minhas mãos. A que bordel foi?  — Ao Bradshaw.  Amelia alcançou seu chapéu.  — Vamos, Merripen. Busquemo‐lo nesse lugar.  Merripen e Cam responderam ao mesmo tempo:  — Não.  —  Quero  comprovar  com  meus  próprios  olhos  que  está  bem.  —  disse  serenamente  —  Duvido  muito  que  o  esteja  —  olhou  fixamente  a  Merripen  —  Não  vou retornar a casa sem Leo.  Uma  metade  dele  se  divertiu  e  a  outra  metade  se  alarmou  por  sua  forte  determinação, Cam perguntou a Merripen: 

 

—  Estou  lidando  com  alguém  obstinado  ou  com  uma  idiota,  ou  com  alguém  que se comporta com alguma combinação das duas?  Amelia lhe respondeu antes que Merripen tivesse oportunidade.  —  Posso  lhe  assegurar  que  sou  muito  obstinada.  Mas  a  idiotice  pode  atribuir  completamente a meu irmão.  Dito isto, colocou o chapéu e atou as fitas debaixo do queixo.  Essas fitas cor cereja confundiram um pouco Cam. A frívola salpicadura de cor  vermelha no meio do seu sóbrio adorno não combinava. Isso o fascinou ainda mais e  por isso Cam se ouviu dizer:  —  Você  não  pode  ir  ao  Bradshaw.  Até  deixando  de  lado  as  questões  de  moralidade e segurança, nem sequer sabe onde infernos fica esse lugar.  Amelia não se ofendeu por sua grosseria.  — Assumo que seria questão de ir um por um a todos os estabelecimentos entre  este  e  Bradshaw.  Você  há  dito  que  esse  lugar  está  perto,  isso  significa  que  a  única  coisa  a  fazer  é  Caminhar  daqui  até  lá.  Adeus,  senhor  Rohan.  Agradeço  muito  sua  ajuda.  Cam se moveu para lhe bloquear o passo.  — Tudo o que conseguirá é ficar como uma néscia, senhorita Hathaway. Você  não  passará  da  porta  principal.  Um  bordel  como  Bradshaw  não  permite  que  qualquer estranho entre quando queira.  — A forma como tento trazer de volta a meu irmão, senhor, não é assunto seu.  Estava  certa.  Não  o  era.  Mas  Cam  não  se  divertiu  tanto  fazia  muito  tempo.  E  nenhuma  depravação  sexual,  nem  nenhuma  cortesã  experimentada,  nem  tampouco  um  quarto  cheio  de  mulheres  nuas,  poderiam  interessá‐lo  tanto  como  o  fazia  a  senhorita Amelia Hathaway e suas fitas vermelhas.  — Vou com vocês — disse.  Franziu o cenho e disse:  — Não, obrigado. 

 

— Insisto.  — Não necessito de seus serviços, senhor Rohan.  Cam  podia  pensar  nesses  momentos  em  muitos  serviços  que  a  maioria  das  mulheres considerariam um prazer que lhes proporcionasse.  —  Obviamente  será  benéfico  para  todos  que  você  encontre  Ramsay  para  que  abandone Londres o mais rápido possível. Considero que é meu dever cívico acelerar  sua partida.            Capítulo 3    Embora pudessem ter ido até ao bordel a pé, Amelia, Merripen e Rohan foram  ao  Bradshaw  na  velha  carruagem.  Detiveram‐se  frente  a  um  edifício  de  estilo  claramente  georgiano.  Para  a  Amelia,  cujas  fantasias  sobre  tais  lugares  roçavam  a  mais  horripilante  extravagância,  a  fachada  do  bordel  era  decepcionantemente  discreta.  —  Fique  dentro  da  carruagem  —  disse  Rohan—  Entrarei  e  perguntarei  pelo  paradeiro  do  Ramsay.  —  Dirigiu  ao  Merripen  um  duro  olhar  —  Não  deixe  à  senhorita Hathaway só nem um segundo. É perigoso a esta hora da noite.  —  Estamos  a  princípios  da  noite  —  Amelia  protestou  —  E  estamos  em  West  End,  em  meio  de  um  montão  de  cavalheiros  bem  vestidos.  Como  pode  ser  tão  perigoso?  — Vi a esses cavalheiros bem vestidos fazer coisas que fariam que chorasse se  as contasse. 

 

— Nunca choro — disse Amelia indignada.  O  sorriso  do  Rohan  foi  um  brilho  de  branco  no  escuro  interior  da  carruagem.  Abandonou  o  veículo  e  se  fundiu  na  noite  como  se  fora  parte  dela,  dissolvendo‐se  por completo, salvo pelo tênue brilho negro de seu cabelo e o brilho do diamante em  sua orelha.  Amelia o seguiu com o olhar, admirada. Como se podia classificar a um homem  assim? Não era um cavalheiro, nem um lorde, nem um operário comum, nem sequer  era  de  todo  um  cigano.  Sentiu  um  tremor  sob  seu  espartilho  quando  recordou  o  momento em que a ajudou a subir à carruagem. Levava luvas, mas a mão dele estava  nua, e ela havia sentido o calor e a força de seus dedos. E percebeu o brilho de uma  larga banda de ouro em seu polegar. Nunca tinha visto tal coisa antes.  — Merripen, o que quer dizer quando um homem leva um anel no polegar? É  um costume cigano?  Parecendo incômodo com a pergunta, Merripen olhou pela janela para a úmida  noite.  Um  grupo  de  jovens  passaram  junto  ao  veículo,  vestindo  elegantes  casacos  e  cartolas, rindo‐se entre eles. Um par deles se detiveram para falar com uma mulher  ostentosamente  vestida.  Com  o  cenho  franzido,  Merripen  respondeu  à  pergunta  de  Amelia.  — Significa independência e liberdade de consciência. Também um certo estado  de separação. Ao levá‐lo posto, recorda‐se a si mesmo que não pertence onde está.  — Por que quereria o senhor Rohan recordar a si mesmo tal coisa?  —  Porque  os  costumes  de  sua  classe  são  sedutoras.  —  disse  Merripen  misteriosamente — É difícil resistir.  — Por que deve resistir? Não vejo o que há tão terrível em viver em uma casa  adequada e obter um ingresso constante, e desfrutar de coisas como pratos bonitos e  cadeiras estofadas.  —  Gadji  —  murmurou  ele  com  resignação,  fazendo  com  que  Amelia  sorrisse  brevemente. Era a palavra para designar a uma mulher não cigana.  Recostou‐se contra o estragado respaldo estofado. 

 

—  Nunca  pensei  que  desejaria  tão  desesperadamente  encontrar  a  meu  irmão  dentro de uma casa de má reputação. Mas entre um bordel ou flutuando de barriga  para baixo no Tâmisa… — Se interrompeu e pressionou os nódulos de seus punhos  apertados contra os lábios.  — Não está morto — A voz do Merripen era suave e amável.  Amelia tentava com todas suas forças acreditar.   —  Devemos  levar  Leo  para  fora  de  Londres.  Estará  mais  seguro  no  Campo...  verdade?  Merripen  encolheu  os  ombros  sem  comprometer‐se,  seus  olhos  escuros  não  revelavam nenhum de seus pensamentos.  —  Há  muito  menos  atividades  que  fazer  no  Campo  —  assinalou  Amelia  —  E  definitivamente menos problemas nos que Leo possa meter‐se.  — Um homem que quer problemas pode encontrá‐los em qualquer sítio.  Depois  de  uns  minutos  de  insuportável  espera,  Rohan  retornou  ao  carro  de  quatro portas e abriu a porta de um puxão.  — Onde está? — exigiu Amelia quando o cigano subiu ao interior.  — Aqui não. Depois de que Lorde Ramsay subiu com uma das garotas e, er...  levou a cabo a transação... deixou o bordel.  — Onde foi? Perguntou…?  — Disse‐lhes que se ia a um botequim chamada o Inferno e o Cubo.  — Encantador — disse Amelia, concisa — Conhece o Caminho?  Sentando‐se a seu lado, Rohan olhou ao Merripen.  —  Siga  pelo  Saint  James  para  o  oeste,  vire  à  esquerda  depois  do  terceiro  cruzamento.  Merripen  sacudiu  as  rédeas,  e  a  carruagem  rodou  além  de  um  trio  de  prostitutas.  Amelia observou às mulheres com interesse não dissimulado. 

 

— Que jovens são — disse ela — Se tão somente alguma instituição de caridade  lhes ajudasse a encontrar um emprego respeitável.  —  A  maioria  dos  empregos  chamados  respeitáveis  são  igualmente  maus  —  respondeu Rohan.  Ela o olhou indignada.  —  Acredita  que  uma  mulher  estaria  melhor  trabalhando  como  prostituta  que  com um trabalho honesto que lhe permitisse viver com dignidade?  — Não disse isso. Minha opinião é que alguns patrões são muito mais brutais  que as alcoviteiras ou as donas do bordel. Os serventes têm que suportar toda classe  de abusos de seus amos, em particular as mulheres. E se acreditar que há dignidade  em  trabalhar  em  um  moinho  ou  uma  fábrica,  é  que  nunca  viu  a  uma  garota  que  perdeu  alguns  dedos  pela  palha  cortante  da  vassoura.  Ou  alguém  cujos  pulmões  estão tão congestionados por respirar a penugem e o pó em um moinho de cardado  que não viveria para passar os trinta anos.  Amelia  abriu  a  boca  para  responder,  logo  a  fechou  de  repente.  Por  mais  que  quisesse  continuar  o  debate,  as  mulheres  respeitáveis,  embora  fossem solteiras,  não  discutiam sobre a prostituição.  Adotou  uma  expressão  de  fria  indiferença  e  olhou  pela  janela.  Embora  não  dirigisse  o  olhar  para  o  Rohan,  sentiu  que  ele  a  observava.  Era  insuportavelmente  consciente dele. Ele não levava colônia ou pomada, mas havia algo tentador em seu  aroma, algo brumoso e fresco, como o aroma da floresta.  — Seu irmão herdou o título muito recentemente — disse Rohan.  — Sim.  —  Com  todo  respeito,  Lorde  Ramsay  não  parece  inteiramente  preparado  para  seu novo papel.  Amelia não pôde evitar um sorriso pesaroso.  — Nenhum de nós está. Foi um giro surpreendente de acontecimentos para os  Hathaway. Havia ao menos três homens na linha de sucessão para o título antes de  Leo.  Mas  todos  morreram  em  rápida  progressão,  por  diversas  causas.  Parece  que 

 

converter‐se  em  Lorde  Ramsay  provoca  morte.  E  a  este  passo,  meu  irmão  provavelmente não durará mais que seus predecessores.  — A gente nunca sabe o que o destino lhe tem guardado.  Voltando‐se para o Rohan, Amelia descobriu que a olhava com tal intensidade  que fez com que os batimentos de seu coração se acelerassem.  — Não acredito no destino — disse ela. — A gente dirige seu próprio destino.  Rohan sorriu.  — Todo mundo, inclusive os deuses, estão indefesos nas mãos do destino.  Amelia o olhou cética.  — Certamente você, trabalhando em um clube de jogo, sabe tudo a respeito da  probabilidade  e  as  possibilidades.  Quer  dizer,  que  racionalmente  não  pode  dar  crédito à sorte ou ao destino ou a algo desse tipo.  — Sei tudo a respeito da probabilidade e as possibilidades, — concordou Rohan  — No entanto, acredito na sorte — Sorriu com uma tranquila calidez em seus olhos  que  lhe  fez  perder  o  fôlego  —  Acredito  na  magia,  no  mistério  e  nos  sonhos  que  revelam  o  futuro.  E  acredito  que  algumas  coisas  estão  escritas  nas  estrelas...  ou  inclusive na palma da mão.  Amelia  estava  fascinada,  era  incapaz  de  apartar  a  vista  dele.  Era  um  homem  extraordinariamente  formoso,  sua  pele  era  escura  como  o  mel  de  trevo,  o  cabelo  negro lhe caía sobre a frente de um modo que fez que seus dedos se agitassem por  causa do impulso de retirá‐lo para trás.  — Você também acredita no destino? — perguntou ela a Merripen.  Uma larga vacilação.  — Sou um ROM — disse ele.  Isso queria dizer que sim.  — Meu Deus, Merripen. Sempre pensei que foi um homem sensato.  Rohan riu. 

 

— É sensato ter em conta a possibilidade, senhorita Hathaway. Só porque não  se possa ver ou sentir algo, não quer dizer que não possa existir.  —  Não  existe  essa  coisa  chamada  destino  —  insistiu  Amelia  —  Só  há  ação  e  consequência.  A carruagem começou a deter‐se, desta vez em um lugar muito mais opaco que  Saint  James  ou  King  Street.  Havia  uma  cervejaria  e  uma  pensão  de  três  peniques  a  um lado, e um botequim grande no outro. Os pedestres nesta rua tinham uma falsa  aparência  de  refinamento,  acotovelando‐se  com  vendedores  ambulantes,  ladrões  de  carteira, e mais prostitutas.  Uma  rixa  tinha  lugar  junto  à  soleira  do  botequim,  uma  mixórdia  de  braços,  pernas, chapéus voadores, garrafas e fortificações. Cada vez que havia uma briga, o  mais provável era que seu irmão a tivesse iniciado.  —  Merripen  —  disse  com  ansiedade  —,  você  sabe  como  é  Leo  quando  está  ofuscado. Provavelmente esteja em metade da briga. Se fosse tão amável…  Antes  inclusive  de  que  tivesse  terminado,  Merripen  fez  gesto  de  deixar  a  carruagem.  — Espera — disse Rohan — Será melhor que eu me encarregue.  Merripen lhe lançou um frio olhar.  — Dúvida de minha habilidade para lutar?  —  Isto  é  um  chiqueiro  de  Londres.  Estou  acostumado  ao  tipo  de  truques  que  utilizam.  Se…  —  Rohan  se  interrompeu  quando  Merripen  lhe  ignorou  e  saiu  da  carruagem  com  um  grunhido  áspero  —  Assim  seja  —  disse  Rohan,  saindo  da  carruagem e ficando a um lado para observar— O cortarão em rodelas como a uma  cavala em uma pescaria de Covent Garden.  Amelia saiu também do veículo.  — Merripen pode defender‐se bastante bem em uma briga, o asseguro.  Rohan baixou o olhar para ela, sombrio e felino.  — Estará mais segura dentro do veículo. 

 

— Tenho a você para me proteger, não? — assinalou ela.  —  Carinho  —  disse  ele  com  uma  suavidade  que  diminuiu  o  barulho  da  multidão — pode ser de mim de quem mais se deva proteger.  Sentiu  que  seu  coração  saltava  um  batimento.  Ele  manteve  o  olhar  em  seus  perplexos  olhos  com  um  interesse  que  provocou  que  os  dedos  de  seus  pés  se  encurvassem  dentro  de  seus  práticos  sapatos  de  couro.  Lutando  por  recuperar  a  compostura,  Amelia  apartou  a  vista.  Mas  permaneceu  agudamente  consciente  dele,  da  relaxada  vigilância  de  sua  postura,  do  desconhecido  impulsiono  perceptível  sob  as capas elegantes de sua roupa.  Observaram  enquanto  Merripen  atravessava  o  caos  de  homens  que  lutavam,  sorteando a alguns. Antes que tivesse passado meio minuto, arrastava a alguém sem  cerimônias, repartindo golpes habilmente com seu braço livre.  — É bom — disse Rohan com suave surpresa.  Amelia se sentiu alagada de alívio ao reconhecer a figura desarrumada de Leo.  — Oh, graças a Deus.  Seus  olhos  se  abriram  repentinamente,  entretanto,  quando  sentiu  um  toque  cortês  no  bordo  de  sua  mandíbula.  Os  dedos  do  Rohan  lhe  elevaram  o  rosto,  elevando  seu  queixo  com  o  polegar.  A  inesperada  intimidade  lhe  produziu  um  pequeno estremecimento. Seu flamejante olhar capturou o dela de novo.  —  Não  acredita  que  está  sendo  um  pouco  superprotetora,  perseguindo  a  seu  irmão já adulto por toda a Londres? Não está fazendo algo tão estranho. A maioria  dos cavalheiros em sua posição se comportaria igual.  —  Você  não  o  conhece  —  disse  Amelia,  soando  tremente  inclusive  a  seus  ouvidos.  Sabia  que  devia  apartar‐se  de  seus  quentes  dedos,  mas  seu  corpo  permaneceu  perversamente  imóvel,  absorvendo  o  prazer  de  seu  tato  —  Está  muito  longe  de  ser  um  comportamento  normal  nele.  Ele  tem  problemas.  Ele…  —  Se  interrompeu.  Rohan deixou que a suave gema de seu dedo seguisse o brilhante Caminho da  cinta do chapéu até o lugar onde se atava sob o queixo. 

 

— Que classe de problemas?  Amelia  se  separou  de  seu  toque  e  se  deu  a  volta  quando  Merripen  e  Leo  se  aproximavam  da  carruagem.  Uma  rajada  de  amor  e  angustiada  preocupação  a  alagou  ao  ver  seu  irmão.  Estava  muito  sujo,  maltratado,  e  sorria  sem  nenhum  arrependimento.  Alguém  que  não  conhecesse  Leo  suporia  que  não  lhe  importava  nada no mundo. Mas seus olhos, uma vez tão quentes, eram opacos e brumosos. Seu  corpo  anteriormente  esbelto  era  agora  pançudo,  e  a  porção  visível  de  seu  pescoço  estava  torcida.  Faltava  ainda  um  comprido  trecho  para  dizer  que  Leo  parecia  uma  ruína total, mas parecia decidido a acelerar o processo.  — Que extraordinário — disse Amelia casualmente — Ainda fica algo de ti. —  Tirando um lenço da manga, avançou um passo e lhe enxugou meigamente o suor e  uma mancha de sangue das bochechas. Notando seu olhar desfocado, disse — estou  aqui, querido.  — Ah. É você. — A cabeça de Leo flutuou como a de uma marionete. Olhou a  Merripen,  que  lhe  proporcionava  muito  mais  apoio  que  suas  próprias  pernas  —  Minha irmã, — disse ele — A mulher aterradora.  —  Antes  de  que  Merripen  te  meta  na  carruagem,  —  disse  Amelia  —  vai  vomitar, Leo?  —  Claro  que  não.  —  foi  a  decidida  resposta  —  Os  Hathaway  sempre  suportaram bem o licor.  Amelia  apartou  a  um  lado  os  cachos  castanhos  que  caíam  como  fios  de  linho  sobre seus olhos.  —  Seria  agradável  que  tentasse  suportar  um  pouco  menos  quantidade  no  futuro, querido.  — Ah, mas irmãzinha... — Quando Leo baixou o olhar até ela, viu um brilho de  seu  antigo  eu,  uma  faísca  em  seus  olhos  vazios,  e  logo  desapareceu  —  Tenho  uma  sede tremenda.  Amelia sentiu a pontada das lágrimas na extremidade dos olhos, saboreou o sal  no fundo de sua garganta. Tragando saliva, disse com voz firme: 

 

— Nos próximos dias, Leo, sua sede será saciada exclusivamente com água ou  chá. À carruagem com ele, Merripen.  Leo se girou para olhar ao homem que o mantinha em pé.  — Pelo amor de Deus, não vais deixar‐me sob sua custódia, verdade?  — Preferiria passar a ressaca aos cuidados de um carcereiro do Bow Street? —  perguntou Merripen cortesmente.  — Ele seria muito mais compassivo. — Resmungando, Leo subiu à carruagem  com ajuda de Merripen.  Amelia olhou Cam Rohan, cujo rosto se mostrava inescrutável.  —  Podemos  lhe  levar  de  retorno  ao  Jennerʹs,  senhor?  Estaremos  um  pouco  apertados na carruagem, mas acredito que podemos nos arrumar.  — Não, obrigado. — Rohan Caminhou lentamente rodeando a carruagem junto  a ela — Não está longe. Irei a pé.  — Não posso lhe deixar abandonado em um subúrbio de Londres.  Rohan  se  deteve  com  ela  atrás  da  carruagem,  onde  estavam  meio  ocultos  à  vista.  — Estarei bem. Os perigos da cidade não me dão medo. Esteja tranquila.  Rohan  elevou  seu  rosto  de  novo,  embalando  com  uma  mão  sua  mandíbula  enquanto a outra baixava até sua bochecha. Seu polegar a acariciou meigamente por  debaixo do olho esquerdo, e ela notou com surpresa um rastro de umidade ali.  — O vento me faz chorar — se ouviu dizer a si mesma, insegura.  — Não faz vento esta noite.  A  mão  permaneceu  em  sua  mandíbula,  a  banda  suave  do  anel  do  polegar  pressionava  contra  sua  pele.  Seu  coração  começou  a  pulsar  com  força  até  que  logo  que pôde ouvir através do rugido do sangue em seus ouvidos. O clamor do botequim  desapareceu, a escuridão se espessou a seu redor. Os dedos dele se deslizaram sobre  sua  garganta  com  adormecedora  delicadeza,  descobrindo  nervos  ocultos  e  acariciando com ternura. 

 

Seus  olhos  estavam  sobre  ela,  e  ela  viu  que  as  pupilas  de  cor  dourado  avelã  estavam bordeadas de negro.  — Senhorita Hathaway... Está realmente segura de que o destino não teve nada  que ver em nosso encontro de esta noite?  Ela não parecia poder respirar corretamente.  — B‐bastante segura.  Sua cabeça se inclinou.  — E com toda probabilidade alguma vez nos reuniremos de novo?  — Nunca.  Ele  era  muito  grande,  estava  muito  perto.  Nervosamente  Amelia  tratou  de  ordenar  suas  ideias,  mas  se  dispersavam  como  fósforos  esparramados...  e  logo  lhes  prendeu fogo quando seu fôlego tocou sua bochecha.  — Espero que esteja certa. Que Deus me ajude se alguma vez devo fazer frente  às consequências.  — Do que? — Sua voz era apenas perceptível.  — Disto — Sua mão se deslizou para sua nuca e sua boca cobriu a dela.  Amelia tinha sido beijada antes. Não fazia muito tempo, em realidade, por um  homem de quem tinha estado apaixonada. A dor de sua traição tinha produzido uma  ferida tão intensa, que tinha jurado que nunca mais permitiria que nenhum homem  se aproximasse de novo. Mas Cam Rohan não tinha pedido seu consentimento, nem  lhe tinha  dado nenhuma  oportunidade para protestar.  Esticou‐se e lhe pôs  as mãos  no  peito,  pressionando  contra  a  dura  superfície.  Ele  pareceu  notar  sua  objeção,  sua  boca era sutil e insistente. Um dos braços dele se deslizou a seu redor, esticando‐se  ligeiramente quando a atraiu contra os sólidos contornos de seu corpo.  Com cada fôlego ela aspirava seu intenso aroma, a doçura do sabão de cera de  abelhas, o  indício a  sal de  sua  pele. O poder flexível de seu  corpo  a rodeava,  e não  pôde  evitar  relaxar‐se  contra  ele,  lhe  permitir  sustentá‐la.  Mais  beijos,  começavam  um antes de que o outro terminasse, úmidas e íntimas carícias, pulsados secretos de  prazer e promessa. 

 

Com  suave  murmúrio  de  estranhas  palavras  derramadas  em  seus  ouvidos,  Rohan apartou sua boca da dela. Seus lábios vagaram ao longo da curva ruborizada  de  seu  pescoço,  atrasando‐se  nos  lugares  mais  vulneráveis.  Sentia  seu  corpo  inflamado sob a roupa, o espartilho lhe constrangia a desesperado dilatação de seus  pulmões.  Estremeceu‐se quando ele chegou a um lugar de deliciosas sensações e o tocou  com  a  ponta  da  língua.  Como  se  seu  sabor  fora  alguma  especiaria  exótica.  Suas  pulsações  disparavam  em  seus  seios,  seu  ventre  e  entre  suas  coxas.  Alagou‐a  um  desejo  atroz  por  apertar‐se  contra  ele,  queria  liberar‐se  das  capas  e  capas  de  tecido  sufocante que compunham sua saia. Ele era tão cuidadoso, tão suave…  A queda de uma garrafa ao chão a sacudiu da neblina.  — Não —ela ficou sem fôlego, agora lutava.  Rohan  a  soltou,  suas  mãos  a  estabilizaram  enquanto  tentava  recuperar  o  equilíbrio.  Amelia  se  voltou  cegamente  e  se  Cambaleou  para  a  porta  aberta  da  carruagem.  Em  todas  as  partes  em  que  a  havia  tocado,  seus  nervos  clamavam  desejando  mais.  Manteve  o  rosto  inclinado,  agradecida  de  que  seu  chapéu  a  ocultasse.  Desesperada  por  escapar,  Amelia  subiu  ao  degrau  da  carruagem.  Antes  que  pudesse entrar, entretanto, sentiu as mãos do Rohan em sua cintura. Ele a sujeitava  desde atrás, apanhando‐a o bastante perto para lhe sussurrar ao ouvido:  — Latcho drom.  A  despedida  cigana.  Amelia  a  reconheceu  entre  o  punhado  de  palavras  que  Merripen  tinha  ensinado  aos  Hathaway.  Um  íntimo  estremecimento  a  atravessou  quando  o  calor  de  seu  fôlego  lhe  alcançou  o  ouvido.  Não  queria,  não  podia  responder, só subiu à carruagem e apartou torpemente suas saias da porta aberta.  A porta se fechou com firmeza e o veículo arrancou quando o cavalo obedeceu  as  indicações  de  Merripen.  Os  dois  Hathaway  ocupavam  suas  respectivas  esquinas  do assento, um deles bêbado, a outra aturdida. Depois de um momento Amelia subiu  suas  trementes  mãos  para  desatar  o  chapéu,  e  descobriu  que  os  laços  penduravam  soltos. 

 

Um laço, em realidade. O outro...  Tirando o chapéu, Amelia o estudou com um cenho perplexo. Um dos laços de  seda vermelha tinha desaparecido exceto um resto diminuto no bordo interior.  Tinha sido cuidadosamente talhado.  Ele o tinha pegado.                                    Capítulo 4 

 

  Uma semana depois, os cinco irmãos Hathaway se transladaram de Londres a  seu novo lar no Hampshire. Apesar dos desafios que lhes aguardassem, Amelia tinha  a forte esperança de que sua nova condição lhes beneficiasse.  A  casa  no  Primrose  Agrada  tinha  muitas  lembranças.  As  coisas  nunca  tinham  sido iguais desde que os pais dos Hathaway tinham morrido: seu pai de uma doença  do  coração,  sua  mãe  de  pena  uns  meses  depois.  Parecia  que  as  paredes  tinham  absorvido  a  tristeza  da  família  até  que  esta  se  converteu  em  parte  da  pintura,  do  papel  e  da  madeira.  Amelia  não  podia  observar  o  centro  do  salão  principal  sem  recordar  a  sua  mãe  sentada  ali  com  seu  cesto  de  costura,  ou  visitar  o  jardim  sem  pensar em seu pai podando suas premiadas Rosas Apothecary.  Amelia sem nenhum remorso tinha vendido recentemente a casa, não por falta  de  sentimentalismo  mas  sim  por  excesso.  Muitas  emoções,  muita  nostalgia.  Além  disso  era  impossível  olhar  para  frente  quando  tudo  lhe  fazia  recordar  constantemente  essa  dolorosa  perda.  Seus  irmãos  não  tinham  formulado  uma  palavra de objeção à venda da casa. Nada importava a Leo, podiam lhe dizer que a  família tinha intenção de viver nas ruas, e teria dado as boas vindas às notícias com  um  indiferente  encolhimento  de  ombros.  Win,  a  seguinte  irmã  em  idade,  estava  muito fraca devido a uma prolongada enfermidade para protestar de alguma forma  das  decisões  de  Amelia.  Poppy  e  Beatrix,  ambas  ainda  adolescentes,  estavam  impacientes pela mudança.  No  que  concernia  a  Amelia,  a  herança  não  podia  ter  chegado  em  um  melhor  momento.  Embora  devia  admitir,  havia  algumas  dúvidas  referente  a  por  quanto  tempo poderiam os Hathaway reter o título.  O fato era que ninguém queria ser Lorde Ramsay. Para os três anteriores Lordes  Ramsay,  o  título  tinha  vindo  acompanhado  pelo  infortúnio  de  uma  estranha  enfermidade coroada por uma inoportuna morte. O que explicava, em parte, porque  os  parentes  longínquos  dos  Hathaway  tinham  estado  tão  felizes  de  ver  que  o  viscondado ia parar a Leo.  —  Obterei  dinheiro?  —  Tinha  sido  a  primeira  pergunta  de  Leo  quando  lhe  informou de sua ascensão à nobreza. 

 

A  resposta  tinha  sido  um  sim  com  limitações.  Leo  herdaria  um  imóvel  no  Hampshire  com  alguns  acres  e  uma  modesta  soma  anual  que  não  compensaria  o  custo de restaurá‐la.  —  Ainda  somos  pobres.  —  Havia  dito  Amelia  a  seu  irmão  depois  de  estudar  minuciosamente  a  carta  do  advogado  descrevendo  o  imóvel  e  seus  assuntos  —  O  imóvel é muito pequeno, os serventes e a maioria dos arrendatários se foram, a casa  se encontra em um estado lamentável, e o título aparentemente esta amaldiçoado. O  que  faz  da  herança  um  elefante  branco  para  dizer  pouco.  Entretanto,  temos  um  primo  longínquo  que  poderia  estar  talvez  na  linha  sucessória  antes  que  você,  podemos  tentar  entregar  tudo  a  ele.  Existe  uma  possibilidade  de  que  nosso  tatara‐ tatara‐tatara‐avô  não  tivesse  sido  legitimamente  reconhecido,  o  que  poderia  nos  permitir rechaçar o título em benefício a…  — Aceitarei o título. — Havia dito Leo decidido.  — Porque não acredita na maldição mais do que eu?  —  Porque  estou  tão  condenadamente  maldito,  que  outra  maldição  mais  não  importa muito.  Já que nunca antes tinham estado no condado do Hampshire, todos os irmãos  Hathaway — com exceção de Leo— estiraram o pescoço para desfrutar da paisagem.  Amelia  sorria  emocionada  a  suas  irmãs,  Poppy  e  Beatrix,  ambas  de  cabelos  escuros e olhos azuis; igual a ela, estavam cheias de bom ânimo. Seu olhar se dirigiu  por volta de Win e se manteve nesta durante um momento, tomando cuidadosa nota  de sua condição.  Win era diferente ao resto da prole Hathaway, era a única que tinha herdado o  pálido  cabelo  loiro  de  seu  pai  e  sua  natureza  introspectiva.  Era  tímida  e  tranquila,  suportava cada privação sem queixa. Quando a escarlatina tinha assolado o povo um  ano  antes,  Leo  e  Win  tinham  caído  gravemente  doentes.  Leo  se  tinha  recuperado  completamente,  mas  Win  tinha  estado  frágil  e  cansada  desde  então.  O  doutor  lhe  tinha  diagnosticado  debilidade  pulmonar,  causada  pela  febre,  que  afirmava  podia  não melhorar jamais.  Amelia  se  negava  a  aceitar  que  Win  seria  uma  inválida  para  sempre.  Não  importava o que fosse necessário, faria que Win voltasse a estar bem de novo. 

 

Era  difícil  imaginar  um  lugar  melhor  para  Win  e  o  resto  dos  Hathaway  que  Hampshire;  era  um  dos  mais  belos  condados  da  Inglaterra,  com  rios,  grandes  bosques,  prados,  e  terras  cheias de  viçosos  matagais.  O  condado  do  Ramsay  estava  situado  perto  do  Stony  Cross,  um  dos  maiores  condados.  Stony  Cross  exportava  gado, ovelhas, madeira, milho, uma grande variedade do queijo local, e mel de flores  silvestres…, em efeito, uma terra benta.  —  Pergunto‐me  por  que  o  imóvel  Ramsay  é  tão  improdutivo?  —  refletiu  Amelia  enquanto  a  carruagem  atravessava  exuberantes  pastagens  —  A  terra  em  Hampshire é tão fértil, a gente quase tem que tentar que não cresça nada ali.  —  Mas  nossa  terra  esta  maldita,  não  é  assim?  —  perguntou  Poppy  com  um  pouco de preocupação.  —  Não  —  Replicou  Amelia—  Não  o  terreno  em  si  mesmo.  Só  o  possuidor  do  título. Esse seria Leo.  — OH — Poppy se relaxou— Então tudo bem.  Leo  não  se  incomodou  em  responder,  só  se  encostou  na  esquina  do  assento,  com  aspecto  mal‐humorado.  Embora  uma  semana  de  sobriedade  forçosa  o  tinha  deixado  lúcido  e  perspicaz,  não  tinha  feito  nada  por  melhorar  seu  temperamento.  Com  o  Merripen  e  as  Hathaway  vigiando‐o  como  falcões,  não  tinha  tido  oportunidade de beber nada mais que água ou chá.  Durante  os  primeiros  dias,  Leo  tinha  sofrido  de  incontroláveis  tremores,  agitação e de uma abundante sede. Agora que o pior tinha passado, parecia‐se mais a  seu antigo eu. Mas poucas pessoas acreditariam que Leo era um homem de vinte e  oito anos. O último ano o tinha envelhecido prematuramente.  Quanto mais se aproximavam do Stony Cross, mais formosa era a paisagem, até  que  pareceu  que  quase  toda  a  vista  era  merecedora  de  ser  retratada.  O  trajeto  da  carruagem  passava  por  ordenadas,  brancas  e  escuras  casitas  de  Campo  com  tetos  feitos de palha, celeiros e lagos rodeados com salgueiros chorões, antigas Igrejas de  pedra  datadas  da  Idade  Média.  Os  tordos  roubavam  os  amadurecidos  bagos  das  sebes,  enquanto  os  astutos  se  posavam  em  espinheiros  florescendo.  Os  prados  estavam  cheios  com  açafrão  outonal,  e  as  árvores  revestidas  com  tons  dourados  e  avermelhados. Rechonchas ovelhas brancas pastavam nos Campos. 

 

Poppy tomou um profundo e satisfeito fôlego.  —  Que  refrescante  —  disse  —  Me  pergunto  o  que  faz  que  o  ar  desta  região  cheire tão diferente?  — Poderia ser a granja de porcos que acabamos de passar — murmurou Leo.  Beatrix,  que  tinha  estado  lendo  um  folheto  descritivo  do  sul  da  Inglaterra,  exclamou alegremente:  — Hampshire é conhecido por seus excepcionais porcos. São alimentados com  bolotas e ramos de trufas do bosque, isso faz que o toucinho seja mais delicioso. E há  um concurso anual de enchidos!  Leo fixou nela seu azedo olhar.  — Esplendido. Certamente espero que não nos tenhamos perdido isso.  Win, que tinha estado lendo um livro grosso sobre Hampshire e seus arredores,  comentou:  — A história da Casa Ramsay é impressionante.  — Nossa casa está em um livro de história? — perguntou Beatrix encantada.  — É só um pequeno parágrafo — disse Win desde atrás do livro —, mas sim,  menciona‐se  a  Casa  Ramsay.  É  óbvio,  não  é  nada  comparado  com  nosso  vizinho,  o  Conde  do  Weastcliff,  cujo  imóvel  figura  como  uma  das  casas  de  Campo  mais  elegantes da Inglaterra. E a família do conde residiu ali há quase quinhentos anos.   — Então, deve ser terrivelmente velho — comentou Poppy com cara séria.  Beatrix riu dissimuladamente.  — Continua Win.  —  A  Casa  Ramsay  —  leu  Win  em  voz  alta  —,  localiza‐se  em  um  pequeno  parque povoado com majestosos carvalhos, talheres de musgo, e rodeado de reservas  de pastos para cervos. Originalmente foi uma casa senhorial Isabelina terminada em  1594,  o  edifício  ostenta  muitas  galerias  representativas  do  período.  As  alterações  e  adições à casa deram como resultado o aplique de uma sala de baile Jacobina e uma  asa Georgiana. 

 

— Temos um salão de baile! — exclamou Poppy.  — Temos servos! — disse Beatrix alegremente.  Leo se encolheu mais profundamente em sua esquina.  — Deus, espero que tenhamos uma privada.  Era  cedo  na  tarde  quando  o  chofer  de  aluguel  girou  a  carruagem  pelo  atalho  privado que levava ao Ramsay House. Cansados pela comprida viajem, os Hathaway  gritaram aliviados ante a vista da casa, com as silhuetas de seus tetos e chaminés de  tijolo.  —  Pergunto‐me  como  lhe  terá  ido  ao  Merripen  —  disse  Win,  com  seus  doces  olhos azuis cheios de preocupação. Merripen, o criado, o cozinheiro e o lacaio tinham  viajado para a casa dois dias antes para prepará‐la para a chegada dos Hathaway.  —  Sem  dúvida  alguma  esteve  trabalhando  incessantemente  dia  e  noite  — replicou  Amelia  —,  fazendo  inventário,  colocando‐o  tudo  em  seu  sítio,  e  dando  ordens  a  gente  que  não  se  atreve  a  desobedecê‐lo.  Estou  segura  que  está  bastante  feliz.  Win sorriu. Inclusive pálida e gasta como estava, sua beleza era incandescente,  seu cabelo louro dourado brilhava à luz minguante, sua tez parecia de porcelana. A  linha de seu perfil teria enviado a poetas e pintores ao êxtase. Quase que se sentiam  tentados  a  tocá‐la  para  assegurar‐se  de  que  respirava,  um  ser  vivo  em  vez  de  uma  escultura.  A  carruagem  se  deteve  em  uma  casa  muito  maior  do  que  Amelia  tinha  esperado. Estava rodeada de sebes abandonadas,  e as  ervas  daninhas povoavam os  canteiros  de  flores.  Com  um  pouco  de  trabalho  de  jardinagem  e  uma  poda  considerável,  pensou,  seria  bonito.  O  edifício  era  encantadoramente  assimétrico,  o  exterior de tijolo e pedra, o telhado de piçarra, e abundantes janelas com os cristais  opacos.  O condutor do carro de aluguel se aproximou para colocar um degrau portátil e  ajudar  a  baixar  aos  passageiros  do  veículo.  Descendendo  do  carro  à  superfície  de  cascalho, Amelia viu como seus irmãos saíam da carruagem. 

 

—  A  casa  e  as  terras  estão  um  pouco  descuidadas  —  advertiu  —  Ninguém  viveu aqui durante muito tempo.  — Não posso imaginar por que — disse Leo.  —  É  muito  pitoresco  —  comentou  Win  alegremente.  A  viagem  de  Londres  a  tinha esgotado. A julgar pela queda de seus magros ombros e a maneira em que sua  pele  parecia  muito  enrijecida  sobre  suas  maçãs  do  rosto,  a  Win  ficavam  poucas  forças.  Quando sua irmã ia agarrar uma pequena mala que estava junto ao degrau da  carruagem, Amelia se apressou para frente e a recolheu.  — Eu levarei isto — lhe disse — Você não deve levantar um dedo. Entremos, e  procuremos um lugar para que descanse.  —  Estou  perfeitamente  bem  —  protestou  Win,  enquanto  todos  se  dirigiam  às  escadas dianteiras da casa.  O  vestíbulo  de  entrada  estava  revestido  com  painéis  que  uma  vez  tinham  estado  pintados  de  branco,  mas  agora  eram  marrons  pelo  passar  do  tempo.  Uma  magnífica  escada  curvada  de  pedra  ocupava  a  parte  posterior  do  vestíbulo,  sua  balaustrada de ferro forjado estava cheia de pó e teias de aranha. Amelia notou que  se  tentou  limpar  um  lance  da  balaustrada,  mas  evidentemente  o  processo  seria  laborioso.  Merripen emergiu de um corredor que saía do vestíbulo. Estava em mangas de  Camisa, sem lenço nem gravata, os botões superiores da Camisa abertos revelavam a  pele  bronzeada  brilhante  pela  transpiração.  Com  seu  cabelo  negro  caindo  sobre  a  frente,  e  seus  escuros  olhos  os  olhavam  sorridentes,  Merripen  oferecia  um  cru  atrativo.  — Chegaram com três horas de atraso com respeito ao horário — disse.  Rindo, Amelia se tirou um lenço da manga e o ofereceu.  — Em uma família com quatro irmãs, não há horário.  Limpando  o  pó  e  o  suor  do  rosto,  Merripen  jogou  uma  olhada  a  todos  os  Hathaways. Seu olhar se entreteve sobre Win durante mais tempo. 

 

Voltando  sua  atenção  a  Amelia,  Merripen  lhe  ofereceu  um  relatório  conciso.  Tinha  encontrado  a  duas  mulheres  e  um  menino  na  aldeia  para  ajudar  a  limpar  a  casa. Três dormitórios tinham deixado habitáveis até a data. A limpeza da cozinha e  da  estufa  tinha  levado  grande  quantidade  de  tempo,  e  a  cozinheira  estava  preparando a comida.  Merripen se interrompeu enquanto olhava por cima do ombro da Amelia. Sem  cerimônias a apartou para alcançar a Win em três pernadas.  Amelia viu o miúdo corpo de Win Cambalear‐se, e suas pestanas meio fechadas  quando se derrubou contra Merripen. Ele a agarrou facilmente e a levantou em seus  braços,  lhe  indicando  em  um  murmúrio  que  pusesse  a  cabeça  sobre  seu  ombro.  Embora  suas  maneiras  eram  tranquilas  e  impassíveis  como  sempre,  Amelia  se  surpreendeu pela forma possessiva em que sustentava a sua irmã.  —  A  viagem  foi  muito  para  ela  —  disse  Amelia  com  preocupação  —  Precisa  descansar.  A cara do Merripen era inexpressiva.  — Levarei‐a acima.  Win se revolveu e piscou.  —  Que  moléstia  —  disse  ofegando  —  Estava  ainda  de  pé,  sentia‐me  bem,  e  então  o  hall  de  entrada  pareceu  precipitar‐se  para  mim.  Sinto  muito.  Os  aborreço  com os desmaios.  —  Está  bem.  —  Amelia  lhe  dirigiu  um  sorriso  tranquilizador  —  Merripen  te  levará  a  Cama.  Isto  é…  —  fez  uma  pausa sentindo‐se  incômoda  a—  Ele  te  levará  a  seu dormitório.  —  Posso  ir  por  mim  mesma.  —  disse  Win  —  Me  enjoei  só  um  momento.  Merripen, me baixa.  — Não poderia dar nem o primeiro passo — disse, fazendo caso omisso de seus  protestos  enquanto  a  levava  em  braços  para  a  escada  de  pedra.  E  enquanto  Caminhava  com  ela,  a  pálida  mão  do  Win  se  elevou  lentamente  lhe  rodeando  o  pescoço. 

 

—  Beatrix,  vai  com  eles  —  Pediu‐lhe  rapidamente  Amelia,  lhe  entregando  a  mala — A Camisola de Win está aqui, pode ajudá‐la a trocar de roupa.  — Sim, é óbvio. — Beatrix se apressou para as escadas.  Abandonada no vestíbulo de entrada com Leo e Poppy, Amelia se deu a volta  em um lento círculo para ver tudo.  — O advogado mencionou que o imóvel se encontrava em mau estado — disse  — Acredito que a palavra mais exata seria “arruinada”. Pode ser restaurada, Leo?  Não fazia muito tempo, apesar de que parecia ter sido toda uma vida, Leo tinha  passado  dois  anos  estudando  arte  e  arquitetura  na  Grande  Escola  de  Belas artes  de  Paris. Também tinha trabalhado como pintor e desenhista para o renomado arquiteto  de  Londres,  Rowland  Tempere.  Leo  tinha  sido  considerado  um  aluno  excepcionalmente  prometedor,  e  inclusive  tinha  considerado  a  possibilidade  de  exercer. Agora toda essa ambição se extinguiu.  Leo jogou uma olhada ao redor do vestíbulo sem interesse.  — Deixando de lado qualquer reparação estrutural, necessitaríamos entre vinte  e cinco e trinta mil libras, pelo menos.  A cifra fez que Amelia empalidecesse. Baixou o olhar ao pavimento arranhado a  seus pés e esfregou as têmporas.  — Bom, uma coisa é evidente. Necessitamos a vantagem de uns sogros ricos. O  qual significa que deve começar a procurar herdeiras disponíveis, Leo. — Lançou um  rápido  olhar  brincalhão  a  sua  irmã  —  E  você,  Poppy,  terá  que  apanhar  a  um  visconde, ou pelo menos a um barão.  Seu irmão entrecerrou os olhos.  —  E por que não  você? Não vejo  razão pela qual tenha que ficar isenta  de  ter  que te casar pelo benefício da família.  Poppy dedicou a sua irmã um olhar travesso.  —  À  idade  da  Amelia,  as  mulheres  deixaram  atrás  as  ideias  de  romance  e  paixão. 

 

— Nunca se sabe — disse Leo a Poppy— Poderia apanhar a um cavalheiro de  avançada idade que necessite uma enfermeira.  Amelia esteve tentada de lhes espetar a ambos com a áspera observação de que  ela já se apaixonou uma vez, e que cuidaria de não repetir a experiência. Tinha sido  perseguida  e  cortejada  pelo  melhor  amigo  de  Leo,  um  encantador  jovem  arquiteto  chamado  Christopher  Frost,  que,  igual  a  Leo,  tinha  sido  desenhista  do  Rowland  Tempere. Mas o dia que tinha chegado a acreditar que estava próxima uma proposta,  Frost  tinha  terminado  a  relação  com  brutalidade.  Descobriu  que  tinha  profundos  sentimentos  para  outra  mulher,  que  convenientemente  acabou  por  ser  a  filha  de  Rowland Tempere.  Era  o  que  podia  esperar  de  um  arquiteto,  havia‐lhe  dito  Leo  com  grande  remorso,  ultrajado  em  nome  de  sua  irmã,  triste  pela  perda  de  um  amigo.  Os  arquitetos habitavam um mundo cheio de  professores e discípulos e a interminável  busca de patrocinadores. Tudo, inclusive o amor, era sacrificado no altar da ambição.  Atuar  de  outra  maneira  era  perder  as  poucas  preciosas  oportunidades  que  alguém  podia  ter  para  praticar  a  arte  do  desenho.  Casar‐se  com  a  filha  de  Tempere  proporcionaria a Christopher Frost um lugar no negócio. Amelia jamais teria podido  fazer isso por ele.  Tudo o que teria podido fazer era lhe amar.  Tragando  a  amargura,  Amelia  olhou  a  seu  irmão  e  lhe  dedicou  um  triste  sorriso.  —  Obrigada,  mas  nesta  avançada  etapa  da  vida,  não  tenho  ambições  de  me  casar.  Leo a surpreendeu inclinando‐se para roçar sua frente com um ligeiro beijo. Sua  voz foi suave e amável.  — Seja como for, acredito que algum dia encontrará um homem pelo qual valha  a pena renunciar a sua independência. — Sorriu amplamente antes de acrescentar —  Apesar de sua avançada e decrépita idade.  Por um momento a mente da Amelia lhe trouxe novamente a lembrança de um  beijo  entre  as  sombras,  uma  boca  consumindo  lentamente  a  sua,  gentis  mãos  masculinas, um sussurro em seu ouvido. Latcho Drom... 

 

Quando seu irmão se deu a volta para partir, perguntou com leve exasperação:  — Aonde vai? Leo, não pode ir quando há tanto por fazer.  Ele se deteve e olhou para trás com uma sobrancelha arqueada.  — Esteve vertendo chá sem açúcar em minha garganta durante vários dias. Se  não tiver objeção, eu gostaria de sair para dar uma mijada.  Ela entrecerrou os olhos.  —  Me  ocorrem  ao  menos  uma  dúzia  de  corteses  eufemismos  que  poderia  ter  utilizado.  Leo continuou seu Caminho.  — Eu não sei usar eufemismos.  — Ou cortesia — disse ela, esboçando um sorriso.  Quando Leo abandonou a habitação, Amelia cruzou os braços e suspirou.  —  É  muito  mais  agradável  quando  está  sóbrio.  Uma  pena  que  não  aconteça  mais frequentemente. Vem, Poppy, procuremos a cozinha.      Com a casa fedorenta e cheia de pó, a atmosfera era impossível para os pobres  pulmões  de  Win,  e  lhe  provocou  uma  incessante  tosse  durante  a  noite.  Depois  de  haver despertado inumeráveis vezes para dar água a sua irmã, para abrir as janelas, e  incorporá‐la  para mitigar os  espasmos da  tosse, Amelia  tinha os  olhos sonolentos  à  manhã seguinte.  —  É  como se dormisse em uma caixa  de pó. — disse  Merripen  — Hoje estará  melhor  sentada  fora,  até  que  possamos  limpar  sua  habitação  adequadamente.  Os  tapetes devem ser sacudidos. E as janelas estão sujas.  O resto da família ainda estava na cama, mas Merripen, como Amelia, era um  madrugador. Vestido com roupa gasta e uma Camisa com o pescoço aberto, franziu o  cenho quando Amelia lhe informou sobre o estado de Win. 

 

— Está esgotada de tossir toda a noite, e sua garganta está dolorida, mal pode  falar. Tratei que tome algum chá e torradas, mas não quer.  — Eu farei que tome.  Amelia  o  olhou  inexpressivamente.  Supunha  que  não  deveria  surpreender‐se  por  sua  afirmação.  Depois  de  tudo,  Merripen  tinha  ajudado  a  cuidar  de  Win  e  Leo  durante  a  escarlatina.  Sem  ele,  Amelia  estava  segura,  nenhum  dos  dois  teria  sobrevivido.  — Enquanto isso — continuou Merripen — faz uma lista dos fornecimentos que  necessita do povo. Vou esta manhã.  Amelia assentiu, agradecida por sua sólida e confiável presença.  — Acordo Leo? Talvez ele pudesse ajudar…  — Não.  Ela  sorriu  ironicamente,  muito  consciente  de  que  seu  irmão  seria  mais  um  estorvo que uma ajuda.  Dirigindo‐se ao piso de abaixo, Amelia procurou a ajuda do Freddie, o moço da  aldeia,  para  transladar  um  antigo  sofá  à  parte  traseira  da  casa.  Situaram  os  móveis  em  um  terraço  pavimentada  de  tijolo  que  se  abria  sobre  um  jardim  afogado  pelas  ervas  aninhas  e  rodeado  por  sebes.  O  jardim  necessitava  novas  sementes  e  replantação,  e  os  muros  baixos  que  se  estavam  desmoronando  teriam  que  ser  reparados.  —  Há  trabalho  por  fazer,  senhora  —  comentou  Freddie,  inclinando‐se  para  arrancar uma má erva de entre dois tijolos do pavimento.  —  Freddie,  acredito  que  ficaste  mais  crescido.  —  Amelia  contemplou  o  moço,  quem por seu aspecto teria ao redor de treze anos. Era robusto e de cara corada, com  um cabelo selvagem — Você gosta da jardinagem? — perguntou ela— Sabe muito do  tema?  — Cuido a horta da cozinha de minha mamãe.  — Você gostaria de ser o jardineiro de Lorde Ramsay? 

 

— Quanto pagam, senhorita?  — Dois xelins à semana são suficientes?  Freddie a olhou pensativamente e arranhando seu nariz chato.  — Soa bem. Mas terá que perguntar a minha mamãe.  — Me diga onde vive e irei a visitar esta mesma manhã.  — Está bem. Não fica longe, na parte mais próxima do povo.  Estreitaram  as  mãos  em  sinal  de  acordo,  conversaram  um  momento  mais,  e  Freddie foi inspecionar o abrigo do jardineiro.  Amelia se voltou ante o som de vozes, viu o Merripen tirando sua irmã. Win ia  vestida  com  Camisola  e  bata,  e  envolta  em  um  xale,  com  seus  magros  braços  enlaçados ao redor do pescoço do Merripen. Com suas vestimentas brancas, o cabelo  loiro e a pele branca, Win era quase incolor à exceção das manchas de cor rosa suave  de suas maçãs do rosto e o vívido azul de seus olhos.  —...Essa foi a medicina mais horrível — dizia alegremente.  —  Funcionou  —  assinalou  Merripen,  flexionando‐se  para  colocá‐la  cuidadosamente sobre o sofá.  — Isso não significa que te perdoe por me haver intimidado para que tomasse.  — Foi para seu próprio bem.  — É um abusador — repetiu Win, sorrindo para seu moreno rosto.  — Sim, sei — murmurou Merripen, colocando a manta ao redor do regaço dela  com supremo cuidado.  Encantada pela melhoria de sua irmã, Amelia sorriu.  —  É  realmente  terrível.  Mas  se  consegue  persuadir  a  mais  aldeãos  para  que  ajudem a limpar a casa, terá que lhe perdoar, Win.  Os olhos azuis de Win brilharam. Falava com a Amelia, enquanto seu olhar se  mantinha no Merripen. 

 

— Tenho plena confiança em seus poderes de persuasão.  Vindo  de  qualquer  outra  pessoa,  as  palavras  poderiam  ter  sido  interpretadas  como um pequeno flerte. Mas Amelia estava bastante segura de que Win não tinha  consciência  do  Merripen  como  homem.  Para  ela  era  um  irmão  maior  amável,  nada  mais. Os sentimentos por parte do Merripen, entretanto, eram mais ambíguos.  Uma curiosa gralha cinza bateu as asas até o chão com uns poucos “chas, chas”,  e deu um salto tentativo para o Win.  — Sinto‐o — disse ao pássaro —, não há comida para compartilhar.  Uma nova voz entrou na conversação.  — Sim, aqui está! — disse Beatrix, levando uma bandeja de café da manhã que  continha um prato de pão torrado e uma taça de chá. Seu escuro cabelo encaracolado  estava  recolhido  em  um  coque  desordenado,  e  levava  um  avental  branco  sobre  seu  vestido de cor arroxeado.  Sua vestimenta é muito juvenil para uma moça de quinze anos, pensou Amelia.  Beatrix  estava  já  em  uma  idade  em  que  deveria  usar  saias  até  o  chão.  E  um  espartilho,  que  o  céu  a  ajudasse.  Mas  com  o  agitado  que  tinha  sido  o  último  ano,  Amelia não tinha prestado muita atenção ao vestuário de sua irmã mais jovem. Tinha  que levar ao Beatrix e Poppy a uma costureira que tivesse alguns vestidos novos já  feitos.  Adicionando  isso  à  larga  lista  de  gastos  em  sua  cabeça,  Amelia  franziu  o  cenho.  — Aqui está seu café da manhã, Win. — disse Beatrix, colocando a bandeja em  seu  regaço  —  Te  encontra  o  suficientemente  bem  para  lubrificar  a  manteiga  na  torrada você mesma, ou o faço eu?  — Eu posso, obrigada. — Win moveu os pés e fez um gesto a Beatrix para que  se sentasse no outro extremo do sofá.  Beatrix obedeceu com prontidão.  —  Vou  ler  para  ti  enquanto  esteja  sentada  aqui  fora.  —  informou  a  Win  alargando  a  mão  por  volta  de  um  dos  enormes  bolsos  de  seu  avental.  Tirou  um  pequeno livro e o balançou tentadoramente — Este livro me deu Philomena Parsons, 

 

minha melhor amiga em todo o mundo. Ela diz que é uma aterradora história cheia  de crimes, horrores e fantasmas vingativos. Não soa encantador?  —  Eu  pensava  que  sua  melhor  amiga  no  mundo  era  Edwina  Huddersneld  — disse Win com um tom inquisitivo.  — OH, não, isso foi há semanas. Edwina e eu nem sequer nos falamos agora. —  Encostando‐se  comodamente  em  sua  esquina,  Beatrix  dirigiu  a  sua  irmã  maior  um  olhar  perplexo  —  Win?  Tem  uma  expressão  estranha  na  cara.  Passa  algo?  —  Win  tinha ficado congelada enquanto se levava a taça de chá aos lábios, seus olhos azuis  arredondados com alarme.  Seguindo o olhar fixo de sua irmã, Amelia viu um pequeno réptil deslizando‐se  até  o  ombro  de  Beatrix.  Um  forte  grito  escapou  de  seus  lábios,  e  avançou  com  as  mãos levantadas.  Beatrix se olhou o ombro.  — OH, maldição supõe‐se que tinha que permanecer em meu bolso. — Agarrou  a  coisa  que  se  movia  em  seu  ombro  e  a  acariciou  com  cuidado  —  É  um  lagarto  de  areia pintalgado — disse — Não é adorável? Encontrei‐o em minha habitação ontem  à noite.  Amelia baixou as mãos e ficou muda olhando a sua irmã menor.  — Fez dele sua mascote? — Perguntou fracamente Win — Beatrix, querida, não  te parece que seria mais feliz no bosque a que pertence?  Beatrix a olhou indignada.  — Com todos esses predadores? Spot não duraria um minuto.  Amelia recuperou a voz.  —  Não  durará  um  minuto  comigo  tampouco.  Desfaz‐te  dele,  B,  ou  o  vou  esmagar com o objeto contundente mais próximo que possa encontrar.  — Assassinaria meu mascote?  — Eu não assassino lagartos, B. Extermino‐os. — Exasperada, Amelia se voltou  para  o  Merripen  —  Encontra  a  algumas  mulheres  para  limpar  no  povo,  Merripen. 

 

Deus  sabe  quantas  criaturas  indesejáveis  se  estarão  ocultando  na  casa.  Sem  contar  com Leo.  Merripen desapareceu imediatamente.  —  Spot  é  a  mascote  perfeita.  —  argumentou  Beatrix  —  Não  rói,  e  já  está  acostumado a viver dentro de casa.  — Não estou disposta a ter mascotes com escamas.  Beatrix a olhou fixamente com rebeldia.  — O lagarto de areia é uma espécie nativa do Hampshire, o qual significa que  Spot tem mais direito a estar aqui que nós.  —  Entretanto,  não  compartilharemos  o  mesmo  teto.  —  Afastando‐se  antes  de  dizer  algo  que  lamentaria  mais  tarde,  Amelia  se  perguntou  por  que,  quando  havia  tanto  por  fazer,  Beatrix  se  mostrava  tão  problemática.  Mas  um  sorriso  elevou  seus  lábios  quando  refletiu  que  aos  quinze  anos,  as  garotas  não  escolhem  ser  problemáticas. Simplesmente o são.  Levantando  as  saias  para  as  separar  das  pernas,  Amelia  se  dirigiu  para  a  magnífica  escada  central.  Posto  que  não  receberiam  convidados  nem  atenderiam  chamadas,  tinha  decidido  não  ter  posto  o  espartilho  esse  dia.  Era  uma  maravilhosa  sensação  respirar  tão  profundamente  como  desejasse  e  mover‐se  livremente  pela  casa.  Cheia de determinação, golpeou a porta de Leo.  — Acorda, dorminhoco!  Uma enxurrada de palavras grosseiras se filtrou através dos pesados painéis de  carvalho.  Sorrindo amplamente, Amelia entrou na habitação de Poppy. Abriu as cortinas,  liberando nuvens de pó que a fizeram espirrar.  — Poppy, é... achtoo!... hora de levantar‐se da Cama.  A colcha cobria completamente Poppy até a cabeça.  — Ainda não —lhe chegou seu amortecido protesto. 

 

Sentada no bordo do colchão, Amelia retirou a colcha de cima de sua irmã de  dezenove anos. Poppy estava sonolenta e ruborizada pelo sonho, sua bochecha tinha  uma linha impressa deixada por uma dobra da roupa de Cama. Seu cabelo castanho,  com um tom mais quente que o avermelhado da Amelia, era uma massa selvagem de  enredos.  — Odeio as manhãs — balbuciou Poppy— E estou segura de que eu não gosto  de ser despertada por alguém que parece tão cruelmente agradada por isso.  — Sinto muito. — Continuando com o sorriso, Amelia acariciou o cabelo de sua  irmã retirando‐o da cara repetidamente.  —  Mmmn  —  Poppy  manteve  os  olhos  fechados  —  Mamãe  fazia  isso.  É  agradável.  — De verdade? — Amelia pôs sua mão brandamente sobre a cabeça de Poppy  —  Querida,  vou  ao  povo  para  perguntar  à  mãe  do  Freddie  se  podemos  o  contratar  como jardineiro.  — Não é um pouco jovem?  — Não, em comparação com os outros candidatos para o posto.  — Não temos outros candidatos.  — Precisamente. — Foi para a mala de Poppy que estava no rincão, e agarrou o  chapéu que estava em cima — Posso pedir emprestado isso? O meu ainda não está  arrumado.  — É obvio, mas... vai agora?  — Não demorarei muito. Caminharei depressa.  — Você gostaria que fosse contigo?  —  Obrigada,  querida,  mas  não.  Vista‐se  e  tome  o  café  da  manhã,  e  vigia  atentamente Win. Neste momento está aos cuidados de Beatrix.  — OH. — Poppy aumentou os olhos — Me apressarei.   

 

                                      Capítulo 5    Era  um  dia  agradavelmente  fresco,  quase  espaçoso,  o  clima  sulino  era  mais  temperado  que  o  de  Londres.  Amelia  atravessou  vigorosamente  a  horta  frutífera,  mais  à  frente  do  jardim.  Os  ramos  das  árvores  estavam  carregados  com  grandes 

 

maçãs  verdes.  Havia  frutas  caídas  meio  comidas  pelos  cervos  e  outros  animais  que  estavam fermentadas e estragados.  Fazendo uma pausa para arrancar uma maçã de um ramo baixo, limpou‐a em  uma manga e lhe deu uma dentada. O sabor era intensamente ácido.  Uma abelha zumbiu a curta distância, e Amelia se voltou bruscamente para trás  com alarme. Sempre tinha tido terror às abelhas. Embora tivesse tratado de raciocinar  consigo mesma, não podia controlar o pânico que a invadia cada vez que uma dessas  malditas bestas estava pelos arredores.  Apressando‐se  a  sair  da  horta,  Amelia  seguiu  um  Caminho  superficial  que  a  levou  a  um  prado  molhado.  Apesar  do  atraso  da  estação,  tinha  pesados  leitos  de  agriões  que  floresciam  por  toda  parte.  Conhecido  como  ʺo  pão  dos  pobres,ʺ  as  delicadas folhas de picante sabor eram consumidas em molhos pelos aldeãos locais, e  se fazia de tudo com elas desde sopa até ao recheio do ganso. Recolheria algumas em  seu Caminho de volta, decidiu.  A rota mais curta até o povo era cruzando através de uma esquina da fazenda  de  Lorde  Westcliff.  Quando  Amelia  transpassou  o  limite  invisível  pôde  sentir  uma  mudança  na  atmosfera.  Caminhou  pelas  imediações  do  bosque,  muito  denso  para  que a luz do dia penetrasse na folhagem. A terra era exuberante, sigilosa, as velhas  árvores estavam ancoradas profundamente na terra escura e fértil. Tirando o chapéu,  Amelia o sujeitou pela asa e desfrutou da brisa contra sua cara.  Esta tinha sido a terra dos Westcliff durante gerações. Perguntou‐se que classes  de  pessoa  seria  o  conde  e  sua  família.  Terrivelmente  corretos  e  tradicionais,  supôs.  Não seria bem recebida a notícia de que a Fazenda Ramsay tinha chegado às mãos de  um montão de mal educados de sangue vermelho como os Hathaways.  Encontrando  um  Caminho  gasto  que  atravessava  o  bosque,  incomodou  a  um  par de chascos que bateram as asas com gorgojeos indignados. A vida abundava por  toda parte, incluindo as borboletas de umas cores quase antinaturais e escaravelhos  tão  brilhantes  como faíscas. Cuidando  de  seguir no  Caminho, Amelia se recolheu  a  saia para evitar arrastá‐la pelo chão do bosque.  Emergiu de um bosquezinho de aveleira e carvalho até um amplo Campo seco.  Estava  vazio.  E  ominosamente  quieto.  Nenhuma  voz,  nenhum  gorjeio  de  pássaros,  nenhum  zumbido  de  abelhas  ou  o  estalo  continuado  de  gafanhoto.  Algo  nisto  a 

 

encheu  da  instintiva  tensão  que  advertia  de  uma  ameaça  desconhecida.  Cautelosamente, começou a subir a suave inclinação do prado.  Alcançando  o  topo  de  uma  pequena  colina,  Amelia  fez  uma  pausa  ante  a  desconcertante vista do aparelho de imponente altura feito de metal. Parecia ser um  tobogã escorado sobre umas patas, inclinado em um ângulo pronunciado.  Sua atenção se viu atraída por uma comoção menor mais à frente do Caminho...  dois homens emergiram desde atrás de um refúgio de madeira pequeno... gritavam e  agitavam os braços para ela.  Amelia se precaveu instantaneamente de que se encontrava em perigo, até antes  de  reparar  no  fumegante  rastro  de  faíscas  em  movimento,  serpenteantes,  com  o  passar do chão para o tobogã de metal.  Uma mecha?  Embora não sabia muito de artefatos explosivos, era consciente de que uma vez  uma mecha se acendia, nada poderia fazê‐la parar. Atirando‐se sobre a erva morna  pelo  sol,  Amelia  se  cobriu  a  cabeça  com  os  braços,  esperando  ser  desfeita  em  pedaços.  Alguns  segundos  passaram,  e  deixou  escapar  um  grito  alarmado  quando  sentiu  que  um  corpo  grande  e  pesado  caía  sobre  ela...  não,  não  caia,  atirava‐se.  Cobriu‐a totalmente, afundando os joelhos no chão a cada lado das suas, formando  um refúgio com o corpo.  Ao  mesmo  tempo,  uma  explosão  ensurdecedora  perfurou  o  ar,  houve  um  violento assobio sobre suas cabeças, e uma sacudida atravessou a terra debaixo deles.  Muito  atordoada  para  mover‐se,  Amelia  lutou  por  recuperar  sua  consciência.  Seus  ouvidos estavam saturados de um zumbido agudo.  Seu  companheiro  ficou  imóvel  sobre  ela,  respirando  pesadamente  sobre  seu  cabelo.  O  ar  estava  carregado  de  fumaça,  mas  mesmo  assim,  Amelia  notou  uma  fragrância prazenteiramente masculina, a pele salgada e sabão, e uma essência íntima  que  não  podia  identificar  de  todo.  O  ruído  em  seus  ouvidos  se  desvaneceu.  Levantando‐se sobre os cotovelos, topou‐se com a sólida parede de um peito contra  suas  costas,  viu  umas  mangas  de  Camisa  arregaçadas  sobre  uns  antebraços  musculosos... e havia algo mais... 

 

Seus olhos se ampliaram ante a visão de um pequeno desenho, estilizadamente  tatuado  em  um  braço.  Uma  tatuagem  de  um  cavalo  negro  e  alado  com  olhos  de  enxofre.  Era  um  desenho  irlandês,  de  um  cavalo  de  pesadelo  chamado  pooka:  uma  malévola  criatura  mítica  que  falava  com  voz  humana  e  levava  às  pessoas  à  meia‐ noite.  Seu coração se deteve quando viu a pesada banda arredondada de um anel no  polegar.  Retorcendo‐se embaixo ele, Amelia tentou dar uma volta.  Uma mão forte se curvou ao redor de seu ombro, ajudando‐a. A voz foi baixa e  familiar.  —  Você  está  ferida?  Sinto  muito.  Estava  você  no  Caminho  de…  Deteve‐se  quando  Amelia  rodou  sobre  suas  costas.  Um  grampo  de  seu  cabelo  se  soltou,  deixando livre um estratégico cacho. Este caía ocultando sua cara, obscurecendo sua  visão.  Antes  de  poder  apartá‐lo,  ele  o  fez  por  ela,  e  as  pontas  de  seus  dedos  provocaram ondas de fogo líquido incendiário que percorreu todo o corpo.  — Você — disse ele brandamente.  Cam Rohan  Não  pode  ser,  pensou  ela  confusamente.  Aqui?  Em  Hampshire?  Mas  ali  estavam seus inconfundíveis olhos, entre dourado e avelã, e as espessas pestanas, o  cabelo  de  meia‐noite,  a  sórdida  boca.  E  o  brilho  pagão  de  um  diamante  em  sua  orelha.  Mostrava  uma  expressão  perturbada,  como  se  acabasse  de  recordar  algo  que  tivesse  querido  esquecer.  Mas  quando  posou  o  olhar  na  cara  desconcertada  de  Amelia,  sua  boca  se  curvou  um  pouco,  e  se  acomodou  no  berço  que  formava  seu  corpo com uma insolente familiaridade que lhe roubou o fôlego.  — Senhor Rohan… Como?… Por quê?… O que você está fazendo aqui?  Ele respondeu sem mover‐se, como se planejasse permanecer assim e conversar  todo  o  dia.  Seu  tom  imensamente  educado  era  um  inquietante  contraste  frente  à  intimidade de sua posição. 

 

—  Senhorita  Hathaway.  Que  encantadora  surpresa.  Como  verá,  visito  uns  amigos. E você?  — Vivo aqui.  — Não acredito. Esta é a fazenda de Lorde Westcliff.  O  coração  lhe  acelerou  no  peito  enquanto  seu  corpo  absorvia  os  detalhes  do  dele.  —  Não  queria  dizer  precisamente  aqui,  quis  dizer  por  ali,  ao  outro  lado  do  bosque. A fazenda Ramsay. Acabamos de nos estabelecer. — Parecia que não podia  deixar de conversar, consequência dos nervos e do medo Wheatears — O que foi esse  ruído? O que vocês estavam fazendo? Por que tem você essa tatuagem no braço? Isso  é um pooka, uma criatura irlandesa, não é certo?  Essa  última  pergunta  ganhou  um  olhar  atento.  Antes  que  Rohan  pudesse  responder,  os  outros  dois  homens  se  aproximaram.  Desde  sua  inclinada  posição,  Amelia teve uma vista de pés a cabeça deles. Como Rohan, levavam as mangas das  Camisas arregaçadas, com os coletes desabotoados.  Um deles tinha o porte de um cavalheiro velho e corpulento com umas mechas  de  cabelo  prateado.  Sujeitava  um  pequeno  sextante  de  madeira  e  metal,  que  tinha  sido  trespassado ao  redor de seu pescoço. O  outro,  de cabelo negro, parecia estar  a  finais  dos  trinta.  Não  era  tão  alto  como  Rohan,  mas  tinha  um  ar  misturado  de  autoridade e arrogância aristocrática.  Amelia fez um movimento indefeso, Rohan se levantou e afastou dela com uma  fluida agilidade. Ele a ajudou a levantar‐se, estabilizando‐a com seu braço.  — Como de longe chegou? — Perguntou Rohan aos homens.  —  Que  o  demônio  leve  a  esse  foguete  —  chegou  a  resposta  séria—  Em  que  condições está a mulher?  — Ilesa.  O cavalheiro de cabelo prateado comentou:  — Impressionante Rohan. Cobriu uma distância de cinquenta metros em menos  de cinco ou seis segundos. 

 

—  Dificilmente  perderia  a  oportunidade  de  me  equilibrar  sobre  o  regaço  de  uma formosa mulher — disse Rohan, fazendo que o homem maior rir abertamente.  A mão do Rohan percorreu as pequenas costas da Amelia, a ligeira pressão fez  que seu sangue fervesse em fogo lento.  Afastando‐se  de  seu  tato  que  a  distraía,  Amelia  levantou  as  mãos  para  acomodar a mecha vagabunda de cabelo, colocando‐lhe detrás da orelha.  — Por que estão disparando foguetes? E mais, por que estão disparando‐os em  minha propriedade?  O desconhecido que estava junto lhe lançou um olhar penetrante e avaliador.  — Sua propriedade?  Rohan interveio.  —  Lorde  Westcliff,  esta  é  a  senhorita  Amelia  Hathaway.  A  irmã  de  Lorde  Ramsay.  Franzindo o cenho, Westcliff executou uma reverência precisa.  — Senhorita Hathaway. Não estava informado de sua chegada. Se tivesse sido  consciente  de  sua  presença,  lhe  teria  notificado  de  nossos  experimentos  com  foguetes, como tenho feito com todos os outros na vizinhança.  Estava  claro  que  Westcliff  era  um  homem  que  esperava  ser  informado  a  respeito de tudo. Parecia molesto porque os novos vizinhos se atreveram a mudar‐se  a sua própria residência sem lhe avisar primeiro.  —  Chegamos  ontem  mesmo,  sua  Senhoria  —  respondeu  Amelia—  Tínhamos  intenção de lhe fazer uma visita depois de nos termos instalado. — Em circunstâncias  normais,  teria  deixado  as  coisas  assim.  Mas  estava  ainda  um  pouco  agitada,  e  não  pôde deter o fluxo de comentários que foi a sua boca — Bom. Devo dizer que no guia  não  avisavam  adequadamente  sobre  a  possibilidade  de  um  foguete  disparado  em  meio  das  pacíficas  paisagens  do  Hampshire.  —  Inclinou‐se  e  sacudiu  o  pó  e  os  pedacinhos  de  folha  obstinados  a  suas  saias  —  Estou  segura  que  não  conhecem  os  Hathaways o suficiente para nos disparar. Ainda. Quando cercarmos uma amizade,  entretanto, não duvido de que encontrarão boas razões para tirar a artilharia. 

 

Sobre sua cabeça, ouviu rir ao Rohan.  — Considerando nossos lucros em pontaria e precisão, não tem nada que temer,  senhorita Hathaway.  O cavalheiro do cabelo prateado falou então.  — Rohan, se não lhe importa averiguar onde aterrissou o foguete...  — É óbvio — Rohan partiu com uma simples pernada.  —  Um  tipo  ágil  —  disse  o  ancião  aprovadoramente  —  Rápido  como  um  leopardo. Sem mencionar firme de mãos e nervos. Miúdo sapador seria.  Apresentando‐se a  si mesmo como  Capitão Swansea,  dos  antigos Engenheiros  Reais,  o  ancião  cavalheiro  explicou  a  Amelia  que  era  um  entusiasta  do  desenvolvimento  e  a  utilização  de  foguetes,  cujo  estudo  científico  continuava  na  medida de sua capacidade civil. Como amigo de Lorde Westcliff, que compartilhava  seu interesse pela engenharia, Swansea tinha vindo ao Campo para experimentar um  novo  foguete,  onde  havia  suficiente  terreno  para  fazê‐lo.  Lorde  Westcliff  tinha  alistado  Cam  Rohan  para  lhe  ajudar  com  as  equações  de  voo  e  outros  cálculos  matemáticos necessários para avaliar o desempenho dos foguetes.  —  Bastante  extraordinária,  realmente,  sua  facilidade  com  os  números  —  disse  Swansea — Nunca o esperaria vendo seu aspecto.  Amelia  não  pôde  evitar  estar  de  acordo.  Em  sua  experiência  os  intelectuais  como seu pai eram homens pálidos que passavam grande parte de seu tempo dentro  de casa, tinham barrigas proeminentes, óculos e vestiam enrugadas roupas de tweed.  Não eram jovens exóticos que pareciam príncipes pagãos e levavam anéis de ouro e  tatuagens.  —  Senhorita  Hathaway  —  disse  Lorde  Westcliff  —,  que  eu  saiba,  não  houve  residentes  no  Ramsay  há  quase  uma  década.  Encontro  difícil  acreditar  que  a  casa  esteja habitável.  —  OH,  está  em  boas  condições  —  mentiu  Amelia  alegremente,  seu  orgulho  passou a primeiro plano — É óbvio, é preciso tirar um pouco de pó e umas poucas  reparações menores... Mas estamos bastante cômodos. 

 

Acreditou ter falado convincentemente, mas Westcliff parecia cético.  — Damos um grande jantar esta noite no Stony Cross Manor — disse — Traga  sua família. Será uma excelente oportunidade para que conheçam alguns residentes  locais, incluindo o vigário.  Um jantar com lorde e lady Westcliff. Que Deus a ajudasse.  A  família  Hathaway  poderia  estar  bem  descansada,  se  Leo  tivesse  avançado  algo  mais  pelo  Caminho  da  sobriedade,  se  todos  dispusessem  de  um  traje  formal  adequado, se tivessem tido tempo suficiente para estudar etiqueta... Amelia poderia  ter  considerado  aceitar  o  convite.  Mas  tal  e  como  estavam  as  coisas,  resultava  impossível.  —  É  muito  amável,  milord,  mas  devo  declinar.  Acabamos  de  chegar  ao  Hampshire, e a maior parte de nossa roupa está ainda empacotada...  — A ocasião é informal.  Amelia duvidava que sua definição de ʺinformalʺ se parecesse com a dela.  — Não é simplesmente questão de traje, milord. Uma de minhas irmãs está algo  fraco  e  seria  muito  cansativo  para  ela.  Necessita  grande  quantidade  de  descanso  depois da comprida viajem de Londres.  —  Amanhã  de  noite  então.  Será  uma  reunião  muito  mais  reduzida  e  absolutamente tranquila.  À  luz  de  sua  insistência,  não  havia  forma  de  negar‐se.  Amaldiçoando‐se  a  si  mesma por não ficar no Ramsay House essa manhã, Amelia se obrigou a sorrir.  — Muito bem, milord. Sua hospitalidade é muito apreciada.  Rohan voltou, com a respiração acelerada pelo esforço. Uma neblina de suor se  acumulou sobre sua pele fazendo que esta brilhasse como bronze.  — Um curso direto — disse a Westcliff e Swansea — As aletas estabilizadoras  funcionaram.  Aterrissou  a  uma  distância  de  aproximadamente  mil  e  oitocentos  metros.  — Excelente! — Exclamou Swansea — Mas onde está o foguete? 

 

Os brancos dentes do Rohan cintilaram em um sorriso.  —  Enterrado  em  um  profundo  e  fumegante  buraco.  Voltarei  a  desenterrá‐lo  mais tarde.  — Sim, queremos ver as condições do envoltório e o núcleo interno. — Swansea  tinha  a  cara  vermelha  de  satisfação.  Utilizou  um  lenço  para  limpar  seu  suarento  e  enrugado semblante — Foi uma manhã excitante, né?  — Talvez seja hora de voltar para a mansão, capitão — sugeriu Westcliff.  — Sim, é óbvio. — Swansea se inclinou para a Amelia — Um prazer, senhorita  Hathaway. E devo dizer que o tomou você bastante bem, sendo o objetivo um ataque  surpresa.  — A próxima vez que lhe visite, capitão — disse ela —, recordarei trazer minha  bandeira branca.  Ele riu alegremente e ondeou um adeus.  Antes  de  girar‐se  para  unir‐se  ao  capitão,  Lorde  Westcliff  olhou  fixamente  a  Cam Rohan.  — Levarei a Swansea de volta à mansão, se você se ocupar de que a senhorita  Hathaway chegue a casa sã e salva.  — É claro — chegou a resolvida resposta.  — Obrigada — disse Amelia —, mas não há necessidade. Conheço o Caminho e  não está longe.  Seu protesto foi ignorado. Viu‐se obrigada a olhar ansiosamente a Cam Rohan,  enquanto os outros dois homens partiam.  —  Não  sou  nenhuma  fêmea  indefesa  —  disse  ela  —  Não  preciso  ser  entregue  em nenhuma parte. Além disso, à luz de seu comportamento passado, estaria mais a  salvo sozinha.  Um breve silêncio. Rohan inclinou a cabeça a um lado e a avaliou curiosamente.  — Comportamento passado? 

 

— Já sabe o que... — Interrompeu‐se, ruborizando‐se ante a lembrança do beijo  na escuridão — Refiro ao que ocorreu em Londres.  Lhe dirigiu um olhar de cortês perplexidade.  — Temo que não sei do que fala.  — Não vai fingir que não o recorda — exclamou. Possivelmente tinha beijado a  tantas legiões de mulheres que não podia recordar a todas — Também vai negar que  roubou uma das cintas de meu chapéu?  —  Tem  uma  imaginação  muito  vívida,  senhorita  Hathaway.  —  Seu  tom  era  indiferente. Mas havia uma labareda de risada provocadora em seus olhos.  —  Não  tenho  tal  coisa.  O  resto  de  minha  família  está  bem  versada  em  imaginação...  Eu  sou  a  que  se  aferra  desesperadamente  à  realidade.  —  girou  e  começou a Caminhar a passo enérgico — Vou a casa. Não há necessidade de que me  acompanhe.  Ignorando  sua  declaração,  Rohan  igualou  facilmente  seu  passo,  sua  relaxada  pernada  contava  por  duas  das  dela.  Deixou‐a  marcar  o  passo.  Nos  espaços  abertos  que os rodeavam, ele parecia inclusive mais alto do que recordava.  — Quando viu meu braço — murmurou ele —, a tatuagem... Como soube que  era um pooka?  Amelia tomou seu tempo para responder. Enquanto Caminhavam, as sombras  dos ramos próximos lhes cruzavam as caras. Um falcão de cauda vermelha deslizou  pelo céu e desapareceu na espessura do bosque.  —  Tenho  lido  um  pouco  de  folclore  irlandês  —  disse  finalmente  —  Uma  malvada e perigosa criatura o pooka. Inventada para provocar pesadelos às pessoas.  Por que se adorna a si mesmo com semelhante desenho?  — A tenho desde menino. Não recordo quando.  — Com que propósito? Que significado tem?  —  Minha  família  nunca  o  explicou.  —  Rohan  encolheu  os  ombros  —  Talvez  agora poderiam. Mas faz anos que não os vejo. 

 

— Poderia encontrá‐los de novo, se quisesse?  — Com um pouco de tempo. — Casualmente grampeou o colete e desenrolou  as mangas, ocultando o símbolo pagão — Recordo a minha avó me falando do pooka,  animava‐me  a  acreditar  que  era  real...  Creio  que  ela  quase  acreditava.  Praticava  a  velha magia.  — O que é isso? Quer dizer ler a fortuna?  Rohan sacudiu a cabeça e deslizou as mãos nos bolsos de suas calças.  —  Não  —  disse,  com  aspecto  divertido  —,  embora  lia  a  fortuna  aos  gadjos  às  vezes.  A  velha  magia  é  uma  crença  de  que  tudo  na  natureza  está  conectado  e  equilibrado. Tudo está vivo. Inclusive as árvores têm alma.  Amelia estava fascinada. Sempre tinha sido impossível persuadir ao Merripen a  dizer  algo  sobre  seu  passado  ou  suas  crenças  Romaní,  e  hei  aqui  um  homem  que  parecia disposto a discutir algo.  — Você acredita na velha magia?  —  Não.  Mas  eu  gosto  da  ideia.  —  Rohan  estendeu  a  mão  procurando  seu  cotovelo para guiá‐la ao redor de um emplastro de terreno acidentado. Antes que ela  pudesse objetar o toque gentil, este desapareceu — O pooka nem sempre é malvado  — disse — Algumas vezes atua sem malícia. É brincalhão.  Amelia lhe lançou um olhar cético.  — Chamaria brincalhona a uma criatura que te lança sobre sua garupa, eleva o  voo e te deixa cair em uma sarjeta ou um pântano?  —  Essa  é  uma  das  histórias  —  admitiu  Rohan  com  um  sorriso  —  Mas  em  outras, o pooka só quer te levar a aventura... Levar voando a lugares que só pode ver  em sonhos. E depois te devolve a casa.  —  Mas  as  lendas  dizem  que  depois  de  que  o  cavalo  te  leva  em  suas  viagens  noturnas, nunca volta a ser o mesmo.  — Não — disse ele brandamente — Como poderia sê‐lo? 

 

Sem  notá‐lo,  Amelia  tinha  desacelerado  seu  passo  até  convertê‐lo  em  uma  Caminhada  ociosa  e  relaxada.  Parecia  impossível  Caminhar  com  energia  eficiência  em um dia como esse, com tanto sol e a suave brisa. E com este homem tão incomum  a seu lado, escuro, perigoso e encantador.  — De todos os lugares onde poderia lhe haver visto de novo — disse —, nunca  tinha esperado que fora no imóvel de lorde Westcliff. Como chegaram a conhecer‐se?  Ele é um dos membros do clube de jogo, suponho.  — Sim. E amigo do proprietário.  —  Outros convidados  de  lorde  Westcliff  aceitam  sua  presença no  Stony  Cross  Manor?  — Quer dizer por que sou um Romani? — Um tímido sorriso tocou seus lábios  —  Temo  que  não  têm  mais  alternativa  que  ser  educados.  Primeiro,  por  respeito  ao  conde. E depois está o fato de que a maioria deles vão para mim em busca de crédito  no clube... o que significa que tenho acesso a sua informação financeira privada.  — Sem mencionar os escândalos privados — disse Amelia, recordando a briga  no beco.  O sorriso dele se atrasou um instante.  — Algo disso também.  — Não obstante, deve sentir‐se como um estranho às vezes.  —  Sempre  —  disse  ele  com  um  tom  prático  —  Sou  um  estranho  para  minha  gente  também.  Já  vê,  sou  um  mestiço...  poshram,  chamam‐no  eles...  nascido  de  uma  mãe  cigana  e  um  pai  irlandês  gadjo.  E  já  que  a  linhagem  familiar  se  transpassa  por  linha paterna,  nem  sequer me consideram um Romani.  É  a pior violação  do código  que uma de nossas mulheres se case com um gadjo.  — É por isso que não vive com sua tribo?  — É uma das razões.  Amelia  se  perguntou  como  devia  ser  para  ele,  apanhado  entre  duas  culturas,  sem  pertencer  a  nenhuma.  Sem  esperança  de  ser  nunca  completamente  aceito.  E  ainda assim não havia rastro de autocompaixão em seu tom. 

 

—  Os  Hathaways  são  estranhos  também.  —  disse  ela  —  Obviamente  não  encaixamos em uma posição de sociedade refinada. Nenhum de nós tem a educação  ou criação que se requer. O jantar no Stony Cross Manor será um espetáculo... seguro  que terminará com todos nós sendo acompanhados à saída pelas orelhas.  — Pode ser que se surpreenda. Lorde e Lady Westcliff não estão acostumados a  insistir em formalidades. E sua mesa inclui grande variedade de convidados.  Amelia não se sentiu reconfortada. Para ela, a alta sociedade se parecia com os  tanques  ornamentais  utilizados  para  manter  a  peixes  exóticos  nos  salões  de  moda,  cheios  de  brilhantes  criaturas  que  corriam  e  giravam  em  padrões  que  ela  não  tinha  esperanças  de  entender.  Os  Hathaways  tinham  tantas  possibilidades  tentando  uma  vida sob a água como estando em tão elevada companhia. E ainda assim não tinham  mais eleição que tentá‐lo.  Espionando um pesado crescimento de agriões na ribeira de um prado úmido,  Amelia  os  foi  examinar.  Aferrando  um  cacho,  atirou  até  que  os  delicados  caules  se  romperam.  — O agrião é abundante aqui, não? Ouvi que pode fazer uma salada fina ou um  molho com ele.  —  Também  é  uma  erva  medicinal.  Os  ROM  o  chamam  panishok.  Minha  avó  a  utilizava em cataplasmas para entorses e feridas. E é um excelente afrodisíaco. Para  as mulheres, especialmente.  — Um quê? — A delicada verdura caiu de seus dedos insensíveis.  — Se um homem deseja voltar a despertar o interesse de sua amante, alimenta‐a  de agriões. É um estimulante para o...  — Não me diga isso! Não!  Rohan riu, com um brilho zombador nos olhos.  Lançando‐lhe  um  olhar  de  advertência,  Amelia  se  sacudiu  uns  poucos  fios  de  agriões que ainda ficavam em suas palmas e continuou seu Caminho.  Seu companheiro a seguiu facilmente.  — Me fale de sua família — a animou — Quantos são? 

 

— Cinco no total. Leo... Quer dizer, Lorde Ramsay... é o maior, e eu a seguinte,  seguida do Winnifred, Poppy e Beatrix.  — Que irmã é a delicada?  — Winnifred.  — Sempre foi assim?  —  Não,  Win  era  bastante  sã  até  faz  um  ano,  quando  quase  morreu  de  escarlatina.  —  Uma  larga  pausa,  enquanto  sua  garganta  se  contraía  um  pouco  —  Sobreviveu,  graças  a  Deus,  mas  seus  pulmões  estão  débeis.  Tem  pouca  força,  e  se  cansa  com  facilidade.  O  médico  diz  que  Win  nunca  melhorará,  e  com  toda  probabilidade  não  poderá  casar‐se  ou  ter  filhos.  —  A  mandíbula  da  Amelia  se  endureceu — Provaremos que se equivoca. Win voltará a recuperar de tudo.  — Deus ajude a quem se interponha em seu Caminho. Gosta de dirigir as vidas  dos outros, não?  —  Só  quando  é  óbvio  que  posso  fazer  um  melhor  trabalho  que  eles.  Por  que  sorri?  Rohan se deteve, obrigando‐a a girar‐se para lhe enfrentar.  —  Você.  Faz‐me  desejar...  —  Deteve‐se,  como  se  se  tivesse  pensado  melhor  o  que  tinha  estado  a  ponto  de  dizer.  Mas  o  indício  de  diversão  se  atrasou  em  seus  lábios.  Não  gostava  como  a  olhava,  como  a  fazia  sentir  quente,  nervosa  e  enjoada.  Todos seus sentidos a informavam que era absolutamente um homem no que não se  podia confiar. Alguém que não seguia mais regra que as suas próprias.  —  Me  diga,  senhorita  Hathaway...  o  que  faria  você  se  a  convidassem  a  uma  cavalgada a meia‐noite através da terra e o oceano? Escolheria a aventura, ou ficaria  a salvo em casa?  Não  parecia  poder  arrancar  seu  olhar  do  dele.  Os  olhos  de  topázio  estavam  iluminados por um brilho de luz brincalhona, não a picardia inocente de um moço, a  não  ser  algo  muito  mais  perigoso.  Quase  podia  acreditar  que  poderia  realmente 

 

trocar  de  forma  e  aparecer  sob  sua  janela  uma  noite,  e  levá‐la  longe  sobre  asas  de  meia‐noite...  —  Em  casa,  é  obvio  —  engenhou  para  dizer  com  tom  sensato  —  Não  desejo  aventuras.  — Eu acredito que sim. Acredito que em um momento de debilidade, poderia  surpreender‐se a si mesma.  — Não tenho momentos de debilidade. Não dessa classe, de qualquer modo.  A risada dele a rodeou como um sopro de fumaça.  — Os terá.  Amelia  não  se  atreveu  a  perguntar  por  que  estava  tão  seguro  disso.  Perplexa,  baixou  o  olhar  até  o  botão  superior  do  colete  dele.  Estava  flertando  com  ela?  Não,  devia estar burlando‐se mas bem, tentando fazê‐la ficar como uma parva. E se havia  uma coisa a que temesse mais na vida que às abelhas, era a ficar como uma parva.  Reunindo sua dignidade, que se tinha esparso a pedaços como as pétalas de um  dente de Leo ao vento, franziu o cenho para ele.  — Já quase estamos no Ramsay House. — Assinalou à silhueta de um teto que  se  elevava  do  bosque  —  Preferiria  percorrer  a  última  parte  da  distância  sozinha.  Pode dizer ao conde que fui entregue a salvo. Bom dia, senhor Rohan.  Ele ofereceu um assentimento, lançou‐lhe um desses brilhantes e encantadores  olhares, e ficou observando seu progresso enquanto se afastava. Com cada passo que  Amelia  punha  entre  eles,  deveria  haver‐se  sentido  mais  a  salvo,  mas  a  sensação  de  inquietação  permanecia.  E  então,  ouviu‐lhe  murmurar  algo,  com  a  voz  escurecida  pela diversão, e soou como se houvesse dito, ʺAlguma noite...ʺ           

 

                      Capítulo 6    A notícia do convite para jantar na casa de Lorde e Lady Westcliff foi recebida  com  uma  grande  variedade  de  reações  por  parte  dos  Hathaways.  Poppy  e  Beatrix  estavam  encantadas  e  emocionadas,  enquanto  Win,  que  ainda  tentava  recuperar  as  forças  depois  da  viagem  ao  Hampshire,  mostrou‐se  simplesmente  resignada.  Leo  estava impaciente por uma larga comida acompanhada de bom vinho.  Merripen, pelo contrário, negou‐se rotundamente a ir.  — Você forma parte da família — lhe disse Amelia, observando‐o enquanto ele  assegurava  alguns  painéis  em  uma  das  habitações  comuns.  O  apertão  do  Merripen  sobre  o  martelo  de  carpinteiro  era  hábil  e  seguro  enquanto  espertamente  afundava  um prego  feito  a mão na borda  de uma das pranchas  — Não  importa  quanto  tente  negar  toda  conexão  com  os  Hathaways  —  e  ninguém  poderia  te  culpar  disso  —,  o  fato é que é um de nós deveria assistir.  Merripen martelou metodicamente uns poucos pregos mais. 

 

— Minha presença não será necessária.  — Bom, claro que não será necessária. Mas deveria desfrutar de um pouco.  — Não — replicou ele com sombria certeza, e continuou martelando.  — Por que tem que ser tão cabeça dura? Se tiver medo de que lhe tratem mal,  deveria  recordar  que  Lorde  Westcliff  já  está  fazendo  de  anfitrião  de  um  Romani,  e  parece não ter preconceitos….  — Eu não gosto dos gadjos.  — Minha família inteira — nossa família —, são gadjos. Isso significa que você  não gosta?  Merripen não respondeu, só continuou trabalhando. Ruidosamente.  Amelia deixou escapar um tenso suspiro.  —  Merripen,  é  um  esnobe  terrível.  E  se  a  noite  se  tornar  horrível,  é  sua  obrigação suportá‐la conosco.  Merripen alargou a mão para procurar outro molho de pregos.  — Bom intento — disse — Mas não vou.      As  primitivas  tubagens  de  Ramsay  House,  sua  pobre  iluminação,  a  falta  de  brilho  dos  poucos  espelhos  disponíveis  fizeram  difícil  preparar‐se  para  a  visita  a  Stony  Cross  Manor.  Depois  de  esquentar  água  laboriosamente  na  cozinha,  os  Hathaways subiram e baixaram cubos para seus próprios banhos. Todos exceto Win,  é obvio, que descansava em sua habitação para guardar forças.  Amelia  se  sentou  com  uma  submissão  pouco  normal  enquanto  Poppy  lhe  arrumava  o  cabelo,  recolhendo‐o  para  trás,  lhe  fazendo  umas  grossas  tranças  e  as  sujeitando em um espesso coque que lhe cobria a parte traseira da cabeça.  —  Pronto  —  disse  Poppy  agradada  —  Ao  menos  estará  elegante  das  orelhas  para cima. 

 

Igual  às  demais  irmãs  Hathaways,  Amelia  ia  vestida  com  um  prático  vestido  feito de seda azul e fio de lã. O desenho era singelo com uma saia ampla de mangas  largas e ajustadas.  O  vestido  do  Poppy  era  similar,  só  que  vermelho.  Era  uma  garota  extraordinariamente  bonita,  suas  finas  facções  estavam  iluminadas  de  vivacidade  e  inteligência. Se a popularidade social de uma garota tivesse estado apoiada no mérito  e não na fortuna, Poppy teria sido a menina bonita de Londres. Em lugar disso, vivia  no  Campo  em  uma  desvencilhada  casa,  levava  roupas  velhas,  carregava  água  e  carvão como uma faxineira. E nunca se queixou, nenhuma só vez.  — Logo teremos novos vestidos — disse Amelia com empenho, sentindo que o  coração lhe dava um tombo com remorso — As coisas melhorarão, Poppy. Prometo‐ o.  — Isso espero — disse sua irmã com ligeireza — Necessito um vestido de baile  se quero caçar a um rico benfeitor para a família.  —  Sabe  que  só  o  disse  em  brincadeira.  Não  tem  por  que  procurar  um  pretendente rico. Só um que seja amável contigo.  Poppy sorriu.  —  Bom,  pode  que  a  riqueza  e  a  amabilidade  não  se  excluam  mutuamente…  não?  Amelia lhe devolveu o sorriso.  — Espero que sim.  Quando  os  irmãos  se  encontraram  no  vestíbulo  de  entrada,  Amelia  se  sentiu  inclusive mais desanimada quando viu Beatrix aparecer com um vestido verde cuja  saia  lhe  chegava  até  os  tornozelos  e  uma  engomado  avental  branco,  um  conjunto  muito mais apropriado para uma menina de doze em lugar de uma de quinze.  Abrindo passo até colocar‐se junto a Leo, Amelia lhe murmurou:  —  Acabaram‐se  as  apostas,  Leo.  O  dinheiro  que  perdeu  no  Jenner’s  teria  sido  mais bem empregue em roupas apropriadas para suas irmãs pequenas. 

 

—  Há  dinheiro  mais  que  suficiente  para  que  as  tivesse  levado  a  costureira  —  disse Leo friamente— Não me ponha como o mau quando é tua responsabilidade as  vestir.  Amelia apertou os dentes. Por muito que adorasse a Leo, ninguém podia zangá‐ la  tanto  como  ele,  e  tão  rapidamente.  Estava  desejando  lhe  administrar  um  forte  golpe na cabeça que lhe devolvesse o sentido comum.  —  À  velocidade  que  está  gastando  os  recursos  familiares,  não  acreditei  que  fosse boa ideia sair a gastar dinheiro.  Os  outros  Hathaways  viram,  com  os  olhos  abertos  como  pratos,  como  a  conversação se transformava em uma briga rapidamente.  — Possivelmente você queira viver como uma avara — disse Leo —, mas que  me  crucifiquem  se  tiver  que  fazê‐lo  eu  também.  Você  é  incapaz  de  desfrutar  do  momento porque sempre está absorta no futuro. Pois bem, para algumas pessoas, o  amanhã nunca chega.  O caráter da Amelia estalou.  — Alguém tem que pensar no futuro, esbanjador egoísta!  — Vindo de uma harpia despótica…  Win  se  colocou  entre  ambos,  descansando  uma  gentil  mão  sobre  o  ombro  da  Amelia.  — Se calem, os dois. Não serve de nada nos zangar justo quando vamos sair. —  Dirigiu a Amelia um doce sorriso a que ninguém na terra poderia haver resistido —  Não franza o cenho assim, querida. O que acontece se sua cara fica dessa forma?  —  Com  uma  prolongada  exposição  a  Leo  —  replicou  Amelia  —,  sem  dúvida  ficará.  Seu irmão soprou.  —  Sou  um  cabeça  de  turco  conveniente,  verdade?  Se  fosse  honesta  contigo  mesma, Amelia…  — Merripen — gritou Win — Já está preparada a carruagem? 

 

Merripen  entrou  pela  porta  principal,  com  aspecto  despenteado  e  mal‐ humorado.  Tinham  convencionado  em  que  ele  conduziria  aos  Hathaways  até  a  residência dos Westcliff e voltaria para por eles mais tarde.  — Estão preparados.  Quando jogou uma olhada à pálida e dourada beleza de Win, pareceu que sua  expressão se voltava inclusive mais áspera, se algo assim era possível.  Como  um  enigma  que  se  acabasse  de  resolver  por  si  mesmo  em  sua  mente,  aquele  olhar  furtivo  lhe  esclareceu  um  par  de  coisas  a  Amelia.  Merripen  não  ia  ao  jantar aquela noite porque estava tentando evitar estar em uma situação social com  Win.  Estava  tentado  manter  a  distância  entre  eles,  e  ao  mesmo  tempo  estava  desesperadamente preocupado pela saúde dela.  A  Amelia  preocupava  a  ideia  de  que  Merripen,  que  nunca  demonstrava  sentimentos fortes por nada, pudesse albergar um desejo secreto e poderoso por sua  irmã.  Win  era  muito  delicada,  muito  refinada,  muito  oposta  em  tudo.  E  Merripen  sabia.  Sentindo‐se desanimada, muito sensível, e bastante preocupada, Amelia subiu à  carruagem atrás de suas irmãs.  Os ocupantes do veículo guardaram silêncio enquanto avançavam pela avenida  delineada de carvalhos até o Stony Cross Manor. Nenhuma deles tinha visto alguma  vez terrenos tão bem cuidados ou tão imponentes. As folhas de cada árvore pareciam  ter sido fixadas com cuidadosa previsão. Rodeada por jardins e hortas que fluíam até  os densos bosques, a casa se estendia pela terra como um dormitado gigante. Quatro  altas  torres  nas  esquinas  indicavam  as  dimensões  originais  das  fortalezas  ao  estilo  europeu,  mas  várias  adições  lhe  tinham  dado  uma  agradável  assimetria.  Com  o  tempo e a erosão, as pedras da casa cor mel se suavizaram elegantemente, seus perfis  revestidos com umas altas sebes perfeitamente cortadas.  Frente  à  residência  havia  um  enorme  pátio  —  um  rasgo  distintivo  —  e  estava  rodeado pelos estábulos e uma asa residencial. Em lugar do singelo desenho habitual  dos estábulos, estes tinham à frente uns amplos arcos de pedras. Stony Cross Manor  era  um  lugar  adequado  para  a  realeza  e  pelo  que  sabiam  de  Lorde  Westcliff,  sua  linha de sangue era inclusive mais distinguido que a da Rainha. 

 

Quando  a  carruagem  se  deteve  diante  do  pórtico  da  entrada,  Amelia  desejou  que  a  noite  já  tivesse  terminado.  Naqueles  majestosos  arredores,  os  defeitos  dos  Hathaways  se  magnificariam.  Não  pareceriam  melhores  que  um  grupo  de  vagabundos.  Jogou  uma  olhada  a  seus  irmãos.  Win  se  tinha  posto  sua  habitual  máscara  de  irreprovável  serenidade,  e  Leo  parecia  tranquilo  e  ligeiramente  aborrecido,  uma  expressão  que  devia  ter  aprendido  de  suas  recentes  relações  no  Jenner’s. As meninas mais jovens estavam cheias de uma brilhante exuberância que  arrancou um sorriso a Amelia. Elas, ao menos, passariam‐no bem, e o céu sabia que o  mereciam.  Merripen ajudou às irmãs a descerem da carruagem, e Leo emergiu em último.  Quando  pisou  no  chão,  Merripen  o  deteve  com  um  breve  murmúrio,  uma  advertência  para  que  mantivesse  um  olho  sobre  Win.  Leo  lhe  lançou  um  veemente  olhar. Suportar a crítica da Amelia já tinha sido suficientemente mau, não o toleraria  também de Merripen.  — Se está tão condenadamente preocupado por ela — murmurou Leo —, então  entra e faz você de babá.  Merripen entrecerrou os olhos, mas não respondeu.  A relação entre os dois homens nunca se poderia haver descrito como fraternal,  mas sempre tinham mantido uma fria cordialidade.  Merripen  nunca  havia  tentando  assumir  o  papel  do  segundo  filho,  apesar  do  óbvio  carinho  que  os  pais  dos  Hathaways  sentiam  por  ele.  E  em  qualquer  situação  que se emprestava a uma competição entre os dois, Merripen sempre retrocedia. Leo,  por  sua  parte,  tinha  sido  razoavelmente  agradável  com  o  Merripen,  e  inclusive  aderiu as suas opiniões quando as tinha julgado melhor que as suas.  Quando  Leo  tinham  ficado  doente  com  a  febre  escarlate,  Merripen  tinha  ajudado  a  cuidá‐lo  com  uma  mescla  de  paciência  e  amabilidade  que  tinha  ultrapassado  a  da  Amelia.  Mais  tarde,  Leo  havia  dito  que  devia  a  vida  a  Merripen.  Entretanto,  em  lugar  de  sentir‐se  agradecido,  Leo  parecia  pensar  mal  do  Merripen  por aquilo.  Por  favor,  por  favor,  não  seja  imbecil,  Leo,  quis  rogar  Amelia,  mas  se  conteve  de  falar e foi com suas irmãs até a entrada iluminada do Stony Cross Manor. 

 

Um par de maciças portas cobre se abriam a um cavernoso vestíbulo adornado  com  tapeçarias  de  valor  incalculável.  E  uma  grande  escada  de  pedra  e  mármore  se  curvava para a alta galeria do segundo piso. Inclusive as esquinas mais distantes do  hall,  e  as  entradas  de  vários  corredores  que  partiam  da  grande  habitação,  estavam  iluminadas com grandes candelabros de cristal.  Se os terrenos exteriores tinham estado bem cuidados, o interior da mansão não  era menos que imaculado, tudo estava varrido, reluzente e brilhante. Não havia nada  novo  no  que  os  rodeavam,  nada  de  bruscos  brocados  ou  modernos  toques  que  alterassem a atmosfera de natural esplendor.  Este  era,  pensou  Amelia  desolada,  exatamente  o  aspecto  que  Ramsay  House  deveria ter.  Uns  serventes  foram  para  agarrar  os  chapéus  e  as  luvas,  enquanto  uma  anciã  ama de chaves dava as boas vindas aos recém‐chegados. A atenção da Amelia se viu  imediatamente  atraída  pela  aparição  de  Lorde  e  Lady  Westcliff,  que  cruzavam  o  vestíbulo para eles.  Vestido  com  roupas  feitas  à  exata  medida,  Lorde  Westcliff  se  movia  com  a  confiança  física  de  um  experiente  esportista.  Sua  expressão  era  reservada,  suas  austeras facções chamativas mais que formosas. Tudo em sua aparência indicava que  era um homem que exigia muito de outros e inclusive mais de si mesmo.  Não havia dúvida de que alguém tão capitalista como Westcliff teria elegido a  perfeita noiva  inglesa, uma  mulher  cuja glacial sofisticação  lhe  tinha  sido  inculcada  do nascimento. Então, com surpresa, Amelia ouviu o Lady Westcliff falar com uma  voz claramente americana, as palavras saíram em turba como se fosse uma moléstia  pensar em tudo antes de falar.  — Não sabem quanto desejei ter novos vizinhos. As coisas se podem voltar um  pouco aborrecidas no Hampshire. Vocês, Hathaways, farão‐as mais agradáveis.  Surpreendeu a Leo alargando a mão e lhe estreitando a dele como o faziam os  homens.  — Lorde Ramsay, é um prazer. 

 

— A seu serviço, milady. — Leo não parecia saber muito bem o que fazer com  aquela singular mulher.  Amelia  reagiu  automaticamente  lhe  dando  um  apertão  similar.  Ao  devolver  o  firme apertão a Lady Westcliff, olhou em seus ligeiramente rasgados olhos da cor do  gengibre.  Lillian, Lady Westcliff, era uma mulher alta e esbelta de reluzente cabelo negro,  elegantes  rasgos  e  um  sorriso  dissoluto.  A  diferença  de  seu  marido,  irradiava  uma  casual cordialidade que instantaneamente acalmava às pessoas.  — Você é Amelia, a que dispararam ontem?  — Sim, milady.  —  Estou  tão  contente  de  que  o  conde  não  te  tenha  matado.  Sua  pontaria  não  está acostumada falhar, sabe?  O  conde  recebeu  a  insolência  de  sua  esposa  com  um  ligeiro  sorriso,  como  se  estivesse acostumado a ela.  — Não estava apontando à senhorita Hathaway — disse tranquilamente.  — Deveria pensar em uma distração menos perigosa — sugeriu Lady Westcliff  — Observar aos pássaros. Colecionar mariposas. Algo um pouco mais decoroso que  provocar explosões.  Amelia esperou que o conde franzisse em cenho ante sua irreverência, mas ele  só pareceu divertido. E quando a atenção de sua mulher se moveu para ao resto dos  Hathaways, ele a observou com cálida fascinação. Claramente, havia uma poderosa  atração entre ambos.  Amelia  apresentou  a  suas  irmãs  a  pouco  convencional  condessa.  Felizmente  todas recordavam como fazer uma reverência, e conseguiram educadas respostas às  diretas  perguntas,  tais  como  se  gostavam  de  montar,  se  desfrutavam  dançando,  se  tinham provado já algum dos queijos locais, e se compartilhavam seu desgosto pelas  viscosas comidas inglesas como as enguias e o pão de porco em gelatina. 

 

Rindo  ante  a  divertida  cara  que  tinha  posto  a  condessa,  as  irmãs  Hathaway  foram  com  ela  a  saleta,  onde  aproximadamente  uma  dúzia  de  convidados  se  reuniram a espera do jantar.  — Eu gosto dela — ouviu dizer Poppy a Beatrix enquanto as duas Caminhavam  atrás dela — Será que todas as mulheres americanas são tão formosas?  Formosa, sim, aquela era uma palavra apropriada para Lady Westcliff.  — Senhorita Hathaway — disse a condessa a Amelia em um tom de amigável  preocupação —, o conde me há dito que Ramsay House esteve desocupada durante  muito tempo, deve parecer um desastre.  Um pouco sobressaltada pela franqueza da mulher, Amelia negou com a cabeça  firmemente.  — OH não, “desastre” é uma palavra muito forte. Todo o lugar necessita uma  boa limpeza, e umas pequenas reparações e… — fez uma pausa incômoda.  O olhar de Lady Westcliff foi franco e pormenorizada.  — Está mau, né?  Amelia moveu os ombros de um puxão em um ligeiro encolhimento de ombros.  —  Há  muito  trabalho  por  fazer  ao  Ramsay  House  —  admitiu  —  Mas  não  me  assusta o trabalho.  —  Se  necessitar  ajuda  ou  conselho,  Westcliff  tem  infinitos  recursos  ao  seu  dispor. Pode lhe dizer onde encontrar…  —  É  você  muito  amável,  milady  —  disse  Amelia  apressada  —,  mas  não  há  necessidade de que se envolva em nossos assuntos domésticos.  Quão  último  queria  era  que  os  Hathaways  parecessem  ser  uma  família  de  mendigos.  — Possivelmente não possa evitar que nos envolvamos — disse Lady Westcliff  com um sorriso — Agora está na esfera Westcliff, o qual significa que te aconselhará  peça ou não conselho. E o pior é que quase sempre tem razão. 

 

Lançou um carinhoso olhar em direção a seu marido. Westcliff estava com um  grupo a um lado da habitação.  Notando  o  olhar  de  sua  esposa,  Westcliff  se  deu  a  volta.  Alguma  mensagem  muda  estava  passando  entre  eles…  e  ele  respondeu  com  uma  rápida,  quase  imperceptível piscada.  Uma risita surgiu da garganta de Lady Westcliff. Girou‐se para a Amelia.  —  Estando  casados  há  quatro  anos  em  setembro  —  disse  com  um  pouco  de  vergonha — Tinha suposto que a estas alturas teria deixado de suspirar por ele mas  não o tenho feito. — A picardia dançou em seus escuros olhos — Agora, apresentarei  a alguns dos outros convidados. Me diga a quem deseja conhecer primeiro.  O olhar da Amelia se transladou do conde ao grupo de homens que se reunia  ao redor  dele. Uma  quebra  de onda  de consciência desceu  por  sua  espinha quando  sua  atenção  se  viu  atraída  pelo  Cam  Rohan.  Ia  vestido  de  branco  e  negro,  com  idêntico traje ao de outros cavalheiros, mas o esquema civilizado sozinho servia para  fazê‐lo  parecer  mais  exótico.  Com  a  escura  seda  de  seu  cabelo  curvando‐se  sobre  o  engomado pescoço branco, o moreno  de sua compleição, os  olhos  listrados, parecia  completamente  desconjurado  nos  decorosos  arredores.  Sendo  consciente  de  seu  olhar, Rohan se inclinou, o que reconheceu como uma rígida reverência própria dele.  —  Já  conheceste  ao  senhor  Rohan,  é  obvio  —  comentou  Lady  Westcliff,  observando  o  intercâmbio  —  Um  interessante  companheiro,  não  crê?  O  senhor  Rohan é encantador, muito amável, e só pela metade civilizado, o qual eu prefiro o  bastante.  —Eu…  —  Amelia  arrancou  seu  olhar  do  Rohan  com  esforço,  seu  coração  tamborilando erraticamente — Pela metade civilizado?  —  OH,  já  sabe  todas  as  regras  que  a  classe  alta  concebeu  para  o  chamado  comportamento  educado.  O  senhor  Rohan  não  se  molesta  com  a  maioria  delas.  — Lady Westcliff sorriu abertamente — Em realidade tampouco eu.  — Há quanto conhece senhor Rohan?  — Só desde que Lorde Vincent tomou posse do clube de jogo. Após, o senhor  Rohan se converteu em uma espécie de protegido, de ambos, Westcliff e St. Vincent 

 

—  riu  rapidamente  —  É  como  ter  um  anjo  em  um  ombro  e  um  demônio  no  outro.  Rohan parece dirigi‐los aos dois bastante bem.  — Por que se tomaram ambos tanto interesse nele?  — É um homem incomum. Não estou segura de que ninguém saiba o que fazer  com  ele.  De  acordo  com  o  Westcliff,  Rohan  tem  uma  mente  excepcional.  Mas  ao  mesmo  tempo,  é  supersticioso  e  imprevisível.  Ouviu  falar  de  sua  maldição  de  boa  sorte?  — Seu que?  — Parece ser que não importa o que faça Rohan, não pode evitar fazer dinheiro.  Muito dinheiro. Inclusive quando trata de perdê‐lo. Ele alega que esta mal que uma  pessoa possua tanto.  —  É  o  costume  romani  —  murmuro  Amelia  —  Não  acreditam  em  possuir  coisas.  —  Se,  bom,  sendo  de  New  York,  não  entendo  esse  conceito  de  tudo,  mas  aí  o  tem. Contra sua vontade, ao senhor Rohan lhe deu uma percentagem dos lucros do  clube,  e  não  importa  quantas  doações  à  caridade  ou  investimentos  pouco  sólidos  realize,  segue  obtendo  lucros  inesperados.  Primeiro  comprou  um  velho  cavalo  de  carreiras  com  patas  curtas,  Little  Dandy,  que  ganhou  o  Grand  Nacional  em  abril  passado. Depois esteve o assunto do oleado, e…  — O que?  — Foi uma pequena e faltada fábrica de oleado no lado leste de Londres. Justo  quando  a  companhia  estava  a  ponto  de  afundar‐se,  o  senhor  Rohan  fez  um  grande  investimento  nela.  Todos  incluindo  Lorde  Westcliff,  aconselharam‐lhe  não  fazê‐lo,  que era um parvo e ia perder cada centavo.  — O qual era sua intenção — disse Amelia.  — Exato. Mas para consternação do Rohan, o assunto deu um tombo. O diretor  da companhia usou o investimento para adquirir os direitos da patente do processo  de  vulcanização,  e  inventaram  esses  pequenos  restos  elásticos  de  tubos  chamados  bandas  de  borracha.  E  agora  a  companhia  é  um  êxito  resplandecente.  Poderia  lhe 

 

contar  mais,  mas  são  todas  variações  do  mesmo  tema,  o  senhor  Rohan  atira  seu  dinheiro e o mesmo volta multiplicado dez vezes.  — Eu não chamaria a isso uma maldição — disse Amelia.  — Tampouco eu. — Lady Westcliff riu brandamente — Mas o senhor Rohan o  faz. Isso é o que o faz tão entretido. Deveria havê‐lo visto zangar‐se faz um momento  quando  recebeu  o  relatório  mais  recente  de  um  de  seus  corredores  de  bolsa  em  Londres. Todas boas notícias. Estava chiando os dentes por isso.  Tomando o braço da Amelia, Lady Westcliff a guiou pela habitação.  —  Embora  tenhamos  uma  triste  falta  de  cavalheiros  elegíveis  esta  noite,  prometo  que  teremos  uma  seleção  de  visitantes  uma  vez  mais  adiantada  a  Temporada. Todos devem caçar e a pescar e normalmente há uma maior proporção  de homens que de mulheres.  —  Essas  são  boas  notícias  —  replicou  Amelia  —  Tenho  grandes  esperança  de  que minhas irmãs encontrem cavalheiros convenientes para casar‐se.  Sem perdê‐la implicação, Lady Westcliff perguntou:  — Mas não tem tais esperanças para si mesmo?  — Não, não espero sequer me casar.  — Por quê?  — Tenho uma responsabilidade para com minha família. Eles me necessitam. — depois  de  uma  breve  pausa,  Amelia  acrescentou  francamente  —  E  a  verdade,  teria  que me submeter aos ditames de um marido.  —  Eu  estava  acostumada  a  me  sentir  assim.  Mas  devo  lhe  advertir,  senhorita  Hathaway… a vida tem sua forma de danificar nossos planos. Falo por experiência.  Amelia sorriu, pouco convencida. Era uma questão simples de prioridades. Ela  dedicaria todo seu tempo e energias a criar um lar para seus irmãos, e a vê‐los todos  saudáveis  e  felizmente  casados.  Haveria  sobrinhos  e  sobrinhas  em  abundância,  e  Ramsay House se encheria com as pessoas que amava.  Nenhum marido poderia lhe oferecer mais. 

 

Observando  a  seu  irmão,  Amelia  notou  que  havia  uma  peculiar  expressão  em  seu rosto, ou mais bem a falta da mesma, que indicava que estava ocultando algum  forte e privado sentimento. Foi para ela imediatamente, intercambiou umas quantas  cortesias com Lady Westcliff, e assentiu educadamente quando ela se desculpou para  atender a um convidado maior que acabava de chegar.  — O que é o que acontece? — sussurrou Amelia, elevando a vista enquanto Leo  lhe  colocava  a  mão  em  seu  cotovelo  —  Parece  como  se  acabasse  de  conseguir  um  bocado de cortiça putrefada.  —  Não  intercambiemos  insultos  agora  mesmo  —  lhe  lançou  um  olhar  mais  preocupado que nenhuma que recordasse em sua recente memória ter recebido. Seu  tom foi baixo e urgente — Resiste, irmã, há alguém aqui a quem não quer ver. E vem  para cá.  Ela girou os olhos.  — Se te referir ao senhor Rohan, asseguro‐te que sou perfeitamente...  — Não. Não Rohan. — Moveu a mão para sua cintura como se antecipasse sua  necessidade de estabilidade. E ela entendeu.  Antes de girar‐se sequer para olhar ao homem que se aproximava deles, Amelia  soube  a  razão  da  estranha  reação  de  Leo,  e  ficou  fria,  quente  e  instável.  Mas  em  alguma parte em seu interior, espreitava uma certa resignação.  Sempre tinha sabido que voltaria a ver o Christopher Frost algum dia.  Estava  sozinho  quando  se  aproximou  deles...  uma  pequena  misericórdia,  se  a  gente  esperava  que  levasse  a  sua  nova  esposa  a  reboque.  E  Amelia  estava  bastante  segura de que não teria podido tolerar ser apresentada à mulher pela que tinha sido  abandonada.  Assim  que  ficou  rigidamente  junto  a  seu  irmão  e  tentou  desesperadamente  assemelhar‐se  a  uma  mulher  independente  que  saudava  seu  antigo  amor  com  educada  indiferença.  Mas  sabia  que  não  poderia  disfarçar  a  brancura  de  sua  cara,  podia  sentir  o  sangue  disparando‐se  diretamente  a  seu  estimulado coração.  Se  a  vida  fosse  justa,  Frost  teria  parecido  menor,  menos  arrumado,  menos  desejável do que recordava. Mas a vida, como sempre, não era justa. Estava igual de 

 

magro,  elegante  e  urbano  que  sempre,  com  acordados  olhos  azuis  e  espesso  cabelo  recortado,  muito  escuro  para  ser  loiro,  muito  claro  para  ser  marrom.  Esse brilhante  cabelo continha cada sombra do champagne.  —  Meu  velho  conhecido  —  disse  Leo.  Embora  seu  tom  não  continha  rancor,  tampouco evidenciava nenhum prazer. Sua amizade se transtornou no momento em  que  Frost  tinha  abandonado  a  Amelia.  Leo  tinha  seus  defeitos,  indubitavelmente,  mas não era nada menos que leal.  —  Milord  —disse  Frost  quedamente,  inclinando‐se  ante  ambos  —  E  senhorita  Hathaway.  —  Parecia  lhe  custar  algo  sustentar  seu  olhar.  O  céu  sabia  o  que  lhe  estava custando a ela devolvê‐lo — Aconteceu muito tempo.  —Não para alguns de nós — devolveu Leo, sem sobressaltar‐se quando Amelia  sub‐repticiamente lhe pisou no pé — Se hospeda na mansão?  —  Não,  estou  visitando  uns  velhos  amigos  da  família,  são  os  proprietários  de  um botequim no povo.  — Quanto tempo ficasse?  —  Não  tenho  planos  firmes.  Estou  meditando  sobre  algumas  comissione  enquanto  desfruto  da  calma  e  tranquilidade  do  Campo.  —  Seu  olhar  se  transladou  brevemente até a Amelia e voltou para Leo — Enviei uma carta quando soube de sua  ascendência à nobreza milord.  —Recebi‐a  —  disse  Leo  ociosamente  —  Embora  por  minha  vida,  não  posso  recordar seu conteúdo.  — Algo no sentido de que me alegrava por seu bem, fiquei decepcionado ao ter  perdido um rival merecedor. Você sempre me conduziu a avançar além dos limites  de minhas habilidades.  — Sei — disse Leo sardonicamente — Fui uma grande perda para o firmamento  arquitetônico.  —  Foi  —  adicionou  Frost  sem  ironia.  Seu  olhar  se  posou  na  Amelia  —  Posso  comentar quão encantadora está, senhorita Hathaway? 

 

Que estranho, pensou confusa,  que alguma vez tivesse  estado apaixonada por  ele, e agora estivessem falando o um com o outro tão formalmente. Já não o amava,  embora as lembranças de ser abraçada por ele, beijada, acariciada… matizavam cada  pensamento e emoção, como um cordão tingido de chá. A gente não podia eliminar a  mancha  totalmente.  Recordava  um  ramo  de  rosas  que  uma  vez  lhe  tinha  obsequiado... tinha tomado uma e acariciado com as pétalas suas bochechas e lábios  entreabertos,  e  tinha  sorrido  ante  seu  feroz  rubor.  Meu  pequeno  amor,  tinha  sussurrado.  — Obrigada — disse — Por minha parte posso lhe oferecer felicitações por seu  matrimônio?  —  Temo‐me  que  as  felicitações  estão  desconjuradas  —  replicou  Frost  cuidadosamente — As bodas não teve lugar.  Amelia  sentiu  a  mão  de  Leo  esticar‐se  em  sua  cintura.  Apoiou‐se  nele  imperceptivelmente  e  apartou  o  olhar  do  Christopher  Frost,  incapaz  de  falar.  Não  estava casado. Seus pensamentos giravam em anarquia.  — Ela recuperou a prudência? — ouviu perguntar a Leo casualmente — Ou foi  você?  — Fez‐se patente que não combinávamos tão bem como cabia esperar. Ela foi o  suficientemente cortês para me liberar de minha obrigação.  — Assim que o jogaram a patadas — disse Leo — Ainda trabalha para seu pai?  — Leo — protestou Amelia, em uma espécie de sussurro. Levantou o olhar bem  a  tempo  para  ver  o  Frost  mostrar  sardônico  um  breve  sorriso,  e  seu  coração  se  retorceu com a dolorosa familiaridade do gesto.  —  Alguma  vez  te  andaste  com  rodeios,  não?  Se,  até  estou  empregado  com  Têmpera.  —  O  olhar  do  Frost  voltou  lentamente  para  a  Amelia,  avaliando  sua  fragilidade cautelosamente — Um prazer vê‐la de novo senhorita Hathaway.  Fraquejou  um  pouco  quando  ele  os  deixou,  girando‐se  cegamente  para  seu  irmão. Sua voz se rompia nos borde.  —  Leo,  apreciaria  muito  que  cultivasse  um  pouco  de  delicadeza  em  suas  maneiras. 

 

— Nem todos podemos ser tão finos como seu senhor Frost.  —  Ele  não  é  meu  senhor  Frost.  —  Fez  uma  pausa,  enquanto  acrescentava,  embotadamente — Nunca foi.  — Merece algo endemoniadamente melhor. Só recorda isso, se voltar outra vez  a olisquear seus saltos.  —  Não  o  fará  —  disse  Amelia,  odiando  a  forma  em  que  seu  coração  saltava  atrás de suas bem erguidas defesas.        Capítulo 7    Justo antes que os Hathaway chegassem, o Capitão Swansea, que tinha servido  quatro  anos  na  Índia,  tinha  obsequiado  a  alguns  dos  hóspedes  com  uma  anedota  sobre  a  caçada  de  um  tigre  no  Vishnupur.  O  tigre  tinha  espreitado  às  gazelas  salpicadas,  tinha‐as  derrubado  com  seu  ataque  repentino,  e  se  tinha  obstinado  com  sua  queixada  ao  pescoço  de  suas  vítimas.  As  mulheres,  e  inclusive  alguns  homens,  faziam  caretas  e  tinham  clamado  horrorizados  enquanto  que  Swansea  descrevia  como  o  tigre  tinha  procedido  a  comer‐se  ao  chital  enquanto  este  que  ainda  esperneava.  — Que besta mais cruel! — tinha ofegado uma das mulheres.  Mas  logo  que  Amelia  Hathaway  entrou  no  quarto,  Cam  se  encontrou  simpatizando  totalmente  com  o  tigre.  Não  havia  nada  que  desejasse  mais  que  lhe  mordiscar  o  pescoço  e  arrastá‐la  a  algum  lugar  oculto  onde  pudesse  dar  um  festim  com ela durante horas. Entre a multidão de mulheres elegantemente vestidas, Amelia  se  destacava  com  seu  singelo  vestido,  e  ao  não  luzir  jóias  na  garganta  e  orelhas.  Parecia  inocente,  atrativa  e  apetitosa.  Desejou  estar  a  sós  com  ela  fora,  em  campo  aberto,  deslizando  as  mãos  livremente  sobre  seu  corpo.  Mas  sabia  que  era  melhor  desprezar tais pensamentos com respeito a uma jovem respeitável. 

 

Observou a tensa pequena cena que se desenvolveu entre a Amelia, seu irmão  Lorde Ramsay, e ao arquiteto, o senhor Christopher Frost. Embora não podia ouvir  sua conversação, lia suas posturas, a forma sutil em que Amelia se inclinava para seu  irmão em busca de apoio. Estava claro que Amelia e Frost compartilhavam alguma  classe  de  história…  não  do  tipo  feliz.  Um  romance  que  tinha  terminado  mal,  conjeturava.  Imaginou  juntos,  Amelia  e  Frost.  Desgostou‐lhe  muito  mais  do  que  tivesse desejado. Contendo a quebra de onda de inapropriada curiosidade, obrigou‐ se a apartar sua atenção deles.  Enquanto  antecipava  o  prolongado  e  aborrecido  jantar  que  estava  por  vir,  os  intermináveis  pratos,  a  afetada  conversação,  Cam  suspirou  profundamente.  Tinha  aprendido a coreografia social destas situações, os rígidos limites das boas maneiras.  Ao  princípio  incluso  o  tinha  visto  como  um  jogo,  aprendendo  os  costumes  destes  privilegiados desconhecidos. Mas tinha começado a cansar‐se de  viver ao bordo  do  mundo  gadjo.  A  maior  parte  deles  não  desejavam  sua  presença  ali  mais  do  que  ele  desejava estar. Mas não parecia existir outro lugar para ele exceto a periferia.  Tudo  isto  tinha  começado  aproximadamente  dois  anos  atrás,  quando  St.  Vincent lhe tinha arrojado uma caderneta de banco da mesma forma casual em que  tivesse utilizado para lhe atirar uma ficha de pôquer.  — Tenho aberto uma conta para ti no London Banking House and Investment  —  lhe  havia  dito  St.  Vincent  —  Está  no  Fleet  Street.  A  percentagem  dos  benefícios  que  lhe  correspondem  do  Jenner´s  serão  depositados  mensalmente.  Administra‐os  você se assim o desejar ou eles se ocuparão por ti.  —  Não  desejo  uma  percentagem  dos  benefícios  —  havia  dito  Cam,  brincando  indiferentemente com os dedos sobre a caderneta do banco — Meu salário está bem.  — Seu salário não poderia cobrir o custo anual de minha engraxate.  —  É  mais  que  suficiente.  E  não  saberia  o  que  fazer  com  isto.  —  Cam  se  tinha  ficado atônito ante as cifras indicadas na folha de balanço. Franzindo o cenho, tinha  arrojado a caderneta a uma mesa próxima — Lhe devolvo isso.  St. Vincent tinha parecido divertido e ligeiramente exasperado.  — Maldição, homem, agora que sou o proprietário do cassino, posso dizer que  o salário que recebe é paupérrimo. Crê que tolerarei que me chamem miserável? 

 

— Chamaram‐lhe coisas piores — tinha precisado Cam.  —  Não  me  importa  que  me  chamem  coisas  piores  quando  me  mereço  isso.  O  qual,  estou  seguro,  é  frequentemente.  —  St.  Vincent  o  tinha  cuidadoso  de  uma  maneira reflexiva. E, com um desses condenados brilhos de intuição que um nunca  tivesse  esperado  do  proprietário  anterior,  murmurou  —  Isto  não  troca  nada,  sabe.  Não te faz em menos Romaní que te pague em libras, presas de baleia, ou conchas.  —  Já  tenho  feito  muitas  concessões.  Desde  a  primeira  vez  que  vim  a  Londres,  vivo sob um teto, visto roupas de gadjo, trabalho em troca de um salário. Mas eu risco  a linha nisto.  — Só te estou dando uma conta de economias, Rohan — havia dito agriamente  St. Vincent —, não uma pilha de esterco.  — Tivesse preferido o esterco. Pelo menos é bom para algo.  —  Temo  perguntar.  Mas  a  curiosidade  me  obriga…  Para  que,  em  nome  de  Deus, serve o esterco?  — Fertilizante.  — Ah. Bem, então, entende‐o desta maneira: o dinheiro é só outra variedade de  fertilizante.  —  St.  Vincent  fazia  um  gesto  para  a  desprezada  caderneta  de  banco  —  Faz  algo  com  isso.  O  que  deseje.  Embora  te  aconselharia  que  fora  algo  diferente  a  abonar com ele a grama.  Cam  havia resolvido  livrar‐se de cada centavo, esbanjando‐o em  uma série de  descabelados  investimentos.  Foi  então  quando  a  maldição  da  boa  sorte  lhe  tinha  sobrevindo.  Sua  crescente  fortuna  tinha  começado  a  lhe  abrir  portas  que  jamais  se  tinham  aberto  para  ele,  especialmente  agora  em  que  os  homens  da  indústria  invadiam  a  alta  sociedade.  E,  tendo  atravessado  essas  portas,  Cam  se  comportava  acorde  às  normas,  pensando  em  formas  que  não  eram  próprias  dele.  St.  Vincent  se  equivocou... o dinheiro o tinha feito menos Romani.  Tinha esquecido coisas; palavras, histórias, as canções que lhe tinham acalmado  permitindo dormir quando era menino. Logo que poderia recordar o gosto do pudim  de  carne  condimentado  com  amêndoas  e  leite  fervido,  ou  o  guisado  de  boranija*  temperado  com  vinagre  e  folhas  de  dente  de  Leão.  Os  rostos  de  sua  família  eram 

 

uma confusa lembrança. Não estava seguro de poder reconhecê‐los se se encontrasse  com eles nesse instante. E isso o fazia temer que já não fora um Roma.  Quando foi a última vez que tinha dormido sob o céu?  A  companhia  procedeu  a  dirigir‐se  em  conjunto  ao  comilão.  A  natureza  informal  da  reunião  significava  que  não  teriam  que  colocar‐se  em  ordem  de  precedência. Uma fila de lacaios vestidos em negro, azul, e mostarda se adiantaram  para  atender  aos  convidados,  retirando  as  cadeiras,  servindo  vinho  e  água.  A  larga  mesa estava coberta por uma antiga toalha de linho branco. Cada lugar amplamente  provido  de  faqueiro  de  prata,  só  superada  por  uma  coleção  de  cristalinas  taças  classificadas por tamanhos.  Cam eliminou toda expressão de sua cara quando descobriu que devia sentar‐se  junto à esposa do vigário, a quem tinha conhecido em anterior visita à Stony Cross  Park. A mulher lhe tinha pavor. Sempre que a olhava ou tentava falar com ela, esta se  esclarecia incessantemente a garganta. Seus buliçosos abruptos lhe faziam pensar em  uma bule cuja tampa encaixasse mal.  Sem  dúvida  a  esposa  do  vigário  tinha  ouvido  muitas  histórias  de  ciganos  que  roubavam  meninos,  jogavam  maldições  às  pessoas,  e  atacavam  a  mulheres  desamparadas,  em  um  arranque  frenético  de  incontrolável  luxúria.  Cam  esteve  tentado a  informar  à mulher  de que, normalmente, nunca  sequestrava  ou saqueava  antes do segundo prato. Mas se manteve calado e tentou parecer tão amigável como  fora  possível,  enquanto  que  ela  se  encolhia  em  sua  cadeira  e  cercava  uma  desesperada conversação com o homem a sua esquerda.  Girando‐se  para  sua  direita,  Cam  se  encontrou  olhando  aos  olhos  azuis  da  Amelia Hathaway. Estavam sentados um junto ao outro. O prazer se desdobrou em  seu interior. Seu cabelo brilhava como o cetim, os olhos eram brilhantes, e sua pele  parecia como se estivesse feita com alguma sobremesa de leite e açúcar. Sua visão lhe  recordou  uma  palavra  gadjo  passada  de  moda,  tinha‐lhe  divertido  quando  a  tinha  escutado  pela  primeira  vez.  Apetitosa.  A  palavra  se  utilizava  para  definir  algo  delicioso, implicando o prazer do paladar, mas também a atração sexual. Encontrava  a naturalidade da Amelia mil vezes mais atrativa que a empoeirada sofisticação e os  ornamentos de outras mulheres ali presentes. 

 

—  Se  está  tentando  parecer  humilde  e  civilizado  —  disse  Amelia  —,  não  está  funcionando.  — O asseguro, sou inofensivo.  Amelia sorriu ante essa afirmação.  — Não duvido que lhe agradaria que todo mundo acreditasse isso.  Desfrutava de seu suave e limpo aroma, do feiticeiro tom de sua voz. Desejava  tocar  a  delicada  pele  de  suas  bochechas  e  garganta.  Em  lugar  disso  se  conteve  e  observou como ela colocava um guardanapo de linho sobre o regaço.  Um  lacaio  se  aproximou  para  lhes  encher  as  taças  de  vinho.  Cam  notou  que  Amelia  jogava  furtivos  olhares  a  seus  irmãos  como  uma  mamãe  galinha  com  seus  travessos  pintinhos.  Inclusive  seu  irmão,  sentado  dois  lugares  mais  à  frente  na  cabeceira  da  mesa,  estava  sujeito  à  mesma  implacável  preocupação.  Esticou‐se  quando cruzou o olhar com o Christopher Frost, que estava localizado perto do outro  extremo da mesa. Sustentaram‐se o olhar, enquanto a garganta da Amelia ondulava  ao  tomar  um  sorvo.  Parecia  cativada  pelo  gadjo.  Obviamente  ainda  existia  atração  entre esses dois. E pela expressão do Frost, este estava mais que desejoso de reatar a  relação.  Cam  teve  que  fazer  provisão  de  uma  grande  força  de  vontade  —  e  dispunha  dela  em  considerável  quantidade  —  para  não  trespassar  ao  Christopher  Frost  com  um utensílio de mesa. Desejava dispor da atenção da Amelia. Toda ela.  —  No  primeiro  jantar  formal  a  que  assisti  em  Londres  —  disse  a  Amelia  —,  esperava ir faminto.  Para sua imediata satisfação, Amelia se girou para ele, sua atenção reenfocada.  — Por quê?  — Porque acreditei que os pires eram o que utilizavam os gadjos para seu prato  principal. O qual significava que não ia conseguir muita comida.  Amelia riu.  — Deveu sentir‐se aliviado quando trouxeram os pratos grandes. 

 

Ele sacudiu a cabeça.  — Estava muito ocupado aprendendo as regras da mesa.  — Como por exemplo?  —  Sente‐se onde lhe  indiquem, não falar de política ou das funções corporais,  tomar a sopa delicadamente com a colher sopeira, não cravar os mantimentos com o  garfo com entusiasmo e nunca oferecer a alguém alimento de seu prato.  — Os ROM compartilham com outros a comida de seu prato?  Ele a olhou prolongadamente.  — Se comêssemos ao estilo cigano, nos sentando ante o fogo, ofereceria‐lhe os  bocados de carne mais suculentos. O mais tenro pão. As mais doces classes de frutas.  A cor aumentou em suas bochechas, e ela procurou sua taça de vinho, depois de  um cuidadoso sorvo, disse sem olhá‐lo:  —  Merripen  raramente  fala  de  tais  coisas.  Acredito  que  aprendi  mais  de  você  que depois de doze anos de conhecê‐lo ele.  —  Merripen…  —  o  taciturno  xale  que  a  tinha  acompanhado  a  Londres.  Resultava  inconfundível  a  fácil  familiaridade  entre  os  dois,  deixando  ver  que  Merripen era mais que um mero criado para ela.  Entretanto, antes que Cam pudesse aprofundar no assunto, o prato de sopa foi  servido.  Os  lacaios  e  os  mordomos  trabalhavam  em  harmonia  para  apresentar  enormes  e  fumegantes  sopeiras  de  molho  de  salmão  com  limão  e  eneldo,  sopa  de  urtiga  com  queijo  e  trocitos  de  cominho,  a  sopa  de  agriões  estava  adornada  com  partes de faisão, e a sopa de cogumelos com nata amarga e brandy.  Depois de que Cam escolhesse a sopa de urtiga e esta fora servida ante ele em  uma terrina chinês pouco profunda, girou‐se para falar com a Amelia outra vez. Para  sua  decepção,  nesse  momento  se  encontrava  monopolizada  pelo  homem  se  localizado ao outro lado dela, que descrevia entusiasmado sua coleção de porcelana  do Extremo Oriente.  Cam realizou um rápido inventário das outras conversações a seu redor, todos  tratavam  assuntos  mundanos.  Esperou  pacientemente  até  que  a  esposa  do  vigário 

 

dirigiu sua atenção ao prato de sopa frente a ela. Quando levantou a colher até seus  lábios tão finos como o papel, notou que Cam a observava. Outro ruído ao esclarecer  a garganta, enquanto a colher tremia em sua mão.  Tentou pensar em algo que a interessasse.  — Marrubio — lhe disse de forma prática.  Os olhos dela se dilataram com alarme, e o pulso lhe palpitou visivelmente no  pescoço.  — H‐h‐h… — sussurrou ela.  — O marrubio, a raiz de regaliz, e o mel. São bons para livrar‐se do escarro na  garganta. Minha avó era curandeira, ensinou‐me muitos de seus remédios.  A palavra “escarro” esteve a ponto de fazer que os olhos ficassem em branco.  — O marrubio também é bom para a tosse persistente e mordidas de serpente  — continuou Cam serviçalmente.  Seu rosto perdeu cor, e posou sua colher no prato. Em um esforço desesperado  por  afastar‐se  dele,  emprestou  toda  sua  atenção  aos  comensais  localizados  a  sua  esquerda.  Ao  ser  rechaçada  sua  tentativa  de  cortês  intercâmbio  social,  Cam  se  sentou  comodamente  enquanto  a  sopa  era  retirada  e  o  segundo  prato  era  servido.  Moelas  em  molho  branco,  perdizes  em  camas  de  ervas  aromáticas,  empanadas  de  pombinhos,  carne  assada,  e  suflê  de  verdura  encheram  o  ar  com  uma  cacofonia  de  ricos  aromas.  Os  hóspedes  exclamaram  elogiosamente,  observando  com  espera  enquanto seus pratos eram cheios.  Mas Amelia Hathaway parecia apenas consciente dos suculentos mantimentos.  Sua atenção estava centrada em uma conversação no extremo da mesa, entre Lorde  Westcliff e seu irmão Leo. Seu rosto permanecia tranquilo, mas seus dedos formavam  um apertado punho.  —  …obviamente,  você  possui  uma  grande  área  de  boa  terra  cultivada  que  esteve  sem cultivar… — dizia Westcliff,  enquanto  Leo  escutava  evidentemente  sem  interesse — Porei a meu próprio administrador a sua disposição, para que o relatório 

 

dos términos de arrendamento usuais aqui no Hampshire. Estes acertos geralmente  não  estão  escritos,  o  qual  supõe,  para  ambas  as  partes,  uma  obrigação  de  honra  na  hora de cumprir os acordos…  —  O  agradeço  —  disse  Leo  depois  de  beber  a  metade  de  seu  vinho  com  um  oportuno gole —, mas negociarei com meus arrendatários quando estimar oportuno,  milord.  —  Temo‐me  que  com  o  tempo  muitos  se  partiram  —  respondeu  Westcliff  —  Muitas das casas dos arrendatários em suas terras se viram afetadas pelas chuvas. A  gente que agora depende de você esteve abandonada a sua sorte há muito tempo.  — Então já é hora de que aprendam que uma de minhas grandes qualidades é  que  sempre  decepciono  aos  que  dependem  de  mim.  —  Leo  dirigiu  um  brilhante  sorriso a Amelia, seus olhos eram frios — Não é assim, irmãzinha?  Com visível esforço, Amelia forçou seus dedos a relaxar‐se.  —  Estou  segura  que  Lorde  Ramsay  emprestará  toda  sua  atenção  às  necessidades de seus arrendatários — disse cuidadosamente — Lhe rogo que não se  deixe  enganar  por  seu  intento  de  resultar  divertido.  De  fato,  já  mencionou  seus  futuros  planos  para  melhorar  as  casas  dos  arrendatários  e  estudar  modernos  métodos de agricultura…  —  Se  estudo  algo  —  disse  Leo  com  voz  lenta  —,  será  o  fundo  de  uma  boa  garrafa  do  porto.  Os  arrendatários  do  Ramsay  demonstraram  sua  capacidade  para  prosperar apesar do descuido, está claro que não necessitam de minha intervenção.  Alguns hóspedes se esticaram apreensivamente ante o despreocupado discurso  de Leo, enquanto que outros emitiam algumas risadas forçadas. A tensão espessou o  ar.  Se  Leo  tentava  deliberadamente  inimizar‐se  com  o  Westcliff,  não  poderia  ter  eleito  uma  melhor  forma  de  fazê‐lo.  Westcliff  sentia  uma  grande  preocupação  para  os  menos  afortunados  que  ele,  e  uma  dura  aversão  para  os  nobres  autoindulgentes  que não cumpriam com suas responsabilidades.  — Demônios. — ouviu Cam murmurar ao Lillian em um suspiro, enquanto as  sobrancelhas de seu marido desciam de sopetão até seus frios e escuros olhos. 

 

Mas  justo  quando  Westcliff  separava  os  lábios  para  soltar  um  desdenhoso  sermão  ao  jovem  e  insolente  visconde,  uma  das  convidadas  emitiu  um  chiado  ensurdecedor. Outras duas senhoras saltaram de suas cadeiras, junto com vários dos  cavalheiros, todos eles fixando o olhar com horror no centro da mesa.  Toda  conversação  se  deteve.  Seguindo  os  olhares  dos  convidados,  Cam  viu  algo…  um lagarto?,  retorcendo‐se  e  arrastando‐se  pelo  caminho  através  de fontes  e  saleiros. Sem vacilar se inclinou para frente e capturou à pequena criatura, cavando  as  mãos  para  sustentá‐lo.  O  lagarto  se  retorceu  furiosamente  no  espaço  entre  sua  palmas fechadas.  — Tenho‐o — disse brandamente.  A  esposa  do  vigário  se  deprimiu,  caindo  para  trás  em  sua  cadeira  com  um  gemido baixo.  —  Não  o  machuque!  —  disse  em  voz  alta  e  ansiosa  Beatrix  Hathaway  —  É  o  mascote da família!  Os  convidados  jogaram  uma  olhada  das  mãos  fechadas  do  Cam  à  garota  Hathaway de rosto contrito.  — Um mascote?… Que alívio — disse tranquilamente Lady Westcliff, olhando  ao  longo  da  mesa  até  onde  se  encontrava  seu  marido  com  o  rosto  em  branco  —  Pensei que era alguma nova delicadeza inglesa que acabávamos de servir.  Uma  rajada  de  cor  obscureceu  o  rosto  do  Westcliff,  e  seu  olhar  se  separou  de  sua  esposa  com  fera  concentração.  Para  qualquer  pessoa  que  lhe  conhecesse,  resultava óbvio que lutava por não rir.  — Trouxeste o Spot para o jantar? — perguntou Amelia a sua irmã menor cheia  de incredulidade — B, ontem te disse que te liberará dele!  —  Tentei‐o  —  replicou  Beatrix  tristemente  —,  mas  depois  de  deixá‐lo  em  um  tronco, seguiu a casa.  — B — disse Amelia severamente —, os répteis não seguem às pessoas a casa.  — Spot não é nenhum lagarto ordinário. Ele… 

 

— Discutiremo‐lo em privado. — Amelia se levantou de sua cadeira, obrigando  aos  cavalheiros  a  levantar‐se  de  seus  assentos.  Olhou  causar  pena  ao  Westcliff  —  Peço perdão, milord. Se nos desculpar…  O conde deu uma educada sacudida de cabeça.  O  outro  homem…  Christopher  Frost…  olhou  a  Amelia  com  uma  intensidade  que fez que ao Cam lhe arrepiasse a pele do pescoço.  —  Posso  ajudar?  —  perguntou  Frost.  Sua  voz  estava  cuidadosamente  desprovida de toda urgência, mas na mente do Cam não havia duvida sobre quanto  desejava o homem sair com ela.  — Não há necessidade — disse Cam brandamente — Como pode ver, tudo está  adequadamente em minhas mãos. A seu serviço, senhorita Hathaway.  E, sustentando ainda ao inquieto réptil, acompanhou às irmãs fora da sala.                    Capítulo 8    Cam as conduziu longe do comilão, através de um par de portas francesas que  davam à estufa. Este se encontrava escassamente mobiliada com cadeiras de vime e  um  sofá.  Ao  redor  da  estufa  frondosas  planta  pendentes  se  intercalavam  entre 

 

brancas  colunas.  Nuvens  ameaçadoras  cruzavam  o  úmido  céu  enquanto  de  uma  tocha emergia um vívido baile de luzes que caía sobre o chão.  Logo  que  as  comporta  se  fecharam,  Amelia  se  aproximou  de  sua irmã  com  as  mãos  em  alto.  Cam  acreditou  que  ia  sacudi‐la  mas  em  seu  lugar  se  aproximou  de  Beatrix com os ombros tremendo. Logo que podia respirar da risada.  —  B...  fez‐o  de  propósito  verdade?  Não  podia  acreditar  o  que  viam  meus  olhos... essa maldita lagartixa correndo ao longo da mesa...  —  Tinha  que  fazer  algo  —  explicou  a  garota  com  voz  apagada  —  O  comportamento de Leo foi terrível e embora não compreendia o que queria dizer, vi  a cara de Lorde Westcliff.  — OH... OH... — Amelia sufocou uma risada tola — Pobre Westcliff... em um  momento está defendendo às pessoas do povo da tirania de Leo e então Spot vem e  se desliza junto aos pratos do pão...  —  Onde  está  Spot?  —  Dando  a  volta,  Beatrix  se  aproximou  do  Cam,  que  depositou o lagarto em suas estendidas mãos — Obrigado senhor Rohan. Suas mãos  são muito rápidas.  — É o que dizem de mim — disse sorrindo — O lagarto é um animal que traz  sorte. Alguns dizem que proporciona sonhos proféticos.  — De verdade? — Beatrix o contemplou fascinada — Tenho que pensar sobre  isso, pois ultimamente sonho mais frequentemente.  —  Minha  irmã  não  necessita  que  a  animem  nesse  sentido  —  disse  Amelia  lançando ao Beatrix um significativo olhar — É hora de despedir‐se do Spot, querida.  —  Sim,  sei  —  suspirou  Beatrix  entreabrindo  os  olhos  para  seu  antediluviano  mascote encerrado dentro da lassa prisão de seus dedos. — Deixarei‐o livre. Embora  me parece que Spot preferiria viver aqui em lugar de no imóvel do Ramsay.  — E quem não? Vá e encontra um bonito sítio para ele, B. Esperarei‐te aqui.  Enquanto  sua  irmã  saía  correndo,  Amelia  se  deu  a  volta  para  contemplar  o  escuro perfil da casa, sua silhueta dentro dos limites da grade de ferro forjado com  vistas ao rio. 

 

— O que está fazendo? — perguntou Cam enquanto se aproximava.  — Jogando uma última olhada ao Stony Cross Manor porque esta será a última  vez que a veja.  Cam sorriu abertamente.  —  Duvido‐o.  Os  Westcliff  deram  a  bem‐vinda  a  convidados  que  se  comportaram muito pior.  — Pior que soltar criaturas selvagens reptantes sobre a mesa do comilão? Deus  do céu, devem estar desesperados por ter companhia.  — Têm uma grande tolerância à excentricidade — disse ele fazendo uma pausa  antes  de  acrescentar  —  Entretanto  não  suportam  absolutamente  nenhum  modo  de  crueldade.  A  referência  a  seu  irmão  produziu  uma  mescla  de  emoções  em  seu  rosto,  tornando seu humor em vergonha.  —  Leo  nunca  se  levou  com  crueldade  —  disse  abraçando‐se  fortemente  com  seus próprios braços, como se queria envolver‐se a si mesma em busca de amparo —  Desde ano passado se tornou insuportável. Não é ele mesmo.  — Desde que herdou o título?  — Não, não tem nada que ver com isso. É porque... — Olhando além do Cam,  lhe fez um nó na garganta. Começou‐se para ouvir um nervoso repico, proveniente  de um dos pés ocultos sob as saias — Leo perdeu a alguém — disse finalmente — A  febre  se  levou  a  muita  gente  do  povo,  incluindo  à  garota  que...  bom,  estava  comprometido  com  ela.  Laura.  —  O  nome  parecia  pegar‐se  a  sua  garganta  —  Era  minha melhor amiga e de Win também. Uma garota preciosa. Gostava de desenhar e  pintar. Tinha uma risada que se contagiava com só ouvi‐la.  Amelia se calou durante um momento, perdida em sua memória.  — Foi uma das primeiras em cair doente — disse — Leo permaneceu junto a ela  em todo momento. Ninguém esperava que fora a morrer... mas ocorreu rapidamente.  Depois de três dias tinha tanta febre e estava tão fraco que apenas se sentia seu pulso.  Finalmente caiu em um estado de inconsciência e morreu nos braços de Leo poucas 

 

horas mais tarde. Quando Leo chegou a casa, deprimiu‐se, e então compreendemos  que também se contagiou com a febre. Depois se contagiou Win.  — Outros não?  Amelia negou sacudindo sua cabeça.  —  Tinha  enviado  Beatrix  e  Poppy  longe.  E  por  alguma  razão  nem  eu  nem  Merripen  caímos  doentes.  Ele  me  ajudou  cuidando‐os  até  o  final.  Sem  sua  ajuda  poderiam ter morrido os dois. Merripen fez um xarope com alguma classe de planta  venenosa.  — Mortífera dulcamara. Não é fácil de encontrar.  —  Sim  —  disse  olhando‐o  com  estranheza  —  Como  sabia?  Imagino  que  o  aprendeu de sua avó. Não?  Cam assentiu.  —  O  truque  consiste  em  administrar  a  dose  exata  para  rebater  o  veneno  no  sangue mas sem chegar a matar ao paciente.  — Bom, os dois se salvaram graças a Deus. Mas Win está bastante frágil como  provavelmente terá observado, e Leo... agora nada nem ninguém lhe importa. Nem  sequer ele mesmo — disse terminando com o contínuo repico de seu pé — Não sei  como lhe ajudar. Posso entender o que se sente ao perder a alguém, mas... — Sacudiu  sua cabeça impotente.  — Refere‐se ao senhor Frost — disse.  Amelia o olhou durante um momento e se ruborizou completamente.  — Como soube?, contou‐lhe ele algo?, foram as fofocas, O...?  — Não, nada disso. Pude vê‐lo quando falou com ele antes.  Sacudindo a cabeça, Amelia elevou as mãos a suas incendiadas bochechas.  — Deus do céu. Tanto se nota?  —  Possivelmente  eu  seja  um  dos  PhuryDae  —  disse  sorrindo  —  Um  cigano  místico. Estava apaixonada por ele? 

 

— Isso não é seu assunto — disse com muita rapidez.  Cam a olhou mais perto.  —Por que a deixou?  — Como soube...? — Deixou sem acabar a frase e franziu o sobrecenho logo que  compreendeu o que estava fazendo, lançando provocadoras perguntas e registrando  suas reações ante as mesmas — É você um aporrinho. De acordo, o contarei. Deixou‐ me  por  outra  mulher.  Mais  bonita  e  jovem,  que  resultou  ser  a  filha  de  seu  chefe.  Tratava‐se de um matrimônio vantajoso para ele.  — Equivoca‐se.  Amelia o olhou perplexa.  — Asseguro‐lhe que era enormemente vantajoso.  — É impossível que ela fora mais bonita que você.  Amelia abriu os olhos de par em par ante o completo.  — OH — murmurou.  Aproximando‐se  dela,  Cam  deteve  com  seu  pé  o  contínuo  tamborilar  do  dela.  Este cessou.  — Um mau hábito, ao parecer não posso me desfazer dele.  — Os colibris fazem o mesmo durante a primavera. Sujeitam‐se a um lado  do  ninho e usam sua outra pata para calcar o chão do ninho.  Amelia olhou a seu redor como se não soubesse onde fixar sua vista.  —  Senhorita  Hathaway  —  disse  Cam  gentilmente  enquanto  ela  se  movia  nervosamente  ante  ele.  Queria  tomá‐la  entre  seus  braços  e  sustentá‐la  até  que  se  acalmasse — A estou pondo nervosa?  Obrigou‐se a levantar a vista para o Cam. Seus olhos albergavam o brilho azul  escuro de um lago iluminado pela lua.  — Não — respondeu imediatamente — É obvio que não, você... bom sim, põe‐ me nervosa. 

 

A veemente honestidade de sua resposta surpreendeu aos dois. A escuridão da  noite se fazia mais profunda, uma das tochas se consumou, e a conversação derivou a  algo  vacilante,  imperfeito  e  delicioso,  como  pedaços  de  caramelo  desfazendo‐se  na  boca.  — Nunca lhe faria mal — disse Cam em voz baixa.  — Sei, não é isso.  — É por havê‐la beijado, verdade?  — Você..., você disse que não o recordava.  — Recordo‐o.  — Por que o fez? — perguntou quase em um suspiro.  — Impulso. Oportunidade. — Excitado por sua cercania, Cam tentou ignorar o  rumo  que  estava  tomando  seu  próprio  corpo  —  Certamente  não  teria  esperado  menos  de  um  romaní.  Tomamos  o  que  queremos.  Se  um  romaní  desejar  a  uma  mulher, rapta‐a. Às vezes inclusive diretamente da cama.  — Inclusive na escuridão  pôde ver como ela voltava a ruborizar‐se outra vez.  — Disse que nunca me faria mal.  —  Se  me  levasse  isso  longe  comigo...  —  Pensar  nisso,  em  sua  suavidade,  em  retê‐la  entre  seus  braços,  fez  que  fervesse  seu  sangue.  Estava  tão  apanhado  pela  primitiva  atração  que  sentia,  que  qualquer  espionagem  de  lógica  se  viu  esmagado  sob  o  descomunal  ardor  de  seu  desejo  —  A  última  coisa  que  faria  seria  lhe  fazer  danifico.  —  Nunca  faria  nada  disso  —  disse  Amelia,  tentando  com  dificuldade  parecer  convincente — Os dois sabemos que é você muito civilizado para fazê‐lo.  —  Realmente  sabemos?  Me  crie,  o  assunto  de  minha  civilização  é  algo  inteiramente questionável.  —  Senhor  Rohan?  —  perguntou  com  insegurança  —,  está  tentando  que  me  ponha nervosa? 

 

— Não. — E como se a resposta necessitasse mais ênfase, repetiu brandamente  — Não.  Inferno e condenação, pensou, perguntando‐se o que era o que estava fazendo.  Não  sabia  porquê  esta  mulher,  com  sua  inteligência  e  sua  infeliz  inocência,  tinha‐o  cativado  tão  profundamente.  Quão  único  tinha  claro  era  a  imperiosidade  de  seu  desejo  por  tê‐la,  desfazer  todos  os  artificiosos  atavios,  encaixe  e  sapatos,  a  capa  de  seu vestido, os pequenos ganchos das forquilhas.  Amelia respirou profundamente.  — O que não mencionou você, senhor Rohan, é que se um cigano raptar a uma  mulher  de  sua  cama,  segundo  a  tradição,  é  porque  tem  em  mente  o  propósito  de  casar‐se  com  ela.  E  o  denominado  rapto  é  planejado  de  antemão  e  animado  pela  futura noiva.  Cam lhe dirigiu deliberadamente um encantador sorriso para dissipar a tensão.  — Falta‐lhe sutileza, mas acelera o processo grandemente, não? prescinde‐se da  permissão do pai da noiva, não há admoestações, nem se prolonga o compromisso. O  cortejo dos ciganos resulta muito eficiente.  A conversação se deteve ante o reaparecimento do Beatrix.  —  Spots  se  foi  —  informou  —.  Parecia  muito  contente  de  alojar‐se  no  Stony  Cross Park.  Dando a impressão de estar aliviada pela volta de sua irmã, Amelia foi para ela  lhe limpando as bolinhas de barro da manga e lhe endireitando o laço do cabelo.  — Tomara que Spot tenha boa sorte. Está preparada para voltar para comilão?  — Não.  —  OH,  tudo  irá  bem.  Tão  solo  recorda  parecer  castigada  quando  eu  te  faça  gestos  de  modo  autoritário  e  estou  segura  de  que  permitirão  que  fique  até  as  sobremesas.  — Não quero voltar — choramingou Beatrix —. É tão terrivelmente aborrecido,  e eu não gosto de toda essa comida tão abundante, e além disso estou sentada junto 

 

ao  vigário  que  só  quer  falar  de  seus  sermões  religiosos.  Resulta  tão  redundante  perguntar‐se a gente mesmo, não te parece?  —  Suporta  certa  fragrância  a  pedantería  —  conveio  Amelia  burlonamente,  acariciando  o  escuro  cabelo  de  sua  irmã  —.  Pobre  B.  Não  tem  que  voltar  se  não  querer.  Estou  segura  de  que  os  criados  poderão  recomendar  algum  lugar  para  que  espere até que acabe o jantar. Possivelmente na biblioteca.  — OH obrigada —disse Beatrix sentindo‐se melhor —. Mas quem criará outra  distração se Leo começar a ficar desagradável outra vez?  — Eu o farei — assegurou Cam com gravidade —. Posso ser surpreendente em  qualquer momento.  —  Não  sentiria  saudades  —  disse  Amelia  —.  De  fato  estou  completamente  segura de que desfrutaria disso.                             

 

          Capítulo 9    O grupo sentado à mesa do Westcliff ficou aliviado pela notícia de que Beatrix  tinha eleito acontecer o resto da noite a sós em tranquila contemplação. Sem dúvida  temiam  outra  interrupção  por  parte  de  algum  outro  mascote  procedente  de  um  bolso, mas Amelia lhes tinha assegurado que não haveria mais visitas inesperadas na  mesa.  Só  Lady  Westcliff  parecia  genuinamente  turvada  pela  ausência  de  Beatrix.  A  condessa  se  desculpou  em  uma  ocasião  entre  o  quarto  e  quinto  prato  e  reapareceu  depois  de  um  quarto  de  hora.  Amelia  mais  tarde  se  inteirou  de  que  Lady  Westcliff  tinha  ordenado  que  levassem  a biblioteca  uma  bandeja  com  o jantar  de  Beatrix,  e  a  tinha visitado ali.  — Lady Westcliff me contou algumas histórias de quando era menina, e como  ela e sua irmã pequena estavam acostumadas a comportar‐se mal — contou Beatrix  ao dia seguinte —. Me disse que trazer um lagarto ao jantar não era nada comparado  com as coisas que tinham feito... de fato, disse que ambas eram diabólicas e malvadas  até a medula. Não é assombroso?  —  Assombroso  —  disse  Amelia  com  sinceridade,  refletindo  sobre  quanto  gostava da americana, que parecia singela e divertida. Westcliff era outra questão. O  conde era algo mais que um pouco lhe intimidem. E depois do cruel desprezo de Leo  em relação à preocupação do Westcliff pelos arrendatários do Ramsay, era duvidoso  que o conde estivesse favoravelmente disposto para os Hathaway.  Por  fortuna  Leo  tinha  conseguido  evitar  mais  controvérsias  durante  o  jantar,  principalmente porque esteve ocupado flertando com a atrativa mulher sentada a seu 

 

lado. Embora as mulheres sempre se sentiram atraídas por Leo, com sua altura, sua  boa  aparência  e  sua  inteligência,  nunca  tinha  sido  tão  apaixonadamente  açoitado  como agora.  — Acredito que isso indica algo estranho a respeito dos gostos das mulheres — disse Win a Amelia em privado quando estiveram na cozinha do Ramsay House —,  já  que  a  Leo  não  perseguiam  tantas  mulheres  quando  era  simpático.  Parece  que  quanto mais odioso é, mais gostam.  — Pois são bem‐vindas a ficar — respondeu resmungona Amelia—. Não vejo o  atrativo em um homem que cada dia tem o mesmo aspecto que se acabasse de sair da  cama,  ou  se  preparasse  para  voltar  para  ela—.  Se  envolveu  o  cabelo  em  um  tecido  protetor e dobrou os extremos como se fora um turbante.  Preparavam‐se para outro dia de limpeza, e o pó da antiga casa tinha tendência  a  pegar‐se  obstinadamente  à  pele  e  o  cabelo.  Infelizmente  a  ajuda  contratada  não  tinha  por  costume  chegar  no  momento  oportuno,  absolutamente.  Já  que  Leo  permanecia  na  cama  depois  uma  noite  de  bebedeira,  e  provavelmente  não  se  levantaria até o meio‐dia, Amelia se sentia particularmente zangada com ele. A casa e  a  fazenda  eram  de  Leo...  o  menos  que  podia  fazer  era  ajudar  a  restaurá‐la.  Ou  contratar aos serventes necessários.  —Seus  olhos  trocaram  —murmurou  Win—.  Não  só  a  expressão.  A  cor  real.  Deste‐te conta?  Amelia ficou quieta. Demorou muito tempo em responder.  —Pensava que era minha imaginação.  —Não.  Sempre  tinham  sido  azul  escuro,  como  os  teus.  Agora  são  mais  bem  cinza claro. Como um lago depois de que o céu tenha trocado no inverno.  —Estou  segura  de  que  a  cor  dos  olhos  de  algumas  pessoas  trocam  quando  maturam.  —Sabe que é pela Laura.  Uma  sombria  pesadez  oprimia  todo  o  corpo  da  Amelia  quando  pensava  em  quão amiga tinha perdido e o irmão que parecia ter perdido junto com ela. Mas não  podia perder o tempo em nada disso agora, havia muito que fazer. 

 

—Não acredito que tal coisa seja possível. Nunca ouvi que... —interrompeu‐se  quando viu o Win recolhendo suas largas tranças em um tecido idêntico ao dela—. O  que faz?  —Hoje  vou  ajudar  —disse  Win.  Embora  seu  tom  era  plácido,  sua  mandíbula  delicada estava apertada como a de uma mula—. Me sinto bastante bem e...  —OH,  não  o  está!  vais  provocar  te  um  desmaio,  e  logo  te  levará  dias  te  recuperar. Encontra algum lugar onde te sentar, enquanto o resto de nós...  —Estou  cansada  de  me  sentar.  Estou  cansada  de  observar  a  todos  sem  trabalhar. Conheço meus limites, Amelia. Me deixe fazer o que quero.  —Não. —Incrédula, Amelia observou como Win recolhia uma vassoura de um  rincão—.  Win,  solta  isso  e  deixa  de  fazer  o  parvo!  —A  contrariedade  a  invadia—.  Não está ajudando a ninguém esbanjando todas suas forças em tarefas servis.  —Posso fazê‐lo. —Win agarrou a manga da vassoura com ambas as mãos como  se acreditasse que Amelia estivesse a ponto de arrancar‐lhe —Não me excederei.  —Deixa a vassoura.  —Me deixe em paz —gritou Win—, vá limpar algo!  —Win,  se  não  o  fizer...  —Amelia  se  distraiu  quando  viu  o  olhar  de  sua  irmã  voar para a soleira da cozinha.  Merripen  estava  ali,  seus  largos  ombros  tampavam  a  porta.  Embora  era  pela  manhã  cedo,  já  estava  poeirento  e  suarento,  a  camisa  pegava  aos  contornos  poderosos  do  peito  e  a  cintura.  Luzia  uma  expressão  que  conheciam  bem...  tão  implacável, indicando que poderia mover uma montanha com uma colherinha antes  que lhe fazer trocar de ideia sobre algo. Aproximando‐se de Win, estendeu uma de  suas largas mãos em uma demanda muda.  Ambos permaneceram imóveis. Mas inclusive em sua teimosa oposição, Amelia  via  uma  conexão  singular,  como  se  estivessem  apanhados  em  um  ponto  morto  do  que nenhum queria liberar‐se.  Win se rendeu com um cenho de impotência. 

 

—Não  tenho  nada  que  fazer.  —Era  estranho  nela  mostrar‐se  tão  teimosa—.  Estou aborrecida de me sentar, ler e olhar pela janela. Quero ser útil. Quero... —Sua  voz se desvaneceu quando viu a expressão severa de Merripen—. Muito bem, então.  Toma‐a!  —Lançou‐lhe  a  vassoura,  e  ele  a  apanhou  de  forma  reflete—.  Encontrarei  um rincão em alguma parte e me voltarei louca tranquilamente. Irei...  —Veem  comigo  —interrompeu  Merripen  com  calma.  Deixando  a  um  lado  a  vassoura, saiu da habitação.  Win  intercambiou  um  olhar  perplexo  com  a  Amelia,  e  sua  veemência  se  desvaneceu.  —O que vai fazer?  —Não tenho nem ideia.  As irmãs lhe seguiram por um vestíbulo até o comilão, que estava salpicado de  retângulos de luz procedentes das altas vidraças que cobriam uma das paredes. Uma  mesa  cheia  de  marcas  ocupava  o  centro  da  habitação,  cada  polegada  de  sua  superfície  estava  coberta  de  montões  poeirentos  de  porcelana...  torres  de  taças  e  pires,  pratos  de  diversos  tamanhos  amontoados  junto  com  tigelas  envoltos  em  pequenos  trapos  de  linho  cinza.  Havia  ao  menos  três  baixelas  diferentes  mescladas  sem nenhuma ordem.  —Isto  necessita  que  alguém  o  ordene  —disse  Merripen,  empurrando  amavelmente  Win  para  a  mesa—.  Muitas  peças  estão  quebradas.  Devem  ser  separadas do resto.  Era a tarefa perfeita para o Win, suficiente para mantê‐la ocupada, mas não tão  extenuante  que  a  esgotasse.  Cheia  de  gratidão,  Amelia  observou  como  sua  irmã  recolhia  uma  taça  de  chá  e  a  sujeitava  de  barriga  para  baixo.  A  casca  de  uma  diminuta aranha morta caiu ao chão.  —Vá, desastre —disse Win, sorrindo. —Terei que as lavar, também, suponho.  —Se quiser que Poppy te ajude... —começou Amelia.  —Não te atreva a enviar a procurar Poppy —disse Win—. Este é meu projeto, e  não o compartilharei. 

 

Sentando‐se  em  uma  cadeira  situada  a  um  lado  da  mesa,  começou  a  desembrulhar peças de porcelana.  Merripen olhou o turbante na cabeça de Win, seus dedos se contraíram como se  estivesse  seriamente  tentado  de  tocar  a  loira  mecha  que  se  soltou  sob  o  tecido.  Seu  rosto se endureceu com a paciência de um homem que sabia que nunca teria o que  verdadeiramente  queria.  Usando  só  a  ponta  de  um  dedo,  ele  apartou  um  pires  da  borda da mesa. A porcelana chiou sutilmente na madeira danificada.  Amelia seguiu ao Merripen de volta à cozinha.  —Obrigada  —disse  quando  estiveram  fora  do  alcance  dos  ouvidos  de  sua  irmã—, em minha preocupação porque Win não se cansasse, não me tinha ocorrido  que poderia voltar‐se louca de aborrecimento.  Merripen  recolheu  uma  pesada  caixa  de  trastes  restantes  e  restos,  e  a  elevou  sobre seu ombro com facilidade. Um sorriso cruzou sua cara.  —Está melhorando.  Caminhou para a porta e a abriu empurrando‐a com o ombro.  Não  era  uma  opinião  médica  perita,  mas  Amelia  estava  segura  que  estava   certo. Olhando ao redor da revolta cozinha, sentiu uma quebra de onda de felicidade.  Faziam  bem  vindo  aqui.  Um  lugar  novo  que  oferecia  novas  possibilidades.  Possivelmente  a  má  sorte  dos  Hathaway  tinha  trocado  por  fim.  Armada  com  uma  vassoura, uma faxineira, um recolhedor, e uma pilha de trapos, Amelia subiu a uma  das habitações que ainda não tinha explorado. Usou a totalidade de seu próprio peso  para abrir a primeira porta, que cedeu com um estalo de algo que se quebrava e um  chiado de dobradiças oxidadas. Parecia ser uma sala de estar privada, com estantes  de madeira embutidas.  Havia dois volumes em uma prateleira. Examinando os livros recobertos de pó,  com o couro envelhecido com gretas em forma de teia, Amelia leu o primeiro título:  A pesca com cano flexível, Um Simpósio da Arte da Pesca com mosca do rutilo e o  lucio. Não era de sentir saudades que o livro tivesse sido abandonado por seu dono  anterior, pensou. O segundo título era muito mais alentador: As gestas amorosas na  corte da Inglaterra durante o reinado do Carlos II. Possivelmente contivera algumas  revelações obscenas com as que ela e Win pudessem rir bobamente mais tarde. 

 

Devolvendo  os  livros  a  seu  lugar,  Amelia  foi  abrir  as  janelas  cobertas  com  cortinas.  A  cor  original  do  tecido  se  converteu  em  cinza,  o  veludo  estava  puído  e  roído.  Enquanto Amelia trabalhava em excesso em atirar de uma das cortinas para um  lado,  a  barra  inteira  de  latão  se  soltou  do  teto  e  caiu  com  estrépito  ao  chão.  Uma  nuvem  de  pó  a  envolveu.  Espirrou  e  tossiu  no  rarefeito  ambiente.  Ouviu  um  grito  interrogativo escada abaixo, provavelmente do Merripen.  —Estou bem —respondeu.  Recolhendo um trapo limpo, limpou‐se a cara e abriu a suja janela. O marco se  entupiu.  Empurrou  com  força  para  afrouxá‐lo.  Outro  empurrão,  mais  forte,  e  logo  um  empurrão  com  todo  seu  peso  atrás  deste.  A  janela  cedeu  com  surpreendente  rapidez,  fazendo‐a  perder  o  equilíbrio.  Caiu  para  frente  e  se  aferrou  ao  bordo  da  janela em um intento de encontrar apoio, mas se inclinou para fora.  Com  um  brilho  de  pânico  enquanto  caía  para  frente,  ouviu  um  som  apagado  atrás dela.  No tempo que dura um batimento do coração, atiraram ela para trás com tanta  força  que  seus  ossos  protestaram  pela  brusca  mudança  de  direção.  Cambaleou‐se,  indo  dar com  força  contra algo  sólido mas flexível. Impotente, caiu  ao chão em um  enredo de extremidades, algumas não eram as suas.  Recostada  sobre  um  robusto  peito  masculino,  viu  um  rosto  moreno  debaixo  dela, e resmungou torpemente:  —Merri...  Mas  esses  não  eram  os  olhos  da  Marta  do  Merripen,  eram  de  um  brilhante  e  resplandecente âmbar. Um golpe de prazer atravessou seu estômago.  —Sabe,  se  tiver  que  seguir  resgatando‐a  assim  —comentou  Cam  Rohan  de  forma  despreocupada—,  realmente  deveríamos  discutir  alguma  classe  de  recompensa.  Ele  alargou  a  mão  para  lhe  tirar  o  lenço  do  cabelo,  que  estava  torcido,  e  suas  tranças se soltaram. A mortificação varreu qualquer outro sentimento. Amelia sabia 

 

que  aspecto  devia  apresentar,  despenteada  e  coberta  de  pó.  Por  que  alguma  vez  perdia uma oportunidade para apanhá‐la em desvantagem?  Expressando com voz entrecortada uma desculpa, lutou para apartar‐se, mas o  peso de suas saias e a rigidez de seu espartilho o faziam difícil.  —Não... um momento...  Rohan inspirou com força quando ela se retorceu contra ele, e começou a fazê‐ los rodar a ambos para um lado.  —Quem lhe deixou entrar na casa? —conseguiu perguntar Amelia.  Rohan lhe dirigiu um olhar inocente.  —Ninguém. A porta estava aberta e o vestíbulo estava vazio.  Ele  sacudiu  as  pernas  para  liberar  as  saias  pegas  e  atirou  dela  até  sentá‐la.  Nunca tinha conhecido a alguém que tivesse tal facilidade de movimento.  —Inspecionou este lugar? —perguntou ele—. A casa está a ponto de derrubar‐ se.  Não  pude  me  arriscar  a  entrar  aqui  sem  formular  uma  oração  rápida  ao  Butyakengo.  —A quem?  —Um  espírito  protetor  dos  ciganos  —a  sorriu—.  Mas  já  que  estou  aqui,  arriscarei‐me. Me deixe ajudá‐la a levantar‐se.  Atirou  da  Amelia  para  pô‐la  em  pé,  não  a  deixou  ir  até  que  recuperou  o  equilíbrio. O agarre por essas mãos enviou sensações através de seus braços, e a fez  ofegar um pouco.  —Por que está aqui? —perguntou ela.  Rohan se encolheu de ombros.  —Só  estou  de  visita.  Não  há  muito  o  que  fazer  no  Stony  Cross  Park.  É  o  primeiro dia da temporada da caça da raposa.  —Não queria participar?  Ele negou com a cabeça. 

 

—Só  caço  para  comer,  não  por  esporte.  E  tendo  a  me  compadecer  da  raposa,  tendo estado em seu lugar um par de vezes.  Devia  referir‐se  a  uma  caçada  de  ciganos,  pensou  Amelia  com  preocupação  e  curiosidade.  Desejou  indagar  a  respeito  disso...  mas  esta  conversação  não  podia  continuar.  —Senhor  Rohan  —disse  torpemente—,  eu  gostaria  de  ser  uma  anfitriã  adequada e poder lhe conduzir até a sala e lhe oferecer um refresco. Mas não tenho  refrescos.  Em  realidade  ainda  não  tenho  uma  sala.  Por  favor  me  perdoe  se  parecer  grosseira, mas este não é um bom momento para fazer visitas...  —Posso  ajudá‐la  —apoiou  um  ombro  contra  a  parede,  sorrindo—.  Sou  bom  com as mãos.  Não houve insinuação em seu tom, mas não obstante se ruborizou.  —Não, obrigada. Estou segura de que Butayenko o desaprovaria.  —Butyakengo.  Ansiosa por demonstrar sua competência, Amelia caminhou para a outra janela  e começou a empurrar as cortinas fechadas.  —Obrigada, senhor Rohan, mas como pode ver, tenho a situação controlada.  —Acredito que ficarei. Acabo de impedir que caia por uma janela, odiaria que  saísse pela outra.  —Não o farei. Estarei bem. Tenho tudo baixo...  Atirou  mais  forte,  e  esta  barra  caiu  com  estrépito  ao  piso,  quão  mesmo  tinha  feito a outra. Mas a diferença da outra cortina, que tinha estado coberta de estragado  veludo,  esta  estava  coberta  de  uma  espécie  de  tecido  brilhante  e  murmurante,  uma  espécie de...  Amelia ficou congelada, horrorizada. A parte inferior da cortina estava coberta  de abelhas. Abelhas. Centenas, não, milhares delas, suas asas iridescentes palpitavam  com  um  feroz  zumbido  implacável.  Elevaram‐se  como  uma  massa  do  veludo  enrugado,  enquanto  outras  chegavam  voando  de  uma  fenda  na  parede,  onde  bulia 

 

uma enorme colmeia. Os insetos pululavam como línguas de fogo ao redor da forma  paralisada da Amelia.  Sentiu como o sangue desaparecia de seu rosto.  —OH Deus!  —Não  se  mova.  —A  voz  do  Cam  Rohan  era  surpreendentemente  tranquila—.  Não as esmague.  Nunca tinha conhecido semelhante medo primitivo, fluindo por toda sua pele,  filtrando‐se através de cada poro. Nenhuma parte de seu corpo parecia estar sob seu  controle. O ar fervia com elas, abelhas e mais abelhas.  Não  ia  ser  uma  forma  agradável  de  morrer.  Fechando  os  olhos  com  força,  Amelia  se  obrigou  a  permanecer  quieta,  quando  cada  um  de  seus  músculos  estava  tenso  e  clamava  por  mover‐se.  O  ar  se  movia  em  padrões  sinuosos  a  seu  redor,  corpos diminutos tocavam suas mangas, mãos, ombros.  —Estão mais assustadas de você, que você delas —ouviu que dizia Rohan.  Amelia tinha sérias dúvidas a respeito  —Estas não são abelhas a‐assustadas —Sua voz não parecia de sempre—. Estas  são abelhas f‐furiosas.  —Parecem  um  pouco  molestas  —concedeu  Rohan,  aproximando‐se  dela  lentamente—. Poderia ser o vestido que tem posto, não revistam lhes gostar das cores  escuras —uma curta pausa—. Ou pode ser o fato de que acaba de partir em duas sua  colmeia.  —Se t‐tem você o valor de divertir‐se com isto...  Deteve‐se e se cobriu o rosto com as mãos, com todo o corpo tremendo.  A voz tranquilizadora dele se impôs ao zumbido que os rodeava.  —Fique quieta. Tudo irá bem. Estou aqui com você.  —Me tire daqui —sussurrou ela com desespero. 

 

Seu  coração  palpitava  muito  forte,  sacudindo  seus  ossos,  bloqueando  todo  pensamento  coerente  em  sua  mente.  Sentiu  o  roce  de  alguns  insetos  curiosos  no  cabelo  e  as  costas.  Os  braços  dele  a  rodearam,  um  ombro  forte  se  situou  sob  sua  bochecha.  —Farei‐o, carinho. Ponha seus braços ao redor de meu pescoço.  Buscou  provas,  sentindo‐se  doente,  débil  e  desorientada.  Os  músculos  planos  de  sua  nuca  se  moveram  quando  se  inclinou  para  ela,  elevando‐a  com  facilidade  como se fora uma menina.  —Já está —murmurou ele—. A tenho.  Seus pés abandonaram o chão, e se sentiu ligeira e embalada ao mesmo tempo.  Nada disto parecia real: o torvelinho, abelhas zumbindo que corriam pelo ar, o duro  peito e os braços que a encerravam em um apertão forte e seguro. O pensamento que  acudiu ela foi que poderia ter morrido se ele não tivesse estado ali. Mas ele estava tão  tranquilo e cauteloso, carecia completamente de medo. A tenaz de terror ao redor de  sua garganta se aliviou. Inundando o rosto no ombro masculino, deixou‐se levar.  O  fôlego  dele  golpeava  com  um  ritmo  quente  e  constante  na  curva  de  sua  bochecha.  —Alguns  acreditam  que  a  abelha  é  um  inseto  sagrado  —lhe  disse  ele—.  Que  são um símbolo da reencarnação.  —Não acredito na reencarnação —resmungou ela.  Havia um sorriso na voz masculina.  —Que  surpresa.  Como  mínimo,  a  presença  de  abelhas  na  casa  é  sinal  de  que  acontecerão coisas boas.  Sua voz ficou enterrada na fina lã do casaco.  —O que significa que haja milhares de abelhas na casa de um?  Ele a elevou mais ainda entre seus braços, os lábios se curvaram amavelmente  contra o cerco frio de sua orelha. 

 

—Provavelmente  que  teremos  um  montão  de  mel  à  hora  do  chá.  Estamos  atravessando a porta. Em um momento vou deixa‐la sobre seus pés.  Amelia  manteve  seu  rosto  apertado  contra  ele,  as  pontas  dos  dedos  cravadas  entre as dobras de suas roupas.  —Estão‐nos seguindo?  —Não. Querem ficar perto da colmeia. Sua principal preocupação é proteger à  rainha de predadores.  —Ela não tem nada que temer de mim!  Cam conteve a risada em sua garganta. Com extremo cuidado, baixou os pés de  Amelia para o chão. Mantendo um braço ao redor dela, estendeu o outro para fechar  a porta.  —Já  está.  Estamos  fora  da  habitação.  Está  você  a  salvo  —lhe  aconteceu  a  mão  pelo cabelo—. Já pode abrir os olhos.  Arranca‐rabo  firmemente  às  lapelas  de  seu  casaco,  Amelia  esperava  uma  sensação de alívio que não chegava. Seu coração palpitava muito forte, muito rápido.  Doía‐lhe o peito por causa da tensão de sua respiração. Piscou, mas tudo o que pôde  ver foi uma chuva de faíscas.  —Amelia...  Acalme‐se.  Está  tudo  bem  —suas  mãos  percebiam  os  estremecimentos que ainda a percorriam—. Tranquilize‐se, carinho.  Não podia. Seus pulmões estavam a ponto de explodir. Não importava quanto  o  tentasse,  não  podia  conseguir  bastante  ar.  Abelhas...  O  zumbido  ressonava  ainda  em  seus  ouvidos.  Ouvia  a  voz  dele  como  se  proviesse  de  uma  grande  distância,  e  sentiu  seus  braços  rodeando‐a  outra  vez  enquanto  se  inundava  nas  capas  de  uma  suavidade cinzenta.  Depois  de  que  o  que  pôde  ter  sido  um  minuto  ou  uma  hora,  umas  sensações  agradáveis  se  filtraram  através  da  neblina.  Uma  pressão  tenra  se  movia  sobre  sua  frente. Alguém roce suave tocava suas pálpebras, deslizaram‐se por suas bochechas.  Uns  braços  fortes  a  sujeitavam  contra  uma  superfície  confortavelmente  dura,  enquanto  um  perfume  limpo  e  salgado  fazia  cócegas  nas  janelas  de  seu  nariz.  Suas  pestanas revoaram, e se girou para o calor com aturdido prazer. 

 

—Há voltado —ouviu um murmúrio baixo.  Abrindo os olhos, Amelia viu o rosto do Cam Rohan sobre ela. Estavam no chão  do  vestíbulo,  ele  a sujeitava em seu regaço. Como se a situação  não fora o  bastante  mortificante, o dianteiro de seu sutiã estava aberto, e seu espartilho desabotoado. Só  sua enrugada regata seguia cobrindo seu peito.  Amelia  se  esticou.  Até  esse  momento,  nunca  tinha  sabido  que  houvesse  um  sentimento além da vergonha, que fazia que alguém desejasse desmoronar‐se como  uma pilha de cinzas.  —Me... Meu vestido...  —Não respirava bem. Pensei que seria melhor lhe afrouxar o espartilho.  —Não me tinha desacordado nunca —disse aturdida, lutando por levantar‐se.  —Estava  assustada  —Lhe  aconteceu  a  mão  no  centro  do  peito,  pressionando  amavelmente para que baixasse de novo—. Descanse um minuto mais —seu olhar se  moveu  sobre  suas  pálidas  facções—.  Acredito  que  podemos  concluir  que  não  gosta  das abelhas.  —Odiei‐as desde que tinha sete anos.  —Por que?  —Jogava  fora  com  Win  e  Leo,  e  tropecei  muito  perto  de  uma  roseira.  Uma  abelha se equilibrou com fúria contra minha cara e me picou justo aqui —tocou um  lugar  justo  debaixo  de  seu  olho  direito,  na  parte  superior  de  sua  bochecha—.  Um  lado  de  minha  cara  se  inchou  até  que  me  fechou  o  olho...  Não  pude  ver  com  ele  durante quase duas semanas.  As pontas dos dedos dele roçaram sua bochecha para aliviar a antiga ferida.  —E meu irmão e minha irmã me chamaram de ciclope —ela viu como tentava  não sorrir—. Ainda o fazem, cada vez que uma abelha voa muito perto.  Olhou‐a com amável simpatia.  —A todo mundo dá medo algo.  —O que lhe dá medo a você? 

 

—Os tetos e as paredes, sobre tudo.  Ela  cravou  os  olhos  nele  com  perplexidade,  seus  pensamentos  ainda  eram  muito lentos.  —Quer dizer... preferiria viver fora como uma criatura selvagem?  —Sim, é o que quis dizer. Dormiu ao ar livre alguma vez?  —No chão?  Seu tom desconcertado o fez sorrir abertamente.  —Em uma cama de palha junto a um fogo.  Amelia tratou de imaginá‐lo, jazer indefesa na terra dura, a mercê de qualquer  criatura que engatinhasse, arrastasse‐se ou voasse.  —Não acredito que pudesse ficar dormida desse modo.  Sentiu a mão dele jogando lentamente com os cachos soltos de seu cabelo.  —Poderia —sua voz foi suave—. Eu a ajudaria.  Não tinha nem ideia do que tinha querido dizer com isso. Tudo o que soube foi  que  quando  as  gemas  dos  dedos  alcançaram  seu  couro  cabeludo,  sentiu  como  uma  rajada  de  tremente  sensualidade  percorria  sua  coluna  vertebral.  Com  estupidez  tratou de alcançar seu sutiã, tentando juntar o tecido reforçado.  —Me permita. Ainda está tremendo.  Suas  mãos  apartaram  as  dela  e  começou  a  grampear  o  espartilho  com  habilidade. Claramente estava familiarizado com as complexidades da roupa interior  feminina. Amelia não duvidava de que houvesse mais de uma dama disposta a lhe  deixar praticar.  Sobressaltada, perguntou:  —Picaram‐me em algum sítio?  —Não —a picardia brilhou em seus olhos—. A inspecionei a fundo. 

 

Amelia  suprimiu  um  pequeno  gemido  de  desassossego.  Esteve  tentada  de  apartar suas mãos dela, mas ele recolocava sua roupa muito mais eficazmente do que  o  teria  feito  ela.  Fechou  os  olhos,  tentando  fingir  que  não  estava  tombada  desajeitadamente no regaço de um homem, enquanto lhe grampeava o espartilho.  —Necessitará que um apicultor do povo tire a colmeia —disse Rohan.  Pensando na enorme colônia na parede, Amelia perguntou:  —Como as matará a todas?  —Pode  que  não  tenha  que  fazê‐lo.  Se  for  possível,  atordoará‐as  com  fumaça  e  transferirá à rainha a uma colmeia portátil. O resto a seguirá. Mas se não puder fazê‐ lo, terá que matar a colônia com água saponácea. O maior problema será como tirar o  favo e o mel. Se não o tirar tudo, fermentará e atrairá a toda classe de insetos.  Abriu os olhos de par em par, e o contemplou com preocupação.  —Teremos que derrubar a parede inteira?  Antes  de  que  Rohan  pudesse  responder,  uma  nova  voz  interrompeu  a  conversação.  —O que passa aqui?  Era  Leo,  que  acabava  de  levantar‐se  e  se  pôs  em  cima  um  pouco  de  roupa.  Tinha  vindo  descalço  desde  seu dormitório.  Seu  olhar  cansado  se  moveu  de  um  ao  outro.  —Por que está no chão com os botões ao meio grampear?  Amelia considerou a pergunta.  —Decidi ter uma entrevista espontânea no meio do vestíbulo com um homem  ao que logo que conheço.  —Bom, pois fazê‐lo em silêncio a próxima vez. Um homem precisa dormir.  Amelia cravou os olhos nele enigmaticamente.  —Santo  céu,  Leo,  não  se  preocupa  que  minha  reputação  possa  ter  sido  comprometida? 

 

—Foi‐o?  —Eu... —Sua cara ardia quando olhou os olhos de vívido topázio do Rohan—.  Não acredito.  —Se  não  está  segura  —disse  Leo—.  Provavelmente  a  resposta  seja  não.  — Chegou  até  Amelia,  abaixou‐se  e  cravou  os  olhos  nela  firmemente.  Sua  voz  foi  amável—. O que passou, irmãzinha?  Ela apontou com um dedo instável para a porta fechada.  —Há abelhas ali dentro, Leo.  —Abelhas.  Bom  Deus  —seu  irmão  lhe  dirigiu  um  sorriso  carinhosamente  zombador—. Que covarde é, ciclope.  Amelia  o  olhou  carrancuda,  se  impulsionando  para  levantar  do  regaço  do  Rohan. Ele a respaldou automaticamente, com um firme braço detrás de suas costas.  —Olha‐o por ti mesmo.  Leo avançou pesarosamente até a habitação, abriu‐a, e entrou.  Em dois segundos, tinha saído velozmente, tinha fechado de um golpe a porta,  e tinha apoiado os ombros contra ela.  —Cristo! —Seus olhos estavam muito abertos e limpos—. Deve haver milhares  delas!  —Calculo que ao menos duzentos mil —disse Rohan. Acabando com o último  dos  botões  da  Amelia,  ajudou‐a  a  ficar  em  pé—.  Devagar  —murmurou—.  Poderia  estar um pouco enjoada.  Lhe permitiu sujeitá‐la enquanto punha a prova seu inseguro equilíbrio.  —Já estou bem. Obrigada.  Sua mão ainda descansava na dele. Os dedos do Rohan eram largos, a silhueta  do polegar ressaltava contra a pele de cor mel.  Ansiosamente Amelia apartou a mão e disse a seu irmão: 

 

—O  senhor  Rohan  salvou  minha  vida  duas  vezes  hoje.  Primeiro  quase  me  caí  pela janela, e logo encontrei as abelhas.  —Esta  casa  —resmungou  Leo—  deveria  ser  derrubada  e  convertida  em  fósforos.  —Deveria ordenar  uma  inspeção  estrutural  completa —disse  Rohan—.  A  casa  cedeu. Algumas chaminés se inclinam, e o teto do vestíbulo da entrada está curvado.  Tem as vigas e a carpintaria danificadas.  —Sei quais são os problemas.  A tranquila valoração tinha incomodado a Leo. Conservava o bastante de seus  conhecimentos arquitetônicos para avaliar com exatidão a situação da casa.  —Não pode ser seguro que a família permaneça aqui.  —Mas  isso  é  meu  assunto  —disse  Leo,  acrescentando  em  tom  zombador—,  não?  Sentindo  a  quebradiça  inquietação  da  atmosfera,  Amelia  fez  um  intento  apressado de diplomacia.  —Senhor  Rohan.  Lorde  Ramsay  está  convencido  de  que  a  casa  não  expõe  perigo imediato para a família.  —Eu não estaria tão convencido —respondeu Rohan—. Não com quatro irmãs  a meu cargo.  —Quer tirar‐me as das mãos? —perguntou Leo —. Pode ficar com todo o lote  —sorriu  sem  diversão  ante  o  silêncio  do  Rohan—.  Não?  Então  faça  o  favor  de  não  dar conselhos não solicitados.  O desânimo percorreu a Amelia quando viu a desolação no rosto de seu irmão.  Estava  se  convertendo  em  um  desconhecido,  um  homem  que  albergava  tanto  desespero  e  fúria  em  seu  interior  que  esta  tinha  começado  a  escavar  seus  alicerces.  Até  o  que,  ao  igual  à  casa,  sofreria  finalmente  um  colapso  quando  as  partes  mais  fracos da estrutura cedessem.  Rohan, com serenidade, voltou‐se para a Amelia. 

 

—Em lugar de conselho, me deixe lhe oferecer alguma informação. Daqui a dois  dias, haverá uma feira de faxineiras no povo.  —O que é isso?  —É uma feira de emprego, a que se assistem todos quão habitantes necessitam  trabalho. Levam uns sinais para indicar seu ofício: uma criada levará uma faxineira,  um  techador  leva  um  penacho  de  palha,  e  assim  sucessivamente.  Entregue  aos  que  queira um xelim para selar o acordo, e os contratará durante um ano.  Amelia lançou um cauteloso olhar a seu irmão.  —Necessitamos serventes adequados, Leo.  —Vá, então, e empreita aos que você goste. Não me importa.  Amelia inclinou a cabeça preocupada e levantou as mãos para a parte superior  de seus braços, esfregando‐os sobre as mangas.  Faz  frio,  pensou,  inclusive  para  ser  outono.  Uma  corrente  gelada  passava  ao  redor  de  seus  tornozelos  embainhados  na  média,  sob  os  punhos  de  sua  camisa,  através  seu  pescoço  úmido  de  suor.  Seus  músculos  se  esticaram  por  causa  da  estranha e crua frieza.  Ambos  os  homens  ficaram  em  silêncio.  O  rosto  de  Leo  estava  branco,  com  o  olhar perdido.  Amelia  sentiu  como  se  o  espaço  ao  redor  deles  se  resfriava  sobre  si  mesmo,  espessando‐se  até  que  o  ar  foi  tão  pesado  como  a  água.  Mais  frio,  mais  tenso,  mais  perto...  Amelia  deu  instintivamente  um  passo  atrás,  afastando‐se  de  seu  irmão,  até  que sentiu o peito do Rohan contra seus ombros. Sua mão se pousou no braço dela,  cavando amavelmente seu cotovelo. Tremendo, apoiou‐se mais firmemente contra a  força quente e vital do corpo masculino.  Leo  não  se  moveu.  Esperava,  com  o  olhar  desfocado,  como  se  estivesse  totalmente  concentrado  em  absorver  o  frio.  Como  se  lhe  desse  a  bem‐vinda,  desejasse‐o. Sua expressão elusiva era arruda e sombria.  Algo  dividiu  o  espaço  entre  eles,  entre  ela  e  Leo.  Ela  sentiu  o  som  do  movimento, mais suave que uma brisa, mais delicado que o penugem... 

 

—Leo?— murmurou Amelia, insegura.  O som de sua voz pareceu lhe fazer voltar em si. Piscou e cravou os olhos nela  com as íris quase incolores.  —Acompanha  à  porta  ao  Rohan  —disse  ele,  cortante—.  Quer  dizer,  se  sua  reputação já ficou suficientemente comprometida por um dia.  Partiu  dando  meia  volta  rapidamente.  Alcançando  seu  quarto,  fechou  a  porta  com um golpe torpe do braço.  Amelia  demorou  para  mover‐se,  desconcertada  pelo  comportamento  de  seu  irmão,  e  ainda  mais  pelo  frio  cortante  do  vestíbulo.  Começou  a  voltar‐se  para  o  Rohan, que seguia olhando a Leo com olhos inexpressivos.  Ele a olhou, mantendo sua expressão cuidadosamente impassível.  —Odeio  deixá‐la  —havia  um  fio  amavelmente  zombador  em  seu  tom—.  Necessita que alguém a siga a todos os lados e a mantenha a salvo de contratempos.  Mas por outro lado, também necessita que alguém lhe encontre um apicultor.  Dando‐se conta de que ele não ia falar sobre Leo, Amelia lhe seguiu a corrente.  —Fará isso por nós? Consideraria‐o um grande favor.  —É  obvio.  Embora...  —Seus  olhos  mostraram  um  brilho  malicioso—.  Como  mencionei  antes,  não  posso  continuar  lhe  fazendo  favores  sem  receber  nenhuma  compensação. Um homem necessita um incentivo.  —Se… se quiser dinheiro, estarei encantada de…  —Deus, não —Rohan se estava rindo agora—. Não quero dinheiro —estirando‐ se, alisou‐lhe o cabelo, deixando que a parte interior da mão roçasse o flanco de sua  bochecha. O roce de sua pele foi suave e erótico, fazendo que tragasse com força—.  Adeus,  Senhorita  Hathaway.  Conheço  a  saída  –  lhe  lançou  um  sorriso  e  lhe  advertiu—. Mantenha‐se longe das janelas.  Descendo pelas escadas, Rohan passou junto ao Merripen, que estava subindo a  um passo moderado.  A cara do Merripen se obscureceu ao ver o visitante. 

 

—O que está fazendo aqui?  —Ao parecer estou ajudando com a erradicação de uma praga.  —Então pode começar por partir –grunhiu Merripen.  Rohan só sorriu despreocupadamente, e continuou seu caminho.      Depois de informar ao resto da família do perigo que supunha o salão de acima,  o  qual  foi prontamente  apelidado  “O  salão  das  abelhas”,  Amelia  investigou  o  resto  do  piso  superior  com  extrema  precaução.  Não  encontrou  nenhum  outro  perigo,  só  pó, decadência e silêncio.  Mas não era uma casa pouco acolhedora. Quando as janelas foram abertas e a  luz  se  esparramou  pelo  chão  que  tinha  permanecido  intacto  durante  anos,  pareceu  que  o  lugar  estivesse  desejoso  de  reescrever  a  si  mesmo,  respirar  e  ser  restaurado.  Ramsay  House  era  um  lugar  realmente  encantador,  com  excentricidades,  rincões  secretos  e  características  únicas  que  somente  necessitavam  algo  de  gentil  e  atenção.  Como a própria família Hathaway.  Pela  tarde  Amelia  se  derrubou  em  uma  cadeira  no  piso  de  abaixo,  enquanto  Poppy fazia chá na cozinha.  —Onde está Win?  —Dormitando em sua habitação —replicou Poppy—. Estava exausta depois de  uma manhã ocupada. Não o admitirá, é obvio, mas sempre pode notar quando fica  pálida e ojerosa.  —Estava contente?  —Certamente  o  parecia.  —Vertendo  água  quente  na  lascada  vasilha  cheia  de  folhas de chá, Poppy conversou sobre alguns de seus descobrimentos.  Tinha  encontrado  um  encantador  tapete  em  uma  das  habitações,  e  depois  de  havê‐la golpeado durante uma hora, esta tinha demonstrado estar ricamente colorida  e em boas condições. 

 

—Acredito  que  a  maior  parte  do  pó  se  transferiu  do  tapete  a  sua  cara  —disse  Amelia.  Como Poppy se tinha a parte inferior da cara com um lenço enquanto golpeava  o tapete, o pó lhe tinha situado na frente, olhos e na ponte do nariz. Quando se tirou  o  lenço,  este  deixou  o  rosto  do  Poppy  com  dois  estranhos  tons,  a  metade  de  acima  cinza, a metade de abaixo branca.  —Desfrutei‐o  imensamente  —replicou  Poppy  com  um  sorriso—.  Não  há  nada  como  esmurrar  um  tapete  com  um  golpeador  para  te  tirar  de  cima  todas  as  frustrações.  Amelia ia perguntar ao Poppy que frustrações tinha, quando Beatrix entrou na  cozinha.  A moça, usualmente tão animada, estava calada e cabisbaixa.  —O chá estará preparado logo —disse Poppy, ocupada cortando rodelas de pão  na mesa da cozinha—. Quererá algumas torradas, também, B?  —Não, obrigadao. Não tenho fome —Beatrix se sentou em uma cadeira junto à  Amelia, olhando fixamente ao chão.  —Você sempre tem fome —disse Amelia—. O que passa, querida? Não se sente  bem? Está cansada?  Silêncio.  Um  violento  movimento  de  cabeça.  Beatrix  estava,  definitivamente,  molesta por algo.  Amelia colocou uma mão gentil nas estreitas costas de sua irmã pequena, e se  inclinou sobre ela.  —Beatrix.  O  que  acontece?  Me  diga.  Estranhas  a  seus  amigos?  Ou  ao  Spot?  Está…  —Não. Não é nada disso. —Beatrix agachou a cabeça até que só um ruborizado  arco de sua bochecha ficou à vista.  —Então o que? 

 

—Algo  mau  passa  comigo  —sua  voz  se  voltou  áspera  pela  desdita—.  Passou  novamente, Amelia. Não pude me conter. Logo que recordo havê‐lo feito. Eu…  —OH, não —chegou o sussurro de Poppy.  Amelia manteve a mão nas costas de Beatrix.  —É o mesmo problema de antes?  Beatrix assentiu.  —Vou  matar‐me  —  disse  veementemente—.  Vou  me  encerrar  no  salão  das  abelhas. Vou a…  —Shh.  Não  fará  tal  coisa  —  Amelia  lhe  massageou  as  rígidas  costas—.  Tranquila,  querida,  e  me  deixe  pensar  um  momento  —  Seu  olhar  preocupado  se  cruzou com o de Poppy sobre a cabeça agachada do Beatrix.  “O  Problema”  tinha  surto  intermitentemente  ao  longo  dos  passados  quatro  anos,  desde  que  a  mãe  dos  Hathaway  tinha  morrido.  De  vez  em  quando  Beatrix  sofria  um  irresistível  impulso  de  roubar  algo,  já  fora  de  uma  loja  ou  da  casa  de  alguém,  usualmente  os  objetos  eram  insignificantes…  um  pequeno  par  de  tesouras  de  costuras,  forquilhas,  uma  pluma,  um  cubo  de  cera  para  selar.  Mas  de  vez  em  quando tomava um pouco de valor, como uma caixa de rapé ou uns pendentes. Por  isso  Amelia  sabia,  Beatrix  nunca  planejava  estes  pequenos  crimes,  de  fato,  a  moça  frequentemente nem sequer se precavia do que tinha feito até depois. E então sofria a  agonia do remorso, e não pouca quantidade de medo. Era sempre preocupante dar‐ se conta de que um nem sempre tinha o controle de suas ações.  Os  Hathaway  tinham  mantido  o  problema  do  Beatrix  em  segredo,  é  obvio,  todos conspiravam para devolver os objetos roubados discretamente e protege‐la das  consequências. Como fazia um ano que já não passava, tinham assumido que Beatrix  se estava curando de sua inexplicável compulsão.  —Assumo  que  tomou  um  pouco  do  Stony  Cross  Manor  —  disse  Amelia  com  forçada. — Esse é o único lugar que visitaste.  Beatrix assentiu tristemente. 

 

—Foi soltar ao Spot. Fui à biblioteca, e olhei no interior de algumas habitações  de caminho, e… Não pretendia fazê‐lo, Amelia! Não queria!  —Sei  —Amelia  a  envolveu  entre  seus  braços  com  um  consolador  abraço.  Transbordava  instinto  maternal  de  proteger,  tranquilizar  e  consolar—.  O  arrumaremos,  B.  Devolveremos  tudo  e  ninguém  saberá.  Só  me  diga  o  que  tirou,  e  tenta recordar de que habitação estava.  —Isto… é tudo — procurando dentro dos bolsos de seu avental, Beatrix deixou  cair uma pequena coleção de objetos em seu regaço.  Amelia  levantou  o  primeiro  objeto.  Era  um  cavalo  de  madeira  esculpido,  não  maior que seu punho, com crinas de seda e uma cara delicadamente grafite. O objeto  estava gasto pelo uso excessivo e havia marcas de dentes aos comprido do corpo do  cavalo.  —Os  Westcliff  têm  uma  filha  ainda  pequena  —  murmurou—.  Isto  deve  lhe  pertencer.  —Tomei o brinquedo de um bebê — gemeu Beatrix—. É o mais baixo que tenho  feito nunca. Deveria estar na prisão.  Amelia tomou outro objeto, uma carta com duas imagens parecidas impressas  lado  a  lado.  Supôs  que  servia  para  inseri‐la  dentro  de  um  estereoscopio,  um  dispositivo  que  podia  combinar  as  duas  imagens  dentro  de  uma  imagem  dimensional.  O seguinte objeto roubado era um chaveiro, e o último… OH, querida. Era um  genuíno selo de prata, com a gravura de um escudo familiar em um extremo. Podia  usar‐se para estampá‐lo em uma gota de cera derretida e selar um sobre. O objeto era  pesado e bastante custoso, o tipo de coisas que era irradiado de geração em geração.  —Do  estudio  privado  de  Lorde  Westcliff  —  murmurou  Beatrix—.  Estava  no  escritório.  Provavelmente  o  use  para  sua  correspondência  oficial.  Me  irei  pendurar  para mim mesma agora.  —Devemos  devolver  isto  imediatamente  —  disse  Amelia,  passando  uma  mão  sobre a úmida frente—. Quando se derem conta de que isto falta, jogarão‐lhe a culpa  a um servente. 

 

As três mulheres ficaram em silencio ante o horror dessa ideia.  —Faremos uma visita a Lady Westcliff pela manhã —disse Poppy, soando um  pouco  sem  fôlego  a  causa  a  ansiedade—.  Amanhã  é  um  dos  dias  em  que  recebe  visitas?  —Não  importa  —  disse  Amelia,  esforçando‐se  por  soar  acalmada—.  Não  há  tempo que perder. Você e eu iremos amanhã, seja ou não um dia apropriado.  —Devo ir eu também? —perguntou Beatrix.  —Não — responderam Amelia e Poppy simultaneamente. Ambas pensavam o  mesmo, que podia ser que Beatrix não se controlasse durante outra visita.  —Obrigada — Beatrix parecia aliviada—. Também sinto que tenha de emendar  meus enganos. Deveria ser castigada de algum jeito. Possivelmente devesse confessar  e me desculpar…  —Recorreremos  a  isso  se  formos  descobertos  —  disse  primeiro  Amelia  —  vamos tratar de te encobrir.  —Devemos  contar‐lhe  a  Leo,  Win  ou  Merripen?  —perguntou  Beatrix  timidamente.  —Não — murmurou Amelia, aproximando‐a e pressionando seus lábios sobre  os indômitos cachos escuros de sua irmã—. Manteremos isto entre nós três. Poppy e  eu nos ocuparemos de tudo, querida.  —Está bem. Obrigada — Beatrix se relaxou e se aconchegou contra ela com um  suspiro—. Espero que possa fazê‐lo sem que lhe descubram.  —É  obvio  que  podemos  —  disse  Poppy  alegremente—.  Não  se  preocupe  nem  por um momento.  —Problema resolvido — adicionou Amelia.  E  sobre  a  cabeça  do  Beatrix,  Amelia  e  Poppy  se  olharam  a  uma  à  outra  com  pânico compartilhado.     

 

                        Capítulo 10    —Não  sei  porque  Beatrix  faz  este  tipo  de  coisas  —disse  Poppy  à  manhã  seguinte,  enquanto  Amelia  sustentava  as  rédeas  do  carro.  Foram  de  caminho  ao  Stony  Cross  Manor,  com  os  objetos  roubados  ocultos  nos  bolsos  de  seus  melhores  vestidos de dia.  —Estou  segura  de  que  não  tem  intenção  de  fazê‐lo  —replicou  Amelia,  com  a  frente  sulcada  pela  preocupação—.  Se  fosse  intencionado,  Beatrix  teria  roubado  coisas que verdadeiramente quisesse, como laços para o cabelo, luvas ou doces, e não  confessaria depois. —Suspirou—. Isto parece acontecer quando houve uma mudança  significativa  em  sua  vida.  Quando  Mãe  e  Pai  morreram,  quando  Leo  e  Win  caíram  doentes…  e  agora,  quando  nos  transladamos  e  mudamos  ao  Hampshire.  Simplesmente superaremos isto como melhor possamos e nos asseguraremos de que  Beatrix esteja em uma atmosfera acalmada e serena. 

 

—Não existe nada parecido a “acalmada e serena” em nosso lar —disse Poppy  sombriamente—. Oh, Amelia por que tem que ser nossa família tão estranha?  —Não somos estranhos.  Poppy sacudiu a mão com um gesto de descarte.  —A gente estranha nunca crê ser estranha.  —Eu sou perfeitamente ordinária —protestou Amelia.  —Ja.  Amelia a olhou com surpresa.  —Porquê no nome do céu poderia dizer “ja” a isso?  —Tenta  controlar  tudo  e  a  todo  mundo.  E  não  confia  em  ninguém  fora  da  família. É como um porco‐espinho. Ninguém pode transpassar os espinhos.  —Bem,  eu  gosto  disso  —disse  Amelia  indignada—,  ser  comparada  com  um  grande roedor espinhoso, quando decidi passar o resto de minha vida velando pela  família…  —Ninguém lhe pediu isso.  —Alguém tem que fazê‐lo. E eu sou a maior dos Hathaway.  —Leo é o maior.  —Sou a maior Hathaway sóbria.  —Isso não quer dizer que tenha que te martirizar.  —Não sou uma mártir, simplesmente sou responsável. E você uma ingrata!  —Preferiria gratidão ou um marido? Pessoalmente, eu escolheria ao marido.  —Não quero um marido.  Brigaram  por  tolices  até  o  Stony  Cross  Manor.  Para  quando  chegaram,  ambas  estavam  zangadas  e  carrancudas.  Entretanto,  quando  um  lacaio  veio  às  ajudar  a  baixar‐se, empastelaram sorrisos falsos em suas caras e entrelaçaram os tensos braços  enquanto avançavam para a porta principal. 

 

Esperaram  no  vestíbulo  enquanto  o  mordomo  ia  anunciar  sua  chegada.  Para  enorme  alívio  de  Amelia,  mostrou‐lhes  a  sala  e  lhes  informou  que  Lady  Westcliff  estaria com elas imediatamente.  Aventurando‐se mais para o ventilado  salão, com  seus vasos  de  flores frescas,  mobiliário de cetim e tapeçaria celeste de seda, e o alegre fogo na branca chaminé de  mármore, Poppy exclamou:  —Oh,  isto  é  tão  bonito,  cheira  tão  adoravelmente,  e  olhe  como  brilham  as  janelas!  Amelia  guardou  silêncio,  mas  não  pôde  evitar  estar  de  acordo.  Ver  esta  sala  imaculada, tão afastada do pó e a sujeira do Ramsay House, a fazia sentir culpada e  áspera.  —Não te tire o boné —disse quando Poppy se soltava as cintas—. Se supõe que  se deixa posto durante uma visita formal.  —Só na cidade —argumentou Poppy—. No Campo, a etiqueta é mais relaxada.  E acredito que Lady Westcliff dificilmente importará.  A voz de uma mulher chegou da porta.  —Importar  o  que?  —Era  Lady  Westcliff,  com  sua  figura  magra  adornada  por  um traje rosa, e o cabelo escuro recolhido detrás da cabeça em brilhantes cachos. Seu  sorriso estava cheio de picardia e encanto fácil. Ia agarrada da mão de uma menina  de cabelo escuro vestida de azul que começava a andar, uma versão em miniatura de  si mesma com grandes olhos redondos de cor gengibre.  —Milady...  —Amelia  e  Poppy  fizeram  uma  reverência.  Decidindo  ser  franca,  Amelia  disse—.  Lady  Westcliff,  precisamente  debatíamos  se  devíamos  ou  não  nos  tirar nossos bonés.  —Meu  Deus,  não  percam  o  tempo  com  a  formalidade  —exclamou  Lady  Westcliff,  entrando  com  a  menina—.  Tirem  os  bonés,  de  todos  os  modos.  E  me  chamem de Lillian. Esta é minha filha, Merritt. Ela e eu estamos desfrutando de um  pouco de entretenimento antes de sua sesta matutina.  —Espero que não tenhamos interrompido —começou Poppy desculpando‐se. 

 

—Não. Se  podem  tolerar nossa brincadeira  durante  sua visita,  estaremos  mais  que encantadas de lhes receber, pedi o chá.  Depois  de  um  momento  estavam  conversando  com  facilidade.  Merritt  perdeu  rapidamente  todo  vestígio  de  acanhamento  e  lhes  mostrou  sua  boneca  favorita  chamada  Annie,  e  uma  coleção  de  calhaus  e  folhas  de  seu  bolso.  Lady  Westcliff...  Lillian...  era  uma  mãe  abertamente  carinhosa  e  brincalhona,  não  mostrava  ter  nenhum  problema  em  ajoelhar‐se  no  chão  para  procurar  calhaus  cansados  sob  a  mesa.  As  interações  de  Lillian  com  a  menina  eram  muito  incomuns  em  um  lar  aristocrático.  Os  meninos  quase  nunca  eram  levados  ante  a  presença  das  visitas  a  menos  que  fosse  para  uma  apresentação  breve,  acompanhada  de  uma  palmada  na  cabeça e uma partida rápida. A maioria de mulheres da elevada posição da condessa  não  viam  sua  descendência  mais  de  uma  ou  duas  vezes  ao  dia,  deixando  a  maior  parte da criação dos meninos às babás.  —Não  posso  evitar  o  desejo  de  vê‐la  —explicou  Lillian  francamente—,  assim  que as babás aprenderam a tolerar minha interferência.  Quando  chegou  a  bandeja  do  chá,  Annie,  a  boneca,  foi  colocada  no  sofá  entre   Poppy  e  Merritt.  A  garotinha  pressionou  o  bordo  de  sua  taça  de  chá  contra  a  boca  grafite da boneca.  —Annie quer mais açúcar, Mamãe —disse Merritt.  Lillian  sorriu  abertamente,  sabendo  quem  ia  beber  o  chá  extremamente  adoçado.  —Diga à Annie que nunca tomamos mais de dois torrões em uma taça, querida.  Ficaria doente.  —Mas é gulosa —protestou a menina. Adicionou sombriamente—. De gosto e  caráter doce.  Lillian negou com a cabeça estalando a língua.  —Que boneca tão teimosa. Seja firme com ela, Merritt. 

 

Poppy,  que  tinha  estado  observando  o  intercâmbio  com  um  aberto  sorriso,  adotou uma expressão perplexa e se removeu ligeiramente no sofá.  —Meu  Deus,  acredito  que  estou  sentada  sobre  algo…  —Pinçou  detrás  dela  e  tirou  um  pequeno  cavalo  de  madeira,  fingindo  que  o  tinha  encontrado  agasalhado  entre as almofadas do sofá.  —É Horsie —exclamou Merritt, seus deditos se fecharam ao redor do objeto—.  Acreditei que se escapou!  —Graças  a  Deus  —disse  Lillian—.  Horsie  é  um  dos  brinquedos  favoritos  de  Merritt. A mansão ao completo esteve buscando‐o.  O  sorriso  da  Amelia  vacilou  quando  encontrou  o  olhar  de  Poppy,  ambas  perguntando‐se  se  se  teria  descoberto  que  faltavam  outras  coisas.  Os  objetos  roubados,  especialmente  o  selo  de  prata,  deviam  ser  devolvidos  logo  que  fosse  possível. Esclareceu‐se garganta.  —Milady… quer dizer, Lillian… se não te importa... eu gostaria de saber onde  está a penteadeira.  —OH, claro. Farei que o ama de chaves te mostre o caminho, ou…  —Não, obrigada —disse Amelia precipitadamente.  Depois  de  receber  as  práticas  instruções  do  Lillian,  Amelia  abandonou  a  sala,  deixando às outras três que continuassem com seu chá.  A  primeira  habitação  que  tinha  que  encontrar  era  a  biblioteca,  aonde  pertenciam  o  cartão  do  estereoscopio  e  a  chave.  Recordando  a  descrição  de  Beatrix  do  plano  de  distribuição  do  primeiro  piso,  Amelia  se  apressou  com  o  passar  do  tranquilo  vestíbulo.  Diminuiu  o  passo  quando  viu  uma  criada  varrendo  o  tapete,  e  tentou que parecesse como se soubesse para onde ia. A criada deixou de varrer e se  apartou respeituosamente a seu passo.  Rodeando  uma  esquina,  Amelia  encontrou  uma  porta  aberta  que  revelou  a  larga  biblioteca  com  galerias  superiores  e  inferiores.  Melhor  ainda,  estava  vazia.  Apressou‐se  a  entrar  e  viu  um  estereoscopio  na  maciça  mesa  da  biblioteca.  Perto  havia  uma  caixa  de  madeira,  cheia  de  naipes  iguais  ao  que  tinha  no  bolso. 

 

Introduzindo  o  cartão  com  as  demais,  saiu  correndo  da  biblioteca,  fazendo  uma  pausa só para introduzir a chave no olho vazio da fechadura da porta.  Só  faltava  uma  tarefa...  tinha  que  encontrar  o  escritório  privado  de  Lorde  Westcliff e devolver o selo de prata. O peso deste lhe ricocheteava com inquietação  contra  a  perna  enquanto  caminhava.  Por  favor  não  deixe  que  Lorde  Westcliff  esteja  ali,  pensou  desesperadamente.  Por  favor  que  esteja  vazio.  Por  favor  não  deixe  que  me  apanhem.  Beatrix  havia  dito  que  o  escritório  estava  perto  da  biblioteca,  mas  a  primeira  porta que Amelia provou resultou ser a sala de música. Aparecendo a outra porta ao  outro lado do corredor, descobriu um armário cheio de cubetas, vassouras, farrapos,  panelas de cera e polidor.  —Demônios, demônios, demônios —resmungou, indo para outra porta aberta.  Era  uma  sala  de  bilhar.  E  estava  ocupada  por  uma  meia  dúzia  de  cavalheiros  envoltos em um jogo. Pior ainda, um deles era Christopher Frost. A cara de aparência  agradável estava desprovida de expressão quando se cruzaram seus olhares.  Amelia se deteve, a cor lhe brilhou na cara.  —Desculpem —murmurou, e escapou.  Para  sua  consternação,  Christopher  Frost  se  moveu  para  segui‐la.  Estava  tão  concentrada  em  escapar  que  não  viu  alguém  que  se  adiantava  ao  Frost,  lhe  bloqueando pulcramente.  —Senhorita Hathaway.  Ante  o  som  da  voz  de  um  homem,  Amelia  se  deu  a  volta.  Esperava  ver  o  Christopher Frost, mas se sobressaltou ao descobrir que era Cam Rohan quem a tinha  seguido.  —Senhor.  Cam Rohan estava em mangas de camisa, e com o pescoço da mesma um pouco  solto,  como  se  tivesse  estado  atirando  dele.  Seu  cabelo  negro  estava  casualmente  alvoroçado,  como  se  recentemente  se  passou  os  dedos  pelos  brilhantes  fios.  Seu  coração se acelerou. Esperou rigidamente enquanto se aproximava dela. 

 

Atrasando‐se  na  porta,  Christopher  Frost  lhes  lançou  um  último  olhar  carrancudo antes de retirar‐se ao interior da habitação.  Rohan alcançou a Amelia e se deteve com um assentimento de saudação.  —Há algo no que possa ajudá‐la? —perguntou cortesmente—. Se perdeu?  Abandonando a precaução em favor da eficácia, Amelia aferrou uma dobra da  manga enrolada dele.  —Senhor Rohan, sabe onde está o estúdio de lorde Westcliff?  —Sim, é obvio.  —Mostre‐me.  Rohan a olhou com um sorriso interrogativo.  —Por quê?  —Não  há  tempo  para  explicações.  Só  me  leve  ali  agora.  Por  favor,  nos  demos  pressa!  Rapidamente a conduziu através do corredor, duas portas mais abaixo, a uma  pequena  habitação  revestida  com  painéis  de  pau‐rosa.  O  estúdio  de  um  cavalheiro.  Os  únicos  ornamentos  eram  uma  fila  de  janelas  retangulares  de  cristais  tintos  ao  longo  de  uma  parede.  Aqui  era  onde  Marcus,  lorde  Westcliff,  solucionava  a  maior  parte dos assuntos de seu imóvel.  Rohan fechou a porta atrás deles.  Rebuscando em seu bolso, Amelia recuperou o pesado selo de prata.  —Aonde vai isto?  —No  flanco  direito  do  escritório,  perto  do  tinteiro  —disse  Rohan—.  Como  chegou isso às suas mãos?  —O explicarei mais tarde. O suplico, não o conte a ninguém. —foi colocar o selo  de prata sobre o escritório—. Só espero que não tenha notado que faltava.  —Por que o queria você em primeiro lugar? —perguntou Rohan ociosamente— . Recorrendo à falsificação? 

 

—Falsificação?  —Amelia  empalideceu.  Uma  carta  com  o  nome  do  Westcliff,  selada com o emblema de sua família, seria um instrumento poderoso, sem dúvida.  Que  outra  interpretação  poderia  dar‐se  ao  feito  de  ter  tomado  emprestado  o  selo  genuíno?—. Não, não, eu não haveria... quer dizer, não queria...  Foi interrompida pelo som do pomo da porta girando. Nesse mesmo instante se  viu  atravessada  pela  angústia  e  a  resignação  simultaneamente.  Acabou‐se.  Tinha  estado tão perto, e agora a apanhariam, e Deus sabia que repercussões haveria. Não  havia  forma  de  explicar  sua  presença  no  escritório  do  Westcliff  sem  divulgar  o  problema  de  Beatrix,  o  qual  desonraria  à  família  e  arruinaria  o  futuro  da  garota  na  classe  refinada.  Um  lagarto  mascote  era  uma  coisa,  mas  o  roubo  era  outra  questão  completamente distinta.  Todos esses pensamentos atravessaram a mente da Amelia em uma abrasadora  massa. Mas enquanto ela ficava rígida e esperava a que caísse a tocha, Rohan se tinha  aproximado com duas largas pernadas. E antes de que Amelia pudesse mover‐se, ou  pensar, ou inclusive respirar, tinha atirado dela, e lhe tinha empurrado a cabeça para  a sua.  Rohan  a  beijou  com  uma  indecente  franqueza  que  a  fez  cambalear.  Os  braços  eram  firmes  a  seu  redor,  sustentando‐a  enquanto  sua  boca  capturava  a  dela  no  ângulo  justo.  Amelia  moveu  as  mãos  em  uma  objeção  tentativa,  suas  palmas  encontrando os rudes músculos do peito masculino, o tato de sua camisa de botões.  Ele  era  a  única  coisa  sólida  em  um  mundo  caleidoscópico.  Deixou  de  empurrar  enquanto  seu  corpo  absorvia  os  excitantes  detalhes  do  dele,  os  duros  contornos  masculinos,  o  fresco  aroma  de  ar  livre,  a  sensual  investigação  de  sua  boca.  Tinha  revivido o beijo dele mil vezes em seus sonhos. Só que não o tinha compreendido até  agora.  Seus dedos se embalaram ao redor de seu pescoço e mandíbula, lhe inclinando  a cara para cima. As gemas dos dedos encontraram a pele fina detrás de suas orelhas,  onde  se  fundia  com  o  sedoso  nascimento  do  cabelo.  E  tudo  enquanto  continuava  enchendo‐a de um fogo concentrado, até que o interior de sua boca picou docemente  e  suas  pernas  cederam  debaixo  dela.  Ele  utilizava  sua  língua  delicadamente,  explorando  sem  pressa,  penetrando‐a  repetidamente  enquanto  ela  se  aferrava  a  ele  com desconcertado prazer. 

 

Ele elevou a boca, seu fôlego lhe acariciou ligeiramente contra os lábios. Girou a  cabeça enquanto falava com quem quer que tivesse entrado na habitação.  —Suplico seu perdão, milord. Desejávamos um momento de privacidade.  Amelia  ficou  de  cor  escarlate  enquanto  seguia  seu  olhar  para  a  porta,  onde  Lorde Westcliff estava de pé com uma expressão insondável.  Um  momento  eletrizante  passou  enquanto  Westcliff  parecia  ordenar  seus  pensamentos. Seu olhar passou da cara da Amelia, outra vez a do Rohan. Um sorriso  titilou em seus olhos escuros.  —Tenho intenção de voltar em aproximadamente meia hora. Provavelmente o  melhor  seria  que  meu  estúdio  estivesse  vazio  para  então.  —Fazendo  um  cortês  assentimento com a cabeça, retirou‐se.  Logo  que  se  fechou  a  porta  atrás  dele,  Amelia  deixou  cair  sua  frente  sobre  o  ombro do Rohan com um gemido. Teria se afastado, mas não confiava em que seus  joelhos a sustentassem.  —Por que tem feito isso?  Ele não parecia absolutamente arrependido.  —Tive  que  pensar  em  uma  razão  que  justificasse  que  estivéssemos  aqui.  Esta  parecia a melhor opção.  Amelia sacudiu a cabeça lentamente, ainda descansando a frente contra ele. A  doçura seca de sua fragrância recordava a um prado esquentado pelo sol.  —Acredita que o contará a alguém?  —Não  —disse  ele  imediatamente,  tranquilizando‐a—.  Westcliff  não  é  dado  a  mexericar. Não dirá uma palavra a ninguém, exceto a...  —Exceto?  —Lady Westcliff. Provavelmente contará a ela.  Amelia  o  considerou  e  pensou  que  possivelmente  não  fora  tão  terrível.  Lady  Westcliff não parecia o tipo de pessoa que a condenaria por isso. A condessa parecia  muito tolerante com o comportamento escandaloso. 

 

—É  obvio  —continuou  Rohan—,  se  Lady  Westcliff  souber,  há  muitas  possibilidades de que o conte a Lady St. Vincent, que se supõe vai vir com Lorde St.  Vincent no fim de semana. E como Lady St. Vincent conta tudo a seu marido, ele se  inteirará também. Além disso, ninguém se inteirará. A menos que...  Sua cabeça se elevou como a de uma marionete.  —A menos que o que?  —A  menos  que  Lorde  St.  Vincent  o  mencione  ao  senhor  Hunt,  que  indubitavelmente contaria tudo à senhora Hunt, e logo... todo mundo se inteiraria.  —OH, não. Não posso suportá‐lo.  Dirigiu‐lhe um olhar mordaz.  —Por quê? Porque a pilharam beijando a um cigano?  —Não,  porque  não  sou  o  tipo  de  mulher  a  que  é  encontrada  beijando  a  ninguém.  Não  receberei  convites!  Quando  todo  mundo  se  inteire,  não  ficará  dignidade. Nem reputação. Não... por que sorri?  —Por você. Não estava esperado semelhante melodrama.  Isso  incomodou  a  Amelia,  que  não  era  o  tipo  de  mulher  que  se  permitisse  dramatizar. Empurrou‐o firmemente com os braços.  —Minha reação é perfeitamente razoável considerando…  —Não o faz mal.  Piscou, desconcertada.  —O melodrama?  —Não, beijar. Com um pouco de prática, seria excepcional. Mas precisa relaxar‐ se.  —Não quero me relaxar. Não quero... OH, Santo Deus! —Ele tinha inclinado a  cabeça  para  sua  garganta,  procurando  o  ponto  sensível  de  seu  pulso.  Uma  ligeira  sacudida  de  calor  a  transpassou—.  Não  faça  isso  —disse  fracamente,  mas  ele  era 

 

insistente e sua boca malvadamente suave, Amelia conteve o fôlego quando sentiu o  roce de sua língua.  Suas mãos se afundaram nos músculos dos ombros dele.  —Senhor Rohan, não deve…  —Assim  é  como  se  beija,  Amelia.  —Embalou‐lhe  a  cabeça  entre  as  mãos,  inclinando‐lhe habilmente—. Os narizes vão aqui. —Outro roce desorientador de sua  boca, uma rajada de calor sensual—. Tem sabor de açúcar e chá.  —Já sei como se beija!  —De  verdade?  —Passou‐lhe  o  polegar  sobre  os  lábios  quentes  pelos  beijos,  insistindo‐os  a  separar‐se—.  Então  me  ensine  —sussurrou—.  Deixe‐me  entrar,  Amelia.  Nunca  em  sua  vida  tinha  pensado  que  um  homem  lhe  diria  algo  tão  escandaloso. E se as palavras eram impróprias, o brilho em seus olhos era realmente  demolidor.  —Eu... sou uma solteirona. —Ofereceu a palavra como se fora um talismã. Todo  mundo  sabia  que  os  libertinos  deixavam  em  paz  às  solteironas.  Mas  ao  parecer  ninguém o havia dito ao Cam Rohan.  Um sorriso furtivo afundou mais as comissuras da boca masculina.  —Isso  não  vai  salva‐la  de  mim.  —Tentou  rechaçá‐lo,  mas  essas  mãos  conduziram  seu  rosto  para  ele—.  Não  acredito  que  deva  deixá‐la  em  paz.  De  fato,  estou reconsiderando minha atitude para as solteironas.  Antes  de  que  ela  pudesse  perguntar  qual  era  sua  atitude,  sua  boca  a  possuiu  outra  vez,  enquanto  seus  dedos  lhe  acariciavam  o  tenso  bordo  da  mandíbula,  persuadindo‐a para que se relaxasse. Nem em seus momentos mais ardentes com o  Christopher  Frost,  este  a  tinha  beijado  nunca  assim,  como  se  a  consumisse  lentamente.  Seus  lábios  acariciaram  os  dela  até  que  se  enlaçaram  e  selaram  calidamente, e sua língua encontrou a sua. Jogou com ela, acariciando e avançando,  enquanto  suas  mãos  a  aproximavam  mais.  Acariciou‐lhe  as  costas  e  os  ombros,  enquanto  seus  lábios  se  separavam  para  explorar  a  suave  curva  do  pescoço. 

 

Encontrou um lugar que a fez retorcer‐se, açulou‐a amavelmente até que um gemido  indefeso escapou de sua garganta.  A  cabeça  do  Rohan  se  elevou.  Seus  olhos  resplandeciam  como  se  houvesse  enxofre  dentro  dos  bordos  escuros  de  suas  pupilas.  Falou  lentamente,  como  se  colecionasse as palavras igual a se fossem folhas caídas.  —Provavelmente isto seja uma má ideia.  Amelia inclinou a cabeça, tremente.  —Sim, senhor Rohan.  As gemas de seus dedos roçaram a recente quebra de onda de cor na superfície  das bochechas da Amelia.  —Meu nome é Cam.  —Não posso lhe chamar assim.  —Por que não?  —Você  sabe  porque  —foi  sua  insegura  recriminação.  Um  comprido  suspiro  resultou claramente audível enquanto sentia como sua boca lhe descia pela bochecha,  explorando a pele rosada—. O que significa?  —Meu nome? É a palavra romani para sol.  Amelia logo que podia pensar.  —Como... como o do céu?  —O do céu. —Ele se moveu para o arco de sua sobrancelha, beijando o extremo  exterior—. Sabia que um cigano tem três nomes?  Ela negou com a cabeça lentamente, enquanto a boca dele se deslizava por sua  frente imprimindo um quente véu de palavras contra sua pele.  —O primeiro é um nome secreto que uma mãe sussurra no ouvido de seu filho  quando nasce. O segundo é o nome de clã e só o usam outros ciganos. O terceiro é o  nome que usamos com os gadjos.  Seu perfume a rodeava por completo, livre, fresco e delicioso. 

 

—Qual é seu nome de clã?  Ele sorriu ligeiramente, a forma de sua boca lhe desenhou uma marca ardente  contra a bochecha.  —Não o posso dizer. Ainda não a conheço o suficiente.  Ainda. A tentadora promessa incrustada nessa palavra lhe cortou o fôlego.  —Me  deixe  partir  —sussurrou  ela—.  Por  favor,  não  deveríamos...  —Mas  as  palavras se perderam quando ele se inclinou e tomou sua boca com avidez.  Derretendo‐se de prazer, Amelia procurou provar seu cabelo, encontrando uma  aguda  satisfação  no  tato  da  pesada  seda  entre  seus  dedos.  Quando  ele  sentiu  seu  toque, emitiu um murmúrio de ânimo. O ritmo de sua respiração trocou, esticou‐se,  seus beijos se voltaram duros e lânguidos.  Tomou  o  que  lhe  oferecia,  introduzindo  a  língua  mais  profundamente,  compilando  sensações. E  ela respondeu até  que sua  alma  esteve a ponto de arder e  seus pensamentos se desvaneceram como faíscas saltando de uma fogueira.  Abruptamente Rohan apartou sua boca e a abraçou com força, com muita força,  contra seu corpo. Amelia se sentiu como se estivesse pendurada no balanço sutil de  um  pêndulo,  necessitando  fricção,  pressionar,  liberar‐se.  Ele  a  manteve  imóvel,  abraçando‐a enquanto ela tremia e sofria.  O agarre pelo Rohan a aliviava. Soltou‐a gradualmente até que pôde finalmente  apartá‐la de tudo.  —Perdoe  —disse  ao  fim.  Ela  viu  o  aturdido  calor  em  seus  olhos—.  Normalmente não me é tão difícil me conter.  Amelia assentiu cegamente e se rodeou com os braços. Não notou o tamborilar  nervoso  de  seu  próprio  pé  até  que  Rohan  se  aproximou  e  deslizou  um  de  seus  pés  sob suas saias para aquietar o tamborilo.  —Colibri  —sussurrou  ele—.  Será  melhor  que  se  vá.  Se  não  o  fizer,  terminarei  comprometendo‐a de um modo como nunca acreditei possível.   

 

  Amelia nunca soube em realidade como retornou à sala sem perder‐se. Movia‐ se como através dos estratos de um sonho.  Aproximando‐se do sofá onde Poppy estava sentada, Amelia aceitou outra taça  de chá e sorriu um pouco a Merritt, que estava pescando em sua taça uma parte de  bolacha banhada de açúcar, e respondeu com evasivas à sugestão de Lillian de que a  família Hathaway ao completo se reunisse com eles em um picnic o fim de semana.  —Eu  gostaria  de  ter  podido  aceitar  seu  convite  —disse  tristemente  Poppy  de  caminho  a  casa—.  Mas  suponho  que  seria  procurar  problemas,  posto  que  Leo  provavelmente se comportaria mal e Beatrix roubaria algo.  —E fica muito que fazer no Ramsay House —acrescentou Amelia, sentindo‐se  distraída e distante.  Só  um  pensamento  estava  claro  em  sua  mente.  Cam  Rohan  retornaria  logo  a  Londres.  Por  seu  bem,  e  possivelmente  pelo  dele  também,  teria  que  evitar  Stony  Cross Park até que se fosse.  Possivelmente  fora  porque  todos  estavam  rendidos  de  limpar,  reparar  e  organizar,  mas  toda  a  família  Hathaway  estava  de  um  ânimo  irregular  essa  noite.  Todo mundo exceto Leo, reuniu‐se ao redor da chaminé em um dos salões de abaixo,  repousando  enquanto  Win  lia  a  Dickens  em  voz  alta  e  Merripen  ocupava  uma  esquina  do  salão,  perto  da  família  sem  formar  parte  dela,  escutando  atentamente.  Não cabia dúvida de que Win podia ler os nomes do registro de uma asseguradora e  mesmo assim ele o encontraria cativante.  Poppy  estava  ocupada  com  sua  costura,  bordando  um  par  de  sapatilhas  de  homem com brilhantes fios de lã, enquanto Beatrix fazia um solitário no chão junto à  chaminé.  Notando  a  forma  em  que  sua  irmã  menor  olhava  rapidamente  os  naipes,  Amelia riu.  —Beatrix —disse depois de que Win tivesse terminado um capítulo—. Por que,  em nome do céu, faz armadilhas em um solitário? Joga contra ti mesma.  —Assim não há ninguém que se incomode quando faço armadilhas.  —O que importa não é se ganha, a não ser como ganha —disse Amelia. 

 

—Ouvi isso antes e não estou de acordo absolutamente. É muito mais agradável  ganhar.  Poppy sacudiu a cabeça sobre seu bordado.  —Beatrix, definitivamente é uma descarada.  —E uma ganhadora —disse Beatrix com satisfação, colocando a carta exata que  queria.  —Onde nos equivocamos? —perguntou Amelia, a ninguém em particular.  Win sorriu.  —Seus prazeres são poucos, querida. Um solitário criativo não vai fazer mal a  ninguém.  —Suponho  que  não.  —Amelia  esteve  a  ponto  de  dizer  algo  mais,  mas  se  distraiu  por  um  suave  vento  frio  ao  redor  de  seus  tornozelos  e  removeu  os  intumescidos dedos de seus pés. Tremeu e se amassou mais no xale de lã azul—. Uf,  faz frio aqui dentro.  —Deve  estar  sentada  em  uma  corrente  —disse  Poppy  com  preocupação—.  Veem te sentar a meu lado, Amelia, estou mais perto do fogo.  —Obrigada,  mas  acredito  que  irei  à  cama.  —Ainda  tremendo,  Amelia  bocejou—.  Boa  noite  a  todos.  —Saiu  enquanto  Beatrix  pedia  a  Win  que  lesse  um  capítulo mais.  Quando Amelia caminhava pelo vestíbulo, passou uma pequena habitação que  todos supunham  tinha sido usada  como  lugar de reunião dos  cavalheiros.  Era  uma  habitação o bastante grande para uma mesa de bilhar e com uma descolorida pintura  de  uma  cena  de  caça  em  uma  parede.  Uma  fofa  poltrona  estava  situada  entre  as  janelas, com o veludo puído. A luz de um abajur de pé se estendia difusa pelo chão.  Leo estava dormitando na poltrona, com um braço pendurando frouxamente a  um lado. Uma garrafa vazia estava no chão junto à poltrona, lançando a sombra em  forma de lança até o outro extremo do quarto.  Amelia  teria  continuado  seu  caminho,  mas  algo  na  postura  indefesa  de  seu  irmão fez que se detivesse. Estava reclinado com a cabeça caída sobre um ombro, os 

 

lábios  ligeiramente  separados,  igual  a  quando  era  menino.  Com  sua  cara  poda  de  cólera e pena, parecia jovem e vulnerável. Recordou ao menino carinhoso que tinha  sido e seu coração se contraiu de pena.  Entrando  na  habitação,  Amelia  se  estremeceu  pela  mudança  abrupta  de  temperatura, o gélido ambiente. Fazia muito mais frio ali dentro que fora. E não era  sua  imaginação,  podia  ver  o  bafo  de  seu  fôlego.  Tremendo,  aproximou‐se  de  seu  irmão. O frio estava concentrado a seu redor, fazendo mais difícil que seus pulmões  deixassem respirar o ar. Quando se inclinou sobre a figura recostada, afligiu‐a uma  sensação de desolação, um pesar além das lágrimas.  —Leo? —Sua cara era cinza, seus lábios estavam ressecados e azuis, e quando  tocou sua bochecha, não havia rastro de calor—. Leo!  Nenhuma resposta.  Amelia  o  sacudiu,  empurrou  forte  contra  seu  peito,  agarrou‐lhe  a  cara  tensa  entre  as  mãos.  Quando  fez  isto,  sentiu  uma  força  invisível  atirando  dela.  Insistiu,  agarrando com os punhos as dobras soltas de sua camisa.  —Leo, acorda!  Para seu infinito alívio, ele se moveu e soprou, e suas pálpebras revoltearam. A  íris de seus olhos era tão pálido como o gelo. Suas palmas alcançaram os ombros dela  e resmungou atordoado.  —Estou acordado. Estou acordado. Jesus. Não grite. Faz o suficiente ruído para  despertar aos mortos.  —Por  um  momento  pensei  que  isso  era  exatamente  o  que  estava  fazendo.  — Amelia  quase  caiu  sobre  o  braço  da  poltrona,  seus  nervos  se  estremeciam  desagradavelmente. O frio amainava agora—. OH, Leo, estava tão quieto e pálido. Vi  cadáveres que pareciam mais vivos.  Seu irmão se esfregou os olhos.  —Só estou um pouco atordoado. Não morto.  —Não despertava. 

 

—Não  queria.  Eu…  —fez  uma  pausa,  com  aspecto  preocupado.  Seu  tom  era  suave e surpreso—. Estava sonhando. Uns sonhos tão reais…  —Sobre o que?  Ele não respondeu.  —Sobre a Laura? —insistiu Amelia.  Seu rosto se endureceu, umas linhas profundas marcavam a superfície, como as  fissuras feitas pela erosão do gelo em uma rocha.  —Disse‐te que não mencionasse seu nome jamais.  —Sim,  porque  não  quer  recordá‐la.  Mas  não  importa,  Leo.  Nunca  deixa  de  pensar nela, ouça‐a nomear ou não.  —Não vou falar dela.  —Bom,  resulta  evidente  que  evitá‐lo  não  funciona.  —Sua  cabeça  dava  voltas  desesperadamente  à  pergunta  de  que  rumo  tomar,  como  chegar  melhor  até  ele.  Provou com a determinação—. Não deixarei que te derrube, Leo.  O olhar que dedicou demonstrou que a determinação tinha sido um engano.  —Algum  dia  —disse  ele  com  fria  amabilidade—,  pode  ver‐te  forçada  a  te  dar  conta de que há coisas além de seu controle. Se quero me derrubar, farei‐o sem pedir  sua maldita permissão.  Provou então com a simpatia.  —Leo...  sei  que  foi  à  deriva  desde  que  Laura  morreu.  Mas  outras  pessoas  se  recuperaram de uma perda e tornaram a encontrar a felicidade…  —Não  há  mais  felicidade  —disse  Leo  com  dureza—.  Não  há  paz  em  nenhum  maldito  rincão  de  minha  vida.  Ela  o  levou  tudo.  Pelo  amor  de  Deus,  Amelia...  vá  intrometer‐te nos assuntos de outro e me deixe só no inferno.       

 

                    Capítulo 11    A manhã depois da visita da Amelia Hathaway, Cam foi ao estúdio privado de  Lorde Westcliff, detendo‐se ante a porta aberta.  —Milord.  Ocultou um sorriso quando divisou a cabeça de porcelana de uma boneca sob o  escritório de mogno, colocada em posição de sentada contra de uma das pernas, e os  restos do que parecia ser uma torta de mel. Sabendo da adoração que o conde sentia  por sua filha, Cam supôs que lhe resultava impossível defender‐se contra as invasões  de Merritt.  Levantando a vista do escritório, Westcliff fez um gesto para que Cam entrasse.  —É a tribo do Brishen? —perguntou diretamente.  Cam tomou a cadeira que lhe indicava.  —Não.  Está  liderada  por  um  homem  chamado  Danior.  Viram  as  marcas  nas  árvores. 

 

Essa  manhã,  um  dos  arrendatários  do  Westcliff  tinha  informado  que  um  acampamento  cigano  se  estabeleceu  junto  ao  rio.  A  diferença  de outros  fazendeiros  no Hampshire, Westcliff tolerava a presença de ciganos em sua fazenda, com tal de  que não cometessem maldades e não ficassem mais tempo do aconselhado.  Em  ocasiões  anteriores  o  conde  tinha  enviado  comida  e  vinho  aos  romas.  Em  troca,  eles  esculpiam  marcas  nas  árvores  junta  ao  rio  para  indicar  que  este  era  território  amigo.  Normalmente  ficavam  só  alguns  dias,  e  se  foram  causar  danos  na  fazenda.  Ao  saber  do  acampamento  cigano,  Cam  se  tinha  devotado  voluntário  para  passar‐se a falar com os recém chegados e indagar sobre seus planos. Westcliff esteve  de acordo imediatamente, aproveitando a oportunidade de enviar um intermediário  que falava a língua romany.  Tinha sido uma visita agradável. A tribo era pequena, sua líder era um homem  afável que tinha assegurado ao Cam que não criariam problemas.  —Têm intenção de ficar uma semana, nada mais —disse Cam ao Westcliff.  —Bem.  A pronta resposta do conde provocou o sorriso do Cam.  —Você não gosta das visitas dos ciganos.  —Não  é  algo  que  espere  com  ilusão  —admitiu  Westcliff—.  Sua  presença  põe  nervosos aos aldeãos e a meus arrendatários.  —Mas lhes permite ficar. Por quê?  —Por uma parte, a proximidade facilita saber o que estão fazendo. Por outra…  —Westcliff  fez  uma  pausa,  parecendo  escolher  suas  palavras  com  incomum  cautela—.  Muitos  vêem  os  ciganos  como  bandas  de  vagabundos  e  nômades,  e  no  pior  dos  casos,  mendigos  e  ladrões.  Mas  outros  reconhecem  que  possuem  sua  própria cultura. Se a gente estiver de acordo com este último ponto de vista, não lhes  pode castigar por viver na natureza.  Cam elevou as sobrancelhas, impressionado. Era estranho que alguém, e menos  um nobre, tratasse aos ciganos com justiça. 

 

—E você está de acordo com o último?  —Tendo a está‐lo —Westcliff sorriu torcidamente enquanto acrescentava— mas  ao mesmo tempo reconheço que os habitantes da natureza podem ser, em ocasiões,  algo ligeiros de mãos.  Cam sorriu.  —O  cigano  acredita  que  ninguém  possui  a  terra  ou  a  vida  que  contém.  Tecnicamente, a gente não pode roubar algo que pertence a todos.  —Meus arrendatários tendem a dissentir —disse Westcliff com secura.  Cam  se  reclinou,  apoiando  uma  mão  sobre  o  braço  da  cadeira.  Seus  anéis  de  ouro brilharam contra o suntuoso mogno.  A  diferença  do  conde,  que  vestia  um  elegante  traje  feito  a  medida  e  uma  gravata habilmente atada, Cam vestia botas e calças de montar e uma camisa com o  pescoço desabotoado. Não tivesse sido apropriado que visitasse a tribo com o traje de  um gadjo.  Westcliff o observou atentamente.  —Do  que  falaram?  Imagino  que  mostraram  um  pouco  de  surpresa  ao  encontrar‐se com um cigano que vive com gadjos.  —Surpresa —conveio Cam—, além de lástima.  —Lástima?  —O  conde  não  alcançava  a  compreender  que  os  ciganos  se  consideravam a si mesmos tremendamente superiores aos gadjos.  —Compadecem a qualquer homem que leve esta classe da vida. —Cam fez um  gesto a sua refinação ao redor—. Passar a noite dentro de uma casa. Curvar‐se pelas  posses. Ter um horário. Levar um relógio de bolso. Todo isso é antinatural.  Guardou  silêncio,  pensando  no  momento  em  que  tinha  posto  os  pés  no  acampamento,  a  sensação  de  simplicidade  que  o  tinha  alagado.  A  vista  dos  carromatos, as caravanas, os cães perambulando entre as rodas dianteiras, os cavalos  de tiro satisfeitos atados nas cercanias, o aroma de fumaça e cinza... todo isso tinha  evocado  quentes  lembranças  de  sua  infância.  E  nostalgia.  Amava  essa  vida,  nunca  tinha deixado de amá‐la. Nunca tinha encontrado nada que a substituísse. 

 

—A meu parecer não há nada antinatural em querer um teto sobre a cabeça de  um quando chove —disse Westcliff—. Ou possuir e lavrar a terra, ou medir o avanço  do  dia  com  um  relógio.  É  a  natureza  do  homem  impor  sua  vontade  sobre  seu  entorno. De outra forma, a sociedade se desintegraria, e não haveria nada salvo caos  e guerra.  —E os ingleses, com seus relógios e suas granjas e suas cercas, não têm guerras?  O conde franziu o cenho.  —A gente não pode ver estes assuntos com tanta simplicidade.  —O  cigano  o  faz.  —Cam  estudou  as  ponteiras  de  suas  botas,  o  couro  estava  coberto  de  uma  capa  seca  de  barro  do  rio—.  Me  pediram  que  me  fora  com  eles  quando se forem —disse quase distraidamente.  —Recusou, é obvio.  —Quis aceitar. Desde não ser por minhas responsabilidades em Londres, faria‐ o.  O rosto do Westcliff empalideceu. Uma pausa especulativa.  —Surpreende‐me.  —Por quê?  —É  um  homem  de  inteligência  e  habilidades  pouco  frequentes.  É  rico,  e  tem  perspectivas de sê‐lo bastante mais. Não seria lógico jogá‐lo tudo a perder.  Um  sorriso  apareceu  nos  lábios  do  Cam.  Embora  Westcliff  fosse  uma  liberal,  tinha uma ideia muito arraigada sobre como devia viver a gente. Suas opiniões sobre  a honra, a indústria e o progresso não coincidiam com as dos ciganos. Para o conde, a  natureza era algo para ser dirigido e organizado, as flores deviam estar plantadas em  maciços  no  jardim,  os  animais  deviam  ser  adestrados  ou  caçados,  a  terra  devia  ser  cultivada. E um homem jovem devia ocupar‐se em algo produtivo e ser induzido a  casar‐se com uma mulher adequada com a que formar uma sólida família britânica.  —Por que seria um desperdício? 

 

—Um  homem  deve  procurar  alcançar  seu  máximo  potencial  —foi  a  resolvida  resposta  do  conde—,  nunca  poderia  fazê‐lo  vivendo  como  um  cigano.  Suas  necessidades  básicas,  comida  e  refúgio,  logo  que  estariam  cobertas.  Enfrentaria  a  uma  constante  perseguição.  Em  nome  de  Deus,  como  poderia  te  atrair  semelhante  estilo de vida, quando tem quase tudo o que um homem poderia desejar?  Cam se encolheu de ombros.  —É a liberdade.  Westcliff negou com a cabeça.  —Se quiser terras, dispõe de meios para comprar grandes quantidades dela. Se  quiser  cavalos,  pode  adquirir  uma  manada  de  puro‐sangres  e  cavalos  de  caça.  Se  quiser...  —Isso  não  é  liberdade.  Quanto  tempo  emprega  na  direção  da  fazenda,  os  investimentos,  os  negócios,  em  reuniões  com  agentes  e  intermediários,  viajando  ao  Bristol e Londres?  Westcliff pareceu ofendido.  —Está me dizendo a sério que está considerando abandonar seu emprego, suas  ambições, seu futuro... para viajar pelo mundo em uma carreta?  —Sim. Estou‐o considerando.  Os olhos castanhos do Westcliff se entrecerraram.  —E crê que depois de anos de viver uma vida produtiva em Londres encaixaria  bem em uma existência de vagar sem objetivo?  —É a vida para a que nasci. Em seu mundo, sou só uma novidade.  —Uma  novidade  com  um  condenado  êxito.  E  tem  a  oportunidade  de  ser  um  exemplo para sua gente...  —Que  Deus  me  ajude.  —Cam  começou  a  rir  sem  poder  evitá‐lo—.  Se  alguma  vez acontece isso, teriam que me disparar.  O conde recolheu o selo de prata para cartas de uma esquina de seu escritório,  examinando a base gravada do mesmo com estranha concentração. Usou o bordo da 

 

unha de seu dedo polegar para tirar uma gotita de lacre endurecida que danificava a  polida  superfície.  Cam  não  se  deixou  enganar  pelo  acanhamento  repentino  do  Westcliff.  —Não  posso  evitar  advertir  —murmurou  o  conde—,  que  enquanto  considera  uma  mudança  em  sua  forma  de  vida,  também  parece  haver  tomado  um  visível  interesse pela senhorita Hathaway.  A expressão do Cam não se alterou, a barreira de seu sorriso se manteve firme.  —É  uma  mulher  formosa.  Teria  que  estar  cego  para  não  adverti‐lo.  Mas  isso  dificilmente vai trocar meus futuros planos.  —Ainda.  —Nunca  —repôs  Cam,  fazendo  uma  pausa  quando  ouviu  a  desnecessária  intensidade  de  sua  própria  voz.  Ajustou  seu  tom  imediatamente—.  Decidi  partir  dentro  de  dois  dias,  depois  de  que  St.  Vincent  e  eu  falemos  de  alguns  assuntos  concernentes  ao  clube.  Não  é  provável  que  veja  de  novo  à  senhorita  Hathaway.  — Graças a Deus, acrescentou privadamente.  O  punhado  de  encontros  que  tinha  tido  com  a  Amelia  Hathaway  tinham  sido  excepcionalmente  preocupantes.  Cam  não  podia  recordar  quando,  se  é  que  tinha  ocorrido alguma vez, tinha estado tão afetado por uma mulher. Não era alguém que  se  envolvesse  nos  assuntos  de  outras  pessoas.  Repugnava‐lhe  dar  conselhos,  e  passava  pouco  tempo  considerando  problemas  que  não  lhe  concernissem  diretamente.  Mas  se  sentia  irresistivelmente  atraído  pela  Amelia.  Ela  era  tão  deliciosamente séria, tão empenhada em ocupar‐se de todos os que a rodeavam, que  era  uma  ímpia  tentação  distrai‐la.  Fazê‐la  rir.  Fazê‐la  jogar.  E  ele  podia,  se  queria.  Sabendo  que  isso  lhe  faria  ainda  mais  difícil  manter‐se  longe  dela.  As  firmes  conexões que ela tinha formado com o resto de sua família, o longe que ela iria cuidá‐ los...  tudo  a  impelia  para  ele  a  um  nível  instintivo.  O  ROM  era  assim.  Tribal.  E  Amelia  era  seu  oposto  nas  formas  mais  essenciais,  uma  criatura  doméstica  que  insistiria  em  jogar  raízes.  Irônico,  que  estivesse  tão  fascinado  por  alguém  que  representava tudo aquilo do que precisava fugir.     

 

Parecia que o condado inteiro tinha ido à Feira da Faxineira, que de acordo com  a tradição tinha tido lugar cada doze de outubro desde fazia ao menos cem anos. O  povo,  com  suas  pulcras  lojas  e  suas  granjas  em  branco  e  negro,  era  quase  ridiculamente encantador. A multidão se formava redemoinhos ao redor da peculiar  extensão oval de grama do povo ou andavam pela rua principal onde se erigiam uma  multidão de postos provisórios e barracos. Os vendedores vendiam brinquedos a um  penique,  mantimentos,  bolsas  de  sal  do  Lymington,  cristalería  e  tecidos,  e  botes  de  mel da localidade.  A  música  de  cantores  e  violinistas  provocava  salvas  de  aplausos  enquanto  os  artistas levavam a cabo seus truques para os transeuntes. A maior parte dos contratos  de  trabalho  se  realizou  mais  cedo,  com  operários  esperançados  e  aprendizes  formados  em  filas  na  praça  do  povo,  falando  com  os  potenciais  patrões.  Depois  de  chegar  a  um  acordo,  davam‐lhe  um  penique  em  gosta  muito  ao  criado  recém  contratado, e o resto do dia transcorria com festejos.  Merripen tinha ido pela manhã em busca de dois ou três serventes adequados  para  o  Ramsay  House.  Com  esse  negócio  concluído,  tinha  retornado  ao  povo  ao  entardecer,  acompanhado  por  toda  a  família  Hathaway.  Estavam  todos  muito  contentes ante a perspectiva  de música, comida, e entretenimento. Leo  desapareceu  em  seguida  com  um  par  de  mulheres  do  povo,  deixando  a  suas  irmãs  a  cargo  do  Merripen.  Jogando  uma  rápida  olhada  entre  os  postos,  as  irmãs  se  deleitaram  com  os  bolos de carne de porco com forma de mão,  empanadas de  porro,  maçãs  e  peras,  e  para  o  deleite  das  garotas,  os  “maridos  de  pão  de  gengibre”.  O  pão  de  gengibre  se  colocou em moldes de madeira com forma humana, assou‐se e dourou. O padeiro do  posto lhes assegurou que cada empregada solteira devia comer um marido de pão de  gengibre para ter sorte, se queria apanhar um de verdade algum dia.  Uma risonha discussão simulada surgiu entre a Amelia e o padeiro quando ela  se  negou  rotundamente  a  comprar  um  para  si  mesmo,  aduzindo  que  não  tinha  desejos de casar‐se.  —Mas é obvio que os tem! —declarou o padeiro com um sorriso ardiloso—, é o  que toda mulher espera.  Amelia sorriu e passou as bolachas de gengibre a suas irmãs. 

 

—Quanto pelos três, senhor?  —Um  quarto  de  penique  cada  um.  —Ele  tratou  de  lhe  dar  a  ela  um  quarto  pãozinho—. E este é grátis. Seria uma lástima que uma preciosa dama de olhos azuis  ficasse sem um marido.  —OH, não posso, —protestou Amelia—. Obrigada, mas não...  Uma voz nova soou detrás dela.  —Aceitará‐o.  A confusão e o prazer buliram por seu corpo, e Amelia viu uma mão masculina  escura estendida, que deixava cair uma peça de prata na palma estendida do padeiro.  Ouvindo as risitas nervosas de suas irmãs, Amelia se deu a volta e levantou a vista  para um par de brilhantes olhos cor avelã.  —Necessita sorte —disse Cam Rohan, colocando o marido de pão de gengibre à  força entre suas mãos relutantes—. Agarre‐o.  Ela obedeceu, arrancando deliberadamente de uma dentada a cabeça, e ele riu.  Sua boca se encheu do sabor enriquecedor do melaço e o pão de gengibre fundindo‐ se em sua língua.  Olhando  ao  Rohan,  pensou  que  deveria  ter  ao  menos  um  ou  dois  defeitos,  alguma  irregularidade  na  pele  ou  a  estrutura...  mas  sua  cútis  era  tão  suave  como  o  mel  escuro,  e  as  linhas  de  suas  facções  estavam  perfeitamente  raspadas.  Quando  inclinou  a  cabeça  para  ela,  a  luz  do  entardecer  fez  brilhar  as  ondas  escuras  de  seu  cabelo.  Conseguindo tragar o pão de gengibre, Amelia falou entre dentes.  —Não acredito na sorte.  Rohan sorriu.  —Nem nos maridos, aparentemente.  —Não para mim mesma, não. Mas para outras...  —É igual. Casará‐se de todas formas. 

 

—Por que diz isso?  Antes de responder, Rohan lançou um olhar de reojo às irmãs Hathaway, que  lhes sorriam benévolas. Merripen, por outro lado, franzia o cenho.  —Posso lhes roubar a sua irmã? —perguntou Rohan ao resto das Hathaway—.  Preciso falar com ela de algumas questões de apicultura.  —O que quer dizer isso? —perguntou Beatrix, lhe tirando a Amelia o marido de  pão de gengibre sem cabeça.  —Suspeito  que  o  senhor  Rohan  se  refere  a  nossa  habitação  das  abelhas  — respondeu  Win  com  um  sorriso,  insistindo  amavelmente  a  suas  irmãs  a  partir  com  ela—. Vamos, vejamos se podemos encontrar um posto com sedas bordadas.  —Não  vão  longe  —lhes  disse  Amelia,  mais  que  um  pouco  surpreendida  pela  velocidade com que sua família a abandonava—. B, não pague por algo sem regatear  primeiro, e Win...  Sua voz se desvaneceu quando se dispersaram entre os postos sem escutar. Só  Merripen lhe dirigiu um tardio olhar carrancudo, por cima do ombro.  Parecendo desfrutar ao ver o desagrado do Merripen, Rohan ofereceu seu braço  a Amelia.  —Caminhe comigo.  Ela pôde ter desaprovado a ordem em voz baixa, mas esta seria provavelmente  a última vez que o veria em muito tempo, se é que alguma vez voltava a fazê‐lo. E  era difícil resistir ao brilho sedutor de seus olhos.  —Por  que  disse  você  que  me  casaria?  —perguntou  ela  enquanto  se  moviam  através da multidão com passo depravado. Não lhe escapava que muitos olhares se  dirigiam para o arrumado Roma que vestia como um cavalheiro.  —Está escrito em sua mão.  —A  leitura  da  mão  é  um  engano.  E  os  homens  não  lêem  as  palmas.  Só  as  mulheres. 

 

—Simplesmente porque não o façamos —respondeu Rohan alegremente—, não  quer dizer que não possamos. E qualquer um poderia ver sua linha de matrimônio.  Está tão clara como o dia.  —A  linha  de  matrimônio?  Onde  está  isso?  —Amelia  apartou  a  mão  de  seu  braço e se esquadrinhou a palma.  Rohan  a  levou  com  ele  sob  a  sombra  de  uma  frondosa  árvore  ao  bordo  da  grama.  A  multidão  formava  redemoinhos  com  o  passar  do  ovalóide  recortado,  enquanto os últimos raios de luz do sol se ocultavam sob o horizonte. As tochas e os  abajures estavam já sendo acesos, antecipando a chegada da noite.  —É esta —disse Rohan, tomando a mão, girando a palma para cima.  Os dedos da Amelia se encolheram enquanto uma quebra de onda de vergonha  a  transpassava.  Deveria  ter  levado  postos  as  luvas,  mas  seu  melhor  par  estava  manchado,  e  o  de  reposto  tinha  um  buraco  em  um  dos  dedos,  e  ainda  não  tinha  conseguido  comprar  uns  novos.  Para  piorar  as  coisas,  tinha  uma  crosta  junto  ao  polegar, onde se tinha feito um profundo corte com o bordo de um cubo de metal, e  suas unhas tinham sido cortadas descuidadamente detrás haver‐lhe quebrado. Era a  mão  de  uma  criada,  não  de  uma  dama.  Durante  um  triste  momento,  desejou  ter  umas mãos como as de Win, pálidas, de compridos dedos, e elegantes.  Rohan ficou olhando durante um momento. Como Amelia tratou de apartar‐se,  ele fechou sua mão mais firmemente ao redor da dela.  —Um momento —lhe ouviu murmurar.  Não ficou mais remedeio que relaxar os dedos sobre a cálida superfície da mão  dele.  O  rubor  a  percorreu  quando  seu  polegar  lhe  roçou  a  palma  e  empurrou  para  fora até que todos seus dedos ficaram lassos e abertos.  Acalmada a voz parecia conectar com algum ponto de prazer escondido na base  de seu crânio.  —Aqui. —A gema do dedo dele percorreu uma linha horizontal na base de seu  mindinho—.  Só  um  matrimônio.  Será  longo.  E  estes…  —Rastreou  um  trio  de  pequenos entalhes verticais que cruzavam a linha de matrimônio—. Quer dizer que 

 

terá  ao  menos  três  meninos.  —Entrecerrou  os  olhos  pela  concentração—.  Duas  meninas e um menino. Elizabeth, Jane, e… Ignatius.  Ela não pôde evitar sorrir.  —Ignatius?  —Como seu pai —ele disse muito sério—. Um apicultor muito distinto.  A faísca de diversão em seus olhos fez que o pulso da Amelia saltasse. Tomou a  mão dele e lhe inspecionou a palma.  —Me deixe ver a sua.  Rohan  manteve  a  mão  relaxada,  mas  ela  sentiu  seu  poder,  ossos  e  músculos  dobrando‐se sutilmente sob a pele bronzeada. Seus dedos estavam bem formados, as  unhas  escrupulosamente  limpas  e  cortadas  pulcramente  até  a  medula.  Os  ciganos  eram  fastidiosos,  inclusive  rituais  com  respeito  a  sua  higiene.  À  família  tinha  feito  graça  durante  muito  tempo  as  opiniões  do  Merripen  sobre  o  que  constituía  uma  higiene  correta,  sua  preferência  a  lavarsse  com  uma  cascata  de  água  em  vez  de  inundar‐se em um banheiro.  —Tem  uma  linha  de  matrimônio  ainda  mais  profunda  que  a  minha  —disse  Amelia.  Ele respondeu com uma única inclinação de cabeça, seu olhar não se separou da  cara dela.  —E você terá três meninos também… ou são quatro? —Tocou uma linha quase  imperceptível gravada perto do bordo de sua mão.  —Só três. A do bordo quer dizer que terei um noivado muito curto.  —Provavelmente  será  empurrado  ao  altar  pelo  extremo  do  rifle  de  algum  pai  indignado.  Ele sorriu abertamente.  —Só se sequestro a minha prometida de seu dormitório.  Lhe estudou. 

 

—Encontro difícil imaginar como marido. Parece muito solitário.  —Não.  Levarei  a  minha  esposa  comigo  a  todas  as  partes.  —Seus  dedos  lhe  apanharam o polegar, como se tivesse apanhado um ramalhete de dentes de leão—.  Viajaremos em um carromato de um lado a outro do mundo. Porei anéis de ouro nos  dedos de suas mãos e seus pés, e braceletes em seus tornozelos. De noite lhe lavarei o  cabelo  e  o  pentearei  para  secá‐lo  à  luz  do  fogo.  E  a  beijarei  para  despertá‐la  a  cada  manhã.  Amelia  apartou  o  olhar,  suas  bochechas  se  esquentaram  e  avermelharam.  Apartou‐se,  precisando  caminhar,  algo  para  romper  a  intimidade  sufocante  do  momento. Ele a alcançou quando cruzava a praça do povo.  —Senhor Rohan… por que abandonou sua tribo?  —Nunca estive realmente seguro.  Olhou‐o com surpresa.  —Tinha  dez  anos  —disse  ele—.  Desde  que  posso  recordar,  viajava  no  carromato de meus avós. Nunca conheci meus pais, minha mãe morreu no parto, e  meu  pai  era  um  gadjo  irlandês.  Sua  família  rechaçou  o  matrimônio  e  o  convenceu  para que abandonasse a minha mãe. Não acredito que soubesse nunca que ela tinha  tido um menino.  —Alguém tratou de dizer‐lhe.   —Não  sei.  Puderam  ter  decidido  que  isso  não  teria  trocado  nada.  Segundo  meus  avós,  ele  era  jovem  —esboçou  um  breve  sorriso  pícaro  em  sua  direção—,  e  imaturo inclusive para ser um gadjo. Um dia minha avó me vestiu com uma camisa  nova que me tinha feito, e me disse que tinha que abandonar a tribo. Disse que corria  perigo e que já não podia viver com eles.  —Que classe de perigo? De onde provinha?  —Não o disse. Um primo maior que eu, seu nome era Noé, levou‐me a Londres  e  me  ajudou  a  encontrar  um  alojamento  e  um  trabalho.  Prometeu  retornar  a  mim  algum dia e me dizer quando era seguro voltar para casa.  —E enquanto isso trabalhou no clube de jogo? 

 

—Sim,  o  velho  Jenner  me  contratou  como  corredor  de  apostas.  —A  expressão  do Rohan se suavizou ante as lembranças afetuosas—. Em certa forma, foi como um  pai  para  mim.  É  obvio,  era  irascível  e  um  pouco  muito  rápido  de  punhos.  Mas  era  um bom homem. Cuidou de mim.  —Não pôde ter sido  fácil para você, —disse Amelia, sentindo  compaixão pelo  menino  que  tinha  sido,  abandonado  por  sua  família  e  obrigado  a  abrir  seu  próprio  caminho  no  mundo—.  Me  surpreende  que  não  tentasse  voltar  correndo  com  sua  tribo.  —Tinha prometido que não o faria.  Vendo  cair  uma  folha  com  uma  revoada  do  ramo  de  uma  árvore,  Rohan  levantou a mão, os ágeis dedos a apanharam no ar como um prestidigitador. Levou‐ se a folha ao nariz, inspirando sua doçura, e a ofereceu a ela.  —Fiquei no clube durante anos —disse ele com tom prático—. Esperando que  Noé retornasse por mim.  Amelia esfregou a superfície da folha entre as gemas dos dedos.  —Mas nunca o fez.  Rohan negou com a cabeça.  —Logo Jenner morreu, e sua filha e seu genro tomaram posse do clube.  —Seus empregadores lhe trataram bem?  —Muito  bem.  —Um  cenho  varreu  sua  frente—.  Iniciaram  minha  maldição  de  boa sorte.  —Sim, ouvi falar disso. —Sorriu—. Mas posto que não acredito na sorte ou em  maldições, sou cética.  —É  suficiente  para  estragar  a  um  cigano.  Não  importa  o  que  faça,  o  dinheiro  vem para mim.  —Que horror. Deve ser muito duro para você.  —É  condenadamente  vergonhoso  —resmungou  ele  com  uma  sinceridade  da  que ela não pôde duvidar. 

 

Meio divertida, meio invejosa, Amelia perguntou:  —Tinha tido este problema antes?  Rohan negou com a cabeça.  —Mas  deveria  havê‐lo  visto  vir.  É  o  destino.  —Detendo‐se  junto  a  ela,  lhe  mostrou  sua  palma,  onde  um  grupo  de  intercessões  estreladas  brilhavam  com  luz  tênue  na  base  de  seu  dedo  indicador—.  Prosperidade  financeira  —foi  sua  sombria  explicação—, e não acabará a curto prazo.  —Poderia  dar  de  presente  seu  dinheiro.  Há  incontáveis  obras  de  caridade,  e  muitas pessoas necessitadas.  —Isso  pretendo.  Logo.  —Tomando  seu  cotovelo,  guiou‐a  cuidadosamente  rodeando  um  buraco  no  terreno—.  Depois  de  amanhã  retorno  a  Londres  para  encontrar a um encarregado que me substitua no clube.  —E depois o que fará?  —Viver  como  um  verdadeiro  cigano.  Encontrarei  alguma  tribo  com  a  que  viajar.  Não  mais  livros  de  contas  nem  garfos  de  salada  nem  betume  nos  sapatos.  Serei livre.  Parecia convencido de que estaria satisfeito com uma vida singela, mas Amelia  tinha suas dúvidas. O problema era que não havia meio termo. A gente não poderia  ser  um  nômade  e  um  cavalheiro  educado  ao  mesmo  tempo.  Devia  escolher.  Fez‐a  sentir‐se agradecida de que não existisse nenhuma dualidade em sua natureza. Sabia  exatamente quem e o que era ela.  Rohan a conduziu para um posto instalado junto à adega do povo, e comprou  duas  taças  de  vinho  de  ameixas.  Ela  bebeu  o  ácido  e  ligeiramente  doce  licor  a  grandes goles, fazendo rir ao Rohan em voz baixa.  —Não  tão  rápido  —lhe  advertiu.  —  Estas  coisas  são  mais  fortes  do  que  parecem.  Um  pouco mais  e  terei  que  levá‐la  a  casa  sobre  meus  ombros  como  a  um  cervo derrubado. 

 

—Não é tão forte —protestou Amelia, incapaz de saborear o álcool do vinho de  frutas. Era delicioso, o gosto das ameixas passas se atrasava em sua língua. Tendeu  sua taça ao escanciador—. Tomarei outro.  Embora as mulheres decentes normalmente não comiam ou bebiam em público,  as regras eram frequentemente deixadas a um lado em festivais e feiras rurais, onde a  classe acomodada e os plebeus se acotovelavam e ignoravam as convenções.  Parecendo  divertido,  Rohan  terminou  seu  próprio  vinho,  e  esperou  pacientemente enquanto ela bebia mais.  —Encontrei um apicultor para você —disse —lhe descrevi seu problema. Disse  que  iria  ao  Ramsay  House  amanhã,  ou  possivelmente  ao  dia  seguinte.  De  uma  ou  outra maneira, livrará‐se você das abelhas.  —Obrigada —disse Amelia ferventemente—. Estou em dívida com você, senhor  Rohan. Demorará muito em tirar a colmeia?  —Não há forma de saber até que a veja. Tendo estado a casa desocupada tanto  tempo,  o  enxame  poderia  ser  muito  grande.  Disse  que  uma  vez  tinha  encontrado  uma  colmeia  em  uma  casa  de  campo  abandonada  composta  por  meio  milhão  de  abelhas, segundo seus cálculos.  Os olhos da Amelia se abriram de par em par.  —Meio milhão…  —Duvido que o seu seja tão malote —disse Rohan—. Mas está quase seguro de  que parte da parede terá que ser derrubada depois de que as abelhas se foram.  Mais  gastos.  Mais  reparações.  Os  ombros  da  Amelia  baixaram  bruscamente  ante a ideia. Falou sem pensar.  —Se tivesse sabido que Ramsay House estava em umas condições tão terríveis,  não teria trazido a família ao Hampshire. Não deveria ter acreditado na palavra do  vendedor  de  que  a  casa  era  habitável.  Mas  tinha  tanta  pressa  por  tirar  Leo  de  Londres… e desejava tanto que todos nós começássemos de novo…  —Você não é a responsável por tudo. Seu irmão é um adulto. Igual a Winnifred  e Poppy. Estiveram de acordo com sua decisão, não? 

 

—Sim, mas Leo não estava em seus cabais. Ainda não o está. E Win é frágil, e…  —Gosta de culpar‐se a si mesmo? Deva dar um passeio comigo.  Amelia  deixou  sua  taça  de  vinho  vazia  em  uma  esquina  do  posto,  sentindo  a  cabeça ligeira. A segunda taça de vinho tinha sido um engano. E ir a qualquer lugar  com o Rohan, com a noite aproximando‐se e o folguedo a seu redor, seria outro mais.  Mas  quando  olhou  diretamente  a  seus  olhos  cor  avelã,  sentiu‐se  ridiculamente  imprudente. Simplesmente alguns minutos roubados... não pôde resistir à travessura  ilícita de seu sorriso.  —Minha família se preocupará se não me reúno com eles logo.  —Sabem que está comigo.  —Precisamente por isso se preocuparão —replicou ela, fazendo‐o rir.  Detiveram‐se ante uma mesa carregada com uma coleção de lanternas mágicas,  pequenos abajures adornados de lata com uma lente na parte dianteira. Havia uma  ranhura para uma diapositiva de cristal pintado à mão justo detrás da lente. Quando  se acendia o abajur, projetava‐se uma imagem na parede. Rohan insistiu em comprar  uma a Amelia, junto com um pacote de diapositivas.  —Mas é um brinquedo de meninos —protestou ela, sujeitando a lanterna pela  asa do arame— O que vou fazer com isto?  —Permita  o  gosto  do  entretenimento  sem  sentido.  Jogue.  Deveria  prová‐lo  alguma vez.  —Jogar é para meninos, não para adultos.  —OH,  senhorita  Hathaway,  —queixou‐se  ele,  conduzindo‐a  longe  da  mesa—.  Os melhores jogos são para adultos.  Bordearam a multidão, entrando e saindo como a agulha de um bordador, até  que  finalmente  passearam  sem  rumo  à  luz  das  tochas,  o  movimento  e  a  música,  e  alcançaram a quietude escura e luminosa de um maciço de haja.  —Vai  contar  me  por  que  tinha  esse  selo  de  prata  do  estúdio  do  Westcliff?  — perguntou ele. 

 

—Preferiria não fazê‐lo, se não lhe importar.  —Porque tenta proteger ao Beatrix?  Seu olhar alarmado atravessou as sombras.  —Como sabe... quer dizer, por que menciona a minha irmã?  —A  noite  em  que  teve  lugar  o  jantar,  Beatrix  teve  tempo  e  oportunidade.  A  pergunta é, por que quereria fazê‐lo?  —Beatrix  é  uma  boa  garota  —disse  Amelia  rapidamente—.  Uma  garota  maravilhosa. Ela alguma vez faria deliberadamente nada mau, e… Não lhe falou com  ninguém do selo, verdade?  —É  obvio  que  não.  —Sua  mão  tocou  um  flanco  de  seu  rosto—.  Acalme‐se,  colibri. Eu não trairia seus segredos. Sou seu amigo. Acredito... —Uma pausa breve,  eletrizante—. Em outra vida, seríamos mais que amigos.  Seu coração deu um doloroso tombo detrás de suas costelas.  —Não há coisas como outras vistas. Não é possível.  —Por que não?  —A navalha do Occam.  Ele  guardou  silêncio  como  se  sua  resposta  o  tivesse  assombrado,  e  logo  uma  risada maravilhada brotou de sua garganta.  —O princípio científico medieval?  —Sim.  Quando  se  formula  uma  teoria,  eliminam‐se  tantas  hipóteses  como  é  possível. Em outras palavras, a explicação mais simples é a mais provável.  —E  por  isso  não  crê  na  magia  ou  o  destino  ou  a  reencarnação?  Porque  são  muito complicados, teoricamente falando?  —Sim.  —Como é que conhece a navalha do Occam? 

 

—Meu  pai  era  um  estudioso  medieval.  —Amelia  tremeu  quando  sentiu  sua  mão deslizar‐se por um flanco de seu pescoço—. Algumas vezes estudávamos juntos.  Rohan  tirou  a  asa  de  arame  da  lanterna  mágica  de  seu  tremente  agarre,  e  a  colocou perto de seus pés.  —Ensinou‐te  ele  também  que  as  explicações  complicadas  são  algumas  vezes  mais precisas que as simples?  Amelia  negou  com  a  cabeça,  incapaz  de  falar  quando  ele  a  tirou  dos  ombros,  encaixando‐a  contra  si  com  extremo  cuidado.  Seu  pulso  correu  selvagem.  Não  deveria  lhe  permitir  abraçá‐la.  Alguém  poderia  vê‐los,  inclusive  no  secretismo  das  sombras  nas  que  estavam  imersos.  Mas  quando  seus  músculos  se  viram  atraídos  contra  a  cálida  pressão  do  corpo  dele,  o  prazer  a  enjoou,  e  deixou  de  lhe  importar  nada nem ninguém fora desses braços.  As  gemas  dos  dedos  do  Rohan  vagaram  com  assombrosa  delicadeza  por  sua  garganta, depois de sua orelha, internando‐se entre a cálida seda de seu cabelo.  —É uma mulher interessante, Amelia.  Lhe punha a carne de galinha onde quer que seu fôlego a tocasse.  —Não posso... imaginar por que pensaria algo assim.  Sua boca brincalhona riscou o arco de sua frente.  —Encontro‐te conscienciosa e profundamente interessante. Quero te abrir como  a  um  livro  e  ler  cada  página.  —Um  sorriso  curvou  as  comissuras  de  seus  lábios  enquanto acrescentava broncamente—. Incluídas as notas a pé de página. —Sentindo  a  rigidez  dos  músculos  de  seu  pescoço,  aliviou  a  tensão  destes,  massageando‐os  ligeiramente—.  Te  desejo.  Desejo  jazer  contigo  sob  constelações  e  nuvens  e  sob  a  sombra das árvores.  Antes  de  que  Amelia  pudesse  responder,  cobriu‐lhe  a  boca  com  a  sua.  Sentiu  uma  sacudida  de  calor,  seu  sangue  começou  a  arder,  e  não  pôde  conter  mais  sua  resposta  do  que  poderia  ter  evitado  que  pulsasse  seu  coração.  Subiu  a  mão  para  o  cabelo dele, os formosos cachos de ébano se curvaram ligeiramente ao redor de seus  dedos,  lhe  tocando  a  orelha,  encontrou  o  pendente  diamantino  no  lóbulo.  Roçou‐o  gentilmente, depois prosseguiu para baixo pela tersa pele acetinada até o pescoço da 

 

camisa.  O  fôlego  dele  se  voltou  áspero  enquanto  aprofundava  o  beijo,  sua  língua  penetrando em sedosa demanda.  A lua branca enviava fragmentos de luz através dos ramos do haja, perfilando a  silhueta  da  cabeça  do  Rohan,  tocando  sua  própria  pele  com  uma  incandescência  sobrenatural. Sujeitando‐a com uma mão, lhe embalou a cara com a outra, seu fôlego  quente e fragrante pelo vinho doce enquanto caía sobre a boca.  Uma brusca voz cortou através da úmida escuridão.  —Amelia.  Era  Christopher  Frost,  de  pé  a  poucas  jardas  de  distância,  com  uma  postura  rígida e combativa. Dirigiu ao Cam Rohan um largo e duro olhar.  —Não  a  converta em  um espetáculo. É  uma dama, e  merece ser tratada como  tal.  Amelia sentiu a imediata tensão no corpo do Rohan.  —Não necessito seus conselhos sobre como tratá‐la —disse este brandamente.  —Sabe o que será de sua reputação se a vê contigo.  Imediatamente  se  fez  patente  que  o  enfrentamento  ficaria  feio  se  Amelia  não  fazia algo a respeito. Separou‐se do Rohan.  —Isto não é o que parece —disse—. Devo voltar com minha família.  —Eu te escoltarei —disse Frost imediatamente.  Os olhos do Rohan relampejaram perigosamente.  —E um corno o fará.  —Por favor. —Amelia estendeu a mão para tocar com seus dedos frios os lábios  separados  do  Rohan—.  Acredito...  será  melhor  que  nos  separemos  aqui.  Desejo  ir  com  ele.  Entre  nós  há  coisas  que  devem  dizer‐se.  E  você...  —As  arrumou  para  lhe  sorrir—.  Tem  muito  caminho  por  diante.  —Torpemente  se  inclinou  e  recuperou  a  lanterna mágica que estava a seus pés—. Adeus, senhor Rohan. Espero que encontre  tudo o que está procurando. Espero... —interrompeu‐se com um sorriso inclinado, e 

 

sentindo um picor peculiar na garganta, tragou o sabor agridoce do desejo—. Adeus,  Cam —sussurrou.  Ele  não  se  moveu  nem  falou.  Sentiu‐o  observando‐a  enquanto  ia  para  o  Christopher  Frost...  sentiu  seu  olhar  penetrando  através  da  roupa,  atrasando‐se  contra  sua  pele.  E  enquanto  se  afastava,  uma  sensação  de  perda  a  atravessou  apressadamente.  Vagaram  lentamente,  ela  e  Christopher,  caindo  em  uma  familiar  harmonia.  Tinham  passeado  com  frequência  durante  seu  cortejo,  ou  dando  discretos  passeios  em carruagem apropriadamente acompanhadas. Tinha sido um cortejo correto, com  conversações  fervorosas,  cartas  meigamente  compostas,  e  doces  beijos  roubados.  Tinha parecido mágico, incrível, que alguém tão arrumado e perfeito a desejasse. De  fato, Amelia o tinha rechaçado ao princípio por essa mesma razão, lhe dizendo entre  risadas  que  estava  segura  de  que  pretendia  jogar  com  ela.  Mas  Christopher  tinha  contra‐atacado dizendo que dificilmente ia jogar com a irmã de seu melhor amigo, e  indubitavelmente não era nenhum libertino de Londres que jogaria com ela em falso.  —Por  uma  boa  razão,  não  visto  nem  de  longe  tão  bem  como  um  libertino  — tinha  indicado  Christopher  com  um  sorriso,  assinalando  a  seu  bem  elaborado  mas  sóbrio adorno.  —Tem razão —tinha estado de acordo Amelia, lhe examinando com zombadora  solenidade—. De fato, tampouco veste muito bem para ser um arquiteto.  —E  —tinha  contínuo  ele—,  tenho  um  histórico  extremamente  respeitável  com  as mulheres. Corações e reputações, todos ficam intactos. Nenhum libertino faria tal  reclamação.  —É  muito  convincente  —tinha  observado  Amelia,  um  pouco  sem  fôlego  quando ele se aproximou mais.  —Senhorita Hathaway —tinha sussurrado Christopher, engolindo sua mão fria  com as duas suas mais cálidas—, tenha piedade. Ao menos me permita lhe escrever.  Prometa  ler  minha  carta.  E  se  ainda  não  me  desejar  depois  disso,  não  a  voltarei  a  incomodar. 

 

Intrigada,  Amelia  tinha  mimado.  E  tinha  havido  uma  carta...  encantadora,  eloquente e bastante intensa a partes iguais. Tinham começado uma correspondência,  e Christopher tinha visitado Primrose Agrada sempre que podia.  Amelia  nunca  tinha  desfrutado  tanto  da  companhia  de  nenhum  homem.  Compartilhavam  similares  opiniões  sobre  uma  grande  variedade  de  temas,  o  qual  resultava  agradável.  Mas  quando  estavam  em  desacordo,  era  inclusive  melhor.  Christopher  estranha  vez  se  acalorava  sobre  um  tema...  sua  aproximação  era  analítica,  estudiosa,  muito  parecida  com  a  de  seu  pai.  E  se  Amelia  se  incomodava  com ele, ria e a beijava até que ela esquecia por que tinha começado a discussão.  Christopher  nunca  tinha  tentado  seduzir  a  Amelia...  respeitava‐a  muito  para  isso. Inclusive as vezes nas que se havia sentido tão comovida que lhe tinha animado  além dos simples beijos, ele se tinha negado.  —Desejo‐te,  meu  pequeno  amor  —tinha  sussurrado,  com  respiração  instável,  seus  olhos  brilhantes  de  paixão—.  Mas  não  até  que  seja  correto.  Não  até  que  seja  minha esposa.  Isso  era  o  mais  perto  a  uma  proposição  que  tinha  chegado.  Não  tinha  havido  nenhum  compromisso  oficial,  embora  Christopher  lhe  tinha  permitido  esperar  um.  Tinha  seguido  sozinho  um  misterioso  silêncio  durante  quase  um  mês,  e  então  Leo  tinha  ido  em  sua  busca  a  pedido  da  Amelia.  Seu  irmão  havia  tornado  de  Londres  com aspecto furioso e preocupado.  —Há rumores —lhe havia dito bruscamente, empurrando‐a contra seu peitilho,  lhe  secando  as  lágrimas  com  seu  lenço—.  Se  esteve  vendo  com  a  filha  do  Rowland  Tempere. Dizem que a corteja.  E então tinha chegado outra carta do Christopher, tão devastadora que Amelia  se perguntou como algumas linhas de tinta sobre um papel poderia rasgar a alma de  alguém.  Perguntou‐se  como  podia  sentir  tanta  dor  e  ainda  sobreviver.  Tinha  guardado  cama  durante  uma  semana,  sem  aventurar‐se  fora  de  sua  obscurecida  habitação, chorando até adoecer, e depois chorando algo mais.  Ironicamente, o que a tinha salvado tinha sido a escarlatina que tinha golpeado  ao  Win e  Leo. Eles a necessitavam, e  cuidá‐los  a  tinha  tirado das  profundidades  de  sua  melancolia.  Não  tinha  derramado  uma  lágrima  mais  pelo  Christopher  Frost  depois disso. 

 

Mas  a  ausência  de  lágrimas  não  era  quão  mesmo  a  ausência  de  sentimentos.  Amelia se surpreendeu agora ao descobrir que sob a amargura e a precaução, tudo o  que uma vez tinha encontrado atrativo nele ainda estava ali.  —Eu  sou  a  última  pessoa  que  deveria  te  indicar  como  conduzir  seus  assuntos  pessoais —disse Christopher tranquilamente—. Entretanto, sabe o que dirá a gente se  lhe virem com ele.  —Aprecio  sua  preocupação  por  minha  reputação.  —O  tom  da  Amelia  estava  ligeiramente salpicado de sarcasmo—. Mas dificilmente serei eu a única pessoa que  se permita algum capricho na campina.  —Se fosse com um cavalheiro, uns poucos caprichos poderiam ser passados por  cima. Mas ele é um cigano, Amelia.  —Notei‐o —disse ela secamente—. Te acreditava por cima de tais prejuízos.  —Não são meus prejuízos —contra‐atacou Christopher velozmente—, são os da  sociedade. Desafia‐os se quiser, mas sempre há um preço a pagar.  —A  discussão  é  hipotética,  em  qualquer  caso  —disse  ela—.  O  senhor  Rohan  parte logo a Londres, e depois quem sabe. Duvido que lhe volte a ver. E não posso  imaginar por que se preocuparia a ti uma coisa ou outra.  —É  obvio  que  me  importa  —disse  Christopher  gentilmente—.  Amelia...  arrependo‐me  de  te  haver  feito  mal,  mais  do  que  nunca  saberá.  Certamente  não  desejo verte suportar mais dor por causa de outra imprudente aventura amorosa.  —Não estou apaixonada por senhor Rohan —disse ela—. Nunca seria tão tola.  —Me alegro de ouvi‐lo. —Seu tom excessivamente aliviado resultou enervante.  Fez‐a desejar fazer algo selvagem e irresponsável só para lhe chatear.  —Por que não está casado? —perguntou bruscamente.  A pergunta foi seguida de um comprido suspiro.  —Ela aceitou minha proposição para agradar a seu pai, estava apaixonada por  outro,  um  homem  ao  que  seu  pai  não  passava.  Finalmente  se  fugiram  a  Gretna  Green. 

 

—Há  um  pouco  de  justiça  nisso  —disse  Amelia—.  Você  abandonou  a  alguém  que te amava. E ela te abandonou por alguém a quem amava.  —Agradaria‐te saber que alguma vez a amei? Eu gostava e a admirava, mas...  não era nada comparado com o que sentia por ti.  —Não,  não  me  agrada  no  mais  mínimo.  Resulta  inclusive  pior  que  pusesse  a  ambição por cima de todo o resto.  —Sou  um  homem  que  tenta  manter‐se  a  si  mesmo...  e  algum  dia  a  uma  família... com uma carreira incerta. Não espero que o entenda.  —Sua  carreira  nunca  foi  incerta  —disparou  Amelia  em  resposta—.  Tinha  muitas expectativas de êxito, inclusive sem te casar com a filha do Rowland Tempere.  Leo me disse que seu talento te levaria longe.  —Oxalá o talento fora suficiente. Mas é ingênuo acreditá‐lo assim.  —Bom, a ingenuidade parece ser um rasgo comum dos Hathaways.  —Amelia —murmurou ele—, não vai contigo ser tão cínica.  Ela agachou a cabeça.  —Não sabe como sou agora.  —Quero a oportunidade de averiguá‐lo.  Isso lhe arrancou um olhar de sobressaltada incredulidade.  —Não  há  nada  que  ganhar  com  uma  renovada  relação  comigo,  Christopher.  Não sou mais rica, nem tenho mais relações vantajosas. Nada trocou desde que nos  vimos pela última vez.  —Talvez eu sim. Talvez compreendi o que perdi.  —Desprezei —corrigiu ela, seu coração esmurrava dolorosamente.  —Desprezei  —reconheceu  ele  com  um  tom  suave—.  Fui  um  parvo  e  um  velhaco, Amelia. Nunca te pediria que passasse por cima o que fiz. Mas ao menos me  dê a oportunidade de te desagravar. Desejo me pôr ao serviço de sua família, se for  possível. E ajudar a seu irmão. 

 

—Não pode —disse Amelia—. Já vê no que se converteu.  —É  um  homem  com  notáveis  talentos.  Seria  criminoso  desperdiçá‐los.  Talvez,  se pudesse recuperar sua amizade...  —Não acredito que vá estar muito receptivo a isso.  —Quero lhe ajudar. Agora tenho influências com o Rowland Tempere. A fuga  de sua filha lhe deixou com uma sensação de obrigação para mim.  —Que conveniente para ti.  —Poderia interessar a Leo a ideia de trabalhar com ele de novo. Seria benéfico  para ambos.  —Mas  como  de  benéfico  seria  para  ti?  —perguntou  ela—.  Por  que  tomaria  tantas moléstias por Leo?  —Não sou um completo vilão, Amelia. Tenho consciência, embora a utilize bem  pouco.  Não  é  fácil  viver  com  as  lembranças  da  gente  a  que  fiz  mal  no  passado,  incluindo a ti e a seu irmão.  —Christopher —murmurou, lhe lançando um olhar distraído—. Não sei o que  dizer. Necessito tempo para considerar as coisas...  —Tome  todo  o  tempo  que  deseje  —disse  amavelmente—.  Se  não  puder  ser  o  que  uma  vez  fui  para  ti...  conformarei‐me  sendo  um  amigo  à  espera.  —Sorriu  ligeiramente,  com  os  olhos  cheios  de  uma  tenra  incandescência—.  E  se  alguma  vez  quiser mais... uma só palavra e será todo teu.    Capítulo 12    Normalmente  Cam  se  houvesse  sentido  agradado  com  a  chegada  de  Lorde  e  Lady St. Vincent ao Stony Cross Park. Entretanto, não desejava a perspectiva de ter  que informar ao St. Vincent sobre sua decisão de abandonar o clube. Ao St. Vincent  não  ia  gostar.  Não  só  teria  dificuldade  para  encontrar  a  um  gerente  que  o 

 

substituísse, mas sim o visconde não entenderia seu desejo de viver como um Roma.  St. Vincent se caracterizava por ser um devoto advogado do bom viver.  Muitas pessoas lhe temiam, possuía uma forma letal de fazer uso das palavras e  uma  natureza  calculadora,  mas  Cam  não  era  um  deles.  De  fato,  tinha  desafiado  ao  visconde  em  mais  de  uma  ocasião,  ambos  tinham  discutido  com  uma  viciosa  eloquência que poderia ter feito migalhas a qualquer outro.  Os  St.  Vincents  chegaram  com  sua  filha  Phoebe,  uma  menina  de  cabelo  vermelho  com  um  alarmante  e  volúvel  temperamento.  Em  um  momento  a  menina  era plácida e adorável. E no seguinte, era um feto do demônio que só se tranquilizava  com o som da voz de seu pai.  —Já  está,  querida.  —St.  Vincent  era  conhecido  por  arrulhar  à  menina  na  orelha—  Alguém  te  incomodou?  Ignoraram‐lhe?  OH,  que  insolência.  Minha  pobre  princesa terá o que deseja… —E, aplacada pelos atrozes mímicos de seu pai, Phoebe  não fazia mais que sorrir entre soluços.  A  menina  foi  corretamente  admirada  e  passeada  pelo  salão.  Evie  e  Lillian  conversavam  sem  parar,  abraçando‐se  frequentemente  e  entrelaçando  os  braços  como as velhas amigas que eram.  Depois  de  um  momento,  Cam,  St.  Vincent  e  Lorde  Westcliff  se  retiraram  a  terraço do pátio, onde a brisa da tarde esfumava os aromas do rio, do pasto verde e  das  flores  do  pântano.  Os  grasnidos  dos  gansos  selvagens  interrompiam  a  paz  outonal do Hampshire, junto com o mugir do gado que caminhava com o passar do  atalho do prado seco.  Os homens estavam sentados em uma mesa no exterior. Cam detestava o sabor  do tabaco, por isso ondeou em sua mão em um gesto de rechaço quando St. Vincent  lhe ofereceu um charuto.  Sob  o olhar  interessado  do Westcliff,  Cam e  St.  Vincent discutiam  o progresso  das renovações do clube. Não tendo já nenhuma razão para fugir do problema, Cam  comentou sua decisão de abandonar o clube quando a reforma se completou.  —Vais  deixar  me?  —perguntou‐lhe  St.  Vincent,  parecendo  um  pouco  perturbado—. Durante quanto tempo? 

 

—Em realidade, acredito que para sempre.  Quando  St.  Vincent  absorveu  a  informação,  seus  pálidos  olhos  azuis  se  entrecerraram.  —O que fará para ganhar dinheiro?  Depravado ante a cara de desgosto de seu patrão, Cam se encolheu de ombros.  —Tenho mais dinheiro do que qualquer pode gastar em uma vida.  O visconde olhou para o céu.  —Qualquer que diga tal coisa obviamente não conhece os lugares corretos aos  que ir às compras —suspirou brevemente—. Então. Se tiver entendido corretamente:  tem intenção de evitar a civilização totalmente e viver como um selvagem?  —Não, penso viver como um Roma. Há muita diferença.  —Rohan, é um solteiro jovem e endinheirado com todas as vantagens da vida  moderna. Se está aborrecido, faz o que fazem todos os homens que têm dinheiro.  Cam elevou as sobrancelhas.  —E isso seria…  —Jogar!  Beber!  Comprar  um  cavalo,  buscar  uma  amante!  Por  Deus,  tenha  um  pouco  de  imaginação.  Não  pode  pensar  em  outra  opção  além  de  atirar  tudo  pela  amurada  e  viver  como  um  primitivo,  me  incomodando  no  processo?  Como  diabos  vou substituir te?  —Ninguém é insubstituível.  —Você o é. Nenhum outro homem em Londres pode fazer o que você faz. É um  livro de contas ambulante, tem olhos detrás da nuca, tem o tato de um diplomático, a  mente de um banqueiro, os punhos de um boxeador, e pode desfazer uma briga em  segundos.  Precisaria  contratar  ao  menos  a  meia  dúzia  de  homens  para  que  se  ocupem de seu trabalho.  —Não tenho a mente de um banqueiro —disse Cam indignado.  —Depois do êxito de seus investimentos, não pode negar… 

 

—Esse  não  foi  de  propósito!  —Um  cenho  atravessou  a  cara  do  Cam—.  É  por  minha maldição de boa sorte.  Com  aspecto  satisfeito  detrás  ter  acabado  com  a  calma  do  Cam,  St.  Vincent  retomou  seu  charuto.  Exalou  uma  suave  e  elegante  baforada  de  fumaça  e  olhou  ao  Westcliff.  —Dava  algo  —disse  a  seu  velho  amigo—.  Não  pode  estar  de  acordo  com  isto  igual a eu.  —Não tenho direito a opinar neste assunto.  —Obrigado —lhe murmurou Cam.  —Entretanto  —continuou  Westcliff—,  peço‐te,  Rohan,  que  tenha  em  conta  o  fato  de  que  embora  seja  metade  cigano  amante  da  liberdade,  sua  outra  metade  é  irlandesa, uma raça famosa pelo feroz amor que sentem por sua pátria. O que me faz  pensar, que não será tão feliz vagando por aí como esperas.  Esse  argumento  fez  estremecer  ao  Cam.  Sempre  tinha  tentado  ignorar  essa  parte  gadjo  de  sua  natureza,  a  qual  percebia  como  se  levasse  a  todos  lados  uma  pesada  bagagem  que  lhe  teria  gostado  de  pôr  a  um  lado,  mas  que  nunca  podia  lhe  encontrar um lugar conveniente.  —Se  a  questão  for  que  estou  condenado  faça  o  que  faça  —disse  Cam  concisamente—, preferiria me equivocar que deixar de ser livre.  —Todos os homens inteligentes devem deixar de ser livres —lhe respondeu St.  Vincent—.  O  problema  do  celibato  é  que  é  tudo  tão  fácil,  que  se  volta  tedioso.  O  único desafio real é o matrimônio.  Matrimônio. Respeitabilidade. Cam avaliou a seus companheiros com um cético  sorriso,  pensando  em  que  eram  um  par  de  pássaros  que  tentavam  convencer‐se  do  cômodas que eram suas jaulas. Nenhuma mulher valia tanto a pena para cortar suas  asas.  —Partirei por volta de Londres pela manhã —disse—. Ficarei no clube até seu  reabertura. Depois disso me partirei para sempre. 

 

A  mente  do  St.  Vincent  considerou  o  problema,  analisando‐o  desde  vários  ângulos.  —Rohan…  levaste  uma  existência  mais  ou  menos  civilizada  durante  anos,  e  ainda assim de repente esta se tornou intolerável. Por quê?  Cam permaneceu em silêncio. A verdade não era algo que estivesse preparado  para admitir nem sequer ante si mesmo, e muito menos para dizê‐lo a voz em grito.  —Tem que haver uma razão pela qual te quer partir —insistiu St. Vincent.  —Possivelmente  ande  desencaminhado  —disse  Westcliff—,  mas  suspeito  que  pode ter algo que ver com a senhorita Hathaway.  Cam lhe lançou um olhar assassino.  St. Vincent advertiu o pétreo olhar que dirigiu ao Westcliff.  —Não me disse que havia uma mulher.  Cam se levantou tão rapidamente que a cadeira quase cai para trás.  —Ela não tem nada que ver com isto.  —Quem é ela? —St. Vincent sempre odiava ser omitido das intrigas.  —Uma das irmãs de Lorde Ramsay —foi a resposta do Westcliff—. Residem na  propriedade vizinha.  —Bom, bom —disse St. Vincent—. Deve ser muito provocadora como para que  reações  dessa  maneira,  Rohan.  Conte‐me  algo  sobre  ela.  É  formosa?  De  cabelo  escuro? Bem formada?  Permanecer calado, ou negar a atração, teria sido admitir a total magnitude de  sua  debilidade.  Cam  se  sentou  novamente  e  se  esforçou  por  manter  um  tom  acalmado.  —É de cabelos escuros. Bonita. E tem… curvas.  —Curvas  —os  olhos  do  St.  Vincent  brilharam  de  goze—.  Que  encantador.  Continua. 

 

—Lê filosofia medieval. Tem medo às abelhas. Golpeia o chão com o pé quando  está nervosa.  E outros detalhes pessoais, que não podia revelar… como a formosa palidez de  sua  garganta  e  de  seu  peito,  o  peso  de  seu  cabelo  entre  as  mãos,  a  força  e  a  vulnerabilidade  de  seu  interior  que  se  rendiam  como  dois  tecidos  unidos.  Por  não  mencionar seu corpo, que tinha sido desenhado para ser um pecado mortal.  Cam  não  queria  pensar  na  Amelia.  Cada  vez  que  o  fazia,  inundava‐se  em  um  sentimento  que  nunca  havia  sentido,  tão  agudo  como  a  dor,  tão  penetrante  como  a  fome. Esse sentimento não parecia ter nenhum propósito mais que o de lhe roubar o  sonho.  Não  havia  nem  um  milímetro  da  Amelia  Hathaway  que  não  o  atraíra  profundamente, e esse era um problema no qual era tão inexperiente, que não sabia  como começar a dirigi‐lo.  Se tão só pudesse tomá‐la, aliviar essa dor interminável… mas jazer uma só vez  com ela, faria‐o desejá‐la ainda  mais depois. Na matemática, a gente poderia tomar  uma  figura  finita  e  poderia  dividir  seu  volume  imensamente,  e  embora  o  volume  permanecia sempre inalterado, a magnitude de seus limites seguiria para sempre. A  infinidade potencial. Era a primeira vez que Cam tinha compreendido esse conceito  no  corpo  de  uma  mulher.  Consciente  de  que  Westcliff  e  St.  Vincent  tinham  intercambiado um olhar significativo, Cam disse com aspereza:  —Se estão assumindo que meus planos de partir não são mais que uma reação  ante a senhorita Hathaway… levo considerando isto durante muito tempo. Não sou  idiota. Nem um inexperiente com as mulheres.  —Sem exagerar —comentou St. Vincent secamente—. Mas em sua perseguição  de  mulheres,  ou  possivelmente  na  perseguição  delas  para  ti,  parece‐me  que  as  consideraste a todas como intercambiáveis. Até agora. Se está interessado na criatura  Hathaway, não crê que isso merece ser investigado?  —Deus, não. Isso só poderia levar a uma coisa.  —Ao matrimônio —disse o visconde em lugar de perguntar.  —Sim. E isso é impossível.  —Por quê? 

 

O  fato  de  discutir  sobre  a  Amelia  Hathaway  e  a  questão  do  matrimônio  foi  suficiente para fazer empalidecer ao Cam de desconforto.  —Não sou dos que se casam…  St. Vincent soprou.  —Nenhum homem o é. O matrimônio é uma invenção feminina.  —…mas  inclusive  se  queria  fazê‐lo  —continuou  Cam—,  sou  um  cigano.  Não  faria isso a ela.  Não  houve  necessidade  de dar explicações. As  gadjis decentes não se casavam  com  os  ciganos.  Seu  sangue  era  misto,  e  embora  a  própria  Amelia  não  albergasse  nenhum  preconceito,  as  discriminações  cotidianas  para  o  Cam  se  estenderiam  para  sua  esposa  e  para  seus  filhos.  E  para  cúmulo  de  maus,  sua  própria  gente  desaprovaria o emparelhamento. Gadje Gadjensa, ROM Romensa… Gadje com o Gadje,  Roma com Roma.  —E se sua herança desse o mesmo a ela? —perguntou Westcliff quedamente.  —Essa não é a questão. É como outros a veriam. —Vendo que o homem maior  estava  a  ponto  de  discutir,  Cam  murmurou—  me  digam  os  dois,  permitiriam  que  suas filhas se casassem com um cigano? —ante seus silêncios incômodos, sorriu sem  alegria.  Depois  de  um  momento,  Westcliff  esmagou  a  bituca  de  seu  charuto  de  forma  deliberada e metódica.  —Obviamente tomaste uma decisão. Seguir com a discussão seria em vão.  St. Vincent seguiu seu exemplo com um encolhimento de ombros de resignação  e um sorriso.  —Suponho  que  estou  obrigado  a  te  desejar  felicidade  em  sua  nova  vida.  Embora  a  felicidade  ante  a  ausência  de  encanamento  embutido  seria  um  conceito  muito discutível.  Cam  não  acreditou  nem  por  um  momento  em  suas  amostras  de  resignação.  Nunca tinha sabido que Westcliff ou St. Vincent tivessem perdido uma discussão tão  facilmente. Cada um, a sua própria maneira, podia manter seu terreno muito depois 

 

de  que  um  homem  comum  tivesse  cansado  de  joelhos.  O  qual  fez  ao  Cam  estar  seguro de que ainda não tinha ouvido a última palavra de nenhum dos dois.  —Partirei‐me à alvorada —foi tudo o que disse.  Nada poderia fazê‐lo trocar de parecer.                                       

 

        Capítulo 13    Beatrix, cuja imaginação tinha ficado capturada pela lanterna mágica, logo que  pôde esperar de noite para poder ver a seleção de diapositivas de cristal outra vez.  Muitas  das  imagens  eram  bastante  divertidas,  apresentando  a  animais  vestindo  roupa humana enquanto tocavam o piano ou sentados a escrever ante escritórios ou  revolvendo a sopa em uma panela.  Outras  diapositivas  eram  mais  sentimentais;  um  trem  passando  através  da  praça de um povo, cenas invernais, meninos jogando. Havia umas poucas cenas de  animais  exóticos  na  selva.  Um  deles,  um  tigre  meio  escondo  entre  as  folhas,  era  particularmente espetacular. Beatrix tinha experiente com a lanterna, aproximando‐a  e  afastando‐a  da  parede,  tentando  fazer  a  imagem  do  tigre  tão  nítida  como  fora  possível.  Agora ao Beatrix lhe tinha ocorrido a ideia de criar uma história, recrutando ao  Poppy para pintar algumas diapositivas complementares. Decidiu‐se que montariam  um espetáculo algum dia, com o Beatrix narrando enquanto Poppy dirigia a lanterna  mágica.  Enquanto  suas  irmãs  menores  vadiavam  junto  à  chaminé  e  discutiam  suas  ideias,  Amelia  se  sentou  com  o  Win  no  sofá.  Observava  as  esbeltas  mãos  do  Win  enquanto  bordava  um  delicado  padrão  floral,  a  agulha  cintilava  enquanto  se  afundava através do tecido.  No  momento,  seu  irmão  estava  derrubado  sobre  o  tapete  perto  das  garotas,  vagabundeando  e  meio  bêbado,  suas  largas  pernas  estavam  cruzadas  ao  estilo  dos  nativos.  Uma  vez  tinha  sido  um  amável  e  carinhoso  irmão  maior,  enfaixando  simpaticamente  o  dedo  ferido  de  uma  das  meninas  ou  ajudando  a  procurar  uma 

 

boneca perdida. Agora tratava a suas irmãs menores com a cortês indiferença de um  desconhecido.  Amelia elevou a mão ausentemente para esfregar os músculos tensos da nuca.  Observou ao Merripen quando este se sentou na esquina da habitação, cada linha de  seu corpo lassa pelo cansaço do trabalho pesado. Seu olhar era distante, como se ele  também estivesse consumido por pensamentos privados. Incomodava‐a lhe olhar. O  rico  matiz  de  sua  pele  e  o  brilhante  tom  escuro  de  seu  cabelo,  recordavam  excessivamente ao Cam Rohan.  Ao  parecer  não  podia  deixar  de  pensar  nele  esta  noite,  e  tampouco  no  Christopher  Frost,  suas  imagens  formavam  um  contraste  chocante  em  sua  mente.  Cam  não  oferecia  compromisso,  nem  futuro,  só  o  prazer  do  momento.  Não  era  um  cavalheiro,  mas  possuía  uma  cruel  honradez  que  ela  apreciava  muito  mais  que  as  maneiras refinadas.  E depois estava o loiro, civilizado, razoável e arrumado Christopher. Tinha‐lhe  professado o desejo de renovar sua relação. Não tinha nem ideia de se era sincero, ou  como  responderia  ela  se  resultava  sê‐lo.  Quantas  mulheres  teriam  agradecido  uma  segunda  oportunidade  com  seu  primeiro  amor?  Se  decidia  passar  por  cima  seu  passado engano e lhe perdoar, poderia não ser muito tarde para eles. Mas não estava  segura de desejar retomar todos aqueles sonhos abandonados. E se perguntava se era  possível ser feliz com um homem ao que amasse mas em quem não confiasse.  Beatrix  tirou  uma  diapositiva  da  parte  dianteira  da  lanterna,  deixou‐a  cuidadosamente a um lado, e procurou outra.  —Esta  é  minha  favorita...  —estava  dizendo  ao  Poppy,  enquanto  deslizava  a  seguinte em seu lugar.  Tendo  perdido  o  interesse  na  sucessão  de  imagens  na  parede,  Amelia  não  levantou  o  olhar.  Sua  atenção  permaneceu  fixa  no  bordado  do  Win.  Mas  Win  teve  um  deslize  incomum,  a  agulha  se  cravou  na  suave  carne  da  gema  de  seu  dedo.  Brotou uma gota escarlate de sangue.  —OH, Win... —murmurou Amelia. 

 

Win,  entretanto,  não  reagiu  ante  a  espetada.  Nem  sequer  pareceu  havê‐lo  notado. Franzindo o cenho, Amelia observou a cara imóvel de sua irmã e seguiu seu  olhar até a parede oposta.  A imagem lançada pela lanterna mágica era uma cena de inverno, com um céu  nublado pela neve e a escura massa do bosque abaixo. Teria sido uma cena ordinária,  se  não  fora  pela  delicada  silhueta  do  rosto  de  uma  mulher  que  parecia  emergir  de  entre as sombras.  Uma cara familiar.  Enquanto Amelia olhava, transfigurada, os rasgos espectrais pareceram ganhar  dimensão  e  substância  até  que  pareceu  quase  como  se  pudesse  estender  a  mão  e  percorrer com os dedos os contornos minguantes.  —Laura —ouviu ofegar ao Win.  Era  a  moça  a  que  Leo  tinha  amado.  Sua  cara  resultava  inconfundível.  O  primeiro  pensamento  coerente  da  Amelia  foi  que  Beatrix  e  Poppy  deviam  estar  levando  a  cabo  alguma  horrível  brincadeira.  Mas  quando  olhou  ao  casal  no  chão,  conversando  inocentemente,  percebeu  imediatamente  que  elas  nem  sequer  tinham  visto a imagem da moça morta. Nem Merripen, que estava observando ao Win com  um cenho inquisitivo.  Para  quando  o  olhar  da  Amelia  voltou  uma  vez  mais  à  projeção,  a  cara  tinha  desaparecido.  Beatrix  tinha  tirado  a  diapositiva  da  lanterna  mágica.  Caiu  para  trás  com  um  gritito quando Leo carregou para ela e agarrou a diapositiva.  —Dêem me —disse isso Leo, mais com um grunhido animal que com uma voz  humana.  Sua  cara  estava  pálida  e  contorsionada,  seu  corpo  tenso  de  pânico.  encurvou‐se  sobre  a  pequena  parte  de  cristal  pintado  e  olhou  através  dele  como  se  este  fora  uma  diminuta  janela  ao  inferno.  Trasteando  com  a  lanterna  mágica,  Leo  quase  a  espremeu  enquanto  tentava  colocar  à  força  a  diapositiva  outra  vez  em  seu  lugar.  —Não, a vais romper! —chorou Beatrix no meio do desconcerto—. Leo, o que  faz? 

 

—Leo —as arrumou para dizer Amelia—, provocará um incêndio. Cuidado.  —O que é? —exigiu Poppy, desconcertada—. Que passa?  O  cristal  encaixou  em  seu  lugar,  e  a  cena  invernal  titilou  sobre  a  parede  uma  vez mais.  Neve, céu, bosque.  Nada mais.  —Volta  —resmungava  Leo  fervorosamente,  sacudindo  a  lanterna—.  Volta.  Volta.  —Está  me  assustando,  Leo  —acusou  Beatrix,  levantando‐se  de  um  salto  e  correndo para a Amelia—. O que lhe passa?  —Leo está ofuscado, isso é tudo —disse Amelia distraidamente—. Já sabe como  fica quando bebeu muito.  —Nunca antes se pôs assim.  —É  hora  de  ir‐se  à  cama  —comentou  Win.  A  preocupação  se  trasparentou  através de sua voz como uma marca de água sobre papel fino—. Subamos, Beatrix...  Poppy... —Olhou ao Merripen, que ficou em pé imediatamente.  —Mas  Leo  vai  romper  minha  lanterna  —exclamou  Beatrix—.  Leo,  para,  está  dobrando os lados!  Já  que  seu  irmão  aparentemente  estava  mais  à  frente  do  ouvido  e  a  compreensão,  Win  e  Merripen  persuadiram  eficazmente  às  garotas  a  abandonar  a  habitação. A um murmúrio inquisitivo do Merripen, Win replicou brandamente que  o explicaria em um momento.  Quando  todo  mundo  se  partiu  e  o  ruído  de  vozes  desapareceu  pelo  corredor,  Amelia falou cuidadosamente.  —Eu também a vi, Leo. E Win.  Seu irmão não  a olhou,  mas ainda mantinha as mãos  sobre  a lanterna.  Depois  de um momento tirou a diapositiva e a voltou a pôr de novo. Suas mãos tremiam. A 

 

visão de tão crua miséria era difícil de suportar. Amelia se levantou e se aproximou  dele.  —Leo, por favor, me fale. Por favor...  —Me deixe em paz. —Meio defendeu sua cara dela, estendendo a palma para  fora.  —Alguém tem que ficar contigo. —A habitação se estava esfriando. Um tremor  começou no alto da espinho dorsal da Amelia e viajou para baixo.  —Estou  bem  —Umas  quantas  inalações  curtas.  Com  um  esforço  titânico,  Leo  baixou  a  mão  e  a  olhou  com  uma  luz  estranha  nos  olhos—.  Estou  bem,  Amelia.  Só  necessito... desejo... um momento a sós.  —Mas eu quero falar do que acabamos de ver.  —Não foi nada. —Soava mais e mais acalmado por segundos—. Foi uma ilusão.  —Era a cara da Laura. Win, você e eu, todos a vimos!  —Todos vimos a mesma sombra. —O mais leve indício de seca diversão afiou  seus lábios—. Vamos, irmãzinha, é muito racional para acreditar em fantasmas.  —Sim,  mas...  —Ficou  reconfortada  pela  familiar  burla  em  seu  tom.  E  mesmo  assim não gostava da forma em que ele mantinha uma mão sobre o abajur.  —Vamos  —urgiu  ele  gentilmente—.  Como  há  dito,  é  tarde.  Precisa  descansar.  Eu estarei bem.  Amelia duvidou, sentia os braços frios e uma coceira sob as mangas do vestido.  —Se realmente quiser...  —Sim. Vá.  Fez‐o a contra gosto. Uma corrente chegada de alguma parte pareceu acontecer  roçando‐a  enquanto  abandonava  a  habitação.  Não  tinha  intenção  de  fechar  a  porta  completamente,  mas  esta  se  fechou  de  repente  como  as  mandíbulas  de  um  animal  faminto. 

 

Foi  difícil  obrigar‐se  a  afastar‐se.  Queria  proteger  a  seu  irmão  de  algo.  Só  que  não  sabia  do  que.  Depois  de  alcançar  sua  habitação,  Amelia  ficou  sua  camisola  favorita.  A  flanela  branca  era  grosa  e  estava  encolhida  pelas  muitas  lavagens,  o  pescoço alto e os punhos das mangas largas eram de encaixe branco feito a mão que  tinha  tecido  Win.  O  calafrio  que  a  tinha  assaltado  escada  abaixo  demorou  para  desvanecer‐se,  inclusive  depois  de  haver‐se  acurrucado  sob  as  mantas  e  enroscado  em  uma  apertada  bola.  Deveria  ter  pensado  em  acender  um  fogo  na  chaminé.  Deveria  fazê‐lo  agora,  esquentar  a  habitação,  mas  a  ideia  de  descer  da  cama  não  a  atraía no mais mínimo.  Em vez disso ocupou sua mente pensando em coisas quentes; uma taça de chá,  um  xale  de  lã,  um  banho  fumegante,  um  tijolo  da  chaminé  envolto  em  flanela.  O  calor se acumulou gradualmente a seu redor, e se relaxou o suficiente para dormir.  Mas foi um descanso inquieto. Tinha a impressão de estar discutindo com gente em  seus  sonhos,  uma  e  outra  vez  conversações  que  não  tinham  sentido.  Movendo‐se,  rodando  sobre  o  estômago,  de  flanco,  tentou  ignorar  os  molestos  sonhos.  Agora  havia  vozes...  a  voz  do  Poppy,  em  realidade...  e  não  importava  quanto  tentasse  ignorá‐la, o som persistia.  —Amelia. Amelia!  Incorporou‐se sobre  os cotovelos, cega e  confusa pelo  súbito  despertar.  Poppy  estava junto a sua cama.  —O  que  acontece?  —resmungou  Amelia,  apartando  uma  cortina  emaranhada  de cabelo da cara.  Ao princípio a cara do Poppy era imaterial na escuridão, mas quando os olhos  da Amelia se ajustaram, o resto dela se voltou ligeiramente visível.  —Cheiro a fumaça —disse Poppy.  Tais  palavras  nunca  se  usavam  à  ligeira,  nem  podiam  ser  descartadas  sem  investigação.  O  fogo  era  uma  preocupação  sempre  presente  sem  importar  onde  vivesse.  Podia  começar  em  grande  número  de  formas,  desde  velas  derrubadas,  abajures, faíscas que saltavam da chaminé ou as brasas de um forno de carvão. E o  fogo em uma casa tão velha como esta não seria nada menos que um desastre. 

 

Lutando por sair da cama, Amelia procurou a caixa das sapatilhas perto dos pés  da cama. Golpeou‐se o dedo do pé, saltou e amaldiçoou.  —Está bem, já as trago eu. —Poppy elevou a tampa de lata da caixa e tirou as  sapatilhas, enquanto Amelia procurava um xale.  Entrelaçaram  os  braços  e  se  abriram  passo  através  da  escura  habitação  com  a  precaução de gatos entrados em anos.  Quando alcançaram o alto das escadas, Amelia inalou com força mas não pôde  detectar nada além da familiar acumulação de sabão, cera, pó e azeite de abajur.  —Eu não cheiro a fumaça.  —Seu nariz não se despertou. Tenta‐o outra vez.  Esta vez havia um definido fedor a algo ardendo. O alarme se disparou através  dela. Pensou em Leo, só com a lanterna, chama e o azeite... e soube instantaneamente  o que tinha ocorrido.  —Merripen! —O tom a chicotada ao que forçou sua voz fez que Poppy saltasse.  Amelia aferrou o braço de sua irmã para estabilizá‐la—. Traz o Merripen. Acordada a  todo mundo. Faz tanto ruído como pode.  Poppy  obedeceu  imediatamente,  correndo  para  os  dormitórios  de  suas  irmãs  enquanto Amelia baixava as escadas. Uma áspera incandescência chegava da direção  da sala, um ameaçador ondeio de luz fluía sob a porta.  —Leo!  —Abriu  a  porta  de  repente  e  retrocedeu  ante  a  explosão  de  calor  que  golpeou seu corpo. Uma parede estava coberta de chamas, ondeando e encrespando‐ se para cima com ardentes tentáculos. Através da amarga neblina de fumaça, a forma  volumosa de seu irmão era visível no chão. Correu para ele, aferrando as dobras de  sua camisa, e atirou tão forte que a roupa começou a ceder e as costuras rangeram—.  Leo, vamos, vamos, vamos! —Mas Leo estava inconsciente.  Chiou‐lhe para despertar e agarrando seus punhos, Amelia atirou e lhe arrastou  sem  êxito.  Lágrimas  de  frustração  brotaram  de  seus  olhos  avermelhados  pela  fumaça. Mas então chegou Merripen, empurrando‐a a um lado sem muita gentileza.  Inclinando‐se,  recolheu  a  Leo  e  o  carregou  sobre  seu  amplo  ombro  com  um  grunhido. 

 

—Segue —disse bruscamente a Amelia—. As garotas já estão fora.  —Sairei em só um momento. Tenho que correr acima e trazer algumas costure...  Lançou‐lhe um olhar perigoso.  —Não.  —Mas não temos nenhuma roupa... tudo está acima...  —Fora!  Já que Merripen nunca lhe tinha elevado a voz em todos os anos que fazia que  se  conheciam,  Amelia  se  sobressaltou  até  o  ponto  de  obedecer.  Seus  olhos  continuaram  picando  e  lacrimejando  pela  fumaça  inclusive  depois  de  que  transpassassem  a  porta  principal  e  saíssem  à  ansiada  escuridão  do  passeio  de  cascalho.  Win  e  Poppy  estavam  ali,  ambas  se  amontoaram  ao  redor  de  Leo  e  tentaram persuadi‐lo com rogos para que despertasse e se sentasse. Como Amelia, as  garotas foram vestidas só com suas camisolas, xales e sapatilhas.  —Onde  está  Beatrix?  —perguntou  Amelia.  Nesse  mesmo  momento,  o  sino  da  fazenda começou a repicar, seu tom alto e claro viajando em todas direções.  —Disse‐lhe que a tocasse —disse Win. O som atrairia aos vizinhos e aldeãos a  emprestar  ajuda,  embora  para  quando  a  gente  os  alcançasse,  Ramsay  House  provavelmente teria sido consumida pelas chamas.  Merripen foi a tirar o cavalo do estábulo, se por acaso este prendia também.  —O que passou? —ouviu Amelia perguntar a Leo broncamente.  Antes de que ninguém pudesse lhe replicar, viu‐se atacado por um espasmo de  tosse.  Win  e  Poppy  permaneceram  junto  a  seu  irmão,  lhe  murmurando  amavelmente. Amelia, entretanto, ficou de pé a uns poucos metros de distância deles,  apertando o xale mais firmemente ao redor dos ombros.  Estava  cheia  de  amargura,  fúria  e  medo.  Não  havia  duvida  em  sua  mente  de  que  Leo  tinha  começado  o  fogo,  de  que  ele  lhes  havia  flanco  a  casa  e  quase  tinha  conseguido  matá‐los  a  todos.  Passaria  muito  tempo  antes  de  que  pudesse  voltar  a  confiar em si mesmo para falar com ele, com esse irmão ao que uma vez tinha amado 

 

tão claramente e que agora parecia haver se transformado em alguém completamente  distinto.  Neste momento ficava muito pouco de Leo para amar. No melhor dos casos era  objeto  de  pena,  e  no  pior,  um  perigo  para  si  mesmo  e  sua  família.  Todos  estaríamos  melhor sem ele, pensou Amelia. Exceto se ele morria, o título passaria a algum parente  distante ou expiraria, e elas ficariam sem nenhum ingresso absolutamente.  Observando ao Merripen, iluminado pela turva luz da lua enquanto trabalhava  atirando primeiro do cavalo e logo depois da calesa fora dos estábulos, Amelia sentiu  uma quebra de onda de gratidão. O que teriam feito sem ele? Quando seu pai tinha  aceito a aquele menino sem lar em sua casa fazia tantos anos, isto tinha sido sempre  considerado pelos residentes do Primrose Agrada como um ato de caridade. Mas os  Hathaways tinham sido imensamente recompensados com a calada e firme presença  do  Merripen  em  suas  vidas.  Nunca  tinha  estado  segura  de  por  que  ele  tinha  eleito  ficar  com  os  Hathaways...  a  situação  parecia  ter  todas  as  vantagens  para  eles  e  nenhuma para ele.  A gente já tinha começado a chegar a cavalo, alguns do povo, outros na direção  do  Stony  Cross  Manor.  Os  aldeãos  haviam  trazido  uma  carreta  com  autobomba  arrastada  por  um  cavalo  de  tiro  robusto.  A  carreta  de  rodas  tinha  depósitos  encostados  aos  flancos,  que  eram  laboriosamente  cheios  com  água  do  rio,  a  gente  levava cubos daqui para lá. Girando uma alavanca de madeira se empurrava a água  através de uma mangueira de couro e a expulsava através de uma boquilha de metal.  Para  quando  o  processo  estivesse  em  marcha,  o  fogo  estaria  fora  de  controle.  Entretanto, era possível que a bomba ajudasse a salvar ao menos uma parte da casa.  Amelia correu para os aldeãos que se aproximavam para descrever a rota mais  curta  até  o  próximo  rio.  Imediatamente  um  grupo  de  homens,  acompanhados  pelo  Merripen,  partiram  para  a  carreira  para  a  água,  os  cubos  balançando‐se  nas  juntas  sobre seus ombros.  Quando se girava outra vez para suas irmãs, Amelia tropeçou com uma forma  alta  atrás  dela.  Ofegando,  sentiu  um  par  de  mãos  familiares  fechar‐se  sobre  seus  ombros. 

 

—Christopher —O alívio fluiu até ela ante sua presença, apesar do fato de que  ele  não  podia  fazer  nada  para  salvar  sua  casa.  Retorceu‐se  para  lhe  olhar,  seus  arrumados rasgos estavam banhados por uma errática luz.  Ele a empurrou mais perto, como se não pudesse conter‐se, lhe pressionando a  cabeça contra seu ombro.  —Graças a Deus que não está ferida. Como começou o fogo?  —Não  sei.  —Amelia  ficou  imóvel  contra  ele,  pensando  ofuscadamente  que  nunca teria esperado voltar a ser abraçada por ele. Recordava isso, a forma em que  encaixava contra ele, a segurança de seu abraço. Mas recordando que a tinha traído,  retorceu‐se para liberar‐se e se apartou o cabelo dos olhos.  Christopher a soltou a contra gosto.  —Fique longe da casa. Vou ajudar com a bomba.  Outra voz surgiu da escuridão.  —Será muito mais útil ali.  Amelia  e  Christopher  se  giraram  sobressaltados,  mas  a  voz  parecia  chegar  de  nenhuma  parte.  Com  sua  roupa  escura  e  seu  cabelo  escuro,  Cam  Rohan  pareceu  emergir como uma sombra da noite.  —Deus bendito —resmungou Christopher—. Um logo que pode lhe ver, escuro  como é.  Embora Rohan poderia haver‐se ofendido pelo comentário, não respondeu. Seu  olhar percorreu a Amelia em uma rápida valoração.  —Está ferida?  —Não, mas a casa... —Sua garganta se fechou com um soluço.  Cam  se  tirou  o  casaco  e  a  envolveu  com  ele,  unindo  as  bordas  à  frente.  A  lã  estava permeada com a calidez e o conforto da fragrância masculina.  —Veremos o que podemos fazer. —Gesticulou para que Christopher Frost fora  com ele—. Duas latas estão sendo descarregadas junto às escadas. Pode me ajudar às  levar dentro. 

 

Os  olhos  da  Amelia  se  aumentaram  ante  a  visão  de  duas  grandes  vasilhas  metálicas.  —O que são?  —Um  invento  do  Capitão  Swansea.  Estão  cheias  de  uma  solução  de  cinza  de  pérola. Vamos utilizar para evitar que o fogo se estenda até que tenham preparado a  bomba  de  água.  —Rohan  deslizou  um  olhar  para  o  Christopher  Frost—.  Já  que  Swansea é muito maior para carregar os contêineres, eu agarrarei um e você o outro.  Amelia  conhecia  o  Christopher  o  bastante  bem  para  conhecer  sua  aversão  a  aceitar  ordens,  especialmente  de  um  homem  ao  que  considerava  seu  inferior.  Mas  este a surpreendeu acessando sem protestar, e seguindo ao Cam Rohan para a casa  ardente.                  Capítulo 14    Amelia  observou  como  Cam  Rohan  e  Christopher  Frost  levantavam  os  pomposos contêineres de cobre, que tinham sido equipados com asas de couro, e os  carregavam  através  da  porta  principal.  O  Capitão  Swansea  permanecia  uns  passos  atrás, gritando instruções. 

 

As janelas se iluminaram quando o fogo começou a consumir o interior da casa.  Amelia  pensou  tristemente  que  logo  não  ficaria  nada  mais  que  um  esqueleto  enegrecido.  Retornando junto a suas irmãs, encontrou‐se ao lado de Win, que tinha a cabeça  de Leo apoiada em seu regaço.  —Como vai?  —Doente  pela  fumaça.  —Win  passou  uma  mão  brandamente  pela  cabeça  despenteada de seu irmão—. Mas acredito que ficará bem.  Jogando uma olhada a Leo, Amelia resmungou:  —A próxima vez que trate de te matar, apreciaria que não levasse o resto de nós  contigo.  Ele não deu nenhuma indicação de havê‐la ouvido, mas Win, Beatrix, e Poppy  lhe lançaram um olhar de surpresa.  —Agora não, querida— disse Win com uma recriminação gentil.  Amelia  sufocou  as  ardentes  palavras  que  se  elevavam  até  seus  lábios  e  olhou  pétrea para a fria casa.  Estava  chegando  mais  gente,  colocando‐se  em  linha  para  passar  os  cubos  de  água  do  rio  à  bomba  de  água  e  viceversa.  Não  havia  nenhum  signo  de  atividade  dentro da casa. Perguntava‐se o que faziam Rohan e Frost.  Win pareceu lhe ler a mente.  —Parece  que  o  Capitão  Swansea  finalmente  terá  oportunidade  de  provar  seu  invento —disse.  —Que invento? —perguntou Amelia—. E como sabe?  —Sentei a seu lado no jantar, no Stony Cross Manor— respondeu Win—. Disse‐ me  que  durante  seus  experimentos  no  desenho  de  foguetes,  lhe  ocorreu  a  ideia  de  um  dispositivo  que  extinguiria  o  fogo  orvalhando  uma  solução  de  cinza  de  pérola.  Quando  a  lata  de  cobre  se  coloca  verticalmente,  mesclando  o  ácido  com  a  solução,  cria‐se suficiente pressão para expelir o líquido da lata. 

 

—Funcionará? —perguntou Amelia duvidosa.  —Espero que sim.  Ambas se estremeceram com o som de janelas rompendo‐se. A bomba de água  criava uma corrente o bastante grande para dirigir a água dentro do ardente quarto.  Cada  vez  mais  preocupada  a  cada  instante  que  passava,  Amelia  olhou  atentamente,  tratando  de  ver  qualquer  signo  do  Rohan  ou  Frost.  Sentia‐se  bastante  cética quanto às possibilidades de entrar correndo em uma casa em chamas com um  dispositivo  que  não  tinha  sido  provado  e  que  poderia  lhe  explodir  a  um  na  cara.  Enfrentados  aos  produtos  químicos,  a  fumaça  e  o  calor,  os  homens  poderiam  desorientar‐se  ou  afogar‐se.  A  ideia  de  que  qualquer  deles  resultasse  ferido  era  insuportável. Seus músculos estavam tensos pela ansiedade e lhe doía todo o corpo.  Justo  quando  começava  a  considerar  a  ideia  de  aventurar‐se  para  a  porta,  Rohan  e  Frost  saíram  da  casa  com  as  latas  vazias  e  imediatamente  seguidos  do  Capitão Swansea.  Amelia  se  apressou  para  frente  com  um  grito  de  alegria,  completamente  disposta a deter‐se uma vez os tivesse alcançado. Qual não seria sua surpresa quando  suas pernas insistiram em levá‐la para frente.  Rohan deixou cair a lata e a abraçou vigorosamente.  —Tranquila, colibri.  Tinha perdido seu casaco e seu xale em algum momento da impetuosa carreira.  O  ar  frio  da  noite  transpassava  o  magro  tecido  de  sua  camisola,  fazendo  que  se  estremecesse  com  força.  Ele  a  estreitou  mais  forte,  alagando‐a  com  uma  aguda  fragrância a fumaça e suor. Ouvia o batimento de seu coração estável sob o ouvido e  sua mão lhe riscava quentes círculo nas costas.  —Os extinguidores são ainda mais eficazes do que esperava —ouviu que dizia  o  Capitão  Swansea  ao  Christopher  Frost—.  Duas  ou  três  latas  mais  e  acredito  que  teríamos podido sufocá‐lo.  Reunindo  valor,  Amelia  olhou  mais  à  frente  do  círculo  dos  braços  do  Rohan.  Frost  a  contemplava  com  evidente  desaprovação  e  algo  que  poderiam  ser  ciúmes. 

 

Sabia que estava dando um espetáculo com o Cam Rohan. Outra vez. Mas ainda não  podia obrigar‐se a abandonar o confortável refúgio de seus braços.  O capitão Swansea sorria, satisfeito com os resultados de seus esforços.  —O  fogo  esta  agora  controlado  —disse  a  Amelia—.  Acredito  que  logo  o  apagarão completamente.  —Capitão,  nunca  serei  capaz  de  lhe  agradecer  o  suficiente  —conseguiu  lhe  dizer.  —Estive  esperando  uma  oportunidade  como  esta  —declarou  ele—.  Embora  é  obvio nunca tivesse desejado que sua casa servisse como zona de provas.  Girou‐se para observar o progresso da bomba de água, que funcionava agora a  sua máxima capacidade.  —Temo‐me —disse tristemente— que o dano produzido pela água será tão má  como o da fumaça.  —Possivelmente  algumas  das  habitações  de  acima  ainda  sejam  habitáveis  — disse Amelia—, em uns minutos eu gostaria de subir e ver...  —Não —Rohan a interrompeu tranquilamente—. Você e o resto dos Hathaways  irão ao Stony Cross Manor. Há habitações suficientes para lhes acomodar.  Antes de que Amelia pudesse dizer uma palavra, Christopher Frost respondeu  por ela.  —Hospedo‐me  com  a  família  Shelsher  no  botequim  de  povo.  A  senhorita  Hathaway e seus irmãos irão comigo.  Amelia sentiu a mudança no abraço do Rohan. Como posou a mão no braço, e  seu polegar encontrou a curva interior de seu cotovelo, onde seu pulso palpitava com  força sob a frágil pele. Tocava‐a com a intimidade possessiva de um amante.  —A  residência  Westcliff  esta  mais  perto  —disse  Rohan—.  A  senhorita  Hathaway e seus irmãos estiveram de pé no meio do frio, vestidos com pouco mais  que  suas  camisolas.  A  seu  irmão  o  tem  que  ver  um  médico,  e  se  não  equivoco  ao  Merripen também, irão à mansão. 

 

Amelia franziu o cenho quando assimilou suas palavras.  —Por que diz que Merripen necessita um médico? Onde está?  Rohan a girou entre seus braços para que olhasse para a frente.  —Aí, junto a suas irmãs.  Amelia  ofegou  ante  a  vista  do  Merripen  atirado  na  terra.  Win  estava  com  ele,  tentando separar o magro tecido da camisa de suas costas.  —OH,  não.  —soltou‐se  do  Rohan  e  se  apressou  a  alcançá‐lo.  Ouviu  que  Christopher Frost pronunciava seu nome, mas não fez conta.  —O  que  passou?  —perguntou,  deixando‐se  cair  na  úmida  terra  ao  lado  do  Win— Merripen se queimou?  —Sim,  nas  costas.  —Win  rasgou  uma  atadura  da  prega  de  seu  próprio  vestido—. Beatrix, tomaria isto, por favor, e o empaparia em água?  Sem uma palavra, Beatrix correu para a bomba da água.  Win acariciava o grosso cabelo do Merripen enquanto ele descansava a cabeça  nos antebraços. Seu fôlego vaiava instavelmente entre os dentes.  —Dói ou está intumescido? —perguntou Amelia.  —Dói como o demônio —disse ele afogadamente.  —Isso é bom sinal. Uma queimadura é mais séria se está adormecida.  Ele girou a cabeça para lhe lançar um olhar que falava por si mesmo.  Win mantinha uma mão na nuca do Merripen enquanto falava com a Amelia.  —Aproximou‐se  muito  ao  beiral  da  casa.  O  calor  do  fogo  derreteu  o  metal  e  gotejou. Um pouco de chumbo fundido caiu sobre suas costas. —Olhou para Beatrix,  que  retornava  com  o  tecido  molhado—.  Obrigada,  querida.  —Levantando  a  camisa  do Merripen, pôs o tecido molhado sobre a pele queimada, ele soltou um grunhido  de  aflição.  Perdendo  todo  o  sentido  de  orgulho  ou  decoro,  deixou  cair  a  cabeça  no  regaço de Win enquanto tremia inverificado. 

 

Jogando  uma  olhada  a  Leo,  que  parecia  estar  algo  melhor,  Amelia  compreendeu que Cam Rohan tinha razão... tinha que levar a sua família à mansão  imediatamente e chamar um médico.  Não  protestou  quando  Rohan  e  o  Capitão  Swansea  chegaram  para  acomodar  aos  Hataway  na  carruagem.  Leo  teve  que  ser  subido  ao  veículo,  e  Merripen,  que  estava instável e desorientado, requereu ajuda também. O capitão Swansea dirigiu as  rédeas com habilidade enquanto conduzia à família ao Stony Cross Manor.  A sua chegada, os Hathaways foram saudados com considerável entusiasmo e  compaixão,  os  criados  corriam  em  todas  as  direções,  oferecendo  aos  convidados  roupa e artigos pessoais. Lady Westcliff e Lady St. Vicent tomaram sob seu amparo  às  moças  mais  jovens,  enquanto  Amelia  era  arrastada  por  um  par  de  decididas  criadas.  Estava  claro  que  não  se  renderiam  até  que  estivesse  banhada,  vestida  e  alimentada.  Passou  uma  eternidade  até  que  ao  fim  as  criadas  puseram  a  Amelia  uma  camisola  limpa  e  uma  bata  de  veludo  azul.  Um  quarto  de  hora  depois  lhe  tinham  trançado  o  cabelo úmido  em  uma  pulcra  trança  detrás  de  cada  orelha.  Quando por  fim  terminaram  com  ela,  Amelia  deu  as  graças  às  criadas  e  fugiu  do  quarto  de  convidados. Foi comprovar a seus irmãos, começando por seu irmão.  Um criado que havia no corredor a conduziu até a habitação de Leo. O médico,  um  ancião  com  uma  barba  cinza  pulcramente  recortada,  estava  saindo.  Fez  uma  pausa, maleta em mão, quando o lhe perguntou pela condição de seu irmão.  —Em resumo, Lorde Ramsay está bastante bem —respondeu o doutor—. Tem  um pequeno inchaço na garganta, devido à inalação de fumaça, mas é simplesmente  uma  irritação  da  malha,  não  há  nenhum  dano  sério.  Sua  cor  esta  bem,  o  coração  é  forte e todos seus sinais vitais também, logo estará como novo.  —Graças a Deus. E Merripen?  —O  cigano?  Sua  condição  é  um  pouco  mais  inquietante.  É  uma  queimadura  feia. Mas o tratei e lhe apliquei mel antes de vesti‐lo, o que impedirá que a atadura se  pegue enquanto se cura. Voltarei amanhã para comprovar seu progresso. 

 

—Obrigada. Senhor, não desejo atrasá‐lo mais, sendo tão tarde, mas poderia lhe  roubar  um  minuto  para  que  examinasse  a  uma  de  minhas  irmãs?  Tem  os  pulmões  débeis e embora não se expôs à fumaça, esteve no ar frio da noite.  —Refere‐se você à senhorita Winnifred.  —Sim.  —Estava na habitação do cigano. Pelo visto ele compartilhava sua preocupação  pela saúde de sua irmã. Ambos discutiram energicamente sobre a qual deles deveria  atender primeiro.  —Ah  —Um  débil  sorriso  apareço  em  seus  lábios.  —Quem  ganhou?  Merripen,  suponho.  Sorriu‐lhe.  —Não,  senhorita  Hathaway.  Sua  irmã  pode  ter  os  pulmões  débeis,  mas  tem  uma firme resolução —inclinando‐se e despediu‐se—. Lhe desejo boa noite. Minhas  condolências por seu infortúnio.  Amelia assentiu com a cabeça em sinal de agradecimento e entrou na habitação  de  Leo, onde um abajur  tinha sido atenuado. Estava  tendido  de  lado,  com  os  olhos  abertos, mas não lhe dirigiu nenhum olhar enquanto se aproximava. Sentando‐se no  colchão com cuidado, Amelia estendeu a mão e lhe alisou o emaranhado cabelo.  A voz de Leo foi um suave grasnido.  —Veio a acabar comigo?  Ela sorriu ironicamente.  —Parece que está fazendo um excelente trabalho você sozinho. —Sua mão lhe  acariciou meigamente a cabeça—. Como começou o fogo, querido?  Ele  então  a  olhou,  seus  olhos  injetados  de  sangue  pareciam  dois  diminutos  mapas de carreiras.  —Não o recordo. Fiquei dormido. Não provoquei o fogo de propósito. Espero  que acredite. 

 

—Sim. —inclinou‐se e lhe beijou a cabeça como se fora um menino—. Descansa,  Leo. Tudo irá melhor pela manhã.  —Sempre  diz  isso  —resmungou  ele,  enquanto  fechava  os  olhos—.  Possivelmente  algum  dia  será  verdade.  —Dito  isto  dormiu  com  uma  rapidez  surpreendente.  Ao  ouvir  um  ruído  na  porta,  Amelia  levantou  o  olhar  e  viu  a  ama  de  chaves,  que levava uma bandeja cheia de garrafas de vidro de cor marrom e uns molhos de  ervas  secas.  A  anciã  vinha  acompanhada  do  Cam  Rohan,  que  trazia  nas  mãos  uma  pequena panela desentupida cheia de água fumegante.  Rohan  ainda  não  se  tirou  a  fumaça  da  roupa,  o  cabelo,  e  a  pele.  Embora  provavelmente  devia  estar  cansado  por  todo  o  trajeto  da  noite,  não  mostrava  nenhum  sinal  de  esgotamento.  Procurou  a  Amelia  com  um  olhar  penetrante,  seus  olhos brilhavam como enxofre em sua manchada e suarenta cara.  —O  vapor  ajudará  a  Lorde  Ramsay  a  respirar  melhor  durante  a  noite  —lhe  explicou  a  ama  de  chaves.  Logo  procedeu  a  acender  a  chama  em  um  queimador  junto à cama sobre o qual estava colocada a panela.  Quando  o  vapor  se  dispersou  através  do  ar,  uma  forte  e  desagradável  fragrância penetrou nos orifícios nasais da Amelia.  —O que é isso? —perguntou com voz fica.  —É Camomila, tomilho e regaliz —disse Rohan— junto com olmo de montanha  e rabo‐de‐cavalo para aliviar o inchaço de sua garganta.  —Também  trouxemos  morfina  para  lhe  ajudar  a  dormir  —disse  a  ama  de  chaves—. A deixarei junto à cama, se por acaso se acordada depois…  —Não —disse Amelia rapidamente. Quão último necessitava Leo era ter acesso  a uma garrafa grande de morfina sem supervisão—. Isso não será necessário.  —Sim,  senhorita.  —O  ama  de  chaves  partiu  com  um  discreto  murmúrio  indicando que a chamassem quando fora necessário.  Cam permaneceu no quarto, apoiando um ombro casualmente contra a enorme  coluna  da  cama.  Estudava  a  Amelia  enquanto  esta  inspecionava  o  conteúdo  da 

 

fumegante  panela.  Evitava  olhar  para  sua  presença  escura  e  vibrante,  seus  olhos  escrutinadores e a expressão inquisitiva de sua boca.  —Deve  estar  esgotado  —disse,  enquanto  tomava  um  ramo  de  folhas  secas.  Atraiu  as  ervas  fragrantes  até  seu  nariz  e  as  farejou  tentativamente—.  Já  é  muito  tarde.  —Passei a maior parte de minha vida em um clube de apostas, para mim é só  de noite. —Uma breve pausa—. Deve se deitar.  Amelia  agitou  a  cabeça.  Em  algum  lugar  sob  o  clamor  de  seu  pulso  e  a  quantidade de preocupações que havia em sua mente, sentia uma grande dor a causa  do cansaço. Mas esforçar‐se por dormir seria inútil, porque simplesmente ficaria ali  olhando fixamente ao teto.  —Minha  cabeça  gira  como  um  carrossel.  O  pensar  em  dormir…  —agitou  a  cabeça.  —Ajudaria‐te  —lhe  perguntou  ele  brandamente—  ter  um  ombro  sobre  o  que  chorar?  Amelia lutou por ocultar quanto a tinha enfurecido sua pergunta.  —Obrigada,  mas  não.  —Cuidadosamente,  deixou  cair  as  ervas  na  panela—.  Chorar é uma perda de tempo.  —Chorar diminui a profundidade da dor.  —Esse acaso é um dito Romaní?  —Shakespeare. —Estudou‐a, tratando de ver mais à frente, lendo o que se cozia  a  fogo  lento  sob  sua  aparente  calma—.  Tem  amigos  que  lhe  ajudarão  a  solucionar  isto, Amelia. E sou um deles.  Aterrava‐a  pensar  em  que  ele  pudesse  vê‐la  como  objeto  de  lástima.  Evitaria  isso  a  todo  custo.  Não  podia  apoiar‐se  nele,  nem  em  ninguém.  Se  o  fizesse,  nunca  poderia  levantar‐se  de  novo.  Apartou‐se,  lhe  rodeando,  suas  mãos  batendo  as  asas  como rechaçando qualquer intento de alcançá‐la.  —Não deve preocupar‐se pelos Hathaways. Ocuparemo‐nos de tudo. Sempre o  fazemos. 

 

—Não esta vez. —Rohan a olhou firmemente—. Seu irmão está além da ajuda  que possa lhe brindar ninguém, incluindo‐se a si mesmo. Suas irmãs ainda são muito  jovens, exceto Winnifred. E agora Merripen está igualmente prostrado.  —Cuidarei deles. Não necessito ajuda. —Estendeu a mão e tomou uma toalha  grande  que  estava  ao  pé  da  cama  e  a  dobrou  pulcramente—.  Vai  a  Londres  pela  manhã, não é assim? Deveria aceitar seu próprio conselho e te deitar.  Os olhos dele se voltaram inflexíveis.  —Maldição, por que tem que ser tão teimosa?  —Não  sou  teimosa.  Simplesmente  não  quero  nada  de  ti.  Merece  encontrar  a  liberdade da que te privou durante tanto tempo.  —Está  preocupada  com  minha  liberdade,  ou  te  aterra  admitir  que  necessita  a  alguém?  Estava certo, mas preferiria morrer a admitir a verdade.  —Não necessito a ninguém e menos a ti.  Sua voz não resultou menos áspera embora seu tom foi suave.  —Não  sabe  quão  fácil  seria  te  provar  que  está  equivocada.  —Começou  a  aproximar‐se  dela,  controlando  seus  movimentos,  olhava‐a  como  se  queria  estrangulá‐la, beijá‐la ou possivelmente ambas as coisas de uma vez.  —Talvez em minha próxima vida —lhe sussurrou ela, tentando lhe arrancar um  sorriso inclinado—. Por favor vá. Por favor, Cam.  Esperou até que ele abandonou a habitação, e logo seus ombros se afundaram  com alívio.      Precisando escapar dos sufocantes limites da casa, Cam saiu ao exterior. A noite  fracamente  alinhavada  com  a  pálida  luz  de  lua  através  de  uma  trama  de  profunda  escuridão. Vagou ao redor do muro de pedra que bordeava uma colina com vistas ao  rio.  Içando‐se  facilmente  sobre  a  parede,  sentou‐se,  deixando  que  seus  pés  se 

 

balançassem  sobre  o  bordo,  e  escutou  à  água  e  aos  sons  noturnos.  O  aroma  de  fumaça ainda se mantinha no ar, mesclando‐se a sua vez com os aromas da terra e do  bosque.  Cam  tentou  pôr  ordem  ao  enredo  de  suas  emoções.  Nunca  tinha  sentido  ciúmes, mas  quando  viu  a Amelia e  ao Christopher Frost  abraçando‐se antes, tinha  experimentado  o  impulso  violento  de  estrangular  ao  bastardo.  Cada  instinto  que  possuía lhe rugia que Amelia era dela, só dele para protegê‐la e consolá‐la. Mas não  tinha nenhum direito sobre ela.  Se  Frost  continuava  perseguindo‐a,  o  melhor  seria  que  Cam  não  interferisse.  Amelia  estaria  melhor  com  alguém  de  sua  própria  classe,  em  lugar  de  atar‐se  com  um mestiço Roma. Para o Cam também poderia ser melhor manter‐se afastado. Deus  santo, realmente estava contemplando a ideia de passar o resto de sua vida como um  gadjo, limitado pela domesticidade?  Deveria  abandonar  Hampshire,  pensou.  Amelia  tomaria  sua  própria  decisão  com  respeito  ao  Frost,  e  Cam  perseguiria  seu  destino.  Não  haveria  nem  compromissos,  nem  sacrifícios  por  parte  de  ninguém.  Nunca  seria  para  a  Amelia  nada mais que um breve e vago episódio que recordar em sua vida.  Baixando  a  cabeça,  passou‐se  as  mãos  através  de  seu  despenteado  cabelo.  O  peito lhe doía como sempre fazia quando desejava liberdade. Mas pela primeira vez,  perguntou‐se  se  era  consciente  do  que  realmente  desejava.  Porque  não  parecia  que  sua dor se fora a curar quando partisse. De fato, ameaçava convertendo‐se em algo  muito pior.  O futuro se estendia ante ele como uma larga vida vazia. Passaria milhares de  noites sem a Amelia. Abraçaria e faria o amor a outras mulheres, mas nenhuma delas  seria a que realmente desejava. Pensou na Amelia vivendo como uma solteirona. Ou  pior  ainda,  reconciliando‐se  com  o  Frost,  possivelmente  casando‐se  com  ele,  e  vivendo  sempre  com  o  conhecimento  de  que  Frost  a  tinha  traído  uma  vez  e  que  poderia  fazê‐lo  de  novo.  Ela  merecia  muito  mais  que  isso.  Merecia  um  amor  apaixonado, entristecedor, ardente, que o consumisse tudo. Merecia…  OH, demônios! Estava pensando muito. Já parecia um gadjo. 

 

Obrigou‐se  a  enfrentar  a  verdade.  O  fato  era  que  Amelia  era  dele,  não  importava  se  ficava  ou  partia,  se  percorriam  o  mesmo  atalho  ou  não.  Ambos  poderiam estar em polos opostos do mundo, e ainda seria dela.  Sua metade Roma o tinha sabido desde o começo.  E era a essa parte dele a que ia escutar.      A  cama  da  Amelia  era  suave  e  luxuosa,  mas  bem  poderia  ser  feita  de  rústicas  pranchas  de  madeira.  Rodou,  deu‐se  a  volta,  estirou‐se,  mas  não  podia  encontrar  uma posição cômoda para seu corpo dolorido e tampouco um pouco de paz para seu  torturado cérebro.  A habitação estava silenciosa e  carregada, o ar  se voltava  mais espesso  a cada  minuto que passava. Desejando respirar ar limpo e frio, deslizou‐se fora de sua cama,  foi até a janela e a abriu. Escapou‐lhe um ofego de alívio quando uma ligeira brisa se  derramou  sobre  ela.  Fechou  seus  tristes  olhos  e  usou  os  nódulos  para  esfregar  as  pestanas úmidas  Era  estranho,  mas  com  todos  os  problemas  aos  que  se  enfrentava,  o  que  realmente  a  mantinha  acordada  era  a  pergunta  de  se  Christopher  Frost  a  tinha  amado  realmente.  Tinha  querido  pensar  que  sim,  inclusive  depois  de  que  ele  a  tivesse abandonado. Havia dito a si mesma que o amor era um luxo para a maioria  das  pessoas,  que  a  carreira  do  Christopher  era  muito  difícil,  e  que  ele  se  enfrentou  com uma opção impossível. Fazia o que acreditou melhor para todos. Possivelmente  tinha sido um engano esperar que escolhesse a ela sem importar as consequências.  Ser desejada por cima de tudo, ser querida, necessitada, cobiçada… isso nunca  ocorreria a ela.  A  porta  se  abriu  com  um  arco  bem  engordurado.  Percebeu  a  mudança  nas  sombras,  sentiu  uma  presença  na  habitação.  Girando‐se  com  um  sobressalto,  viu  o  Cam  Rohan  de  pé  junto  à  porta.  Seu  coração  começou  a  retumbar  com  uma  força  feroz. Parecia um sonho, um escuro e enigmático fantasma. 

 

Ele se aproximou devagar. Quanto mais se aproximava, mais parecia que tudo  a seu redor se desentranhasse, caindo, deixando‐a exposta e vulnerável.  A  respiração  do  Cam  não  era  firme.  Tampouco  a  dela.  Depois  de  uma  pausa  larga, finalmente lhe disse:  —Os  ROM  acreditam  que  deve  tomar  o  caminho  que  te  chama,  e  nunca  dar  marcha  atrás.  Porque  nunca  sabe  que  aventuras  lhe  esperam.  —aproximou‐se  devagar,  lhe  dando  oportunidade  de  objetar.  Através  da  gaze  de  algodão  suave  de  sua camisola, tocou‐lhe a curva dos quadris. Logo a aferrou contra seu duro corpo—.  Assim tomaremos este caminho —murmurou —, e veremos até onde nos leva.  Esperou  alguma  sinal,  alguma  sílaba  de  objeção  ou  ânimo,  mas  ela  só  podia  olhá‐lo fixamente, imóvel e necessitada.  Acariciou‐lhe o cabelo, enquanto lhe sussurrava que não lhe tivesse medo, que  cuidaria  dela,  que  a  agradaria.  Seus  dedos  encontraram  a  curva  sensível  do  couro  cabeludo,  embalou‐lhe  a  cabeça  e  a  beijou.  Arrastou  sua  boca  sobre  a  dela,  uma  e  outra  vez,  e  quando  seus  lábios  estiveram  abertos  e  umedecidos,  selou‐os  com  os  seus.  A  excitação  a  alagou,  e  cedeu  ante  este  prazer  escuro,  abriu‐se  ante  as  penetrantes  estocadas  de  sua  língua,  esforçando‐se  por  capturar  seu  sedosidade.  Suas mãos a empurraram brandamente para trás, até que seu equilíbrio cedeu. Fez‐a  jazer sobre a cama como se esta fora um altar pagão. Inclinando‐se sobre ela, Cam lhe  beijou a garganta. Logo levou a cabo uma série de puxões rápidos sobre sua camisola  até que esta se abriu.  Amelia  sentia  sua  urgência,  o  calor  que  irradiava  seu  corpo,  mas  cada  movimento  era  cuidadoso  e  pausado,  enquanto  colocava  as  mãos  debaixo  do  frágil  algodão para lhe acariciar. Ela levantou os joelhos, seu corpo inteiro se arqueou para  conter  o  prazer  de  sentir  suas  carícias.  Com  um  som  Cam  a  insistiu  a  relaxar‐se,  enquanto lhe deslizava a mão do peito até os joelhos. Com os lábios abertos lhe roçou  a  ponta  nua  de  um  peito  e  jogou  com  o  broto  endurecido  com  a  umidade  de  sua  língua. Ela estendeu as mãos para seu cabelo, e enredou os dedos entre as mechas de  ébano,  tentando  retê‐lo  perto  de  si.  Sua  boca  se  fechou  sobre  o  mamilo,  sugando‐o  ligeiramente  até  que  a  fez  tremer,  isso  a  insistiu  a  apartar‐se  dele,  intranquila  pelo  pressentimento de que estava conduzindo‐a até o bordo de alguma nova sensação. 

 

Cam  a  pôs  de  costas  e  se  inclinou  sobre  ela  uma  vez  mais.  Cobriu‐lhe  com  a  boca  a  sua,  enquanto  seus  dedos  atiravam  mais  acima  da  prega  da  camisola  e  encontravam a tenra carne de suas coxas.  Amelia  estendeu  a  mão  para  a  camisa  dele  com  mãos  trementes.  Não  tinha  pescoço,  dessas  que  ficavam  por  cima  da  cabeça  em  lugar  de  abotoar‐se.  Cam  se  moveu para ajudá‐la, tirou‐se o objeto e a jogou a um lado. A luz da lua dourou as  suaves e musculosas linhas de seu corpo junto a seu tenso e liso peito.  Arrastando  as  palmas  contra  sua  dura  carne,  deslizou‐as  brandamente  pelos  flancos e ao redor das costas. Ele se estremeceu por suas carícias e se acomodou sobre  ela deslizando uma perna entre suas coxas. A camisola se abriu expondo seus peitos  e a prega lhe subiu até a parte alta de suas coxas.  Os  lábios  dele  descenderam  novamente  até  seu  peito,  enquanto  cavava  e  amassava  sua  carne  firme.  Arqueando‐se  contra  ele,  esforçou‐se  por  aproximar‐se  mais, por atrair seu peso completamente sobre ela. Ele resistiu. Suas mãos viajaram  sobre  ela  para  acalmá‐la,  ela  esquivou  sua  gentileza,  suas  mãos  lhe  aferraram  as  costas.  Não  podia  pensar  com  claridade,  não  podia  encontrar  as  palavras.  Estremecendo‐se  contra  ele,  sentiu  que  o  desejo  a  rasgava  com  uma  insofrível  intensidade.  —Cam… Cam —pressionou a cara contra seu ombro.  Sentindo  a  umidade  de  suas  pestanas,  lhe  jogou  a  cabeça  para  trás  e  lhe  acariciou com a língua uma lágrima errante.  —Paciência, colibri. Ainda é muito cedo.  Ela examinou seus rasgos sombreados.  —Para ti?  Houve  um  momento  de  pausa,  como  se  Cam  se  esforçasse  por  controlar  um  súbito sorriso.  —Não, para ti.  —Tenho vinte e seis anos —protestou—. Como pode ser muito cedo para mim? 

 

Cam  não  pôde  suprimir  a  risada  esta  vez,  e  enterrou  esses  deliciosos  sons  dentro de sua boca.  Os  beijos  se  tornaram  mais  duros,  mais  largos  e  em  meio  de  tudo,  Cam  lhe  falava com uma mescla do Romaní e inglês, e era bastante provável que nem sequer  ele soubesse que idioma usava. Agarrando‐lhe uma mão com a sua, conduziu‐a até a  parte baixa de seu corpo e a empurrou urgentemente contra sua ereção. Assustada e  fascinada,  Amelia  posou  a  mão  ao  longo  de  sua  longitude,  amoldando  hesitantemente  os  dedos  sobre  sua  dureza.  Cam  gemeu  como  se  sentisse  dor  e  ela  retirou imediatamente a mão.  —Sinto‐o muito —disse, ruborizando‐se—. Não quis te fazer danifico.  —Não me tem feito mal —Se apreciava um tom tenro de diversão em sua voz.  Agarrou‐lhe a mão e a colocou de novo.  Amelia o explorou timidamente, enquanto sua curiosidade se confundia com o  calor  e  a  sugestão  de  algo  movendo  debaixo  de  seus  apertados  calções.  Ele  parecia  desfrutar de suas carícias, quase ronronava enquanto se movia sobre ela para farejar  e lamber sua garganta.  Suas  duas pernas estavam agora em meio das suas,  ampliando  o espaço entre  elas,  com  a  camisola  apinhada  ao  redor  da  cintura.  Exposta,  mortificada  e  entusiasmada, sentiu como uma das mãos dele vagava para baixo por seu estômago.  Logo haveria dor e posse, todos os mistérios resolveriam. Pensou que possivelmente  era o momento de lhe dizer algo:  —Cam?  Ele levantou a cabeça.  —Sim?  —Ouvi que há formas... quer dizer, que isto pode conduzir... OH, não sei como  dizê‐lo...  —Não quer me dar um filho. —As gemas de seus dedos brincaram gentilmente  entre seus íntimos cachos escuros.  —Sim. Quer dizer… não. —Sua respiração se converteu em um gemido. 

 

—Eu  tampouco.  Embora,  sempre  pode  passar.  —Ele  encontrou  um  lugar  tão  cheio de sensações que a fez estremecer e arquear os joelhos. Seus dedos eram suaves  e tenros enquanto lhe apartava sua sedosa fenda—. A pergunta, amor, é se me deseja  o suficiente para aceitar esse risco.  Seus  sentidos  nadavam  na  vergonha  e  o  prazer  pela  forma  em  que  a  tocava.  Toda sua existência se diluiu ante a carícia furtiva de um desses dedos. E Cam sabia.  Esperou sua resposta, acariciando‐a, expressando sua ternura com a gema dos dedos,  emprestando atenção a cada calafrio e a cada tremor de seu corpo.  —Sim —disse insegura—. Te desejo.  Seu  dedo  polegar  a  acariciou  para  baixo,  deslizando‐se  através  de  uma  zona  inexplicavelmente  úmida.  Antes  de  que  pudesse  dizer  uma  palavra,  lhe  tinha  apertado a umidade com seu dedo polegar, invadindo‐a ligeiramente.  As pestanas dele baixaram sobre o brilho diabólico de seus olhos.  — Deseja isto? —sussurrou‐lhe.  Ela  assentiu  e  tratou  de  lhe  dizer  que  sim,  mas  tudo  o  que  pôde  fazer  foi  choramingar brandamente.  Mais profundo, uma gentil e curiosa carícia, até que sentiu o duro bordo de seu  dedo  polegar  contra  a  entrada  de  seu  corpo.  Riscou  pequenos  círculos  em  seu  interior, esfregou‐a e a acariciou com o dedo até que a fez sentir débil e quente. OH,  santo  céu!,  Sim,  não,  por  favor…  outro  círculo,  outro,  cada  um  formando  redemoinhos  de  prazer  firmemente  até  que  o  coração  retumbou  e  seus  quadris  se  impulsionaram ritmicamente contra a palma da mão. Mas então, a deliciosa invasão  foi  retirada,  e  seu  corpo  se  fechou  desesperadamente  ao  redor  do  vazio.  Tratou  de  alcançá‐lo,  arranhando‐o  em  meio  dessa  frenética  necessidade  e  Cam  teve  o  descaramento de rir brandamente.  —Tranquila,  carinho.  Logo  que  estamos  começando.  Não  há  nenhuma  necessidade de apressar‐se.  —Só é o princípio? —Aturdida e palpitante, logo que podia falar. Se havia uma  coisa  da  qual  estava  segura,  era  que  não  podia  suportar  muito  mais  tempo  sua  refinada tortura—. Acreditei que tínhamos terminado. 

 

Sentiu seu sorriso quando a beijou no interior do cotovelo, deslizando os lábios  até o punho.  —A questão é fazer que dure o maior tempo possível.  —Por quê?  —Assim  é  melhor.  Para  ambos.  —Abriu  seus  apertados  dedos  e  lhe  beijou  a  palma da mão. Depois de lhe colocar novamente a camisola em seu lugar, grampeou‐ lhe a parte dianteira meticulosamente.  —O que faz?  —Levo‐te  a  dar  um  passeio.  —Quando  tentou  lhe  perguntar  algo,  lhe  pôs  o  dedo indicador brandamente sobre os lábios—. Confia em mim. —Sussurrou‐lhe.  Amelia  o  fez,  aturdida,  enquanto  a  levantava  da  cama,  envolvia‐lhe  uma  aveludada bata ao redor e lhe punha nos pés um par de sapatilhas suaves.  Apertando  firmemente  a  mão  dela  na  sua,  Cam  a  tirou  da  habitação.  A  casa  estava  calada  e  silenciosa,  das  paredes  penduravam  retratos  de  aristocratas  com  olhares de desaprovação.  Saíram  à  parte  traseira  da  casa,  para  o  grande  terraço  de  pedra,  com  passos  apressados que os levaram até os jardins. A luz da lua se entreteceu com as silhuetas  das  nuvens  que  brilhavam  contra  um  céu  da  cor  das  ameixas  negras.  Confundida  mas desejosa, Amelia foi com o Cam até o final dos degraus.  Ele se deteve e assobiou brandamente.  —Que…  Amelia  ofegou  quando  ouviu  o  som  de  cascos  pesados  e  observou  como  uma  enorme silhueta negra se apressava para eles, como se fora um pesadelo. O alarme a  invadiu, apertou‐se contra Cam e ocultou a cara contra seu peito. Lhe pôs um braço  ao redor e a envolveu firmemente.  Quando o trovejar dos cascos se deteve, Amelia se arriscou a jogar uma olhada  à aparição. Era um enorme cavalo negro, que respirava com bufos que se elevavam  como fantasmas contra a crueldade do ar. 

 

—Isto realmente está acontecendo? —perguntou.  Cam  procurou  em  seu  bolso,  alimentou  com  uma  parte  de  açúcar  ao  cavalo  e  passou a mão pelo liso pescoço da cor da meia‐noite.  —Alguma vez tiveste um sonho como este?  —Nunca.  —Então possivelmente se está passando.  —Realmente tem um cavalo que vem a ti quando assobia?  —Sim, treinei‐o.  —Como se chama?  Seu branco sorriso resplandeceu na escuridão.  —Não lhe imagina?  Amelia pensou um momento.  —Pooka?  O cavalo girou a cabeça para olhá‐la como se pudesse entendê‐la.  —Pooka —repetiu ela, com um débil sorriso—. Será possível que também tenha  asas?  Ante  um  gesto  sutil  do  Cam,  o  cavalo  agitou  a  cabeça  em  um  enfático  não,  e  Amelia sorriu temblorosamente.  Caminhando  até  o  flanco  da  Pooka,  Cam  subiu  à  cadeira  de  montar  com  um  movimento elegante. Aproximou‐se do degrau onde estava de pé Amelia e estendeu  o  braço  para  ela.  Tomou  a  mão,  tentando  impulsionar‐se  com  o  pé  sobre  o  estribo.  Foi  facilmente  içada  até  a  cadeira  diante  dele.  O  impulso  quase  foi  muito,  mas  o  braço do Cam se envolveu a seu redor, mantendo‐a em seu lugar. Amelia se apoiou  contra o duro berço de seu peito e seu braço. Seus orifícios nasais se viram invadidos  com os aromas do outono: terra úmida, cavalo, homem e meia‐noite.  —Sabia que viria contigo, não? —perguntou‐lhe. 

 

Cam se inclinou sobre ela e lhe beijou a têmpora.  —Só  o  esperava.  —Suas  coxas  se  apertaram,  pondo  o  cavalo  rapidamente,  e  depois  a  um  passo  firme.  E  quando  Amelia  fechou  os  olhos,  podia  ter  jurado  que  estavam voando.                                  Capítulo 15    Cam  se  dirigiu  até  o  acampamento  abandonado  no  rio,  onde  a  tribo  cigana  ficou. Os restos do acampamento ainda estavam ali; os rastros deixados pelas rodas  dos  carromatos,  os  círculos  de  grama  roídas  onde  os  cavalos  de  carga  tinham  sido 

 

atados,  o  fosso  da  fogueira  cheio  de  cinza.  E  em  todas  as  partes  se  ouvia  o  som  do  chapinho da corrente do rio que se transbordava na borda, alagando a terra fértil.  Apeou‐se e ajudou a Amelia a desmontar. Como lhe indicou, sentou‐se em um  tronco  de  abedul  cansado  enquanto  Cam  preparava  um  acampamento  provisório.  Esperou com as mãos cruzadas pulcramente no regaço, observando cada movimento  que ele realizava, enquanto tirava um vulto de mantas das alforjas. Em uns minutos  Cam já tinha o fogo aceso no círculo de pedra e tinha tendido com elas um leito junto  à fogueira.  Amelia  se  apressou  para  a  pilha  de  mantas  e  se  internou  sob  as  capas  de  lã  e  algodão acolchoado.  —É seguro que fiquemos aqui? —perguntou, murmurando.  —Pode estar segura de tudo menos de mim. —Sorrindo, Cam ficou a seu lado.  Depois  de  tirar  as  botas,  entrou  sob  as  mantas  e  a  embalou  entre  seus  braços.  E  recordando‐se  que  os  prêmios  deviam  ser  ganhos  com  paciência,  abraçou‐a  fortemente e esperou.  À  medida  que  cada  segundo  se  fundia  no  seguinte,  o  corpo  da  Amelia  se  apertava mais firmemente contra o  seu. Sentia‐se tão  extraordinário só de abraçá‐la  que não fez nada mais que isso durante um comprido momento. Escutava o fluxo de  sua respiração, o movimento do ar frio da noite sobre eles, enquanto o calor de seus  corpos  se  fundia  sob  as  mantas.  Juntos  descenderam  ao  coração  de  uma  calma  aprazível, a um calado prazer que Cam nunca havia sentido antes. Seus batimentos  do coração começaram a acelerar‐se, o coração lhe ressonava pesadamente com cada  golpe.  Notava  como  os  quadris  de  Amelia  se  aninhavam  tentativamente  contra  os  seus,  embalando  a  rigidez  de  sua  excitação,  aproximando‐se  cada  vez  mais.  Mas  ainda assim, não fez nenhum movimento, só a abraçou e a apertou contra seu corpo  até que esteve tenso e furiosamente excitado.  O  fogo  estalou  e  as  chamas  se  alargaram  em  cintas  amarelas,  lambendo  os  lenhos de abedul e carvalho. Excitado… nunca se havia sentido tão excitado em sua  vida.  Quando  estava  considerando  tirar  a  camisa,  sentiu  as  mãos  da  Amelia  explorando  sob  a  prega  solta.  Os  pequenos  e  frios  dedos  vagavam  sobre  sua  pele  ardente. Em qualquer parte onde o tocava, seus músculos se ondeavam e esticavam,  sentia‐se  tão  bem  que  gemeu  fracamente  contra  seu  cabelo.  Ela  tomou  os  bordos 

 

soltos  da  camisa  e  atirou  para  cima.  Sem  nenhuma  vacilação  se  sentou,  tirou‐se  a  camisa e a jogou a um lado.  Ela se arrastou até seu regaço e o cabelo comprido e sedoso se derrubou sobre  seu peito e seus ombros nus. Extasiado, Cam se conteve enquanto ela pressionava a  boca  contra  seu  peito,  em  seus  ombros  e  na  base  de  sua  garganta,  em  uma  brincadeira delicada de beijos.  —Amelia… —levou as mãos a sua cabeça, imobilizando‐a. As ondas cálidas de  seu cabelo lhe deslizaram sobre os braços, acrescentando sua excitação.  —Monisha  —sussurrou—.  Não  farei  nada  que  não  deseje.  Só  quero  te  dar,  agradar.  A cara da Amelia brilhava à luz do fogo, seus lábios da cor vermelha dos bagos.  —O que significa essa palavra?  —Monisha? É uma expressão de afeto. —Logo que podia pensar—. Um Roma a  diz quando uma mulher está intimando com ele.  Ela pôs as mãos sobre as dele e deslizou os dedos nos espaços entre seus dedos.  Abraçaram‐se  um  ao  outro,  e  com  seus  lábios  formaram  palavras  silenciosas,  roçaram suas bocas e saborearam juntos seu calor úmido.  Cama pôs sobre  as mantas, no charco de  luz  lançada  pelo fogo.  Sussurrou‐lhe  palavras  em  um  antigo  idioma,  lhe  dizendo  que  queria  apanhá‐la  como  fazia  o  sol  com  a  lua  no  céu,  que  queria  enchê‐la  até  que  fossem  um  só  e  estivessem  unidos.  Logo que era consciente do que lhe estava dizendo já que estava embriagado por seu  aroma e o calor que emanava seu corpo.  Abriu‐lhe  a  bata  e  a  camisola,  apartando  sonhadoramente  a  malha  suave  das  profundas  curvas  de  seus  peitos  e  sua  cintura.  Estava  tão  belamente  formada,  tão  luxuriosa  e  firme,  que  sua  pálida  pele  brilhava  com  a  luz  do  fogo.  As  sombras  voluptuosas ocultavam os lugares que ele desejava tocar e saborear. Seguiu o rubor  que se estendia com a boca, perseguindo a quebra de onda de cor. Ela se estremeceu  sob seu corpo e se aferrou aos músculos arqueados de seus antebraços. 

 

Embalou‐lhe os peitos e acariciou os mamilos com sua respiração e sua língua  até que estiveram duros e sedosos. Brandamente apanhou um entre seus dentes e o  sustentou até que ela gemeu e se arqueou.  Cam apartou a massa da camisola que estava enredada entre eles. A curva de  seu umbigo se elevava e caía ao ritmo de sua respiração. Apertando a boca contra ele,  afundou a ponta da língua no apertado círculo, enchendo‐o por completo.  —Cam…  OH,  espera…  —Ela  estava  retorcendo‐se  e  tratava  de  apartá‐lo.  Agarrou‐lhe  as  mãos  e  as  pressionou  contra  seu  próprio  corpo,  enquanto  respirava  com dificuldade sobre seu estômago.  Lutando por dominar‐se, apoiou a bochecha contra sua sedosa pele com toda a  gentileza da que era capaz.  —Não te farei mal —sussurrou—. Só vou beijar te… a te saborear…  Sua voz soava suplicante.  —Mas não ali.  Cam  não  pôde  reprimir  um  sorriso.  Isto  era  novo,  esta  mescla  de  diversão  e  excitação.  —Especialmente  ali.  —Deixou  que  seus  dedos  se  deslizassem  pelo  quadril  e  coxas  até  posar‐se  sobre  os  cachos  suaves—.  Quero  conhecer  cada  parte  de  ti,  monisha…  Fica  quieta  para  mim…  sim,  amor,  sim…  —Se  moveu  para  baixo,  estremecido pelo  desejo. As fragrâncias íntimas a  sal e a  pele feminina fizeram  que  seu desejo fora insuportável. Sua boca acariciou os fechados lábios íntimos. Lambeu‐ os para abri‐los, extraindo seu calor, o sabor de seu prazer.  Amelia  permanecia  em  silêncio  salvo  alguns  gemidos  que  lhe  escapavam  enquanto  mantinha  as  pernas  abertas  a  cada  lado  dele.  Indefesa  seguiu  o  giro  sinuoso  de  sua  língua,  arqueando  todo  seu  ofegante  corpo.  Acalmou‐a,  provocou‐a  com  sua  língua  brincalhona  como  uma  andorinha  ao  vôo.  A  respiração  masculina  caiu  pesadamente  sobre  a  carne  úmida  de  sua  essência  erótica.  Introduziu‐lhe  um  dedo em sua sedosa cova.  Ela  soltou  um  som  dolorido  quando  perdeu  todo  seu  controle  e  ele  se  maravilhou  disso,  enquanto  sua  boca  a  castigava  gentilmente.  Drenou‐a  e 

 

atormentou até que os suaves gemidos femininos se converteram em soluços. Ela se  apertou,  estremeceu‐se,  fechando  os  dedos  sobre  o  cabelo  dele,  arqueou  os  quadris  com  movimentos  involuntários  enquanto  lhe  lambia  cada  estremecimento  e  cada  pulsado.  Depois  de  um  momento  se  moveu  e  a  pôs  contra  seu  corpo.  Ela  alcançou  o  fechamento de suas calças e se trabalhou em excesso nele até que lhe soltou a calça  dos  quadris.  A  rígida  longitude  do  Cam  ficou  liberada.  Amelia  fechou  a  mão  ao  redor da carne firme, acariciando‐a até que ele se estremeceu e gemeu.  Tinha a cara de cor carmesim e os olhos entreabertos. Tocou‐o de novo, e tentou  atrai‐lo,  enquanto  o  embalava  para  o  interior  de  seus  quadris  e  pernas  instintivamente.  Ele  resistiu,  mantendo  seu  peso  suspenso  sobre  ela,  defendendo‐a  da luz da lua enquanto estendia os dedos sobre seu corpo. Ela se estremeceu quando  a ponta de seu dedo mais pequeno roçou o topo de um de seus peitos. O acariciou  circularmente enquanto admirava como o pico se endurecia.  —Se  me  desejar,  amor  —sussurrou  ele—,  me  deve  dizer  isso  no  Romaní.  Por  favor.  Cegamente Amelia girou a cabeça e lhe beijou a curva dos antebraços.  —O que devo dizer?  Murmurou‐lhe  brandamente  as  poesias  líricas  palavras,  esperando  pacientemente enquanto ela as repetia, ajudando‐a quando se equivocava. Todo esse  tempo  esteve  suspenso  sobre  ela,  baixando  cada  vez  mais  e  quando  a  última  sílaba  saiu de seus lábios, empurrou fortemente em seu interior.  Amelia se sobressaltou e gritou de dor, e Cam ficou dividido entre o pesar por  havê‐la  ferido  e  o  prazer  devastador  de  estar  dentro  dela.  Suas  carnes  inocentes  se  ateram ao redor da estranha invasão, seus quadris se levantavam para apartá‐lo, mas  com cada movimento que fazia só o enterrava mais profundamente em seu interior.  Ele tentou acalmá‐la, com carícias, lhe beijando a garganta e os peitos. Tomando um  topo rosado dentro de sua boca e chupando‐lhe ligeiramente, passou a língua nesse  ponto, até que se relaxou e começou a gemer.  Cam  não  pôde  deixar  de  mover‐se,  esquecendo‐se  de  tudo  menos  da  necessidade  de  empurrar  mais  profundamente  em  sua  carne  suave  e  apertada,  os 

 

cálidos  membros  femininos  envoltos  a  seu  redor  e  sua  boca  ofegante  e  doce  sob  a  sua. Sussurrou compulsivamente contra seus lábios… uma palavra, uma e outra vez,  enquanto seu êxtase crescia mais e mais.  —Mandis… mandis…  Minha.  Sentindo  como  se  aproximava  sua  violenta  liberação,  retirou‐se  e  se  colocou  sobre o veludo tremente de seu estômago. Jorros quentes exploraram entre eles. Cam  enterrou a cabeça na curva de seu pescoço e ombros gemendo. Nada poderia nunca  igualar‐se a isto, pensou aturdido. Nada.  Os estremecimentos de prazer perduraram inclusive depois de que seu coração  retornasse  à  normalidade  e  recuperasse  um  pouco  sua  habilidade  para  pensar  com  claridade. Amelia estava relaxada debaixo dele, adormecida e suspirando. Teve que  obrigar‐se a apartar‐se, quando tudo o que queria era deleitar‐se nela.  Utilizou  um  lenço  para  lhe  limpar  o  sangue  e  a  umidade  do  corpo,  pô‐lhe  a  camisola  e  foi  reabastecer  o  fogo.  Quando  retornou  para  colocar‐se  sob  as  mantas,  Amelia se acomodou no oco de seu braço.  Olhando  o  chiado  do  fogo  e  desfrutando  do  peso  crédulo  da  cabeça  dela  no  ombro,  Cam  acariciou  o  cabelo  que  se  vertida  sobre  seu  braço.  Dormia  profundamente, enquanto o fogo iluminava as sombras de suas largas pestanas sobre  suas  bochechas.  Cam  a  examinou  com  o  olhar  de  um  amante,  absorvendo  cada  detalhe, o bordo encaracolado da linha de seu cabelo, a fina curva de seu nariz e suas  pequenas orelhas. Desejou mordiscar‐lhe e jogar com elas, mas não queria perturbar  seu sonho.  Atirou  uma  colcha  sobre  seu  ombro  nevado  e  acomodou  um  cacho  que  se  soltou  sobre  sua  orelha.  Tudo  tinha  trocado,  pensou.  E  não  havia  forma  de  dar  marcha atrás.       

 

        Capítulo 16    A alvorada.  Uma palavra perfeita para descrever a forma em que a manhã tinha entrado em  retalhos na quarto, um fragmento de luz se pulverizava sobre sua cama, outro sobre  o chão entre a janela e a pequena chaminé.  Amelia piscou e permaneceu por um momento presa de um intumescimento. O  fogo da chaminé estava aceso... devia ter permanecido dormida enquanto a donzela  acendia a chaminé.  Fogo…  Ramsay  House…  as  lembranças  caíram  sobre  ela  com  um  golpe  desagradável,  e  fechou  os  olhos.  Abriu‐os  novamente,  mas  entretanto,  nesse  momento só  pensou  na  escuridão,  na luz da lua e  na carne ardente de um homem.  Pôs‐lhe a pele de galinha.  O que tinha feito?  Estava  na  cama,  e  só  recordava  vagamente  que  tinham  montado  de  volta  quando ainda estava escuro, Cam a tinha levado em seu regaço, envolta entre roupas  de cama como se fora uma menina. Fecha os olhos, tinha‐lhe murmurado ele, sua mão  exerceu  uma  reconfortante  pressão  em  sua  cabeça.  E  ela  tinha  dormido  e  dormido.  Agora, ao entrecerrar os olhos para o alegre tictac do relógio, compreendeu que era  quase meio‐dia.  O  pânico  invadiu  seu  interior,  até  que  descobriu  que  era  muito  pouco  prático  aterrar‐se. Não  obstante, seu coração  bombeou algo que parecia ser  muito  quente  e  ligeiro para ser sangue e a fazia respirar agitada. 

 

Teria gostado de acreditar que tudo tinha sido um sonho, mas seu corpo ainda  levava impresso o mapa invisível que lhe tinha desenhado com os lábios, a língua, os  dentes e as mãos.  Levando as gemas dos dedos aos lábios, Amelia sentiu que estes estavam mais  inchados e mais suaves que o normal… tinham sido lambidos e erodidos pela boca  dele. Cada polegada de seu corpo estava sensível, inclusive esses lugares tenros que  ainda ocultavam um doloroso prazer.  Uma  mulher  decente  deveria  sentir‐se  envergonhada  por  suas  ações.  Mas  Amelia  não  se  arrependia  de  nada.  A  noite  tinha  sido  tão  extraordinária,  tão  rica,  escura  e  doce,  que  a  conservaria  em  sua  memória  para  sempre.  Tinha  sido  uma  experiência  inesquecível,  com  um  homem  diferente  a  todos  os  que  tinha  conhecido  ou poderia conhecer alguma vez.  Mas OH, como desejava que ele já se partiu.  Com um pouco de sorte, Cam teria tido que ir  ocupar‐se de seus assuntos em  Londres. Amelia estava segura de que não poderia voltar a olhá‐lo aos olhos depois  do ocorrido a noite passada. Certamente não necessitava a distração que lhe oferecia,  quando tinha tantas coisas que decidir.  Quanto às lembranças de sua noite com o Cam, todas estavam tão gentilmente  refratadas  como  se  ele  fora  um  prisma  através  do  qual  tivessem  viajados  seus  sentimentos…  agora  não  era  o  momento  para  pensar  nisso.  Haveria  tempo  depois.  Dias, meses, inclusive anos.  Não  pense  nisso,  disse‐se  severamente  a  si  mesma,  enquanto  saía  da  cama.  Tocou a campainha para chamar uma donzela, enquanto tentava fechar sua bata. Em  menos  de  um  minuto,  uma  robusta  donzela  de  cabelos  claros  e  bochechas  rosadas  apareceu.  —Poderia me trazer um pouco de água quente? —perguntou‐lhe Amelia.  —Aye,  Senhorita.  Posso  lhe  trazer  um  pouco  aqui  acima,  ou  se  quiser,  posso  levar‐lhe  ao  quarto  de  banho.  —A  faxineira  falava  com  um  fechado  acento  do  Yorkshire, os res lhe deslizavam ligeiramente e as consonantes se aderiam à parte de  atrás de sua garganta. 

 

Amelia  assentiu  ante  a  segunda  sugestão,  recordando  o  moderno  banho  da  noite anterior. Seguiu à faxineira, que se identificou como Betty, fora do quarto e com  o passar do corredor.  —Como estão minhas irmãs e irmãos? E o Senhor Merripen?  —A senhorita Winnifred, a senhorita Poppy e a senhorita Beatrix já baixaram a  tomar o café da manhã —lhe informou a faxineira—. Os dois cavalheiros ainda estão  deitados.  —Estão doentes? O Senhor Merripen tem febre?  —A Senhora Briarly, a dona‐de‐casa, acredita que ambos estão bem, senhorita.  Só estão descansando.  —Graças a Deus. —Amelia decidiu que iria visitar o Merripen quando estivesse  apresentável.  Feridas  por  queimaduras  eram  perigosas  e  imprevisíveis,  ainda  lhe  preocupava que tivesse uma recaída.  Entraram  em  um  quarto  com  paredes  de  azulejo  azul  pálido.  Havia  uma  poltrona  em  uma  esquina  e  uma  grande  tina  de  porcelana  na  outra.  Uma  cortina  oriental ricamente decorada pendurava do teto e dividia a área para converter‐se em  um  vestidor.  O  quarto  de  banho  estava  quente  graças  à  chaminé,  havia  um  grande  armário  aberto  aonde  se  desdobravam  pulcramente  dobradas  pilhas  de  linhos  de  banho,  toalhas  turcas,  sabões  e  artigos  de  penteadeira.  A  água  para  o  banho  era  aquecida no mesmo quarto por alguma classe de aparelho de gás, que tinha chaves  para a água fria, o quente ou o morno e encanamentos que conduziam para fora.  Betty abriu as chaves e ajustou a temperatura da água. Pôs roupa branca para o  banho na poltrona, perfeitamente alinhada.  —Deseja que a atenda durante o banho, senhorita?  —Não,  obrigada  —disse  Amelia  em  seguida—.  Ocuparei‐me  disso  eu  mesma.  Se não lhe incomoda poderia me trazer a roupa ao vestidor que está ao lado…  —Que roupa, senhorita?  Isso deixou fria a Amelia. Compreendeu que tinha vindo ao Stony Cross Manor  sem trazer nada de roupa. 

 

—OH, Deus. Pergunto‐me se poderiam enviar a alguém ao Ramsay House para  tirar minhas coisas…  —Provavelmente estejam todas danificadas e cheias de fumaça, senhorita. Mas  Lady St. Vincent tem alguns vestidos em seu quarto, ela e você têm quase o mesmo  tamanho a diferença de Lady Westcliff, que é mais alta...  —OH,  não  posso  me  vestir  com  a  roupa  de  Lady  St.  Vincent  —disse  Amelia  incômoda.  —Temo‐me que não há mais remédio, senhorita. Há  um adorável objeto de lã  vermelha... tirarei‐a para você.  Como  não  parecia  haver  possibilidade  de  que  recuperasse  nenhum  de  seus  vestidos,  Amelia  assentiu  e  lhe  murmurou  um  obrigado.  Ficou  atrás  do  biombo  do  vestidor e se tirou a bata, enquanto a criada fechava as chaves e abandonava o banho.  Quando  Amelia  se  tirou  a  camisola  e  a  deixou  cair  ao  chão,  vislumbrou  um  brilho dourado em seu dedo indicador esquerdo. Sobressaltada, levantou a mão e a  examinou.  Era  um  pequeno  anel  de  ouro  uso  selo  com  uma  elaborada  inicial  gravada.  Era  o  anel  que  Cam  sempre  tinha  posto  no  dedo  mindinho.  O  devia  ter  posto  ontem  à  noite,  enquanto  dormia.  Teria  pretendido  ser  um  presente  de  despedida? Ou possivelmente o anel tinha algum outro significado para ele?  Tentou tirar‐lhe e descobriu que estava firmemente entupido...  —Demônios  —murmurou,  atirando  da  coisa  em  vão.  Tomou  uma  barra  de  sabão  do  armário  e  a  levou  a  banho  com  ela.  A  água  quente  lhe  aliviou  as  muitas  pequenas dores e ardências, minguando a moléstia entre suas pernas.  Suspirando  profundamente,  Amelia  se  ensaboou  a  mão  e  tentou  novamente  afrouxar o anel. Mas não importava quanto tentasse tirar‐lhe o anel não se movia. A  superfície  da  banheira  se  encheu  muito  em  breve  de  espuma  de  sabão,  e  Amelia  amaldiçoava de frustração.  Não podia permitir que ninguém a visse levando um dos anéis do Cam. Como  em nome de Deus, ia explicar como e por que o tinha conseguido?  Depois  de  atirar  e  retorcer  até  que  seus  nódulos  se  incharam,  rendeu‐se  e  acabou com seu banho. Secou‐se com uma toalha turca, que sentiu amaciada e suave 

 

contra  a  pele.  Ao  entrar  no  vestidor  que  estava  ao  lado,  encontrou‐se  com  a  Betty,  que a esperava com um vestido de lã de cor veio.  —Aqui está o vestido, senhorita. Ficará bem, com todo esse cabelo escuro.  —Lady St. Vincent é muito generosa. —A pilha de delicados objetos interiores  parecia  tão  antiga  como  se  nunca  as  tivessem  usado.  Havia  um  espartilho,  com  os  cordões brancos tão asseados como se fossem gaze cirúrgica.  —OH, ela tem muitos vestidos —lhe confiou Betty, lhe entregando uns calções  dobrados  e  uma  regata—.  Lorde  St.  Vincent  se  preocupa  muito  de  que  sua  esposa  vista  como  uma  rainha.  Poderia  dizer‐se:  Que  se  lhe  pedisse  a  lua  para  fazer  um  espelho, ele encontraria a maneira de baixá‐la para ela.  —Como  sabe  tanto  deles?  —perguntou‐lhe  Amelia,  enquanto  se  grampeava  o  frontal do espartilho e Betty ficava detrás dela para atirar dos cordões.  —Sou  a  donzela  da  Lady  St.  Vincent.  Vou  a  onde  quer  que  ela  vai.  Pediu‐me  que  a  atendesse  a  você  e  às  outras  senhoritas  Hathaways,  “necessitam  tratamento  especial”, disse‐me, ʺdepois de tudo o que suportaramʺ.  Amelia  conteve  a  respiração  enquanto  Betty  lhe  apertava  os  cordões  firmemente.  Quando  por  fim  estiveram  atados,  exalou  rapidamente  o  ar  de  seus  pulmões.  —Foi muito amável por sua parte. E pela de você  também. Espero que minha  família não seja muita moléstia.  Por alguma isso razão provocou uma risita.  —Essa  é  a  arte  de  fazer  cerveja  com  limonada,  se  não  incomodar  a  você  meu  refrão, senhorita. —E antes de que Amelia pudesse lhe perguntar que tinha querido  dizer  com  isso,  a  faxineira  exclamou—  Que  cintura  tão  pequena  tem!  Espero  que  o  vestido da Lady St. Vincent lhe ajuste como uma luva. Mas antes de prová‐lo, deve  ficar bem os tubos.  Amelia tomou um molho de malha negra transparecida de suas mãos.  —Os tubos?  —As meias de seda, senhorita. 

 

Amelia  quase  as  deixa  cair.  As  meias  de  seda  custavam  uma  fortuna.  Estas  estavam bordadas com flores diminutas que as encareciam ainda mais. Se as levasse  postas, teria medo das arruinar. Entretanto, não parecia ter outra opção, salvo ir sem  nada.  —Fique as —a insistiu Betty.  Com  uma  mescla  de  tentação  e  culpa,  Amelia  se  vestiu  com  a  roupa  mais  luxuosa que tinha levado nunca na vida. O vestido rajado de seda era absolutamente  elegante, cobria‐a e se amoldava a sua figura de uma forma que nunca tinha obtido  sua  própria  roupa.  As  mangas  retas  se  ajustavam  a  seu  cotovelo,  de  onde  se  derramava  um  fino  encaixe  negro.  Esse  mesmo  encaixe  negro  decorava  a  prega  da  saia sobre a capa que simulava a uma multidão de anáguas. Uma bandagem de cetim  negro  ressaltava  a  curva  de  sua  esbelta  cintura  e  suas  pontas  cruzadas  estavam  fixadas a um lado com um broche brilhante.  Ao  sentar‐se  ante  a  penteadeira,  Amelia  observou  como  Betty  lhe  trançava  distraidamente o cabelo com umas cintas negras. E como a faxineira parecia amistosa  e faladora, Amelia se aventurou a lhe perguntar:  —Betty… Faz quanto tempo conhece Lady St. Vincent ao Senhor Rohan?  —Desde  sua  infância,  senhorita.  —Betty  sorriu  abertamente—.  Esse  senhor  Rohan,  é  um  encanto  de  homem  verdade?  Se  visse  você  os  distúrbios  que  se  produzem quando visita a casa do amo... cada uma de nós luta por um turno no olho  da fechadura, só para olhá‐lo embevecidas.  —Pergunto‐me…  —Amelia se esforçou por expressar‐se em um tom casual—.  Acredita que a relação entre o senhor Rohan e Lady St. Vincent foi alguma vez…?  —OH,  não,  senhorita.  Criaram‐se  como  irmãos. Alguns  afirmam que  o  senhor  Rohan é seu meio irmão. Não seria o único bastardo engendrado pelo Ivo Jenner com  toda segurança.  Amelia pestanejou.  —Acredita que esses rumores possam ser certos?  Betty agitou a cabeça. 

 

—Lady St. Vincent o nega, diz que não há nenhum parentesco de sangue. Ela e  o  senhor  Rohan  não  se  parecem.  Mas  ela  o  aprecia  muito.  —E  com  um  sorriso  retorcido,  Betty  adicionou—  Advertiu  a  mim  e  às  demais  faxineiras  que  mantenhamos  os  olhos  separados  dele.  Diz  que  nada  bom  poderia  resultar  disso,  possivelmente  muito  em  breve  nos  encontraríamos  prenhes  e  abandonadas.  É  um  pícaro,  esse  senhor  Rohan.  Tão  encantado  para  te  roubar  o  açúcar  do  ponche.  — Terminando  com  o  cabelo  da  Amelia,  Betty  pareceu  satisfeita  e  se  encaminhou  a  recolher  os  linhos  usados  que  estavam  empilhados  em  uma  cadeira,  inclusive  sua  camisola suja.  A faxineira se deteve, ao menos uns dois ou três segundos, com a camisola na  mão.  —Devo lhe fazer uma almofadinha  de trapos limpos, senhorita?  — perguntou  cuidadosamente—. Para seu fluxo mensal?  Ainda ponderando a desagradável frase “prenhe e abandonada”, Amelia agitou  a cabeça.  —Não,  obrigada.  Ainda  não  é  tempo  de…  —Se  deteve  um  pouco  assustada  quando  viu  que  a  faxineira  olhava  as  pequenas  manchas  de  sangue  da  camisola.  Logo empalideceu.  —Sim,  senhorita.  —Dobrando  a  camisola  hermeticamente  entre  o  vulto  de  lençóis, Betty lhe sorriu sem nenhuma expressão—. Só tem que me chamar e virei em  seguida. —Logo foi para a porta e saiu cuidadosamente.  Amelia pôs os cotovelos sobre a mesa da penteadeira, e reclinou a frente sobre  os punhos. Que o céu a ajudasse, haveria rumores. Até esse momento ela nunca tinha  feito nada sobre o que valesse a pena rumorear.  —Por favor, por favor que se foi —sussurrou.  Baixando  as  escadas,  Amelia  chegou  à  conclusão  de  que  depois  de  tudo  acreditava na sorte. Parecia uma palavra tão boa como qualquer outra para descrever  um  consistente  padrão  de  eventos.  Um  resultado  fidedigno  e  previsível  para  quase  qualquer situação.  E a sua resultava ser má sorte. 

 

Quando  chegou  ao  vestíbulo  de  entrada,  viu  a  Lady  St.  Vincent  entrando  do  terraço  posterior,  com  as  bochechas  açoitadas  pelo  vento  e  o  arena  de  seu  vestido  arrastando  pedaços  de  folhas  e  grama.  Parecia  um  anjo  desalinhado,  com  seu  adorável  e  acalmado  rosto,  o  cabelo  vermelho  ondeando  e  o  rocio  brincalhão  das  sardas pulverizadas sobre seu nariz.  —Como  se  sente?  —Lady  St.  Vincent  se  aproximou  imediatamente  a  ela  e  tomou  seu  braço—.  Está  encantadora.  Suas  irmãs  estão  passeando  fora,  exceto  Winnifred que está tomando o chá no terraço. Não comeste ainda?  Amelia sacudiu a cabeça.  — Vamos ao terraço, faremos que lhe tragam uma bandeja.  — Se a estou interrompendo…  — Absolutamente. — disse Lady St. Vincent brandamente — Vamos.  Amelia  foi com ela,  emocionada e ainda desconcertada pelas maneiras atentas  de Lady St. Vincent.  —Milady  —disse—,  obrigada  por  me  deixar  luzir  um  de  seus  vestidos.  O  devolverei o antes possível…  —Me  chame  de  Evie  —foi  sua  calorosa  resposta—.  Deve  conservar  o  vestido.  Fica  melhor  que  a  mim.  Esse  tom  particular  de  vermelho  não  combina  com  meu  cabelo.  —É  você  muito  amável  —lhe  disse  Amelia,  desejando  não  soar  tão  rígida,  desejando poder aceitar o presente sem sentir o peso da obrigação.  Mas  Evie  não  parecia  ter  notado  sua  estupidez,  só  lhe  agarrou  a  mão  e  a  pôs  sobre  o  braço  enquanto  caminhavam,  como  se  Amelia  precisasse  ser  levada  como  uma jovenzinha.  —Suas irmãs se sentirão aliviadas de ver‐te  levantada. Disseram‐me que  era  a  primeira  vez  que  elas  recordavam  que  tivesse  permanecido  na  cama  mais  do  habitual.  —Temo‐me que não dormi bem. Estava… preocupada. —A cor subiu às pálidas  bochechas da Amelia quando se recordou jazendo junto ao corpo do Cam, as roupas 

 

de ambos soltas, revelando lugares de nudez e calidez, enquanto  seus lábios e suas  mãos a exploravam delicadamente.  —Sim,  estou  segura  de  que…  —depois  de  uma  rápida  vacilação,  Evie  continuou  com  um  tom  confuso—.  Estou  segura  de  que  tem  muitas  coisas  que  considerar.  Seguindo  seu  olhar,  Amelia  se  deu  conta  de  que  Evie  observava  fixamente  a  mão que descansava sobre sua manga.  Tinha visto o anel.  Os dedos da Amelia se encresparam. Quando olhou aos curiosos olhos azuis da  condessa, sua mente ficou em branco.  —Está bem —disse Evie, atraindo novamente a mão da Amelia depois de que  ela se retirou, e pressionou outra vez de volta em seu braço. Sorriu—. Devemos falar,  Amelia. Já me pareceu que ele parecia algo estranho hoje. Agora entendo a razão.  Não havia nenhuma necessidade de clarificar quem era ʺeleʺ.  —Milady...  Evie...  não  há  nada  entre  o  senhor  Rohan  e  eu.  Nada.  —Suas  bochechas ardiam com agitada cor—. Não sei o que a fez pensar em mim.  Detiveram‐se  ante  as  portas  francesas  que  se  abriam  à  parte  posterior  do  terraço, e Amelia retirou a mão do braço de Evie. Atirando do anel, que permanecia  teimosamente sujeito a seu dedo, olhou ao Evie com desespero. Ante seu assombro,  esta  não  parecia  absolutamente  surpreendida  ou  crítica,  mas  sim  mais  bem  pormenorizada.  Havia  algo  em  sua  cara,  uma  espécie  de  tenra  gravidade,  que  fez  pensar a Amelia, não é estranho que Lorde St. Vincent esteja embevecido com ela.  —Acredito  que  é  uma  jovem  capaz  —disse  Evie—,  que  ama  a  seus  irmãos  e  suporta uma grande carrega de responsabilidade com respeito a eles. Acredito que é  uma carga pesada para que uma mulher a leve sozinha. E também acredito que tem o  dom de aceitar às pessoas como são. E Cam sabe quão estranho é isso.  Amelia se sentia ansiosa, como se tivesse perdido algo e precisasse recuperá‐lo  rapidamente.  —Eu... ainda está aqui? Deveria ter partido para Londres já. 

 

—Ainda está aqui, falando com meu marido e com Lorde Westcliff. Cavalgaram  até  o  Ramsay  House  cedo  esta  manhã  para  ver  o  que  ficava  dela,  e  fazer  algumas  primeiras valorações.  A Amelia não gostou de pensar neles visitando a propriedade sem consultá‐la a  ela ou a Leo. A situação estava sendo dirigida como se os Hathaways não fora mais  que um grupo de meninos indefesos. Quadrou os ombros.  —Muito amável por sua parte, mas eu posso me encarregar da situação agora.  Espero que parte do Ramsay House esteja ainda habitável, o qual significará que não  precisaremos abusar da hospitalidade de Lorde e Lady Westcliff muito mais tempo.  —OH, deve ficar —disse Evie rapidamente—. Lillian já há dito que serão bem‐ vindos  a  ficar  até  que  Ramsay  House  esteja  completamente  restaurada.  Esta  é  uma  casa tão grande, que nunca lhes entremeteriam na privacidade de ninguém. E Lillian  e Lorde Westcliff estarão fora ao menos uma quinzena. Partem ao Bristol amanhã...  junto com Lorde St.  Vincent  e eu mesma... a visitar a irmã menor de  Lillian,  Daisy,  que está esperando um filho. Assim terão a mansão para vós, mais ou menos.  —Teremos reduzido o lugar a um montão de escombros para quando voltarem.  Evie sorriu.  —Suspeito que sua família não é perigosa absolutamente.  —Não  conhece  os  Hathaways.  —Sentindo  a  necessidade  de  afirmar  seu  controle  sobre  a  situação,  Amelia  disse—.  Montarei  até  o  Ramsay  House  depois  de  tomar  um  pouco  de  café  da  manhã.  Se  as  habitações  de  acima  estão  em  condições,  minha família estará de volta em casa para o anoitecer.  —Crê que isso é o melhor para Winnifred? —perguntou gentilmente Evie—. Ou  para o senhor Merripen, ou Lorde Ramsay?  Amelia se ruborizou, consciente de que estava sendo irracional. Mas a sensação  de impotência, de ter sido despojada de toda autoridade, estava se elevando em uma  massa asfixiante.  —Talvez  deveria  falar  com  o  Cam  —disse  Evie—,  antes  de  tomar  qualquer  decisão. 

 

—Ele não tem nada que ver com minhas decisões.  Evie lhe lançou um olhar pensativo.  —Me perdoe. Não deveria fazer hipóteses. É só que o anel em seu dedo... Cam  o leva desde que tinha doze anos.  Amelia atirou violentamente do anel.  —Não sei por que me deu isso. Estou segura de que não significa nada.  —Eu  acredito  que  tem  um  grande  significado  —disse  Evie  brandamente—.  Cam foi um estranho toda sua vida. Inclusive quando vivia com os ROM. Acredito  que  sempre  esperou  secretamente  poder  encontrar  algum  dia  um  lugar  ao  que  pertencer. Mas até que te conheceu, não lhe ocorreu que poderia não ser um lugar o  que estava procurando, a não ser uma pessoa.  —Eu não sou essa pessoa —sussurrou Amelia—. Seriamente, não o sou.  Evie a avaliou com sua amável simpatia.  —É sua decisão, é obvio. Mas como alguém que conhece o Cam a muito tempo,  devo  te  dizer...  é  um  bom  homem,  de  absoluta  confiança.  —Empurrou  as  portas  francesas,  as  abrindo  para  a  Amelia—.  Suas  irmãs  estão  fora  —disse—.  Te  enviarei  uma bandeja.  Era  um  dia  úmido  e  estimulante,  o  ar  estava  saturado  de  uma  mescla  de  fragrâncias a palha, rosas e ervas outonais. O terraço posterior tinha vistas a acres de  jardins  meticulosamente  atendidos,  todos  conectados  por  caminhos  cobertos  de  cascalho. Havia mesas e cadeiras colocadas sobre o chão de lajes de pedra. Já que a  maior parte dos convidados de Lorde Westcliff tinham partido depois da conclusão  da última partida de caça, o terraço estava em sua maior parte desocupada.  Vendo o Win, Poppy e Beatrix à mesa, Amelia avançou para elas ansiosamente.  —Como está? —perguntou ao Win—. Dormiste bem? Tossiste?  —Estou  bastante  bem.  Estávamos  preocupadas  com  ti...  nunca  te  vi  dormir  tanto a menos que esteja doente. 

 

—OH, não, não estou doente, não poderia estar melhor. —Amelia lhe dedicou  um  radiante  sorriso.  Olhou  a  suas  outras  irmãs,  que  levavam  ambas  as  vestidos  novos,  Poppy  em  amarelo  e  Beatrix  em  verde—.  Beatrix...  está  encantadora.  Como  uma jovem dama.  Sorrindo, Beatrix se levantou e executou um lento giro para ela. O vestido verde  pálido,  com  seu  sutiã  intrincadamente  dobrado  e  adornado,  debruado  com  um  enfeite verde escuro, ia perfeitamente, a saia caía até o chão.  —Lady Westcliff me deu —disse—. Pertenceu isso a sua irmã menor, que já não  pode levá‐lo porque está em estado.  —OH,  B...  —Vendo  o  prazer  de  sua  irmã  com  seu  vestido  de  adulta,  Amelia  sentiu  uma  pontada  de  pesaroso  orgulho.  Beatrix  deveria  assistir  a  uma  escola  superior,  onde  aprenderia  francês  e  acertos  florescer,  e  todas  as  obrigações  sociais  das que o resto dos Hathaways careciam. Mas não havia dinheiro para isso... e a este  passo, nunca o haveria.  Sentiu  a  mão  de  Win  deslizar‐se  na  sua  e  lhe  deu  um  pequeno  apertão.  Baixando o olhar aos pormenorizados olhos  azuis  do Win,  suspirou.  Ficaram ainda  um momento com as mãos agarradas dando‐se apoio mútuo.  —Amelia —murmurou Win—, sente‐se a meu lado. Quero te perguntar algo.  Amelia  se  deixou  cair  na  cadeira,  o  qual  lhe  proporcionou  uma  perspectiva  vantajosa  dos  jardins.  Sentiu  uma  aguda  pontada  de  reconhecimento  no  peito  quando viu um trio de homens caminhando lentamente ao longo um sebe de disco, a  escura  e  grácil  figura  do  Cam  estava  entre  eles.  Como  seus  acompanhantes,  Cam  vestia  calça  de  montar  e  botas  altas  de  couro,  mas  em  vez  da  tradicional  casaca  de  montar  e  colete,  levava  uma  camisa  branca  com  um  colete,  um  colete  aberto  sem  pescoço de couro fino. A brisa jogava com as mechas negras de seu cabelo, elevando  os brilhantes cachos e deixando‐os posar‐se outra vez.  Enquanto  os  três  homens  caminhavam,  Cam  interagia  com  o  que  lhe  rodeava  de  uma  forma  que  os  outros  dois  não,  recolhendo  uma  folha  vagabunda  do  sebe,  arrastando  a  palma  da  mão  por  cima  da  erva  alta.  E  mesmo  assim  Amelia  estava  segura de que não  perdia uma palavra da conversação. 

 

Embora  era  impossível  que  nada  lhe  tivesse  alertado  da  presença  da  Amelia,  deteve‐se  e  olhou  sobre  o  ombro  em  sua  direção.  Inclusive  através  da  distância  de  vinte  metros,  o  cruzamento  de  seus  olhares  lhe  provocou  um  pequeno  sobressalto.  Cada cabelo de seu corpo se arrepiou.  —Amelia  —perguntou  Win—,  chegaste  a  algum  tipo  de  acordo  com  o  senhor  Rohan?  A boca da Amelia ficou seca. Enterrou a mão esquerda, a que tinha o anel, entre  as dobras de sua saia.  —É obvio que não. De onde tiraste essa ideia?  —Ele,  Lorde  Westcliff  e  Lorde  St.  Vincent  estiveram  falando  desde  que  retornaram  do  Ramsay  House  esta  manhã.  Não  pude  evitar  ouvir  retalhos  de  sua  conversação quando estavam no terraço. E as coisas que diziam... a forma em que o  senhor Rohan se expressava... soava como se estivesse falando por nós.  —O  que  quer  dizer  com  falando  por  nós?  —perguntou  Amelia  indignada—.  Ninguém fala pelos Hathaways exceto eu. Ou Leo.  —Parece  estar  tomando  decisões  sobre  o  que  deve  fazer‐se,  e  quando.  —Win  acrescentou com um sussurro morto de calor—. Como se fora o cabeça da família.  Amelia estava alagada de indignação.  —Mas não tinha nenhum direito... não sei por que pensaria... OH, Senhor.  Isto tinha que acabar já mesmo.  —Está  bem,  querida?  —perguntou  Win  preocupada—.  Está  pálida.  Aqui  tem,  toma um pouco de chá.  Consciente  de  que  suas  três  irmãs  a  olhavam  fixamente  com  os  olhos  como  pratos, Amelia tomou a taça de porcelana e a esvaziou em uns poucos goles.  —Quanto  tempo  vamos  ficar  aqui,  Amelia?  —perguntou  Beatrix—.  Isto  eu  gosto muito mais que nossa casa.  Antes de que Amelia pudesse responder, Poppy interrompeu.  —Onde conseguiste esse precioso anel? Posso vê‐lo? 

 

Amelia se levantou bruscamente.  —Me perdoem... tenho que falar com alguém. —Cruzou a pernadas o terraço e  se apressou a baixar os curvados degraus até o passeio do jardim.  Quando  se  aproximava  dos  três  homens,  que  tinham  feito  uma  pausa  junto  a  uma  urna  de  pedra  cheia  de  dálias,  Amelia  ouviu  uns  poucos  retalhos  de  conversação,  tais  como  ʺ...estender  os  alicerces  existentes...ʺ  e  ʺ...o  remanescente  de  pedra escavada do Jennerʹs e o transportarei até aqui...ʺ  Certamente  não  estarão  falando  do  Ramsay  House,  pensou  com  crescente  alarme.  Não  deviam  ser  conscientes  de  quão  miserável  era  a  renda  anual  dos  Hathaways.  Sua  família  não  podia  confrontar  os  materiais  e  o  trabalho  de  reconstrução.  Ao ser conscientes de sua presença, os três homens se giraram. Lorde Westcliff  luzia uma expressão amável e preocupada, onde Lorde St. Vincent parecia simpático  mas  distante.  A  cara  do  Cam  era  ilegível,  seu  olhar  a  percorreu  com  uma  rápida  e  conscienciosa passada.  Amelia assentiu com a cabeça como saudação.  —Bom  dia,  cavalheiros.  —fortaleceu‐se  a  si  mesmo  para  não  sobressaltar‐se  enquanto elevava o olhar até a cara escura do Cam—. Senhor Rohan, acreditava que  se teria partido já.  —Partirei por volta de Londres logo.  Bem,  pensou  ela.  Isso  era  o  melhor.  Mas  seu  coração  palpitou  com  um  batimento do coração extra doloroso.  —E  voltarei  em  uma  semana  —a  surpreendeu  Cam  acrescentando  tranquilamente— junto com um engenheiro e um professor de obras para avaliar as  condições do Ramsay House.  Amelia estava sacudindo a cabeça antes inclusive de que ele tivesse terminado.  —Senhor Rohan, não desejo parecer ingrata, mas isso não será necessário. Meu  irmão e eu decidiremos o melhor proceder. 

 

—Seu  irmão  não  está  em  condições  de  decidir  nada  —interrompeu  Lorde  Westcliff—.  Senhorita  Hathaway,  são  vocês  bem‐vindos  a  permanecer  no  Stony  Cross Manor indefinidamente.  —É você muito generoso, milord. Mas já que Ramsay House está ainda em pé,  viveremos ali.  —Logo que era adequada antes do incêndio —disse Cam—. Tal e como estão as  coisas agora, eu não deixaria que um cão entrasse ali. A maior parte do lugar terá que  ser destruído até os alicerces.  Amelia franziu o cenho.  —Então nos mudaremos à casa do guarda na estrada de acesso.  —Esse lugar é muito pequeno para todos vós. E está em más condições.  —Isso não é de sua incumbência, senhor Rohan.  Cam lhe lançou um longo e atento olhar. Havia algo novo ali, compreendeu ela.  Algo que fez que suas vísceras se esticassem de apreensão e confusão.  —Temos que falar em privado —disse ele.  —Não, não temos. —Todos seus nervos chiaram com alarme quando viu quão  olhadas os três homens intercambiavam.  —Com sua permissão —murmurou Lorde Westcliff—, nos retiramos.  —Não  —disse  Amelia  velozmente—,  não  têm  que  partir,  seriamente,  não  há  nenhuma necessidade... —Sua voz decaiu quando ficou claro que não se requeria sua  permissão.  Seguindo  ao  Westcliff,  Lorde  St.  Vincent  se  deteve  justo  o  necessário  para  murmurar a Amelia:  —Embora a maioria dos conselhos devessem ser questionados, particularmente  quando  provêm  de  alguém  como  eu...  mantenha  a  mente  aberta,  senhorita  Hathaway.  A  gente  nunca  deveria  morder  a  mão  de  um  marido  rico.  —Lhe  piscou  um  olho  e  partiu,  atravessando  o  terraço  junto  com  o  Westcliff.  Atônita,  Amelia  só  pôde formular uma palavra. 

 

—Marido?  —Disse‐lhes  que  estávamos  prometidos.  —Cam  lhe  agarrou  o  braço  com  um  apertão tenro mas inflexível e a guiou até o outro lado do disco, onde não podiam ser  observados da casa.  —Por quê?  —Porque o estamos.  —O que?  Detiveram‐se  o  casaco  da  sebe.  Consternada,  Amelia  levantou  o  olhar  a  seus  quentes olhos avelã.  —Está louco?  Tomando sua mão, Cam a elevou até que o anel brilhou à luz do sol.  —Leva  meu  anel.  Deitou‐te  comigo.  Fez  promessas.  Muitos  ROM  diriam  que  isso  constitui  um  matrimônio  em  toda  a  extensão  da  palavra.  Mas  só  para  nos  assegurar de que seja legal, faremo‐lo também ao modo dos gadjos.  —Não  faremos  tal  coisa!  —Amelia  arrebatou  sua  mão  da  dele  e  retrocedeu—.  Só levo este anel porque não posso me tirar a maldita coisa. E o que quer dizer com  que  fiz  promessas?  Essas  palavras  romany  que  me  pediu  que  repetisse  eram  uma  espécie de voto? Enganou‐me! Não queria dizer o que pinjente.  —Mas te deitou comigo.  Ruborizou‐se  de  vergonha  e  ultraje,  e  se  passou  uma  manga  pela  frente  suarenta. Girando‐se e afastando‐se dele, avançou a grandes passos ao longo de um  caminho de cascalho que conduzia profundamente ao interior do jardim.  —Isso não significou nada tampouco —disse sobre seu ombro.  Lhe manteve o passo facilmente.  —Significou algo para mim. O ato sexual é sagrado para um Roma.  Ela soltou um bufo. 

 

—E  o  que  tem  que  todas  as  damas  às  que  seduziu  em  Londres?  Também  foi  sagrado quando te deitou com elas?  —Durante  um  tempo  caí  nos  impuros  costumes  dos  gadjos  —disse  ele  inocentemente—. Agora me reformei.  Amelia lhe lançou um olhar de canto.  —Você  não  deseja  isto.  Não  me  deseja.  Uma  noite  não  pode  trocar  o  curso  inteiro da vida de alguém.  —É obvio que pode. —Estendeu a mão para ela, e Amelia se afastou, passando  junto à fonte de uma sereia rodeada por bancos de pedra. Cam a agarrou por detrás e  atirou dela contra si.  —Deixa  de  fugir  de  mim  e  escuta.  Desejo‐te.  Desejo‐te  inclusive  sabendo  que  me  casando  contigo  consigo  uma  família  instantânea,  com  um  cunhado  suicida  e  tudo, e um criado cigano com o temperamento de um urso raivoso.  —Merripen não é um criado.  —Chame como quiser. Ele vem com os Hathaways. Aceito‐o.  —Eles não aceitarão a ti —disse ela desesperadamente—. Não há lugar para ti  em nossa família.  —Sim, há. Justo a seu lado.  Respirando  com  dificuldade,  Amelia  sentiu  a  mão  dele  vagar  sobre  a  parte  dianteira de seu corpo. Embora seus peitos estavam constrangidos por um espartilho  acolchoado, a pressão da mão sobre seu sutiã lhe provocou um estremecimento.  —Seria  desastroso.  —O  calor  subiu  por  seus  peitos,  garganta  e  cara—.  Lhe  resentirías comigo por te tirar sua liberdade... e eu contigo por me privar da minha.  Não posso prometer que te obedecerei, ou que aceitarei suas decisões e nunca mais  expressarei minhas próprias opiniões.  —Não tem porque ser assim.  —OH? Jurará que alguma vez me ordenará fazer nada contra minha vontade? 

 

Cam  a  girou  para  que  lhe  enfrentasse,  seus  dedos  gentis  sobre  a  ardente  superfície da bochecha. Considerou a pergunta cuidadosamente.  —Não  —disse  finalmente—.  Não  poderia  jurar  isso.  Não  se  acreditasse  que  é  por seu próprio bem.  Por isso Amelia concernia, isso terminava com o debate.  —Sempre  fui  eu  a  que  decidiu  o  que  é  por  meu  próprio  bem.  Não  te  cederei  esse direito nem a ti, nem a ninguém.  Cam  lhe  acariciou  ligeiramente  o  lóbulo  da  orelha,  riscando  o  flanco  de  sua  garganta.  —Antes que tome uma decisão definitiva, há coisas que deveria considerar. Há  outras  coisas  além  de  nós  dois  no  pelourinho.  —Quando  Amelia  tentou  afastar‐se  dele, aferrou‐a pelos quadris e a obrigou a ficar—. Sua família tem problemas, meu  amor.  —Isso não é nada novo para nós. Sempre temos problemas.  Cam lhe concedeu o ponto.  —Ainda assim, as coisas vão se pôr tão mal que estará melhor inclusive sendo a  esposa de um Roma... que tentando te ocupar de tudo por ti mesma.  Amelia desejou lhe fazer entender que suas objeções não tinham nada que ver  com sua herança cigana.  Mas ele estava falando de novo, com a cara perto da sua.  —Case comigo, e eu restaurarei Ramsay House. Converterei‐o em um palácio.  Consideraremo‐lo parte de seu preço de noiva.  —Meu o que?  —Uma tradição romany. O noivo paga uma soma à família da noiva antes das  bodas. O qual significa que também saldarei as contas de Leo em Londres...  —Ainda te deve dinheiro?  —A mim não. A outros credores... 

 

—OH, não —disse Amelia, seu estômago deu um tombo.  —Eu  me  ocuparei  de  ti  e  de  sua  família  —continuou  Cam  com  implacável  paciência—. Roupa, jóias, cavalos, livros... uma escola para Beatrix... uma temporada  em Londres para Poppy. Os melhores médicos para Winnifred. Poderá ir a qualquer  clínica do mundo. —Uma pausa calculada—. Você gostaria de voltar a vê‐la bem?  —Isso não é justo —sussurrou ela.  —Em  troca,  tudo  o  que  terá  que  fazer  é  me  dar  o  que  eu  quero.  —Sua  mão  subiu do punho, deslizando‐se pela linha do braço. Um prazer delicado que correu  sob as capas de seda e lã. Amelia lutou por normalizar sua voz.  —Sentiria‐me como se estivesse fazendo um pacto com o diabo.  —Não, Amelia. —Sua voz era escuro veludo—. Só comigo.  —Nem sequer estou segura do que é o que quer.  A cabeça do Cam desceu para a sua.  —Depois da noite passada, encontro difícil acreditar isso.  —Poderia  conseguir  a  incontáveis  mulheres.  Muito  mais  trocas,  devo  acrescentar, e com muitos menos problemas.  —Desejo  a  ti.  Só  a  ti.  —Uma  breve  e  em  certo  modo  incômoda  pausa.  A  boca  dele se retorceu—. As demais mulheres com as que estive... fui uma novidade para  elas.  Alguém  diferente  a  seus  maridos.  Desejavam  minha  companhia  de  noite,  mas  não  durante  o  dia.  Nunca  fui  seu  igual.  E  nunca  fiquei  satisfeito  de  estar  com  elas.  Contigo, é diferente.  Amelia fechou os olhos quando sentiu a ardente carícia da boca dele contra sua  frente.  —Foi muito malvado por sua parte dormir com mulheres casadas —disse com  dificuldade—. Talvez se tivesse provado a cortejar a uma respeitável...  —Vivo  em  um  clube  de  apostas.  —Uma  sutil  diversão  moderava  sua  voz—.  conheci  a  muito  poucas  mulheres  respeitáveis...  excluindo  a  presente  companhia...  nunca me levei bem com elas. 

 

—Por que não?  A boca dele vagou gentilmente com o passar do flanco de sua cara.  —Ao parecer as ponho nervosas.  Amelia saltou ante o toque da língua em seu lóbulo.  —Não posso imaginar por que.  Brincou com sua orelha, capturando o contorno delicadamente entre os dentes.  —Admito  que  não  será  fácil  estar  casada  com  um  homem  romany.  Somos  possessivos.  Ciumentos.  Preferimos  que  nossas  algemas  nunca  toquem  a  outro  homem. Não terá direito a te negar a mim em nossa cama. —Seus lábios cobriram os  dela em um beijo abrasador, sua língua explorando profundamente—. Mas bom, não  desejará fazê‐lo. —Outro comprido e preguiçoso beijo, e depois Cam disse contra sua  boca—. Terá o aspecto de uma mulher bem amada, monisha.  Amelia se viu obrigada a abraçar‐se a ele em busca de equilíbrio.  —Deixará‐me, cedo ou tarde.  —Juro‐te que não o farei. Finalmente encontrei meu atchentan.  —Seu o que?  —Meu lugar definitivo.  —Não sabia que os romas tivessem lugares definitivos.  —Não  os  têm  absolutamente,  eu  sou  um  dos  poucos  que  sim.  —Sacudindo  a  cabeça,  Cam  acrescentou  com  tom  descontente—.  Minhas  costas  estão  machucadas  de dormir no chão toda a noite. Minha metade gadjo finalmente sai a reluzir.  Amelia  agachou  a  cabeça  e  pressionou  um  sorriso  tremente  contra  a  fresca  suavidade do colete de couro.  —Isto é uma loucura —resmungou.  Cam a abraçou mais firmemente. 

 

—Case  comigo,  Amelia.  Você  é  o  que  desejo.  É  meu  destino.  —Deslizou  uma  mão até a parte de atrás de sua cabeça, aferrando as tranças e cintas para lhe manter  a  boca  inclinada  para  cima—.  Dava  sim.  —Mordiscou‐lhe  os  lábios,  lambendo‐os,  abrindo‐os.  Beijou‐a  até  que  ela  se  contorcionou  entre  seus  braços,  com  o  pulso  galopando—.  Diga‐o,  Amelia,  e  me  salve  de  ter  que  passar  uma  noite  com  outra  mulher. Dormirei a coberto. Cortarei‐me o cabelo. Que Deus me ajude, acredito que  inclusive levarei um relógio de bolso se isso te agradar.  Amelia se sentia enjoada, incapaz de pensar. Apoiou‐se indefesa contra o duro  suporte  do  corpo  dele.  Ele  o  era  tudo,  cada  respiração,  pulsado,  piscada,  tremor.  Ouviu‐lhe pronunciar seu nome, sua voz parecia chegar de uma grande distancia.  —Amelia...  —Cam  a  sacudiu  um  pouco,  perguntando  algo,  repetindo  as  palavras  até  que  compreendeu  que  queria  saber  quando  tinha  comido  por  última  vez.  —Ontem  —as  arrumou  para  responder.  Cam  não  parecia  tão  pormenorizado  como molesto.  —Não  me  surpreende  que  esteja  a  ponto  de  te  deprimir.  Não  comeste  nada  e  logo que dormiste. Como vais ser útil a ninguém quando não lhe pode arrumar isso  para te ocupar de suas próprias necessidades básicas?  Ela  teria  protestado,  mas  não  lhe  deu  oportunidade  de  explicar  nada.  Colocando‐lhe  um  braço  duro  ao  redor  das  costas,  levou‐a  de  volta  à  casa,  oferecendo cáusticos conselhos durante todo o caminho. Amelia pareceu ter esgotado  toda sua força com a ascensão pela escada de atrás.  Para quando alcançaram o alto da escada, Lillian, Lady Westcliff, estava ali, seu  olhar sombrio percorrendo a Amelia com preocupação.  —Tem aspecto de estar a ponto de vomitar seus pastéis redondos —disse sem  preâmbulos—. O que ocorre?  —Declarei‐me  —disse  Cam  concisamente.  As  sobrancelhas  do  Lillian  se  elevaram.  —Estou bem —lhe disse Amelia—. Só um pouco faminta.  Lillian os acompanhou quando Cam levou a Amelia à mesa de suas irmãs. 

 

—Aceitou? —perguntou ao Cam.  —Ainda não.  —Bom,  não  me  surpreende.  É  impossível  que  uma  mulher  considere  uma  proposição  matrimonial  com  o  estômago  vazio.  —Lillian  estudou  a  Amelia  com  preocupação—.  Está  muito  pálida,  querida.  Quer  que  te  leve  dentro  a  te  jogar  em  alguma parte?  Amelia sacudiu a cabeça.  —Obrigada, não. Lamento estar montando uma cena.  —OH,  não  está  montando  nenhuma  cena  —disse  Lillian—.  Acredite‐me,  isto  não  é  nada  comparado  com  o  que  normalmente  ocorre  por  aqui.  —Sorriu  tranquilizadoramente—. Se houver algo que necessite, Amelia, só tem que perguntar.  Cam conduziu a Amelia até suas irmãs. Ela se deixou cair agradecidamente em  uma cadeira, diante de um prato repleto de fatias de presunto, frango, saladas várias,  e um prato de pão. Para seu assombro, Cam tomou a cadeira que estava a seu lado,  cortou uma parte de algo sobre o prato, e o atravessou com um garfo.  Sustentou o bocado contra os lábios da Amelia.  —Começa com isto.  Ela franziu o cenho.  —Sou perfeitamente capaz de me alimentar por... — O garfo foi empurrado ao  interior  de  sua  boca.  Amelia  continuou  lhe  fulminando  com  o  olhar  enquanto  mastigava. Quando tragou, só pôde articular umas poucas palavras—. Dê‐me isso...  —antes de que lhe colocasse outro bocado dentro.  —Se  for  cuidar  tão  penosamente  de  ti  mesma  —a  informou  Cam—,  algum  outro terá que ocupar‐se da tarefa.  Amelia agarrou uma parte de pão e o mordeu com vontades. Embora desejava  lhe dizer que era culpa dele que tivesse dormido tanto e haver‐se portanto perdido o  café  da  manhã,  não  podia  dizer  nenhuma  palavra  com  suas  irmãs  presentes.  Enquanto  comia  notou  que  a  cor  voltava  para  suas  bochechas.  Era  consciente  da  conversação que estava tendo lugar a seu redor, as jovens irmãs Hathaway estavam 

 

perguntando ao Cam sobre o estado do Ramsay House, e o que ficava dela. Um coro  de gemidos saudou a revelação de que a habitação das abelhas tinha ficado intacta, e  o enxame estava ainda vivinho e abanando o rabo.  —Suponho  que  nunca  nos  liberaremos  dessas  malditas  abelhas  —exclamou  Beatrix.  —Faremo‐lo  —disse  Cam.  Sua  mão  baixou  até  o  braço  da  Amelia,  que  descansava sobre a mesa. Seu polegar encontrou as delicadas veias azuis do interior  do pulso e o acariciou —. Me ocuparei de que cada uma delas seja erradicada.  Amelia não lhe olhou. Agarrou uma taça de chá com a mão livre e tomou um  cuidadoso sorvo.  —Senhor Rohan —ouviu perguntar ao Beatrix—, vai se casar com minha irmã?  Amelia  se  engasgou  com  seu  chá  e  baixou  a  taça.  Cuspiu  e  tossiu  em  seu  guardanapo.  —Cala, Beatrix —murmurou Win.  —Mas ela leva seu anel...  Poppy colocou sua mão sobre a boca do Beatrix.  —Cala!  —Pode  ser  —replicou  Cam.  Seus  olhos  faiscavam  com  malícia  enquanto  continuava—.  Encontro  a  sua  irmã  bastante  falta  de  senso  de  humor.  E  não  parece  particularmente obediente. Por outro lado...  Uma das portas francesas se abriu de repente, acompanhada pelo som de cristal  quebrado.  Todo  mundo  no  terraço  posterior  levantou  o  olhar  sobressaltado,  os  homens levantando‐se de suas cadeiras.  —Não —chegou o suave grito de Win.  Merripen  estava  ali  de  pé,  havendo‐se  miserável  fora  de  seu  leito  de  doente.  Estava  enfaixado  e  desarrumado,  mas  parecia  longe  de  sentir‐se  indefeso.  Tinha  o  aspecto  de  um  touro  enfurecido,  com  a  escura  cabeça  baixa,  as  mãos  apertadas  em 

 

enormes  punhos.  E  seu  olhar,  que  prometia  morte,  estava  firmemente  estado  no  Cam.  Resultava inconfundível a sede de sangue de um Roma cuja parente tinha sido  desonrada.  —OH, Deus —resmungou Amelia.  Cam, que estava de pé junto a sua cadeira, olhou‐a interrogativamente.  —Há‐lhe dito algo?  Amelia  ficou  vermelha  ao  recordar  sua  camisola  manchada  de  sangue  e  a  expressão da donzela.  —Devem ter sido rumores de serventes.  Cam olhou ao raivoso gigante com resignação.  —Deve  estar  de  sorte  —disse  a  Amelia—.  Parece  que  nosso  compromisso  vai  terminar prematuramente.  Ela fez intento de ficar de pé a seu lado, mas ele a pressionou de volta à cadeira.  —Fique fora disto. Não quero que resulte ferida na refrega.  —Ele não me faria mal —disse Amelia cortante—. É a ti ao que quer matar.  Sustentando o olhar do Merripen, Cam se afastou lentamente da mesa.  —Há  algo  que  queira  discutir,  xale?  —perguntou  com  admirável  equanimidade.  Merripen  replicou  no  Romany.  Embora  ninguém  salvo  Cam  entendeu  o  que  dizia, ficou claro que não era nada alentador.  —Vou casar me com ela —disse Cam, como se isso pudesse lhe pacificar.  —Isso  o  faz  ainda  pior!  —Merripen  avançou,  com  o  assassinato  refletido  em  seus olhos. 

 

Lorde St. Vincent intercedeu velozmente, detendo‐se entre o casal. Como Cam,  tinha tido sua própria ração de punhos no clube de apostas. Elevou as mãos em gesto  tranqüilizador e falou brandamente.  —Tranquilo,  tipo  duro.  Estou  seguro  de  que  poderemos  encontrar  uma  forma  de resolver nossas diferenças de modo razoável.  —Sai  de  meu  caminho  —grunhiu  Merripen,  pondo  fim  à  opção  do  debate  civilizado.  A expressão simpática do St. Vincent não se viu alterada.  —Tem razão. Não há nada mais fastidioso que ser razoável. Eu mesmo o evito  sempre  que  é  possível.  Mesmo  assim,  temo‐me  que  não  podem  brigar  quando  há  senhoras presentes. Poderia lhes dar ideias.  O  negro  cenho  do  Merripen  se  transladou  até  as  irmãs  Hathaway,  atrasando  um  segundo  extra  na  cara  pálida  e  delicada  de  Win.  Deu  uma  ínfima  sacudida  de  cabeça, silenciosamente disposto a ser aplacado. A reconsiderá‐lo.  —Merripen... —começou Amelia asperamente. A cena era mortificante. Mas ao  mesmo tempo a comovia que Merripen se mostrasse tão protetor com sua honra.  Cam a silenciou com um toque no ombro. Dirigiu um frio olhar ao Merripen e  disse:  —Não diante dos gadjos. —Assinalando com a cabeça em direção aos jardins de  atrás e se dirigiu à escada de pedra.  Depois de uma ameaçadora vacilação, Merripen lhe seguiu.             

 

                    Capítulo 17    Quando os dois homens estiveram fora de sua vista, lorde Westcliff disse ao St.  Vincent:  —Possivelmente deveríamos vigiá‐los para impedir que se matem.  St.  Vincent  negou  com  a  cabeça,  enquanto  se  relaxava  na  cadeira.  Alcançou  a  mão de Evie e começou a jogar com seus dedos.  —Me  acredite,  Rohan  tem  a  situação  controlada.  Seu  oponente  pode  que  seja  um  pouco  maior,  mas  Rohan  tem  a  considerável  vantagem  de  ter  crescido  em  Londres, onde interactuou com criminais e renomadas bestas violentas —sorrindo a  sua esposa, adicionou— E esses eram sozinho nossos empregados.  Amelia  não  sentia  medo  pelo  Cam.  A  luta  entre  os  dois  homens  poderia  comparar‐se a empunhar um pau contra um estoque… o estoque, com sua elegância  e destreza superior, ganharia. Mas semelhante resultado entranharia outros perigos.  Com  a  possível  exceção  de  Leo,  os  Hathaway  estavam  intensamente  apegados  ao  Merripen. As garotas não perdoariam facilmente a alguém que lhe fizesse mal. Sobre  tudo Win. 

 

Olhando  fixamente  a  sua  irmã,  Amelia  começou  a  lhe  dizer  algo  consolador,  mas  compreendeu  pela  expressão  de  Win,  que  esta  não  tinha  medo  nem  sentia  impotência.  Win estava furiosa.  —Merripen está ferido —disse Win—. Deveria estar descansando, não correndo  atrás do senhor Rohan.  —Não  é  culpa  minha  que  se  levantou  de  seu  leito  de  doente!  —protestou  Amelia com um sussurro de indignação.  Os olhos azuis de Win se entrecerraram.  —Fez algo para esquentar os ânimos de todos. E é bastante óbvio que seja o que  seja o que tenha feito, o senhor Rohan esteve envolto nisso.  Poppy, que estava escutando ansiosamente, não pôde evitar misturar‐se:  —Intimamente envolto.  As duas irmãs maiores a olharam fixamente e disseram ao uníssono:  —Te cale, Poppy.  Poppy franziu o cenho.  —Estive esperando toda minha vida a que Amelia se desvie do caminho reto e  estreito. Agora que aconteceu vou desfrutar.  —Eu também o desfrutaria —disse Beatrix melancolicamente—, se soubesse do  que estamos falando.      Cam  liderou  o  caminho  com  o  passar  do  sebe,  dirigindo‐se  para  o  exterior  do  imóvel  até  que  alcançaram um  caminho que conduzia para o bosque. Detiveram‐se  um  lado  do  maciço  de  ervas  de  San  Juan,  suas  flores  douradas  estavam  completamente  abertas,  e  os  juncos  lhes  cravavam  com  os  espinhos  entalhados  de  suas folhas. Enganosamente depravado, Cam cruzou os braços despreocupadamente 

 

sobre  o  peito.  Estava  perplexo  pela  atitude  do  enorme  e  colérico  xale:  um  romaní  com  ares  de  solitário.  O  misterioso  Merripen  não  tinha  filiação  com  nenhuma  tribo  cigana,  em  seu  lugar,  tinha  escolhido  converter‐se  no  cão  guardião  de  uma  família  gadje. Por quê? O que lhes devia?  Possivelmente Merripen era um mahrime:  término usado pelos  romaníes  para  designar  a  uma  pessoa  indigna  de  confiança.  Nesse  caso,  Cam  se  perguntou  o  que  Merripen fazia para merecer tal status.  —Aproveitaste‐te da Amelia —disse Merripen.  —Isso não te incumbe —disse Cam em romaní—, mas como o averiguaste?  As enormes mãos do Merripen se curvaram como se desejasse fazê‐lo pedaços.  O mesmo demônio não poderia ter os olhos mais negros nem mais ardentes.  —Fala em inglês —disse severamente—. Eu não gosto do antigo idioma.  Franzindo o cenho com curiosidade, Cam lhe obedeceu rapidamente.  —As  faxineiras  falam  disso  —lhe  respondeu  Merripen—.  As  ouvi  quando  estavam detrás de minha porta. Desonraste a um membro de minha família.  —Sei —disse Cam quedamente.  —Não é o suficientemente bom para ela.  —Também  isso  sei  —olhando‐o  com  intensidade,  Cam  perguntou  —  A  quer  para ti, xale?  Merripen pareceu mortalmente ofendido.  —É como uma irmã para mim.  —Isso está bem. Porque quero que seja minha esposa. E pelo que posso ver — fez  um  gesto  amplo  com  as  mãos—,  não  há  exatamente  penetra  para  ajudar  aos  Hathaway. Assim que talvez possa ajudar à família.  —Não necessitam seu dinheiro. Ramsay tem uma atribuição anual.  —Ramsay morrerá muito em breve. Ambos sabemos. E depois de que estire a  pata,  o  titulo  irá  parar  ao  seguinte  pobre  bastardo  na  linha  de  sucessão,  e  então 

 

haverá quatro irmãs Hathaway solteiras, com poucas habilidades práticas. O que crê  que será delas? E o que tem que a inválida? Precisará cuidados médicos…  —Não  é  nenhuma  inválida!  —Merripen  adotou  uma  pose  inexpressiva,  mas  não  antes  de  que  Cam  visse  uma  labareda  de  extraordinária  emoção,  algo  feroz  e  atormentado.  Ao  parecer,  pensou  Cam,  não  todas  as  Hathaway  eram  como  irmãs  para  o  Merripen.  Possivelmente  essa  fora  a  chave  para  manipulá‐lo.  Talvez  Merripen  albergava  uma  paixão  secreta  por  uma  mulher  que  era  muito  inocente  para  compreendê‐lo e muito frágil para casar‐se.  —Merripen  —disse  Cam  devagar—,  vais  ter  que  encontrar  a  maneira  de  me  tolerar. Porque há coisas que posso fazer pela Amelia e as demais, que você não pode  —continuou  com  seu  tom  cometido  apesar  de  que  o  olhar  na  cara  do  Merripen  poderia  ter  apavorado  a  um  homem  normal—  Não  tenho  paciência  para  estar  brigando  contigo  continuamente.  Se  desejas  o  melhor  para  elas,  então  te  afaste  ou  aceita‐o. Eu não vou partir a nenhuma parte.  Enquanto  o  enorme  xale  o  olhava  fixamente,  Cam  podia  quase  perceber  a  progressão  de  seus  pensamentos,  como  sopesava  suas  opções,  o  desejo  violento  de  rasgar a seu inimigo, tudo eclipsado pelo impulso e a necessidade de fazer o correto  para sua família.  —Além  disso  —disse  Cam—  se  Amelia  não  se  casar  comigo,  o  gadjo  a  perseguirá. E sabe que comigo estará melhor.  Merripen estreitou os olhos.  —Frost  lhe  rompeu  o  coração.  Você  tomou  sua  inocência.  Por  que  te  faz  isso  muito melhor?  —Porque  não  vou  abandona‐la.  A  diferença  dos  gadjos,  os  ROM  são  fiéis  a  nossas  mulheres.  —Fez  uma  pausa  e  contou  cinco  segundos  antes  de  adicionar  deliberadamente—. Provavelmente sabe isso melhor que eu.  Merripen fixou seu furioso olhar em um ponto na distância.  —Se lhe fizer mal de algum modo… —disse finalmente— Te matarei. 

 

—Não será necessário.  —Entretanto te matarei.  Cam sorriu ligeiramente.  —Surpreenderia‐te saber quanta gente me hão dito isso antes.  —Não —disse Merripen—. Não me surpreenderia.      Amelia  se deteve  nervosamente ante  a  porta  do Cam.  Ouviam‐se movimentos  dentro, gavetas que se abriam e se fechavam, objetos sendo movidos. Compreendeu  que certamente se estava preparando para partir para Londres.  Os  residentes  e  convidados  do  Stony  Cross  Manor  se  afastaram  a  terraço  posterior  quando  Cam  e  Merripen  haviam  tornado.  Amelia  tinha  visto  o  Merripen  retornar  a  seu  quarto,  aprofundando  seu  cenho  feroz  enquanto  a  olhava  fixamente.  Tinha aberto a boca para lhe perguntar algo, para desculpar‐se, não estava segura do  que, mas ele a cortou:  —É sua eleição —murmurou—. E nos afeta a todos nós. Não se esqueça disso.  Fechou‐lhe a porta na cara antes de que pudesse lhe dizer nenhuma palavra.  Olhando acima e abaixo pelo corredor, Amelia se assegurou de não estar sendo  observada antes de golpear brandamente a porta e entrar na habitação.  Cam empurrava uma pilha de roupa pulcramente pregada a um pequeno baú  para cavalheiro colocado ao pé da cama. Levantou o olhar para ela, com uma cortina  de seda negra deslizando‐se sobre seus olhos. Era tão vibrante, tão escuro e formoso,  sua pele era de uma cor rosa pau brilhante.  A voz da Amelia saiu tremente enquanto sua garganta se constrangia.  —Temi que Merripen te fizesse pedaços.  Apartando‐se da cama, e indo para ela, Cam lhe sorriu:  —Ainda estou inteiro. 

 

Quando  Amelia  olhou  os  magros  e  fascinantes  contornos  de  seu  corpo,  sentiu  como sua temperatura se elevava. Girou‐se e falou rapidamente.  —Considerei tudo o que me disse antes. Tomei uma decisão. Mas primeiro eu  gostaria de te explicar que não tem nada que ver com suas qualidades pessoais que  são bastante consideráveis. Simplesmente é que…  —Minhas qualidades pessoais?  —Sim. Sua inteligência. Seu atrativo.  —OH.  Perguntando‐se  por  que  razão  sua  voz  soava  tão  estranha,  Amelia  lhe  lançou  um  olhar  inquisitivo.  Seus  olhos  ambarinos  brilhavam  de  risada.  Havia  dito  um  pouco divertido?  —Está me emprestando atenção?  —Me  acredite,  quando  se  discutem  minhas  qualidades  pessoais,  sempre  disposto atenção. Continua.  Ela franziu o cenho.  —Senhor Rohan embora haja considerado sua oferta como uma grande honra, e  devido a que as circunstâncias presentes são…  —Vamos  ao  grão  Amelia  —Posou  as  mãos  sobre  seus  ombros—.  vais  casar  te  comigo?  —Não  posso  —disse  fracamente—.  Simplesmente  não  posso.  Não  somos  compatíveis. Resulta óbvio que não temos nada em comum. É impetuoso. Você toma  decisões que afetam a toda sua vida em um abrir e fechar de olhos. Enquanto que eu,  escolho um caminho e nunca me separo dele.  —Ontem  à  noite  te  apartou.  E  olhe  quão  bem  saiu  —sorriu  abertamente  ante  sua expressão—.  Não sou impetuoso, amor.  Simplesmente sei  quando algo  é muito  importante para decidi‐lo com lógica.  —E o matrimônio é uma dessas coisas? 

 

—É obvio —lhe pôs uma mão no peito, sobre o batimento do coração selvagem  de seu coração—. Tem que decidi‐lo aqui.  Amelia sentia como o peito lhe encolhia sob o calor de sua mão.  —Só te conheço de uns poucos dias. Ainda somos estranhos. Não posso confiar  o futuro de toda minha família a um homem ao que nem sequer conheço.  —Um casal pode estar casado cinquenta anos sem chegar a conhecer‐se nunca.  Além disso, já sabe as coisas mais importantes de mim.  Amelia  ouviu  um  fastidioso  tamborilo,  e  ao  princípio  pensou  que  era  o  selvagem  batimento  do  coração  de  seu  coração.  Mas  quando  a  perna  do  Cam  se  enterrou  brandamente  contra  as  dobras  de  seu  vestido  emprestado  e  tocou  a  sua,  compreendeu que estava golpeando o chão com o pé outra vez. Com um pouco de  esforço, ficou imóvel.  Deslizando um braço ao redor dela, Cam tomou sua mão esquerda e a levou a  boca. Seus lábios  acariciaram  a mancha vermelha e ardente de seu nódulo, onde  se  tinha feito mal ao tentar tirar o anel.  —Está entupido —resmungou ela—. É muito pequeno.  —Não é muito pequeno. Só relaxa a mão e cairá.  —Minha mão está relaxada  —Gadjis —disse—. Todas são tão rígidas como a madeira de amaranto. Devem  ser  seus  espartilhos  —inclinou  a  cabeça,  sua  boca  encontrou  a  dela.  Explorou‐a  devagar, incitando‐a a abrir‐se a ele, caçando a tímida ponta de sua língua. Quase se  deprime  quando  se  precaveu  de  que  lhe  estava  desabotoando  a  parte  traseira  do  vestido. O sutiã se soltou, escorregando‐se por seus encerrados peitos.  —Cam… não.  —Shhh… —a rajada quente e excitante de sua respiração lhe encheu a boca—.  Estou te ajudando a te tirar o anel. É o que quer não é assim?  —Me tirar este anel não tem nada que ver atirando de meu espartilho, OH não.  —A  malha  de  seu  espartilho  se  abriu  expondo  um  luxurioso  desdobramento  de  carne—. Isto não está ajudando. 

 

Tentou colocar‐se novamente a roupa que lhe tinha tirado, com a estupidez de  alguém que estivesse trocando‐se sob a água.  —Me está ajudando muito.  A  mão  do  Cam  se  deslizou  para  a  parte  traseira  dos  calções  femininos.  Ela  se  retorceu  com  vergonhosa  modéstia,  mas  suas  roupas  caíram  mais  rapidamente  ao  chão.  —Tenho  que  verte  à  luz  do  dia.  —A  boca  se  deslizou  com  fome  sobre  sua  garganta e seu ombro—. Monisha, é a mulher mais formosa, a mais… —suas mãos se  moveram  com  crescente  impaciência,  atirando  duramente  de  sua  roupa  até  que  fez  estalar as costuras de seus objetos.  —Não,  este  vestido  não  me  pertence  —disse  Amelia  ansiosamente,  tentando  desabotoar o vestido que lhe tinham emprestado antes de que acabasse esmigalhado.  Ficou  geada  ante  o  som  de  passos  vindo  pelo  corredor,  mas  passaram  de  comprimento  sem  deter‐se.  O  mais  provável  era  que  fora  um  servente.  Mas  e  se  alguém  a  tinha  visto  entrar  na  habitação  do  CAM...?  O  que  aconteceria  alguém  a  estivesse procurando nesse preciso momento?  —CAM, por favor, agora não.  —Serei  suave  —a  elevou  de  entre  o  círculo  de  roupa  descartada—.  Sei  que  aconteceu muito pouco tempo desde sua primeira vez.  Ela  sacudiu  a  cabeça  enquanto  a  tendia  sobre  a  cama.  E  enquanto  aferrava  a  malha de sua regata com ambas as mãos para mantê‐la em seu lugar, sussurrou‐lhe:  —Não, não é isso. Alguém o averiguará. Alguém nos ouvirá. Alguém…  —Te tranquilize, colibri, para que possa te tirar isto.  Vislumbrou  uma  chama  diabólica  em  seus  olhos  quando  lhe  disse  brandamente:  —Te tranquilize, ou lhe rasgarei isso.  —Cam, não… 

 

Foi  interrompida  pelo  som  do  linho  ao  rasgar‐se.  Tinha‐lhe  esmigalhado  completamente  o  frontal  permitindo  que  a  frágil  malha  se  deslizasse  a  ambos  os  lados de seu corpo.  —Danificaste‐o  —disse  ela  com  incredulidade—.  Como  vou  explicar  isto  à  faxineira? E como vou voltar a me colocar o espartilho?  Cam  não  parecia  querer  desculpar‐se  absolutamente  pelo  que  tinha  feito,  enquanto lhe tirava o que tinha ficado de sua regata.  —Te tire os calções. Ou terei que lhe rasgar isso também.  —OH, Deus!  Vendo que não havia maneira de detê‐lo, Amelia os tirou.  —Joga  o  fecho  à  porta  —sussurrou  com  o  rosto  ruborizado—.  Por  favor,  por  favor, fecha‐a com chave.  Um sorriso rápido passou sobre a boca do Cam. Abandonou a cama e se dirigiu  à porta, enquanto se despojava do colete e a camisa. Depois de trancar a porta, tomou  seu tempo antes de retornar à cama, desfrutando ao vê‐la jazer sob os lençóis.  Estava  de  pé  ante  ela  meio  nu,  com  os  pantolenos  afrouxados  sobre  seus  quadris. Amelia arrastou o olhar sobre a lisa e musculosa superfície de seu torso, e se  estremeceu entre os lençóis frios.  —Está me pondo em uma situação terrível.  Cam terminou de despir‐se e lhe uniu sob os lençóis.  —Conheço outras posições que você gostará de muito mais.  Ela  se  esmagou  contra  seu  corpo  grande  e  surpreendentemente  quente.  Percorreu‐a com as mãos, descobrindo que ainda levava postas as ligas e as meias de  seda. Com uma suavidade que a fez ofegar, Cam desapareceu sob os lençóis, e com  seus amplos ombros criou uma loja com os lençóis de linho, lã e veludo.  Amelia tentou lutar contra a súbita posição que tinha tomado ele sob os lençóis,  mas se retirou com uma choramingação quando sentiu sua boca contra a suave pele  do  interior  das  coxas.  Desatou‐lhe  a  liga,  deixando‐a  cair  a  um  lado,  e  começou  a 

 

baixar a meia de seda pela perna com uma lentidão tortuosa, seus lábios seguiram o  caminho  esboçado  por  esta.  Sua  língua  se  aventurou  pelo  reverso  do  joelho…  deslizando‐se  sobre  o  músculo  contraído  da  pantorrilha…  até  o  delicado  flanco  do  tornozelo.  A  seda  foi  arrastada  brandamente  até  a  ponta  dos  pés.  Teve  que  concentrar‐se  intensamente  para  não  gemer  de  tão  quente  que  se  sentia,  quando  sentiu  a  boca  ardente  e  molhada  do  Cam  sobre  seus  dedos,  este  se  concentrou  em  chupar‐lhe  e  acariciar‐se  os  de  um  em  um,  enquanto  ela  sacudia  instintivamente  o  delicado pé como resposta a suas cuidados.  Quando  lhe  tirou  a  outra  meia, Amelia  estava  cozendo‐se  ao  vapor,  lutou  por  tirá‐las lençóis de cima, para afastar de sua pele acalorada. As pontas de seus peitos  se  endureceram  quando  ficaram  expostas  à  frieza  do ar.  Cam  lhe  separou  as  coxas,  enquanto lhe colocava as pernas sobre seus fortes ombros. Internou os dedos entre os  cachos, e a beijou meigamente, lambendo‐a no interior do calor e a tensão, riscando  círculos ligeiramente. Era muito… mas não o suficiente… Amelia se esticou debaixo  de sua delicada tortura.  Pô‐lhe uma mão sobre o estômago e a acariciou com círculos consoladores.  —Te relaxe, carinho.  —Não p... posso. OH, date pressa!  Cam sorriu brandamente, arrastando de novo seus lábios abertos sobre a carne  sensível. Desenhou‐a com sua língua, fez‐a umedecer‐se, e soprou contra seus cachos  molhados.  —É melhor para ti que não me dê pressa.  —Não, não o é.  —Não sabe muito disto. Esta é só sua segunda vez.  Amelia soluçou um pouco quando utilizou sua língua de novo.  —Não posso seguir suportando‐o.  Lambeu‐lhe  seu  interior,  de  uma  maneira  diabolicamente  doce,  luxuriosa  e  profunda, até que a fez ofegar, enquanto sua respiração ardente se derramava sobre  ela.  Incorporou‐se,  estabelecendo  seu  corpo  no  apertado  atalho  de  suas  coxas  e  a 

 

penetrou  com  uma  dura  estocada.  Amelia  ofegou  ante  a  surpresa  de  senti‐lo  plenamente em seu interior, bombeando‐a, fazendo‐a gemer de prazer, enquanto lhe  fincava as gemas de seus dedos nos ombros.  Cam  se  deteve,  e  a  olhou  fixamente  com  os  olhos  dilatados,  sua  íris  douradas  brilharam ao redor de uns círculos de meia‐noite insondáveis.  —Amelia, amor… —a beijou e saboreou o sal de sua intimidade—. Pode tomar  um pouco mais de mim?  Esforçou‐se  por  pensar  através  do  confuso  prazer  que  a  invadia  e  agitou  a  cabeça bruscamente.  As esquinas dos lábios do Cam se curvaram com um sorriso. E lhe sussurrou:  —Eu acredito que se puder.  Suas mãos jogaram sobre ela, e as solícitas gemas de seus dedos se deslizaram  até  o  lugar  no  qual  estavam  unidos.  Pressionou  dentro  dela,  com  movimentos  rítmicos  e  pausados,  seus  dedos  eram  incrivelmente  suaves,  quase  delicados,  enquanto  a  acariciavam  ao  mesmo  tempo  que  suas  pacientes  estocadas.  Ofegando,  arqueou‐se ainda mais para levá‐lo até o mais profundo de seu interior, e um pouco  mais à frente.  Cada vez que empurrava, seu corpo a acariciava exatamente da mesma forma.  Começou a arquear‐se avidamente, tratando de antecipar‐se a sua invasão, ofegando  por  ele,  construindo  uma  sensação  atrás  de  outra  até  que  culminou  em  uma  deslumbrante  explosão  de  deleite…  e  outra…  e  outra  mais…  sentiu  o  momento  no  qual  começou  a  retirar‐se,  por  isso  gemeu  e  envolveu  as  pernas  ao  redor  de  seus  quadris.  —Amelia —ofegou— não, me deixe… tenho que…  Estremecendo‐se,  derramou‐se  desamparadamente  dentro  dela,  enquanto  seu  corpo apertava e acariciava sua dura longitude.  Ainda  unidos,  Cam  fez  rodar  a  Amelia  até  colocá‐la  a  seu  flanco.  Murmurou  algo  em  romaní.  E  embora  ela  não  entendeu  nenhuma  palavra,  estas  pareciam  ser  muito  aduladoras.  Relaxada  pelo  prazer  e  o  esgotamento,  Amelia  posou  a  cabeça  sobre  a  sólida  curva  de  seus  bíceps,  e  conteve  a  respiração  quando  sentiu  o 

 

estremecimento  ocasional  e  o  batimento  do  coração  dele  nas  profundidades  de  seu  corpo.  Cam  alcançou  a  mão  esquerda  da  Amelia.  Tomou  o  anel  de  selo  que  estava  entre seus dedos, o tirou facilmente e o entregou.  —Aqui está. Embora preferiria que lhe deixasse posto isso.  A  boca  dela  se  abriu  com  assombro.  Examinou‐se  a  mão,  logo  o  anel  e  hesitantemente  o  empurrou  de  retorno  ao  mesmo  dedo.  Logo  o  deslizou  sobre  seu  nódulo novamente com facilidade.  —Como o tem feito?  —Ajudei‐te  a  relaxar  —lhe  aconteceu  uma  mão  brandamente  ao  longo  das  costas—. Ponha isso de novo Amelia.  —Não posso. Isso significaria que aceitei sua proposta e não o tenho feito.  Estirando‐se como um gato, Cam ficou sobre ela novamente, e apoiou seu peso  parcialmente  sobre  os  cotovelos.  Amelia  respirou  rapidamente  quando  o  percebeu  ainda firme dentro dela.  —Não  pode  jazer  duas  vezes  comigo  e  logo  te  negar  a  ser  minha  esposa.  — Baixou a cabeça  para  lhe  beijar a orelha—. Estarei arruinado  —logo continuou com  suas carícias até o suave lugar atrás do lóbulo de sua orelha—. E me sentirei muito  desprezado.  Apesar da seriedade do assunto, Amelia teve que reprimir um sorriso.  —Estou te fazendo um grande favor ao te rechaçar. Agradecerá‐me isso algum  dia.  —Agradecerei‐lhe isso agora mesmo se puser o condenado anel de novo.  Ela agitou a cabeça.  Cam empurrou um pouco mais em seu interior, fazendo‐a ofegar.  —E o que há sobre minhas qualidades pessoais? Quem vai cuidar delas? 

 

—Pode  cuidar  delas  —se  estirou  a  um  lado  para  colocar  o  anel  na  mesa  que  havia junto à cama—, você mesmo.  Cam se moveu sobre ela servicialmente.  —É muito mais prazenteiro quando você está envolta.  Quando  estendeu  a  mão  para  recuperar  o  anel,  seu  corpo  se  introduziu  um  pouco mais nela. Essa percepção a fez esticar‐se pela surpresa. Sentia‐o mais duro em  seu interior, mais grosso, seu desejo estava adquirindo um novo ímpeto.  —Cam  —protestou,  olhando  fixamente  para  a  porta  fechada.  Agarrou‐o  pelo  punho,  tentando  lhe  manter  a  mão  afastada  do  anel.  Lutou  com  ela  alegremente,  girando  até  que  deram  uma  volta  completa  sobre  o  colchão  e  a  teve  novamente  debaixo dele.  Agora,  estava  completamente  excitado,  provocando‐a  com  suas  lentas  estocadas. Estremecendo‐se  debaixo  dele,  Amelia  empurrou  para  sua  escura  cabeça  quando começou a lhe beijar os peitos de novo.  —Mas… se tínhamos acabado…  Cam levantou a cabeça.  —Sou  Roma  —disse  como  se  essa  fora  uma  explicação  completamente  aceitável, e ficou novamente sobre ela. Se havia uma desculpa indireta em seu tom,  não houve nenhuma no ritmo insistente de seus empurrões, suas carícias profundas a  invadiram, aliviaram‐na, e seus protestos se converteram em ronroneantes gemidos.  Amelia envolveu seus braços e pernas ao redor dele, tentando conter toda sua  dura carne masculina, enquanto o ritmo firme de suas estocadas a levava até o bordo  de sua liberação. Mas se retirou antes de que ela pudesse alcançá‐lo, e lhe deu a volta;  por um agônico momento pensou que tinha decidido deter‐se. Cobrindo‐a com seu  corpo,  Cam  utilizou  seus  joelhos  para  abrir  as  suas  extensamente.  Murmurou‐lhe  algo em uma mescla de inglês e romaní, o suficiente para lhe fazer compreender que  não lhe faria mal, e que assim seria mais fácil para ela, Amelia lhe sussurrou:  —Sim, sim,… 

 

E  então  incrivelmente  se  deslizou  mais  profundamente,  lhe  sustentando  os  quadris com suas mãos enquanto ela se arqueava instintivamente.  Amelia  deixou  cair  a  cabeça,  seus  gemidos  se  estrelaram  contra  o  colchão  coberto de lençóis de linho. Ele deslizou a mão para seu sexo, estendendo os dedos  ao  redor  de  sua  suavidade.  O  prazer  reverberou  através  dela  em  ondas,  cada  uma  mais  forte que  a  anterior,  até  que  se  estremeceu,  afogando‐se,  suspirando.  A  súbita  retirada  do  Cam  foi  um  indesejável  golpe,  enquanto  empurrava  uma  última  vez  contra  os  lençóis  e  gemia.  Aturdida  e  desorientada,  Amelia  permaneceu  com  os  quadris elevados, sua carne pulsando, dolorida ante a necessidade do ter dentro dela  novamente.  Pô‐lhe  as  mãos  sobre  as  nádegas,  e  as  acariciou  circularmente  antes  de  empurrá‐la para que se deitasse de novo.  —Terá‐me —sussurrou Cam—. Me terá, colibri. Sou seu destino, embora ainda  não o tenha aceito.                             

 

            Capítulo 18    Depois  da  partida  do  Cam,  Amelia  se  encontrou  vagando  desconsolada  pela  enorme mansão.  A casa estava calada, havendo‐se retirado todo mundo a suas habitações para a  sesta da tarde. Feito‐se os preparativos para que o conde, a condessa, e Lorde e Lady  St. Vincent, saíssem por volta do Bristol à manhã seguinte. Ficariam na casa da irmã  do  Lillian  e  seu  marido,  Daisy  e  Matthew  Swiff,  durante  a  última  quinzena  da  gravidez de Daisy.  Lillian  estava  ansiosa  por  ver  sua  irmã  menor  a  quem  estava  extremamente  unida.  —Teve  uma  saúde  esplêndida  durante  todo  a  gravidez  —havia  dito  Lillian  a  Amelia,  com  óbvio  orgulho  manifesto—.  Daisy  tem  a  saúde  de  um  cavalo.  Mas  é  muito pequena. E seu marido bastante grande —acrescentou sombriamente—, o que  significa que qualquer bebê que engendre provavelmente será enorme também.  —Ninguém  pode  lhe  culpar  por  ser  alto  —tinha  famoso  laconicamente  Lorde  Westcliff, que estava sentado junto a sua esposa.  —Não hei dito que fora culpa sua —protestou Lillian.  —Mas  o  estava  pensando  —murmurou  o  conde,  e  ela  elevou  uma  almofada  como se fora a arrojar‐lhe. O resultado da luta marital, entretanto, foi que se sorriram  o um ao outro afetuosamente. 

 

Lillian voltou sua atenção a Amelia.  —Estarão bem você e outros em nossa ausência? Odeio partir com as coisas tão  revoltas, e o senhor Merripen ferido.  —Espero que Merripen se recupere rapidamente —disse Amelia com absoluta  confiança.  Além  da  primeira  vez  quando  se  conheceram,  nunca  lhe  havia  visto  doente—. Tem uma constituição robusta.  —Pedi  ao  doutor  que  lhe  visite  diariamente  —disse  Westcliff—.  E  se  tiverem  alguma  dificuldade,  mande  uma  mensagem  ao  Bristol.  Não  está  tão  longe,  e  virei  imediatamente.  O céu sabia de quão afortunados tinham sido de ter ao Lillian e Westcliff como  vizinhos.  Agora,  enquanto  Amelia  se  abria  passo  através  da  galeria  de  arte,  passando  o  olhar por pinturas e esculturas, foi consciente do terrível vazio de seu interior. Não  lhe  ocorria  como  livrar‐se  dele.  Não  era  fome,  medo,  ou  fúria,  não  era  cansaço  ou  temor.  Era solidão.  Tolices,  arreganhou‐se  a  si  mesmo,  avançando  a  pernadas  para  uma  larga  fila  de janelas com vistas ao jardim lateral. Tinha começado a chover, uma fria garoa que  caía firmemente sobre os terrenos e corria em lamacentas correntes para as gargantas  e o rio. Não pode te sentir sozinha. Nem sequer faz meio‐dia que se partiu. E não há  razão para isso quando toda sua família está aqui.  Era  a  primeira  vez  que  sentia  o  tipo  de  solidão  que  não  podia  curar‐se  só  dispondo de qualquer companhia.  Suspirando,  pressionou  o  nariz  contra  a  fria  superfície  do  cristal  da  janela,  enquanto os trovões enviavam vibrações através do cristal.  A voz de seu irmão chegou do outro lado da galeria.  —Mãe sempre dizia que isso te aplanaria o nariz.  Tornando‐se para trás, Amelia sorriu enquanto Leo se aproximava. 

 

—Só o dizia porque não queria que deixasse marcas no cristal.  Seu irmão parecia esgotado e com os olhos afundados, a pastosidade de sua tez  supunha  um  notável  contraste com  o  bronzeado cor  mel do  Cam. Leo vestia roupa  emprestada, tão finas e precisamente confeccionadas que deviam ter sido doadas por  Lorde  St.  Vincent.  Mas  em  vez  de  pender  graciosamente  como  faziam  sobre  a  elegante  figura  do  St.  Vincent,  os  objetos  penduravam  da  cintura  e  o  pescoço  inchados de Leo.  —Só espero que se sinta melhor do que aparenta —disse Amelia.  —Sentirei‐me  melhor  assim  que  possa  encontrar  algum  refresco  decente.  Pedi  três  vezes  veio  ou  um  pouco  de  álcool,  e  os  serventes  parecem  detestavelmente  distraídos.  Amelia franziu o cenho.  —Certamente é muito cedo inclusive para ti, Leo.  Ele tirou um relógio de bolso do colete e o olhou de esguelha.  —São  oito  em  ponto  em  Bombay.  Sendo  um  tipo  com  mentalidade  internacional, tomarei um gole como gesto diplomático.  Normalmente Amelia se teria resignado ou incomodado. Entretanto, enquanto  olhava a seu irmão, que parecia tão perdido e miserável sob sua quebradiça fachada,  sentiu  uma  rajada  de  compaixão.  Adiantando‐se,  rodeou‐o  com  seus  braços  e  o  abraçou. E se perguntou como lhe salvar.  Sobressaltado por esse gesto impulsivo, Leo permaneceu imóvel, sem devolver  o  abraço  nem  apartar‐se  tampouco.  Suas  mãos  subiram  até  os  ombros  dela  e  a  separou um pouco.  —Deveria ter sabido que estaria muito sensível hoje —disse.  —Sim,  bom...  enfrentar‐se  à  ideia  de  que  o  irmão  quase  se  assa  até  a  morte  tende a pôr emotiva a uma mulher.  —Só  estou  um  pouco  chamuscado.  —Olhou‐a  fixamente  com  esses  olhos  estranhos,  olhos  ligeiros,  absolutamente  os  olhos  do  irmão  ao  que  tinha  conhecido  toda sua vida—. E não tão alterado como você, ao parecer. 

 

Amelia soube imediatamente aonde se dirigia. Cautelosamente se separou dele  e  fingiu  inspecionar  uma  paisagem  que  havia  perto,  de  colinas,  nuvens  e  um  lago  prateado.  —Alterada? Não tenho ideia o que o quer dizer.  —Refiro‐me  ao  jogo  de  esconder‐a‐sapatilha  ao  que  estiveste  jogando  com  o  Rohan.  —Quem te há dito isso? Os serventes?  —Merripen.  —Não posso acreditar que se atreveu...  —Por  uma vez  ele e  eu estamos de acordo em  algo.  Voltaremos  para  Londres  logo  que  Merripen  esteja  o  suficientemente  bem.  Hospedaremo‐nos  no  Hotel  Rutledge até que possamos encontrar uma casa adequada que alugar...  —O Rutledge custa uma fortuna —exclamou ela—. Não podemos nos permitir  isso.  —Não discuta, Amelia. Eu sou o cabeça da família, e tomei uma decisão. Com o  apoio absoluto do Merripen, valha o que valha isso.  —Os dois podem ir ao inferno! Não aceito ordens de ti, Leo.  —Fará‐o neste caso. Sua aventura com o Rohan está acabada.  Sentindo‐se amargurada e ultrajada, Amelia se afastou dele. Não confiava em si  mesma para falar. Durante em ano passado, tinha havido tantas vezes nas que tinha  desejado  que  Leo  procurasse  ocupar  seu  lugar  como  cabeça  da  família,  que  tivesse  uma opinião sobre algo, que mostrasse preocupação por alguém além de si mesmo. E  este era o assunto que tinha provocado que entrasse em ação?  —Não te liberará de mim tão facilmente. Bom Deus, irmã, não podia encontrar  a  alguém  de  nossa  própria  classe  pelo  que  mostrar  interesse?  Suas  expectativas  realmente têm cansado tão baixo para aceitar a um cigano em sua cama?  A boca da Amelia se abriu de par em par. Deu‐se a volta para lhe enfrentar.  —Não posso acreditar que haja dito tal coisa. Nosso irmão é um Roma, e ele... 

 

—Merripen não é nosso irmão. E acontece que ele está de acordo comigo. Isto  está por debaixo de ti.  —Por debaixo de mim —repetiu Amelia ofuscada, retrocedendo longe dele até  que seus ombros se chocaram contra a parede—. Como?  —Não há necessidade de que me explique, não?  —Sim —disse ela—. Eu acredito que sim.  —Rohan é um cigano, Amelia. São preguiçosos, nômades desarraigados...  —Como pode dizer todo isso quando você alguma vez levantaste um dedo?  —Não se supõe que eu tenha que trabalhar. Agora sou um membro da nobreza.  Ganho três mil libras ao ano com as que subsistir.  Estava claro que não podiam haver progressos em uma discussão quando um  dos oponentes estava louco.  —Até este momento, não tinha nenhuma intenção de me casar com ele —disse  Amelia—. Mas agora estou considerando seriamente os méritos de ter ao menos um  homem racional na família.  —Matrimônio?  Amelia quase desfrutou do aspecto de sua cara.  —Suponho  que  Merripen  esqueceu  de  mencionar  esse  pequeno  detalhe.  Sim,  Cam  me  tem  proposto  isso.  E  é  rico,  Leo.  Rico,  o  qual  significa  que  inclusive  se  decide  saltar  ao  lago  e  te  afogar  você  mesmo,  as  garotas  e  eu  estaremos  a  salvo.  Agradável, verdade, que alguém se preocupe com nosso futuro?  —O proíbo.  Lançou‐lhe um olhar carrancudo.  —Me  perdoe  se  não  me  impressionar  sua  autoridade,  Leo.  Talvez  devesse  praticar com algum outro.  E  lhe  deixou  na  galeria,  enquanto  os  trovões  retumbavam  e  a  chuva  caía  em  cascata sobre as janelas. 

 

    Cam se deteve de caminho a Londres, desejando jogar outra olhada ao Ramsay  House  antes  de  abandonar  Hampshire.  Tinha  uma  espécie  de  dilema  sobre  o  que  devia  fazer‐se  com  o  lugar.  Indubitavelmente  terei  que  restaurá‐lo.  Como  parte  de  um título aristocrático, o imóvel tinha que ser mantida em condições decentes. E ao  Cam  gostava  do  lugar.  Tinha  possibilidades.  Se  as  elevações  dos  terrenos  circundantes  eram  alteradas  e  ajardinadas,  e  o  edifício  mesmo  apropriadamente  redesenhado e reconstruído, o imóvel Ramsay seria toda uma jóia.  Mas era duvidoso que o título Ramsay e suas vinculações, permanecessem em  posse dos Hathaways muito mais tempo. Não se tudo dependia de Leo, cuja saúde e  futura existência eram muito incertas.  Considerando  o  problema  do  que  logo  seria  seu  cunhado,  Cam  obrigou  ao  condutor a esperar, e entrou na casa em ruínas, sem emprestar atenção à chuva que  lhe empapava o cabelo e o casaco. Não lhe importava especialmente se Leo vivia ou  morria,  mas  os  sentimentos  da  Amelia  ao  respeito  certamente  tinham  muita  importância.  Cam  faria  o  que  fora  necessário  para  lhe  economizar  pena  ou  preocupação.  Se  isso  significava  ajudar  a  preservar  a  inútil  vida  de  seu  irmão,  que  assim fora.  O  interior  da  casa  estava  talher  de  um  filme  deixado  pela  fumaça,  e  curvado  como  uma  criatura  uma  vez  garbosa  que  tivesse  sido  golpeada  até  a  submissão.  Perguntou‐se o que faria um construtor com o lugar, e quanto da estrutura poderia  ser  conservada.  Cam  imaginou  o  aspecto  que  poderia  ter  quando  estivesse  completamente  restaurada  e  grafite.  Brilhante,  encantadora,  com  um  toque  excêntrico. Como seus Hathaways.  Um sorriso atirou da comissura de seus lábios ao pensar nas irmãs da Amelia.  Poderia  afeiçoar‐se  facilmente  com  elas.  Estranho  como  a  ideia  de  estabelecer‐se  nesta terra, converter‐se em parte de uma família, tornou‐se algo atrativo. Estava‐se  sentindo o bastante... gregário. Talvez Westcliff tivesse razão... não podia ignorar sua  metade irlandesa para sempre.  Cam se deteve um lado do vestíbulo de entrada quando ouviu um ruído acima.  Um ruído, um tamborilar, como se alguém estivesse esmurrando madeira. O cabelo 

 

de sua nuca se arrepiou. Quem demônios podia estar ali? A superstição lutou com a  razão enquanto se perguntava se o intruso seria mortal ou espectral. Abriu‐se passo  até as escadas com extremo cuidado, seus pés velozes e silenciosos.  Detendo‐se  no  alto  das  escadas, escutou  atentamente.  O  som  chegou  de  novo,  de um dos dormitórios. Aproximou‐se de uma porta entreaberta e olhou dentro.  A  presença  na  habitação  era  definitivamente  humana.  Os  olhos  do  Cam  se  entrecerraram quando reconheceu ao Christopher Frost.  Ao  parecer  Frost  estava  tentando  arrancar  uma  parte  de  painel  da  parede,  utilizando  uma  barra  de  ferro  como  alavanca.  A  madeira  desafiava  seus esforços,  e  depois de uns segundas de resistência, Frost deixou cair a barra e amaldiçoou.  —Necessita ajuda? —perguntou Cam.  Frost quase saltou fora de seus sapatos.  —Que demônios...? —deu‐se a volta, com os olhos enormes—. Condenação! O  que está você fazendo aqui?  —Eu ia fazer lhe a mesma pergunta. —Apoiando‐se contra a ombreira da porta,  Cam cruzou os braços e examinou ao outro homem especulativamente—. Decidi me  deter aqui de caminho a Londres. O que há atrás do painel?  —Nada —espetou o arquiteto.  —Então por que está tentando tirá‐lo?  Recuperando‐se, Frost se inclinou para recuperar a barra de ferro. Sustentou‐a  casualmente,  mas  com  o  mais  ligeiro  das  mudanças  em  sua  forma  de  aferrá‐la‐a  barra  podia  converter‐se  facilmente  em  uma  arma.  Cam  manteve  sua  postura  relaxada, sem apartar os olhos da cara do Frost.  —Quanto sabe de construção e desenho? —perguntou Frost.  —Não muito. Fiz algum trabalho de carpintaria aqui e lá.  —Sim.  Sua  gente  trabalha  algumas  vezes  como  funileiros  ou  carpinteiros.  Talvez  inclusive  como  techadores.  Mas  nunca  construindo.  Alguma  vez  ficam  o  suficiente para completar o projeto, não? 

 

Cammanteve o tom imaculadamente cortês.  —Pergunta sobre mim especificamente ou sobre os Roma em geral?  Frost se aproximou dele, com a barra firmemente obstinada.  —Não  importa.  Em  resposta  a  sua  anterior  pergunta...  estou  inspecionando  a  casa a fim de fazer uma estimativa dos danos. E desenvolvendo ideias para o novo  desenho. Em nome da senhorita Hathaway.  —Pediu‐lhe ela que inspecionasse a casa?  —Como  velho  amigo  da  família...  e  particularmente  da  senhorita  Hathaway...  tomei a resolução de lhes ajudar.  A frase ʺparticularmente da senhorita Hathawayʺ pronunciada com apenas um  indício de  propriedade, quase acabou com o autocontrole do Cam. Ele, que sempre  se  congratulou  de  sua  equanimidade,  viu‐se  instantaneamente  invadido  pela  hostilidade.  —Talvez  —disse—,  deveria  ter  perguntado  primeiro.  Em  realidade,  seus  serviços não são necessários.  A cara do Frost se obscureceu.  —O que lhe dá direito a falar pela senhorita Hathaway e sua família?  Cam não viu razão para ser discreto.  —Vou casar me com ela.  Frost quase deixa cair a barra de ferro.  —Não seja absurdo. Amelia nunca se casaria com você.  —Por que não?  —Bom  Deus  —exclamou  Frost incrédulo—,  como  pode  perguntar  isso?  Não  é  você  um  cavalheiro  de  sua  classe,  e...  demônios  e  condenação,  nem  sequer  é  um  autêntico cigano. É um mestiço.  —Seja como for, vou casar me com ela. 

 

—Verei‐lhe primeiro no inferno! —gritou Frost, dando um passo para ele.  —Ou  deixa  cair  essa  barra  —disse  Cam  tranquilamente—,  ou  lhe  deslocarei  o  braço.  —Esperava  sinceramente que  se  lançasse  sobre  ele.  Para  sua  desilusão,  Frost  deixou a barra no chão.  O arquiteto lhe fulminou com o olhar.  —Depois de que eu fale com ela, não quererá ter nada mais que ver com você.  Assegurarei‐me de que entenda o que a gente diria de uma dama que se deita com  um cigano. Estaria melhor com um camponês. Um cão. Um...  —Captei  a  ideia  —disse  Cam.  Lançou  ao  Frost  um  sorriso  brando  desenhado  para  enfurecer—.  Mas  resulta  interessante,  não?,  que  a  experiência  prévia  da  senhorita  Hathaway  com  um  cavalheiro  de  sua  própria  classe  a  tenha  predisposto  agora a olhar favoravelmente a um Roma. Isso dificilmente fala bem de você.  —Bastardo  egoísta  —resmungou  Frost—.  A  arruinará.  Não  pensa  nada  mais  que  em  rebaixá‐la  a  seu  nível.  Se  lhe  importasse  algo  absolutamente,  desapareceria  por seu bem.  Passou roçando junto ao Cam sem outra palavra. Logo suas pegadas puderam  ouvir‐se enquanto descendia as escadas.  E Cam permaneceu na soleira vazia durante muito tempo, fervendo de cólera,  preocupado  pela  Amelia,  e  inclusive  pior,  sentindo‐se  culpado.  Não  podia  trocar  o  fato  de  ser  o  que  era,  nem  poderia  proteger  a  Amelia  de  todas  as  flechas  que  lhe  lançariam como esposa de um cigano.  Mas  que  lhe  condenassem  se  ia  deixar  a  seguir  seu  caminho,  através  de  um  mundo desumano, sem ele.      O  jantar  foi  um  assunto  taciturno,  com  os  Westcliff  e  os  St.  Vincent  tendo  partido  para  o  Bristol,  e  Leo  que  se  partiu  ao  botequim  do  povo  em  busca  de  diversão.  Era  uma  noite  miserável.  Amelia  tinha  encontrado  difícil  imaginar  que  houvesse  muita  gritaria  com  tão  frio  e  umidade,  mas  provavelmente  Leo  estivesse 

 

desesperado  por  encontrar  companhia  mais  simpática  da  que  dispunha  no  Stony  Cross Manor.  Merripen  tinha  permanecido  em  sua  habitação,  dormindo  quase  todo  o  dia,  o  qual era tão incomum nele que todas as Hathaways estavam preocupadas.  —Suponho  que  lhe  fará  bem  descansar  —aventurou  Poppy,  escovando  ociosamente algumas esfarelas da toalha. Um lacaio se apressou a eliminar os miolos  por ela com um guardanapo e uma ferramenta de prata—. Lhe ajudará a sanar mais  rápido, não?  —Alguém  jogou  uma  olhada  ao  ombro  do  Merripen?  —perguntou  Amelia,  olhando para o Win—. Provavelmente seja hora de trocar a vendagem.  —Eu  o  farei  —disse  Win  imediatamente—.  E  lhe  levarei  uma  bandeja  com  o  jantar.  —Beatrix te acompanhará —aconselhou Amelia.  —Posso com a bandeja —protestou Win.  —Não  é  isso...  quero  dizer  que  não  é  apropriado  que  esteja  a  sós  com  o  Merripen em sua habitação.  Win pareceu surpreendida, e fez uma careta.  —Não necessito que venha Beatrix. Depois de tudo, só é Merripen.  Depois de que Win abandonasse o comilão, Poppy olhou a Amelia.  —Crê que de verdade Win não sabe que ele...?  —Não tenho nem ideia. E nunca me atreveria a tirar colação o tema, porque não  quero lhe colocar ideias na cabeça.  —Eu  espero  que  não  saiba  —aventurou  Beatrix—.  Seria  horrorosamente  triste  que soubesse.  Amelia e Poppy olharam ambas as enigmaticamente a sua irmã menor.  —Sabe do que estamos falando, B? —perguntou Amelia. 

 

—Sim, é obvio. Merripen está apaixonado por ela. Sei a muito tempo, por como  limpava sua janela.  —Limpava sua janela? —perguntaram ambas as irmãs ao mesmo tempo.  —Sim,  quando  vivíamos  no  cottage  no  Primrose  Agrada.  A  habitação  do  Win  tinha  uma  janela  batente  que  dava  a  um  enorme  arce...  recordam?  depois  da  escarlatina,  quando  Win  não  pôde  sair  da  cama  durante  comprido  tempo  e  estava  muito fraco para sustentar um livro, simplesmente ficava ali tendida e observava um  ninho de pássaros em um dos ramos. Viu os bebês romper a casca de ovo e aprender  a  voar.  Um  dia  se  queixou  de  que  a  janela  estava  tão  suja  que  logo  que  podia  ver  através dela, e isso dava ao céu um tom cinzento. Após o Merripen sempre manteve  o cristal impoluto. Algumas vezes subia a uma escada de mão a limpar o exterior, e já  sabem como teme às alturas. Alguma vez lhe viram fazê‐lo?  —Não —disse Amelia com dificuldade, ardiam‐lhe os olhos—. Não sabia o que  fizesse isso.  —Merripen  disse  que  o  céu  sempre  seria  azul  para  ela  —disse  Beatrix—.  E  então foi quando soube que ele... está chorando, Poppy?  Poppy utilizava um guardanapo para limpar a extremidade dos olhos.  —Não. Só inalei um pouco de pimenta.  —Eu também —disse Amelia, soando‐a nariz.      Win levava uma ligeira bandeja de bambu com caldo, pão e chá à habitação do  Merripen. Não tinha sido fácil persuadir às criadas da cozinha de que podia levar a  bandeja ela mesma. Tinham a firme convicção de que nenhum convidado de Lorde e  Lady  Westcliff  devia  carregar  nada.  Entretanto,  Win  sabia  que  ao  Merripen  desgostavam os desconhecidos, e em seu vulnerável estado, mostraria‐se contrariado  e obstinado.  Finalmente se tinha alcançado um compromisso: uma donzela levaria a bandeja  ao alto das escadas, e Win poderia levá‐la a partir de ali. 

 

Quando  se  aproximava  da  habitação,  Win  ouviu  os  sons  de  algo  golpeando  contra  a  parede  com  um  golpe  seco,  e  uns  poucos  grunhidos  ameaçadores  que  só  podiam  provir  do  Merripen.  Franziu  o  cenho,  seu  passo  se  acelerou  enquanto  procedia  a  percorrer  o  corredor.  Uma  donzela  indignada  saía  da  habitação  do  Merripen.  —Bom, nunca mais —exclamou a donzela, vermelha e encrespada— entrei em  remover o carvão e acrescentar lenha ao fogo... e esse asqueroso cigano gritou e me  atirou sua taça!  —OH, querida. Lamento‐o tanto. Não está ferida, verdade? Estou segura de que  ele não tinha intenção...  —Não,  falhou‐lhe  a  pontaria  —disse  a  donzela  com  escura  satisfação—.  O  tônico  lhe  deixou  mais  drogado  que  a  um  oficial  de  Cabo  Street.  —A  referência  aduzia a uma rua de uma milha de comprimento em Londres, conhecida por abrigar  grande quantidade de guaridas de ópio—. Eu não entraria aí se fosse você, senhorita.  Partirá‐a em dois logo que fique ao alcance de seus braços. O muito besta.  Win franziu o cenho preocupada.  —Si . Obrigada. Tomarei cuidado. —Tônico... o médico devia ter deixado algo  extremamente  potente  para  embotar  a  agonia  da  queimadura.  Provavelmente  enfeitado  com  sirope  de  ópio  e  álcool.  Já  que  Merripen  nunca  tomava  remédios  e  raramente bebia sequer um copo de vinho, seria altamente suscetível às intoxicações.  Entrando na habitação, Win utilizou as costas para fechar a porta, e foi deixar a  bandeja na mesita de noite. Sobressaltou‐a um pequeno som que resultou ser a voz  do Merripen.  —Disse‐te que te largasse! —ladrou—. Te disse... —interrompeu‐se quando ela  se girou para lhe enfrentar.  Win  nunca  lhe  tinha  visto  assim  antes,  ruborizado  e  desorientado,  seus  olhos  escuros  ligeiramente  desfocados.  Jazia  sobre  suas  costas,  sua  camisa  branca  aberta  revelando o bordo de uma pesada vendagem, e os músculos brilhando como bronze  gentil.  Estava  tenso  e  irradiava  aquilo  ao  que  sua  mãe  se  referia  como  ʺespírito  animalʺ. 

 

—Kev —disse gentilmente, utilizando seu nome.  Fizeram  um  trato  uma  vez,  depois  de  que  ela  superasse  a  escarlatina,  quando  ele queria que se tomasse um remédio. Win se tinha negado até que ele se ofereceu a  lhe  dizer  seu  nome.  Ela  prometeu  não  revelar‐lhe  nunca  a  ninguém,  e  não  o  tinha  feito. Talvez ele inclusive acreditava que o tinha esquecido.  —Fica  quieto  —lhe  urgiu  gentilmente—.  Não  há  necessidade  de  tirar  esse  temperamento. Assustou de morte a pobre donzela.  Merripen  a  observava  sem  vigor,  tendo  problemas  para  manter  o  olhar  enfocado.  —Envenenaram‐me  —lhe  disse—.  Vertendo  medicina  por  minha  garganta.  A  cabeça me turva. Não quero mais.  Win assumiu o papel de enfermeira implacável, quando tudo o que queria era  lhe mimar e lhe cuidar.  —Estaria muito pior sem ela. —sentou‐se no bordo do colchão e procurou seu  punho. Seu antebraço era duro e pesado quando o posou no regaço. Pressionando os  dedos contra seu punho, manteve a cara inexpressiva—. Quanto tônico lhe deram?  A cabeça dele pendurava laxamente.  —Muito.  Win  esteve  de  acordo  silenciosamente,  sentindo  o  fraco  que  era  seu  pulso.  Soltando seu punho, mediu sua frente. Estava muito quente. Era isto o princípio de  uma febre? Sua preocupação se aguçou.  —Me  deixe  ver  suas  costas.  —Tentou  separar‐se,  mas  ele  tinha  subido  a  mão  para pressionar a fresca mão dela mais forte contra sua frente. Não a soltava.  —Quente —disse, e fechou os olhos.  Win  se  sentou  muito  quieta,  absorvendo  sua  essência,  o  corpo  pesadamente  masculino junto ao dele, a pele suave e ardente sob sua palma.  —Fique fora de meus sonhos —sussurrou Merripen na úmida quietude—. Não  posso dormir quando está aqui. 

 

Win  se  permitiu  a  si  mesmo  lhe  acariciar,  o  espesso  cabelo  negro,  a  formosa  cara desprovida de sua acostumada e tétrica severidade. Podia cheirar sua pele, seu  suor,  a  doce  respiração  opiácea,  o  sopro  pungente  a  mel.  Merripen  sempre  ia  bem  barbeado,  mas  agora  a  barba  arranhava  brandamente  contra  sua  palma.  Desejou  tomar entre seus braços, contra seu peito, como a um moço.  —Kev... me deixe ver suas costas.  Merripen se moveu, rápido e poderoso inclusive agora, mais agressivo em seu  estado drogado do que se permitiria normalmente ante ela. Sempre tinha dirigido ao  Win com uma espécie de exagerada gentileza, como se ela pudesse romper‐se como  um  dente  de  leão.  Mas  neste  momento  seu  apertão  foi  duro  e  seguro  quando  a  empurrou para o colchão.  Respirando dificultosamente, olhou‐a com vidriosa beligerância.  —Hei dito que permaneça fora de meus sonhos.  Sua cara era como a máscara de algum antigo deus da guerra, formosa e arruda,  a  boca  contorsionada,  os  lábios  o  bastante  separados  para  revelar  os  borde  de  uns  dentes brancos como os de um animal.  Win  estava  assombrada,  excitada,  um  pouquinho  assustada...  mas  este  era  Merripen... e enquanto lhe olhava, o fio do medo se derreteu, ele baixou sua cabeça  para a dela, e a beijou.  Sempre  tinha  imaginado  que  haveria  aspereza,  urgência,  pressão  apaixonada.  Mas os lábios dele eram suaves, roçando contra os seu com o calor do amanhecer, a  mais  doce  das  chuvas  do  verão.  Abriu  a  boca  para  ele  maravilhada,  o  peso  sólido  dele  entre  seus  braços,  seu  corpo  pressionando  contra  as  capas  enrugadas  de  sua  saia. Esquecendo‐o tudo no apaixonado tumulto do descobrimento, Win estendeu os  braços  lhe  rodeando  os  ombros,  até  que  ele  fez  uma  careta  e  ela  sentiu  o  vulto  da  vendagem contra sua palma.  —Kev  —disse  sem  respiração—.  O  sinto  muito,  eu...  não,  não  te  mova.  Descansa. —Envolveu‐lhe os braços laxamente ao redor da cabeça, estremecendo‐se  quando  lhe  beijou  a  garganta.  Esfregou  o  nariz  contra  o  gentil  montículo  de  seus  peitos, pressionando a bochecha contra seu sutiã, e suspirou. 

 

Depois de um comprido e imóvel minuto, enquanto seu peito se elevava e caía  baixo a pesada cabeça dele, Win falou vacilante.  —Kev?  Um ligeiro bufo foi sua resposta.  A  primeira  vez  que  beijei  a  um  homem,  pensou  pesarosa,  e  lhe  tenho  feito  dormir.  Lutando por sair de debaixo dele, Win apartou as mantas e aferrou o bordo da  camisa dele. O linho se pegava à poderosa curva de suas costas. Atirando da camisa  até  acima,  pregou‐a  à  altura  do  pescoço.  Elevou  cuidadosamente  o  bordo  da  vendagem, a atadura de algodão estava pegajosa e fedia a mel. Piscou ante a visão da  queimadura, que estava vermelha e inflamada. O médico havia dito que se formaria  uma  crosta,  mas  a  superfície  lhe  gotejem  da  ferida  não  parecia  nem  remotamente  estar sanando.  Vendo  uma  marca  negra  no  outro  lado  das  costas,  Win  franziu  o  cenho  curiosamente  e  atirou  mais  alto  da  camisa.  O  que  descobriu  fez  que  contivera  o  fôlego e seus olhos se abrissem de par em par.  Apesar  de  toda  a  robustez  física  do  Merripen,  sempre  tinha  sido  um  homem  excepcionalmente  modesto.  A  família  se  burlou  dele,  de  fato,  por  sua  negativa  a  banhar‐se  diante  de  ninguém,  ou  a  tirar  a  camisa  incluso  durante  os  esforços  mais  extenuantes.  O  que  era  isto?  Que  significado  tinha  esta  estranha  marca,  e  o  que  poderia  revelar de seu passado?  —Kev  —murmurou  maravilhada,  seus  dedos  riscaram  o  patrão  sobre  os  ombros dele—. Que segredos ocultas?    Capítulo 19    À manhã seguinte, Amelia despertou com más notícias, entregues pelo Poppy,  esta lhe comentou que Leo não tinha dormido em sua cama a noite anterior e que não 

 

podiam  encontrá‐lo  por  nenhuma  parte,  além  disso  a  saúde  do  Merripen  tinha  piorado.  —Leo é um problema —resmungou Amelia, enquanto se levantava da cama e  alcançava  sua  bata  e  suas  sapatilhas—.  Começou  a  beber  ontem  pela  tarde  e  obviamente não se deteve. Não deveria me preocupar com saber onde está, ou o que  é o que lhe acontece.  —E se vagou até o exterior da casa e… OH, não sei… tropeçou com um ramo de  uma  árvore  ou  algo?  Não  deveríamos  perguntar  aos  jardineiros  ou  lavradores  se  o  viram?  —Deus.  Que  mortificação.  —Amelia  se ficou  a bata pela  cabeça  e  a  grampeou  apressadamente—.  Suponho  que  sim,  embora  deixando  claro  que  não  têm  que  realizar  uma  busca  exaustiva.  Odiaria  ter  que  interromper  seu  trabalho  só  porque  nosso irmão não sabe controlar‐se.  —Está aflito, Amelia —disse Poppy quedamente.  —Sei.  Mas  que  Deus  me  ajude,  estou  cansada  de  sua  aflição.  E  me  faz  sentir  muito mal o dizer isto.  Poppy a olhou compassivamente e estendeu a mão para abraçá‐la.  —Não  deve  te  sentir  mal.  Sempre  tiveste  que  recolher  as  partes  de  nossos  desastres, por não dizer outra coisa. Eu estaria também cansada, se fosse você.  Amelia lhe devolveu o abraço e se apartou com um suspiro.  —Preocuparemo‐nos  depois  por  Leo.  Agora  mesmo  estou  mais  preocupada  com a saúde do Merripen. Viu‐o esta manhã?  —Não, mas Win sim. Diz que definitivamente tem febre e que a ferida não está  sanando. Acredito que ficou com ele a maior parte da noite.  —E agora provavelmente se deprimirá do cansaço —disse Amelia exasperada.  Poppy duvidou e franziu o cenho.  —Amelia…  não  sei  se  este  é  o  melhor  momento  para  te  dizer  isto…  mas  lá  abaixo há um pequeno problema. Ao parecer desapareceu uma faca de prata. 

 

Amelia foi para a janela e olhou suplicante ao céu carregado de nuvens.  —Querido Deus Misericordioso, por favor que não tenha sido Beatrix.  —Amém —disse Poppy—. Mas o mais provável é que tenha sido ela.  Sentindo‐se curvada, Amelia em meio de seu desespero pensou: falhei. A casa  era  uma  ruína,  Leo  estava  desaparecido  ou  possivelmente  morto,  Merripen  estava  ferido, Win estava doente, Beatrix irá a prisão e Poppy estava condenada ao celibato.  Mas o que disse foi:  —Primeiro  Merripen.  —E  se  dirigiu  decididamente  à  habitação  de  este  com  o  Poppy pega a seus talões.  Win estava junto à cama do Merripen, tão esgotada que logo que podia manter‐ se  erguida.  Sua  cara  estava  pálida,  seus  olhos  injetados  em  sangue  e  tinha  o  corpo  totalmente inclinado. Ainda tinha forças para manter‐se em pé, mas lhe faltava muito  pouco para acabar com elas.  —Tem  febre  —disse,  enquanto  escorria  uma  toalha  molhada  e  a  colocava  na  nuca.  —Mandarei a procurar o doutor. —Amelia ficou a seu lado—. Deite‐te.  Win agitou a cabeça.  —Depois. Ele me necessita agora.  —Quão  último  precisa  é  que  te  adoeça  sobre  ele.  —Respondeu‐lhe  Amelia  brevemente.  Suavizou seu tom quando viu a angústia no olhar de sua irmã.  —Por favor, te deite. Poppy e eu cuidaremos dele enquanto dorme.  Devagar Win baixou a cabeça até que suas frentes se tocaram.  —Tudo  está  mau,  Amelia  —sussurrou  ela—.  Sua  força  desapareceu  muito  rapidamente. E a febre não deveu havê‐lo invadido tão apressadamente. 

 

—Ajudaremo‐lo  a  sair  desta.  —Inclusive  a  seus  próprios  ouvidos,  as  palavras  da Amelia soaram falsas. Esforçou‐se por esboçar um sorriso tranqüilizador com os  lábios—. Vá descansar, querida.  Win obedeceu relutantemente, enquanto Amelia se agachava sobre o paciente.  A saudável cor bronzeado do Merripen se esfumou até converter‐se em uma palidez  cinzenta, suas negras sobrancelhas e espessas pestanas se destacavam em um vívido  contraste.  Dormia  com  a  boca  aberta,  lutando  por  respirar  com  inspirações  pouco  profundas que se deslizavam sobre a superfície rachada de seus lábios. Não parecia  possível que Merripen, sempre tão áspero e fornido, pudesse afundar‐se tão rápido.  Ao lhe tocar a cara, Amelia se assustou pelo calor elevado de sua pele.  —Merripen —murmurou ela—. Acorda, querido. Poppy e eu vamos limpar te a  ferida. Deve ficar quieto para nós, de acordo?  Ele  tragou  e  assentiu,  seus  lábios  gretados  se  abriram.  Murmurando‐lhe  com  simpatia, as irmãs trabalharam em equipe, lhe recolhendo os lençóis até sua cintura,  lhe  levantando  a  prega  da  camisa  até  os  ombros,  tirando  trapos  limpos,  potes  de  unguento e mel e ataduras frescas.  Amelia  tocou  a  campainha  dos  serventes,  enquanto  Poppy  tirava  a  vendagem  velha. Enrugou o nariz ante o aroma ligeiramente desagradável da carne ferida que  tinha ficado exposta. As irmãs intercambiaram olhadas angustiadas.  Trabalhando  tão  suave  e  rapidamente  como  foi  possível,  Amelia  limpou  a  exsudação que gotejava da ferida, aplicou‐lhe unguento fresco e a cobriu. Merripen  permaneceu calado e rígido, embora suas costas se encolhia ao receber o tratamento.  Não  pôde  evitar  um  ocasional  vaio  de  dor.  E  para  quando  terminou,  ele  estava  tremendo.  Poppy lhe limpou o rosto suarento com um trapo seco.  —Pobre Merripen. —Levou‐lhe um copo de água aos lábios. Quando ele tratou  de negar‐se, deslizou‐lhe um braço sob a cabeça e o levantou com insistência—. Sim,  beberá‐lhe isso. Devia ter sabido que foste ser um paciente terrível. Bebe, querido, ou  me verei obrigada a te cantar algo.  Amelia reprimiu uma careta ao ver como Merripen obedecia. 

 

—Sua  forma  de  cantar  não  é  tão  terrível,  Poppy.  Papai  sempre  disse  que  cantava como os pássaros.  —Queria  dizer  como  um  louro  —disse  Merripen  broncamente,  enquanto  apoiava sua cabeça no braço do Poppy.  —Só por isso —lhe informou Poppy—, vou enviar ao Beatrix para que te cuide  hoje.  Provavelmente  colocará  a  um  de  seus  mascotes  na  cama  contigo,  e  estenderá  suas  cartas  no  chão.  E  se  tiver  sorte,  trará  seus  potes  de  cauda  e  poderá  ajudá‐la  a  fazer roupa de papel para sua boneca.  Merripen lançou a Amelia um olhar suplicante cheia de silencioso sofrimento, e  ela sorriu.  —Se isso não te inspirar rapidamente a melhorar, querido, nada o fará.  Mas  quando  os  seguintes  dois  dias  passaram,  Merripen  piorou.  O  doutor  parecia impotente para fazer algo, exceto lhe oferecer o mesmo tratamento. A ferida  se estava infectando, admitiu. Poderia‐se dizer a respeito que o sangue que gotejava  era branca e que a pele ao redor da ferida se estava tingindo de negro, um processo  inevitável que eventualmente envenenaria todo o corpo do Merripen.  Merripen  perdeu  peso  rapidamente,  tão  rápido  como  era  humanamente  possível. Isso acontecia frequentemente com as lesões produzidas por queimaduras,  disse o doutor. O corpo se consumia em um esforço por sanar as feridas. O que mais  preocupava a Amelia era que o ânimo do Merripen se voltava tão apático que nem  sequer Win parecia penetrar nele.  —Não  pode  resistir  o  sentir‐se  necessitado  —disse  Win  a  Amelia,  enquanto  sustentava a mão do Merripen quando ele estava dormido.  —A ninguém gosta de sentir‐se necessitado —respondeu Amelia.  —Isto  não  tem  nada  que  ver  com  que  a  um  goste  ou  não.  Acredito  que  literalmente  Merripen  não  pode  tolerá‐lo.  E  por  isso  se  evade.  —Win  acariciava  gentilmente  os  morenos  e  frouxos  dedos,  tão  poderosos  e  cheios  de  calos  pelo  trabalho.  Observando  a  tenra  preocupação  da  expressão  de  sua  irmã,  Amelia  não  possode evitar lhe perguntar brandamente: 

 

—Ama‐o, Win?  E sua irmã, ilegível como uma esfinge, voltou seus misteriosos olhos azuis para  ela.  —É obvio que sim. Todos amamos ao Merripen, não?  Essa não era a resposta que esperava. Mas Amelia sentia que não tinha direito a  misturar‐se neste assunto.  Outro assunto que a tinha cada vez mais preocupada era a contínua ausência de  Leo.  Levou‐se  um  cavalo  mas  não  tinha  empacotado  nenhum  de  seus  pertences,  poderia ter cavalgado até Londres? Conhecendo a aversão que lhe tinha seu irmão a  viajar,  Amelia  não  acreditava  possível.  Provavelmente  ainda  estava  no  Hampshire,  embora o lugar onde se alojava era um mistério. Não estava no botequim do povo,  nem no Ramsay House, nem em nenhuma parte da propriedade Westcliff.  Para alívio da Amelia, Christopher Frost veio de visita uma tarde, vestido com  um  sóbrio  adorno.  Bonito  e  perfumado  com  colônia  cara,  trazia  um  ramalhete  perfeitamente arrumado de flores, envolto com um elegante laço de pergaminho.  Amelia  se  encontrou  com  ele  no  salão  a  planta  baixa.  Em  sua  tristeza  pela  enfermidade do Merripen e o desaparecimento de Leo, todas as reservas que podia  ter  sentido  para  o  Christopher  desapareceram.  Feridas  do  passado  estavam  confinados  em  algum  recôndito  lugar  de  sua  mente,  e  nesse  momento  necessitava  um amigo.  Tomando suas duas mãos entre as suas, Christopher se sentou com ela em um  canapé acolchoado.  —Amelia  —lhe  murmurou  preocupado—.  Por  seu  aspecto,  posso  perceber  quão preocupada está. Não me diga que a condição do Merripen piorou?  —Está muito pior. —Disse ela, agradecida pelo forte apertão de suas mãos—. O  doutor parece não encontrar nenhum outro remédio, e acredita que qualquer padre  comum não teria nenhum efeito positivo, e que só causaria ao Merripen muito mais  desconforto. Tenho tanto medo de que o percamos.  Seus polegares lhe acariciaram brandamente o topo dos nódulos. 

 

—Sinto  muito.  Sei  o  que  ele  significa  para  sua  família.  Quer  que  te  envie  um  doutor de Londres?  —Acredito  que  não  há  tempo.  —Sentiu  emergir  as  lágrimas  e  as  conteve  com  muito esforço.  —Se posso te ajudar em algo, só tem que me pedir isso.  —Há algo…—Lhe  falou  da ausência  de Leo e  que tinha sabor de ciência certa  de que se encontrava em algum lugar do Hampshire—. Alguém tem que encontrá‐lo  —disse—. Eu o buscaria, mas me necessitam aqui. E ele tende a ir a lugares onde…  —Onde  não  vai  a  gente  respeitável  —terminou  Christopher  ironicamente  —.  Conhecendo seu irmão como o faço, querida, provavelmente seja melhor deixá‐lo em  qualquer lugar que esteja até que durma e a neblina se dissipe.  —Mas  poderia  estar  ferido,  ou  em  perigo.  Ele…  —Ela  percebeu  em  sua  expressão que a última coisa que Christopher queria fazer era procurar a seu irmão  extraviado—.  Sim  perguntasse  a  algumas  pessoas  do  povo  se  o  viram  por  aí,  agradeceria‐lhe isso.  —Farei‐o.  Prometo‐lhe  isso.  —Surpreendeu‐a  estendendo  a  mão  para  ela,  e  fechando os braços a seu redor. Ela ficou rígida mas permitiu que a atraíra perto—.  Pobrezinha—murmurou—. Tem tantas cargas que levar.  Tinha  havido  um  tempo  no  que  Amelia  teria  desejado  apaixonadamente  um  momento  como  este.  Ser  sustentada  pelo  Christopher,  consolada  por  ele.  Nessa  ocasião se sentou no céu.  Mas agora não se sentia igual a antes.  —Christoph…—começou, enquanto se separava dele, mas a boca dele apanhou  a  sua,  e  ficou  geada  de  assombro  quando  a  beijou.  Isto,  também,  era  diferente…  e  embora  só  por  um  momento,  recordou  como  tinha  sido,  quão  feliz  tinha  sido  uma  vez  a  seu  lado.  Parecia  que  tivesse  sido  fazia  tanto  tempo,  esse  momento  antes  da  escarlatina,  quando  tinha  sido  inocente  e  sonhadora  e  o  futuro  estava  cheio  de  promessas.  Apartou a cara da dele. 

 

—Não, Christopher.  —É  obvio.  —Ele  pressionou  os  lábios  contra  seu  cabelo—.  Este  não  é  o  momento apropriado para isto. Sinto muito.  —Estou tão preocupada com meu irmão e Merripen que não posso pensar em  outra coisa…  —Sei,  carinho.  —Olhou‐a  novamente  à  cara—.  Vou  ajudar  lhes  a  ti  e  a  sua  família. Não há nada que deseje mais que sua segurança e felicidade. E você necessita  de  meu  amparo.  Com  sua  família  em  dificuldades,  qualquer  poderia  aproveitar‐se  facilmente.  Ela franziu o cenho.  —Ninguém está aproveitando‐se de mim.  —E o que há do cigano?  —Refere‐te ao senhor Rohan?  Christopher assentiu.  —Tive  a  oportunidade  de  me  encontrar  com  ele  quando  ia  de  caminho  a  Londres, e falo de ti em uns términos… bom, basta dizendo que não é um cavalheiro.  Ofendi‐me em seu nome.  —O que disse?  —Gritou aos quatro ventos que você e ele vão casar. —Lhe escapou um sorriso  depreciativo—.  Como  se  você  pudesse  te  rebaixar  a  isso.  Um  meio  cigano  sem  maneiras nem educação.  Amelia sentiu a furiosa necessidade de defendê‐lo. Olhou fixamente ao rosto do  homem  ao  que  uma  vez  tinha  amado  tão  desesperadamente.  Era  a  encarnação  de  tudo  o  que  uma  jovem  desejaria  do  matrimônio.  Sem  dúvida  fazia  muito  tempo,  tivesse podido compará‐lo com o Cam Rohan e encontrar ao Christopher muito por  cima  dele.  Mas  ela  já  não  era  a  mulher  que  tinha  sido…  e  Christopher  não  era  o  cavalheiro de brilhante armadura que tinha acreditado que era. 

 

—Não  acredito  que  isso  fora  me  rebaixar  —disse—.  O  senhor  Rohan  é  um  cavalheiro e altamente estimado por seus amigos.  —Só  o  encontram  o  suficientemente  entretido  para  as  ocasiões  sociais,  mas  nunca  o  tratarão  como  um  igual.  E  nunca  será  um  cavalheiro.  Isso  o  entende  todo  mundo, querida, inclusive o mesmo Rohan.  —Pois eu nem o entendo nem o aceito—disse ela—. Se necessitam mais costure  para ser um cavalheiro que ter finos maneiras.  Christopher examinou intensamente seu rosto indignado.  —Muito bem, não vamos discutir por ele, se isso te acalorar. Mas nunca esqueça  que  os  ciganos  são  famosos  por  seu  encanto  e  seus  enganos.  O  princípio  que  os  governa  é  procurar  seu  próprio  prazer  sem  considerar  responsabilidades  ou  consequências. Sua fé para ele está equivocada, Amelia. Só espero que não lhe tenha  crédulo nenhum negócio de sua família ou algum tipo de assunto legal.  —Aprecio sua preocupação —respondeu ela, desejando que partisse e tentasse  encontrar a seu irmão extraviado—. Mas os assuntos de minha família permanecem  nas mãos de Lorde Ramsay e nas minhas.  —Então Rohan não retornará de Londres? Sua conexão com ele terminou?  —Retornará —admitiu ela relutantemente—, para trazer alguns peritos que nos  aconselharão sobre o que pode fazer‐se com o Ramsay House.  —Ah.  —Havia  a  suficiente  condescendência  em  seu  tom  para  fazê‐la  chiar  os  dentes. Christopher agitou a cabeça e permaneceu em silêncio comprido momento.  —E só aceitará seu conselho nesse assunto? —perguntou finalmente—. Ou me  permitirá  fazer  algumas  recomendações  em  um  assunto  no  qual  estou  completamente capacitado enquanto que ele não tem nem ideia?  —É obvio que suas recomendações seriam bem‐vindas.  —Então  posso  visitar  Ramsay  House  para  fazer  algumas  apreciações  profissionais por mim mesmo?  —Se o desejar. É muito amável por sua parte. Embora…—Se deteve insegura—.  Não desejaria que esbanjasse todo seu tempo ali. 

 

—Qualquer  tempo a  seu serviço estará bem empregado. —inclinou‐se e  roçou  seus lábios contra os seus antes de que ela tivesse a oportunidade de apartar‐se.  —Christopher, estou mais preocupada com meu irmão que pela casa…  —Claro —disse ele tranquilizadoramente—. Perguntarei por ele e se ouvir algo,  comentarei‐lhe isso imediatamente.  —Obrigada.  Mas  de  algum  modo  soube  quando  Christopher  partiu  que  a  busca  de  Leo  careceria  de  entusiasmo  no  melhor  dos  casos.  O  desespero  se  arrastou  através  dela  como uma fria e pesada onda.    À manhã seguinte, Amelia despertou de um pesadelo sacudindo os braços e as  pernas,  enquanto  seu  coração  pulsava  com  força.  Tinha  sonhado  que  encontrava  a  Leo  flutuando  de  bruços  em  um  lago,  e  quando  tinha  nadado  para  ele,  para  tentar  levá‐lo  a  borda,  seu  corpo  tinha  começado  a  afundar‐se.  Não  podia  mantê‐lo  a  flutuação, e quando o corpo se afastou um pouco mais em meio das águas negras, ela  se inundou com ele… afogando‐se com a água, incapaz de ver ou de respirar…  Tremendo,  levantou‐se  da  cama  e  alcançou  suas  sapatilhas  e  sua  bata.  Ainda  era cedo, a casa ainda estava escura e calada. Dirigiu‐se para a porta, e fez uma pausa  quando  pôs  a  mão  sobre  o  pomo.  O  medo  bombeou  através  de  suas  veias.  Não  queria  sair  da  habitação.  Tinha  medo  de  encontrar‐se  com  que  Merripen  tinha  morrido  em  metade  da  noite…  a  assustava  também  que  seu  irmão  tivesse  sofrido  uma tragédia… e o que mais a aterrorizava era que não seria capaz de aceitar o pior,  se ainda estava por vir. Não se sentia com as forças suficientes.  Tão  somente  pensar  em  suas  irmãs  lhe  fez  apertar  o  pomo  e  girá‐lo.  Por  elas,  poderia parecer decidida e confiada. Faria algo que tivesse que fazer.  Apressando‐se  com  o  passar  do  vestíbulo,  empurrou  a  porta  entreaberta  do  quarto do Merripen e aproximou de sua cama.  A  tênue  luz  da  alvorada  apenas  se  aliviava  a  escuridão,  mas  era  o  suficientemente clara para permitir a Amelia vislumbrar a duas pessoas jazendo  na  Cama.  Merripen  estava  de  flanco,  as  que  antes  tinham  sido  as  fortes  linhas  de  seu 

 

corpo derrubadas e lassas. E junto a ele havia uma figura magra, Win dormia a seu  lado, totalmente vestida, com os pés colocados sob a saia de seu vestido de andar por  casa. Embora era impossível que uma criatura tão delicada protegesse a alguém tão  enorme,  o  corpo  do  Win  estava  curvado  como  se  pudesse  protegê‐lo.  Amelia  os  olhou fixamente maravilhada, entendendo mais com a cena do que qualquer palavra  poderia  ter  comprometido.  Sua  posição  transmitia  desejo  e  contenção,  inclusive  enquanto dormiam.  Compreendeu que sua irmã tinha aberto os olhos... havia um brilho neles. Win  não  emitiu  nenhum  som  nem  fez  nenhum  movimento,  sua  expressão  era  de  gravidade, como se estivesse absorta colecionando a cada segundo que acontecia ele.  Curvada  com  a  compaixão  e  a  dor  compartilhada,  Amelia  apartou  o  olhar  de  sua irmã. Afastou‐se da cama e saiu da habitação.  Quase  tropeça  com  o  Poppy  que  também  atravessava  nesse  momento  o  corredor com seu fantasmal bata branca.  —Como está Merripen? —perguntou Poppy.  A Amelia doía a garganta. Era muito difícil falar.  —Não muito bem. Está dormindo. Vamos à cozinha e ponhamos uma panela ao  fogo.  Dirigiram‐se para as escadas.  —Amelia, sonhei toda a noite com Leo. Tive terríveis pesadelos.  —Igual a eu.  —Crê que… se feriu a si mesmo?  —Espero que não, com todo meu coração. Mas acredito que pode ser possível.  —Sim  —sussurrou  Poppy—.  Eu  também  acredito.  —Emitiu  um  pesado  suspiro—. Pobre Beatrix.  —Por que diz isso?  —Ela ainda é tão jovem, ter perdido já a tantas pessoas… a Pai e a Mãe, e agora  possivelmente também ao Merripen e a Leo. 

 

—Não perdemos ao Merripen e Leo ainda.  —A  estas  alturas,  seria  um  milagre  se  podemos  manter  com  vida  ao  menos  a  um deles.  —Sempre  é  tão  alegre  pelas  manhãs.  —Amelia  tomou  sua  mão  e  a  apertou.  Tentando ignorar o peso do desespero em seu próprio peito, disse‐lhe firmemente —  Não te renda ainda, Poppy. Mantenhamos a esperança a flutuação todo o tempo que  possamos.  Chegaram ao final dos degraus.  —Amelia.  —Poppy  soava  um  pouco  molesta—.  Alguma  vez  há  sentido  a  necessidade de te atirar ao chão e chorar?  Sim, pensou Amelia. Agora mesmo, de fato. Mas não podia permitir o luxo de  derramar suas lágrimas.  —Não, claro que não. Chorar não ajuda a resolver nada.  —Alguma vez quiseste te apoiar no ombro de alguém?  —Não necessito o ombro de ninguém. Tenho dois absolutamente sãs.  —Isso é estúpido. Não pode te apoiar em seu próprio ombro.  —Poppy, se quer começar o dia discutindo… —Amelia se interrompeu quando  percebeu  um  ruído  fora,  era  o  retumbar  e  o  deslizar  sobre  o  cascalho  de  uma  carruagem e cascos de cavalos.  —Céus, quem poderia vir a esta hora?  —O doutor —supôs Poppy.  —Não, ainda não o mandei chamar.  —Possivelmente Lorde Westcliff retornou.  —Mas não há nenhuma razão para isso, sobre tudo para que chegue tão cedo…  Um  lacaio  golpeou  a  porta,  o  som  ressonou  através  do  vestíbulo  de  entrada.  Ambas intercambiaram olhares de inquietação. 

 

—Não podemos abrir —disse Amelia—. Ainda estamos em camisola.  Uma faxineira entrou no vestíbulo. Baixando um cubo de carvão, limpou‐se as  mãos em seu avental e correu para a porta. Destravando o enorme portal, abriu‐o e se  inclinou para fazer uma cortesia.  —Vá  —murmurou  Amelia,  enquanto  empurrava  ao  Poppy  para  que  subisse  novamente os degraus. Mas quando olhou para trás por cima de seu ombro para ver  quem tinha chegado, a visão da figura alta e escura de um homem fez que saltassem  faíscas em seu interior. Deteve‐se com um pé no primeiro degrau, olhando e olhando  até que um par de olhos cor âmbar elevaram o olhar em sua direção.  Cam.  Parecia desalinhado e desavergonhado, como um bandido à fuga. Um sorriso se  estendeu por seus lábios, enquanto a olhava com intensidade.  —Parece que não posso viver longe de ti —disse.  Correu para ele sem pensar, quase tropeçando em sua pressa.  —Cam…  Colheu‐a  com  uma  risada  suave.  O  aroma  de  campo  se  aferrava  a  ele;  terra  molhada,  umidade,  folhas.  A  garoa  que  permanecia  sobre  seu  casaco  penetrou  através do magro tecido da camisola. Sentindo‐a tremer, Cam se abriu o casaco com  um  murmúrio  sem  palavras  e  a  empurrou  contra  o  asilo  caloroso  de  seu  corpo.  Amelia era vagamente consciente da presença dos serventes que se moviam através  do vestíbulo da entrada, e da cercania de sua irmã. Estava fazendo uma cena, devia  apartar‐se e tratar de comportar‐se. Mas não podia. Não ainda.  —Deve ter viajado todo a noite —se ouviu dizer a si mesmo.  —Tinha  que  voltar  logo.  —Amelia  sentiu  seus  lábios  lhe  roçar  o  cabelo  alvoroçado—.  Deixei  algumas  coisas  sem  terminar.  Mas  senti  o  pressentimento  de  que podia me necessitar. Diga‐me o que passou, carinho.  Amelia  abriu  a  boca  para  lhe  responder,  mas  para  sua  eterna  mortificação,  o  único som que emitiu foi um pouco parecido ao grasnido de um corvo miserável. Seu 

 

autodomínio se derrubou. Agitou a cabeça, afogou‐se em meio de soluços, e quanto  mais tentava contê‐los, pior se voltavam.  Cam  a  aferrou  firme  e  profundamente  dentro  de  seu  abraço.  A  espantosa  tormenta de lágrimas não parecia incomodá‐lo no absoluto. Tomou uma das mãos da  Amelia  e  a  esmagou  contra  seu  coração,  até  que  ela  pôde  sentir  seu  batimento  do  coração forte e firme. Em um mundo que estava desintegrando‐se a seu redor, ele era  a coisa mais sólida e real.  —Tudo vai bem —lhe ouviu murmurar—. Já estou aqui.  Alarmada  por  sua  própria  falta  de  autodisciplina,  Amelia  fez  um  precário  esforço por endireitar‐se, mas ele sozinho a abraçou mais forte.  —Não, não te aparte. Tenho‐te. —Embalou a tremente figura contra seu peito.  Notando  a  torpe  retirada  do  Poppy,  Cam  lhe  brindou  um  sorriso  tranqüilizador—.  Não se preocupe, irmãzinha.  —Amelia quase nunca chora —disse Poppy.  —Ela  está  bem.  —Cam  passava  uma  mão  pela  espinha  dorsal  da  Amelia  com  carícias consoladoras—. Só necessita…  Quando fez uma pausa, Poppy disse:  —Um ombro no que chorar.  —Sim. —Conduziu a Amelia para os degraus e fez gestos ao Poppy, para que  se sentasse junto a eles.  Com a Amelia embalada em seu regaço, Cam encontrou um lenço em seu bolso  e lhe limpou os olhos e o nariz. Quando resultou evidente que não podia extrair‐se  nenhum  sentido  de  suas  confusas  palavras,  sossegou‐a  brandamente  e  a  sustentou  contra seu fornido e quente corpo enquanto ela soluçava e escondia o rosto. Alagada  de alívio, permitiu‐lhe balançá‐la como se fora uma menina.  Enquanto  Amelia soluçava e se sossegava entre seus braços, Cam fez algumas  pergunta ao Poppy, quem lhe falou do complicado estado de saúde do Merripen e o  desaparecimento de Leo, e inclusive da peça do faqueiro de prata extraviada. 

 

Finalmente,  conseguindo  controlar‐se,  Amelia  se  esclareceu  a  dolorida  garganta. Elevou a cabeça do ombro do Cam e pestanejou.  —Melhor?—perguntou ele, enquanto lhe sustentava o lenço ante o nariz.  Amelia assentiu e soprou obedientemente.  —Sinto‐o—disse  com  uma  voz  apagada—.  Não  deveria  me  haver  convertido  em um coador. Já terminei.  Cam parecia ver diretamente em seu interior. Sua voz foi muito suave quando  lhe disse:  —Não tem que te desculpar. E tampouco terminaste ainda.  Ela compreendeu que sem importar o que fizesse ou dissesse, ou quanto tempo  queria  chorar,  ele  o  aceitaria.  E  a  consolaria.  Isso  fez  que  de  seus  olhos  se  derramassem lágrimas de novo. Arrastou a mão pelo pescoço aberto de sua camisa,  que  revelava  em  sua  fenda  uma  visão  de  pele  dourada  pelo  sol.  Deixou  que  seus  dedos vagassem ao redor do objeto de linho.  —Crê que Leo poderia estar morto? —sussurrou.  Não  lhe  ofereceu  nenhuma  falsa  esperança,  nem  promessas  vazias,  só  lhe  acariciou a bochecha úmida com seus nódulos.  —Aconteça o que acontecer, confrontaremo‐lo juntos.  —Cam… faria algo por mim?  —O que seja.  —Poderia encontrar essa planta que Merripen deu ao Win e a Leo para curar a  escarlatina?  Ele se tornou para trás e a olhou.  —A beladona mortal? Isso não funcionaria neste caso, carinho.  —Mas tem febre.  —Causada  por  uma  ferida  infectada.  O  que  devemos  fazer  é  tratar  a  fonte  da  febre. —Deslizou‐lhe a mão pela nuca, lhe aliviando os músculos tensamente atados. 

 

Olhava  fixamente  a  um  ponto  distante  no  chão,  como  se  estivesse  concentrado  em  algo. Suas pestanas espessas sombreavam seus olhos cor avelã—. Vamos jogar uma  olhada ao Merripen.  —Acredita que pode ajudá‐lo? —perguntou Poppy, saltando sobre seus pés.  —Ou isso, ou meus esforços acabarão com ele mais rapidamente. O que a estas  alturas, já não deve lhe importar. —Levantando a Amelia de seu regaço, Cam a pôs  cuidadosamente de pé, e começaram a subir as escadas. Sua mão permanecia no oco  das  costas  dela,  era  um  ligeiro  mas  firme  apoio  que  Amelia  necessitava  desesperadamente.  Quando chegaram ao quarto do Merripen, a Amelia lhe ocorreu que Win ainda  podia estar dentro.  —Esperem  —disse,  enquanto  se  interpunha  rapidamente—.  me  deixem  entrar  primeiro.  Cam ficou a um lado da porta.  Entrando  no  quarto  com  cautela,  Amelia  viu  que  Merripen  estava  sozinho  na  cama. Abriu a porta um pouco mais e lhes fez gestos ao Cam e ao Poppy  para que  entrassem.  Percebendo  a  presença  de  intrusos  no  quarto,  Merripen  rodou  de  flanco  e  entreabriu  os  olhos  para  eles.  Assim  que  captou  a  presença  do  Cam,  sua  cara  se  contraiu em uma careta áspera.  —Te largue daqui —grasnou.  Cam sorriu complacentemente.  —Assim  de  encantado  é  com  o  doutor?  Apostaria  a  que  estava  desejoso  de  te  ajudar.  —Te afaste de mim.  —Isto  possivelmente  te  surpreenda  —disse  Cam—,  mas  há  uma  larga  lista  de  coisas  que  preferiria  examinar  em  vez  de  seu  pútrido  cadáver.  Por  sua  família,  entretanto, estou disposto a fazê‐lo. Date a volta. 

 

Merripen  apoiou  a  frente  sobre  o  colchão  e  disse  algo  no  Romaní  que  soou  extremamente grosseiro.  —Você  também  —disse  Cam  serenamente.  Levantou  a  camisa  do  Merripen  e  lhe tirou a atadura do ombro ferido. Examinou a ferida horrorosamente lhe gotejem  sem expressão.  —Com quanta frequência a estivestes limpando? —perguntou a Amelia.  —Duas vezes por dia.  —Faremo‐lo  quatro  vezes  por  dia.  E  lhe  aplicaremos  um  cataplasma.  — Afastando‐se  da  cama,  Cam  fez  gestos  a  Amelia  para  que  o  acompanhasse  à  porta.  Pôs a boca em sua orelha:  —Tenho que sair a procurar algumas cosisas. Enquanto estou fora, lhe dê algo  para fazê‐lo dormir. Não poderá tolerar o que lhe vou fazer de outra maneira.  —Tolerar o que? O que vais pôr no cataplasma?  —Uma mescla de várias coisas. Incluída uma diluição das APIs mellifica.  —E isso que é?  —Veneno  de  abelha.  Extraído  de  abelhas  esmagadas,  para  ser  preciso.  Empaparemo‐lo com uma base de água e álcool.  Confundida, Amelia agitou a cabeça.  —Mas  onde  vais  conseguir…  —Se  interrompeu  e  o  olhou  fixamente  com  crescente horror—. Vai à colmeia que há no Ramsay House? C… como vais recolher  as abelhas?  Sua boca se estirou pela diversão.  —Muito cuidadosamente.  —Quer… que te ajude?—ofereceu‐se com dificuldade.  Conhecendo o terror que tinha aos insetos, Cam lhe deslizou as mãos ao redor  de sua cabeça e a beijou fortemente nos lábios. 

 

—Não  com  as  abelhas,  carinho.  Fique  aqui  e  dá  uma  dose  de  morfina  ao  Merripen. Uma bem grande.  —Não quererá tomar‐lhe. Odeia a morfina. Quererá mostrar‐se estóico.  —Confia  em  mim,  nenhum  de  nós  desejará  que  esteja  acordado  enquanto  lhe  aplico  o  cataplasma.  Sobre  tudo  Merripen.  Os  Romaní  chamam  o  tratamento:  “O  relâmpago  branco”,  e  por  uma  boa  razão.  Não  é  algo  que  ninguém  possa  suportar  estoicamente.  Assim  faz  o  que  seja  necessário  para  obrigá‐lo,  monisha.  Retornarei  logo.  —Crê que o relâmpago branco funcionará? —perguntou ela.  —Não sei. —Cam lançou um olhar indecifrável à figura que sofria na cama—.  Mas não acredito que dure muito mais sem ele.  Enquanto Cam estava fora, Amelia falou com suas irmãs em privado. Decidiu‐ se  que Win  era a mais indicada para fazer tomar  a morfina ao  Merripen. E  foi  Win  quem  afirmou  rotundamente  que  teriam  que  enganá‐lo,  quando  ele  se  negou  a  tomar‐lhe voluntariamente, sem importar quanto o pediram.  —Mentirei‐lhe,  se  for  necessário  —disse  Win,  surpreendendo  às  demais  com  suas palavras—. Ele confia em mim. Acreditará algo que lhe diga.  Elas  sabiam  que  Win  nunca  havia  dito  uma  mentira em  sua  vida,  nem  sequer  quando era menina.  —Realmente  crê  que  pode  fazê‐lo?—perguntou  Beatrix,  um  pouco  intimidada  pela ideia.  —Para salvar sua vida, sim. —A delicada tensão se percebia no cenho do Win, e  umas  manchas  de cor  rosa  pálida  se  vislumbravam mais tintas em  sua  bochecha—.  Acredito...  acredito  que  um  pecado  cometido  por  um  propósito  assim  pode  ser  perdoado.  —Estou de acordo —disse Amelia rapidamente.  —Gosta  do  chá  de  hortelã  —disse  Win—.  Façamos  um  pouco  bastante  carregado  e  lhe  adicionemos  muito  açúcar.  Isso  ajudará  a  aplacar  o  sabor  da  medicina. 

 

Nenhum  bule  tinha  sido  preparada  nunca  com  tão  escrupuloso  cuidado,  as  irmãs  Hathaway  se  apinharam  sobre  a  beberagem  como  um  aquelarre  de  jovens  bruxas.  Finalmente  encheram  um  bule  de  porcelana  com  a  açucarada  cocção,  e  a  colocaram em uma bandeja junto a uma taça e um pires.  Win  a  levou  a  quarto  do  Merripen,  fazendo  uma  pausa  na  soleira  enquanto  Amelia mantinha a porta aberta.  —Quer que entre contigo? —sussurrou Amelia.  Win agitou sua cabeça.  —Não, eu me farei cargo. Por favor, fecha a porta. Te assegure de que ninguém  nos  incomode.  —Suas  estilizada  costas  estavam  muito  retas  quando  entrou  no  quarto.  Os  olhos  do  Merripen  se  abriram  quando  ouviu  o  som  dos  passos  do  Win.  A  dor  da  ferida  inflamada  era  constante  e  inevitável.  Podia  sentir  as  toxinas  derramando‐se  em  sua  corrente  sanguínea,  alimentando  sua  pele  envenenada.  Isso  lhe  produzia  uma  escura  e  confusa  euforia,  que  lhe  conduzia  fora  de  seu  corpo  até  que se sentiu flutuando na periferia do quarto. Quando Win chegou, afundou‐se de  retorno na dor com só sentir suas mãos sobre ele, e sua respiração no rosto.  Win brilhava como se fora uma miragem ante ele. A pele dela parecia fresca e  luminosa, enquanto seu corpo rabiava emanando veneno e calor.  —Trouxe algo para ti.  —Não… não quero…  —Sim  —insistiu  ela,  ao  unir‐se  o  na  cama—.  Te  ajudará  a  melhorar…  vêem  aqui, te levante um pouco e porei meu braço ao redor de ti. —ouviu‐se um delicioso  deslizamento  de  membros  femininos  contra  ele,  debaixo  dele,  e  Merripen  chiou  os  dentes  ante  o  furioso  estalo  de  agonia  que  se  produziu  quando  se  moveu  para  acomodar‐se. A escuridão e a luz jogaram sob suas pálpebras fechadas, e lutou por  manter‐se consciente.  Quando pôde abrir os olhos de novo, encontrou‐se descansando a cabeça sobre  os suaves peitos do Win, um de seus braços o embalavam enquanto sua mão livre lhe  apertava uma taça contra os lábios. 

 

Um  bordo  de  delicada  porcelana  fez  clique  contra  seus  dentes.  Retrocedeu  quando um sabor acre queimou seus lábios rachados.  —Não…  —Sim.  Bebe.  —A  taça  foi  posta  nos  lábios  de  novo.  O  sussurro  se  deslizou  meigamente sobre sua orelha— Faz‐o por mim.  Estava  muito  doente,  não se acreditava  capaz  de  tragá‐lo, mas  para agradá‐la,  bebeu um pouco. O sabor cru e ácido lhe fez retroceder.  —O que é?  —Chá de hortelã. —Os angélicos olhos azuis do Win o olharam fixamente sem  pestanejar, seu formoso rosto era neutro—. deve beber isso tudo e talvez outra taça  mais. Fará‐te bem.  Soube em seguida que Win lhe estava mentindo. Nada poderia lhe fazer bem. E  o forte sabor amargo da morfina no chá era impossível de ocultar. Mas Merripen se  precaveu  de  algo  ao  olhá‐la,  de  sua  estranha  determinação  e  lhe  ocorreu  que  ela  estava lhe dando essa dose excessiva com um propósito. Sua mente exausta sopesou  as  possibilidades.  Possivelmente  Win  queria  lhe  economizar  mais  sofrimentos,  sabendo que as horas e os dias vindouros seriam mais difíceis para ele. Matá‐lo com  morfina era o último ato de bondade que ela podia lhe oferecer.  Morrer  em  seus  braços…  embalado  contra  ela  enquanto  abandonava  sua  cicatrizada alma à escuridão… Win seria a última coisa que sentiria, veria e escutaria.  Se houvesse lágrimas dentro dele, teria podido chorar de gratidão.  Bebeu devagar, tragando cada sorvo. Bebeu um pouco mais da seguinte taça até  que sua garganta já não pôde mais, e voltou a cara contra seu peito e se estremeceu.  A  cabeça  lhe  dava  voltas  e  flutuavam  faíscas  a  seu  redor,  como  uma  chuva  de  estrelas.  Win pôs a taça a um lado, acariciou‐lhe o cabelo e pressionou a bochecha úmida  contra sua frente.  E ambos ficaram esperando. 

 

—Canta  para  mim  —lhe  sussurrou  Merripen,  enquanto  a  escuridão  cegadora  lhe rodeava. Win seguiu lhe acariciando a cabeça enquanto cantarolava uma canção  de berço. Tocou‐lhe a garganta com os dedos, procurando a preciosa vibração de sua  voz e as faíscas se murcharam enquanto se perdeu nela, seu destino, ao fim.  Amelia  se  deslizou  até  o  chão  e  se  sentou  junto  à  porta,  com  os  dedos  entrelaçados  laxamente.  Ouviu  os  tenros  murmúrios  do  Win…  umas  poucas  palavras  ásperas  do  Merripen…  e  um  comprido  silencio.  E  então  a  voz  do  Win,  cantando  brandamente,  murmurando,  os  tons  eram  tão  sinceros  e  adoráveis  que  Amelia sentiu uma frágil paz derramando‐se sobre ela. Finalmente, o som angélico se  murchou e só houve mais silêncio.  Depois de uma hora, Amelia, cujos nervos se estiraram até o limite, ficou de pé  e  estendeu  os  membros  encolhidos.  Abriu  a  porta  com  muito  cuidado.  Win  estava  arrumando a cama, arrastando os lençóis sobre a figura relaxada do Merripen.  —Tomou?  —sussurrou  Amelia,  ao  aproximar‐se  dela.  Win  parecia  cansada  e  tensa.  —A maior parte.  —Teve que lhe mentir?  Win assentiu relutantemente.  —Foi a coisa mais fácil que tenho feito na vida. Vê? Não sou tão Santa depois de  tudo.  —Sim o é —Amelia se voltou e a abraçou fortemente—. Sim o é.      Inclusive a  bem treinada servidão  de Lorde  Westcliff se  queixou  quando  Cam  retornou  com  dois  frascos  repletos  de  abelhas  vivas  e  as  levou  a  cozinha.  As  faxineiras da cozinha fugiram chiando para a sala dos serventes, o ama de chaves se  retirou  a  seu  quarto  para  escrever  uma  carta  indignada  ao  conde  e  a  condessa,  e  o  mordomo lhe disse à moço de quadra que se essa era a classe de hóspede que Lorde  Westcliff esperava que atendesse, estava pensando seriamente em retirar‐se. 

 

Como foi a única pessoa que se atreveu a entrar na cozinha, Beatrix ficou com o  Cam,  ajudando‐o  a  preparar  a  beberagem  penetrando  e  mesclando,  para  depois  informar a suas irmãs de que se divertiu muito esmagando abelhas.  Finalmente, Cam levou a quarto do Merripen o que parecia ser a beberagem de  um feiticeiro. Amelia esperava ali por ele, já tendo preparada facas limpas, tesouras,  pinzas, água fresca, e uma pilha de ataduras brancas podas.  Ordenou‐se  ao  Poppy  e  ao  Beatrix  que  abandonassem  a  habitação,  para  seu  eterno desgosto, enquanto Win fechava a porta firmemente atrás delas. Logo aceitou  um avental da Amelia, o atou ao redor da estreita cintura e se colocou junto à cama.  Posando os dedos a um lado da garganta do Merripen, Win disse tensamente:  —Seu pulso é débil e lento. É pela morfina.  —Tiro a vendagem? —perguntou Amelia.  Cam assentiu.  —E também a camisa. —Dito isto foi ao lavabo e se ensaboou as mãos.  Win e Amelia tiraram a camisa de linho da figura prostrada do Merripen. Suas  costas ainda eram pesadas e musculosas, mas tinha perdido muito peso. Borde‐os de  suas costelas se sobressaíam sob a pele morena.  Enquanto  Win  ia  atirar  a  camisa  enrugada,  Amelia  lhe  desatou  as  pontas  da  atadura  e  começou  a  soltá‐la.  Deteve‐se  quando  viu  uma  curiosa  marca  no  outro  ombro.  Inclinando‐se  sobre  ele,  examinou  mais  atentamente  o  desenho  de  tinta  negra. Um frio de sobressalto a atravessou.  —Uma tatuagem —foi tudo o que pôde dizer.  —Sim,  notei‐o  faz  uns  dias  —comentou  Win,  ao  retornar  junto  à  cama—.  É  estranho  que  alguma  vez  o  tenha  mencionado  antes  verdade?  Não  me  surpreende  que  sempre  estivesse  desenhando  pookas  e  inventasse  histórias  sobre  eles  quando  era mais jovem. Deve ter alguma importância para…  —O  que  há  dito?  —a  voz  do  Cam  era  calada,  mas  reverberou  com  tal  intensidade que bem podia ter estado gritando. 

 

—Merripen tem uma tatuagem de um pooka em seu ombro —replicou Win, lhe  olhando  inquisitivamente enquanto ele  se  aproximava  apressadamente à  cama com  três  pernadas—.  Não  nos  tínhamos  dado  conta  de  que  o  tinha  até  agora.  É  um  desenho único... nunca tinha visto um pouco parecido… —se interrompeu com um  ofego quando Cam pôs seu antebraço junto ao ombro do Merripen.  Os negros cavalos alados de olhos amarelos eram idênticos.  Amelia elevou o olhar da assombrosa visão até o pálido rosto do Cam.  —O que significa isto?  Cam parecia não poder apartar seu olhar da tatuagem do Merripen.  —Não sei.  —Tinha conhecido alguma vez a outra pessoa que tivesse…  —Não.  —Cam  se  apartou—.  Doce  Jesus.  —Caminhou  devagar  de  um  lado  a  outro ao pé da cama, enquanto olhava fixamente à figura imóvel do Merripen, como  se este fora uma espécie de criatura exótica que nunca tivesse visto. Tomou um par  de tesouras da bandeja de fornecimentos.  Instintivamente,  Win  se  interpôs  e  se  colocou  junto  ao  homem  que  dormia.  Notando seu gesto protetor, Cam murmurou:  —Está bem, irmãzinha. Só vou cortar‐lhe a pele morta.  Inclinou‐se  sobre  a  ferida  e  trabalhou  intensamente.  Depois  de  um  minuto  de  olhá‐lo limpar e escavar na ferida, Win foi para a cadeira mais próxima e se derrubou  bruscamente, como se seus joelhos se saíram de suas juntas.  Amelia  ficou  junto  ao  Cam,  sentindo  a  ardência  da  náusea  na  garganta.  Cam,  pelo  contrário,  mostrava‐se  tão  frio  como  se  somente  estivesse  reparando  o  intrincado  mecanismo  de  um  relógio  em  lugar  de  tratar  com  carne  humana  inflamada. Respondendo a sua ordem, Amelia tirou o pote de líquido que continha o  cataplasma, cheirava a adstringente mas curiosamente doce.  —Não  permita  que  te  salpique  os  olhos  —disse  Cam,  enquanto  enxaguava  a  ferida com uma solução salina. 

 

—Cheira a frutas.  —É  o  veneno.  —Cam  cortou  um  quadrado  de  tecido  e  o  meteu  na  terrina.  Tirando‐o cuidadosamente, pôs o tecido empapado sobre a ferida. Inclusive em seu  sonho profundo, Merripen se estremeceu e gemeu em reação.  —Calma,  xale.  —Cam  posou  uma  mão  em  suas  costas,  para  mantê‐lo  em  seu  lugar.  Quando  se  assegurou  de  que  Merripen  estava  quieto  novamente,  enfaixou  o  cataplasma  firmemente  em  seu  lugar—.  O  reaplicaremos  cada  vez  que  limpemos  a  ferida —disse—. Não incline a terrina. Odiaria ter que ir procurar mais abelhas.  —Como saberemos se está dando resultado? —perguntou Amelia.  —A  febre  deveria  baixar  gradualmente  e  amanhã  a  esta  hora,  deveríamos  ver  uma  agradável  crosta  sobre  a  ferida.  —Tocou  a  garganta  do  Merripen  e  disse  ao  Win— Seu pulso é agora mais forte.  —E o que há da dor? —perguntou Win ansiosamente.  —Isso  deveria  melhorar  rapidamente.  —Cam  lhe  sorriu  enquanto  citava  uma  frase em latim— Pró medicina est dor, dores qui necat.  —A dor que mata à dor, atua como medicina —traduziu Win.  —Isso tem sentido só para um Roma —disse Amelia, e Cam sorriu abertamente.  Tomou os ombros com suas mãos.  —Ficasse ao cargo agora, colibri. Eu vou sair um momento.  —Agora? —perguntou ela desconcertada—. Mas… aonde vai?  Sua expressão trocou.  —A  procurar  a  seu  irmão.  —Amelia  o  olhou  fixamente  com  uma  mescla  de  gratidão e preocupação.  —Possivelmente  deveria  descansar  primeiro.  Viajaste  toda  a  noite.  Poderia  te  levar muito tempo encontrá‐lo.  —Não acredito —seus olhos brilharam com ironia—. Seu irmão não é dos que  cobrem seus rastros. 

 

          Capítulo 20    Aproximadamente  seis  horas  depois  de  ter  começado  a  busca  de  Leo,  Cam  golpeou na porta de um próspero imóvel. Algumas intrigas de botequim lhe tinham  levado  até  alguém  que  tinha  visto  o  Ramsay  com  outra  pessoa,  e  estes  lhe  tinham  levado  a  outro  sítio,  onde  seus  planos  tinham  sido  escutados  por  acaso,  e  assim  sucessivamente, até que finalmente o rastro o tinha conduzido a este lugar.  A  enorme  casa  estilo  Tudor,  com  a  inscrição  da  data  de  sua  construção  sobre  sua  porta:  1620,  estava  localizada  a  quase  um  quilômetro  e  meio  do  Stony  Cross  Park. Pela informação que Cam tinha recolhido, a granja tinha pertencido uma vez a  uma  nobre  família  do  Hampshire,  mas  tinha  sido  vendida  por  necessidade  a  um  comerciante  de  Londres.  Servia  como  lugar  de  retiro  para  os  dissipados  filhos  do  comerciante e de seus companheiros de jogos.  Não lhe supôs uma surpresa que a Leo atraíra esse tipo de companhia.  A porta se abriu e um mordomo  de rosto endurecido apareceu. Seus lábios se  retorceram desdenhosamente ao ver o Cam.  —Os de sua classe não são bem‐vindos por aqui.  —Miúda  sorte,  já  que  não  penso  ficar  muito  tempo.  Vim  em  busca  de  Lorde  Ramsay.  —Aqui  não  há  nenhum  Lorde  Ramsay.  —O  mordomo  começou  a  fechar  a  porta, mas Cam interpôs uma mão para impedir‐lhe.  —Alto. De olhos claros. Robusto. Provavelmente emprestando a álcool... 

 

—Não vi a ninguém com essa descrição.  —Então me permita falar com seu amo.  —Não está em casa.  —Olhe  —disse  Cam  irritado—.  Estou  aqui  em  nome  da  família  de  Lorde  Ramsay.  Querem  que  o  leve  de  volta.  Só  Deus  sabe  por  que.  Entregue‐me  isso  e  o  deixarei em paz.  —Se  o  querem  —disse  o  mordomo  friamente—,  que  enviem  a  um  servente  apropriado. Não a um pestilento cigano.  Cam se esfregou as esquinas de seus olhos com sua mão livre e suspirou.  —Podemos  fazer  isto  da  maneira  fácil  ou  da  maneira  difícil.  Francamente,  preferiria  não realizar um exercício  físico desnecessário.  Tudo o que lhe peço é  que  me de cinco minutos para encontrar ao bastardo e levar‐me o daqui.  —Largue‐se daqui!  Depois  de  outro  tento  de  fechar  a  porta,  o  mordomo  tomou  uma  campainha  chapeada  da  mesa  do  vestíbulo.  Uns  segundos  depois  apareceram  dois  lacaios  corpulentos.  —Tirem daqui a este inseto —ordenou o mordomo. Cam se tirou a jaqueta e a  jogou sobre um dos bancos que adornavam o vestíbulo de entrada.  O primeiro lacaio o atacou. Com uns poucos movimentos experimentados, Cam  lhe golpeou com a direita na mandíbula, derrubou‐o, e o deixou gemendo no chão.  O  segundo  lacaio  se  aproximou  do  Cam  com  muita  mais  cautela  que  o  primeiro.  —Qual  é  seu  braço  dominante?  —perguntou  Cam.  O  lacaio  pareceu  sobressaltado.  —Por que quer sabê‐lo?  —Preferiria te romper o que não utiliza com frequência. 

 

Os  olhos  do  lacaio  se  saíram  de  suas  órbitas,  e  se  retirou  lançando  um  olhar  suplicante ao mordomo.  O mordomo olhou fixamente ao Cam.  —Tem cinco minutos. Encontre a seu amo e largue‐se.  —Ramsay não é meu amo —murmurou Cam—. É um grão em meu traseiro.  —Levam  dias  no  mesmo  quarto  —lhe  disse  o  lacaio,  cujo  nome  era  George,  enquanto  ascendiam  rapidamente  por  umas  escadas  atapetadas—.  A  comida  e  as  prostitutas  vêm  e  vão,  há  garrafas  de  vinho  vazias  por  toda  parte…  e  o  fedor  a  fumaça do ópio invade todo o piso de acima. Quererá cobri‐los olhos quando entre a  esse quarto, senhor.  —Pela fumaça?  —Por isso, e… bom, algumas coisas que fariam ruborizar‐se ao mesmo diabo.  —Sou  de  Londres  —disse  Cam—.  Não  me  ruborizo.  —Ainda  quando  George  não  tivesse  estado  desejoso  de  levar  ao  Cam  à  guarida  de  iniquidade,  tivesse‐o  podido encontrar facilmente pelo aroma.  A  porta  estava  entreaberta.  Cam  a  empurrou  com  o  cotovelo,  abriu‐a  e  caminhou  em  meio  da  atmosfera  nublada.  Havia  quatro  homens  e  duas  mulheres,  todos jovens, em diversas fases de nudez. Embora só havia uma pipa de ópio como  evidência, poderia afirmar‐se que todo o quarto era uma pipa enorme, pela espessura  da fumaça adocicada. A chegada do Cam foi recebida com notável despreocupação,  os  homens  entorpecidos  sobre  o  estofo  dos  móveis,  a  gente  enroscado  sobre  almofadas  na  esquina.  Sua  cútis  eram  cadavéricas,  seus  olhos  alagados  pela  estupidez  induzida  pelos  narcóticos.  A  mesita  estava  cheia  de  colheres,  alfinetes  e  um prato cheio do que parecia ser um xarope negro.  Uma das mulheres, que estava completamente nua, deteve‐se no ato de elevar  uma pipa à boca frouxa de um dos homens.  —Olhe  —disse  à  outra  mulher—,  um  novo.  —escutou‐se  uma  risada  sonolenta—.  Bom,  necessitamo‐lo.  Todos  estes  estão  a  meia  haste.  Quão  único  fica  rígido é a pipa. —retorceu‐se para olhar ao Cam—. Vá, que homem tão formoso. 

 

—OH, deixe‐me isso primeiro —disse a outra. Acariciou‐se convidativamente— . Veem, amor, darei‐te um…  —Não,  obrigado.  —Cam  estava  começando  a  sentir‐se  ligeiramente  enjoado  pela fumaça. Dirigiu‐se para a janela mais próxima, abriu‐a e deixou que uma brisa  fresca entrasse na habitação. Umas maldições e alguns protestos foram as respostas  de suas ações.  Identificando ao que estava na esquina como Leo, Cam foi até a figura imóvel,  levantou‐lhe  a  cabeça  pelo  cabelo  e  olhou  fixamente  à  cara  torcida  de  seu  futuro  cunhado.  —Não inalaste suficiente fumaça ultimamente? —perguntou.  Leo franziu o cenho.  —Te apodreça.  —Parece‐te com o Merripen —disse Cam—. Que no caso de te interesse, pode  estar morto para quando retornarmos ao Stony Cross Manor.  —Que vá bem.  —Estaria de acordo contigo, só que isso provavelmente signifique que estou no  lado  incorreto  da  situação.  —Cam  começou  a  levantar  Leo  e  o  outro  homem  resistiu—.  te  ponha  de  pé,  condenado.  —Cam  lhe  elevando  com  um  grunhido  de  esforço—. Ou te tirarei rastros pelos talões.  O enorme vulto de Leo oscilou contra ele.  —Estou tentando me levantar —exclamou—. Mas o chão segue movendo‐se.  Cam  lutou  por  sustentá‐lo.  Quando  Leo  finalmente  pôde  andar,  cambaleou‐se  até chegar à porta onde o lacaio esperava.  —Quer  que  o  escolte  até  abaixo,  milord?  —perguntou  George  educadamente.  Leo lhe respondeu com um áspero assentimento.  —Fecha a janela —exigiu uma das mulheres, enquanto seu corpo se estremecia  com o vento de outono que atravessou a habitação. 

 

Cam  a  olhou  desapaixonadamente.  Tinha  visto  muitas  como  ela  para  sentir  piedade.  Havia  milhares  delas  em  Londres,  jovencitas  do  campo  o  suficientemente  bonitas  para atrair a atenção de homens que lhes fizeram  promessas, tomaram  e as  abandonaram sem nenhum remorso.  —Deveria  tentar  tomar  um  pouco  de  ar  fresco  —a  aconselhou,  enquanto  tomava uma manta atirada a um lado do canapé—. Esclarece ideias.  —E do que me serve isso? —perguntou ela agriamente.  Cam sorriu abertamente.  —Bom  ponto.  —Cobriu  com  a  manta  seu  branco  corpo  estremecido—.  Ainda  assim…  deveria  respirar  profundamente.  —inclinou‐se  para  aplaudir  brandamente  sua pálida bochecha—. E abandonar este lugar quando for capaz. Não te esbanje com  estes bastardos.  A  mulher  elevou  seus  olhos  injetados  de  sangue,  olhando  maravilhada  ao  homem de cabelo negro, que era tão moreno e enérgico como um príncipe pirata com  um diamante reluzindo em sua orelha.  Sua voz lastimera o seguiu quando partiu.  —Retorna!  Necessitaram‐se  os  esforços  misturas  do  Cam  e  do  George  para  levar  a  lhe  resmunguem e protestos de Leo até a carruagem.  —É  como  querer  conduzir  cinco  sacos  de  batatas  ao  mesmo  tempo  —disse  o  lacaio  ofegando,  enquanto  empurrava  o  pé  de  Leo  a  um  lugar  seguro  dentro  do  veículo.  —As  batatas  estariam  mais  caladas  —disse  Cam.  Lançou‐lhe  ao  lacaio  um  soberano de ouro.  George o apanhou ao vôo e lhe sorriu.  —Obrigado,  senhor!  E  posso  dizer  que  é  você  um  cavalheiro,  senhor,  ainda  quando for um cigano. 

 

O  sorriso  do  Cam  se  voltou  seco  e  subiu  à  carruagem  depois  de  Leo.  Começaram seu caminho de volta ao Stony Cross Manor em silêncio.  —Necessita  que  nos  detenhamos?  —perguntou  Cam  a  Leo  a  metade  de  caminho, já que a cara de Leo se havia posto verde.  Leo agitou a cabeça com fúria.  —Não desejo falar.  —Deve‐me  uma  resposta  ou  possivelmente  duas.  Porque  se  não  tivesse  tido  que  me  passar  o  dia  investigando  por  meio  Hampshire  para  te  encontrar,  agora  poderia  estar  na  cama  —“com  sua  irmã”,  pensou,  mas  em  seu  lugar  disse—  dormindo.  Seus curiosamente pálidos olhos se voltaram para ele, eram da cor dos pedaços  de gelo quando o crepúsculo azul brilhava através deles. Olhos incomuns. Cam tinha  visto  alguém  com  olhos  como  esses  antes,  mas  não  podia  recordar  a  quem  ou  quando. Uma lembrança distante justo fora de seu alcance.  —O que quer saber? —perguntou Leo.  —Por  que  tráficos  ao  Merripen  com  tão  má  vontade?  É  por  sua  encantadora  disposição? Ou é por que é um Roma? Ou porque foi recolhido por seus pais e criado  como um de vós?  —Nada  disso.  Desprezo  ao  Merripen  porque  se  negou  a  me  conceder  a  única  coisa que lhe pedi na vida.  —Que coisa?  —Deixar morrer.  Cam ponderou essa ideia.  —Quer dizer quando te cuidou enquanto esteve doente de escarlatina.  —Sim.  —Culpa‐o por salvar sua vida?  —Sim. 

 

—Se te faz sentir melhor —lhe disse Cam secamente, enquanto se reclinava em  seu assento—, estou seguro de que está arrependido disso.  Permaneceram  calados  depois disso, enquanto  Cam se  relaxava  e deixava que  sua mente vagasse. Quando a escuridão caiu e Leo levantou o olhar entre as sombras,  seus enervantes olhos brilharam de cor prata e azul…  …E Cam recordou.  Tinha  sido  em  sua  infância,  quando  Cam  ainda  estava  com  a  tribo.  Havia  um  homem  com  a  cara  macilenta  e  brilhantes  olhos  descoloridos,  sua  alma  estava  assolada pelo pesar da morte de sua filha. A avó do Cam lhe tinha advertido que se  separasse do homem.  —É um muladí —lhe havia dito ela.  —O  que  significa  isso,  Mami?  —tinha‐lhe  perguntado  Cam,  enquanto  se  aferrava ansiosamente a sua mão cálida e áspera e reconfortavelmente nodosa como  as raízes das árvores antigas.  —Alguém a quem ronda o espírito de uma pessoa morta. Não te aproxime dele,  está desgostando ao equilíbrio do Romanija. Amava a sua filha muito.  Sentindo pena pelo homem, e preocupação por seu próprio destino, Cam tinha  perguntado:  —Eu serei um muladí quando morrer, Mami? —Tinha estado seguro de amar a  sua avó muito, mas não podia deixar de sentir dessa maneira.  Um sorriso apareceu nos olhos negros e sábios de sua avó.  —Não, Cam. Um muladí apanha o espírito da pessoa amada, porque não quer  deixá‐lo ir. Você não me faria isso , verdade pequeno raposa?  —Não, Mami.  Não  muito  depois  disso  o  homem  tinha  morrido  por  sua  própria  mão.  Tinha  sido um horror, e ainda assim um alívio para toda a tribo.  Agora, enquanto Cam jogava um olhar ao passado com a compreensão de um  adulto em lugar da de um menino, sentiu um calafrio de apreensão, seguido por uma 

 

quebra de onda de lástima. Quão impossível seria abandonar à mulher que amava.  Como poderia deixar de desejá‐la? As feridas de seu coração se rasgariam a causa do  pesar. É obvio queria retê‐la a seu lado. Ou segui‐la.  Quando  Cam  entrou  na  mansão  com  o  impertinente  filho  pródigo  a  seu  lado,  Amelia e Beatrix correram para eles, a primeira franzindo o cenho, a última sorrindo.  Amelia abriu a boca para lhe dizer algo a Leo, mas Cam capturou seu olhar e  agitou  a  cabeça,  advertindo  a  de  que  permanecesse  calada.  Para  sua  surpresa,  realmente lhe obedeceu e se tragou suas palavras de admoestação. Em troca estendeu  a mão para tomar o casaco de Leo.  —Eu me encarregarei disto —disse, com um tom cometido.  —Obrigado —Ambos evitaram olhar‐se aos olhos.  —Acabamos  de  terminar  de  jantar  —murmurou  Amelia—.  O  guisado  ainda  está quente. Quer um pouco? —Leo sacudiu a cabeça.  Beatrix, ignorando o tom de mal‐estar que se percebia no ar, lançou‐se para Leo  e envolveu seus braços ao redor de sua compacta cintura.  —Leva muito tempo fora! Aconteceram muitas coisas: Merripen está doente, e  eu  ajudei  a  preparar  uma  poção  para  ele,  e...  —deteve‐se,  fazendo  uma  careta—.  Cheira muito mal. Que…  —Me  conte  como  fez  a  poção  —disse  Leo  asperamente,  enquanto  subia  os  degraus. Beatrix seguiu falando sem parar enquanto o acompanhava.  Cam examinou a Amelia cuidadosamente, sem perder nenhum detalhe. Estava  despenteada, o cabelo lhe caía em cascata sobre as costas e tinha os olhos cansados.  Precisava descansar.  —Obrigada por encontrá‐lo —disse—. Onde estava?  —Em uma casa privada com alguns amigos.  Ela lhe aproximou, farejando‐o delicadamente.  —Esse aroma… está sobre ambos…  —Fumaça de ópio. Seu irmão se há aficionado a um novo hábito custoso. 

 

—Não podíamos nos permitir o luxo dos anteriores. —Amelia franziu o cenho,  seu  pé  começou  a  golpear  o  chão  com  um  ritmo  inquieto  sob  as  saias.  Era  tão  pequena,  tão feroz e  adorável,  que Cam teve  que controlar‐se  para  não estreitá‐la  e  beijá‐la  loucamente—.  A única  razão  pela  qual  não  o  assassinei no  ato  —continuou  Amelia—, é porque parecia muito atordoado para senti‐lo. Mas quando se estabilize  vou a…  —Como  está  Merripen?  —interrompeu‐a  Cam,  lhe  passando  uma  mão  gentilmente do ombro até o cotovelo.  O tamborilar se deteve.  —Ainda  tem  febre,  mas  melhor.  Win  está  com  ele.  Trocamos‐lhe  o  cataplasma…  a  ferida  parece  agora  menos  repugnante  que  antes.  Isso  é  bom  sinal  verdade?  —Sim, é bom sinal.  Seu olhar preocupado lhe percorreu.  —Quer que te prepare algo de comer?  Sorrindo, Cam sacudiu a cabeça.  —Não  antes  de  que  ter  tomado  um  comprido  e  consciencioso  banho.  —Havia  muitas  coisas  que  tinham  que  discutir,  mas  todo  isso  podia  esperar—.  te  deite,  monisha, parece cansada.  —Igual  a  você  —disse  Amelia,  ficando  nas  pontas  dos  pés.  Cam  ficou  quieto  enquanto ela apertava os lábios contra sua bochecha. Depois de uma larga vacilação,  perguntou‐lhe tentativamente— Virá esta noite a mim?  Seu  tímido  convite  quase  lhe  desfez.  Era  um  bom  começo...  um  sinal  de  aceitação...  mas  lhe  importava  muito  para  aproveitar‐se  quando  estava  obviamente  tão cansada.  —Não.  —Tomou  em  seus  braços—.  Precisa  dormir  mais  do  que  necessita  minhas carícias e mímicos.  Ruborizou‐se um pouco, e se apertou mais fortemente contra ele. 

 

—Não me importa que me acaricie e me mime.  Cam sorriu.  —Esse é um verdadeiro testemunho de minhas habilidades de amante.  —Veem para mim —sussurrou ela—. me abrace enquanto dormimos.  —Colibri  —lhe  replicou,  lhe  acariciando  a  frente  com  seus  lábios—  se  te  abraçar,  não  confio  em  que  não  vá  fazer‐te  o  amor.  Assim  dormiremos  em  camas  separadas. —Baixou o olhar para ela com um sorriso—. Só por esta noite.      Cam  teve  que  ensaboar‐se  e  enxaguar‐se  três  vezes  para  eliminar  o  aroma  de  ópio de sua pele e seu cabelo. Logo tomou uma toalha para secar o cabelo, ficou uma  bata  de  seda  negra  e  atravessou  a  escuridão  do  corredor  para  dirigir‐se  até  seu  quarto. Havia uma tormenta fora, a chuva e os trovões varriam do oriente, sacudindo  as janelas e o telhado.  A  chaminé  de  sua  habitação  tinha  sido  acesa,  e  as  chamas  irradiavam  calor  e  luz.  Os  olhos  do  Cam  se  entrecerraram  de  curiosidade  quando  vislumbrou  um  pequeno vulto sob seus lençóis.  Amelia levantou a cabeça do travesseiro.  —Tenho frio —disse, como se essa fora uma explicação absolutamente razoável  para justificar sua presença.  —Minha  cama  não  é  mais  cálida  que  a  tua.  —Cam  se  aproximou  dela  lentamente,  tentando  não  sentir‐se  como  um  depredador,  tentando  ignorar  o  calor  que tinha aceso em seu sangue. Seu corpo se endureceu sob a seda negra, todos seus  músculos  se  esticaram  de  espera.  Sabia  o  que  desejava  dele…  e  estaria  mais  que  desejoso de proporcionar‐lhe.     —Seria mais quente se estivesse aqui dentro —disse ela.  O cabelo lhe caía sobre os ombros em ondas escuras que se deslizavam até seus  quadris. Sentando‐se muito perto dela, tocou um dos botões brilhantes, escorregando 

 

a  mão  sobre  seu  peito,  o  pico  de  seu  mamilo,  até  chegar  abaixo.  Amelia  respirava  rapidamente. Perguntou‐se se o rubor em sua cara se teria estendido para a pele que  não podia ver.  Contendo sua urgente necessidade, Cam ficou quieto enquanto ela o alcançava  com  seus  vacilantes  dedos,  e  lhe  acariciava  a  seda  negra  que  lhe  cobria  os  ombros.  Amelia ficou de joelhos e impulsivamente o beijou na orelha que tinha o pendente de  diamante, enquanto acariciava a umidade das mechas frisadas de seu cabelo.  —Não  te  parece  com  nenhum  homem  que  tenha  conhecido  alguma  vez  — disse—.  Tampouco  é  alguém  com  quem  tivesse  podido  sonhar.  É  como  um  personagem de um conto de fadas escrita em um idioma que nem sequer conheço.  —O príncipe, espero.  —Não,  é  o  dragão,  um  formoso  e  malvado  dragão.  —Sua  voz  se  voltou  nostálgica—. Como poderia alguém conviver normalmente contigo todos os dias?  Cam a estreitou com força e a baixou até o colchão.  —Poderia exercer uma influência civilizadora sobre mim. —inclinou‐se sobre a  curva  de  seu  peito,  beijando‐a  através  do  véu  de  musselina  de  sua  regata—.  Ou  talvez,  será  devorada  pelo  dragão.  —Encontrou  o  broto  de  seu  mamilo,  molhou  o  algodão com sua boca, até que as tenras carnes se ergueram contra sua língua.  —Eu cre… acredito que sim. —Soava tão perturbada que ele riu.  —Então fica quieta —sussurrou—, enquanto respiro meu fogo sobre ti.  As mulheres com as quais tinha dormido no passado nunca tinham tido posto  esta  classe  de  afetada  camisola  branca,  o  qual  Cam  considerou  a  vestimenta  mais  erótica que tinha visto nunca. Tinha pequenas dobras intrincadas, pinzas e tramas de  encaixe, e ia do pescoço até os tornozelos. A forma em que repousava sobre ela, como  uma  capa  de  polido  pálido  e  crespo,  fez  que  seu  coração  golpeasse  com  uma  força  primitiva. Riscou sua figura, procurando seu aroma e seu calor através do algodão,  que  se  retorcia  cada  vez  que  ela  se  arqueava  e  se  estremecia.  A  parte  dianteira  se  mantinha fechada por uma larga fila de botões forrados. Ocupou‐se deles enquanto  ela deslizava as mãos sobre a seda que cobria suas costas. 

 

Beijou‐a,  explorando  com a língua  a doçura de sua boca. A parte de acima  da  camisola se abriu, revelando a esplendorosa sublevação de seus peitos e a tentadora  sombra que havia entre eles. Atirou da camisola mais e mais para baixo, até que seus  braços  ficaram  delicadamente  apanhados  e  seus  peitos  expostos.  Cam  baixou  a  cabeça  e  tomou  o  que  desejava,  lambendo  o  ereto  mamilo,  provocando‐o  com  sua  língua,  deixando‐o  molhado  e  rosado.  Amelia  suspirou  profundamente,  entreabriu  os  olhos,  e  arqueou  seu  vulnerável  corpo  quando  ele  se  inclinou  sobre  seu  outro  peito.  A  respiração  do  Cam  se  voltou  áspera  quando  lhe  baixou  o  objeto,  liberando  seus  braços,  expondo  a  curva  de  seus  quadris  e  seu  estômago.  Estendeu  as  mãos  sobre  seu  corpo,  seus  dedos  e  palmas  traduzindo  calor  em  sensação.  Beijou‐lhe  o  umbigo,  a  pele  tremente  ao  redor  dele  e  o  lugar  aonde  começava  seu  cabelo  encaracolado.  Suas  pernas  se  estiraram  contra  ele,  apanhadas  sob  seu  peso.  Adiantando‐se,  Cam  montou  sobre  ela.  Tirou‐se  o  anel  de  selo,  que  ela  tinha  rechaçado  antes  e  o  ofereceu:  —Pode obter o que desejas —lhe disse—. Mas primeiro te ponha isto.  Amelia enfocou o olhar no anel.  —Não posso.  —Não te farei o amor a menos que o tenha posto.  —Está sendo absurdo.  —E você teimosa. —Cam se inclinou sobre ela, apoiando os antebraços a ambos  os  lados  de  seu  corpo,  beijando  sua  boca  zangada—.  Só  por  esta  noite  —lhe  sussurrou—. te ponha meu anel, Amelia, e me deixe te agradar.  Beijou‐lhe a garganta, e acomodou seus quadris gentilmente contra ela. Amelia  lançou um grito afogado ao senti‐lo, duro e inchado depois da seda negra. Sua boca  se deslocou até sua orelha.  —Entrarei  em  ti,  encherei‐te  e  depois  te  sustentarei  tranquila  e  calada  entre  meus braços. Não me moverei. E tampouco deixarei que te mova. Esperarei até que  te sinta pulsar ao redor de mim… seguirei esse ritmo profundo dentro de seu corpo, 

 

essa doce pulsação… não me deterei até que não  chore e  te  estremeça, me pedindo  mais.  E  te  darei  o  que  desejas,  tão  duro  e  comprido  como  quer.  Toma  meu  anel,  amor. —Sua boca descendeu sobre a dela com um ardente e lento beijo—. Tome.  Encaixando‐se  contra  sua  suave  fenda,  sentiu  o  calor  úmido  dela  através  da  bata, a umidade e a seda apertadas fortemente entre eles. Sua mão pequena tocou a  ele, desdobrou os dedos… e deixou que o anel se deslizasse outra vez em seu lugar.  Cam a despiu e a colocou sobre a bata de seda que se tirou, sua pele destacava  branca sobre o charco negro sob suas costas. Beijou‐a em todas partes, nas curvas dos  cotovelos,  na  parte  interior  dos  joelhos,  em  cada  curva  e  cada  terreno  baixo  de  seu  suave  território  feminino.  Ela  se  envolveu  a  seu  redor,  sua  boca  inocentemente  curiosa beijava cada parte dele que ficava a seu alcance.  Beijou‐a  entre  as  coxas,  embalando  seus  quadris  com  as  mãos  enquanto  seu  aroma iniciava uma explosão em seu interior. Lambeu‐a meigamente, provocando‐a,  chupando‐a  brandamente,  até  que  ela  gemeu  com  cada  respiração  e  lhe  apertou  a  cabeça, lhe urgindo a adiantar‐se com dedos implorantes.  Lutando  por  dominar‐se,  Cam  a  penetrou,  deslizando‐se  profundamente  em  seu interior. Ela se moveu, arqueou‐se e quase o leva até a loucura.  —Carinho,  espera  —disse  trêmulo,  tentando  acalmá‐la—.  Não  te  mova.  Por  favor.  Não…  —Uma  risada  brotou  da  garganta  dela  enquanto  se  movia  desesperadamente  contra  ele—.  Fica  quieta  —sussurrou,  derramando  beijos  sobre  seus lábios entreabertos—. Sustente‐me dentro de ti. Sente a forma em que seu corpo  se aperta para mim ao redor.  Respirando  com  dificuldade,  Amelia  tentou  obedecer.  Suas  carnes  palpitavam  indefensamente  ao  redor  da  dureza  que  a  invadia.  Cam  os  fez  esperar,  seus  corpos  transpiravam  e  se  esticavam  enquanto  se  concentravam  nessa  sensação  sutil  e  deliciosa. Finalmente, começou a mover‐se, utilizando‐se a si mesmo para agradá‐la.  Fez‐lhe  o  amor,  a  toda  ela,  e  quando  se  afundou  nesse  deleite  escuro  e  insondável,  fluiu a ele uma plenitude nunca antes conhecida.  Ela o embalou com suavidade e calor, lhe dando beijos enquanto a investia com  seu  pulso  quente  e  veloz,  acariciando‐a  por  dentro  e  por  fora.  Cam  baixou  o  olhar  para  ela  com  os  olhos  nublados  pelo  prazer,  a  essa  cara  tão  meigamente  confinada  entre suas mãos, e lhe sussurrou no Romany: Sou teu. Observou seus olhos fechados 

 

na doce cegueira temporária do êxtase, sentindo como este fazia eco em seu próprio  interior,  como  ondas  que  se  apressavam  cada  vez  mais  rápido  até  que  o  mundo  se  acendeu.    Depois  de  seu  interlúdio,  derrubaram‐se  um  junto  ao  outro  como  os  sobreviventes  de  um  naufrágio,  aturdidos  depois  de  uma  tormenta.  Quando  Cam  reuniu  forças  para  mover‐se...  o qual  não  foi  muito  logo...  rodou  sobre  um  flanco  e  buscou  a  garganta  da  Amelia,  adorando  a  cálida  fragrância  úmida  dela.  Amelia  mediu em busca do anel e começou a atirar e retorcê‐lo.  —Está entupido outra vez. —Parecia zangada.  Cam lhe agarrou o punho e inclinou a cabeça, para tomar o dedo com a boca.  Ela  ofegou  quando  sua  língua  se  formou  redemoinhos  ao  redor  da  base  do  dedo,  deixando‐o completamente molhado. Brandamente, Cam utilizou os dentes para lhe  tirar  a  banda  de  ouro.  Tomando  o  anel  entre  os  lábios,  deslizou‐o  de  volta  em  seu  próprio dedo.  Sua  mão,  agora  nua,  flexionou‐se  como  se  lhe  faltasse  algo,  e  então  o  olhou  desconcertada.  —Acostumará‐te  a  usá‐lo.  —Cam  lhe  aconteceu  a  mão  com  o  passar  do  estômago  e  a  metade  de  seu  torso—.  Tentaremos  fazer  que  o  leve  uns  poucos  minutos cada vez. Será como tratar de arriar a um cavalo. —Sorriu abertamente ante  sua expressão.  Depois  de  agasalhá‐los  com  os  lençóis,  Cam  continuou  acariciando‐a.  Amelia  suspirou, aninhando contra seu ombro e seus bíceps.  —A  propósito  —murmurou  ele—,  o  faqueiro  que  faltava  está  de  retorno  no  aparador.  —Seriamente? —perguntou sonolentamente—. Como… o que…?  —Tive um bate‐papo com o Beatrix enquanto esmagávamos abelhas. Explicou‐ me  seu  problema.  Estivemos  de  acordo  em  lhe  encontrar  algumas  novas  afeições  para  mantê‐la  ocupada.  Para  começar,  vou  ensinar  a  montar.  Disse  que  logo  que  sabia como fazê‐lo. 

 

—Em realidade não houve tempo para isso, com todas as demais… —começou  Amelia à defensiva.  —Shhh… sei, colibri. Fez mais que suficiente, mantendo‐os a todos unidos e a  salvo.  Agora  é  o  momento  de  que  receba  um  pouco  de  ajuda.  —Beijou‐a  brandamente—. De alguém que te proteja.  —Mas não quero que você…  —Dorme —sussurrou Cam—. Seguiremos com esta discussão pela manhã. Por  agora, amor…que tenha doces sonhos.  Amelia dormiu profundamente, sonhando que estava descansando no ninho de  um dragão, envolta sob sua asa calorosa enquanto este respirava fogo sobre algo que  se atrevesse a aproximar‐se. Em meio de seu estupor foi consciente do momento no  que Cam abandonou a cama a metade da noite, e ficava a roupa.  —Aonde vai? —resmungou.  —A ver o Merripen.  Sabia que devia ir com ele... estava preocupada com a saúde do Merripen, mas  quando tentou sentar‐se, sentiu‐se completamente exausta e perplexa.  Cam a forçou a voltar novamente para as acolhedoras profundidades da roupa  de cama. Caiu dormida outra vez, removendo‐se só quando ele retornou, estirou‐se a  seu lado e a envolveu entre seus braços.  —Está melhor? —sussurrou.  —Ainda não. Mas tampouco piorou. Isso é bom. Agora fecha os olhos…  Acariciou‐lhe as costas até que dormiu.      Merripen  despertou  em  uma  habitação  escura,  a  única  luz  provinha  do  pequeno  espaço  aberto  que  havia  entre  as  cortinas  fechadas.  Essa  pequena  fenda  brilhava com o resplendor do meio‐dia. 

 

A cabeça lhe doía terrivelmente. Sua língua parecia ter duas vezes seu tamanho  normal, e estava seca e torcida dentro de sua boca. Doíam‐lhe os ossos e também a  pele.  Inclusive  lhe  doíam  as  pestanas.  De  fato,  tinha  sofrido  algum  estranho  investimento  porque  tudo  lhe  doía  exceto  o  ombro  que  tinha  ferido,  no  qual  sentia  um agradável calor.  Tentou mover‐se. Instantaneamente alguém lhe aproximou.  Win.  Fresca,  frágil,  perfumada,  era  um  espírito  encantador  em  meio  da  escuridão. Sem falar, sentou‐se a seu lado, levantou‐lhe a cabeça, e lhe deu pequenos  sorvos de água até que teve a boca o suficientemente úmida para poder falar.  Então não tinha morrido. E se não tinha acontecido já, provavelmente não fora a  passar.  Não  estava  seguro  de  como  se  sentia  com  relação  a  isso.  Seu  acostumado  exaltado  apetite  pela  vida,  tinha  sido  remplazado  por  melancolia.  Provavelmente  fora a consequência da morfina.  Ainda embalando a cabeça do Merripen, Win lhe aconteceu os dedos através do  emaranhado  e  sujo  cabelo.  A  carícia  ligeira  das  unhas  sobre  seu  couro  cabeludo  provocou  calafrios  de  prazer  através  de  seu  corpo  dolorido.  Mas  estava  tão  mortificado  por  sua  sujeira,  por  não  mencionar  sua  impotência,  que  empurrou  irritadamente a gentil mão.  —Devo  estar  no  inferno  —resmungou.  Win  lhe  sorriu  com  uma  ternura  que  encontrou insofrível.  —Não poderia lombriga no inferno, verdade?  —Em minha versão do inferno… sim.  Seu sorriso se tornou confundida, esvaída, e lhe pôs  a  cabeça cuidadosamente  sobre a cama.  Win  estaria  prominentemente  destacada  no  inferno  do  Merripen.  A  mais  profunda  e  extrema  dor  que  tinha  experiente  nunca  tinha  sido  causado  por  ela...  a  agonia de desejar e nunca ter, de amar e nunca saber‐se amado. E agora ao parecer ia  ter que suportar muito mais disso. O qual teria que lhe haver feito odiá‐la, se não a  venerasse  tanto.  Inclinando‐se  sobre  ele,  Win  lhe  tocou  a  vendagem  do  ombro,  começando a lhe desatar as pontas. 

 

—Não  —disse  Merripen  severamente,  apartando‐se  dela.  Estava  nu  sob  os  lençóis,  fedendo  a  suor  e  medicina.  Era  uma  besta  grande  e  tosca.  E  ainda  pior,  perigosamente vulnerável. Se ela continuava tocando‐o e lhe atendendo suas defesas  se quebrariam e só Deus sabia o que diria ou faria. Necessitava que partisse quanto  antes.  —Kev  —disse,  com  seu  muito  cuidadoso  tom  que  o  fez  enlouquecer  mais  ainda—. Quero ver a ferida. Já é hora de trocar o cataplasma. Se ficasse quieto e me  deixasse…  —Não quero que você faça.  Grande  mentira.  Como  se  isso  fora  possível  com  a  feroz  ereção  que  tinha  saltado à vida assim que ela o havia meio doido. Era um completo animal, desejando  a  desta  maneira  incluso  enquanto  estava  doente,  sujo  e  imóvel,  narcotizado  com  a  morfina…  ainda  sabendo  o  que  lhe  fazer  o  amor  seria  como  assinar  para  ela  uma  sentença de morte. Se tivesse sido um homem piedoso, teria suplicado aos céus que  Win nunca chegasse ou seja o que desejava ou como se sentia.  Passou um comprido momento antes de que Win lhe perguntasse com um tom  perfeitamente normal:  —Então, quem desejas que te troque o cataplasma?  —Qualquer. —Merripen manteve os olhos fechados—. Qualquer menos você.  Não  tinha  nem  ideia  de  onde  estavam  os  pensamentos  do  Win,  enquanto  o  silêncio se espessava e prolongava. As orelhas lhe esticaram ante o roce das saias. A  imagem dessa malha movendo‐se e formando redemoinhos ao redor de suas magras  pernas fez que lhe arrepiassem todo os cabelos do corpo.  —Está bem —disse ela com tom resolvido, quando alcançou a porta—. Enviarei  a algum outro assim que seja possível.  Merripen estendeu a mão sobre o lugar no colchão onde ela se sentou, estirando  os dedos languidamente. Lutou por fechar seu coração, que continha muitos secretos  e que por conseguinte nunca poderia fechar‐se completamente.   

 

  Descendendo  cuidadosamente  pela  grande  escada,  Win  observou  ao  Cam  Rohan enquanto este subia. Sentiu um espasmo de nervos no estômago. Win sempre  se havia sentido um pouco coibida ao redor de homens desconhecidos, e não estava  muito  segura  de  como  comportar‐se  com  este.  Rohan  tinha  assumido  com  assombrosa  velocidade  uma  posição  de  influência  dentro  de  sua  família.  Tinha‐lhe  roubado  o  coração  a  sua  irmã  maior  com  tal  destreza  que  esta  nem  sequer  parecia  haver‐se dado conta ainda.  Como Merripen, Rohan era um homem grande e viril. E ao igual a Merripen era  um  Roma,  mas  muito  menos  complicado,  e  imensamente  mais  cômodo  com  sua  própria  pele.  Rohan  era  simpático  e  atrativo  onde  Merripen  era  reservado  e  meditabundo. Mas apesar de todo o encanto do Rohan, havia um sutil fio de perigo a  seu  redor,  dava  a  sensação  de  estar  familiarizado  com  aspectos  da  vida  aos  que  os  Hathaways nunca se haviam visto expostos.  Era  um  homem  que  guardava  segredos…  como  Merripen.  Essas  tatuagens  idênticas tinham feito perguntar‐se ao Win que tipo de conexão havia entre os dois  homens.  E  lhe  ocorreu  que  poderia  saber  qual  era,  embora  nenhum  deles  o  tivesse  notado.  Deteve‐se com um sorriso tímido quando se encontraram nos degraus.  —Senhor Rohan.  —Senhorita  Winnifred.  —O  firme  olhar  dourado  do  Rohan  percorreu  seu  pálido rosto. Ainda estava desgostada por seu encontro com o Merripen. Podia sentir  a cor ardendo em suas bochechas.  —Por isso vejo, está acordado —disse Rohan, enquanto lia com muita precisão  sua expressão.  —Está furioso comigo porque o enganei para que bebesse o chá com a morfina.  —Suspeito que a perdoará por isso —replicou Rohan.  Win descansou a mão sobre o corrimão e apareceu pelo silvestre ausentemente.  Tinha  a  curiosa  sensação  de  desejar,  de  necessitar,  lhe  comunicar  algo  a  esse  amigável estranho, mas ainda não tinha ideia do que queria lhe dizer. 

 

Rohan  esperou  em  cômodo  silêncio,  sem  nenhuma  pressa  aparente  por  ir  a  nenhuma  parte.  Gostava  de  sua  companhia.  Estando  tão  acostumada  à  brutalidade  do  Merripen,  e  a  autodestructividade  de  Leo,  pensou  que  era  bastante  agradável  estar em presença de um homem sensato.  —Salvou a vida ao Merripen —aventurou—. vai recuperar se.  Rohan a observou atentamente.  —Se preocupa por ele.  —OH, sim, todos o fazemos —disse Win muito rapidamente, e fez uma pausa.  As palavras se reuniam e voavam em seu interior como se tivessem asas. O esforço  pelas conter a estava esgotando. Seus olhos se empanaram subitamente por causa da  frustração  e  desolação,  pensando  no  homem  de  acima  e  na  distância  interminável  que sempre, sempre havia entre eles.  —Eu  também  quero  me  recuperar—explorou—.  Quero…  quero…  —Fechou  a  boca  e  pensou: Deus, como  deve  lhe haver divulgado  isso? Sentindo‐se mortificada  ante  sua  perda  de  autocontrole,  passou‐se  uma  mão  pela  cara  e  se  esfregou  as  têmporas.  Mas  Rohan  pareceu  entendê‐la.  E  misericordiosamente,  não  havia  nenhuma  lástima em seu olhar. A honestidade de sua voz a reconfortou incomensuravelmente.  —Acredito que o obterá, irmãzinha.  Ela agitou a cabeça enquanto confessava:  —Desejo‐o tanto, tenho medo de albergar esperanças.  —Nunca  tenha  medo  a  ter  esperança  —disse  Rohan  brandamente—.  Essa  é  a  única forma de começar.         

 

    Capítulo 21    Amelia não entendia como tinha podido dormir até depois do almoço. Só podia  atribui‐lo  ao  Cam,  cuja  mera  presença  na  casa  a  relaxava.  Era  como  se  sua  mente  automaticamente  lhe  cedesse  suas  obrigações  e  preocupações,  permitindo‐a  dormir  como um menino.  Não gostava disso.  Não  queria  depender  dele,  mas  tampouco  podia  evitar  o  que  estava  acontecendo.  Vestindo‐se  apropriadamente  com  um  vestido  cor  chocolate  com  adornos  de  veludo  rosa,  foi  visitar  o  Merripen,  cuja  displicência  não  aguou  a  alegria  ante  sua  recuperação.  Ao  dirigir‐se  para  baixo,  o  ama  de  chaves  lhe  informou  que  um  par  de  cavalheiros  tinham  chegado  de  Londres,  e  o  senhor  Rohan  estava  falando  com  eles  na  biblioteca.  Amelia  supôs  que  um  deles  seria  o  construtor  ao  que  Cam  tinha  mandado procurar. Curiosa por conhecer os visitantes, foi até a biblioteca e se deteve  na porta.  As vozes masculinas se detiveram. Os homens estavam agrupados ao redor da  mesa  da  biblioteca,  alguém  se  apoiava  casualmente  contra  a  mesa,  e  outro...  Leo...  espreitava em um rincão. Todos os homens se levantaram, exceto Leo que somente se  removeu  na  cadeira  como  se  a  cortesia  fora  um  esforço  muito  terrível  para  incomodar‐se.  Cam  estava  vestido  com  sua  habitual  elegância  desalinhada:  roupa  de  boa  qualidade,  mas  com  uma  chamativa  falta  de  gravata.  Ao  aproximar‐se  da  Amelia,  tomou uma de suas mãos. A levou aos lábios e lhe plantou um prolongado beijo no  reverso  dos  dedos  em  um  gesto  territorial,  que  provavelmente  não  passou  despercebido para ninguém. 

 

—Senhorita Hathaway. —O tom do Cam foi cortês, enquanto um brilho sedutor  dançava  em  seus  olhos—.  Sua  sincronização  é  perfeita.  Estes  cavalheiros  chegaram  para discutir a restauração do imóvel Ramsay. Me permita apresentar‐lhe.  Amelia  intercambiou  inclinações  de  cabeça  com  os  homens:  um  professor  de  obras  chamado  John  Dashiell  que  parecia  estar  a  finais  dos  trinta  e  seu  ajudante,  o  senhor  Francis  Barksby.  Dashiell  se  tinha  ganho  uma  renomada  reputação  como  construtor  do  Hotel  Rutledge  vários  anos  atrás,  e  subsequentemente  tinha  levado  a  cabo  projetos  privados  e  públicos  por  toda  a  Inglaterra.  Ele  e  seu  irmão  tinham  estabelecido uma próspera empresa com o relativamente novo conceito de empregar  a  todos  seus  subcontratantes  internamente,  em  lugar  de  contratar  operários  e  artesãos  externos.  Mantendo  a  todos  seus  empregados  sob  seu  telhado,  Dashiell  desfrutava de um grau inusualmente alto de controle sobre seus projetos.  Era um homem grande e rudemente atrativo, com um sorriso disposto. A gente  podia imaginá‐lo facilmente em sua juventude como aprendiz de carpinteiro, martelo  em mão.  —Um  prazer,  senhorita  Hathaway.  Lamento  muito  que  Ramsay  House  se  incendiou,  mas  me  alegro  de  que  todo  mundo  tenha  sobrevivido.  Muitas  famílias  não são tão afortunadas.  Amelia assentiu.  —Obrigada,  senhor.  Agradecemos  que  nos  brinde  seu  julgamento  e  suas  opiniões, e daremos com a melhor forma de reconstruir nossa casa.  —Farei meu melhor esforço —prometeu ele.  —Senhor Dashiell, tem empregado a algum arquiteto em sua empresa?  —Se  se  desse  a  necessidade,  meu  irmão  é  bastante  hábil  para  o  desenho  arquitetônico.  Mas  agora  está  muito  ocupado  com  o  trabalho  em  Londres.  Estamos  procurando um segundo arquiteto para que se ocupe dos excedentes. —Lançou um  rápido olhar a Leo e se voltou novamente para a Amelia—. Espero persuadir a Lorde  Ramsay para que nos acompanhe à propriedade. Suas opiniões seriam bem‐vindas. 

 

—Deixei que ter opiniões —disse Leo—. Dificilmente alguém vá estar de acordo  com elas, e se alguém o fizesse, isso seria prova suficiente de que não tem nenhum  julgamento absolutamente.  Mas  de  algum modo, com uma manobra verbal equivalente a  tirar um truque  da manga, Cam obteve que Leo os acompanhasse ao Ramsay House. Pela tarde esse  mesmo dia, Cam descreveu a Amelia em privado como Leo tinha resmungado e se  zangou durante a maior parte da visita, enquanto Dashiell tinha tomado notas e feito  esboços.  Mas  em  alguns  momentos  Leio  tinha  sido  incapaz  de  resistir  a  fazer  um  comentário  sobre  o  muito  que  detestava  os  traços  barrocos  e  os  adornos,  e  como  a  casa devia desenhar‐se com simetria e proporção.  —Mencionou  ao  senhor  Dashiell  que  o  senhor  Frost  está  atualmente  no  Hampshire? —perguntou‐lhe Amelia.  Caminhavam  devagar  por  um  caminho  que  conduzia  para  o  bosque,  o  céu  estava  aceso  com  o  advento  da  noite.  Uma  rajada  de  vento  fez  saltar  as  folhas  e  sussurrou sobre a  terra. Cam ajustou seus largos passos para  igualar  os  da  Amelia.  lhe tirando uma de suas luvas, o meteu no bolso e reteve a mão nua entre as suas.  —Não —lhe respondeu—, não o mencionei. por que teria que fazê‐lo?  —Bom,  o  senhor  Frost  é  um  arquiteto  muito  competente  e  como  amigo  da  família nos ofereceu o benefício de sua destreza...  —Não é um amigo da família —disse brevemente Cam—. E não necessitamos  sua destreza. Demônios, não vai ter nada que ver com o Ramsay House.  —Deseja  ajudar.  Foi  muito  amável  ao  nos  oferecer  seus  serviços,  se  necessitássemos...  —Quando?  Desconcertada por seu tom, e a palavra rápida e afiada como disparada por um  rifle, Amelia piscou.  —Quando o que?  Cam se deteve e a girou para que o enfrentasse, sua cara estava rígida.  —Quando te ofereceu seus malditos serviços? 

 

—Veio  de  visita  quando  te  partiu.  —Nunca  tinha  visto  tal  desdobramento  de  temperamento  nele,  Amelia  empurrou  desesperadamente  suas  mãos,  que  lhe  aferravam  os  ombros  com  força—.  Tudo  o  que  queria  —continuou—,  era  nos  oferecer sua ajuda.  —Se crie que isso é tudo o que quer, é mais ingênua do que pensava.  —Não  sou  ingênua  —disse  indignada—.  Não  há  nenhuma  razão  para  estar  ciumento. Nada impróprio foi dito ou feito.  Os olhos do Cam brilharam com um calor perigoso.  —Estava sozinha na habitação com ele?  Amelia  estava  assombrada  por  sua  intensidade.  Nenhum  homem  a  tinha  cuidadoso  nunca  com  semelhante  fúria  possessiva.  Não  estava  segura  de  se  devia  sentir‐se  adulada,  chateada  ou  alarmada.  Ou  possivelmente  as  três  coisas  de  uma  vez.  —Sim,  estávamos  sozinhos  —disse—,  com  a  porta  aberta.  Tudo  foi  muito  convencional.  —Para os gadjos, possivelmente. Mas não para os Roma. —Levantou‐a até que  seu  peso  ficou  precariamente  equilibrado  sobre  os  dedos  dos  pés—.  Nunca  vais  voltar a estar a sós com ele, nem com nenhum outro homem, exceto com seu irmão  ou Merripen. A menos que eu dê minha permissão.  A boca da Amelia se abriu.  —Permissão?  —Nunca —repetiu ele sombriamente.  Seu  próprio  temperamento  se  acendeu,  mas  conseguiu  manter  controlado  seu  tom de voz.  —Vê‐o, por isso não vou casar me contigo. Não serei governada. Não serei...  Cam  baixou  a  cabeça  e  lhe  impôs  silêncio  com  sua  boca,  enquanto  apertava  a  mão  entre  seu  cabelo  quando  ela  tentou  apartar  a  cara.  Sentiu‐lhe  pressionar  seus  lábios  para  abrir‐lhe  entrando  em  seu  interior,  e  sua  vontade  de  se  resistir  viu 

 

minada pelo surpreendente prazer. Como não tinha nenhuma esperança de liberar‐ se,  tentou  permanecer  fria  sob  o  apaixonado  ataque.  Precavendo‐se  de  sua  falta  de  resposta, ele levantou a cabeça e a olhou.  Amelia o olhou a sua vez.  —Esta não é sua casa, e eu não sou você...  A beijou de novo, enquanto tomava a cabeça entre as mãos, concentrando‐se em  sua  boca  até  que  a  teve  palpitando  por  toda  parte.  Ela  gemeu  e  se  debilitou  contra  ele.  Murmurando‐lhe  no  Romaní,  empurrou‐a  contra  o  tronco  de  haja  maior,  sua  suave  casca  cinza  estava  cheia  de  cicatrizes  provocadas  pelo  tempo.  Os  ramos  se  afundavam por seu próprio peso até tocar a terra e depois se elevavam novamente,  como  se  a  árvore  fora  um  gigante  preguiçoso  que  descansava  sobre  seus  ancestrais  cotovelos.  Desatando as cintas do chapéu da Amelia, Cam atirou o objeto ao chão. Cobriu‐ lhe a boca com a sua, apunhalando dentro dela com arrudas e deliciosas estocadas.  Empurrou‐a  contra  o  tronco  onde  um  enorme  ramo  divergia  como  uma  viga  volumosa,  e  internou  o  joelho  dentro  de  suas  saias  para  mantê‐la  ali.  As  cascas  de  bagos rangiam sob seus pés com cada movimento. Com cada beijo, Cam encontrava  um  novo  ângulo,  um  sabor  mais  profundo,  lhe  fazendo  o  amor  a  sua  boca  com  descarada sensualidade.  As folhas de ouro pálido se balançavam sobre suas cabeças.  —Cam, não —sussurrou Amelia, quando os lábios viajaram para baixo por sua  garganta.  Ignorando‐a,  lhe  desabotoou  o  frontal  do  sutiã  e  o  desatou  com  uma  rudeza  que  a  fez  ofegar.  Inclinou‐se  sobre  um  frio  e  firme  mamilo,  esquentando‐o  com sua boca, lhe mordendo meigamente a ponta.  —Aqui não —as arrumou para dizer Amelia.  Cam beijou um caminho para cima até a tensa coluna de seu pescoço.  —Aqui  —disse  ele  espessamente—.  Não  somos  diferentes  a  qualquer  criatura  selvagem do bosque. —Tomando sua mão, posou‐a sobre a apertada dureza de seu  sexo.  Ela  entrecerrou  os  olhos  ao  perceber  a  força  e  o  calor  que  gotejava  inclusive  através  do  tecido  de  suas  calças.  E  compreendeu  que  o  desejava  tanto  que  estava 

 

tremendo.  Seus  dedos  trabalharam  indefensamente  contra  o  pesado  eixo  enquanto  lhe levantava as saias as recolhendo em suas mãos.  Atirou  das  cintas  de  seus  calções,  soltando‐os  até  que  o  objeto  lhe  caiu  até  os  joelhos.  Passou  a  mão  insistentemente  entre  suas  coxas,  separando‐os.  Tocou‐a  em  seu  interior,  seduzindo‐a  com  suas  irresistivelmente  íntimas  carícias.  Retirando‐se,  utilizou a gema de um de seus dedos para riscar suaves círculos ao redor do sensível  broto.  Beijou‐a  e  sussurrou  contra  sua  boca,  apertando  um  braço  ao  redor  de  seu  tremente corpo.  O  vento  fazia  que  os  ramos  da  árvore  fustigassem  e  revoassem  sobre  suas  cabeças, as folhas caíam em um escuro torvelinho. A noite se posou sobre o bosque,  filtrando‐se através das árvores. Cam deu a volta a Amelia, guiando‐a até que a fez  apoiar  a  parte  dianteira  de  seu  corpo  contra  um  gigantesco  ramo  e  as  mãos  da  Amelia,  uma  enluvada  e  outra  nua,  agarraram‐se  sobre  a  suave  casca  cinzenta.  Empurrou‐lhe as saias para cima, as recolheu na cintura e colocou as mãos sobre os  quadris.  A  cabeça  de  seu  eixo  acariciou  a  úmida  entrada.  Ela  não  pôde  evitar  impulsionar  seus  quadris  para  cima,  convidando  mais.  Arqueou  as  costas  contra  a  acetinada pressão quando ele agarrou seu sexo e o utilizou para prová‐la, rodeando‐ a, atravessando‐a, entrando brevemente e retirando‐se a sua vez, até que a casca da  árvore se molhou sob sua palma nua, e tudo o que pôde fazer foi esperar, tremendo,  com  a  cabeça  inclinada.  Não  se  atrevia  a  falar  porque  temia  gritar  como  uma  das  criaturas  selvagens  que  antes  ele  tinha  mencionado.  Mas  lhe  escapou  um  gemido  quando  finalmente  empurrou,  em  uma  larga  e  agressiva  estocada,  enchendo‐a  esquisitamente.  A  mão  do Cam  se  deslizou  até  sua  parte  dianteira  e  entre  suas  coxas,  brincou  com ela enquanto empurrava firmemente, controlando seus candentes espasmos de  deleite.  Amelia  pressentiu  a  fome  selvagem  dele,  mas  se  continha  por  ela,  por  seu  prazer, e seu corpo respondeu com violentas e palpitantes convulsões. Apartando‐se  com um gemido, ele se apertou contra a kisa longitude de suas nádegas, e derramou  ali seu quente fluído.  Amelia o desejava dentro dela. Teria desejado lhe empurrar tão profundamente  em  seu  interior  como  fora  possível  nesse  momento  final.  Mas  em  seu  lugar,  jazeu  passivamente  contra  a  árvore.  Suas  pernas  estavam  tão  fracas  que  duvidava  que 

 

pudessem leva‐la de volta à mansão. Cam lhe arrumou a roupa devagar, suas fortes  mãos  a  separaram  da  árvore.  Abraçando‐a,  murmurou‐lhe  algo  incompreensível  contra o cabelo. Outro enfeitiço para ligá‐la, pensou em seu estupor, com a bochecha  pressionada contra seu peito duro e suave.  —Está falando no Romaní —balbuciou.  Cam trocou ao inglês.  —Amelia,  eu...  —deteve‐se,  como  se  as  palavras  corretas  o  evitassem—.  Não  posso evitar me sentir ciumento mais do que posso deixar de ser metade Roma. Mas  tentarei não ser dominante. Só me diga que será minha esposa.  —Por favor —sussurrou Amelia, seus pensamentos ainda estavam dispersos—,  me deixe te responder depois. Quando puder pensar com claridade.  —Pensa  muito.  —Beijou‐lhe  o  cocuruto—.  Não  posso  te  prometer  uma  vida  perfeita.  Mas  te  juro  que  sem  importar  o  que  acontecer,  darei‐te  tudo  o  que  tenho.  Estaremos  juntos.  Você  dentro  de  mim...  eu  dentro  de  ti.  —Manteve‐a  abraçada  e  suspirou brevemente—. Está bem. Me dê sua resposta logo. Mas recorda, os dragões  não têm muita paciência.      O  senhor  Dashiell  e  seu  ajudante  permaneceram  no  Hampshire  um  dia  mais,  visitando  Ramsay  House  para  fazer  outros  esboços  da  estrutura  e  o  terreno  circundante.  O  ajudante,  o  senhor  Barksby,  tomou  medidas  iniciais  e  reuniu  a  informação.  Convidada  pelo  Dashiell,  Amelia  os  acompanhou,  agradada  pela  oportunidade de observá‐lo trabalhar.  Cam,  enquanto  isso,  viu‐se  obrigado  a  permanecer  na  mansão  para  reunir‐se  com  o  administrador  da  propriedade,  o  senhor  Gerald  Pym.  O  administrador  trabalhava para uma empresa no Portsmouth que mantinha um antigo contrato para  dirigir  a  propriedade  Ramsay.  Pym  tinha  sido  enviado  apressadamente,  depois  de  que as notícias do incêndio estiveram compiladas em um relatório inicial dos danos e  as ações que deviam tomar‐se para solucionar a situação. Discutiriam‐se as rendas, as  reparações,  e  o  desenvolvimento  da  terra  da  propriedade,  assim  como  os  contratos 

 

com o John Dashiell. Muito teria que ser decidido, em definitiva, para evitar que os  poucos  arrendatários  do  Ramsay  saíssem  fugindo.  Com  sorte  no  futuro,  com  uma  boa direção, poderiam‐se atrair mais arrendatários à propriedade, melhorando assim  os precários ganhos dos Hathaways.  Tudo dependia, é obvio, de quanto tempo permanecesse Leo com vida.  E  como  reunir‐se  com  o  senhor  Pym  era  responsabilidade  do  atual  Lorde  Ramsay,  Cam  insistiu  em  que  Leo  assistisse  à  reunião  com  ele.  Não  porque  Leo  tivesse  algo  sensato  com  o  que  contribuir,  a  não  ser  simplesmente  como  gesto  simbólico.  —Além  —havia  dito  Cam  torvamente  a  Amelia—,  se  tiver  que  me  aborrecer  falando  de  assuntos  de  gadjos,  não  há  razão  pela  que  Leo  deva  economizar‐lhe  Deslizando um olhar de propriedade sobre ela, tomou nota da lã verde do vestido e a  capa negra de pele—. Terei que deixar ir com o Dashiell e Barksby —disse—. Será a  única mulher ali. Isso eu não gosto.  —Tudo será muito circunspeto. Ambos os são cavalheiros e eu...  —Está comprometida —disse ele laconicamente—, comigo.  Seu coração pulsou um pouco mais rápido.  —Sim, sei —admitiu sem olhá‐lo.  Sua  pequena  concessão  pareceu  lhe  agradar.  Cam  fechou  a  porta  com  o  pé,  e  procurou  sob  sua  capa  com  mãos  indecorosas.  Beijou‐a  como  se  pudesse  aspirá‐la.  Beijos  ferozes,  duros,  uns  brincalhões,  outros  brandamente  incitadores,  beijos  capazes de prender fogueiras e encher o céu e manter as estrelas no firmamento.  Quando Cam finalmente a soltou e a levou até a porta, ao abri‐la, disse‐lhe duas  palavras em seu ouvido escarlate antes de que partisse. Essas palavras se internaram  até a medula de seus ossos.  —Esta noite.     

 

  Passeando  ao  redor  do  destruído  exterior  do  Ramsay  House,  Amelia  conversava animadamente com o John Dashiell, lhe perguntando por seus anteriores  projetos, suas ambições e se tinha dificuldades para trabalhar com seu único irmão.  —Temo‐me  que  temos  diferenças  muito  frequentemente  —lhe  respondeu  Dashiell,  enquanto  entreabria  os  olhos  contra  o  sol  da  tarde.  Uma  rápida  careta  brilhou  em  seu  rosto—.  Ambos  odiamos  os  compromissos.  Eu  lhe  acuso  de  ser  inflexível e ele me acusa de ser arrogante. O pior de tudo, é que ambos temos razão.  Amelia riu.  —Mas o trabalho se faz.  —Sim,  sentimo‐nos  inspirados  a  cumprir  nossos  compromissos  porque  devemos pagar as faturas. Aqui, tome meu braço. O terreno é acidentado.  O  braço  era  firme  e  estável  sob  sua  mão  enluvada.  Sentiu  uma  rajada  de  simpatia para ele.  —Me alegro muito de que tenha vindo ao Hampshire, senhor Dashiell. Sei que  Lorde Ramsay aprecia seus esforços em nosso benefício.  —De verdade?  —OH,  sim.  Estou  segura  de  que  o  haveria  dito  assim,  mas  ultimamente  está  muito preocupado.  —Conheci‐lhe uma vez, em realidade —disse Dashiell—. Faz dois anos, quando  ainda trabalhava para o Rowland Tempere. Embora seu irmão não parece recordar a  reunião.  Impressionou‐me  muito  essa  vez,  era  um  homem  agradável  e  tranquilo,  cheio de planos.  Amelia baixou o olhar.  —Estou segura de que trocou muito desde que o viu você por última vez.  —Parece um homem totalmente diferente. 

 

—Ainda não se recuperou que a morte de sua prometida. —A voz da Amelia se  apagou  até  converter‐se  em  um  murmúrio,  enquanto  lhe  dizia—Às  vezes  acredito  que nunca o fará.  Dashiell se deteve e a girou para ele. A compaixão titilava em seus olhos.  —Ah.  Esse  é  o  preço  do  amor,  temo‐me...  a  dor  que  alguém  padece  ante  sua  perda.  Não  estou  convencido  de  que  valha  a  pena.  Possivelmente  se  um  ama,  devesse fazê‐lo com moderação.  Soava  sensato.  Mas  quando  Amelia  abriu  a  boca  para  dar  sua  aprovação,  as  palavras se entupiram em garganta. E o que finalmente saiu foi uma risada insegura.  —Moderação no amor —meditou em voz alta—. Não é algo que inspiraria a um  poeta, verdade?  —A  visão  do  mundo  de  um  poeta  daria  pé  a  uma  vida  muito  incômoda,  não  crê? Todo mundo a mercê de suas paixões, nos arrancando os cabelos por culpa do  amor...  —Ou  cavalgando  pelo  bosque  a  meia‐noite  —disse  Amelia—.  Fazendo  realidade nossos sonhos e fantasias...  —Exatamente. Isso contém todos os ingredientes para um desastre.  —Ou para um romance —disse, esperando que ele não notasse o ligeiro apresso  de sua voz.  —Fala como uma mulher.  Amelia sorriu.  —Sim,  senhor  Dashiell,  confesso‐lhe  que  não  sou  imune  à  ideia  do  romance.  Espero que isso não menospreze sua opinião de mim.  —No  mais  mínimo.  De  fato...  —sua  voz  se  suavizou—.  Espero  poder  visitá‐la  enquanto se fazem as remodelações no Ramsay House. Desfrutaria enormemente da  companhia  de  uma  mulher  tão  encantadora  e  adorável,  com  uma  evidentemente  sensata disposição. 

 

—Obrigada —disse Amelia, enquanto a cor de suas bochechas ia em aumento.  Mas  quando  olhou  fixamente  ao  cavalheiro  bem  vestido  que  estava  de  pé  ante  ela,  sua mente evocou a imagem de um formoso rosto com perversos olhos dourados e a  boca  de  um  anjo  cansado,  essa  cabeça  estava  recortada  contra  um  céu  alagado  de  estrelas de meia‐noite. Exótico, imprevisível, um homem que nunca estaria de tudo  domado.  Você dentro de mim, eu dentro de ti...  —Também  eu  desfrutaria  de  sua  companhia,  senhor  —se  ouviu  dizer.  ruborizou‐se quando adicionou—Mas deve saber que tenho um compromisso com o  senhor Rohan.  Felizmente,  seu  companheiro  foi  rápido  em  captar  o  que  queria  dizer.  Não  pareceu surpreso.  —Temia‐me que esse poderia ser o caso. Não pude evitar notar o muito que a  aprecia o senhor Rohan. Dá a impressão de que a deseja só para ele. —Dashiell sorriu  tristemente—. A gente dificilmente pode culpá‐lo.  Adulada, sem saber que lhe responder, Amelia voltou sua atenção à casa. Não  estava acostumada a que os homens fizessem esse tipo de comentários sobre ela. Seu  olhar  vagou  com  o  passar  do  teto  desigual.  A  casa  parecia  ter  naufragado,  a  via  cansada,  como  se  as  janelas  fossem  feridas  no  flanco  de  uma  besta  queda.  As  janelas...  viu  movimento  em  uma  delas,  uma  luz  trêmula,  algo  que  parecia  uma  confusão de raios de lua e sombras. Um rosto.  Deveu  ter  emitido  algum  som,  porque  o  senhor  Dashiell  a  observou  atentamente, e seu olhar seguiu à sua até a casa.  —O que acontece? —perguntou imediatamente.  —Acreditei... —encontrou‐se apertando uma dobra da manga do homem, como  uma  menina  assustada.  Seus  pensamentos  eram  um  caos—.  Acreditei  ter  visto  alguém na janela.  —Possivelmente fora Barksby.  Mas o senhor Barksby vinha para eles rodeando a esquina da casa, e ela tinha  visto a cara da janela do segundo piso. 

 

—Quer  que  entre  para  jogar  uma  olhada?  —perguntou  Dashiell  tranquilamente, com os olhos entrecerrados com preocupação.  —Não  —disse  Amelia  em  seguida,  sorrindo.  Soltou‐lhe  a  manga—.  Deve  ter  sido o movimento de uma cortina. Estou segura de que não há ninguém ali.      Depois  de  que  Dashiell  e  o  senhor  Barksby  partissem  para  Londres,  Cam  retornou ao estúdio com o senhor Pym para discutir os últimos assuntos de negócios.  Tendo  tido  suficiente  sobre  a  direção  da  propriedade,  Leo  abandonou  todo  seu  pretendido  interesse  pelas  preocupações  do  Pym  e  desapareceu  em  sua  habitação.  Embora  Cam  tinha  assegurado  sardonicamente  a  Amelia  que  seria  bem‐vinda  a  participar  da  reunião  com  o  senhor  Pym,  ela  o  rechaçou  apressadamente,  suspeitando que não poderia suportar a tediosa discussão mais do que o tinha feito  seu irmão.  Em vez disso, foi em busca do Win.  Sua irmã estava acima, em uma sala familiar privada, encolhida na esquina de  um canapé com um livro em seu regaço. Win passou uma página sem ler, levantando  o olhar com evidente alívio quando Amelia lhe aproximou.  —Estive  desejando  falar  contigo  todo  o  dia.  —Win  moveu  os  pés  para  que  Amelia  se  sentasse  a  seu  lado—.  Parecia  distraída  atrás  de  sua  visita  ao  Ramsay  House.  Foi  pelo  aspecto  da  casa...?  Fez‐te  sentir  melancolia?  Ou  foi  esse  senhor  Dashiell? Tentou paquerar contigo?  —Céus  —disse  Amelia  com  um  sorriso  de  desconcerto—.  O  que  te  faz  pensar  que desejaria paquerar comigo?  Win sorriu e se encolheu de ombros.  —Parecia embevecido contigo.  —Ora.  O sorriso do Win se alargou até parecer‐se com seu antigo e travesso eu, como  tinha sido antes da escarlatina. 

 

—Só diz “ora”, porque lhe jogaste o laço ao senhor Rohan.  Os  olhos  da  Amelia  se  alargaram  e  olhou  a  todos  lados  como  se  temesse  que  alguém pudesse havê‐la ouvido por acaso.  —Cala, Win! Não lhe joguei o laço a ninguém. Essa expressão é uma expressão  horrível. Não posso acreditar...  —Confronta a verdade —disse Win, desfrutando do desconforto de sua irmã—.  Te converteste em uma femme fatale.  Amelia pôs os olhos em branco.  —Você segue te burlando de mim e não te contarei o que aconteceu em minha  visita ao Ramsay House.  —O  que?  OH,  me  deve  dizer  isso  Amelia.  Estou  quase  murcha  de  aborrecimento.  A Amelia lhe fez difícil falar casualmente do fato. Tragou com dificuldade.  —Sinto‐me  como  uma  desenquadrada  ao  te  dizer  isto.  Mas...  enquanto  passeava  com  o  senhor  Dashiell  olhei  para  a  casa,  vi  uma  cara  em  uma  das  janelas  superiores.  —Havia  alguém  dentro?  —perguntou  Win  em  um  imperceptível  sussurro.  Estendeu a mão e tomou os frios dedos da Amelia entre os seus.  —Não era uma pessoa... era Laura.  —OH. —A palavra foi um mero murmúrio.  —Sei que é difícil de acreditar...  —Não o é. Recorda que vi seu rosto no reflexo da lanterna mágica, a noite do  incêndio. E... —Win duvidou, movendo seus brancos e magros dedos sobre o reverso  da  mão  da  Amelia—.  Tendo  estado  tão  perto  da  morte  uma  vez,  encontro  fácil  acreditar que tais aparições possam ser reais.  O silêncio era frio e tenso. Amelia se esforçou por ser racional, por dar sentido a  coisas impossíveis. Falou com dificuldade: 

 

—Então, crê que Laura está rondando a Leo?  —Se o fizer —lhe sussurrou Win—, penso que é por excesso de amor.  —Acredito que isso o está voltando louco. —Ante o silêncio do Win e sua falta  de  discrepância,  Amelia  disse  desesperadamente—Como  vamos  evitar  que  siga  acontecendo?  —Não podemos fazê‐lo. Leo é o único que pode.  Molesta, Amelia apartou as mãos.  —Me perdoe se não poder ser fatalista com respeito a isto. Algo devemos fazer.  —Então  faz‐o  —disse  Win  friamente—,  se  tão  desejosa  estiver  de  te  arriscar  a  empurrá‐lo mais à frente do bordo.  Amelia  se  levantou  de  um  salto  do  canapé  e  a  olhou  com  fúria.  Em  nome  de  Deus,  o  que  esperava  Win  dela?...  O  que  se  fizesse  a  um  lado  e  esperasse  passivamente enquanto Leo se auto‐destruía?  O  cansaço  cortou  através  de  sua  vibrante  irritação.  Estava  cansada  disto,  de  tudo, cansada de pensar, de preocupar‐se, de temer, e não conseguir nada mais que a  ingratidão de seus irmãos.  —Condenada  família  —disse  grosseiramente  e  saiu  antes  de  que  pudessem  intercambiar‐se palavras ainda mais ásperas.      Depois do jantar, Amelia se foi a seu quarto e se deitou na cama completamente  vestida. Olhou fixamente ao teto até que o quarto esteve o suficientemente escuro, o  sol  se  extinguiu,  e  o  ar  se  tornou  acalmado  e  fresco.  Fechou  os  olhos,  e  quando  os  abriu  de  novo,  o  quarto  estava  invadido  por  uma  escuridão  impenetrável.  Havia  movimento a seu redor, a seu lado, sobressaltou‐se e estendeu a mão. Encontrou‐se  com cálida carne humana, um braço coberto ligeiramente de pelo e uma forte boneca.  —Cam —sussurrou. Relaxando‐se ao sentir a suave banda de ouro na base de  seu dedo polegar. 

 

Cam  não  disse  nada.  Despiu‐a  devagar,  um  objeto  de  uma  vez,  e  ela  aceitou  suas cuidados em meio desse silêncio de sonho. A tensão em seu peito se aliviou e as  emoções cresceram e floresceram.  Ele  encontrou  sua  boca,  lambeu‐a  para  que  a  abrisse  e  a  beijou  concienzudamente.  Ela  levantou  os  braços  para  a  escura  e  formosa  criatura  que  se  erguia  sobre  seu  corpo,  para  a  fluida  força  que  a  cobria.  Com  cada  respiração  que  tomava,  ele  deslizava  o  peito  contra  as  pontas  eretas  de  seus  mamilos,  essa  ligeira  fricção a fazia lançar mudos gemidos da garganta.  A  boca  dele  se  separou  da  sua,  explorando  os  ombros  e  peitos  com  beijos  abertos e quentes, como se estivesse tentando saborear cada parte dela. Acariciou‐lhe  o  estômago  com  os  nódulos,  atormentou‐a  com  seu  dedo  polegar  ao  redor  do  umbigo...  suas  mãos  eram  mãos  direitas  e  sublimemente  gentis.  Não  tinha  entrado  nela  ainda,  mas  já  sentia  em  seu  centro  o  pulso,  o  prazer.  Você  dentro  de  mim...  tentou alcançá‐lo cegamente, pregando seus membros a seu redor.  Ele resistiu com um suave sorriso, jogando, apartando suas pernas e abrindo‐a  debaixo  dele.  Arrastou  a  boca  sobre  ela,  chupando‐a  e  provocando‐a,  também  em  meio  de  suas  coxas,  onde  estava  completamente  molhada.  Tocou‐a  com  a  língua,  penetrando‐a  com  a  ponta  até  que  encontrou  esse  sensível  lugar  que  pulsava  tão  esquisitamente.  Os  músculos  dos  braços  do  Cam  se  esticaram  quando  os  deslizou  debaixo de suas  pernas, formando um  berço com seus quadris. Ela se removeu  um  pouco,  não  em  protesto  mas  sim  como  súplica,  estremecendo‐se  com  cada  giro  e  deslizamento da língua.  Confundida  e  dolorida,  sentia‐se  flutuar  na  escuridão,  com  as  mãos  dele  ancorando‐a,  fechando‐se  sobre  suas  pernas.  Fez‐a  ajoelhar‐se  sobre  ele,  baixar  os  quadris,  empurrando  as  de  um  lado  a  outro  com  um  ritmo  suave.  Sua  boca  estava  sobre  ela  de  novo,  e  a  fez  gemer  desamparadamente  enquanto  se  esfregava  repetidamente  contra  o  calor,  a  umidade  e  a  tenra  língua  que  a  acariciava.  Seus  provocadores  dedos  se  deslizaram  dentro  dela,  fazendo‐a  ofegar  de  êxtase,  essa  sensação que girava sobre si mesmo...  Um golpe na porta acabou abruptamente com o voluptuoso silêncio.  —OH, Deus —sussurrou Amelia, congelando‐se no ato. 

 

O golpe se repetiu, mas esta vez era mais urgente, junto com a voz amortecida  do Poppy.  Cam  apartou  a  boca  dela,  retirando  muito  devagar  os  dedos  de  sua  apertada  carne.  —Poppy —gemeu Amelia fracamente—, não pode esperar?  —Não.  Amelia  saltou  sobre  o  Cam,  com  os  nervos  exaltados  ante  a  abrupta  interrupção.  Cam  rodou  sobre  seu  estômago  e  proferiu  uma  maldição  suave,  enquanto seus dedos se afundavam nos lençóis.  Cambaleando‐se  pela  habitação  como  se  estivesse  na  coberta  de  um  navio,  Amelia conseguiu encontrar sua camisola. O pôs e grampeou uns poucos botões ao  azar no frontal.  Foi para a porta e a abriu apenas uns centímetros.  —O que acontece, Poppy? Já é meia‐noite.  —Sei —disse Poppy ansiosamente, evadindo seu olhar—. Sei que não deveria, é  só  que  não  sabia  o  que  fazer.  Tive  um  pesadelo.  Um  horrível  pesadelo  sobre  Leo  e  parecia tão real. Não podia voltar a dormir até estar segura de que estava bem. Assim  fui a sua habitação... e... foi‐se.  Amelia sacudiu a cabeça exasperada.  —Maldito Leo. Buscaremo‐lo pela manhã. Acredito que nenhum de nós deve ir  detrás dele de noite, em meio da escuridão e do frio. Provavelmente foi ao botequim  do povo, nesse caso...  —Encontrei isto em seu quarto. —Poppy lhe ofereceu um pedaço de papel.  Franzindo o cenho, Amelia leu a nota.  Sinto muito.  Não espero que o entendam. Será melhor para vocês que acabe assim.  Havia umas poucas palavras mais, rabiscadas à pressa. 

 

Espero que algum dia...  e ao final uma vez mais:  Sinto muito.  Não estava assinada. Não havia necessidade.  Amelia se surpreendeu de quão tranquila soou sua própria voz.  —Vá à cama, Poppy.  —Mas sua nota... acredito que significa...  —Sei o que significa. Vá à cama, querida. Tudo irá bem.  —Vais encontrar o?  —Sim, encontrarei‐o.  A  aparente  calma  da  Amelia  desapareceu  no  momento  em  que  a  porta  se  fechou.  Cam  já  se  estava  pondo  a  roupa,  embainhando‐as  botas,  enquanto  Amelia  acendia o abajur que havia junto à cama. Entregou a nota com dedos trementes.  —Não é um gesto vão. —Encontrava difícil respirar—. Pretende fazê‐lo. Talvez  já...  —Onde  é  mais  provável  que  tenha  ido?  —interrompeu‐a  Cam—.  A  algum  lugar da propriedade?  Amelia pensou na cara espectral da Laura que tinha visto na janela.  —Está no Ramsay House —disse apertando os dentes—. me leve ali, por favor.  —Claro. Mas primeiro deve te pôr um pouco de roupa. —Cam lhe brindou um  sorriso tranqüilizador, enquanto lhe acariciava a bochecha com a mão—. Te ajudarei.  —Qualquer  homem  —murmurou—,  que  deseje  casar‐se  com  um  membro  da  família Hathaway depois disto, deveria ser encerrado em uma instituição mental.  —O  matrimônio  é  uma  instituição  —assinalou  ele  razoavelmente,  enquanto  recolhia seu vestido do chão. 

 

Montaram  para  o  Ramsay  House  no  cavalo  do  Cam,  cujas  largas  pernadas  cobriam o terreno com uma velocidade quase aterradora. Tudo parecia ser parte de  outro pesadelo, a profunda escuridão, o frio penetrante, a sensação de ser empurrada  para diante além de seu controle. Mas ali estava o corpo firme do Cam atrás de suas  costas,  e  um  braço  forte  que  a  mantinha  em  seu  lugar.  Temia  o  que  pudessem  encontrar no Ramsay House. Se o pior já tinha passado, teria que aceitá‐lo. Mas não  estava sozinha. Estava com o homem que parecia entender cada trama e cada fio de  sua alma.    Quando  se  aproximaram  da  casa,  viram  um  cavalo  pastando  desconsolado  sobre  emplastros  de  grama  e  arbustos.  Foi  um  sinal  bem‐vindo.  Leo  estava  aqui,  e  não teriam que percorrer todo Hampshire em sua busca.  Ajudando a Amelia a desmontar, Cam tomou a mão entre as suas. Entretanto,  ela se deteve quando tentou levá‐la para a porta dianteira.  —Possivelmente —disse tentativamente— deva esperar aqui enquanto eu...  —De nenhuma maldita maneira.  —Poderia mostrar‐se mais receptivo se for sozinha, só ao princípio...  —Não está em seus cabais. Não vais enfrentar te a ele sem mim.  —É meu irmão.  —E você é meu romni.  —O que significa isso?  —Explicarei‐lhe  isso  depois.  —Cam  lhe  roubou  um  rápido  beijo  e  deslizou  o  braço a seu redor, guiando‐a para a casa. Esta estava tão calada como um mausoléu,  o  frio  ar  cheirava  a  fumaça  e  a  pó.  Depois  de  explorar  silenciosamente  o  primeiro  piso, não encontraram nenhum sinal de Leo. Era difícil ver na escuridão, mas Cam se  abria passo caminho de habitação em habitação com a segurança de um gato.  Um som  lhes  chegou  de  acima, o rangido  de passos  sobre o  chão de  madeira.  Amelia  sentiu  um  tremor  de  nervosismo  e ao  mesmo  tempo  de  alívio.  Apressou‐se 

 

para  as  escadas.  Cam  a  deteve,  esticando  a  mão  sobre  seu  braço.  Compreendendo  que ele queria que fora devagar, obrigou‐se a relaxar‐se.  Subiram  a  escada,  Cam  abrindo  o  caminho,  provando  cada  degrau  antes  de  permitir que Amelia o seguisse. O cascalho acumulado corredor sob seus silenciosos  pés.  À  medida  que  ascendiam,  o  ar  se  voltava  ainda  mais  frio,  penetrando  como  agulhas  em  seus  ossos.  Era  um  frio  ímpio,  muito  amargo  e  horrível  para  provir  de  uma fonte temporária. Uma frieza que lhe secou os lábios e fez que lhe doessem os  dentes. Sua mão se esticou dentro da do Cam, e se manteve tão perto como pôde dele  sem tropeçar.  Uma débil luz cristalizada emanava da habitação que estava perto do final do  corredor  de  acima.  Amelia  deixou  escapar  uma  exclamação  de  ansiedade  quando  compreendeu de onde provinha a luz do abajur.  —A habitação das abelhas.  —As  abelhas não voam de noite —murmurou Cam, estendendo  a  mão  para a  parte  traseira  do  pescoço  da  Amelia,  deslizando‐a  por  sua  nuca—.  Mas  se  prefere  esperar aqui...  —Não. —Reunindo seu valor, Amelia quadrou seus ombros e avançou com ele  pelo corredor. Como podia Leo ser tão retorcido e perverso para esconder‐se em um  lugar que a assustava tanto.  Fizeram uma pausa frente à porta aberta, Cam bloqueava parcialmente a visão  da Amelia.  Aparecendo por cima de seu ombro, ofegou.  Não  era  Leo,  a  não  ser  Christopher  Frost,  seu  corpo  magro  resplandecia  à  luz  do  abajur,  enquanto  se  erguia  frente  a  um  painel  aberto  na  parede  que  continha  à  colônia de  abelhas. As abelhas estavam sob controle, mas longe de estar tranquilas,  milhões  de  asas  se  batiam  com  um  zumbido  denso  e  sinistro.  O  fedor  a  madeira  podre e mel fermentado invadia o ar. As sombras se encharcavam sobre o chão como  tinta  derramada,  enquanto  a  luz  do  abajur  se  retorcia  e  contorsionaba  aos  pés  do  Christopher. 

 

Ante  a  rápida  inalação  da  Amelia,  girou‐se  e  tirou  algo  de  seu  bolso.  Uma  pistola.  Os  três  ficaram  congelados  em  meio  de  uma  escura  cena,  enquanto  uma  sacudida percorria a pele da Amelia.  —Christopher —disse desconcertada—. O que está fazendo aqui?  —Retrocede —disse Cam duramente, enquanto tentava empurrá‐la detrás dele.  Mas como não estava mais ansiosa de ter ao Cam ante uma pistola que de está‐lo ela  mesma, agachou‐se sob seu braço e se colocou a seu lado.  —Já  vejo,  também  você  vieste  por  ele.  —Christopher  parecia  incrivelmente  tranquilo, seu olhar voou primeiro à cara do Cam e logo para a da Amelia. A pistola  ainda seguia firme em sua mão. Não a baixou.  —A  por  que?  —Desconcertada,  Amelia  olhou  fixamente  o  buraco  na  parede,  era  um  espaço  retangular  de  pelo  menos  um  metro  e  meio  de  alto—.  por  que  tem  aberto esse oco na parede?  —É  um  painel  corrediço  —disse  Cam  secamente,  sem  apartar  o  olhar  do  Christopher—. Um esconderijo.  Perguntando‐se  por  que  ambos  pareciam  saber  um  pouco  do  Ramsay  House  que ela desconhecia, Amelia inquiriu inexpressivamente:  —Um esconderijo para que?  —Foi  desenhado  faz  muito  tempo  —respondeu  Christopher—,  para  que  os  sacerdotes católicos que eram perseguidos o utilizassem para ocultar‐se.  Sua mente desconcertada tentou dar sentido às coisas. Tinha lido a respeito de  lugares como este. Fazia muito tempo os católicos romanos tinham sido perseguidos  e executados pela lei na Inglaterra. Alguns deles tinham escapado escondendo‐se nas  casas  de  simpatizantes  católicos.  Nunca  tinha  suspeitado,  entretanto,  que  houvesse  um lugar como esse no Ramsay House.  —Como  soube  de...  —Encontrando  difícil  falar,  gesticulou  rigidamente  para  o  oco na parede. 

 

—Uma  referência  dos  jornais  privados  do  arquiteto,  William  Bissel.  As  notas  estão em posse do Rowland Tempere.  E  agora,  pensou  Amelia,  depois  de  dois  séculos,  este  esconderijo  se  revelou...  com uma colônia de abelhas como inquilinos.  —Por que te falou o senhor Tempere dele? Que esperas encontrar aí?  Christopher a olhou fixamente, com um divertido desprezo.  —Finge te fazer a ignorante, ou realmente não tem nem ideia?  —Eu  posso  supô‐lo  —disse  Cam—.  Provavelmente  tem  algo  que  ver  com  a  crença  local  de  que  há  um  tesouro  oculto  no  Ramsay  House.  —encolheu‐se  de  ombros ante seus curiosos olhares—. Westcliff o mencionou uma vez de passada.  —Um  tesouro?  Aqui?  —Amelia  franziu  o  cenho  desgostada—.  Por  que  ninguém me mencionou isso antes?  —Não é mais que um rumor infundado. E os orígenes do suposto tesouro não  acostumam  a  ser  mencionados  entre  a  gente  educada.  —Cam  olhou  friamente  ao  Christopher—. Guarde a arma. Não temos nenhuma intenção de interferir.  —Sim a temos! —disse Amelia irritada—.  Se houver alguma classe de tesouro  no  Ramsay  House,  pertence  a  Leo.  E  por  que  os  orígenes  do  tesouro  são  tão  imencionaveis?  Frost respondeu, mantendo ainda a arma apontada para o Cam.  —Porque  consiste  em  cartas  e  jóias  dadas  de  presente  pelo  rei  James  a  sua  amante no século dezesseis. Alguém que pertenceu à família Ramsay.  —O Rei teve um namorico com Lady Ramsay?  —Em realidade foi com Lorde Ramsay.  A mandíbula da Amelia caiu.  —OH.  —Franziu  o  cenho  e  se  esfregou  os  braços  gelados  através  das  mangas  em um inútil esforço por esquentá‐los—. Então crê que esse tesouro está aqui, em um  dos  esconderijos  do  Bissel.  E  todo  este  tempo  estiveste  tentando  encontrá‐lo.  Você 

 

oferta de amizade... seu arrependimento por me haver  abandonado... Foi  todo uma  farsa! Tudo para poder rondar por aqui.  —Não tudo foi absolutamente uma farsa. —Christopher lhe dedicou um olhar  desdenhoso,  vagamente  pesarosa—.  Meu  interesse  em  renovar  nossa  relação  era  genuíno,  até  que  compreendi  que  te  tinha  encalacrado  com  um  cigano.  Não  aceito  sobras de ninguém.  Enfurecida, Amelia se lançou para ele com os dedos retorcidos como garras.  —Não é digno nem sequer de lamber suas botas! —clamou, lutando enquanto  Cam a sujeitava.  —Não —murmurou Cam,  fechando  as mãos sobre seu corpo como bandas  de  ferro—. Não vale a pena. Te acalme.  Amelia  se  conteve,  olhando  ao  Christopher,  enquanto  aumentava  o  frio  penetrante que ondeava através do ar.  —Ainda quando o tesouro esteja aqui, não poderá levar lhe —estalou isso—. A  parede está invadida por uma colmeia do menos duzentas mil abelhas.  —Por isso sua chegada resulta tão oportuna. —A pistola apontava diretamente  a seu peito. Falou‐lhe com o Cam—. Irá buscá‐lo por mim... ou dispararei a ela.  —Não  te  atreva  —disse  Amelia  ao  Cam,  enquanto  lhe  agarrava  o  braço—.  Só  está alardeando.  —Vai  arriscar  sua  vida  ante  a  possibilidade,  Rohan?  —inquiriu  Christopher  quase vacilante.  Amelia lutou por sujeitar ao Cam quando ele apartou o braço de seu agarre.  —Não o faça!  —Tranquila,  monisha.  —Cam  lhe  aferrou  os  ombros  e  a  sacudiu—.  Cala.  Não  me está ajudando. —Olhou ao Christopher—. Deixe‐a sair. Farei o que me peça.  Christopher sacudiu a cabeça.  —A presença dela é um excelente incentivo para sua cooperação. —Gesticulou  com a pistola—. Vá para lá e comece a procurar. 

 

—Tornaste‐te  louco  —disse  Amelia—.  Tesouros  ocultos,  pistolas  e  rondar  furtivamente a meia... —deteve‐se quando viu um brilho de movimento, de brancura  chapeada no ar. Uma brisa de agudo frio varreu a habitação, enquanto as sombras se  congelavam ao redor deles.  Christopher  pareceu  não  notar  a  brusco  descida  da  temperatura,  ou  a  pálida  dança translúcida entre eles.  —Agora, Rohan.  —Cam...  —Silêncio. —Tocou a bochecha da Amelia e lhe lançou um olhar insondável.  —Mas as abelhas...  —Tudo  irá  bem.  —Cam  recolheu  o  abajur  do  chão.  Levando‐a  para  o  painel  aberto,  sustentou‐a  dentro  do  espaço  vazio  e  se  inclinou  dentro.  As  abelhas  começaram  a  posar‐se  e  a  arrastar‐se  sobre  seu  braço,  ombros  e  cabeça.  Olhando‐o  fixamente, Amelia viu como seu braço se estremecia, e compreendeu que lhe tinham  picado. O pânico se apertou ao redor de seus pulmões, fazendo que respirasse rápida  e levianamente.  A voz do Cam chegava amortecida.  —Não há nada aqui, só abelhas e um favo.  —Tem que estar aí —estalou Christopher—. Entre e encontre‐o.  —Não pode fazê‐lo —clamou Amelia ante o ultraje—. Lhe picarão até morrer.  Apontou‐a diretamente com a pistola.  —Vá —ordenou Christopher ao Cam.  As  abelhas  se  derramaram  sobre  o  Cam,  arrastando‐se  sobre  seu  brilhante  cabelo  negro,  sua  cara  e  sua  nuca.  Olhando‐o,  Amelia  se  sentia  como  se  estivesse  apanhada em um pesadelo da qual não podia despertar.  —Aqui não há nada —disse Cam, soando incrivelmente acalmado.  Agora Christopher parecia sentir uma viciosa satisfação ante a situação. 

 

—Apenas se tiver cuidadoso. Siga entrando e não saia sem ele.  As lágrimas saltaram dos olhos da Amelia.  —É um monstro —disse furiosamente—. Não há nada aí e sabe.  —Te  olhe  —disse  ele,  sorrindo  com  desprezo—,  chorando  por  seu  amante  cigano. Que baixo tem cansado.  Antes  de  que  pudesse  lhe  responder,  um  estalo  de  luz  encheu  o  quarto  com  uma estocada silenciosa. A chama do abajur se extinguiu com uma explosão geKada.  Amelia  pestanejou,  esfregou‐se  a  umidade  dos  olhos  e  se  girou  dando  voltas  em  confusos  círculos  enquanto  tentava  encontrar  a  fonte  da  luz.  Algo  brilhava  fracamente a seu  redor, era frieza, brilho e energia crua. Cambaleou‐se  para o Cam  com os braços estendidos. As abelhas se elevaram em massa e voaram de volta para a  colmeia,  enquanto  a  luz  azul  fazia  que  suas  asas  brilhassem  como  uma  chuva  de  faíscas.  Amelia alcançou ao Cam e ele a aferrou em um forte e quente abraço.  —Está  ferido?  —perguntou‐lhe,  enquanto  suas  mãos  o  inspecionavam  freneticamente.  —Não,  só  recebi  uma  picada  ou  duas.  Eu...  —deteve‐se  com  uma  brusca  inalação.  Voltando‐se entre seus braços, Amelia seguiu seu olhar.  Duas silhuetas vagas,  distorcidas  em  meio  da  luz,  lutavam  pela  posse  da  arma.  Quem  era?  Quem  mais  tinha  entrado  na  habitação?  Não  passou  nem  um  segundo  antes  de  que  Cam  a  empurrasse ao chão.  —Fica no chão. —Sem pausa, lançou‐se para os combatentes.  Mas  eles  já  se  separaram,  um  homem  se  derrubava  sobre  o  chão  agarrando  a  pistola,  enquanto  o  outro  corria  para  a  porta.  Cam  foi  para  o  homem  cansado,  enquanto  o  ar  rangia  como  se  a  habitação  estivesse  invadida  por  foguetes.  O  outro  homem fugiu. E a porta se fechou de repente detrás dele... embora ninguém a havia  meio doido. 

 

Desconcertada, Amelia se incorporou, enquanto a fragmentada luz se dissolvia  em um débil fulgor azul que desenhava as silhuetas dos homens.  —Cam? —perguntou sem saber que dizer.  Sua voz soou baixa e agitada.  —Tudo vai bem, colibri. Veem aqui.  Localizou‐os e ofegou quando viu a cara do intruso.  —Leo, que está... como fez... —Sua voz vacilou ante a visão da pistola em sua  mão.  Ele  a  sustentava  frouxamente  contra  sua  coxa.  Sua  cara  parecia  tranquila,  sua  boca se curvava em um débil sorriso.  —Eu  ia  perguntar‐te  o  mesmo  —disse  brandamente—.  Que  demônios  está  fazendo aqui?  Amelia se sentou no chão junto ao CAM, com o olhar fixo sobre seu irmão.  —Poppy encontrou sua nota —ofegou—. Viemos porque pensamos que foi a...  acabar contigo mesmo.  —Essa era a ideia geral —disse Leo—. Mas fui ao botequim a por um gole para  o caminho. Quando ao fim consegui chegar, estava muito atestado para meu gosto. O  suicídio é algo que requer privacidade.  Amelia pôs nervosa ante sua tranquilidade. Seu olhar baixou à pistola na mão  de seu irmão e depois voltou para sua cara. Arrastou a mão para a coxa ao mesmo  tempo  que  a  mão  do  Cam.  O  fantasma  estava  com  eles,  pensou.  O  ar  lhe  tinha  intumescido o rosto, fazendo que o fora difícil mover os lábios.  —O senhor Frost estava procurando um tesouro —disse a seu irmão.  Leo lhe lançou um olhar cético.  —Um tesouro, em meio deste montão de lixo?  —Bom, verá, o senhor Frost pensou... 

 

—Não, não te incomode. Temo‐me que não tenho nenhum interesse em ouvir o  que pensava Frost. O muito idiota. —Olhou a pistola, roçando brandamente com seu  dedo polegar o canhão da arma.  Amelia não teria esperado que um homem que contemplava a ideia de suicidar‐ se  parecesse  estar  tão  depravado.  Um  homem  arruinado  em  uma  casa  arruinada.  Cada linha de seu corpo expressava cansada resignação. Leo olhou ao Cam:  —Tem que tira‐la daqui —disse quedamente.  —Leo... —Amelia começou a tremer, sabendo que se o deixavam ali, mataria‐se.  Não  lhe  ocorria  o  que  dizer,  ao  menos  nada  que  não  parecesse  teatral,  ou  pouco  convincente, ou absurdo.  A boca de seu irmão se curvou como se estivesse muito cansado para sorrir.  —Sei —disse brandamente—. Sei o que quer, e o que não quer. Sei que desejaria  que pudesse ser melhor que isto. Mas não o sou.  Apagou‐se  ante  ela.  Amelia  sentiu  como  as  lágrimas  escorregavam  por  suas  bochechas, a umidade as gelava quando alcançavam seu queixo.  —Não quero te perder.  Leo  dobrou  os  joelhos  e  envolveu  um  braço  ao  redor  delas,  seus  dedos  permaneceram posados ao redor da culatra da arma.  —Eu não sou seu irmão, Amelia. Já não. Troquei quando Laura morreu.  —Mas ainda assim te quero.  —Ninguém consegue o que quer —murmurou Leo—. Já não.  Cam observava ao irmão intensamente. Um comprido silencio despleagado em  capas de dor, enquanto uma ardente brisa gelada se arrastava sobre eles três.  —Poderia tentar te persuadir para que ponha a arma a um lado, e venha para  casa conosco —disse Cam finalmente—. te refrear um dia mais. Mas ainda quando te  detivera  esta  vez...  acredito  que  não  se  pode  manter  a  um  homem  com  vida  se  ele  não deseja está‐lo.  —Certo —disse Leo. 

 

Amelia  abriu  a  boca  para  protestar,  mas  Cam  a  deteve,  apertando  os  dedos  brandamente  sobre  seus  lábios.  Cam  continuou  olhando  fixamente  a  Leo,  não  com  preocupação  a  não  ser  com  uma  espécie  de  separada  contemplação,  como  se  estivesse resolvendo uma equação matemática.  —Ninguém  pode  ser  rondado  —disse  quedamente—,  se  não  o  desejar.  Sabe,  verdade?  A  habitação  se  esfriou  inclusive  mais,  se  isso  era  possível,  as  janelas  se  sacudiram,  a  luz  do  abajur  flutuou.  Alarmada  pelas  tensas  vibrações  do  ar  e  da  inadvertida presença que os rodeava, Amelia se apertou contra as costas do Cam.  —Claro que sei —disse Leo—. Devia ter morrido quando ela o fez. Nunca quis  ficar  atrás.  Não  sabe  o  que  se  sente.  A  ideia  de  acabar  finalmente  com  isto  é  um  maldito alívio.  —Mas isso não é o que ela quer.  A hostilidade brilhou nos olhos luminosos.  —Como demônios sabe?  —Se a situação fora à inversa, escolheria isto para ela? —Cam assinalou à arma  que  o  outro  sustentava  na  mão—.  Eu  não  poderia  pedir  semelhante  sacrifício  a  alguém a quem amasse.  —Não tem nenhuma maldita ideia do que está falando.  —Tenho‐a —disse Cam—. O entendo. E o que te estou dizendo é que deixe de  ser tão egoísta. Aflige‐te muito, phral. Está‐a forçando a ter que vir a te reconfortar.  Deve deixá‐la ir. Não por ti, mas sim por ela.  —Não  posso.  —Mas  a  emoção  tinha  começado  a  estender‐se  pela  cara  de  Leo  como  uma  greta  em  uma  casca  de  ovo.  A  luz  azul  dançou  através  do  quarto,  enquanto um vento gelado levantava mechas do cabelo de Leo como se fossem dedos  invisíveis.  —Deixa‐a descansar em paz —disse Cam, mais silenciosamente—. Se tomadas  sua própria vida, terminará condenando‐a, ao igual à ti mesmo, a vagar eternamente.  Não é justo para ela. 

 

Leo  sacudiu  a  cabeça  sem  palavras,  embalando  seus  joelhos  em  uma  postura  que a Amelia recordou ao moço que tinha sido uma vez. E entendeu seu pesar com  uma exatidão que tivesse sido impossível para ela antes.  E se Cam o fora arrebatado sem prévio aviso? Nunca voltaria a sentir seu cabelo  entre  mãos  ou  a  carícia  desses  lábios  contra  os  seus.  Nem  a  consumação  de  tudo  o  que  tinha  começado  a  sentir,  as  promessas,  os  sorrisos,  as  lágrimas,  as  esperanças,  tudo  arrancado  de  suas  mãos.  para  sempre.  Quanto  sentiria  saudades.  Nunca  poderia ser substituído por nenhum outro.  Entristecida  com  a  compaixão,  observou  como  Cam  se  aproximava  de  seu  irmão. Leo escondeu a cara e estendeu uma mão, com os dedos abertos, com a palma  estirada em um gesto quebrado e necessitado.  —Não posso deixá‐la partir —afogou.  O abajur se apagou e um painel de cristal se rompeu em pedaços, de uma vez  que  uma  explosão  de  ar  congelado  os  golpeava.  A  energia  rangeu  através  da  habitação, enquanto diminutos estalos de luz apareciam a seu redor.  —Pode  fazê‐lo  por  ela  —disse  Cam,  enquanto  envolvia  os  braços  ao  redor  do  irmão como se estivesse consolando a um menino perdido—. Pode.  Leo  começou  a  chorar  mais  forte,  cada  respiração  era  um  estalo  de  zangado  desespero.  —OH, Deus —gemeu—. Laura, não me deixe.  Mas  enquanto  chorava,  a  atmosfera  pareceu  aquietar‐se,  glacial,  fria  e  acalmada,  e  a  luz  azul,  como  o  resplendor  de  uma  distante  estrela  agonizante,  começou  a  murchar‐se.  Ouvia‐se  o  zumbido  calado  de  algumas  abelhas  que  se  aventuraram a sair da colmeia, depois voaram de retorno a descansar para a noite.  Cam estava murmurando algo agora, sustentando a Leo em um firme e protetor  abraço. Falava em romany, as palavras flutuavam no ar tênue. Uma promessa, uma  oferenda, oferecida a um espírito relatório que se desvanecia.  Até que tudo o que ficou foram três pessoas na escuridão, sentadas entre cristal  quebrado, e uma arma descartada no chão. 

 

—Foi‐se —disse Cam brandamente—. É livre.  Leo assentiu, com a cara oculta. Estava ferido mas ainda vivo. Quebrado, mas  não além de toda esperança de reparação.  E reconciliado com a vida, ao fim.                                    Capítulo 22   

 

Depois  de  levar  a  Leo  de  volta  ao  Stony  Cross  Manor  e  colocá‐lo  na  cama,  Amelia  ficou  de  pé  fora  da  habitação  com  o  Cam.  Suas  emoções  se  transbordavam  tão brilhantes e tão fortes, que o as conter requereu toda sua força de vontade.  —Vou dizer lhe ao Poppy que está bem —sussurrou.  Cam  assentiu,  silencioso  e  algo  distraído.  Seus  dedos  se  entrelaçaram  brevemente.  Separaram‐se, e Amelia foi em busca de sua irmã.  Poppy  estava  na  cama,  tombada  sobre  um  flanco,  com  os  olhos  totalmente  abertos.  —Encontrou a Leo —murmurou, quando Amelia se aproximava dela.  —Sim, querida.  —Está…?  —Está bem. Acredito… —Amelia se sentou ao bordo do colchão e lhe sorriu—.  Acredito que melhorará de agora em diante.  —Voltará a ser o velho Leo?  —Não sei.  Poppy bocejou.  —Amelia… Te incomodaria que te perguntasse algo?  —Estou muito cansada para me incomodar. Me pergunte o que queira.  —Vais casar te com o senhor Rohan?  Essa pergunta encheu a Amelia de um aturdido deleite.  —Deveria?  —OH, sim. Estão comprometidos, já sabe. Além disso, ele é uma boa influência  para ti. Não te comporta como um porco‐espinho quando ele está ao redor.  —Que menina tão encantadora —Amelia estudou a habitação em geral, e sorriu  a sua irmã—. Lhe direi isso amanhã, querida. Agora durma. 

 

Amelia atravessou a sóbria quietude do corredor, sentindo‐se tão nervosa como  uma  noiva  primeriza  enquanto  ia  em  busca  do  Cam.  Era  o  momento  de  abrir  seu  coração, de ser honesta, de ter confiança, como nunca antes a tinha tido, nem sequer  em  seus  momentos  de  intimidade.  O  batimento  do  coração  ressonava  por  todo  seu  corpo, inclusive nas pontas dos dedos de seus pés. Chegou à habitação do Cam, ali a  luz do abajur se filtrava através da fenda da porta que estava entreaberta.  Cam estava sentado na cama, ainda vestido. Tinha a cabeça inclinada, e as mãos  posadas sobre os joelhos na postura de um homem profundamente ensimesmado em  seus pensamentos. Levantou o olhar quando Amelia entrou na habitação e fechou a  porta.  —O que acontece, amor?  —Eu… —Amelia se aproximou vacilante—. Temo que não me permita obter o  que quero.  Seu lento sorriso lhe roubou a respiração.  —Nunca te neguei nada. E não é provável que vá começar a fazê‐lo agora.  Amelia se deteve frente a ele, introduzindo sua saia entre os joelhos abertos. A  fragrância limpa, salgada e refrescante do Cam flutuou para seus orifícios nasais.  —Vim te fazer uma proposição —disse, tentando moderar seu tom—. É muito  sensata.  Verá...  —deteve‐se  para  esclarecê‐la  garganta—.  estive  pensado  em  seu  problema.  —Que  problema?  —Cam  jogava  ligeiramente  com  as  dobras  da  saia,  observando a cara dela atentamente.  —Sua maldição de boa sorte. Sei como te liberar dela. Deve te casar com alguém  que pertença a uma família que tenha muita, mas muita má sorte. Uma família com  muitas  dívidas.  Então  não  terá  que  te  envergonhar  de  ter  tanto  dinheiro,  porque  desaparecerá de suas mãos logo que chegue.  —É  muito  sensato.  —Cam  embalou  a  mão  tremente  dentro  das  suas,  pressionando‐a  em  meio  de  seus  cálidas  palmas.  Deteve  com  seu  pé  o  dela,  que  já  tinha começado a tamborilar o chão—. Colibri —lhe sussurrou—, não tem por que te  pôr nervosa comigo. 

 

Reunindo seu valor, Amelia resmungou:  —Quero seu anel. Não quero voltar a me tirar isso nunca. Quero ser seu romni  para  sempre  —fez  uma  pausa  e  sorriu  causar  pena—,  seja  o  que  seja  o  que  isso  signifique.  —Minha noiva. Minha esposa.  Amelia  ficou  congelada  um  momento,  com  a  garganta  afogada  de  deleite  enquanto sentia como lhe deslizava o anel de ouro no dedo, até a base.  —Quando  estávamos  com  Leo,  esta  noite  —disse  ela  broncamente—,  soube  exatamente  como  se  sentiu  ao  perder  a  Laura.  Uma  vez  me  disse  que  não  poderia  entendê‐lo  a  menos  que  tivesse  amado  a  alguém  da  mesma  maneira.  Tinha  razão.  Esta noite enquanto te via junto a ele… soube o que pensaria no último instante de  minha vida.  Lhe acariciou com o dedo a tenra superfície do nódulo.  —Sim, amor?  —Pensaria  —continuou  ela—  “OH,  se  pudesse  ter  sozinho  um  dia  mais  junto  ao Cam. Viveria uma vida inteira nessas poucas horas”.  —Isso  não  é  necessário  —lhe  assegurou  ele  gentilmente—.  Estatisticamente  falando, teremos pelo menos dez mil ou quinze mil dias para estar juntos.  —Não quero me separar de ti nem sequer em um só deles.  Cam  cavou  seu  pequeno  e  sério  rosto  entre  suas  mãos,  e  limpou  com  os  polegares  as  lágrimas  que  escorregavam  de  seus  olhos.  Logo,  acariciou‐a  com  o  olhar.  —Viveremos em pecado, amor, ou finalmente decidiste te casar comigo?  —Sim.  Sim.  Casarei‐me  contigo.  Embora…  siga  sem  poder  te  prometer  obediência.  Cam riu quedamente.  —O passaremos por cima. Se me prometer que ao menos tentará me amar. 

 

Amelia  lhe  aferrou  os  punhos,  sentindo  o  pulso  constante  que  pulsava  fortemente sob a gema de seus dedos.  —OH, eu já te amo, é…  —Eu também te amo.  —… meu destino. É‐o tudo para mim. —Haveria‐lhe dito algo mais, se ele não  tivesse atraído sua cabeça, beijando‐a com uma dura e emocionante pressão.  Despiram‐se  às  pressas,  tirando‐a  roupa  mutuamente  com  uma  estupidez  forjada pelo desejo e o ardor. Quando por fim estiveram nus, a urgência do Cam se  aliviou. Suas mãos se deslizaram sobre ela com uma lentidão deliberada, cada carícia  trazia  tremores  de  prazer  à  superfície.  Os  rasgos  do  Cam  pareciam  austeramente  formosos  quando  a  pôs  de  costas.  Baixou  a  boca  para  seus  peitos,  enquanto  lhe  cavava  com  as  mãos  sua  carne  arredondada,  e  sua  língua  e  seus  dedos  navegaram  gentilmente sobre os mamilos.  Amelia  gemeu  seu  nome,  rendendo‐se  indefesa  enquanto  ele  se  elevava  para  ajoelhar‐se  entre  suas  pernas.  Pô‐lhe  as  mãos  sobre  os  quadris,  para  levantá‐la  e  apoiá‐la  sobre  suas  coxas  estendidas.  Cam  a  olhou,  seus  olhos  tinham  um  brilho  demoníaco enquanto a acariciava e jogava com sua suave fenda e a carne sensível em  meio dela.  Amelia  tratou  de  alcançá‐lo,  precisando  sentir  seu  peso  sobre  ela,  mas  foi  incapaz  de  lhe  empurrar  para  baixo.  Tudo  o  que  pôde  fazer  foi  gemer  e  arqueasse  enquanto  ele  a  enchia  com  seus  dedos,  esfregando  círculos  com  o  polegar  e  suas  coxas  sólidas  sob  os  quadris  pugnantes  dela.  Amelia  respirava  entre  dentes,  e  apertava firmemente com as mãos os lençóis da cama.  Cam tirou os dedos de seu interior, deixando‐a estremecendo‐se enquanto seu  corpo  se  fechava  em  vão  ao  redor  do  vazio.  Nesse  instante  a  penetrou,  e  a  encheu  totalmente. Ela elevou os quadris para recebê‐lo, e lançou um grito apagado quando  se deslizou em seu interior com um ritmo deliberadamente lento.  Amelia arrastou a mão cegamente desde seu ombro até sua cara, percebendo a  forma de seu sorriso. 

 

—Não jogue comigo  —murmurou,  tremendo de  desejo—.  Não  posso suportá‐ lo.  —Carinho… —seu murmúrio lhe acariciou a bochecha—. Me temo que terá que  fazê‐lo.  —Por…  por  que?  —Amelia  conteve  a  respiração  quando  ele  se  retirava,  deixando sozinho a ponta de seu eixo dentro.  —Porque não há nada que adore mais que jogar contigo.  Passou  uma  eternidade  antes  de  que  se  inundasse  outra  vez  em  seu  interior,  enquanto a acariciava com as mãos, incrementando seus movimentos de uma forma  deliciosa  e  implacável,  entrando  nela  completamente  depois,  levando‐a  ao  clímax.  Duas vezes.  —Fique dentro de mim —lhe rogou ela broncamente, enquanto ele começava a  bombear  com  um  ritmo  firme,  reconstruindo  sua  paixão—.  Fique,  fica  …  —suas  palavras se converteram em um comprido gemido.  Cam se inclinou sobre ela, penetrando‐a rudemente, sua respiração golpeando  contra  a  cara  e  a  garganta  da  Amelia.  Olhou‐a  fixamente  aos  olhos,  ferozmente  satisfeito ante a visão seu prazer. Deslizou as mãos sob seu crânio, lhe embalando a  cabeça  enquanto  a  beijava.  Logo  enterrou  um  veemente  gemido  dentro  das  doces  profundidades de boca feminina, e se liberou dentro dela.  Embalando‐a  depois,  Cam  lhe  riscou  preguiçosos  padrões  sobre  as  costas  e  ombros.  Amelia  descansava  sobre  ele,  desfrutando  da  firme  sublevação  e  queda  de  sua respiração.  —Depois das bodas —murmurou ele—, pode que te leve comigo um tempo.  —Aonde?  —perguntou ela disposta, girando para apertar os lábios  contra  seu  peito.  —A procurar a minha tribo.  —Já  encontraste  a  sua  tribo  —disse,  passando  uma  perna  sobre  os  quadris  dele—. Os chamam os Hathaways.  Uma risita vibrou dentro do peito do Cam. 

 

—Minha tribo Romany, então. Passaram muitos anos. Eu gostaria de averiguar  se minha avó ainda segue com vida —disse, fazendo uma pausa—. E quero lhe fazer  algumas pergunta.  —Sobre o que?  Atraindo a mão dela até seu antebraço, Cam a pressionou contra sua tatuagem.  —Sobre isto.  Pensando  na  tatuagem  idêntica  do  Merripen,  e  na  estranha  e  impossível  coincidência, Amelia franziu o cenho com curiosidade:  —Que tipo de conexão poderia ter com o Merripen?  —Não  tenho  nem  ideia  —sorriu  Cam  tristemente—.  Que  Deus  me  ajude,  mas  tenho medo de averiguá‐lo.  —Seja o que seja —disse ela—, confiaremos no destino.  O sorriso do Cam se alargou.  —Assim agora crê no destino?  —E na sorte —disse Amelia, lhe apertando o braço com a mão—. Tudo graças a  ti.  —Isso me recorda… —Se levantou sobre um cotovelo e a olhou, suas pestanas  escuras cobriam o âmbar resplandecente de seus olhos—. Tenho algo que te mostrar.  Não te mova... trarei‐o aqui.  —Não pode esperar? —protestou ela.  — Não. Retornarei em uns minutos. Não vás dormir te.  Saiu da cama e ficou a roupa, enquanto Amelia desfrutava do possessivo prazer  de contemplá‐lo.  Para manter‐se acordada enquanto ele estava fora, foi ao lavabo e utilizou um  tecido frio para refrescar‐se. Retornando rapidamente à cama, sentou‐se e sujeitou o  lençol sob seus braços. 

 

Cam  retornou,  silencioso  como  um  gato,  levando  um  objeto  que  tinha  aproximadamente  a  forma  e  o  tamanho  de  uma  caixa  de  sapatos.  Amelia  o  olhou  confundida,  enquanto  ele  se  sentava  seu  lado.  Pesada  a  caixa  era  feita  de  madeira  esculpida  de  prata  severamente  deslustrada  e  furada,  toda  a  coisa  desprendia  um  fedor  agridoce.  Quando  Amelia  passou  seus  dedos  tentativamente  sobre  a  caixa,  descobriu que estava ligeiramente pegajosa.  —Felizmente estava envolta em oleado —disse Cam—, do contrário teria ficado  empapada de mel fermentado.  Amelia piscou assombrada.  —Não me diga que este é o tesouro que Christopher Frost estava procurando?  —Encontrei‐o enquanto procurava as abelhas esmagadas para o cataplasma do  Merripen. E o recuperei para ti. —Parecia vagamente culpado—. Tinha intenção de te  falar disso antes, mas o esqueci por completo.  Amelia se engasgou da risada. A qualquer homem seria muito difícil esquecer‐ se de uma caixa que possivelmente contivera um tesouro… mas para o Cam, não era  mais importante que uma caixa de avelãs.  —Só você —disse ela—, poderia ir em busca de veneno de abelhas e encontrar  um tesouro escondido. —Levantando a caixa, sacudiu‐a brandamente, percebendo o  movimento de objetos pesados no interior—. Demônios, está fechada.  Rebuscou  entre  a  selvagem  desordem  de  seu  penteadeira.  Quando  encontrou  uma forquilha, a entregou a ele.  —Por  que  assume  que  posso  abrir  essa  fechadura?  —perguntou  ele,  com  um  brilho ardiloso nos olhos.  —Tenho  plena  confiança  em  suas  habilidades  delitivas  —disse  ela—.  Abre‐a,  por favor.  Complacentemente ele dobrou a forquilha e a inseriu na fechadura antiga.  —Por  que  não  lhe  disse  ao  senhor  Frost  que  tinha  encontrado  o  tesouro?  — perguntou Amelia, enquanto ele tratava de violar o fechamento—. Assim poderia ter  evitado ser picado por todas essas abelhas. 

 

—Queria conservá‐lo para sua família. Frost não ia fazer nada bom com ele.  Em menos de um minuto, a fechadura fez clique e a caixa ficou aberta.  O  coração  da  Amelia  palpitava  excitado  quando  levantou  a  tampa.  Encontrou  um  molho  de  cartas,  talvez  meia  dúzia,  atadas  com  uma  fina  cinta  trancada,  confeccionada com cabelos. Cautelosamente, tomou o montão, tirou a carta de acima,  e desdobrou o antigo pergaminho amarelado.  Era  de  fato  uma  carta  de  amor  de  um  rei,  assinada,  simplesmente,  como  “James”. Escandalosa, ardente e docemente escrita, parecia ser muito íntima para lê‐ la. Nunca tinha estado destinada a seus olhos. Sentia‐se como uma intrusa, fechou as  dobras quebradiças e a pôs a um lado.  Cam, enquanto isso, tinha começado a tirar os objetos da caixa e a pô‐los sobre  seu regaço; um rubi do menos uma polegada de diâmetro, um par de braceletes de  diamantes, colares de pérolas negras maciças, um broche engastado com uma safira  ovalada  do  tamanho  de  um  soberano,  um  pendente  de  diamante  em  forma  de  lágrima, e muitos anéis de rubis.  —Não  posso  acreditá‐lo  —disse  Amelia,  removendo  a  pilha  reluzente—.  Isto  deve ser suficiente para reconstruir Ramsay House duas vezes ou mais.  —Nem tanto —disse Cam, lançando um olhar experimentado às jóias—, mas se  aproxima o bastante.  Amelia franziu o cenho enquanto estudava a valiosa coleção de jóias.  —Cam…? —perguntou depois de uma larga pausa.  —Hmmm?  —Ele  parecia  ter  perdido  interesse  no  tesouro,  e  se  entretinha  jogando com uma mecha solta de seu cabelo.  —Importaria‐te que ocultamos este descobrimento a Leo até que esteja… bom,  até que seja um pouco mais racional? De outro modo me temo que sairá e fará algo  irresponsável.  —Acredito  que  tem  toda  a  razão  do  mundo  em  preocupar‐se.  —Recolheu  as  jóias  descuidadamente,  deixou‐as  cair  na  caixa  e  a  fechou—.  Sim,  esperaremos  até  que esteja preparado. 

 

—Crê… —disse Amelia com vacilação—… que Leo trocará? O que melhorará?  Ouvindo a preocupação em seu tom, Cam estendeu a mão e a empurrou contra  ele.  —Os ROM dizem: “Nenhum carro conserva as mesmas rodas para sempre”.  Os  lençóis  se  deslizaram  entre  eles.  Amelia  se  estremeceu  quando  sentiu  uma  corrente de ar fresco sobre as costas e os ombros nus  —Retorna à cama —sussurrou—. Necessito que me dê calor.  Cam  se  tirou  a  camisa,  e  riu  quedamente  quando  sentiu  como  as  mãos  de  lhe  atiravam dos botões das calças.  —O que passou com minha gadji dissimulada?  —Temo‐me —colocou a mão pela abertura e acariciou sua carne excitada— que  esta contínua associação contigo tem feito de mim uma mulher desavergonhada.  —Bom,  esperava  que  acontecesse  isso.  —Suas  pestanas  baixaram,  e  sua  voz  ofegou  ligeiramente  por  efeito  de  suas  carícias—.  Amelia  se  tivermos  filhos…  Te  importará que sejam em parte Roma?  —Não se não te importa que sejam em parte Hathaways.  Ele emitiu um som de diversão e terminou de despir‐se.  —E  eu  que  acreditava  que  a  vida  nos  caminhos  seria  todo  um  desafio.  Sabe,  aterraria a um homem menor, o tratar de fazer‐se carrego de sua família.  —Tem razão. Não posso imaginar por que está disposto a carregar conosco.  Ele jogou um olhar francamente lascivo a seu corpo nu enquanto lhe unia sob  os lençóis.  —Me acredite, as compensações que recebo bem valem a pena.  —E  o  que  tem  que  sua  liberdade?  —perguntou  Amelia,  acomodando‐se  entre  seus braços quando ele se deitou a seu lado—. Não lamenta havê‐la perdido?  —Não,  amor  —  Cam  apagou  o  abajur,  envolvendo‐os  em  uma  escuridão  aveludada—. A encontrei finalmente aqui. Justo aqui, contigo. 

 

E se deslizou no refúgio de seus ofegantes braços.  Fim    1 N.d.T: diz‐se que os Pooka são estranhas criancinhas, duendes que aparecem  nos Caminhos apartados, e em forma de cavalo alado  se oferecem mansamente aos  viajantes, levando‐os através de profundos caminhos sob um fantástico sortilégio, até  extraviá‐los e arrojá‐los logo a um atoleiro.  * Feijões verdes ou bajocas nos países de Los Bálcãs (Macedônia, Croácia, etc.)  N. do T. 

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