Claiton Ivan Pommerening

ENVIA-ME A MIM

ISAÍAS EIS-ME AQUI, ENVIA-ME A MIM

ISAÍAS EIS-ME AQUI

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Claiton Ivan Pommerening

ISAÍAS EIS-ME AQUI ENVIA-ME A MIM

Claiton Ivan Pommerening 1ª edição

Rio de Janeiro 2016

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Todos os direitos reservados. Copyright © 2016 para a língua portuguesa da Casa Publicadora das Assembleias de Deus. Aprovado pelo Conselho de Doutrina. Preparação dos originais: Miquéias Nascimento Capa: Wagner Almeida Editoração: Oséas F. Maciel CDD: 220 - Comentário Bíblico ISBN: 978-85-263-1323-1 As citações bíblicas foram extraídas da versão Almeida Revista e Corrigida, edição de 1995, da Sociedade Bíblica do Brasil, salvo indicação em contrário. Para maiores informações sobre livros, revistas, periódicos e os últimos lançamentos da CPAD, visite nosso site: http://www.cpad.com.br SAC — Serviço de Atendimento ao Cliente: 0800-021-7373 Casa Publicadora das Assembleias de Deus Av. Brasil, 34.401 – Bangu – Rio de Janeiro – RJ CEP 21.852-002 1ª edição: Abril/2016 Tiragem 8.000

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Prefácio Sinto-me honrado em ser convidado pelo pastor Claiton Ivan Pommerening, para prefaciar o seu livro intitulado Isaías, eis-me aqui, envia-me a mim. A ideia que o escritor procurou passar para os leitores, movido pela inspiração divina, que recebeu da parte de Deus, para a interpretação do livro do profeta Isaías, onde o mesmo avaliou minuciosamente o contexto de Isaías, vendo e comentando o lado literário, histórico, profético e escatológico do livro, foi destacar a profundidade espiritual e salientar os valores dos textos proféticos contidos no livro e citados no Novo Testamento, especialmente nos evangelhos. Ao ler a presente obra fiquei feliz ao ver a clareza da visão pentecostal que tem o escritor, visto ser um pastor destacado na nossa igreja, atuando como diretor do Colégio Evangélico Pastor Manoel Germano de Miranda, da Faculdade Refidim e do CEEDUC — Associação Centro Evangélico de Educação Cultura e Assistência Social. O pastor Claiton é um exímio professor, doutor em teologia, tendo ainda outras formações acadêmicas, cuja capacidade destacada de um educador e escritor o credencia para falar com muita segurança sobre o assunto abordado. Creio que este livro será um manual para a classe universitária, um tesouro de conhecimento para os professores de teologia e uma ferramenta de uso constante para os líderes e mestres da Escola Bíblica Dominical. Deixo aqui minha palavra de apoio e incentivo a esse servo de Deus, e como pastor presidente da Igreja Evangélica Assembleia de Deus em Joinville me coloco a inteira disposição. Pr. Sérgio Melfior Presidente da AD em Joinville (SC) 1º Secretário da CIADESCP

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Sumário Prefácio...................................................................................................... 5 Capítulo 1 Conhecendo o Livro de Isaías.................................................................... 9 Capítulo 2 O Contexto da Profecia de Isaías (1.1-31)............................................... 21 Capítulo 3 O Dia do Senhor (2.1-22)......................................................................... 33 Capítulo 4 O Juízo de Judá e de Jerusalém (3.1-4.1)................................................. 45 Capítulo 5 Predições de Juízo e Glória (4.2-6).......................................................... 55 Capítulo 6 Parábola do Castigo e Exílio de Judá (5.1-30)......................................... 65 Capítulo 7 A Chamada e Purificação do Profeta (6.1-13)......................................... 77 Capítulo 8 Primeiras Profecias Messiânicas (7.1-12.6)............................................. 89

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Capítulo 9 O Sinal do Emanuel (7.1-25)................................................................. 101 Capítulo 10 O Messias Davídico e seu Reino (11.1-12.6)..........................................113 Capítulo 11 Profecias da Consumação da História (24.1-27.13)............................... 125 Capítulo 12 Profecias de Salvação e Esperança (40.1-66.24)................................... 137 Capítulo 13 Promessas a Respeito do Messias como Servo Sofredor (49.1-53.12).... 149 Referências............................................................................................. 159

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Capítulo 1

Conhecendo o Livro de Isaías

O

s escritos do profeta Isaías são uma das mais grandiosas produções teológicas do Antigo Testamento. Sua mensagem é profunda e parte de alguém que conhecia o ambiente onde estava inserido, de modo que, tomado pela inspiração divina, foi muito assertivo nas suas profecias, especialmente as que predisseram a vinda messiânica de Jesus Cristo. Nenhum outro profeta se referiu a esse fato com tantos detalhes quanto ele. Sua pregação foi marcada por uma paixão sacerdotal, descrevendo Cristo, seu serviço e sacrifício com muita clareza, sendo por isso mesmo chamado de o evangelista do Antigo Testamento ou ainda o “Evangelho de Isaías”. Seu livro também é chamado de “O livro da Salvação”, sendo uma das mais importantes obras da literatura bíblica hebraica depois do Pentateuco. O próprio Jesus leu Isaías: “E, chegando a Nazaré, onde fora criado, entrou num dia de sábado, segundo o seu costume, na sinagoga e levantou-se para ler. E foi-lhe dado o livro do profeta Isaías; e, quando abriu o livro, achou o lugar em que estava escrito” (Lc 4.16-17). Ao ler alguns versículos de Isaías capítulo 61, Jesus disse que essa profecia se cumpria nEle, se auto-declarando o Mäshiah (Messias em hebraico), o que causou grande alvoroço entre os presentes (Lc 4.28-30). Outra citação importante de Isaías no Novo Testamento está registrada em Atos 8.26-35. Assim sendo, tanto o conteúdo do livro quanto sua autoria são ratificados e confirmados no Novo Testamento. O profeta tem uma beleza poética e riqueza literária ao escrever que encanta qualquer leitor. Por isso, ele é também chamado de “Rei dos Profetas”. Muitas expressões e palavras utilizadas não se encontram em ne-

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nhum outro lugar do Antigo Testamento. Dentre as mais importantes, destacam-se o “Renovo do Senhor” (Is 4.2), “Emanuel” (Is 7.14), “O povo que andava em trevas viu uma grande luz” (Is 9.2), “todos se alegrarão perante ti” (Is 9.3), “seu nome será Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz” (Is 9.6), “rebento do tronco de Jessé” (Is 11.1), “anunciador de boas-novas” (Is 41.27), “meu servo” (Is 42.1), “o meu Eleito, em quem se compraz a minha alma” (Is 42.1), e “o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e, pelas suas pisaduras, fomos sarados” (Is 53.5). Um dos ápices das profecias de Isaías se dá nos capítulos 52 e 53, quando ele compõe o Cântico do Servo Sofredor, cujo conteúdo salvífico aponta para o sofrimento, padecimento, morte e ressurreição do Messias. Os escritos de Isaías nos enchem de esperanças e, com isso, nos possibilitam sonhar com um mundo melhor e mais justo, sendo possível uma antecipação do Reino de Deus com todas as suas benesses entre os homens aqui e agora. Seus escritos mostram também que, apesar de enfrentarmos nesta vida situações difíceis e até mesmo aparentemente irreversíveis, como no caso da quase destruição do povo de Deus, ainda assim, a misericórdia, a bondade e o amor de Deus vão além do pecado humano, do caos situacional, do poder dos inimigos e das circunstâncias desesperadoras. I – Informações Autorais 1. Tema Seu tema principal está relacionado às previsões da vinda do Messias, enfatizando a salvação recebida somente pela graça. O livro mostra ainda que Deus não permitirá a desobediência do povo da promessa, e essa será tratada com a devida purificação através do sofrimento, primeiramente do próprio povo e, vicariamente, através de Cristo. O povo será levado para o cativeiro, porém Deus intervirá milagrosamente e lhe trará libertação, quase como que num segundo êxodo, agora não mais saindo do Egito, e sim da Babilônia. Entretanto, o cativeiro será um período difícil e desesperador; porém, as promessas não falharão. Esta profecia, que na sua época ainda era coisa do futuro, bem como seu posterior cumprimento, servem de fundo histórico e apontam profeticamente para o estado degradante que a desobediência e o pecado causam na humanidade, bem como suas terríveis consequências, mas apontam também para o grande êxodo de todo o povo de Deus em toda a terra, que seria liberto do poder do pecado e das algemas do cativeiro de Satanás, através do sacrifício vicário de Cristo, aguardando um Reino eterno de paz, justiça e amor, onde Deus reinaria para todo o sempre. Assim, pode-se afirmar que

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o tema central de Isaías é o amor de Deus demonstrado no socorro ao seu povo através do sacrifício do Servo Sofredor, ou seja, a grande salvação de Deus. 2. Data As descobertas dos rolos do Mar Morto1 lançaram muitas luzes sobre Isaías, cujos textos provavelmente foram copiados entre 150 a.C. a 50 a.C. Sua importância se dá pelo fato de ser o manuscrito mais inteiro e antigo já descoberto do Antigo Testamento, atestando sua veracidade, fidedignidade e semelhança com os demais manuscritos posteriores preservados. Porém, a citação mais antiga de Isaías está presente no Eclesiástico (livro apócrifo), cuja cópia é datada aproximadamente entre 280 a.C. a 180 a.C.2 O livro de Isaías começou a ser escrito provavelmente antes do ano de 740 a.C., tendo sido terminado no ano 701 a.C., período esse que corresponde ao tempo de ministério do profeta, conforme descrito em Isaías 1.1. Essas datas são aproximadas e levam em conta a morte do rei Uzias. Entretanto, outra possibilidade é que, como o livro possui três partes, a primeira delas tenha sido escrita de 740 a 698 a.C., e a segunda e terceira partes de 697 a 680 a.C., terminando no reinado de Manassés. 3. Autoria As correntes teológicas ortodoxas têm consenso de que Isaías é o autor deste livro,3 mas pesquisas recentes apontam, especialmente a crítica textual, para o fato de que o profeta não poderia ter previsto com tanta clareza eventos futuros como, citar o nome de Ciro, o persa, além de detalhes do exílio e da volta do exílio, a não ser por alguém que estivesse passando por aqueles momentos. No entanto, essas suposições não podem ser aceitas porque tiram o caráter preditivo da inspiração profética e enfraquecem a proeminência de Deus sobre as demais divindades cultuadas na época, que eram divindades falsas. O testemunho das escrituras e da história é que os profetas de fato fizeram predições que apenas Deus sabia de antemão. Logo, foram inspirados milagrosamente a dizer o que disseram. Além disOs rolos do Mar Morto foram copiados e preservados pela comunidade dos Essênios. Eles eram um grupo apocalíptico, ascético e celibatário. Algumas tradições cristãs afirmam que João Batista viveu na comunidade dos essênios, mas não existem provas concretas dessas afirmações. 2 RIDDERBOS, Jan. Isaías. São Paulo: Vida Nova, 1995. p. 17, 51. 3 ORTLUND JR., Raymond C. Isaías: Deus salva os pecadores. Rio de Janeiro: CPAD, 2015. p.23. 1

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so, o profeta Isaías, em especial, era um profundo conhecedor da política, economia, sociedade e religião de sua época, pois vivia no palácio real, podendo, dessa forma, fazer discernimentos inspirados por Deus como poucos profetas fizeram. Por isso, seus escritos são considerados como dos mais importantes do Antigo Testamento. Alguns dos quais nem foram proferidos oralmente, apenas escritos (Is 8.16; 30.8). Ele poderia também ter se utilizado de amanuenses para alguns de seus escritos. Tem-se afirmado que existem duas ou três grandes porções distintas em Isaías, diferentes entre si no estilo literário e nas abordagens, embora estejam em unidade entre si. Uma que vai do capítulo 1 ao 39, outra do 40 ao 55 e outra do 56 ao 66, organizadas em épocas diferentes, chegando alguns a dizer que poderiam ter sido escritas durante o exílio, ou seja, na Babilônia e no período pós-exílico, em Jerusalém.4 Contra essa afirmação, pode-se dizer que a mudança de estilo pode ser resultado da variação de propósito do autor, mudança do destinatário, estado de ânimo, a idade, ou mesmo outra influência sobre o autor que, necessariamente, não indica que este seja outra pessoa.5 Ao ler o livro, ficam claras pelo menos duas ou três divisões. Elas caracterizam os momentos e problemas diferentes que o livro de Isaías cobre na história do povo israelita. Existe uma mudança a partir do capítulo 40. O estilo se torna mais poético e teórico. O tom torna-se conciliatório em vez de condenador. Os oráculos de acusação e juízo – que compunham a maior parte dos primeiros 39 capítulos – tornam-se bem mais raros. A visão profética de um novo tempo que viria sobre Israel ganha mais vida e vigor.6 Essa divisão tem dado margem a que a segunda e a terceira porções do livro sejam atribuídas a um Dêutero-Isaías, ou, ainda, a terceira porção a um Trito-Isaías.7 Contra essa argumentação, temos o fato de a tradição rabínica judaica e histórica da igreja sempre afirmar que foi Isaías, de fato, o autor, bem como as várias citações de Isaías, inclusive da segunda e terceira porções, no Novo Testamento. Tal é a importância e a veracidade de Isaías que o Novo Testamento faz mais de 400 citações diretas e indiretas do livro, citando o profeta nominalmente mais de 20 vezes, muito mais do que qualquer outro profeta.8 As des4 5 6 7 8

HORTON, Stanley M. Isaías: o profeta messiânico. Rio de Janeiro: CPAD, 2002. p. 19. LASOR, 1999, p. 306. HILL, E. Andrew. Panorama do Antigo Testamento. São Paulo: Vida, 2007, p. 460. SCHÖKEL, Luís Alonso. Profetas I: Isaías, Jeremias. São Paulo: Paulus, 1988. p. 91-94. SCHULTZ, Samuel J. A história de Israel no Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2008. p. 187.

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cobertas dos rolos do Mar Morto, datadas do século II a.C., podem ser outra prova da unidade do livro de Isaías e de seu autor único, visto que um dos manuscritos contém todos os capítulos de Isaías como os conhecemos hoje,9 apontando, dessa forma, para um só autor e uma só obra. Essa mesma afirmação vale para os que defendem uma escrita posterior de Isaías, colocando-a no século II a.C. Se assim fosse, os manuscritos do Mar Morto seriam cópias muito recentes ou mesmo os originais, mas esta hipótese não se sustenta diante dos fatos. Nem mesmo a Septuaginta, escrita no século III a.C., fornece qualquer pista de que Isaías tivesse tido mais de um autor, nem mesmo uma divisão entre o “Primeiro” Isaías (capítulos 1 a 39) ou o Dêutero-Isaías (capítulos 39 e 40) ou ainda escrito em datas muito distantes entre as três partes principais do livro. Dessa forma, Isaías deve ser lido como um único livro, apesar de haver inúmeras maneiras de ser analisado e dividido, além do necessário respeito para com estudiosos do assunto, tendo o cuidado para não negar seu caráter profético e divino. Há uma tradição que afirma que Isaías era sobrinho do rei Amasias; logo, ele era de linhagem nobre e certamente vivia na corte real, desfrutando de alguns privilégios que lhe serviram de base e capacitação para ter o amplo ministério que teve. Era casado com uma profetiza (Is 8.3) e teve dois filhos com ela, Sear-Jasube (“um resto volverá”) (7.3), cujo nome evoca as conquistas assírias que deixariam somente um remanescente de sobreviventes, e Maer-Salal-Hás-Baz (“pronto ao saque, rápido aos despojos”) (8.3b), referindo-se aos assírios saqueando o Reino do Norte (Israel) que havia se aliançado com outras nações para ameaçarem o Reino do Sul (Judá). Dando esses nomes aos filhos, ele se compara ao profeta Oseias, que levou seu ministério tão a sério que envolveu sua família e o nome dos filhos. Certa vez, quando foi advertir o rei Acaz, levou seu filho Sear-Jasube junto, para que este fosse um testemunho profético vivo (7.3) diante da incredulidade do rei. O final de sua vida foi trágico, segundo a tradição rabínica: ele foi serrado ao meio durante o reinado de Manassés. Antes de ser profeta, Isaías era o cronista que escrevia as histórias reais do rei Uzias: “Quanto ao mais dos atos de Uzias, tanto os primeiros como os derradeiros, o profeta Isaías, filho de Amoz, o escreveu.” (2 Cr 26.22). 9

Este rolo tem a designação técnica de 1QIsª e contém todos os 66 capítulos de Isaías completos, escrito cerca de 150 a.C. RIDDERBOS, 1995, p. 52. ARCHER JÚNIOR, 2012, p. 630.

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Portanto, esse texto bíblico confirma o fato de ele ter vivido por um longo tempo no palácio real e desfrutado de privilégios reais. Essa informação aponta que o profeta, para ser cronista, era um erudito escritor que provavelmente teve uma formação escolar muito avançada em relação àquela época, demonstrando que o profeta de Deus, nos tempos bíblicos e muito mais hoje, pode perfeitamente conciliar estudos acadêmicos com unção divina, desfazendo a compreensão errônea de que os estudos ou a teologia esfriam a fé e a devoção. O leitor poderá argumentar que esta realidade é do passado, mas a prova de que é presente é o fato de as igrejas pentecostais no Brasil não possuírem universidades (apenas faculdades) e não terem nenhum programa stricto sensu (mestrado e doutorado) para fomentar estudos e pesquisas sobre a teologia pentecostal, sendo esta, em boa parte, dependente das teologias das igrejas históricas, muitas das quais negam a experiência com o Espírito Santo nos moldes das igrejas pentecostais. A absorção de teologias cessacionistas tem ocasionado esfriamento espiritual das igrejas pentecostais na questão da liberdade à operação do Espírito Santo e desvios em relação à compreensão da atuação deste por falta de teologias pentecostais, afastando algumas igrejas desta nova maneira de ser igreja que os pentecostais trouxeram para o mundo evangélico. 4. A missão do profeta A missão que Isaías recebeu foi bastante difícil, tendo em vista a desobediência e rebeldia que o povo se encontrava. Portanto, num contexto imediato, suas profecias cairiam no vazio da estupidez e surdez de um povo pecador e afastado de Deus (Is 6.9-10), muito embora, num contexto de longo prazo, suas profecias se cumpririam. Deus precisava mostrar para o povo que eles eram rebeldes e que, mesmo ouvindo sua Palavra, não se converteriam. Nesse sentido, Isaías não teve tempo em vida de ver o cumprimento de suas predições, pois, dada a grandeza de suas revelações, elas se cumpririam na história da humanidade em tempos vindouros distantes, tanto as que se referiam a Israel, quanto as que se referiam a toda raça humana. Israel seria levado ao exílio, experimentaria um novo êxodo, um remanescente voltaria para a Terra Prometida, viria um grande rei, um Messias que cumpriria todas as promessas de Deus em relação a Israel, mas este Messias teria que padecer grandes dores para remir o povo escolhido; entretanto, o povo escolhido rejeitaria o Messias, e isso proporcionaria a salvação dos gentios que viviam em densas trevas. Num futuro ainda mais distante, o povo escolhido seria resgatado novamente;

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então, aí sim, seria estabelecido um reinado perpétuo de paz, prosperidade e justiça na terra que alcançaria todos os povos, tribos, raças e nações. Assim sendo, suas profecias apontam para o dia em que todos os povos da terra, judeus e gentios, estarão sob o reinado do Reino de Cristo. Todos esses fatos apontam para a grandiosidade das profecias de Isaías e atestam para sua veracidade histórica e profética, contrariando algumas correntes teológicas que tentam tirar do profeta seu caráter preditivo. Quando Deus disse ao profeta que seu chamado causaria surdez – realidade esta que era para Israel – talvez, isso ainda hoje seja verdadeiro para ouvidos céticos. II – Objetivos de Isaías O profeta Isaías teve muita ousadia em sua atuação pública; suas profecias eram majestosas e repletas de nobreza e beleza poética; por isso, ele é um dos profetas mais lidos e celebrados do Antigo Testamento e também um dos que mais falou a respeito da vinda do Messias. Isso revela a importância que deve ser dada ao mesmo para perceberem-se as implicações que esse profeta tem para os dias atuais. Diante disso, Isaías tem os seguintes objetivos ao escrever: 1. Anunciar o juízo de Deus diante do pecado Israel e as nações vizinhas estavam em desacordo com os preceitos justos de Deus, ofendendo gravemente a santidade dEle. Porém, era necessário que Deus, diante de sua justiça e misericórdia, fizesse o povo saber com clareza quais eram seus pecados e quais as consequências dessa desobediência. 2. Falar contra a idolatria e a falsa religião O povo de Israel estava sendo governado por alguns reis que desprezaram. A eles se aliaram alguns sacerdotes cujo compromisso era apenas manterem a religião institucional. Isso se fez refletir numa religiosidade vazia, hipócrita, ritualística e sem sentido espiritual para o povo, levando-os a se desviarem dos caminhos do Senhor. Além da falsa religiosidade, havia a adoração a ídolos. Embora o ídolo nada seja, pois é fabricado pelo homem (Is 2.8), ninguém se aproxima e o adora sem que seja afetado por ele, mesmo que este não tenha poder para fazer mal ou bem; fica afetado porque é instalada uma cegueira espiritual em seu coração e mente (Is 44.18), de modo que passa a adorar o falso como verdadeiro sem se dar conta do grave erro (Is 44.20) e se torna igual ao ídolo (Sl 115.8; Os 9.10) em estultícia e ignorância. O profeta é inci-

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sivo ao advertir contra a adoração de ídolos, destacando a necessidade de adorar Jeová, pois somente Ele pode predizer e fazer acontecer (Is 44.7) e é o Senhor da história (Is 40.22-25; 43.14-15). Portanto, ídolo é tudo aquilo que exige uma lealdade que só é devida a Deus. No Novo Testamento, a idolatria é usada no sentido metafórico, sendo considerado tudo aquilo que ocupa o coração da pessoa, que toma as forças e a primazia, aquilo a que ela se dedica, o lugar para onde a pessoa vai para se satisfazer, ao invés de Cristo ocupar este lugar primeiro. Nesse sentido, pode-se colocar a cobiça (Ef 5.5), as riquezas (Mt 6.21), o poder (Mt 20.25-28), ou qualquer coisa que ocupe o lugar de Deus. A idolatria foi chamada de obra da carne (Gl 5.19-20) e deve-se fugir dela (1 Co 10.14). 3. Denunciar a injustiça social O povo de Deus havia se tornado orgulhoso e egoísta como as demais nações. Isso fez com que os pobres dentre o povo fossem humilhados e explorados pelos ricos e pelos governantes (Is 10.2; 26.6; 32.7; 41.17); mas, em contrapartida, o Deus justo e misericordioso faria justiça ao pobre (Is 11.4), daria alimentação e descanso a eles (Is 14.30), serviria de refúgio para eles (Is 25.4) e seria portador de boas notícias (Is 61.1). Ainda hoje, a voz do profeta ecoa para denunciar esquemas de corrupção, injustiça e infidelidade nas várias esferas sociais (política, econômica e religiosa), advertindo que Deus está atento e sempre virá em socorro dos desvalidos, desamparados, injustiçados e marginalizados. 4. Anunciar a vinda do Messias Esse é o objetivo mais importante de Isaías, porque diante da desobediência, aliada ao fato de que as pessoas não conseguiam encontrar o caminho certo para Deus, a única solução possível seria a vinda do Messias que, através do seu sofrimento, faria com que o povo se voltasse para Deus, “porque as iniquidades deles levará sobre si.” (Is 53.11). A vinda do Messias aponta para o caráter misericordioso e redentor de Deus, mesmo Israel sendo um povo rebelde. Por mais de dez vezes, o profeta aponta para Jeová como o Redentor. O autor cita pelo menos dezessete profecias que se referem ao Messias vindouro. III – Conteúdo de Isaías De modo geral, os conteúdos proféticos bíblicos apresentam as seguintes temáticas, que também estão presentes em Isaías: (1) profecia como instrução e orientação ao povo; (2) discernimento e interpretação de fato-

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res sociais, econômicos, políticos e religiosos, presentes ou iminentes; (3) acusação, condenação e juízo; e (4) esperança e promessa de restauração com base nas alianças e na misericórdia de Deus. Isaías é veemente contra a corrupção, a aliança política duvidosa, a idolatria, os excessos, a opulência, a ostentação, o orgulho, a opressão e toda sorte de injustiças. Levanta-se contra reis, autoridades, juízes, políticos, comerciantes, agricultores poderosos e toda sorte de exploradores do povo, sempre em defesa dos mais fracos, dos pobres, das crianças e das viúvas. Algumas profecias de Isaías são breves e frequentemente mudam a temática abordada (entre os capítulos 4 e 5, por exemplo), enquanto outras são densas e exploram exaustivamente o assunto (capítulos 52 e 53). Os conteúdos de Isaías são bastante citados no Novo Testamento, especialmente os capítulos 40 a 55. Certamente isso ocorre porque esse bloco de profecias aponta para o Servo Sofredor, Cristo, aparecendo 21 vezes a palavra ‘ebed (servidor, servo), que algumas vezes se referem ao povo de Deus, mas que, na maioria das vezes, fazem referência ao Messias, que deu sua vida para salvar a humanidade. Nesse mesmo bloco de profecias, são encontrados os quatro cânticos do Servo do Senhor (42.1-4; 49.1-6; 50.4-9; 52.13-53.12). 1. Conteúdo social, político e religioso No aspecto exposto neste item, podemos dividir sua mensagem em duas grandes partes: social e política. Todas elas, porém, são permeadas pelo conteúdo religioso. Assim, no primeiro período de suas profecias, sua preocupação é mais social que religiosa, fazendo coro ao profeta Amós do Reino do Norte, tecendo críticas à classe dominante pela opulência, vaidade e luxo estonteante que os levam a cometer injustiças, embora professem suas crenças e suas atitudes em nome da religião. Isaías apela para o terrível “Dia do Senhor”, no qual Ele visitará toda maldade social, política e religiosa, caso o povo não aceite o convite do profeta para o arrependimento: “Cessai de praticar o mal aprendei a fazer o bem.” (Is 1.17). Na questão político-religiosa, Isaías evoca as promessas davídicas as quais Deus jurou que cumpriria, não apenas com respeito à dinastia de Davi, mas também em relação à Jerusalém como cidade escolhida. Neste sentido, o profeta tem esperança de que Deus, ao final, salvaria seu povo. Mesmo assim, ele denuncia os pecados destes, especialmente a falta de fé e confiança, demonstradas quando são feitos conchavos políticos, alianças com nações pagãs e confiança em exércitos estrangeiros, ao invés de confiarem unicamente em Deus e em sua salvação. A grande esperança que

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garante a salvação em Isaías é o Messias davídico que implantará a paz, a justiça e o direito perpetuamente. 2. O Deus de Isaías O profeta descreve o caráter de Deus (Javé) de maneira brilhante, chamando-o de Santo de Israel 25 vezes; Ele é o Salvador, relacionando essa palavra à redenção e livramento, pois seria sem sentido apregoar justiça e juízo sem prover um grande livramento no final; Ele é o Redentor e o Único e Supremo Governante, em contraste com outros deuses que nada são (Is 37.19); é Ele quem carrega e cuida do seu povo (Is 46.1-9) e faz novos céus e nova terra (Is 65.17; 66.22). 3. O Espírito de Deus Isaías é o profeta que mais fala sobre o Espírito de Deus, mais que qualquer outro profeta do Antigo Testamento. A referência mais importante é quando ele afirma que o Espírito do Senhor (Javé) repousará sobre o “rebento de Jessé” (Cristo) com “o espírito de sabedoria e de entendimento, o espírito de conselho e de fortaleza, o espírito de conhecimento e de temor do Senhor.” (Is 11.1-2). Há promessa de um derramamento tal do Espírito que “o deserto se tornará em campo fértil” (Is 32.15) e a Palavra do Senhor não se desviará dos convertidos nem de seus filhos (Is 59.20-21); o Espírito sobre Cristo “trará justiça às nações” (Is 42.1) e o “ungiu para pregar boas- novas aos mansos”, “restaurar os contritos de coração”, “proclamar liberdade aos cativos e a abertura de prisão aos presos” (Is 61.1); e o Espírito do Senhor trará descanso ao seu povo (Is 63.14). 4. O Messias O profeta afirma que Jesus, o Messias, é o verdadeiro herdeiro do trono de Davi (Is 9.7; cf. Lc 1.32-33) e Ele manifestará seu papel como Messias ao realizar milagres (Is 29.18; 35.5-6; cf. Mt 11.3-5; Lc 7.22). Ele também estabelecerá a Nova Aliança (Is 55.3-4; cf. Lc 22.20) e um dia estabelecerá um Reino Messiânico, reinará e será adorado (Is 9.7; 66.22-23; cf. Lc 1.3233; 22.18,29-30; Jo 18.36). 5. A Escatologia e a glória do Reino futuro Isaías é um livro escatológico, pois aponta para várias características somente possíveis no Reino messiânico, onde o descendente de Davi se assentará perpetuamente no trono. A glória do Senhor invadirá toda terra (Is 62.2), toda a terra desejará ver essa glória (Is 66.18-19), e a glória do Senhor será manifestada em todo o seu povo (Is 61.3). Essa glória futura será um evento escatológico ainda por acontecer, mas também já é presente através do Reino

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CONHECENDO O LIVRO DE ISAÍAS

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de Deus que já está entre nós pela obra redentora de Cristo, tendo como um dos seus sinais a Igreja de Cristo e todas as iniciativas que manifestam a glória de Deus através da luta pela justiça, equidade e paz. Se investirmos tempo em nossa comunhão com Deus e nosso relacionamento com nosso próximo, servindo-o em amor, teremos a oportunidade de viver um pouco, enquanto ainda estivermos na terra, do que será a glória futura. 6. Esboço do conteúdo do livro de Isaías O livro de Isaías, como já mencionado anteriormente, é composto por coleções de escritos, como a maioria dos livros proféticos. Portanto, são profecias registradas durante um período de tempo e agrupadas conforme um determinado assunto, ou ainda, demonstram um amadurecimento do próprio profeta ao escrever. Assim, do capítulo 1 ao 39, o enfoque de Isaías é o juízo divino sobre Judá e Jerusalém e sobre as nações vizinhas através da Assíria, especialmente os capítulos 13 ao 23 que tratam exclusivamente das nações pagãs. Na segunda e terceira metade do livro, do capítulo 40 ao 55 e do capítulo 56 ao 66, respectivamente, Isaías se volta para a salvação do povo, depois da punição pelo pecado ao retornarem do cativeiro babilônico. Ele escreve sobre a glória futura do povo de Deus através do Servo do Senhor, que é Cristo, que salvará seu povo através de seu próprio padecimento e triunfo. Segue adiante um esboço de Isaías: I. Profecias de repreensão e promessas (1.1-6.13); II. Primeira coleção de profecias sobre o Messias (7.1-12.6); III. Profecias contra as nações estrangeiras (13.1-23.18); IV. Primeira coleção de julgamento e promessa (24.1-27.13); V. Profecias e ais contra os infiéis de Israel (28.1-33.24); VI. Segunda coleção de julgamento e promessa (34.1-35.10); VII. Conteúdo histórico: Ezequias (36.1-39.8). VIII. Segunda coleção de profecias sobre o Messias: anúncio da paz (40.1-55.13): a) Prólogo sobre a grandeza e o cuidado do Senhor (40.1-31); b) A libertação da Babilônia e retorno à Terra Prometida (41.1-48.22); c) O Servo Sofredor e o projeto de reconstrução de Jerusalém (49.153.12); d) O consolo do Príncipe da Paz (54.1-55.5); e) Epílogo de exortação e consolo na Palavra do Senhor (55.6-13).

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IX. Profecias diversas: apesar da depravação e do sofrimento, a esperança do Reino é anunciada com glória (56.1-66.24): a) Graça para os gentios e iniquidade e perdão de Israel (56.1-57.21); b) Depravação de Israel e restauração na intervenção divina (58.160.22); c) Promessas de libertação e a grandiosidade do Reino (61.1-66.24).

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Capítulo 2

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oda mensagem da Bíblia é revelada e inspirada por Deus. No entanto, a revelação de Deus se dá em momentos históricos precisos, com linguagem e símbolos próprios ao ambiente que recebe sua revelação, a fim de que sua mensagem seja perfeitamente compreendida. No caso dos textos bíblicos, a inspiração dos autores veio de Deus, mas a escrita e a transmissão dessa revelação foi feita por homens, na linguagem de homens, com símbolos de homens, para tornar a mensagem revelada perfeitamente compreendida pelos homens. É nossa responsabilidade conhecer o que realmente a Palavra nos fala, pois assim ouviremos a voz de Deus tal como Ele deseja falar aos nossos corações. Assim, podemos definir contexto como sendo o ambiente cultural, as questões políticas, as questões sociais, o cenário religioso, a vida de quem recebe a revelação e a escreve, a cosmovisão de um povo e também as condições em que se encontrava o escritor de um livro bíblico. Esses aspectos formam o que chamamos de contexto. Por isso, este segundo capítulo é reservado a entender o contexto do livro de Isaías, as questões históricas e políticas que estavam acontecendo nos dias em que o profeta realizou seu ministério, as crises da fé que o povo enfrentava e os problemas sociais e econômicos que Israel estava atravessando. O profeta Isaías é muito rico em sua mensagem. Porém, seu ministério está inteiramente interligado com alguns acontecimentos chaves da história de Israel que, inclusive, definiram o início de seu trabalho profético. Antes de entendermos a mensagem do livro inteiro, precisamos perceber os bastidores desse grande profeta. Tal esforço em nada reduz a ação do

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Espírito Santo na interpretação que devemos ter do livro. Pelo contrário, nos dá uma leitura mais apurada e mais clara do livro, o que nos permite conhecer melhor a ação de Deus na vida do Profeta e do povo de Israel nesse período. O resultado disso será a facilidade que podemos alcançar em perceber a voz do Espírito Santo nos orientando, ensinando, corrigindo e inspirando a partir do livro de Isaías. A imponência da linguagem dramática de Isaías, a profundidade de seus temas teológicos e o vigor da sua leitura sobre a história do povo israelita justificam o fato de pregadores, teólogos e poetas descreverem que os 66 capítulos do livro constituem uma peça fundamental dos livros proféticos do Antigo Testamento.1 Apesar de existirem outros profetas importantes, Isaías inaugura a tradição dos profetas literários. Sendo assim, todo o contexto a ser analisado compreende o cenário político, social e religioso desse período de tempo. O profeta ganhou um senso de missão por meio de seu encontro com Deus descrito no capítulo 6 do livro. Esse fato grandioso não foi, provavelmente, o chamado inicial, e sim uma reconvocação para uma tarefa específica de anunciar julgamento e promessa na nova situação do povo. Ao lermos a chamada do profeta, não devemos nos esquecer de que Isaías viu as glórias e o esplendor da corte terrena do rei Uzias. Logo após a morte do Rei, Isaías se depara com a visão do trono de Deus, indicando a novidade na sua missão profética: a glória de Deus será maior que a glória do reinado humano (Uzias). Nesse sentido, a mensagem de Deus era que a atenção do profeta deveria se direcionar unicamente ao que o Senhor lhe ordenasse, pois o resultado da obediência do profeta implicaria numa visão gloriosa da ação de Deus sobre o povo. Portanto, a vida de Isaías foi radicalmente mudada no instante em que ele assumiu a chamada de Deus para o novo momento da história de seu povo. Sua vida familiar e seu conhecimento da corte real foram utilizados por Deus para uma melhor compreensão de sua mensagem diante do povo. Como ele era escriba ou cronista oficial do rei Uzias, fato este que pode justificar o conhecimento que o profeta tem do cenário político do mundo de sua época, Isaías transitava com facilidade em círculos oficiais do governo de Israel. Enquanto Amós e Oseias atuaram no Reino do Norte, Isaías é o primeiro profeta literário que atua no Reino do Sul. No entanto, 1

LASOR, S. William; HUBBARD, A. David; BUSH, W. Frederic. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1999. p. 299.

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sua mensagem se dirige às duas casas de Israel (cf. Is. 8.14).2 O ministério do profeta foi marcado também por profundas angústias. Parte de seu desafio, paradoxalmente, era tornar impossível ao povo ver e ouvir a verdade divina, pois o julgamento de Deus já era uma realidade quase certa. Havia, no entanto, um remanescente do qual Isaías fazia parte. Diante disso, fica agora a questão sobre o cenário político, econômico e social em que o profeta estava inserido no momento de seu ofício profético. Com o auxílio do Espírito Santo, o conhecimento dessas questões tornam muito mais clara e significativa a mensagem de Isaías. I – Contexto Histórico-Político 1. A divisão do reino A partir do oitavo século a.C., já não havia uma nação unificada em Israel. As questões políticas resultantes das desavenças na sucessão política de Israel após o período do Rei Salomão geraram divisões na nação. Surgiu o Reino do Norte sob a liderança de Jeroboão e o Reino do Sul sob a liderança de Roboão. Esse fato aconteceu em 922 a.C. A falta de amor e misericórdia entre as tribos irmãs foi a causa do cisma de toda uma nação. A consequência dessa divisão foi sentida de modo agudo durante os anos posteriores, por exemplo, a partir dos anos 800 a.C. A separação entre o Norte e o Sul cortou também as relações de auxílio político que tinham um do outro. Foi nesse período que entraram em cena a Síria e a Assíria. 2. Os reis do profeta Isaías Além de Uzias, que reinou em Judá de 791 a 740 a.C., reinou também Jotão, que era filho de Uzias e que o sucedeu no trono de 740 até 732 a.C. Acredita-se que ele tenha sido corregente com seu pai, após este ter adquirido lepra (2 Rs 15.5) por ter oferecido sacrifício indevido no altar; foi, no entanto, um bom rei, embora tenha permitido alguns locais de idolatria em Judá. O terceiro rei nessa lista foi Acaz. Foi filho de Jotão e tornou-se rei logo após o falecimento do seu pai, reinando de 735 a.C. a 715 a.C.. Esse foi o rei que, ao ter seu país invadido por tropas de Israel e da Síria, fez aliança com a Assíria (2 Cr 28.16), o que denotou falta de confiança em Deus e trouxe sérias consequências para Judá. O profeta Isaías interferiu diretamente no reinado de Acaz, entregando-lhe uma profecia da parte de Deus (Is 7.1ss). A decisão de confiar na Assíria começou a enfraquecer o 2

SCHMIDT, H. Werner. Introdução ao Antigo Testamento. Trad. Annmarie Höhn. São Leopoldo, RS: Sinodal, 1994. p. 205.

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reino de Judá, trazendo consequências econômicas para o povo, devido ao pagamento de tributos para a Assíria. Acaz, um rei bastante idólatra (2 Cr 28.19,24), principalmente no culto a Baal, chegou a queimar um de seus filhos em oferta aos deuses (2 Rs 16.3-4; 2 Cr 28.2-4), e ainda quebrou utensílios do templo e fechou locais de adoração a Deus (2 Cr 28.23-25). Depois de Acaz, surgiu Ezequias, seu filho, que reinou de 715 a.C. a 686 a.C.. Porém, provavelmente tenha sido corregente com seu pai a partir de 729 a.C.. Foi durante seu reinado, graças a sua confiança em Deus, que aconteceu o grande livramento de Judá da invasão da Assíria, quando morreram 185 mil soldados por uma peste (2 Rs 19.35), no ano de 701 a.C.; embora muitas cidades de Judá (Reino do Sul) tenham sido saqueadas nessa invasão, Jerusalém foi milagrosamente poupada. Isaías animou o rei Ezequias durante a invasão do exército assírio (Is 37.5-7) e lhe trouxe uma mensagem de morte e outra de cura diante de seu arrependimento (2 Rs 20), quando esteve doente. Embora esse rei tenha procurado honrar e adorar a Deus (2 Rs 18.5,6; 2 Cr 31.20,21), permitiu, também, determinados cultos aos deuses dos invasores assírios. No início de seu reinado, ele fez uma reforma religiosa, reinstituindo algumas celebrações que haviam sido abandonadas (2 Cr 29.2-36) pelo povo de Deus, tornando-se, assim, um dos melhores reis de Judá após a divisão do reino (2 Rs 18.5). Manassés reinou de 686 a.C. a 642 a.C., mas deve ter sido corregente com seu pai desde 696 a.C.. Não há registros de que Isaías tenha profetizado durante o reinado desse rei, mas provavelmente foi no início desse reinado que o profeta foi martirizado, sendo serrado ao meio, segundo a tradição, pois esse rei era perversamente idólatra. Além das implicações espirituais que estiveram na base da decadência do povo israelita no período do ministério de Isaías, outros motivos contribuíram para o cenário político que o povo vivenciava: tirania e inaptidão no governo, irresponsabilidade na política fiscal, falta de sabedoria nas relações internacionais e nas alianças várias vezes estabelecidas, lutas de classes, crimes, violência e outras calamidades que adoeceram Israel e Judá em todos os seus segmentos.3 3. A ascensão dos impérios mundiais e a política externa O profeta Isaías inicia seu ministério na segunda metade do século VIII a.C.. Nesse período, o Império Neo-Assírio assumia seu lugar de princi3

MERRIL, H. Eugene. História de Israel no Antigo Testamento: o reino de sacerdotes que Deus colocou entre as nações. Trad. Romell S. Carneiro. Rio de Janeiro: CPAD, 2001, p. 414.

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pal potência mundial.4 A Assíria mantinha uma política imperial baseada principalmente nos interesses econômicos e sociais. Desde os anos de 875 a.C. aproximadamente, esse império passou a desenvolver uma política de expansão territorial para Oeste até a porção superior do rio Eufrates, culminando na dominação de todos os estados arameus da região.5 Por esse período, Israel e Judá começaram também a sentir as pressões políticas vindas das nações vizinhas, particularmente dos assírios. A partir de 780 a.C. em diante, a Palestina e todo o Mediterrâneo estavam sendo conquistados pela poderosa Assíria. Comandada por TiglatePileser III, teve uma imbatível máquina de guerra. Por cerca de 130 anos, aterrorizaram não apenas os habitantes de Israel e Judá, mas também todo o Oriente Médio até o surgimento do Império da Babilônia. As cidades de Ascalom, Gaza e Gezer foram atacadas pelo rei Tiglate-Pileser em 734 a.C. Nesse mesmo ano, o rei assírio levantou um cerco em Jerusalém e, em 732 a.C., atacou o rei de Damasco, Rezim, destruindo a cidade de forma que nunca mais se tornou significante nos tempos do Antigo Testamento.6 Aproximadamente em 735 a.C., Rezim, rei da Síria, e Peca, rei de Israel, formaram uma coligação para guerrearem contra o rei da Assíria, Tiglate-Pileser. A coligação entre a Síria e Israel pressionava o reino de Judá para que se unissem a eles contra a Assíria. Entretanto, Judá recusou a aliança. A recusa trouxe a indignação das duas nações que combinaram destronar o rei e estabelecer sobre o reino conquistado um rei títere. Acaz, rei de Judá, preocupado, busca auxílio no reino Assírio, mas o Senhor ordena a Isaías, com seu filho, Sear-Jasube, que fosse ao encontro de Acaz (Is 7.3), ordenando-lhe que confiasse em Deus e não na Assíria, porque os “dois pedaços de tições fumegantes” (Is 7.4) seriam destruídos. O sucessor de Tiglate-Pileser foi o rei Salmaneser V que reinou entre 727 a.C. a 722 a.C. Um de seus principais feitos foi a tomada de Samaria em 722 a.C.. Apesar de ter tomado Samaria, deixou Judá sem conflitos por um tempo. Tal atitude se deve principalmente pelos acordos anteriores entre o rei Acaz de Judá e os reis assírios. A condição desse acordo político entre Acaz e o rei assírio, Tiglate-Pileser, foi estabelecida mediante uma desobediência direta ao Senhor da Aliança. Salmaneser foi um dos reis mais guerreiros da Assíria e, durante os 5 anos de seu reinado, seu império teve boa consolidação política. Esse rei não considerou algumas 4 5 6

HILL, E. Andrew. Panorama do Antigo Testamento. São Paulo: Vida, 2007. p. 461. MERRIL, 2001, p. 370. MERRIL, 2001, p. 430.

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prerrogativas dos acordos entre os dois reinos no passado. Uma das lições que pode ficar para nós ao analisar esse fato é que toda aliança feita fora da vontade de Deus sempre acaba tendo consequências não muito boas para o seu povo. Os Assírios tinham um programa de deportação dos povos conquistados que foi criado para destruir o senso de nacionalismo ou identidade política.7 O objetivo era a mistura dos povos estrangeiros em um grande império étnica e politicamente genérico, para evitar revoltas.8 E isso aconteceu com o Norte de Israel, também chamado de Samaria. Se a política externa estivesse direcionada ao domínio da Assíria, no espaço interno de Israel, seriam os profetas que apresentariam um ponto de vista mais crítico diante das alianças que os reis vinham fazendo e o abandono que o povo experimentava da Aliança com Deus. Durante esse período, a atividade do profeta Isaías já era amplamente conhecida e tinha por contemporâneo o profeta Oseias, que profetizava no Norte. Logo após a queda de Samaria em 722 a.C., alguns reis de Judá, como Ezequias, tentaram renovar suas posições políticas mediante o retorno aos princípios da fé israelita. O projeto de Ezequias teve sucesso dentro de Judá, resultando, no entanto, em desavenças com o rei Sargão II, sucessor de Tiglate-Pileser, pois, até então, as alianças entre Acaz e Tiglate-Pileser envolviam os judeus com os cultos pagãos da Assíria. Com a reforma de Ezequias, a principal consequência foi a quebra das relações políticas com o rei que governava naquele período, Sargão II.9 Nesse período, as relações entre os dois reinos ficaram cada vez mais melindrosas, as tensões internas aumentavam devido a instabilidade e ameaças exteriores, e o medo de que o mesmo que aconteceu no Norte pudesse acontecer era cada vez mais evidente. Foi no reinado de Senaqueribe (705 a.C. a 681 a.C.) que aconteceu a independência da Babilônia diante da Assíria. Embora essa independência tenha sido por breve tempo, deu-se o início de uma nova força política que viria dominar o Mediterrâneo, inclusive causar o exílio de Judá, dando fim ao projeto e aos esforços do rei Ezequias. Foi no reinado de Manassés que Judá entrou em declínio total sendo subjugada pela Babilônia. Se no primeiro momento foram deportados os irmãos do Norte, a preocupação de Isaías se dá em alertar ao seu povo que o mesmo sucederia com eles no 7 8 9

HILL, 2011, p. 462. HORTON, 2002, p. 11. MERRIL, 2001, p. 448.

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Sul, pois estavam indo pelo mesmo caminho de abandono da Aliança com Jeová, tal como os irmãos do Norte. O profeta, além de exortar, profetiza sobre um futuro tenebroso que viria, mas também vaticina que haveria esperança. Assim, dois acontecimentos importantes servem de foco para os capítulos 1 a 39 do livro de Isaías: a invasão a Israel pelo rei assírio TiglatePileser III, que serve de pano de fundo para a leitura, principalmente dos capítulos 7 a 12, sendo a destruição de Damasco o principal acontecimento. O segundo acontecimento foi a tentativa de invasão de Senaqueribe ao reino de Judá, em 701 a.C., que resultou no envolvimento de Ezequias na coligação antiassíria. Isso causou a destruição de várias cidades fortificadas de Judá e, finalmente, o cerco de Jerusalém.10 A leitura e a análise do cenário político do livro indicam a organização do mesmo em dois momentos políticos diferenciados. O primeiro, que compreende o capítulo 7 a 37, destaca a Assíria como principal potência contra Israel. Nesses capítulos, tornam-se frequentes as sinalizações de falta de confiança do povo diante do Senhor, os oráculos contra as nações e as maldições registradas nos capítulos 28 a 33, e os capítulos 36 e 37 registram o fim da crise com a Assíria. O segundo momento, descrito a partir do capítulo 40 a 55 é direcionado ao exílio babilônico. Nesses capítulos, o profeta previu o exílio e dirigiu sua mensagem aos exilados nas terras da Babilônia. Destaca-se o fato de que o profeta se torna a voz que, diante das questões políticas e históricas do povo, era orientado por Deus para revelar suas palavras e prever o futuro do Reino do Sul. Assim, o livro de Isaías cobre profeticamente dois tempos políticos: o tempo do domínio da Assíria e, depois, o domínio da Babilônia. De modo didático, podemos dividir os oráculos de Isaías direcionados em três períodos diferentes: inicialmente, os oráculos foram para o período dos reis de Jerusalém, dentro do contexto em que ele vive (Is 1-39), com reis que foram tementes a Deus, como Ezequias, mas também com reis que incentivaram a idolatria como Acaz. O segundo momento é direcionado ao anúncio de consolo e esperança para superarem as dificuldades e aguardarem o retorno com confiança em Deus (Is 40-55); e um terceiro momento é quando o povo voltaria do cativeiro para Jerusalém, predizendo um período de glória para Israel sob o reinado messiânico (Is 56-66). 10

HILL, 2011, p. 462.

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4. Política interna Quanto à política interna do Reino do Sul, o livro de Isaías está situado num percurso sucessivo de diferentes reis, com diferentes estratégias políticas e diferentes posições quanto à obediência à voz de Deus. As histórias de cada um desses reis, que também estão narradas nos livros de 1 e 2 Crônicas e 1 e 2 Reis, nos revelam a relação muito próxima que Israel tinha entre o reinado político e a Aliança com Deus. As duas coisas caminhavam juntas, estavam diretamente ligadas uma a outra, pois uma afetava diretamente a outra. Portanto: Israel e Judá divididos, questões sociais não resolvidas desde o reinado de Uzias até Manassés e a ampliação dos interesses políticos das nações estrangeiras como a Assíria e Babilônia sobre o Oriente Médio configuraram o cenário político e histórico que abrange a profecia de Isaías. II - Contexto Econômico e Social No início do ministério profético de Isaías, Judá, sob o reinado de Uzias, desfrutava de grande prosperidade. O reinado de Uzias pode ser descrito como o mais próspero que Judá conhecera desde a divisão da monarquia. Entretanto, a próspera situação econômica da nação foi acompanhada por uma série de vícios sociais. Nesse período, a desonestidade na vida pública e o abismo que se estabeleceu entre os ricos e os pobres eram os problemas sociais e econômicos predominantes. A relativa prosperidade alcançada, principalmente no reinado de Ezequias, possibilitou certa reestruturação social e econômica em Judá. A reabertura do Templo, a regularização das contribuições do povo para o sustento dos sacerdotes e levitas, a celebração da Páscoa, as ofertas e dízimos voltaram a ser depositadas no Templo. Conforme a narrativa de 2 Crônicas 31.5, “logo que se divulgou esta ordem, os filhos de Israel trouxeram em abundância dízimo do cereal, do vinho, do azeite, do mel e de todo produto do campo. Também os dízimos de tudo trouxeram em abundância” (ARA). Esse relato indica a prosperidade econômica e social no período de Ezequias. Os outros reis de Judá, como Manassés, não possibilitaram uma situação econômica e social estabilizada; pelo contrário, trouxeram instabilidade. Sempre que o sistema político não funcionava, a economia do povo de Judá sofria, pois os rendimentos baixavam, as relações sociais entravam em conflito e os mais pobres, os sacerdotes e levitas, e as crianças eram sempre os mais afetados do ponto de vista social.

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A partir da leitura do cenário político do início do século VIII a.C., principalmente no espaço entre 783 a.C., a aproximadamente 560 a.C., fica claro um princípio teológico que percebemos em quase toda a Teologia do Antigo Testamento: a estabilidade política, econômica e social de Israel estava sempre associada à vida religiosa. A fé assumia implicações concretas na vida política, econômica e social. Não havia uma dissociação dualista entre política, fé e espaço social. Tudo estava interligado, e a base comum era a fé em Deus. Por isso, os profetas sempre analisaram o cenário político, econômico e social a partir da visão da Torá, da fé em Deus e do legado da Aliança com Ele. III – Contexto Religioso Israel e Judá, a partir do século VIII a.C., experimentaram momentos de decadência religiosa seguidas sucessivamente por inconstâncias políticas. Como afirma Eugene H. Merril,11 os profetas deixaram claro que Israel e Judá semearam vento, e, por isso, colheram tempestade. Afastaram-se dos compromissos estabelecidos com a lei, passando a sofrer as maldições que ali estão registradas. Alguns reis desse período foram extremamente idólatras. Isso levou o povo a apostatar da fé e da confiança em Deus. Nos tempos de Isaías, especialmente no reinado de Jotão e Acaz, a idolatria foi frequentemente utilizada pelos judeus, o que agravou a situação do povo diante de Deus. Além disso, esse ambiente idólatra ajudou a incrementar as injustiças que eram praticadas na época. Uma das principais divindades adorada pelos judeus era Baal, deus da fertilidade e do fogo. Por algumas vezes, chegaram até mesmo a oferecer seus filhos em sacrifício aos deuses. A queda de Samaria certamente foi um golpe não só político, mas também teve implicações na fé dos israelitas. Teve o impacto na confiança da Aliança e, nesse sentido, surgiram questionamentos importantes na vida tanto dos que foram para o cativeiro quanto dos que ficaram. Apesar de o Templo estar em Jerusalém e não ter sido destruído no primeiro momento, os impactos da deportação do Norte foram sentidos em Jerusalém. Os povos trazidos para Samaria, devido à política de mistura dos povos conquistados realizada pela Assíria, vieram de lugares tais como Babilônia, Cutá, Ava e Sefarvaim. Esses povos traziam suas práticas religiosas e seus deuses. O resultado disso foi um sincretismo religioso e a corrupção do sistema de adoração dos israelitas que haviam ficado. 11

MERRIL, 2001, p. 414.

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Com a queda do Reino do Norte em 722 a.C., período que compreende também a ação profética de Isaías, existiu um sincretismo religioso em Samaria,12 resultado da mistura anteriormente mencionada, associada à instrução dos sacerdotes enviados por Sargão III em Betel para ensinar o povo a adorar a Deus (2 Rs 17.27-28). Enquanto o povo adorava e servia o Senhor apenas com os lábios, continuavam a servir outros deuses nos altares idólatras. Com a mistura praticada pelo povo na adoração a Deus e aos deuses dos povos que vinham, instalou-se uma falsa religiosidade, com alguns pecados graves. Os sacerdotes deixaram de ser honestos; criou-se uma religiosidade confusa e misturada com as práticas do culto a Baal e multiplicaram-se os pecados morais e sociais. Entretanto, no reinado de Ezequias, deu-se uma importante reforma religiosa. Apesar de não durar por muito tempo, Ezequias tentou um retorno aos princípios da Torá, mas seus esforços terminaram com o fim de seu reinado. Nesse mesmo tempo, o profeta Isaías foi usado por Deus para profetizar a morte do rei, após este ter sido acometido de uma enfermidade mortal, e depois profetizar mais 15 anos de vida (Is 38.1-8). Portanto, Isaías participou do momento em que o rei Ezequias realizou algumas reformas em Judá, sendo um de seus principais ajudantes. O cenário religioso de sincretismo, aparências e rituais vazios, ao que parece persistiu até aproximadamente 560 a.C., e talvez tenha continuado até o período das narrativas de Esdras e Neemias, no tempo pós-exílico. Diante do cenário político de opressão da Assíria, dada sua força bélica, deu-se também a fragilidade do sistema religioso do Norte, que influenciou o Sul na corrupção dos Sacerdotes e do sistema de culto. Desse modo, o profeta Isaías realizou, a partir de 740 a.C., um dos ministérios mais complexos da Bíblia. Isaías estava envolvido entre o julgamento ao povo pelo abandono dos caminhos do Senhor e, ao mesmo tempo, ministrar a esperança de um novo começo diante da opressão, deportação, humilhação e escravização que o Norte sofreu e que, posteriormente, o Sul sofreria. Ele teria a difícil missão de profetizar a dura condenação que Deus estava realizando na história do povo e, ao mesmo tempo, profetizar que, após a condenação, viria a restauração. Na verdade, o profeta, assim como Moisés, não viu a restauração de Judá e a volta do exílio da Babilônia; mesmo assim, seu esforço em fazer a vontade de Deus e corajosamente anunciar sua palavra ficou de exemplo aos demais profetas que vieram 12

MERRIL, 2001, p. 424.

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O CONTEXTO DA PROFECIA DE ISAÍAS (1.1-31)

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depois dele. O povo de Israel, em muitos momentos, quis imitar as nações pagãs a sua volta. Para obter favores políticos, aliançou-se com pessoas e nações idólatras e, para ter uma religião (como se a do Senhor não lhe fosse suficiente), envolveu-se com adoração a ídolos. Isso tudo levou a uma grande apostasia e falsidade no culto a Deus. Nesse sentido, para os nossos dias, a cruz de Cristo é a perspectiva de uma constante inversão de valores vigentes na sociedade. A lógica da cruz é a opção em favor daquele que é fraco, pequeno e rejeitado, estabelecendo a justiça e a obediência a Deus na terra. É importante ao povo de Deus exercer um ministério profético transformador para tomada de posição diante de estruturas pecaminosas, opressoras, diabólicas e exploradoras que permeiam a sociedade, a política e o comércio. Essa é a lição de Isaías para hoje.

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Capítulo 3

O Dia do Senhor (2.1-22)

N

esta seção, observamos que a preocupação central do profeta Isaías é a santidade de Deus; assim, ele condena a idolatria e a altivez presentes na sociedade e aponta para o dia do Senhor. Mas o que exatamente é o dia do Senhor? De acordo com Soares, o termo hebraico para “dia” é yom, que pode significar “dia” literalmente (Jó 3.3) ou até período de tempo (Gn 2.4). Assim, segundo ele, o dia do Senhor indica o período reservado por Deus para o “acerto de contas” com todos os moradores da terra.1 Gerhard von Rad, estudioso do Antigo Testamento, analisa as imagens que acompanham esse dia escatológico e conclui que o mesmo remonta às guerras santas do Senhor, ou seja, esse dia se refere à ocasião em que Jeová aparecerá pessoalmente para aniquilar seus inimigos.2 Convém registrarmos que não é apenas Isaías que utiliza esta expressão “dia do Senhor” com suas trágicas consequências, pois há muitas ideias nos escritos proféticos sobre a natureza desse tremendo dia (como se pode verificar na tabela que está na próxima página).

1

2

SOARES, Ezequias. Os doze profetas menores. Lições bíblicas. Rio de Janeiro: CPAD, 4o Trimestre, 2012. p. 72. RAD, Gerhard von. Teologia do Antigo Testamento. 2. ed. São Paulo: ASTE/Targumim, 2006. p. 553-557.

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ISAÍAS: Eis-me aqui, Envia-me a mim

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Profetas

Significado da expressão “dia do Senhor” nos profetas3

Obadias

Um tempo de julgamento e retaliação.

Joel

Dia de destruição na vinda do Senhor (1.15; 2.1,11,31; 3.14).

Amós

Dia de grande escuridão para o mundo, mas também para Israel (5.18,20).

Isaías

Dia de ajuste de contas para os soberbos e também um dia de destruição cruel vindo do Altíssimo (2.12; 13,6,9).

Sofonias Ezequiel

Dia de grande ira da parte do Senhor, o qual se aproxima muito rapidamente (1.7,14). Dia em que as nações se lamentaram, quando Nabucodonosor empunhou a “espada do Senhor” ao conquistar o Ocidente (13.5; 30,3).

Zacarias

Dia da ardente defesa de Jerusalém pelo Senhor, quando todas as nações estarão reunidas contra ela (14.1).

Malaquias

O dia em que o Senhor esmagará os perversos e os destruirá como refugo, precedido pelo ministério de restauração de Elias (4.5).

Portanto, não existe uma única definição da natureza do dia do Senhor na literatura profética, e sim diversos aspectos e imagens bíblicas que descrevem esse dia. Contudo, a principal ideia está relacionada ao grande julgamento e restauração do Reino do Senhor. Também podemos observar em Sofonias 1.15,16 uma das mais completas descrições do dia do Senhor. Assim, lemos que o dia de Jeová é: 3

Cf. ELLISEN, Stanley A. Conheça melhor o Antigo Testamento: esboços e gráficos interpretativos. São Paulo: Vida, 1991. p. 284.

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O DIA DO SENHOR (2.1-22)

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a) Um dia de ira; b) Um dia de aflição e angústia; c) Um dia de ruína e devastação; d) Um dia de trevas e escuridão; e) Um dia de trombeta e grito de guerra. Muitas dessas características desse terrível dia, mencionadas no livro de Sofonias, também estão presentes no livro de Isaías. Entretanto, em Isaías, o dia do Senhor se refere principalmente à intervenção divina contra a altivez humana, expressadas no apego excessivo às riquezas e a desvios morais que culminaram em corrupção e idolatria, mas também diz respeito às histórias de proezas e grandes feitos de Deus intervindo milagrosamente na história do seu povo, Israel (Is 2.6-9, 17-18). Nesse caso de Isaías, o dia do Senhor primeiramente alude à Judá e Jerusalém, mas também se aplica aos últimos dias, pois a maioria das profecias bíblicas tem um cumprimento imediato e um cumprimento remoto, ou seja, aplicam-se num período de tempo próximo, mas também são aplicáveis há tempos mais distantes e escatológicos. Isso é possível, porque Deus, conhecedor de todas as coisas, ao inspirar sua Palavra, tinha propósitos muito mais amplos do que aquilo que o profeta entendia para seus dias. Estamos agora no dia do homem, mas esse dia não vai durar para sempre. Naquele grande dia, o Messias irá finalizar o dia do homem e realizar na história o dia do Senhor. Abaixo, veremos algumas características dessa intervenção divina, com consequências para Israel nos dias do profeta Isaías, mas que se estende até ao período descrito escatologicamente como a grande tribulação (Ap 7.14). I – A Altivez Oriunda da Prosperidade No período profético de Isaías, Israel experimentou muita riqueza e prosperidade, talvez como em nenhum outro período depois do rei Salomão. O profeta escreveu: “E a sua terra está cheia de prata e ouro, e não têm fim os seus tesouros [...]” (Is 2.7). Por outro lado, esse desenvolvimento econômico acabou não sendo visto como bênção de Deus; na realidade, acabou se tornando em pedra de tropeço para o povo, uma vez que os induziu a cometer uma série de pecados: corrupção, mentira, arrogância, idolatria, enriquecimento ilícito, injustiças sociais e toda sorte de perversão advinda de uma má

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ISAÍAS: Eis-me aqui, Envia-me a mim

compreensão da prosperidade, que resultou numa má utilização da mesma (Is 2.8-12). 1. Riqueza e prosperidade Primeiramente, é necessário esclarecer que a Palavra de Deus não condena a riqueza ou o enriquecimento (Gn 13.2; 1 Rs 10.23; Ec 5.19). Muitas vezes, as interpretações sobre as riquezas na Bíblia acabam despertando posturas radicais: de um lado, tem aqueles que, por conta do discurso piedoso, afirmam que as riquezas são um mal em si, e, portanto, o povo de Deus não deveria ter posses. Já outros incorrem em outro extremo: Deus enriquece todos que tem fé para receber essa bênção. Como exemplo, podemos mencionar a conhecida teologia da prosperidade, que cresce vertiginosamente dentro de muitas igrejas, inclusive de algumas que outrora a condenavam. Após considerarmos esses dois polos, devemos analisar o fato de que a orientação divina com relação à riqueza é no tocante ao acúmulo desnecessário, aos perigos que a cercam, bem como as ações ilícitas para obtenção desta riqueza (Mt 19.23; 1 Tm 6.9). É aqui onde está nossa base de discernimento para sabermos a vontade do Senhor, pertinente a esse assunto. O que sucedeu com o povo de Israel é que os reis e suas mais altas autoridades acumularam para si riquezas desnecessárias, mediante a prática de injustiças, indo contra o mandamento de Deus, o que fez com que seus corações se corrompessem. Frequentemente, as riquezas excessivas apartam o coração humano da confiança em Deus (cf. Lc 12.13-21; 34). 2. A corrupção A corrupção diz respeito ao ato ou efeito de corromper. O profeta é categórico sobre a corrupção do povo de Deus em seus dias. Senão, vejamos: “Os teus príncipes são rebeldes e companheiros de ladrões; cada um deles ama os subornos e corre após salários; não fazem justiça ao órfão, e não chega perante eles a causa das viúvas” (Is 1.23). A corrupção é coisa antiga e estava presente nos dias de Isaías. Na verdade, a corrupção vem desde os primórdios da humanidade, pois, de acordo com a Bíblia, ela já se manifesta na queda da humanidade no pecado (Gn 3). Nesse episódio, aprendemos que a corrupção está relacionada não apenas com deixar de ser puro ou ir contra o certo; ela também está ligada com a cobiça, ou seja, a corrupção diz respeito a não satisfação com o que se tem e, portanto, resulta em todo tipo de ação (ainda que desonesta) para obter o que se não tem. Devemos considerar as formas de corrupção e o modo como elas envenenam nossas relações e dificultam todas as possibilidades de uma vi-

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Claiton Ivan Pommerening

ENVIA-ME A MIM

ISAÍAS EIS-ME AQUI, ENVIA-ME A MIM

ISAÍAS EIS-ME AQUI

ISAÍAS EIS-ME AQUI ENVIA-ME A MIM

Claiton Ivan Pommerening

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