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Ano 39 N.147 - Janeiro/Junho - 2016 ISSN 1676-2630 Publicação Semestral de formação para catequsitas e agentes de pastoral

Pós-Graduação lato sensu em Catequese Bacharelado em Teologia

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Aceita-se permuta - Exchange is solicited

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CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO UNISAL Revista de Catequese

Chanceler Edson Donizetti Castilho

CONSELHO EDITORIAL Alexandre Awi Mello UNISAL - São Paulo

Reitor Ronaldo Zacharias

Anderson Alencar Menezes Universidade Federal de Alagoas Elza Helena de Abreu

Pró-Reitora de Ensino, Pesquisa e Pós graduação

Facultat de Teologia de Catalunya - Espanha

Romane Fortes dos Santos Bernardo

Enrique Garcia Ahumada

Pró-Reitor de Extensão, Ação Comunitária e Pastoral

Universidad Catolica Silva Enriques - Santiago do Chile

Antonio Boeing

Fernando Altemeyer Júnior

Pró-Reitor Administrativo

PUC/SP

Nilson Leis

Israel José Nery Universidad La Salle - Santiago do Chile

Cooredenador do Curso de Pós-Graduação lato sensu em Catequese

Luiz Eduardo Pinheiro Baronto Universidade São Judas - São Paulo

Humberto Robson de carvalho

Margaret A. Guider

Coordenador do Bacharelado em Teologia

Boston College - School of Theology and Ministry - EUA

Luís Fabiano dos Santos Barbosa

Maurício Tadeu Miranda UNISAL - São Paulo

Editor

Ney de Souza

Antonio Wardison C. Silva

PUC/SP

Editor Adjunto

Ronaldo Zacharias

Luiz Alves de Lima

UNISAL - São Paulo Rosana Manzini

COMISSÃO EDITORIAL

UNISAL - São Paulo

Antonio Wardison C. Silva

Wolfgana Gruen

Francisco Inácio Vieira Júnior

Instituto Santo Tomás de Aquino - Belo Horizonte

Luiz Alves de Lima Luís Fabiano dos Santos Barbosa

REDAÇÃO Íris Gardino

UNISAL - São Paulo REVISÃO EDITORIAL

TRADUÇÃO Margaret A. Guider

Luís Fabiano dos Santos Barbosa

Revista de Catequese / Publicação do Centro Universitário Salesiano de São Paulo - Unidade São Paulo - Campus Pio XI e Instituto Teológico Pio XI - ano 1, no 0 (1977) - , - São Paulo: UNISAL, 1977 - v.;23cm

CAPA, DIAGRAMAÇÃO E EDITORAÇÃO ELETRÔNICA Comunicação Social Inspetoria de Nossa Senhora Auxiliadora

Semestral ISBN 1676-2630 I Catequese. II Educação Religiosa. III Evangelização. IV Educação à fé. VPastoral. VI Ensino Religioso Escolar

Redação, Administração e Permuta Unidade São Paulo-Campus Pio XI Rua Pio XI, 1.100 - Alto da Lapa 05060-001 - São Paulo - Brasil Fone: 0xx11 - 3649 - 0200 (biblioteca - à tarde) Contato: [email protected] Impressão e Acabamento VoxGráfica Rua Dr. Rubens Meireles, 71 Cep. 01141-000 Barra Funda - São Paulo /SP Tel. 11- 3871-7313 / 11- 3871-7300 www.voxgrafica.com.br [email protected]

CDU 268 CDU 268

Assinatura anual: R$ 67,00 Assinatura para o exterior: US$ 60,00 Númeor Avulso: R$ 35,00 www.unisal.br/revistadecatequese

Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Miriam Ambrósio Silva - CRB 5750/8

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ARTIGOS ÍNDICE EDITORIAL A ALEGRIA DO AMOR

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Luiz Alves de Lima

ARTIGOS OS NOVÍSSIMOS DA EDUCAÇÃO DA FÉ: UM DESAFIO PARA A INICIAÇÃO CRISTÃ

João da Silva Mendonça Filho

O SENSUS FIDEI NA VIDA DA IGREJA

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Pedro Carlos Cipollini

TEMAS PASTORAIS EM MEDELLÍN (II): PASTORAL DAS MASSAS E PASTORAL DAS ELITES

Leandro Brum Pinheiro

PRINCÍPIOS PARA AÇÕES DA PASTORAL E ANIMAÇÃO BÍBLICA

João dos Santos Barbosa Neto

ÊXODO: UMA SAÍDA PRA CRER EM DEUS

José Ulisses Leva e Cézar Teixeira

A ALEGRIA DE ANUNCIAR A PALAVRA: ESQUEMAS CATEQUÉTICOS NA OBRA DE LUCAS - ATOS

Valmor da Silva

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A OBRA DE LUCAS: EVANGELHO DO ESPÍRITO AOS JOVENS 78

José Rodolfo Galvão dos Santos

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ARTIGOS EDITORIAL

“A ALEGRIA DO AMOR”

GRANDE CATEQUESE SOBRE A FAMÍLIA Longamente esperada, gestada e preparada por dois Sínodos dos Bispos e longas consultas, reuniões, redações e revisões, foi assinada, em 19.03.2016, solenidade de São José, a colossal exortação apostólica pós-sinodal Amoris Laetitia (AL). Se os escritos anteriores do Papa Francisco eram considerados de grande envergadura, esse superou os qualificativos que em geral cercam os pronunciamentos papais. Foi chamado de revolucionário, monumental, também pelo seu texto insolitamente extenso: 272 páginas (versão eletrônica), 9 capítulos, 325 parágrafos. Certamente ficará entre os mais emblemáticos textos do seu corajoso pontificado. Não se trata de um documento redutor ou evasivo, insistindo num ideal de perfeição familiar que não existe. O papa enfrenta com realismo, entre suas luzes e sombras, a grande instituição familiar, riquíssima herança da humanidade e da Igreja, que chegou até nós. Além de percorrer o patrimônio da longa tradição cristã, sobretudo os ensinamentos de Paulo VI, João Paulo II e Bento XVI, e os dois Sínodos sobre a Família, o Papa recorre também à sabedoria humana e cristã expressa por várias Conferências Episcopais fora do eixo Europa-América, como do Quênia, da Austrália ou da Coreia e citações de personalidades significativas como Martin Luther King, Erich Fromm, Jorge Luís Borges, Octavio Paz, ou até mesmo do filme A Festa de Babette; com esse último o Papa explica o conceito de gratuidade. Tudo para mostrar que para falar de família “não existem simples receitas” (AL 298), mas é necessário ampliar o olhar e adotar um discernimento que, na medida do possível, reflita cada caso; porque, escreve ele, “nem todas as discussões doutrinais, morais ou pastorais devem ser resolvidas com intervenções do magistério” (AL 3), mas principalmente com o amor. E o amor não aparece somente no título, mas é nomeado mais de 300 vezes, tornando-se assim o centro da sua articulada reflexão. A isso referiu-se o Christoph Schönborn, cardeal dominicano de Viena, quando fez a apresentação oficial: “O papa Francisco acredita no amor, na força de atração do amor, e por isto pode ficar bastante desmotivado, crítico em relação a um comportamento que queira regular tudo com as normas, de quem pensa que basta concordar com as normas. Não, diz o papa: “Isto não atrai; o que atrai é o amor (cf. AL 164)”. Inicia com a luz da Palavra de Deus, afirmando entre outras coisas, que ela “não se apresenta como uma sequência de teses abstratas, mas como uma companheira de viagem, mesmo para as famílias que estão em crise ou imersas em alguma tribulação, mostrando-lhes a meta do caminho” (AL 22). O carácter concreto e realista da exortação guia a análise da realidade no segundo capítulo, permitindo estabelecer uma diferença substancial entre teorias de interpretação da realidade e ideologias. Convidando a uma autocrítica de certa apresentação não adequada da realidade matrimonial e familiar, o Papa insiste na necessidade de dar espaço à formação da consciência dos fiéis: “Somos chamados a formar as consciências, não a pretender substituí-las” (AL 37). Avançando, no terceiro capítulo, com “o olhar fixo em Jesus”, é apresentada a vocação da família. São expostos elementos essenciais do ensinamento da Igreja acerca do matrimônio e da família. Sinteticamente em 30 parágrafos é mostrada a São Paulo, ano 39, n. 147, pp. 6-8 jan./jun. 2016

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ARTIGOS ÍNDICE EDITORIAL

vocação vocação à à família família de de acordo acordo com com o o Evangelho, Evangelho, assim assim como como ela ela foi foi recebida recebida pela pela Igreja Igreja ao longo do tempo, sobretudo quanto ao tema da indissolubilidade, ao longo do tempo, sobretudo quanto ao tema da indissolubilidade, da da sacramentalidade sacramentalidade do do matrimônio, matrimônio, da da transmissão transmissão da da vida vida e e da da educação educação dos dos filhos. filhos. O O quarto quarto capítulo capítulo é é um um pequeno pequeno tratado tratado sobre sobre o o amor, amor, consciente consciente de de seu seu carácter carácter quotidiano quotidiano que que se se opõe opõe a a todos todos os os idealismos: idealismos: “não “não se se deve deve atirar atirar para para cima cima de de duas duas pessoas pessoas limitadas limitadas o o peso peso tremendo tremendo de de ter ter que que reproduzir reproduzir perfeitamente perfeitamente a a união união que que existe existe entre entre Cristo Cristo e ea a sua sua Igreja, Igreja, porque porque o o matrimônio matrimônio como como sinal sinal implica implica “um “um processo processo dinâmico, dinâmico, que que avança avança gradualmente gradualmente com com a a progressiva progressiva integração integração dos dos dons dons de de Deus” Deus” (AL (AL 122); 122); por por outro outro lado, lado, “na “na própria própria natureza natureza do do amor amor conjugal, conjugal, existe existe a a abertura abertura ao ao definitivo” definitivo” (AL (AL 123). 123).

“O “O amor amor que que se se torna torna fecundo” fecundo” é é o o tema tema do do quinto quinto capítulo; capítulo; fala fala do do acolhimento acolhimento de de uma uma nova nova vida, vida, da da espera espera própria própria da da gravidez, gravidez, do do amor amor de de mãe mãe e e de de pai; pai; a a abordagem abordagem é é psicológica psicológica e e espiritual. espiritual. A A fecundidade fecundidade matrimonial matrimonial é é alargada alargada com com a a adoção, adoção, com com a a cultura cultura do do encontro, encontro, com com a a presença presença de de tios, tios, primos, primos, parentes, parentes, amigos... amigos... é é uma uma rede rede de de relações relações que que se se prolonga, prolonga, para para além além da da família família mononuclear. mononuclear. A A própria própria mística mística do do sacramento sacramento do do matrimônio matrimônio possui possui um um caráter caráter social. social. O O sexto sexto capítulo capítulo intitulado intitulado “Algumas “Algumas perspectivas perspectivas pastorais” pastorais” trata trata de de temas temas complexos. complexos. É É aqui aqui que o Papa trata da catequese sublinhando que as famílias são sobretudo sujeito e que o Papa trata da catequese sublinhando que as famílias são sobretudo sujeito e não não apenas apenas objeto objeto de de evangelização evangelização e e catequese catequese (cf. (cf. AL AL 16, 16, 287, 287, 290). 290). Anteriormente Anteriormente havia havia dito: dito: “Para “Para tornar tornar eficaz eficaz o o prolongamento prolongamento da da paternidade paternidade e e da da maternidade maternidade para para uma uma realidade mais ampla, as comunidades cristãs são chamadas a dar o seu realidade mais ampla, as comunidades cristãs são chamadas a dar o seu apoio apoio à à missão missão educativa educativa das das famílias famílias particularmente particularmente através através da da catequese catequese de de iniciação” iniciação” (AL (AL 279). 279). Enaltece Enaltece a a catequese catequese familiar familiar chamando-a chamando-a de de “de “de grande grande ajuda ajuda para para formar formar jovens e torná-los conscientes de sua missão como evangelizadores da jovens e torná-los conscientes de sua missão como evangelizadores da sua sua própria própria família” família” (287). (287). Mas Mas é é no no nº nº 288 288 que que mais mais desenvolve desenvolve o o tema tema da da educação educação da da fé: fé: “ela “ela sabe sabe adaptar-se a cada filho, porque os recursos aprendidos ou as receitas às vezes adaptar-se a cada filho, porque os recursos aprendidos ou as receitas às vezes não não funcionam. funcionam. As As crianças crianças precisam precisam de de símbolos, símbolos, gestos, gestos, narrações. narrações. Os Os adolescentes adolescentes habitualmente habitualmente entram entram em em crise crise com com a a autoridade autoridade e e com com as as normas, normas, pelo pelo que que é é conveniente estimular as suas experiências pessoais de fé e oferecer-lhes testemunhos conveniente estimular as suas experiências pessoais de fé e oferecer-lhes testemunhos luminosos luminosos que que se se imponham imponham simplesmente simplesmente pela pela sua sua beleza. beleza. Os Os pais, pais, que que querem querem acompanhar a fé dos seus filhos, estão atentos às suas mudanças, porque acompanhar a fé dos seus filhos, estão atentos às suas mudanças, porque sabem sabem que que a a experiência experiência espiritual espiritual não não se se impõe, impõe, mas mas propõe-se propõe-se à à sua sua liberdade. liberdade. É É fundamental fundamental que que os os filhos filhos vejam vejam de de maneira maneira concreta concreta que, que, para para os os seus seus pais, pais, a a oração oração é é realmente realmente importante. Por isso, os momentos de oração em família e as expressões importante. Por isso, os momentos de oração em família e as expressões da da piedade piedade popular popular podem podem ter ter mais mais força força evangelizadora evangelizadora do do que que todas todas as as catequeses catequeses e e todos todos os os discursos”. discursos”. Essas Essas orientações orientações pastorais-catequéticas pastorais-catequéticas continuam continuam no no capítulo capítulo seguinte seguinte (“Reforçar a educação dos filhos”) em forma pedagógica (catequese (“Reforçar a educação dos filhos”) em forma pedagógica (catequese é é pedagogia!): pedagogia!): a a formação formação ética, ética, o o valor valor da da sanção sanção como como estímulo estímulo (AL (AL 268-270), 268-270), o o realismo realismo paciente, paciente, a a educação educação sexual sexual (AL (AL 280-286), 280-286), a a transmissão transmissão da da fé fé (287-288) (287-288) e, e, mais mais em em geral, geral, a a vida vida familiar familiar como como contexto contexto educativo. educativo. Dá Dá importância importância e e atenção atenção à à gradualidade gradualidade e e aos aos pequenos passos que possam ser compreendidos, aceites e apreciados (cf. AL pequenos passos que possam ser compreendidos, aceites e apreciados (cf. AL 271). 271). Combate Combate a a obsessão obsessão dos dos pais pais em em “vigiar “vigiar os os filhos” filhos” pois pois não não é é educativa educativa nem nem é é possível possível ter o controle de todas as situações em que se encontram os filhos... O que interessa ter o controle de todas as situações em que se encontram os filhos... O que interessa é é gerar gerar no no filho, filho, com com muito muito amor, amor, processos processos de de amadurecimento amadurecimento de de sua sua liberdade, liberdade, de de crescimento crescimento integral, integral, de de cultivo cultivo da da autêntica autêntica autonomia autonomia (cf. (cf. AL AL 261). 261).

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“Acompanhar, discernir e integrar a fragilidade” são os três verbos do delicado oitavo capítulo, dedicado às situações que não correspondem plenamente à Palavra de Deus, aconselhando à lógica da misericórdia pastoral (cf. AL 307-312). Francisco aconselha evitar juízos que não tenham em conta a complexidade das diversas situações e à necessidade de estar atentos ao modo das pessoas viverem e sofrerem por causa da sua condição (cf. AL 296). Conclui com o capítulo dedicado à espiritualidade conjugal e familiar, feita de milhares de gestos reais e concretos. Fala da espiritualidade pascal e do amor exclusivo e livre diante do desafio e do desejo de envelhecer e gastar-se juntos, refletindo a fidelidade de Deus (cf. AL 319). Finaliza afirmando que nenhuma família é uma realidade perfeita e realizada de uma vez para sempre, mas requer um progressivo amadurecimento da sua capacidade de amar (cf. AL 325). Uma Oração à Sagrada Família (AL 325), conclui, mistagogicamente, essa grande catequese familiar! Pe. Luiz Alves de Lima, sdb Editor adjunto da Revista de Catequese

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OS NOVÍSSIMOS NA EDUCAÇÃO DA FÉ: UM DESAFIO PARA A INICIAÇÃO CRISTÃ

THE “LAST THINGS” IN FAITH FORMATION: A CHALLENGE FOR CHRISTIAN INITIATION

João da Silva Mendonça Filho

RESUMO: A nossa Casa Comum, o planeta Terra, está ameaçado porque estamos enterrando o grande talento que Deus nos deu para ser multiplicado. Com este artigo quero contribuir com o espinhoso tema dos novíssimos. Digo assim, porque num contexto líquido da sociedade contemporânea em que o passado é esquecido e o futuro não existe, é muito difícil romper com a barreira do presentismo e mostraras realidades últimas como morte, juízo, purgatório, inferno e céu, como algo natural na vida cristã, parte essencial do nosso agir cristão. Palavras-chave: Novíssimos. Juízo final. Pecado. Morte. Ressurreição. ABSTRACT: Our Common Home, the Earth, is endangered because we are burying the great talent that God has given us to multiply. With this article, I want to contribute to the thorny issue of the last things. I do so because given the fluidity of our contemporary social context in which the past is forgotten and the future does not exist, it is very difficult to break through the barrier of presentism and deal with ultimate realities such as death, judgment, purgatory, hell and heaven, as something natural in Christian life and an essential part of our way of being Christian. Keywords: The Last Things. Final Judgment. Sin. Death. Resurrection.

INTRODUÇÃO O processo de iniciação à vida cristã e catequese permanente1 busca recuperar o sentido do discipulado dentro do vasto campo da missão evangelizadora. Contudo há lacunas enormes nos dias atuais na passagem da fé às novas gerações que a iniciação 

Licenciado em Filosofia pelo UNISAL/SP, Bacharel em Teologia pela Pontifícia Universidade Xaveriana de Bogotá/Colômbia, Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Salesiana Roma/Itália, pós-graduado em Comunicação pela PUC/SP e SEPAC/SP, pós-graduado em Educação Sexual pela UNISAL/SP. Autor de diversos livros e artigos em revistas especializadas. Atualmente pregador de retiros, pároco e diretor de escola. Contato: [email protected] 1 CELAM. V Conferência Geral do episcopado Latino-Americano e Caribenho - texto conclusivo. São Paulo: Paulus, 2007, 286ss.

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ainda não conseguiu resolver. Uma delas é a exposição clara dos novíssimos, quer dizer, das realidades perenes do ser humano. Não podemos esquecer que nossa existência biológica, nesta grande Casa Comum, um dia termina, mas há uma vida eterna para a qual caminhamos, o Reino definitivo. Encontramos no Evangelho um texto em que se lê: “na casa de meu Pai há muitas moradas. Quando tiver ido e preparado um lugar para vós, voltarei novamente e vos levarei comigo, para que, onde eu estiver, estejais também vós. E vós conheceis o caminho para onde vou” (Jo 14,2-4). E quando Tomé pergunta sobre o caminho a seguir, Jesus responde: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14,6). A escatologia, portanto, realidade final de nossa caminhada, tem como núcleo central a pessoa mesma de Jesus Cristo. É preciso um encontro com ele que fundamente nosso peregrinar. E como o encontramos? Eis a pergunta. A catequese não pode desconsiderar essa pergunta que brota da existência humana. O papa emérito, Bento XVI, dizia que se fala pouco ou quase nada sobre os novíssimos. Num encontro com o clero de Roma em 2008, indagado sobre isso ele respondeu que o marxismo nos questionou sobre nosso discurso voltado para a realidade eterna e, para responder ao problema, abandonamos a catequese sobre a escatologia cristã e abraçamos somente o presentismo, porém não podemos esquecer que peregrinamos nesta terra em vista do Reino definitivo.2

Com o presente artigo quero contribuir com esse espinhoso tema. Digo assim, porque, num contexto líquido da sociedade contemporânea onde o passado é esquecido e o futuro não existe, é muito difícil romper com a barreira do presentismo e apresentar estas realidades últimas: morte, juízo, purgatório, inferno e céu, como algo natural na vida cristã, parte essencial do nosso agir. A pergunta sobre os últimos tempos estava presente no primeiro escrito do Novo Testamento, a carta aos Tessalonicenses. Paulo é indagado sobre isso e responde: “O dia do Senhor virá como um ladrão à noite” (1Ts 5,1s). Portanto não podemos perder a esperança (1 Ts 4,13ss). E, hoje, ainda nos perguntamos sobre esse fim? Há alguma inquietação com o que virá depois da morte biológica? Em que momento da catequese seria oportuno descer a esse pormenor e refletir com os catequizandos sobre essa realidade existencial que não nos remete ao desespero ou lamentos diante da morte, mas a aceitá-la na perspectiva da salvação? Este artigo está dividido em três partes: a primeira versará sobre a morte na perspectiva cristã, que exige uma antropologia nova; a segunda sobre o juízo final, em que trataremos o sentido do purgatório, inferno e céu; a terceira parte será sobre a alegria de viver o encontro com o Senhor como garantia de sentido para a vida eterna.

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BENTO XVI. Encontro com os párocos e o clero da diocese de Roma, 07.02.2008. Disponível em: www.vatican.va/. Acesso em 02.02.2016.

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1 A MORTE NA PERSPECTIVA CRISTÃ: 1.ª PARTE

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Na letra da música encontramos: “Viver e não ter a vergonha de ser feliz”.3 Viver bem aponta, então, para a felicidade. Somos seres criados para a felicidade, quer dizer, transcender nós mesmos e bem além de nós. Nesse sentido, a escatologia cristã4 remete-nos a esse além do presentismo. O que é, então, morrer? No livro da Sabedoria, encontramos um texto em que se diz: “O justo agradou a Deus, e Deus o amou. Como ele vivia entre os pecadores, Deus o transferiu. A alma dele era agradável ao Senhor, e este se apressou em tirá-lo do meio da maldade” (4,7-15). Séculos depois, São João confirma esse ensinamento quando afirma que “Todos os que o Pai me confia virão a mim e, quando vierem, não os afastarei. A vontade do Pai é que eu não perca nenhum daqueles que Ele me deu, mas os ressuscite no último dia” (Jo6, 37-39). A morte não é perda, mas encontro. Santo Ambrósio dizia que a morte é um remédio porque a vida humana é penosa.5 Então, para o cristianismo, a morte é término natural da vida biológica, consequência do pecado e consiste em ressuscitar em Cristo.6 Essa realidade remetenos à própria experiência do batismo porque nele somos sepultados; morre o ser humano velho, e o novo ressuscita em Cristo. Ressuscitar é, portanto, apontar para algo além da morte que comporta novas relações entre os seres humanos, inclusive com a natureza.7 Morremos quando fomos batizados. Essa é a realidade que cala fundo na vivência cristã. É o mergulho n’Ele, mas é ao mesmo tempo um renascer com Ele para a peregrinação rumo ao definitivo. A morte biológica nada mais é, portanto, que um sinal dessa passagem não agendada, mas que acontece no percurso humano como natural e necessária para se chegar à meta e à transformação em Deus, na medida em que nos abrimos a sua ação libertadora.

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GONZAGUINHA. O que é, o que é? Eu fico com a pureza das respostas das crianças: É a vida! É bonita e é bonita! Viver e não ter a vergonha de ser feliz, Cantar, A beleza de ser um eterno aprendiz Eu sei Que a vida devia ser bem melhor e será, Mas isso não impede que eu repita: É bonita, é bonita e é bonita! E a vida? E a vida o que é, diga lá, meu irmão? Ela é a batida de um coração? Ela é uma doce ilusão? Mas e a vida? Ela é maravilha ou é sofrimento? Ela é alegria ou lamento? O que é? O que é, meu irmão? Há quem fale que a vida da gente é um nada no mundo, É uma gota, é um tempo Que nem dá um segundo, Há quem fale que é um divino mistério profundo, É o sopro do criador numa atitude repleta de amor. Você diz que é luta e prazer, Ele diz que a vida é viver, Ela diz que melhor é morrer Pois amada não é, e o verbo é sofrer. Eu só sei que confio na moça E na moça eu ponho a força da fé, Somos nós que fazemos a vida Como der, ou puder, ou quiser, Sempre desejada por mais que esteja errada, Ninguém quer a morte, só saúde e sorte, E a pergunta roda, e a cabeça agita. Fico com a pureza das respostas das crianças: É a vida! É bonita e é bonita! É a vida! É bonita e é bonita! Disponível em: http://www.vagalume.com.br/gonzaguinha/o-que-e-o-que-e.html#ixzz3z1GXdfYo. Acesso em 14.02.1016. 4 Escatologia é uma palavra grega – ÉSCATOS – refere-se às últimas coisas que irão acontecer. As catástrofes escatológicas que aparecem em Mt 24, 36-44; Apoc 3,3, certamente acontecerão, mas não podemos afirmar quando serão. Cf. PAULO VI. Catequese Geral sobre valores humanos e vida futura, 08.09.1971. Disponível em: www.vatican.va/. Acesso 03.02.2016. 5 BENTO XVI. Carta encíclica Spe Salvi, sobre a esperança cristã. São Paulo: Paulinas, 2007, n. 21. 6 CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. São Paulo: Loyola, 2000, n. 1007-1009. 7 CRISTANCHO SOLANO, Andrés Diego. Resucitados resucitantes: La resurrección de los muertos en la actualidad. In: Reflexiones Teológicas 13 (13-28) julio-diciembre 2014, p. 24.

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Não é esta vida que serve de referência para a eternidade, para a outra vida, para a vida que nos espera, mas é a eternidade — aquela vida — que ilumina e confere esperança à vida terrena de cada um de nós! Se virmos somente com olhos humanos, seremos levados a dizer que o caminho do homem vai da vida para a morte. Isto é visível! Mas só é assim se virmos com olhos humanos. Jesus inverte esta perspectiva e afirma que a nossa peregrinação vai da morte para a vida: a vida plena! Nós estamos a caminho, em peregrinação rumo à vida plena, e é esta vida plena que ilumina o nosso caminho! Por conseguinte, a morte está atrás, no passado, não diante de nós. À nossa frente está o Deus dos vivos, o Deus da aliança, o Deus que traz o meu nome, o nosso nome, como Ele mesmo disse: «Eu sou o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob», também é o Deus que traz o meu nome, o teu nome, o nome de cada um..., o nosso nome. O Deus dos vivos! [...] À nossa frente está a derrota definitiva do pecado e da morte, o início de um novo tempo de alegria e de luz sem fim. Mas já nesta terra, na oração, nos Sacramentos e na fraternidade, nós encontramos Jesus e o seu amor, e deste modo podemos antegozar algo da vida ressuscitada. A experiência que vivemos do seu amor e da sua fidelidade faz arder como um fogo no nosso coração, aumentando a nossa fé na ressurreição. Com efeito, se Deus é fiel e ama, não pode sê-lo a tempo limitado: a fidelidade é eterna, não pode mudar. O amor de Deus é eterno, não pode mudar! Não é a tempo limitado: é para sempre! É para ir em frente! Ele é fiel para sempre e espera-nos, espera cada um de nós, acompanha cada um de nós com esta fidelidade eterna.8

Nesse sentido, vamos morrendo e ressuscitando.9 São Paulo relata essa realidade quando diz: “No momento em que este corpo perecível se revestir de incorruptibilidade, e o que é mortal for revestido de imortalidade, então se cumprirá a palavra que está escrita: ‘Devorada, pois, foi a morte pela vitória’! Onde está, ó Morte, a tua vitória? Onde está, ó Morte, o teu aguilhão? Porquanto o aguilhão da Morte é o pecado, e o poder do pecado é a Lei.” (1 Cor 15, 54-56) Não queremos morrer e as pessoas às quais estamos ligados pelos laços familiares não querem que morramos, contudo, existir eternamente seria insuportável.10 Vivemos o dilema existencial que o Vaticano II (1962-65) descreveu com muita precisão: O que é o homem? Qual é o significado da dor, do mal, da morte que, apesar de tanto progresso conseguido, continuam a subsistir? Para que aquelas vitórias adquiridas a tanto custo? O que pode o homem trazer para a sociedade e dela esperar? O que se seguirá depois desta vida terrestre? A Igreja acredita que Cristo, morto e ressuscitado para todos, pode oferecer ao homem, por seu

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FRANCISCO. Mensagem do Angelus10.11.2013. Disponível em: www.vatican.va/. Acesso em 03.02.2016. Ibid., p. 25. 10 BENTO XVI. Carta encíclica Spe Salvi, sobre a esperança cristã. São Paulo: Paulinas, 2007, n. 11. 9

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Espírito, a luz e as forças que lhe permitirão corresponder à sua vocação suprema.11

Queremos, então, a vida eterna! Essa é a nossa meta fundamental e existencial. Contudo, para entender o sentido da vida eterna, temos de sair do pensamento da temporalidade porque não se trata de uma vida cronológica, marcada pelo calendário. A morte põe-nos numa dimensão nova e de totalidade que preencherá nosso vazio existencial.12 Na catequese, o tema da morte precisa ser recuperado. Não como algo macabro e penoso, angustiante e com sentido de perda, mas com a marca da salvação. É preciso ajudar os catequizandos a experimentar o final da vida biológica como “um remédio”, cujo efeito será vivido plenamente na páscoa do Senhor. Essa é nossa esperança. Em consequência viver aqui nesta terra deve ser a resposta generosa a um dom recebido que tem seu sentido único, insubstituível e passageiro, no encontro pessoal com Jesus Cristo. O céu, o purgatório e o inferno, de fato, começam aqui. Não há um lugar no espaço ou abaixo de nós; simplesmente há uma dinâmica de transformação no corpo de Cristo que, na morte, vai-nos unir totalmente ao Pai.13

2 O JUÍZO FINAL: 2.ª PARTE São Paulo afirma que “Todos nós comparecemos diante do tribunal de Cristo, para que cada um receba conforme o que tiver feito, por meio do corpo, o bem ou o mal” (2 Cor 5,10).14 No Evangelho de Mateus, encontramos ricas passagens que nos colocam dentro dessa dimensão do juízo final nas parábolas nos capítulos 24 e 25. Há um pedido enfático para a vigilância. Haverá “sinais no céu... na terra é preciso observar a figueira quando brota. O dia e a hora não estão marcados em calendário, é preciso estar vigilante como escravo que espera o retorno do patrão” (Mt 24). São textos que nos remetem a uma vinda iminente; o tempo passou e ainda não chegou esse dia tremendo, mas devemos estar sempre prontos para dar razão à esperança que alenta nosso peregrinar. O que será esse juízo final? Segundo o catecismo, é o encontro definitivo e particular com Jesus.15 Esse encontro dá-se num processo de purificação, seja na busca do Senhor, seja mergulhado n’Ele de forma consciente. Para ilustrar isso recorremos a duas parábolas de Mateus. No capítulo 25, versículos de um a treze, encontramos a parábola das dez virgens. Cinco são prudentes porque, à espera do noivo que não marcou o dia da chegada, elas se preparam com suas lamparinas acesas e óleo em reserva. Outras cinco são imprudentes porque levaram apenas as lamparinas com óleo para uma noite. O noivo chega de forma abrupta e abre a porta para aquelas que estavam iluminadas 11 COMPÊNDIO DO CONCÍLIO VATICANO II. Constituição pastoral Gaudium et Spes. Tradução Frei Boaventura Kloppenburg. Petrópolis: Vozes, 1968, n. 10. 12 BENTO XVI. Carta encíclica Spe Salvi, n. 11. 13 CRISTANCHO SOLANO, Andrés Diego,. op. cit., p. 26-27. 14 COMPÊNDIO DO CONCÍLIO VATICANO II. Constituição dogmática Lumen Gentium, n. 48. 15 CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, n. 1021.

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pela luz. O que é a luz senão o próprio noivo que aquece e ilumina a vida de quem está animado pela esperança? Em Lucas, na catequese sobre os discípulos de Emaús, encontramos esta pergunta: “Não nos ardia o coração quando pelo caminho nos falava e explicava as Escrituras?” (24,32). É essa a realidade do Senhor que vem. Quem não tem experiência da luz, esconde-a debaixo da mesa e deixa que a chama se apague, fica como cego. São João diz também que a luz veio ao mundo, mas muitos não a receberam (Jo 1,1-5). É preciso, pois, vigiar com nossas velas acesas. A segunda parábola é a dos talentos e a encontramos no capítulo 25, versículos de 14 a 30. Um senhor poderoso resolveu viajar e recomendou sua fortuna a três escravos. A um deu cinco talentos, a outro deu dois e ao terceiro um. Este último cavou um buraco, como fazem alguns animais e escondeu o talento recebido. Os outros foram investir e fizeram crescer o que receberam. No retorno inesperado, o patrão chama os escravos para que prestem contas. O que tinha recebido cinco entregou mais cinco e foi convidado ao banquete. O mesmo aconteceu com o segundo que lhe devolveu mais dois talentos. O terceiro teve apenas o trabalho de cavar e entregar o que, enterrado, foi enviado à escuridão. Também aqui há um chamado a estar vigilantes. A não ter medo de dar razão para a esperança e para as oportunidades recebidas. Quem esconde sua vela debaixo da mesa ou enterra os dons recebidos receberá na mesma medida, pois não conseguiu entender a profundidade, a largueza e a altura do amor de Cristo que nos chama a partilhar de sua vida em plenitude. O que seria, então, o juízo final? Acredito que seja a prestação de contas de nossos dons. Ele nos perguntará o que fizemos com o que nos foi dado. Ele teve sede, fome, enfermo, nu, faminto e como tocamos na sua carne? Melhor ainda, como nos tornamos próximos de quem estava necessitado? (Mt 25, 31-45). Usamos dos dons recebidos para socorrer quem estava à margem ou nos enterramos em nosso egoísmo autodestruidor? Um dia o Senhor irá pedir-nos contas, sim, embora não saibamos como será, onde será e como será. Por isso precisamos estar vigilantes. Se sua vinda será tremenda e abalará o cosmo não sabemos, mas ele retornará dessa grande viagem para nos recolher na mesma ceifa do juízo. Não podemos na catequese, entretanto, falar desse juízo como algo terrível e condenatório, mas como algo que nos coloca na perspectiva da ressurreição porque a festa é exatamente estar face a face com o Senhor que amamos. 2.1 O purgatório Quando pensamos no purgatório, acreditamos que seja uma passagem após a morte. Um tempo de purificação cuja doutrina encontramos no Concílio de Florença e de Trento.16 Contudo essa doutrina, formulada numa época em que se imagina um lugar físico, parece um tanto complicada entender à luz da misericórdia de Deus. Nesse sentido, os ensinamentos místicos de Santa Catarina de Gênova (1447), em plena Idade Média, ajudam-nos a compreender o purgatório não como um lugar no espaço, mas uma condição terrena. Nela, movido pelo amor de Deus e pela sua distância, há um fogo que nos purifica interiormente até nos aproximar do amor misericordioso de Deus. Bento XVI, numa brilhante catequese sobre a Santa, ajuda-nos a entender a doutrina.

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É importante observar que, na sua experiência mística, Catarina jamais tem revelações específicas sobre o purgatório ou sobre as almas que ali estão a purificar-se. Todavia, nos escritos inspirados pela nossa santa, é um elemento central, e o modo de descrevê-lo tem características originais em relação à sua época. O primeiro traço original diz respeito ao «lugar» da purificação das almas. No seu tempo, ele era representado principalmente com o recurso a imagens ligadas ao espaço: pensava-se num certo espaço, onde se encontraria o purgatório. Em Catarina, ao contrário, o purgatório não é apresentado como um elemento da paisagem das vísceras da terra: é um fogo não exterior, mas interior. Este é o purgatório, um fogo interior. A santa fala do caminho de purificação da alma, rumo à plena comunhão com Deus, a partir da própria experiência de profunda dor pelos pecados cometidos, em relação ao amor infinito de Deus (cf. Vida admirável, 171v). Ouvimos sobre o momento da conversão, quando Catarina sente repentinamente a bondade de Deus, a distância infinita da própria vida desta bondade e um fogo ardente no interior de si mesma. E este é o fogo que purifica, é o fogo interior do purgatório. Também aqui há um traço original em relação ao pensamento do tempo. Com efeito, não se começa a partir do além para narrar os tormentos do purgatório — como era habitual naquela época e talvez ainda hoje — e depois indicar o caminho para a purificação ou a conversão, mas a nossa santa começa a partir da própria experiência interior da sua vida a caminho da eternidade. A alma — diz Catarina — apresenta-se a Deus ainda vinculada aos desejos e à pena que derivam do pecado, e isto torna-lhe impossível regozijar com a visão beatífica de Deus. Catarina afirma que Deus é tão puro e santo que a alma com as manchas do pecado não pode encontrarse na presença da majestade divina (cf. Vida admirável, 177r). E também nós sentimos como estamos distantes, como estamos repletos de tantas coisas, a ponto de não podermos ver Deus. A alma está consciente do imenso amor e da justiça perfeita de Deus e, por conseguinte, sofre por não ter correspondido de modo correto e perfeito a tal amor, e precisamente o amor a Deus tornase chama, é o próprio amor que a purifica das suas escórias de pecado.17

Essa doutrina, que foi assimilada pela Igreja, permite-nos ponderar que o purgatório mais que um lugar de purificação é uma situação atual que nos faz buscar a graça de Deus e essa chama do amor queima-nos por dentro como aquela luz das cinco virgens prudentes que permanece acesa até a chegada do noivo, ou seja, Jesus Cristo.18 O encontro com Ele queima-nos e liberta-nos do pecado. “O seu olhar, o toque do seu coração cura-nos através de uma transformação certamente dolorosa como pelo fogo. Contudo, é uma dor feliz. A dor do amor torna-se a nossa salvação e a nossa alegria”.19 O juízo final pode também ser entendido com base nesse encontro. Não quero negar a doutrina do purgatório, mas abrir uma porta para entrar uma nova luz que nos faz muito mais próximos de Deus nesta vida passageira na perspectiva da vida eterna, à qual chegaremos transformados e purificados. Nossa 17

BENTO XVI. Catequese sobre Santa Catarina de Génova 12.01.2011. Disponível em: www.vatican.va/. Acesso em 03.02.2016. BENTO XVI. Carta encíclica Spe Salvi, n. 47. 19 Ibid., n. 47. 18

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oração pelos defuntos, portanto, tem sentido na medida em que pedimos que eles cheguem a esse encontro definitivo com Deus, pois nossos pecados podem ser purificados aqui e no futuro. 2.2 O inferno A perda do sentido do pecado obscurece a responsabilidade humana em relação a seu destino definitivo, a escolha do bem ou do mal. Há, na devoção popular, um sentido de pecado que é problemático. De um lado, pensa-se que tudo seja pecado e, de outro, nada mais é pecado. São questões de polaridade. Pecado é, ensina o catecismo, “uma falta contra a razão, a verdade, a consciência reta; é uma falta ao amor verdadeiro para com Deus e para com o próximo. O pecado é ofensa a Deus. Ele ergue-se contra o amor de Deus por nós e desvia dele os nossos corações. Uma desobediência e uma revolta contra Deus”.20 A catequese precisa rever esse conceito de pecado e não ensinar a fazer lista de pecados.21 O importante é mostrar o que significa o amor a Deus que se realiza na medida em que aprendemos a amar o irmão a tal ponto de evitar o mal contra ele. O inferno é, por conseguinte, essa capacidade de pecar contra Deus e contra o próximo. Trata-se da autoexclusão de amar a Deus e de viver em comunhão com Ele. Descer ao inferno é não comungar com Deus. Há uma imagem medieval do inferno como tormento e diabos espetando as almas, que não passa de uma fantasia. Na verdade, descer ao inferno significa a “separação eterna de Deus”, mergulhar na escuridão, sem a lamparina acesa; ficar, portanto, fora da festa definitiva de Deus. O inferno consiste em não poder contemplar Deus face a face, nosso destino último e felicidade eterna. Porém não se trata de lugar reservado e preparado por Deus, cremos nós, mas a irresponsabilidade humana que opta pela escuridão eterna sem óleo, talentos e lamparina nesse peregrinar rumo ao encontro definitivo com Deus.

2.3 O céu Interessante que não encontramos no Catecismo uma reflexão sobre o céu, o paraíso, como encontramos sobre o inferno. O que seria o céu? Tivemos a alegria de ouvir Dom Luciano Mendes de Almeida, numa conferência no Congresso Eucarístico de Florianópolis. Num certo momento, ele nos falou sobre o céu. Ele vivia muito preocupado com o que seria a realidade do céu. Também Dom Bosco tinha essa inquietação. Tanto assim, que ele dizia haver um lugar salesiano no céu. Quando estava morrendo, mandou dizer aos jovens: “Eu os espero todos no paraíso”. Dizia ainda que um pedaço de paraíso compensa todos os sofrimentos. O importante nessa 20

CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, n. 1849-1850. Pecado mortal é de matéria grave porque se realiza na plena liberdade e consentimento, destrói a caridade e desvia-nos de Deus; o pecado venial não rompe com a caridade, embora fira o núcleo espiritual da pessoa (Cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 1855-1864). Há uma lista de pecados no Catecismo que podem ser explorados: ato sexual fora do matrimônio, n. 2390; blasfêmia contra o Espírito Santo, n. 1864; blasfêmia, n. 2148; homicídio, n. 2268; inveja, n. 2359; ira, n. 2302; maldade, n. 1860; mentira, n. 2884; ódio, n. 2303; sacrilégio, n. 2120 e outros. Poderíamos dizer que a corrupção é também um pecado grave. 21 FILHO, João da Silva Mendonça. Os eixos do perdão: lembrar, esquecer e perdoar e a catequese para a misericórdia. In: Revista Vida Pastoral, março-abril 2016, n. 308, ano 57, p. 21-28. São Paulo, ano 39, n. 147, pp. 9-21 jan./jun. 2016

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reflexão é que há, no ser humano, o desejo do eterno, da felicidade ou da parusia, como também se chama. Esperamos nesse bem futuro. Não como um lugar físico e geográfico com calendário e a escravidão do tempo, mas como a contemplação do que aqui vimos, ouvimos, contemplamos e tocamos, o Senhor da vida (1 Jo 1,1-4).

Pois bem. Voltemos a Dom Luciano. Na ocasião, ele nos dizia que, pensando sobre o céu, um dia sonhou. No sonho, ele via um lugar muito bonito; as pessoas confraternizavam-se, alegres, uma grande harmonia. Porém ele estava atrás de uma árvore e observava todos. Quando percebeu que não estava no meio daquelas pessoas, ficou assustado e acordou. Ao acordar, ficou preocupado e pensou: “Meu Deus, não irei para o céu!”. Contudo, depois de passar o susto, ele começou a refletir sobre isso e chegou a esta conclusão: o céu consiste em ver as pessoas felizes; portanto fazer o bem ao próximo e vê-lo realizado é o verdadeiro céu. Moral do sonho: o céu é ver os outros felizes. Particularmente, gostamos muito dessa explicação. Se o inferno é a negação da felicidade porque se negou a Deus, o céu é a afirmação da felicidade porque se aceitou e se buscou ser próximo do outro. Isso, sim, são felicidade e céu. A felicidade do céu é a contemplação do amor visível de Deus que preenche nossa real necessidade de vida plena, por isso a Igreja é “comunhão de santos”22 e toda a criação geme em dores de parto para o dia desse encontro (Rm 8, 19-25). Somente nessa ponte entre o amor a Deus e ao próximo é possível estabelecer o céu como plenitude de caridade. Quando se rompe essa ponte, então, cria-se o inferno. O purgatório, portanto, queima por dentro todos os obstáculos para criar essa ponte.

3 COMO PODEMOS ENCONTRAR JESUS, NOSSO SALVADOR: 3.ª PARTE As pessoas tinham os olhos “fixos em Jesus” (Lc 4,29b). A experiência da comunidade de Lucas é muito significativa para todos nós que buscamos encontrar o Senhor no cotidiano da vida. Também nos Evangelhos encontramos vários encontros que marcaram as pessoas e as comunidades. O encontro de Simeão (Lc 5,8-11); o encontro com Nicodemos (Jo 3,1-21); o encontro com a Samaritana (Jo 4, 4-42); o encontro com a mulher adúltera (Jo 8, 1-11); o encontro com os primeiros discípulos (Mt 4, 18-22; Mc 1, 16-20); o encontro com o oficial romano (Mt 8,5-17); o encontro com Mateus (Mt 9, 9-13); o encontro com Zaqueu (Lc 19, 1-9). São muitos, inclusive o encontro com Paulo de Tarso (Atos 9, 1-19). Nem comentamos aqui as revelações místicas que santos e santas, ao longo da história, tiveram com Deus. O próprio Dom Bosco, meu fundador, sonhou quando pequeno e viu um Senhor majestoso que falou com ele e ainda lhe apresentou a mãe, a Virgem Maria.23 Esses encontros foram decisivos para todas essas pessoas no caminho para o céu. E hoje, como podemos encontrar Jesus? A pergunta é pertinente. O documento de Aparecida ajuda-nos a entender que “a experiência de um Deus uno e trino, que é unidade e comunhão inseparável, permite-nos superar o egoísmo para nos

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FILHO, João da Silva Mendonça. Os eixos do perdão: lembrar, esquecer e perdoar e a catequese para a misericórdia. In: Revista Vida Pastoral, março-abril 2016, n. 308, ano 57, p. 21-28. FILHO, João Mendonça da Silva. O sonho dos 9 anos: um projeto de vida pelos jovens. São Paulo: Palavra e prece, 2014, p. 15. 23

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No grande ARTIGOS

Corpo Místico da Igreja,38 encontramos os vários carismas e 39 ministérios suscitados pelo Espírito Santo para o bem 24 24 desse povo que caminha. encontrarmos plenamente serviço para com Ser missionário No grande Corpo no Místico Igreja, encontramos os vários carismasnão e encontrarmos plenamente no serviçoda para com38oo outro”. outro”. Ser discípulo discípulo missionário não Consequentemente, não estamos sozinhos, mas formamos uma grande comunidade de 25 39 25 éé uma ideológica, aa verdade um Isso faz diferença ministérios suscitados pelomas Espírito Santode para oencontro. bem40desse que aacaminha. uma decisão decisão ideológica, mas verdade de um encontro. Issopovo faz toda toda diferença fé que cresce, não “por proselitismo, mas por atração”. Essa Igreja peregrina “vive na mediadora, na das deste encontro Consequentemente, nãoééestamos sozinhos, mas formamos uma grande de na vida vida cristã. cristã. A A Igreja Igreja mediadora, na comunhão comunhão das pessoas, pessoas, destecomunidade encontro com com antecipadamente a beleza do amor que se realizará no40final dos tempos na perfeita 26 Nela, aa experimentar fé outros, como bem Jesus. Essaaos Igreja peregrina fé que 26cresce, não “por proselitismo, mas por aaatração”. Nela, nós nós passamos passamos experimentar fé ee aa servir servir aos outros, como “vive bem Jesus. comunhão com Deus e com os homens. Sua riqueza consiste em viver, já neste tempo, ensinou Bento existência cristã consiste num contínuo ao antecipadamente beleza do XVI: amor “A que se realizará final dos tempos na subir perfeita ensinou oo emérito eméritoapapa papa Bento XVI: “A existência cristãno consiste num contínuo subir ao a comunhão dos santos, ou seja, a comunhão nos bens divinos entre todos os monte com Deus e depois voltar a descer, trazendo o amor e a força que comunhão com Deus e com os homens. Sua riqueza consiste em viver, já neste tempo, monte do do encontro encontro com Deus e depois voltar a descer, trazendo o amor e a força que membros da Igreja”.41 27 27 daí derivam, os irmãos ee irmãs amor Deus”. a dosservir santos, ou seja, a comunhão nosoo próprio bens divinos entre todos os daícomunhão derivam, para para servir os nossos nossos irmãos irmãs com com próprio amor de de Deus”. 41 membros da Igreja”. O O encontro encontro com com Jesus Jesus Cristo Cristo acontece acontece nas nas Sagradas Sagradas Escrituras, Escrituras, cuja cuja inspiração inspiração vem vem do do Espírito Espírito Santo, Santo, mas mas nasce nasce dentro dentro das das experiências experiências do do povo povo que que colhe colhe na na CONSIDERAÇÕES FINAIS Escritura Escritura aa Palavra Palavra de de Deus Deus que que se se dá dá aa conhecer conhecer ee se se revela revela plenamente plenamente em em Jesus Jesus 28 Cristo. importante Cristo.28 Por Por isso isso éé tão tão importante que que oo povo povo tenha tenha contato contato com com aa Palavra, Palavra, leia, leia, medite medite CONSIDERAÇÕES FINAIS 29 Percorremos ee pratique, pois pão, alimento de pratique, pois ela ela ééum pão,caminho alimentoespinhoso de vida. vida.29 na atualidade líquida, pois refletir sobre a realidade última parece algo alienante. Contudo é necessário retomar esse processo Percorremos um caminho espinhoso na atualidade líquida, pois refletir sobre a dentro da ação catequética. É na Liturgia encontramos oo Senhor vivo ee verdadeiro. É também também na Sagrada Sagrada Liturgia que que encontramos Senhor vivoesse verdadeiro. realidade última parece algo alienante. Contudo é necessário retomar processo 30 30 Quando celebramos nossa fé na comunhão da comunidade. Contudo é na Eucaristia Eucaristia Quando nossa fé na comunhão da comunidade. Contudo é na dentro dacelebramos ação catequética. Os a deste fazerem essa com reflexão ser oséé ocatequistas. A eles oo lugar privilegiado encontro oo pão da pois por lugar mais maisprimeiros privilegiado deste encontro com pãodevem da vida, vida, pois o mistério mistério pascal pascal por 31 31esmiuçar os conceitos, as Escrituras, a Tradição da Igreja, o Catecismo e a precisamos excelência que nos torna comunidade. Eis, então, a necessidade de recuperarmos oo excelência que nos torna comunidade. Eis, então, a necessidade de recuperarmos Os primeiros a fazerem essa reflexão devem ser os catequistas. A eles contribuição que a Teologia deu e continua dando ao tema. Hoje pensamos a partir da sentido do domingo, como o dia do Senhor. sentido do domingo, o dia do as Senhor. precisamos esmiuçarcomo os conceitos, Escrituras, a Tradição da Igreja, o Catecismo e a Casa comum, casa ameaçada pela destruição de um avanço egoísta que não respeita contribuição que a Teologia deu e continua dando ao tema. Hoje pensamos a partir da 32 32 o ritmo do cosmo, mas quer subjugá-lo à lei dono mercado. A vidada tornou-se um negócio e O deixa-se reconciliação como como O Senhor Senhor Jesus deixa-se encontrar sacramento da reconciliação Casa comum, casaJesus ameaçada pelaencontrar destruiçãono desacramento um avanço egoísta que não respeita isso causou o mal-estar da modernidade líquida. sinal da misericórdia do Pai. Ali, entender pecado ser sinal dado misericórdia doquer Pai.subjugá-lo Ali, ele ele nos nosàajuda ajuda entenderAque que pecado não não pode ser a o ritmo cosmo, mas lei do aa mercado. vidaootornou-se umpode negócio ea marca de uma culpa, mas a experiência do amor que liberta. Também na oração marca de uma culpa, mas a experiência do amor que liberta. Também na oração isso causou o mal-estar33 da modernidade líquida. 33 cobrará o grande talento que ele nos deixou, no juízo final, e um dia nos pessoal ee comunitária, oo cristão cristão experimenta experimenta aquela aquela presença presença de de Deus Deus que que fortalece fortalece pessoalDeus comunitária, teremos de apresentar o que multiplicamos ou o que enterramos. Haverá festa – céu oo peregrinar rumo ao Reino definitivo. peregrinar rumo ao Reino definitivo. Deus um dia nos cobrará o grande talento que ele nos deixou, no juízo final, e como também poderá haver os gemidos – inferno – contudo ainda temos a chance de teremos de apresentar o que multiplicamos ou o que enterramos. Haverá festa – céu viver o O purgatório, cujo fogo de Deus consome o egoísmo e liberta-nos para a quando grande com Jesus acontece também muito especial O encontro encontro com Jesus acontece também de forma forma muito especial quando como também poderá haver os gemidos – inferno – de contudo ainda temos a chance de 34 34 parusia, cuja meta é a nossa esperança. tocamos na dos irmãos que sofrem, pobres aflitos. de Uma Igreja de tocamos na carne carnecujo dosfogo irmãos que consome sofrem, os os pobres e aflitos. Uma viver o purgatório, de Deus o egoísmo ee liberta-nos para Igreja a grande samaritanos próxima do samaritanos que se se próxima do mais mais necessitado; necessitado; que que tem tem oo dom dom da da proximidade, proximidade, parusia, cuja que meta é faz afaz nossa esperança. como como bem bem exorta exorta oo papa papa Francisco. Francisco. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Para éé preciso Para tanto, tanto, preciso vencer vencer aa doença doença da da indiferença indiferença que que nega nega oo outro outro ee deixadeixanos insensíveis aos problemas reais do ser humano. Sobre isso insistiu bravamente nos insensíveis aos problemas reais do ser humano. Sobre isso insistiu bravamente REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BENTO XVI. Carta encíclica Salvi, sobre esperança cristã. São Paulo: Paulinas, Francisco na para oo Dia Mundial da Francisco na mensagem mensagem paraSpe Dia Mundial daaPaz. Paz. 2007. BENTO XVI. Carta encíclica Spe Salvi, sobre a esperança cristã. São Paulo: Paulinas, Não Não há há dúvida dúvida de de que que oo comportamento comportamento do do indivíduo indivíduo indiferente, indiferente, 2007. de fecha oo coração dos de de quem quem fecha coração desinteressando-se dos outros, outros, de quem quem ______. Catequese sobre Santa Catarina de desinteressando-se Génova 12/01/2011. www.vatican.va/. fecha os olhos para não ver o que sucede ao seu redor ou se fecha os olhos para não ver o que sucede ao seu redor ou se Acesso em 03.02.2016. ______. Catequese sobre Santapara Catarina de Génova www.vatican.va/. esquiva não abalroado pelos alheios, esquiva para não ser ser abalroado12/01/2011. pelos problemas problemas alheios, Acesso em 03.02.2016. ______. Encontro com os párocos e o clero da diocese de Roma, 24 24 CELAM. episcopado -- texto CELAM. VV Conferência Conferência Geral Geral do episcopado Latino-Americano Latino-Americano e Caribenho Caribenho texto conclusivo. conclusivo. São São Paulo: Paulo: 07.02.2008.Disponível em:do www.vatican.va/. Acesso eem 02.02.2016. ______. com os párocos e o clero da diocese de Roma, Paulus, n. Paulus, 2007, 2007,Encontro n. 240. 240. 25 25 CELAM. episcopado -- texto CELAM. VV Conferência Conferência Geral Geral do episcopado Latino-Americano Latino-Americano e Caribenho Caribenho texto conclusivo. conclusivo. São São Paulo: Paulo: 07.02.2008.Disponível em:do www.vatican.va/. Acesso eem 02.02.2016.

Paulus, Paulus, 2007, 2007, n. n. 243. 243. 246 VATICANO II. Constituição dogmática Lumen Gentium, n.7. Há, certamente, lugares de concreta Ibid., n. COMPÊNDIO Ibid., n. 246. 246. 27 27 BENTO Mensagem para aa Quaresma de www.vatican.va/. em comunhão eclesial: a diocese igreja particular, aDisponível paróquiaem: como comunidade deAcesso comunidades, os grupos, BENTO XVI. XVI. Mensagem paracomo Quaresma de 2013. 2013. Disponível em: www.vatican.va/. Acesso em 04.02.2016. 04.02.2016. 28 38 28 BENTO Exortação apostólica Verbum Domini. São Paulo: 2010, 6.11-12. COMPÊNDIO VATICANO II. Constituição dogmática Gentium, n.7.Paulinas, Há, certamente, concreta pastorais movimentos, Cebs, nos pós-sinodal quais experimentamos o viver comunhão e participação (Cf.de CELAM, V BENTOeXVI. XVI. Exortação apostólica pós-sinodal VerbumLumen Domini. Sãoem Paulo: Paulinas, 2010, n. n.lugares 6.11-12. 29 29 CELAM. Conferência Geral do episcopado Latino-Americano Caribenho, n. Conferência doa episcopado e Caribenho, 164-171). comunhão eclesial: diocese igreja particular, a paróquiaen. comunidade de comunidades, os grupos, CELAM. V VGeral Conferência Geralcomo doLatino-Americano episcopado Latino-Americano ecomo Caribenho, n. 248-249. 248-249. 30 39 30 Ibid, CELAM. Vmovimentos, Conferência Cebs, Geral do Latino-Americano e Caribenho, n. 162. pastorais e nosepiscopado quais experimentamos o viver em comunhão e participação (Cf. CELAM, V Ibid, n. n. 250. 250. 31 40 31 CELAM. VVGeral Conferência Geral episcopado ee Caribenho, Ibid., n. 159. Conferência do episcopado Latino-Americano e Caribenho, n. 164-171). CELAM. Conferência Geral do do episcopado Latino-Americano Latino-Americano Caribenho, n. n. 251. 251. 32 41 39 32 Ibid, Ibid., 160. CELAM. V Conferência Geral do episcopado Latino-Americano e Caribenho, n. 162. Ibid, n. n. 254. 254. 33 40 33 Ibid., n.255. 255. Ibid, 159. Ibid, n. 34 41 34 Ibid, Ibid., 160. Ibid, n. n. 257. 257. 26 38 26

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caracteriza uma tipologia humana bastante difundida e presente em cada época da história; mas, hoje em dia, superou decididamente o âmbito individual para assumir uma dimensão global, gerando o fenômeno da «globalização da indiferença». A primeira forma de indiferença na sociedade humana é a indiferença para com Deus, da qual deriva também a indiferença para com o próximo e a criação. Trata-se de um dos graves efeitos dum falso humanismo e do materialismo prático, combinados com um pensamento relativista e niilista. A indiferença para com o próximo assume diferentes fisionomias. Há quem esteja bem informado, ouça o rádio, leia os jornais ou veja programas de televisão, mas fá-lo de maneira entorpecida, quase numa condição de rendição: estas pessoas conhecem vagamente os dramas que afligem a humanidade, mas não se sentem envolvidas, não vivem a compaixão. Este é o comportamento de quem sabe, mas mantém o olhar, o pensamento e a ação voltados para si mesmo. Noutros casos, a indiferença manifesta-se como falta de atenção à realidade circundante, especialmente a mais distante. Algumas pessoas preferem não indagar, não se informar e vivem o seu bem-estar e o seu conforto, surdas ao grito de angústia da humanidade sofredora. Quase sem nos dar conta, tornamo-nos incapazes de sentir compaixão pelos outros, pelos seus dramas; não nos interessa ocupar-nos deles, como se aquilo que lhes sucede fosse responsabilidade alheia, que não nos compete.35

Viver a realidade presente no dinamismo da esperança é, exatamente, o drama do mundo contemporâneo líquido que parece esquecer que não fomos feitos para a morte, mas para a eternidade, por conseguinte pensar na escatologia cristã é considerar que “ninguém vive só. Ninguém peca sozinho. Ninguém se salva sozinho. Como cristãos, não basta perguntarmo-nos: como posso salvar-me a mim mesmo? Deveremos antes perguntar-nos: o que posso fazer a fim de que os outros sejam salvos e nasça também para eles a estrela da esperança? Então terei feito também o máximo pela minha salvação pessoal”.36 É fato, isso não podemos esquecer, que também encontramos o Senhor Jesus na Igreja, mas a Igreja não é uma estrutura hierárquica apenas, nem um grupo de pessoas piedosas, muito menos uma Ong. A Igreja, muito bem define o Concílio Vaticano II, “é em Cristo como que um Sacramento”,37 que nos une a todos num único povo, o Povo de Deus. Ela é sinal do Reino de Deus que se espalha pelo mundo como testemunha da missão salvadora de Jesus. Temos, então, a realidade de uma Igreja que é peregrina nesta terra, que vai purificando-se, enquanto celebra, testemunha, vivencia, compreende e comunica a fé recebida seja pessoal, seja comunitária. Porém é na comunidade cristã que o indivíduo aprofunda o dom da fé recebido no Batismo. E, assim, abre o coração para a realidade salvífica que aponta para a parusia.

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FRANCISCO. Mensagem para o dia Mundial da Paz 2016. Disponível em: www.vatican.va/. Acesso em 04.02.2016. BENTO XVI. Carta encíclica Spe Salvi, sobre a esperança cristã, n. 48. 37 COMPÊNDIO VATICANO II. Constituição dogmática Lumen Gentium, n.1. 36

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No grande Corpo Místico da Igreja,38 encontramos os vários carismas e ministérios suscitados pelo Espírito Santo para o bem desse povo que caminha.39 Consequentemente, não estamos sozinhos, mas formamos uma grande comunidade de fé que cresce, não “por proselitismo, mas por atração”.40 Essa Igreja peregrina “vive antecipadamente a beleza do amor que se realizará no final dos tempos na perfeita comunhão com Deus e com os homens. Sua riqueza consiste em viver, já neste tempo, a comunhão dos santos, ou seja, a comunhão nos bens divinos entre todos os membros da Igreja”.41

CONSIDERAÇÕES FINAIS Percorremos um caminho espinhoso na atualidade líquida, pois refletir sobre a realidade última parece algo alienante. Contudo é necessário retomar esse processo dentro da ação catequética. Os primeiros a fazerem essa reflexão devem ser os catequistas. A eles precisamos esmiuçar os conceitos, as Escrituras, a Tradição da Igreja, o Catecismo e a contribuição que a Teologia deu e continua dando ao tema. Hoje pensamos a partir da Casa comum, casa ameaçada pela destruição de um avanço egoísta que não respeita o ritmo do cosmo, mas quer subjugá-lo à lei do mercado. A vida tornou-se um negócio e isso causou o mal-estar da modernidade líquida. Deus um dia nos cobrará o grande talento que ele nos deixou, no juízo final, e teremos de apresentar o que multiplicamos ou o que enterramos. Haverá festa – céu como também poderá haver os gemidos – inferno – contudo ainda temos a chance de viver o purgatório, cujo fogo de Deus consome o egoísmo e liberta-nos para a grande parusia, cuja meta é a nossa esperança.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BENTO XVI. Carta encíclica Spe Salvi, sobre a esperança cristã. São Paulo: Paulinas, 2007. ______. Catequese sobre Santa Catarina de Génova 12/01/2011. www.vatican.va/. Acesso em 03.02.2016. ______. Encontro com os párocos e o clero da diocese 07.02.2008.Disponível em: www.vatican.va/. Acesso em 02.02.2016.

de

Roma,

38 COMPÊNDIO VATICANO II. Constituição dogmática Lumen Gentium, n.7. Há, certamente, lugares de concreta comunhão eclesial: a diocese como igreja particular, a paróquia como comunidade de comunidades, os grupos, pastorais e movimentos, Cebs, nos quais experimentamos o viver em comunhão e participação (Cf. CELAM, V Conferência Geral do episcopado Latino-Americano e Caribenho, n. 164-171). 39 CELAM. V Conferência Geral do episcopado Latino-Americano e Caribenho, n. 162. 40 Ibid., n. 159. 41 Ibid., n. 160.

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______. Exortação apostólica pós-sinodal Verbum Domini. São Paulo: Paulinas, 2010.

______. Mensagem para a Quaresma de 2013. Disponível em: www.vatican.va. Acesso em 04.02.2016. CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. São Paulo: Loyola, 2000. CELAM.V Conferência Geral do episcopado Latino-Americano e Caribenho - texto conclusivo. São Paulo: Paulus, 2007. COMPÊNDIO DO CONCÍLIO VATICANO II. Trad. Frei Boaventura Kloppenburg. Petrópolis: Vozes, 1968. CRISTANCHO SOLANO, Andrés Diego. Resucitados resucitantes: La resurrección de los muertos en la actualidad. In Reflexiones Teológicas 13 (13-28) julio-diciembre. Bogotá, 2014. FILHO, João Mendonça da Silva. O sonho dos 9 anos: um projeto de vida pelos jovens. São Paulo: Palavra e prece, 2014. ______. Os eixos do perdão: lembrar, esquecer e perdoar e a catequese para a misericórdia. In Revista Vida Pastoral, março-abril, 2016. PAPA FRANCISCO. Mensagem do www.vatican.va/. Acesso em 03.02.2016.

Angelus,

10.11.2013.

Disponível

em:

______. Mensagem para o dia Mundial da Paz 2016. Disponível em: www.vatican.va/. Acesso em 04.02.2016. PAULO VI. Catequese Geral sobre valores humanos e vida futura, 08.09.1971. Disponível em: www.vatican.va/. Acesso em 03.02.2016.

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O SENSUS FIDEI NA VIDA DA IGREJA

THESENSUS FIDEI IN CHURCH LIFE

Pedro Carlos Cipollini ∗

RESUMO: O presente artigo tem a finalidade de refletir sobre o sensus fidei na vida da Igreja. Para tal, será apresentada a concepção do sensus fidei no Concílio no Vaticano II, a natureza e compreensão eclesial do sensus fidei, assim como os requisitos para uma participação autêntica do sensus fidei e sua aplicação na prática. Palavras-chave: Igreja. Sensus fidei. Pastoral. ABSTRACT: The aim of this article is to reflect on the sensus fidei in the life of the Church. To this end, it presents the concept of the sensus fidei at the Council Vatican II, the nature and ecclesial understanding of the sensus fidei, as well as the requirements for an authentic participation of thesensus fidei and its application in practice. Keywords: Church. Sensus fidei. Pastoral Activity.

INTRODUÇÃO Ao iniciar esta exposição gostaria de recordar o que disse o papa Francisco em seu encontro com o clero na sua visita a Assis (Itália). Repito-o com frequência: caminhar com o nosso povo, por vezes à frente, por vezes no meio e outras atrás: à frente, para guiar a comunidade; no meio, para animar e sustentar; atrás, para manter unida, a fim de que ninguém se atrase demais, para conservar unida e também por outro motivo: porque o povo intui! Tem sensibilidade para encontrar novas sendas para o caminho, temo sensus fidei, como dizem os teólogos. O que existe demais bonito? 1

Nessa fala do papa Francisco, resume-se aquilo que se tem como sensus fidei, não só no que significa, mas também no relacionamento entre os ministros da Igreja. O sensus fidei encontra sua base escriturística na concepção de um povo sacerdotal (1Pd 2,9), que tem o pensamento de Cristo (1Cor 2,16), os olhos do coração (Ef 1,16-18), o espírito de verdade (Jo 14,16-17) e a inteligência espiritual (Cl 1,9; cf. tb. ∗ 1

Dom Pedro Carlos Cipollini - Bispo de Santo André-SP. PAPA FRANCISCO. Visita Pastoral a Assis - Encontro com o clero e os consagrados, 04.10.2013.

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Rm 11,33s; Fl 1,9; Ap 5,9).

A teologia entende por sensus fidei (sentido/senso da fé) o dom ou capacidade, dada pelo Espírito Santo àquele que crê, de perceber a verdade da fé e de discernir o que lhe é contrário. É um dom ou carisma de todos os batizados. Sua formulação mais antiga encontra-se em Vicente de Lérins: “é o que foi crido em toda parte, sempre e por todos” (Cmm.Cân.23). O concílio de Trento vai falar de um “consenso dos fiéis” ou “senso universal da Igreja”. 2 Os teólogos do século XVI vão elaborar expressões aproximativas como: instinctus fidei, consensus fidelium, sensus fidelium. 3 O Vaticano II vai tratar de sensus fidei (LG 12) como um sentido ou sentimento sobrenatural proporcionado pelo Espírito Santo que beneficia todo o povo de Deus para receber a Palavra de Deus, aderindo a ela, saboreando-a e colocandoa em prática. É a faculdade ou habilidade de penetração cognitiva da verdade da fé e de sua verificação na prática. 4 Sobre esse tema, a Comissão teológica internacional publicou um documento intitulado “O sensus fidei na vida da Igreja”, em 2014. Esse documento responde a um duplo objetivo. Em primeiro lugar, analisa teologicamente a noção tradicional reavivada pelo Vaticano II. No cruzar entre a eclesiologia renovada da Lumen Gentium e a teologia fundamental da Dei Verbum, confirma o papel insubstituível do magistério na transmissão da fé, mas supera a dicotomia entre uma Igreja que ensina (hierarquia) e outra que recebe passivamente os ensinamentos (os fiéis). Recordou que, com o impulso do Espírito Santo, o Povo de Deus na sua totalidade participa, na função profética, de Jesus Cristo e goza de uma infalibilidade in credendo, a ponto de o consensus do conjunto dos crentes constituir um testemunho oferecido à fé apostólica. Em segundo lugar, esse documento propõe critérios para discernir o sensus fidelium autêntico e para descartar as falsidades, pois nem todas as opiniões que circulam entre os batizados derivam do sensus fidelium, embora o conjunto do povo de Deus, graças ao sentido da fé, seja capaz de discernir as vias do Evangelho para hoje.

1 SENSUS FIDEI NO CONCÍLIO VATICANOII 5 A partir do enfoque eclesiológico pelo qual foram tratados os temas do Concílio Vaticano II, parece que o sentido por trás dessa definição é, sobretudo, dar sustentação à eclesiologia do Povo de Deus.6 Não nos é possível examinar todos os textos 2

O Concílio de Trento trata de um universus Ecclesiae sensus, como salvaguarda e garantia da verdadeira fé frente aos erros (cf. E. Denzinger.In: El magistério de la Iglesia, Herder, Barcelona,1963, n. 870). 3 Herbert Vorgrimler faz distinção entre essas várias expressões; vê matizes entre elas edefine sensus fidei como “espécie determinada de conhecimento, que provém da fé e se refere ao conteúdo essencial dessa mesma fé”. In: Do sensus fidei para o consensus fidelium, cf. in Concilium n. 200 (1985), p. 6. Santo Tomás de Aquino fala de uma conaturalidade com a verdade – que é Cristo – dada pelo Espírito Santo (cf. Sum.Teologiae, q. 45, a.2). Cf. PIÉ-NINOT, Salvador. Sensus fidei. In: LATOURELLE, R. Fisichella. Dizionario di teologia fondamentale. Assis: Cittadella, 1990, p. 1131-1134. 5 A respeito do sensus fidei no Vaticano II, indicamos para consulta: CATELAN FERREIRA, A.L. O ensinodo Magistério a respeito do sensus fidei. In: Teocomunicações, Porto Alegre, 2015, v. 45; HACKMANN, G. L. B. O documento da Comissão Teológica Internacional sobre o sensus fidei. In: Teocomunicações, Porto Alegre, 2015, v. 45. 6 KUSMA C. Senso da Fé. In: VVAA. Dicionário do Vaticano II. São Paulo: Paulus/Paulinas, 2015, p.887. 4

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conciliares a respeito do assunto; vamos, no entanto, examinar o texto fundamental, que é o número 12 da Constituição dogmática sobre a Igreja (Lumen Gentium). O contexto desse parágrafo é muito significativo para sua interpretação. Encontra-se no capítulo II – ‘O povo de Deus’, no parágrafo que trata da participação de todos os fiéis na função profética de Cristo: “O Povo santo de Deus participa também da função profética de Cristo, difundindo o seu testemunho vivo, sobretudo pela vida de fé e de caridade, oferecendo a Deus o sacrifício de louvor, fruto dos lábios que confessam o Seu nome (cf. Hb 13,15).” Esse texto está inserto numa importante exposição da doutrina eclesiológica, na qual se destaca a infalibilidade da Igreja in credendo e o papel do consenso universal dos fiéis: “A totalidade dos fiéis que receberam a unção do Santo (cf. Jo 2,20.27) não pode enganar-se na fé; e esta sua propriedade peculiar manifesta - se por meio do sentir sobrenatural da fé do povo todo, quando este, “desde os Bispos até ao último dos leigos fiéis” (Cf. S. Agostinho, De Praed. Sanct. 14, 27: PL 44, 980), manifesta consenso universal em matéria de fé e costumes”. 7 A seguir, explicita a correlação entre o sensus fidei, Espírito Santo e Magistério eclesial: “com este sentido da fé, que se desperta e sustenta pela ação do Espírito de verdade, o povo de Deus, sob a direção do sagrado magistério que fielmente acata [...]”. 8 E, por fim, descreve o sensus fidei com base em seus efeitos: “O povo de Deus já não recebe simples palavra de homens, mas a verdadeira palavra de Deus (cf. 1 Tes 2,13), adere indefectivelmente à fé uma vez confiada aos santos (cf. Jd 3), penetra-a mais profundamente com juízo acertado e aplica-a mais totalmente na vida”. 9 Comentando a passagem, Salvador Pié-Ninot10 chama a atenção para os verbos usados: o sentido da fé é suscitado e mantido pelo Espírito Santo, é guiado pelo sagrado Magistério, que acata fielmente; o povo aceita a palavra de Deus; adere a ela; penetra nessa palavra e a aplica à vida. Pode ser útil retomar os elementos teológicos do sensus fidei, apresentados na LG 12. Em primeiro lugar, afirma-se que é um sentimento ‘sobrenatural’ de caráter ‘pneumatológico’: é suscitado e sustentado pelo Espírito Santo. A esse respeito, recorde-se de que da própria fé se faz idêntica afirmação por DV 5 (“para prestar a adesão da fé, são necessários a prévia e concomitante ajuda da graça divina e os interiores auxílios do Espírito Santo”). Ali se descreve também o caráter carismático da compreensão da revelação (“para que a compreensão da revelação seja sempre mais profunda, o mesmo Espírito Santo aperfeiçoa sem cessar a fé mediante os seus dons”). Em segundo lugar, trata-se de uma “peculiaridade” de “todo” o povo de Deus. No contexto mencionam-se “a totalidade dos fiéis”, “povo todo”, “bispos e fiéis leigos”. Portanto não é algo setorial, ou de uma categoria de fiéis. Mais à frente, no capítulo quarto, sobre os fiéis leigos, na seção dedicada ao “testemunho de vida pelo apostolado dos leigos”, a Constituição LG dá um ulterior esclarecimento:

7

Lumen Gentium,n. 12. Ibid. 9 Ibid. 10 Cf. O´DONELL, C.; PIÉ-NINOT, S. (Orgs). Dicionario de Ecclesiologia. Madrid: San Pablo, 2001, p. 985-986. 8

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Cristo, Cristo, oo grande grande profeta, profeta, que que pelo pelo testemunho testemunho da da vida vida ee da da força força da da palavra palavra proclamou proclamou oo reino reino do do Pai, Pai, realiza realiza aa sua sua missão missão profética, profética, até até àà total total revelação revelação da da glória, glória, não não só só por por meio meio da da Hierarquia, Hierarquia, que que em em Seu Seu nome nome ee com com aa Sua Sua autoridade autoridade ensina, ensina, mas mas também também por por meio meio dos dos leigos; leigos; para para isso isso os os constituiu constituiu testemunhas, testemunhas, ee lhes lhes concedeu concedeu oo sentido sentido da da fé fé ee oo dom dom da da palavra palavra (cf. (cf. At At 2,17-18; 2,17-18; Ap Ap 19,10) 19,10) aa fim fim de de que que aa força força do do Evangelho Evangelho 11 resplandeça resplandeça na na vida vida quotidiana, quotidiana, familiar familiar ee social. social.11

Finalmente, Finalmente, oo texto texto descreve descreve os os efeitos efeitos desse desse dom. dom. Como Como se se trata trata de de um um senso senso da da fé, fé, está está correlacionado correlacionado com com aa Palavra Palavra de de Deus Deus (como (como esclarece esclarece DV DV 5). 5). Com Com relação relação aa ela, ela, fala-se fala-se de de recepção, recepção, adesão, adesão, penetração penetração ee aplicação. aplicação. Nesse Nesse mesmo mesmo sentido, sentido, DV DV 8, 8, ao ao tratar tratar da da transmissão transmissão da da divina divina Revelação Revelação ee do do progresso progresso da da Tradição Tradição na na vida vida da da Igreja Igreja (cap. (cap. 2), 2), reafirma reafirma oo papel papel do do Espírito Espírito Santo Santo ee do do caráter caráter “experiencial” “experiencial” ee “espiritual “espiritual (= (= sobrenatural)” sobrenatural)” do do senso senso da da fé. fé. Essa Essa tradição tradição apostólica apostólica progride progride na na Igreja Igreja sob sob aa assistência assistência do do Espírito Espírito Santo. Santo. Com Com efeito, efeito, progride progride aa percepção percepção tanto tanto das das coisas coisas quanto quanto das das palavras palavras transmitidas, transmitidas, quer quer por por causa causa da da contemplação contemplação ee estudo estudo dos dos crentes, crentes, que que as as meditam meditam no no seu seu coração coração (cf. (cf. Lc. Lc. 2,19.51), 2,19.51), quer quer por por causa causa da da íntima íntima inteligência inteligência que que experimentam experimentam das das coisas coisas espirituais, espirituais, quer quer mercê mercê da da pregação pregação daqueles daqueles que, que, com com aa sucessão sucessão do do episcopado, episcopado, receberam receberam oo carisma carisma da da verdade. verdade. Em Em outras outras palavras: palavras: “a “a Igreja, Igreja, no no decurso decurso dos dos séculos, séculos, tende tende continuamente continuamente para para aa plenitude plenitude da da verdade verdade divina, divina, até até que que 12 nela nela se se realizem realizem as as palavras palavras de de Deus”. Deus”.12 Entre Entre os os quatro quatro fatores fatores mencionados mencionados por por DV DV 8, 8, oo sensus sensus fidei fidei está está presente presente no no terceiro terceiro e, e, parcialmente, parcialmente, no no quarto. quarto. São São eles: eles: “a “a assistência assistência do do Espírito Espírito Santo”, Santo”, aa “contemplação “contemplação ee oo estudo estudo dos dos crentes”, crentes”, aa “compreensão “compreensão interior interior das das coisas coisas espirituais” espirituais” ee oo “anúncio “anúncio daqueles daqueles que, que, com com aa sucessão sucessão do do episcopado, episcopado, receberam receberam oo carisma carisma certo certo da da verdade”. verdade”.

22 NATUREZA NATUREZA DO DO SENSUSFIDEI SENSUSFIDEI O O capítulo capítulo segundo segundo apresenta apresenta aa natureza natureza do do sensus sensus fidei. fidei. Ele Ele éé “como “como instinto instinto da da fé”, fé”, “é “é uma uma espécie espécie de de instinto instinto espiritual espiritual que que capacita capacita oo crente crente aa julgar julgar de de forma forma espontânea espontânea se se algum algum ensino ensino particular particular ou ou determinada determinada prática prática está está ou ou não não em em 13 que que decorre decorre da da própria própria conformidade conformidade com com oo Evangelho Evangelho ee com com aa fé fé apostólica”, apostólica”,13 virtude virtude da da fé fé ee éé uma uma propriedade propriedade dela. dela. Ele, Ele, oo sensus sensus fidei fidei fidelis, fidelis, “não “não éé um um conhecimento conhecimento reflexivo reflexivo dos dos mistérios mistérios da da fé, fé, que que desenvolve desenvolve conceitos conceitos ee utiliza utiliza procedimentos procedimentos racionais racionais para para chegar chegar às às suas suas 14 conclusões”, conclusões”,14 mas mas éé “uma “uma reação reação natural, natural, imediata imediata ee espontânea, espontânea, comparável comparável aa um um 11 11

Cf. Cf. Lumen Lumen Gentium, Gentium, n. n. 35. 35. Dei Dei Verbum, Verbum, n. n. 8. 8. Cf. Cf. COMISSÃO COMISSÃO TEOLÓGICA TEOLÓGICA INTERNACIONAL.O INTERNACIONAL.O sensus sensus fidei fidei na na vida vida da da Igreja, Igreja, n. n. 32-49. 32-49. Disponível Disponível em: em: http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/cti_documents/rc_cti_20140610_sensus-fidei_po.html. http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/cti_documents/rc_cti_20140610_sensus-fidei_po.html. Acesso Acesso em em 10.03.2013. 10.03.2013. 14 14 Ibid., n. Ibid.,, Ibid.,, n.54. 54. 12 12 13 13

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instinto vital ou a uma espécie de ‘faro’, pelo qual o crente adere espontaneamente ao que está conforme a verdade da fé e evita o que se opõe”.15 Como deriva da virtude teologal da fé, o sensus fidei é infalível em si mesmo quanto ao seu objeto, a verdadeira fé, e cresce em proporção ao desenvolvimento da virtude da fé, havendo, por isso, “uma interação vital entre o sensus fidei e o modo como cada fiel vive a fé em diversos contextos de sua vida pessoal”, o que permite ver mais claramente o valor e as limitações de uma determinada doutrina, e propor caminhos para uma formulação mais adequada. É por isso que aqueles que ensinam em nome da Igreja devem prestar muita atenção à experiência dos fiéis, especialmente a dos leigos que se esforçam para colocar em prática os ensinamentos da Igreja em área sem que eles têm experiência e conhecimento específicos.16

As manifestações do sensus fidei na vida pessoal dos fiéis são três:1) discernir se um ensinamento particular ou se uma determinada prática que ele encontra na Igreja é coerente ou não com a verdadeira fé pela qual ele vive em comunhão com a Igreja; 2) distinguir, na pregação, do secundário o essencial; 3) identificar e colocar em prática o testemunho a dar de Jesus Cristo no contexto histórico e cultural particular em que ele vive. 17

3 O SENSUS FIDEI NA VIDA ECLESIAL O capítulo terceiro aborda vários aspectos do sensus fidei: o seu papel no desenvolvimento da doutrina e da prática cristãs; as relações entre o sensus fidei e o Magistério e entre o sensus fidei e teologia; alguns aspectos ecumênicos do sensus fidei. O papel do desenvolvimento da doutrina e da prática cristã do sensus fidei tem como ponto de partida a responsabilidade da Igreja inteira, hierarquia e leigos juntos, “pela revelação contida nas Sagradas Escrituras e na Tradição apostólica viva”, que é “confiada à Igreja”, isto é, o “povo santo todo, unido a seus pastores”, pois os fiéis não são apenas os destinatários passivos do que a hierarquia ensina e os teólogos explicitam, mas eles são, ao contrário, sujeitos vivos e ativos no seio da Igreja. Por isso, a fé e o sensus fidei não estão apenas ancorados no passado, o aspecto retrospectivo, mas também estão orientados em direção ao futuro, o aspecto prospectivo, o que exige um processo de discernimento. Tal processo exige tempo para se chegar a alguma conclusão, em que os fiéis em geral, os pastores e os teólogos têm cada qual o seu papel a desempenhar, a fim de atingir um esclarecimento do sensus fidei e realizar um verdadeiro consensus fidelium, uma conspiratio pastorum et fidelium”. 18 Os leigos contribuíram, desde o início do cristianismo, com o desenvolvimento da fé cristã pelo testemunho da fé apostólica e por decisões sobre a fé. Houve momentos em que o povo de Deus, em particular os leigos, sentiram intuitivamente em 15

Cf. COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL.O sensus fidei na vida da Igreja, n. 54. Ibid., n. 55, 57, 59. 17 Ibid., n. 60b, 65. 18 Ibid., n.66, 69, 71. 16

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que direção andaria o desenvolvimento da doutrina, mesmo quando teólogos e bispos estavam divididos sobre uma questão. Em outros momentos, quando a Igreja chegou a uma definição, a Ecclesia docens havia claramente “consultado” os fiéis, e ela indicava o consensus fidelium como um dos argumentos que legitimava a definição. 19

Os leigos também colaboraram para o desenvolvimento moral da Igreja, pois, em algumas áreas, o ensinamento da Igreja desenvolveu-se como resultado da descoberta das exigências requeridas diante de novas situações vividas por eles. A reflexão dos teólogos e o julgamento do Magistério foram, então, baseados na experiência cristã iluminada pelas intuições dos fiéis leigos. É o caso da abertura da Igreja aos problemas sociais, que se manifesta especialmente na Carta Encíclica Rerum Novarum do Papa Leão XIII (1896), foi o resultado de uma lenta preparação na qual os “pioneiros sociais” leigos, homens de ação e de pensamento, desempenharam um papel principal. 20 As relações entre o sensus fidei e o Magistério acontecem quando o Magistério escuta o sensus fidelium, pois, em matéria de fé, os batizados não podem ser passivos, e, por isso, eles não só têm o direito de serem ouvidos, mas também as suas reações devem ser consideradas com maior seriedade, ao que está sendo proposto como pertencente à fé dos Apóstolos, porque é por toda a Igreja que a fé apostólica é sustentada no poder do Espírito. O Magistério não tem a responsabilidade exclusiva. Ele deve, portanto, referir-se ao senso da fé de toda a Igreja e ele precisa ter formas por meio das quais possa consultar os fiéis. O documento situa a liturgia como o lugar particular em que acontece a “ligação entre o sensus fidelium e o Magistério”, pois a Eucaristia plasma e molda o sensus fidelium, e isso contribui fortemente para a formulação e o aperfeiçoamento das expressões verbais de fé, pois é aí que o ensinamento dos bispos e dos Concílios é, em última análise, “recebido” pelos fiéis”, de acordo com a fórmula Lex orandi, lex credendi.21 O Magistério, por sua vez, alimenta, discerne e julga o sensus fidelium, pois “o julgamento sobre a autenticidade deste pertence, em última análise, não aos próprios fiéis nem à teologia, mas ao Magistério. No entanto, como já foi dito, a fé à qual o Magistério está a serviço é a fé da Igreja, que está viva em todos os fiéis”.22 As relações entre o sensus fidei e a teologia são duas: os teólogos dependem e refletem o sensus fidei. Dependem, porque o sensus fidei constitui um fundamento e um locus para o seu trabalho, além de a fé que eles estudam e explicam viver no povo de Deus; “os teólogos ajudam os fiéis a expressar o sensus fidelium autêntico, lembrando-lhes as linhas essenciais da fé e ajudando-os a evitar desvios e confusões causadas pela influência de elementos imaginários provenientes de outros lugares”. Os teólogos refletem sobre o sensus fidelium, porque ele não se identifica pura e simplesmente com a opinião da maioria dos batizados numa determinada época e, por isso, a teologia deve fornecer princípios e critérios que permitam realizar um 19

Cf. COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL.O sensus fidei na vida da Igreja, n. 72. Ibid., n. 73. 21 Ibid., n. 74b, 75. 22 Ibid., n. 77. 20

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discernimento, especialmente por parte do Magistério. Também a teologia ajuda os fiéis a conhecerem com clareza e precisão o sentido autêntico das Escrituras, o verdadeiro alcance das definições conciliares, os conteúdos próprios da Tradição, bem como as questões que permanecem em aberto. 23

4 REQUISITOS PARA UMA PARTICIPAÇÃO AUTÊNTICA NO SENSUS FIDEI O capítulo quarto do documento mostra que não há uma única disposição, mas um conjunto de disposições, influenciado por fatores eclesiais, espirituais e éticos, os quais devem ser levados conjuntamente. Essas disposições, por sua vez, podem ser utilizadas como critérios para discernir o autêntico sensus fidei. E são as seguintes: a) participação na vida da Igreja - uma pertença formal à Igreja não é suficiente, mas uma participação ativa na vida da Igreja significa oração constante (cf.1Ts 5,17), participação ativa na liturgia, especialmente na Eucaristia, recepção regular do sacramento da reconciliação, discernimento e exercício de dons e carismas recebidos do Espírito Santo, e participação ativa na missão da Igreja e na sua diaconia. Isso supõe a aceitação da doutrina da Igreja em matéria de fé e moral, a vontade de seguir os mandamentos de Deus e a coragem de não só exercer a correção fraterna como também de submeter-se. Além disso, uma solidariedade ativa com a Igreja, que vem do coração, um sentimento de fraternidade com outros membros fiéis e com toda a Igreja, e, disso, um instinto para perceber quais são as necessidades da Igreja e os perigos que a ameaçam. É o sentire cum Ecclesia, necessário para todos os fiéis; ela une todos os membros do povo de Deus em sua peregrinação. Ela é a chave do seu “caminhar juntos”; b) escuta da Palavra de Deus - é necessária uma escuta profunda e atenta da Palavra de Deus, transmitida de geração em geração na comunidade de fé, e uma resposta do coração (cf. 2Cor 1,20). A coerência com a Escritura e com a Tradição é o indicador principal de tal escuta. Também é necessário estudar cientificamente a Bíblia e o testemunho da Tradição; c) abertura à razão - como a fé e a razão caminham juntas, é preciso aceitar o papel próprio da razão na sua relação com a fé; d) adesão ao Magistério - é necessária a atenção ao Magistério da Igreja e a vontade de escutar o ensinamento dos pastores da Igreja, como um ato de liberdade e profunda convicção; e) santidade - a humildade, a liberdade e a alegria - a santidade é a vocação de toda a Igreja e de cada crente. Ser santo significa pertencer fundamentalmente a Deus em Jesus Cristo e na sua Igreja, ser batizado e viver a fé no poder do Espírito Santo. Constata-se que, na história da Igreja, os santos são os portadores da luz do sensus fidei. Porque ele basicamente requer imitatio Christi (cf. Fl 2,5-8), a santidade implica essencialmente humildade. Essa humildade é oposta à hesitação ou à timidez; ela é um ato de liberdade espiritual. E um sinal 23

Cf. COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL.O sensus fidei na vida da Igreja, n. 81-84.

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claro da santidade é “paz e alegria no Espírito Santo” (Rm 14,17; cf. 1Ts 1,6). Esses dons manifestam-se, antes de tudo, num nível espiritual, e não psicológico, nem emocional. É a paz do coração e alegria tranquila daquele que encontrou o tesouro da salvação, a pérola de grande valor (cf. Mt 13,44- 46);

f) busca da edificação da Igreja - a manifestação autêntica do sensus fidei contribui para edificar a Igreja como um só corpo, sem nutrir dentro dela divisões ou particularismos.

5 SENSUS FIDEI E SUA APLICAÇÃO NA PRÁTICA Os aspectos ecumênicos do sensus fidei não estão inclusos nas aplicações práticas, mas podem ser abordados aqui, pois duas questões específicas relativas ao sensus fidelium surgem no contexto do diálogo ecumênico, no qual a Igreja Católica está empenhada de forma irreversível: primeiro, não se pode considerar como verdadeiras e vinculantes apenas as doutrinas que tenham obtido o consentimento comum de todos os cristãos e que expressam o sensus fidelium, pois os participantes católicos não podem suspender o próprio consentimento às doutrinas reconhecidas que a Igreja Católica possui como próprias; segundo, que os cristãos separados participam e contribuem de alguma forma ao sensus fidelium e que o diálogo ecumênico ajuda a aprofundar e a esclarecer a compreensão que ela mesma tem do Evangelho. 24 A primeira aplicação dá-se quanto à religiosidade popular, pois esta provém do sensus fidei e manifesta-a, por isso deve ser respeitada e promovida, e é a primeira e fundamental forma de inculturação da fé.25 A segunda dá-se na relação entre o sensus fidei e a opinião pública. Sem dúvida, ela é uma das questões mais delicadas nos dias de hoje, pois a opinião pública implica a maioria, tanto dentro quanto fora da Igreja.26 Hoje, ouve-se muito mais frequentemente a voz dos leigos na Igreja, com posições diversas. Mas as novas redes de comunicação, seja dentro, seja fora da Igreja, exigem novas formas de atenção e crítica, bem como a renovação dos métodos de discernimento. Isso porque algumas influências provenientes de grupos com interesses particulares não são compatíveis, ou não inteiramente, com a fé católica, além de haver pressões para enfraquecer o papel da fé no debate público ou para adaptar a doutrina cristã tradicional aos interesses e às opiniões modernas. 27 Assim, não se pode pura e simplesmente identificar o sensus fidei com a opinião pública ou da maioria: o sensus fidei não pode assimilar a opinião pública da sociedade como um todo. A fé, não a opinião, é o ponto de referência ao qual é necessário prestar-se atenção. Na história do povo de Deus, muitas vezes não foi a maioria, mas uma minoria que realmente viveu a fé e a testemunhou. Por isso é particularmente 24

Cf. COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL. O sensus fidei na vida da Igreja, n. 24 Ibid., n. 110b, 112. 26 Ibid., n.113. 27 Ibid., n.116–117. 25

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importante discernir e escutar as vozes dos “pequeninos que creem” (Mc 9,42). A terceira aplicação diz respeito aos meios para consultar os fiéis. É um direito dos fiéis serem consultados. A prática não é novidade na Igreja. 28 Depois do Concílio Vaticano II, foram estabelecidos vários meios institucionais pelos quais os fiéis possam ser ouvidos de maneira mais formal. Esses são os Concílios particulares, para os quais os presbíteros, assim como outros seguidores de Cristo, podem ser convidados (cânon 443, § 4); os sínodos diocesanos, para os quais o bispo diocesano pode convidar os membros do laicato (cânon 443, § 4); o conselho pastoral de cada diocese, que se compõe de “fiéis em plena comunhão com a Igreja Católica, clérigos, membros de institutos de vida consagrada, ou principalmente leigos” (cânon 512, § 1) e conselhos pastorais das paróquias, “nos quais os fiéis ajudam a promover a ação pastoral, juntamente com os que participam do cuidado pastoral da paróquia em virtude do próprio ofício” (cânon 536, § 1).

6 A NOVIDADE DO DOCUMENTO Podem-se apontar duas novidades de fundo, presentes no Documento, que correspondem ao elã teológico presente nos documentos do Vaticano II: a pneumatologia e a teologia do laicato do Vaticano II. Falar de sensus fidei/sensus fidelium supõe a ação do Espírito Santo na Igreja, o que aponta para o modo como o Vaticano II compreendeu e expressou a presença do Espírito Santo na Igreja. O concílio entendeu o mistério de Deus de forma trinitária e, em consequência, a própria Igreja, o que comporta, além disso, a recíproca implicação epistemológica e metodológica entre teologia trinitária e eclesiologia, ou seja, entre Trindade e Igreja. No Concílio Ecumênico Vaticano II, encontra-se de forma clara a afirmação da presença e ação do Espírito Santo na Igreja, especialmente com a Lumen Gentium, por meio da citação da frase de Cipriano, no número 4, e com a Unitatis Redintegratio, no número 2, e, por isso, a Igreja passou a ser entendida como imagem da comunhão (communio) trinitária.29 Afirmar que todos os fiéis não erram no sentido da fé implica reconhecer a teologia do laicato e levá-la a sério. O tema do leigo revelou-se como uma das grandes novidades teológicas do Vaticano II, que, desse modo, recuperou a compreensão teológica dos fiéis leigos na Igreja e no mundo.

28 29

Cf. COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL.O sensus fidei na vida da Igreja, n. 120b, 122. Cf. KASPER W. Chiesa Cattolica. Brescia: Quariniana, 2012, p. 129.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A escuta do povo de Deus como princípio pastoral aparece como uma das conclusões mais importantes que podemos tirar do que até aqui refletimos. A importância do sensus fidei na vida da Igreja foi fortemente enfatizada pelo Concílio Vaticano II sem falar da importância que dá ao leigo na Igreja a partir do batismo: na Igreja Povo de Deus todos têm a mesma dignidade na diversidade de Ministérios. O Papa Joao Paulo II vai recordar o que ensina o Vaticano II ao falar dos fiéis leigos como participantes do múnus sacerdotal, profético e real de Jesus Cristo.30 Considere-se que o povo de Deus aprofunda a fé com reto juízo e aplica-a mais plenamente à vida. A Dei Verbum confirma esse ensinamento, quando registra que cresce a compreensão tanto das coisas quanto da palavra transmitida, seja com a contemplação e o estudo dos fiéis, os quais meditam sobre ela em seus corações (cf. Lc 2,19 e 51), seja com a profunda inteligência que eles provam das coisas espirituais, seja com a pregação daqueles os quais, com a sucessão episcopal, receberam um carisma certo de verdade. 31 Todo o povo de Deus adere, unido aos seus pastores, ao sagrado depósito da Palavra de Deus confiado à Igreja e persevera constantemente no ensinamento dos apóstolos e na comunhão, na fração do pão e nas orações (cf. At 2,42) de modo que no acolher, praticar e professar a fé transmitida cria-se uma singular unidade de espírito entre os bispos e os fiéis. 32 Consequentemente, a escuta do povo de Deus aparece como uma regra e um princípio pastoral irrenunciável na vida da Igreja. Fica evidente que o sensus fidelium seja uma função de compreensão, profissão e transmissão da fé que diz respeito a todos os membros da Igreja e não somente à hierarquia e aos teólogos. 33 Consequentemente, escutar o povo de Deus aparece como uma regra e um princípio pastoral irrenunciável na Igreja. Respeitando a competência dos carismas, é necessário evitar a separação entre Igreja docente e Igreja discente, no sentido de que todos são discípulos do mesmo mestre: Jesus Cristo. Grande conhecedor da Tradição da Igreja, o cardeal John Newman insistiu muito entre a articulação do sensus ecclesiae e o sensus fidelium. Ele recorda que, entre o Concílio de Nicéia (325) e o concílio de Constantinopla (381), o povo cristão, fiel ao seu batismo, sustentou e conservou a verdadeira fé, enquanto não poucos bispos, até mesmo de grandes dioceses, caíram na heresia (arianismo). Foi esse povo fiel que sustentou os grandes e solitários confessores como Atanásio, Ilário, Eusébio de Vercelli entre outros. 34

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Christu fideles Laici, n. 14. Dei Verbum,n. 8. 32 Ibid., n 10. 33 Cf. VITALI D. Sensus fidelium. Uma funzione ecclesiale di intelligenza della fede. Brescia: Morcelliana, 1993. 34 Cf. NEWMAN J. H. Sulla consultazione dei fedeli in materia di dottrina – Dialogo. Brescia: Morcelliana, 1991, p. 129. 31

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2 NATUREZA DO SENSUSFIDEI A escuta do povo de Deus revela-se importante na obra da evangelização e de enculturação do Evangelho, porque nada pode substituir experiência vivida pelo O capítulo segundoaapresenta a natureza do sensus fid povo de Deus, o qual “reflete o genuíno sentido da fé que não se pode nunca perder da fé”, “é uma espécie de instinto espiritual que capacita o c de vista”. 35 O sensus fidei diz ainda respeitose à estrutura sinodal e ao diálogo na espontânea algum ensino particular ou determinada pr Igreja.36 conformidade com o Evangelho e com a fé apostólica”, 13 q virtude da fé e é uma propriedade dela. Enfim, o princípio pastoral da escuta ao povo de Deus não está em contradição com a constituição hierárquica da Igreja, exaltafidei a natureza da éIgreja como Ele,mas o sensus fidelis, “não um conhecimento ref “comunhão orgânica” e, portanto, envolve todos os membros da Igreja. fé, que desenvolve conceitos e utiliza procedimentos raciona conclusões”, 14 mas é “uma reação natural, imediata e espont 11

Cf. Lumen Gentium, n. 35.

12 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Dei Verbum, n. 8. 13

Cf. COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL.O sensus fidei na vida da I http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/cti_documents/rc_cti_20140

CATELAN, A. L. Ferreira. O ensino Magistério a respeito do sensus fidei. In: Acessodo em 10.03.2013. 14 Teocomunicações, Porto Alegre, 2015, Ibid.,,v.n.45; 54.. COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL. O sensus fidei na vida da Igreja. Disponível em: http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/cti_documents/rc_cti_2014 0610_sensus-fidei_po.html. Acesso em 10.03.2013. DOCUMENTOS DO CONCÍLIO VATICANO II (1962-1965). São Paulo: Paulus, 1997. HACKMANN, G. L. B. O documento da Comissão Teológica Internacional sobre o sensus fidei. In: Teocomunicações, Porto Alegre, 2015, v. 45. KASPER W. Chiesa Cattolica. Brescia: Quariniana, 2012.

KUSMA C. Senso da Fé. In: VVAA. Dicionário do Vaticano II. São Paulo: Paulus/Paulinas, 2015. NEWMAN J. H. Sulla consultazione dei fedeli in materia di dottrina – Dialogo. Brescia: Morcelliana, 1991. O´DONELL, C.; PIÉ-NINOT, S. (Orgs). Dicionario de Ecclesiologia. Madrid: San Pablo, 2001. PIÉ-NINOT, Salvador. Sensus fidei. In: LATOURELLE, R. Fisichella. Dizionario di teologia fondamentale. Assis: Cittadella, 1990 VITALI D. Sensus fidelium – Uma funzione ecclesiale di intelligenza dela fede. Brescia: Morcelliana, 1993.

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Redemptoris missio, n. 54. Há o antigo princípio retomado pelo Direito Canônico a propósito da colegialidade: “o que diz respeito a todos como indivíduos, por todos deve ser aprovado.” Código de Direito Canônico, n. 119,§3. 36

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TEMAS PASTORAIS EM MEDELLÍN (II): PASTORAL DAS MASSAS E PASTORAL DAS ELITES

PASTORAL TOPICS IN MEDELLIN (II): MINISTRY AMONG THE MASSES AND MINISTRY AMONG THE MINORITY OF SOCIALELITES Leandro Brum Pinheiro ∗

RESUMO: O presente artigo busca aprofundar os temas pastorais abordados pela Segunda Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano (Medellín, 1968). Nesta segunda parte, damos cabo aos temas da pastoral das massas e da pastoral das elites, os quais aparecem exclusivamente nessa Conferência. Tendo em vista um sistema que parece oporem os dois tipos de destinatários da Igreja, os bispos latino-americanos não apenas propõem modos de anunciar o evangelho às massas oprimidas e esquecidas – como sujeitos preferenciais – mas também apontam possibilidades de trabalho com aqueles que dominam os meios de produção econômica, cultural e intelectual. A partir, especialmente do próprio texto das ‘Conclusões’, buscamos contextualizar e compreender as estratégias evangelizadoras na América Latina no contexto de Medellín. Palavras-chave: Medellín. Temas Temas Pastorais. pastorais. Evangelização Evangelização.

ABSTRACT: This article seeks to deepen our understanding of the pastoral issues addressed by the Second General Conference of Latin American Bishops (Medellin, 1968). In this second part, we take up the pastoral issues related to ministry among the masses and ministry among socialelites, issues thatwere treated exclusively at this particular Conference. Mindful of a system that seemed to place in opposition two distinct types of recipients of the Church’s ministry, the Latin American bishops not only proposed ways of proclaiming the Gospel to the oppressed and forgotten masses - as subjects in need of preferential concern - but they also pointed out possible ways of working with those social elites who are dominant forces when it comes to the media, the economy andthe production of cultural and intellectual enterprises.Using the actual text of the 'Conclusions' as a starting point for reflection, an effort is made to contextualize and understand thestrategies for evangelizing Latin America that emerged from Medellin. Keywords: Medellín. Pastoral Issues. Evangelization.



Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Bacharel em Teologia pelo Centro Universitário Salesiano (UNISAL) – Campus Pio XI.

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ARTIGOS INTRODUÇÃO

Na primeira parte deste artigo, 1 explicamos o contexto de Medellín, especialmente no seu intento de atualizar para a realidade latino-americana as inspirações do Concílio Vaticano II. Seguindo a mesma linha, nesta segunda parte trataremos dos dois temas pastorais que ainda nos questionam e apontam saídas interessantes para aquele período e também para os dias atuais: quase 50 anos depois, Aparecida retoma a necessidade de evangelização para todos os cristãos e, mesmo não citando massas ou elites, certamente as contempla em suas entrelinhas.

1 PASTORAL DAS MASSAS Na sexta parte das Conclusões de Medellín, encontramos o tema da Pastoral das Massas traduzido do original ‘Pastoral Popular’ do espanhol. Ainda que o documento não queira falar de massa como um agrupamento geral de pessoas, o vocábulo espanhol parece dar uma ideia mais ampla do que realmente ele significa no contexto do documento. No contexto pré-Medellín, considerando o paradoxo maioria da população católica x secularização crescente, a Igreja tinha muito presente em sua prática pastoral uma pastoral massificada, não dando muita atenção à questão pessoal, à realidade de cada povo e à forma como compreendiam a religião. Nesse sentido, é o que a Assembleia procura responder, num contexto em contínua e profunda mudança cultural, social, demográfica e da diversidade das crenças e práticas religiosas na América Latina, os apelos de uma evangelização verdadeira e fiel à mensagem evangélica. Para tal, necessita abandonar um modelo de ação pastoral que, até então, baseava-se na tradição e conservadorismo e na distribuição dos sacramentos, recebido pelo povo mais em decorrência de costumes sociais do que de uma verdadeira vivência cristã. Encontramos traços de virtudes cristãs, sobretudo no que se refere à caridade e solidariedade, porém, quanto ao aspecto moral e à participação na estrutura da Igreja, deixam muito a desejar. O contexto plural da América Latina exige da Igreja uma atenção às diversas formas como os povos fazem sua experiência de Deus. As pessoas vivem e interpretam a religião de maneira pessoal e social. Às vezes, não manifestam no grupo a que pertencem o que creem pessoalmente: a religiosidade não leva precisamente a um agir moral concreto. O fato é que há uma tendência à busca para identificar-se com pequenos grupos e “pequenas comunidades onde existe melhor possibilidade de realização como pessoas”. 2 A religiosidade popular é a grande marca de uma evangelização que continua “desde os tempos da Conquista com características especiais. É uma religiosidade de votos e promessas, de peregrinações e de um número infinito de devoções, baseada na 1 2

PINHEIRO, Leandro Brum. Temas pastorais em Medellín (I). In: Revista de Catequese 145 (2015), 107-116. CELAM. Conclusões de Medellín. 4. ed. São Paulo: Paulinas, 1979, p. 67.

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recepção dos sacramentos, especialmente do batismo e da primeira eucaristia, recepção que tem mais consequências sociais que um verdadeiro influxo no exercício da vida cristã”. 3 Essa piedade popular está marcada por uma forma de viver a fé muito específica, fortemente influenciada pela cultura mesclada latino-americana. López Trujillo analisa esse capítulo inicialmente num viés metodológico. 4 O autor afirma que Medellín preferiu descrever o fenômeno da religiosidade em vez de defini-lo, interpretando-o de maneira compreensiva e positiva, ao mesmo tempo que compreende ser uma manifestação cultivada desde os tempos da colonização. Ainda que não se trate especificamente das fontes indígenas e africanas, não se lhes nega a influência: daí a importância de conhecer e respeitar as origens da religiosidade popular latino-americana.

Teologicamente, a fundamentação dessa preocupação está na premissa de que uma evangelização que não parte da realidade e não entende a forma como as pessoas compreendem a fé, ficará bastante debilitada. A fé, manifestada pelos povos da América Latina, vai crescendo, embora às vezes imatura e volúvel, mas não podemos negar as centelhas de boa disposição encontradas na vida cotidiana das pessoas. As motivações para essa vivência de fé são por vezes temporais: “Com efeito, mesmo na fé, como ato de uma humanidade peregrina no tempo, o homem depende de uma imperfeição das motivações mistas”. 5 Não se trata de condenar a religiosidade popular: a Igreja, movida pelo Espírito, deve encontrar meios para educar e com um dinamismo pastoral que chame as pessoas a renovarem de forma viva e eficaz a fé no Cristo e a reassumirem o seu Batismo. Afirma Catão: A pastoral popular deve partir da fé, ainda que imperfeita do povo, e, sem apagar a mecha que fumega nem quebrar a vara rachada, encaminhar a totalidade dos humanos, com suas características religiosas e culturais próprias, para a luz do Verbo que ilumina a todos. A participação na fé, como adesão à Igreja, conhecerá diversos níveis e formas, far-se-á, muitas vezes, por motivações humanas, egoístas e até interesseiras. É nossa condição humana. O importante é purificá-las e assegurar um processo variado, mas ininterrupto, de evangelização e catequese. 6

A partir daí, compreendemos melhor as recomendações pastorais deixadas pela Assembleia, na tentativa de apontar caminhos que contribuam para uma evangelização mais eficaz no continente latino-americano. As três primeiras recomendações estão na perspectiva do aprofundamento sobre a religiosidade popular e suas manifestações, e o fomento de uma pastoral litúrgica e catequética adequada, destinada não só a pequenos grupos, mas também à totalidade do povo de Deus. Assim, os elementos característicos da piedade popular - como ro-

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CELAM. Conclusões de Medellín. 4. ed. São Paulo: Paulinas, 1979, p. 67-68. LÓPEZ TRUJILLO, Alfonso. Medellín: reflexiones en el CELAM. Madrid: BAC, 1978, p. 91. 5 CELAM. Conclusões de Medellín. São Paulo: Paulinas, 1979, p. 70. 6 CATÃO, Francisco. Aos trinta anos de Medellín. In: Conclusões da Conferência de Medellín, 1968: Trinta anos depois, Medellín é ainda atual? São Paulo: Paulinas, 1998, p. 273. 4

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marias, peregrinações, devoções diversas – ganham um sentido mais eclesial e teologicamente fundamentado na palavra evangélica. Considerando o avanço da Teologia da Libertação e seu lugar fundante na pastoral popular, Medellín, com grande senso evangélico, chama a atenção para o papel indispensável da religiosidade popular na evangelização e adverte contra o risco de identificar unilateralmente fé e responsabilidade social.7

As recomendações seguintes versam sobre a necessidade de formar o maior número de comunidades eclesiais nas paróquias, especialmente nas zonas rurais ou entre os marginalizados urbanos: comunidades estas que devem basear-se na Palavra de Deus e realizar-se, enquanto for possível, na celebração eucarística. A comunidade será formada quando seus membros adquirirem um sentido de pertença que os leve a serem solidários numa missão comum, e conseguirem uma participação ativa na vida litúrgica e na convivência comunitária. Para a necessária formação dessas comunidades, colocar em vigor, o quanto antes, o diaconato permanente e convidar os religiosos, religiosas e leigos para uma participação mais ativa. É interessante perceber a grande preocupação que, mesmo não explicitamente verbalizada no documento, justifica a situação de então: a falta de clero. Sem pessoas preparadas para explicar a fé e acompanhar o povo de Deus, é impossível que uma verdadeira evangelização aconteça. Por isso, a alternativa clara é o diaconato permanente e a atuação dos religiosos. É visível que, entre tantos outros, três grupos chamam a atenção da Igreja quanto à especificidade da religiosidade: os indígenas, os camponeses (contexto rural) e os urbanos marginalizados. López Trujillo entende que nessa inquietação se revela uma preocupação missionária em chegar, por uma eficaz comunicação pastoral, àqueles grupos que se encontram nas fronteiras da ação tradicional da Igreja:8 eles não podem prescindir de quem os guie e acompanhe. Por fim, o documento sugere que a pastoral das massas adote uma exigência cada vez maior para conseguir personalização e vida comunitária, de modo pedagógico, respeitando as etapas diversas no caminho para Deus: respeito que não signifique apenas aceitação e imobilismo, mas também um convite a uma vivência mais plena do Evangelho e a uma conversão reiterada. Uma reflexão importante após a publicação das Conclusões dá-se sobre o grande desafio de comunicar à religiosidade popular um dinamismo eclesial e missionário: apesar de sua riqueza intrínseca, ela dificilmente chega a ser uma expressão dinâmica e integral da fé, reduzindo-se a situações de pobreza. Diante da crescente secularização, a religiosidade popular pode passar por dois questionamentos: ela pode ser uma oportunidade de crescimento e aprofundamento da fé ou causa de maior descrédito diante do racionalismo reinante. Por ora, destacamos que, embora parecendo que há uma segregação entre pastoral popular e pastoral de elite, o documento aponta diferentes formas de perceber 7 CATÃO, Francisco. Aos trinta anos de Medellín. In: Conclusões da Conferência de Medellín, 1968: Trinta anos depois, Medellín é ainda atual? São Paulo: Paulinas, 1998, p. 274. 8 LÓPEZ TRUJILLO, Alfonso. Medellín: reflexiones en el CELAM. Madrid: BAC, 1978, p. 92.

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a questão religiosa na América Latina. Não há como desconectar, metodologicamente, uma da outra. Assim, concordamos com López Trujillo, quando nos diz que “afirmamos a necessidade de ver a pastoral de massas em conexão com a de elites, para que as elites cristãs sejam fermento das massas, participem de seus valores e expressões e estejam a serviço delas”. 9

2 PASTORAL DE ELITES O tema da Pastoral das Elites localiza-se na parte sétima das Conclusões de Medellín. Após apresentar uma proposta pastoral para as massas, nessa seção o documento tenta definir quem é a elite e como uma pastoral direcionada a esse grupo deve ser promovida e desenvolvida. Ainda que haja muitas críticas sobre isso, não se pode negar a leitura da realidade social presente na elaboração do documento. Inicialmente, o intento é definir quem são as elites; genericamente, “são os grupos dirigentes mais adiantados, dominantes no plano da cultura, da profissão, da economia e do poder”. 10 Logo, o primeiro pano de fundo que se nos apresenta é a existência e a influência de uma (ou várias!) elites que ainda determinam os modos de agir, pensar e julgar de toda a sociedade. Ao explicar como se estruturam e pensam essas elites, as Conclusões apresentam três grupos e delineiam as suas “atitudes de fé”. Trata-se de uma análise interessante e também incomum nesse tipo de documento. Sintetizaremos esses grupos, em seguida.11 O grupo chamado tradicional ou conservador costuma ter uma mentalidade pouco ligada à problemática social, tendendo a um modo burguês de vida e defendendo seus privilégios e interesses; em matéria de fé, separam-na da responsabilidade social e identificam-na com uma simples adesão a um credo e a princípios morais; sua pertença à Igreja é mais de estilo tradicional e muitas vezes interesseira. Outro grupo são os progressistas, que englobam a elite tecnológica; atribuem valor à tecnização e planejamento da sociedade, importando-se mais com o progresso econômico do que com a promoção e a participação social. Esse é o grupo no qual encontramos maior diversidade ao se tratar de fé, partindo de um indiferentismo até uma associação da Igreja como meio favorável ao desenvolvimento. Por fim, o terceiro grupo, mais radical, é chamado de revolucionário; nele, a maioria faz parte de uma elite intelectual, que deseja uma transformação radical da sociedade: o povo deve ser protagonista dessa mudança, participando das decisões para o ordenamento de todo o processo social. Há uma identificação unilateral da fé com a responsabilidade social, o que dificulta uma compreensão mais transcendental da liturgia, por exemplo; daí muitas críticas à Igreja institucional e uma crise de fé.

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LÓPEZ TRUJILLO, Alfonso. Medellín: reflexiones en el CELAM. Madrid: BAC, 1978, p. 99. CELAM. Conclusões de Medellín.4.ed. São Paulo: Paulinas, 1979, p. 75. Ibid., p. 76-78.

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Esse tipo de pastoral fundamenta-se especialmente na necessidade da formação de uma fé pessoal, adulta, interiormente formada e operante, atenta aos sinais dos tempos, especialmente no que diz respeito à justiça e à fraternidade. Assim, o documento propõe uma série de recomendações, divididas em dois grupos: as de caráter geral e as de caráter especial.

As do primeiro grupo têm um caráter de orientação geral e buscam organizar grupos com membros da elite para que reflitam na perspectiva da revisão de vida, da inclusão na vida eclesial e da participação nos sacramentos. Parece bastante claro que Medellín sugere uma reinserção dessas pessoas na vida da Igreja, porque não as vê como ‘inimigos em potencial’, mas como uma rica colaboração na vida da Igreja LatinoAmericana. Reconhece-se, pois, a necessidade de formar agentes para esse público específico: o fato de que a elite é uma realidade presente (e forte!) neste momento da história, apesar das críticas que serão posteriormente pontuadas, torna-a uma urgência no campo da evangelização, pois sua influência na sociedade civil ainda é determinante. As recomendações de caráter especial estão direcionadas aos grupos específicos da elite. Aos artistas e homens de letras, por exemplo, o documento pede que auxilie na renovação da Igreja, nos campos da liturgia, música e artes, especialmente adaptando a mensagem evangélica à cultura local. Vivendo num período marcado pela ditadura em muitas nações do continente, Medellín lembra aos universitários – que sejam acolhidos pelos que detêm o poder por meio do diálogo, sem censura às suas manifestações e aspirações – aos militares – cuja missão é garantir a as liberdades políticas dos cidadãos – e aos grupos econômicos sociais –que contribuam eficazmente com a urgente e necessária transformação social. As últimas recomendações dirigem-se especificamente aos poderes políticos. A Conferência sugere o constante diálogo Igreja-Estado que, não só na América Latina, havia-se tornado um grande problema: o sistema do padroado marcara profundamente a história continental, acabara de uma forma muito brusca e com significativas perdas por parte da Igreja. Retomando, num breve parêntese, a História da Igreja na América Latina, vemos a Igreja numa fase inicial como a orientadora e mentora de todas as elites; com a independência dos países e a secularização advinda do pensamento moderno, ela fora desalojada desses grupos, ficando reduzidíssima sua influência: aqueles que começaram a exercer os cargos de governo e direção, nas novas nações americanas, em raros casos eram católicos – daí que a Igreja tivesse ficado ‘relegada’ (ainda que o vocábulo pareça pejorativo) à grande massa mais pobre.12 Por isso, numa relação que precisa se abrir diante das questões sociais e morais agora plenamente conhecidas, a Igreja incentiva a reflexão e a crítica a fim de colaborar com os governos no desenvolvimento das nações, ao mesmo tempo que se compromete a colaborar para a formação política das elites, com seus movimentos e instituições educativas. Por fim, retomando literalmente os textos da Gaudium et Spes, nas Conclusões afirma-se: Note-se, finalmente, que também na América Latina “com o desenvolvimento cultural, econômico e social, se consolida na 12

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maioria o anseio de participar mais plenamente da ordenação da comunidade política...” A consciência mais viva da natureza humana fez com que “surgisse o propósito de se estabelecer uma ordem político-jurídica destinada a proteger melhor a vida pública e os direitos da pessoa humana, como o direito de livre reunião, de livre associação, de expressar suas próprias opiniões e de professar, particular e publicamente, a religião”. 13

Trata-se de uma recomendação bastante provocante no contexto político continental, particularmente nos ambientes de ditadura. O grande avanço dessa seção, a nosso ver, foi de a Igreja olhar para a elite como uma possibilidade de mudança: a sociedade transforma-se, a Igreja fervilha de novidades... Como essas duas mudanças podem conjugar-se a fim de que a evangelização responda às novas necessidades? Diante de todas essas questões, torna-se fundamental acrescentar aqui a nota explicativa com que Medellín encerra este capítulo: “No texto, o conceito ‘elite’ tem um significado puramente descritivo e designa os principais agentes da mudança social, sem qualquer juízo de valor ou conotação classista”. 14 Ainda assim, há quem critique fortemente essas Conclusões por acreditar que a separação entre ‘pastoral de massas’ e ‘pastoral de elites’ signifique uma segregação ou, ainda, uma visão pouco integrada da dimensão pastoral como um todo, 15 que precisa ser superada;16 López Trujillo 17 chega a afirmar que essa seção empobreceu Medellín, pois, ao propor essa divisão que correspondia à polaridade sócio-político-econômica elite-massa, destruiria a noção unificadora de ‘povo’. Contudo essa tensão massa-elite será uma permanente preocupação da evangelização, especialmente quando a Teologia da Libertação, em sua corrente mais ferrenha, determinar a opção preferencial pelos pobres como uma bandeira de exclusividade. Suess,18 num artigo que não trata exatamente desse tema, deixa transparecer que uma das ‘pedras’ que mais atrapalham a dimensão missionária da igreja é justamente o aburguesamento das classes operárias que, uma vez rendidas às mentalidades da elite, não mais militam. Porém é indubitável que a prioridade de Medellín foram os pobres. 19 Uma análise profunda do documento permite visualizar que a ‘pastoral das elites’ se digna justamente a formá-las numa perspectiva de justiça e fraternidade, que as ajude a perceber o mundo e as necessidades dos mais pobres. Não vemos outra possibilidade de evangelização dessas pessoas se não por esse viés, caso contrário, a Igreja simplesmente poderia deixá-las de lado ou ignorá-las... o que contraria o anúncio do Reino a todos! No período pós-Medellín, todavia, esse tema quase desaparecerá. São poucas as referências à abordagem e nenhuma aplicabilidade prática: os bispos teceram poucas observações sobre ele e isso acarretou um grande vazio na reflexão nas Assembleias seguintes. Nota-se, ainda, que em termos de elites, como conceitua o 13

CELAM. Conclusões de Medellín.4.ed. São Paulo: Paulinas, 1979, p. 82. Ibid., p. 82. Idem, ibidem. ADAMI, Leopoldo. Puebla: a evangelização da cultura. In: Perspectiva teológica, 12 (1980) 16. 16 CALIMAN, Cleto. Por uma Pastoral de Juventude do Meio Popular: uma reflexão teológico-pastoral. In: Revista Perspectiva Teológica 34 (1982), p. 327. 17 LÓPEZ TRUJILLO, Alfonso. Medellín: reflexiones en el CELAM. Madrid: BAC, 1978, p. 49. 18 SUESS, Paulo. Luta e contemplação: mística missionária militante entre e além de Medellín e Aparecida. Disponível em . Acesso em 10.05.2014. 19 RESTREPO, Javier D. CELAM 40 años sirviendo e integrando: datos para una historia. CELAM: Bogotá, 1995, p. 45. 14 15

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documento, os movimentos seculares leigos são aqueles que mais se destacaram, pelo compromisso dos leigos em movimentos apostólicos específicos, primariamente evangelizadores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Medellín dá à Igreja na América Latina uma palavra própria, deixando de ser um reflexo de uma suposta “Igreja Universal” para constituir-se numa fonte inspiradora das Igrejas locais, especialmente porque problematizou a realidade à luz da Sagrada Escritura e possibilitou a Igreja a ecoar o sofrimento dos pobres. De maneira sintética, podemos apontar como principais eixos impulsionadores de Medellín: uma profética e audaz opção pelos pobres, uma evangelização libertadora, um modelo de Igreja com base em pequenas comunidades e uma reflexão teológica articulada com a prática. Recordemos que o Continente Latino-Americano encontrava-se num cenário de subdesenvolvimento, fruto da acentuada disparidade socioeconômica: pobreza extrema, alto índice de analfabetismo, educação precária, saúde comprometida; tudo isso, resultado de uma política mergulhada na corrupção e na detenção do poder por uma pequena elite. A análise da conjuntura desse período particular revela-nos a distância dos países da América Latina acerca dos valores evangélicos como a partilha, a fraternidade, ou seja, a preocupação com o outro. Assim, movimentos religiosos e correntes políticas, educativas e culturais denunciavam as injustiças e contribuíam ao mesmo tempo para a construção de uma sociedade mais humana. Medellín será, entretanto, a resposta expressiva da Igreja Local para a construção do reino propagado por Jesus. Motivados por esse espírito de transformação que Medellín nos provoca, é preciso destacar que as práticas pastorais apresentadas pelo Documento necessitam de maior atenção ainda hoje e que, na época, já foram um grande salto para a melhoria da qualidade da ação da Igreja. A Pastoral das Massas apoia-se na fundamentação teológica de que a evangelização deve partir da realidade, portanto as comunidades, urbanas ou rurais, pobres ou ricas, deveriam à luz da Palavra de Deus celebrar e despertar entre si a consciência crítica, a fraternidade e a solidariedade. Uma atenção especial às CEBs – comunidades formadas geralmente em função da proximidade territorial ou por ideais comuns de transformação da realidade de miséria (políticaeconômica-social) à luz da Palavra de Deus por meio do método ver-julgar-agir – que contribuíram enormemente para o protagonismo dos leigos da Igreja. A chamada Pastoral de Elites, que foi questionada amplamente, estava direcionada a grupos que dominam alguma área (chamados, pois, de tradicionais, progressistas ou revolucionários) e denuncia como fragilidade a falta de sensibilidade social, o cinismo explorador com os marginalizados; por isso sugere uma formação madura de fé para a promoção da solidariedade e da justiça. É sob essa luz que o chamado de Medellín continua ressoando em nossa Igreja: veja-se, atualmente, o documento de Aparecida (2007), que convoca para uma Igreja mais fraterna e participativa, Igreja de discípulos-missionários, solidária com os pobres e cada vez mais, desde os últimos e exclusos, ecumênica e inter-religiosa, mais esperançada e criativa, mais libertadora com tantas organizações populares e São Paulo, ano 39, n. 147, pp. 33-41 jan./jun. 2016

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transformadoras. A sociedade hodierna, desafiada por inúmeras mudanças e eventos históricos, necessita, como fizeram Medellín, Puebla, Santo Domingo e Aparecida, retomar seus métodos, com novas ferramentas de análise e propiciar às Igrejas, ONGs, mulheres e homens de boa vontade ampliar e qualificar nossa prática pastoral no anúncio de que Cristo é o nosso Salvador.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADAMI, Leopoldo. Puebla: a evangelização da cultura. In: Perspectiva teológica. 12 (1980). CALIMAN, Cleto. Por uma Pastoral de Juventude do Meio Popular: uma reflexão teológico-pastoral. In: Revista Perspectiva Teológica34 (1982). CATÃO, Francisco. Aos trinta anos de Medellín. In: Conclusões da Conferência de Medellín, 1968: Trinta anos depois, Medellín é ainda atual? São Paulo: Paulinas, 1998. CELAM. Conclusões de Medellín. 4. ed. São Paulo: Paulinas, 1979. FERRÉ, Methol. Medellín y los laicos. In: Revista Nexo 8 (1986). LÓPEZ TRUJILLO, Alfonso. Medellín: reflexiones en el CELAM. Madrid: BAC, 1978. PINHEIRO, Leandro Brum. Temas pastorais em Medellín (I): Catequese e Liturgia. Revista de Catequese 145 (2015). RESTREPO, Javier D. CELAM 40 años sirviendo e integrando: datos para una historia. CELAM: Bogotá, 1995. SUESS, Paulo. Luta e contemplação: mística missionária militante entre e além de Medellín e Aparecida. Disponível em . Acesso em 10.05.2014.

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PRINCÍPIOS PARA AÇÕES DA PASTORAL E A ANIMAÇÃO BÍBLICA

PRINCIPLES FOR THE USE OF THE BIBLEIN PASTORAL ACTIVITIES

João dos Santos Barbosa Neto

RESUMO: Esta pesquisa teve como objetivo evidenciar as características e os princípios da Animação Bíblica da Pastoral. A relevância deste estudo está no rigoroso critério histórico científico das origens fundantes e determinantes da Animação Bíblica da Pastoral e sua relação como a maior expressão da Pastoral Bíblica. Proporciona-se, assim, maior clareza aos conceitos pertinentes, com definições e exemplificações a respeito do tema. Ao final, sugere-se um itinerário de ações que abrange as três dimensões caracterizantes da Animação Bíblica da Pastoral: ‘Escola de interpretação ou conhecimento da Palavra’; ‘Comunhão com Jesus ou oração com a Palavra’; ‘Evangelização inculturada ou de proclamação da Palavra’, visando à eficácia pastoral. Palavra-chave: Animação Bíblica. Pastoral Bíblica. Teologia Pastoral. ABSTRACT: This research was undertaken to identify the characteristics and principles that serve toenhance pastoral activities through the use of the Bible. This study is relevant because it utilizesrigorous historical and scientific criteria toexamine the foundational origins and determinative factors that have contributed to theuse of the Bible to enhance pastoral activitiesand its significance as a major expression of pastoral engagement with the Bible. It provides, therefore, a clear explanation ofrelevant concepts, using definitions and examples related to the subject. In conclusion, acourse of action is recommended that includes the three characteristic features of a pastorally-oriented use of the Bible: 'A School of interpretation or Knowledge of the Word'; 'Communion with Jesus or Praying with the Word'; 'Inculturated Evangelization or Proclamation of the Word', all of which are aimed at enhancing pastoral effectiveness. Keywords: Pastoral Use of the Bible. Pastoral Theology.

Licenciado em Filosofia (UCDB/MS), Bacharel em Teologia (UPS/ITÁLIA), Pós-graduado lato sensu em Counseling (IATES/PR), Pós-graduado lato sensu em Psicopedagogia pela UCDB/Portal Educação e Mestre em Teologia Pastoral (UPS/ITÁLIA). Sacerdote Salesiano. E-mail: [email protected].



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INTRODUÇÃO

Para o sentido e a importância da Animação Bíblica da Pastoral faremos um breve excursus histórico que explica a origem da expressão ‘Animação Bíblica da Pastoral’; depois, refletiremos sobre a compreensão da “Animação Bíblica da Pastoral; por fim, analisaremos a relação entre Pastoral Bíblica e Animação Bíblica da Pastoral. 1 ORIGEMDA EXPRESSÃO ‘ANIMAÇÃO BÍBLICA DA PASTORAL’ Aqui se expõe o percurso histórico que origina essa expressão. 1.1 Da pastoral bíblica à animação bíblica da pastoral Nos anos ’80, com o pleno funcionamento da Pastoral Bíblica nas diocesese paróquias, foram propostas ações que visavam fazer com que a Bíblia fosse conhecida e estivesse presente no meio da comunidade. A Pastoral Bíblica era mais uma pastoral para uso interno da Igreja, cuja finalidade era a de proporcionar formação, palestras e retiros relacionados com a Bíblia.1 Uma mudança de mentalidade começou a formar-se à medida que se entendeu melhor a importância da centralidade da Palavra de Deus na vida e na missão de cada fiel, e, consequentemente, em cada pastoral. “A pastoral bíblica não pode ser uma pastoral entre tantos serviços apostólicos que a Igreja oferece, mas é chamada a ser a alma de cada pastoral que nutre de vitalidade salvífica a atividade de evangelização da Igreja”.2 1.2 História da expressão A expressão ‘Animação Bíblica da Pastoral’ é encontrada pela primeira vez num artigo escrito em 1995 de autoria de Pulga Rosana e Ramos Marcelino onde se afirma: “O Brasil teve na Igreja latino-americana um papel pioneiro no que hoje chamamos pastoral bíblica ou animação bíblica da Pastoral”.3 Isso indica a criatividade e o desenvolvimento da Pastoral Bíblica latino-americana, tanto que, sob a influência dos padres latinos, a expressão ‘Animação Bíblica da Pastoral’ foi utilizada pela primeira vez no documento da Federação Bíblica Católica num encontro sobre a Pastoral Bíblica dos bispos europeus. Os responsáveis pelo documento foram os membros da sub-região da Europa dos países latinos, tendo a guia de Santiago Guijarro (então diretor da Casa da Bíblia de Madrid) e Ludger Feldkamper (então secretário-geral da Federação Bíblica Católica).4 A pastoral bíblica não deve considerar-se em relação somente a um setor particular da Igreja, pois a referência ao texto bíblico e a Boa 1 Cf. PASTORE, Corrado. L’animazione biblica della pastorale alla luce di Verbum Domini (VD 73). Rivista Liturgica 2 (2012), p. 342. 2 SILVA RETAMALES, Santiago. La palabra de Dios en los caminos de la Iglesia. La animación bíblica de la pastoral del pueblo di Dios. In: Linee per l’animazione biblica dell apastorale. Leumann: Elledici, 2010, p. 280. 3 Cf. PULGA, Rosana; RAMOS, Marcelino. Animación bíblica de la pastoral en Brasil. Misiones Extranjeras 145 (1995), p. 34-48. 4 Cf. PASTORE, Corrado. L’animazione biblica della pastorale alla luce di Verbum Domini (VD 73). Rivista Liturgica 2 (2012), p. 343.

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Nova contida nela deveriam ser a base de todo o conjunto da pastoral e da missão da Igreja. Desta perspectiva, talvez seria melhor falar de ‘Animação Bíblica’ de toda pastoral e de toda a missão da Igreja. Trata-se de fazer com que a mensagem bíblica em toda a sua profundidade seja um dos pontos de referência fundamentais na procura da Palavra de Deus para a comunidade cristã e para o mundo contemporâneo, que inspira o nosso empenho de cristãos em tudo aquilo que realizamos na vida.5

Será o próprio Guijarro a explicar o que se entende com a mudança de nomenclatura proposta, pois passa a uma nova consciência e pela necessidade de uma fundamentação bíblica capaz de animar e entusiasmar as pastorais: O reconhecimento prático e geral que a Bíblia deve colocar-se ao centro de cada pastoral e da vida da Igreja é algo relativamente recente. Supõe passar-se da ‘pastoral bíblica’ à ‘animação bíblica da pastoral’, porque a Bíblia não é objeto de uma pastoral específica, mas deve animar, como diz o Concílio, toda a vida da Igreja.6

A Federação Bíblica Católica já trabalhava com a expressão ‘Animação Bíblica da Pastoral’, pois entendia que toda pastoral e missão da Igreja deveriam encontrar nas Sagradas Escrituras o seu ponto de partida e de chegada. Quando começaram os trabalhos para o Sínodo não era mais novidade, por isso a Federação propôs alguns pontos práticos para a ativação da Animação Bíblica: Passar de uma pastoral bíblica a uma animação bíblica de todos os setores do ministério pastoral; introduzir a pastoral bíblica nos currículos de formação, sobretudo do clero, sem descuidar dos religiosos e dos leigos, tendo em vista maior fundamento bíblico de sua experiência de fé, de seu ministério e de sua homilética; tradução da Bíblia para as linguagens dos últimos tempos, além do escrito.7

O desenvolvimento da Animação Bíblica da Pastoral ganha reflexões progressivas nos encontros bíblicos mundiais. Em 2002, o documento final da VI Assembleia da FEBIC em Beirute enumera o conteúdo da missão da Federação Bíblica: apostolado bíblico, pastoral bíblica, ministério bíblico e animação bíblica da pastoral.8 Em 2003, no VI Encontro da FEBIC dos países do Cone Sul da América Latina, realizado em Santiago do Chile, está registrado o empenho da Pastoral Bíblica em realizar a Animação Bíblica da Pastoral em todas as esferas da vida eclesial.9

FEDERACIÓN BÍBLICA CATÓLICA. Las Orientaciones de la Pastoral Bíblica al final del siglo 20. Boletín Dei Verbum 28 (1993), p. 4. 6 GUIJARRO, Santiago. La Biblia en el centro de la pastoral y de la vida de nuestras Iglesias. Boletín Dei Verbum 50 (1999), p. 12-13. 7 FEDERAZIONE BIBLICA CATTOLICA. Riflessioni e proposte per l’Instrumentum Laboris. 12.Assemblea Generale Ordinariadel Sinodo dei Vescovi. Stuttgart 2008, n. 32. 8 Cf. NARANJO SALAZAR, Gabriel. Da Pastoral Bíblica à Animação Bíblica da Pastoral. São Paulo: Paulus, 2011, p. 10. 9 Cf. CAPUTO, Ángel. La animación bíblica de la pastoral. La Palabra de Dios escuela de evangelización. La Palabra hoy XXVIII, 110 (2003), p. 80-81. 5

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Em 2005, para os 40 anos da Dei Verbum, Cardeal Martini profere uma conferência intitulada “O papel central da Palavra de Deus na vida da Igreja. A animação bíblica do exercício pastoral”, em que ele oferece diretrizes para a prática da Animação Bíblica da Pastoral, mas em particular na Lectio Divina.10 O tema da Animação Bíblica, quando chega à V Conferência de Aparecida em 2007, estava em processo de estudo em congressos e já era assumido por algumas Igrejas particulares. A novidade de Aparecida foi apresentar o tema de maneira oficial num documento eclesial, mostrar a sua importância e tecer a sua definição: “A importância de uma pastoral bíblica, entendida como animação bíblica da pastoral, que seja escola de interpretação da Palavra, de oração com a Palavra e de evangelização inculturada da Palavra” (DA 248).

A Igreja universal com a Verbum Domini11 (VD), em 2010, trata da Animação Bíblica da Pastoral pela primeira vez. A Exortação não traz uma nova definição, mas procura indicar a sua finalidade e o seu efeito: Não se trata simplesmente de acrescentar qualquer encontro na paróquia ou na diocese, mas de verificar que, nas atividades habituais das comunidades cristãs, nas paróquias, nas associações e nos movimentos, tenha-se realmente a peito o encontro pessoal com Cristo que Se comunica a nós na Sua Palavra. Dado que ‘a ignorância das Escrituras é a ignorância de Cristo’,12 então podemos esperar que a animação bíblica de toda a pastoral ordinária e extraordinária levará a um maior conhecimento da Pessoa de Cristo, Revelador do Pai e plenitude da Revelação divina. Por isso exorto os pastores e os fiéis a terem em conta a importância desta animação: será o modo melhor também de enfrentar alguns problemas pastorais referidos durante a assembleia sinodal, ligados por exemplo à proliferação de seitas, que difundem uma leitura deformada e instrumentalizada da Sagrada Escritura (VD 73).

2 EM QUE CONSISTE A ANIMAÇÃO BÍBLICA DA PASTORAL A Animação Bíblica da Pastoral torna-se a maior expressão da Pastoral Bíblica, com um papel fundamental no encontro experiencial entre o fiel e Jesus Cristo, por meio da Sagrada Escritura. Coloca-se no centro da ação pastoral, a centralidade da Palavra de Deus que revela o rosto de Jesus Cristo: Animar todas as pessoas e toda instância pastoral para o encontro com Jesus Cristo vivo; com o Verbo de Deus, que é compreendida, rezada e vivida, seja caminho de comunhão com Jesus e com os

Cf. MARTINI, Carlo Maria. Il ruolo centrale della Parola di Dio nella vita della Chiesa. L’animazione bíblica dell’eserciziopastorale. Disponível em . Acesso em 10 de abril de 2015. 11 BENTO XVI. Exortação Apostólica Pós-Sinodal Verbum Domini. 30 de setembro de 2010, in AAS 102 (2010), p. 681-787. 12 S. GIROLAMO. Commentariorum in Isaiam libri. Prol.: PL 24, 17 B. 10

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seus, guie processos de conversão pessoal e pastoral, e seja modelo de missionários e conteúdo de missão.13

Para ser fiel à sua missão em anunciar a Palavra de Deus no mundo, alarga-se o horizonte de atuação da dimensão bíblica, que se torna o esforço de todos os membros da Igreja em beber da fonte para se fortalecer como discípulo do Senhor e, sendo missionário, anunciar o evangelho com mais eficácia. A animação bíblica da pastoral, portanto, entende indicar que a Sagrada Escritura não é um adendo à ação pastoral da Igreja, um livro para fundamentar teorias ou atividades, do qual tirar uma leitura ou um pensamento em que se apoiar, mas é a fonte permanente da vida mesma da Igreja, como o é a Sagrada Liturgia.14

O trabalho a ser desenvolvido pela Animação Bíblica deve considerar três aspectos para ser eficaz na formação dos fiéis: acompanhar a compreensão dos sentidos genuínos dos textos bíblicos; ajudar a atualizar a Palavra de Deus; educar a proclamar a Palavra e concretizá-la.15 Torna-se necessário que a Animação Bíblica da Pastoral assuma a realidade atual em que as pessoas estão insertas para, num segundo passo, desenvolver propostas pastorais significativas e concretas capazes de promover o encontro pessoal com Cristo. O número 248 do Documento de Aparecida caracteriza, desse modo, a animação Bíblica da Pastoral: ‘Escola de interpretação ou conhecimento da Palavra’; ‘Comunhão com Jesus ou oração com a Palavra’; ‘Evangelização inculturada ou de proclamação da Palavra’. 2.1 Escola de interpretação ou conhecimento da Palavra A primeira tarefa da Animação Bíblica é a interpretação adequada dos textos bíblicos. Aqui se entendem duas coisas: a primeira é a afirmação de que nos textos da Bíblia está a Palavra de Deus, e a segunda refere-se justamente à forma de aproximação que se deve ter ao texto (compreensão da linguagem, do contexto e da sociedade dos autores sagrados). E, correndo Filipe, ouviu que lia o profeta Isaías, e disse: Entendes tu o que lês? E ele disse: ‘Como poderei entender, se alguém não me ensinar? E rogou a Filipe que subisse e com ele se assentasse’ (At 8,30-31). Este texto nos recorda a necessidade pastoral que a Igreja é chamada: anunciar a Boa-Nova. Encontram-se pessoas iguais ao ministro etíope desta passagem, que possuem vontade de Deus, que não medem esforços para ter contato com o Senhor, mas por falta de formação e conhecimento sobre a linguagem e as questões sociais e históricas não conseguem entrar na profundidade do mistério. A catequese aparece como espaço vivencial, pois a atividade catequética implica sempre abeirar-se das Escrituras na fé e na Tradição da Igreja, de modo que aquelas SILVA RETAMALES, Santiago. A Animação Bíblica da Pastoral. São Paulo: Paulus, 2011, p. 22. NERY, Israel José. Animação Bíblica da Pastoral (ABP). Brasília: CNBB, 2011, p. 3. 15 Cf. SILVA RETAMALES, Santiago. La Palabra de Diosen los caminos de la Iglesia. La animación bíblica de la pastoral del Pueblo de Dios. Una reflexión. La Palabrahoy XXXII, 127 (2008), p. 60-61. 13 14

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palavras sejam sentidas vivas, como Cristo está vivo hoje (DSPD 70).16

Essas pessoas são sensíveis e desejosas de aprender; basta que o discípulo missionário se coloque à disposição para se criar um momento em que a Palavra de Deus seja conhecida de maneira autêntica. “Uma primeira tarefa da animação bíblica da pastoral é acompanhar a compreensão dos sentidos genuínos dos textos bíblicos e, para tanto, deve ser escola de interpretação ou de conhecimento da Palavra de Deus”.17 A exigência de uma boa interpretação capaz de dar significado e vida aos textos da Bíblia é fundamental nesta sociedade globalizada, cujas diferenças se misturam e a subjetividade individual ganha uma supervalorização em detrimento dos valores perenes e institucionais. A ação da Animação Bíblica da Pastoral “como escola de interpretação é, portanto, re-significar, a partir da correta leitura da revelação contida na Sagrada Escritura, o dia a dia dos homens e das mulheres de hoje, para que recuperem o discernimento, a liberdade e a responsabilidade”.18 Assim, a Animação Bíblica da Pastoral apresenta as seguintes linhas de ação em seu serviço de educar a compreensão do sentido original, apresentada pelo bispo responsável pelo CEBIPAL-CELAM, Dom Santiago Silva Retamales:19 - promoção de boas e baratas traduções com notas e comentários; - cursos para aprender métodos simples de exegese em busca do sentido literal ou chave de leitura dos textos. O ideal é que o sujeito na interpretação da Sagrada Escritura seja o povo de Deus e não somente os especialistas; - bibliografia bíblica simples que ajude no trabalho pastoral, indicando a utilidade da obra recomendada; - subsídios bíblicos que abordem explicações de textos e temas bíblicos com interpretações atualizadas e interpelantes (sentido da Palavra para a atualidade, o “hoje” da história). Recursos como mapas, cronologias... do tempo bíblico; - exposição da perspectiva pastoral da Sagrada Escritura em centros teológicos e seminários diocesanos.

16 CNBB. Discípulos e Servidores da Palavra de Deus na Missão da Igreja. Documentos da CNBB 97. Brasília: CNBB, 2012, n. 70. 17 SILVA RETAMALES, Santiago. A ‘Palavra de Deus’ na V Conferência de Aparecida. Revista Dep. de Teologia da PUC-Rio 11 (2007), p. 368. 18 SILVA RETAMALES, Santiago. A Animação Bíblica da Pastoral. São Paulo: Paulus, 2011, p. 30. 19 Ibid., p. 42.

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2.2 Comunhão com Jesus ou oração com a Palavra

A segunda tarefa a que a Animação Bíblica se propõe é ser mediação de diálogo com Jesus Cristo. Inspirados pelo Espírito Santo, “os livros da Escritura ensinam com certeza, fielmente e sem erro, a verdade que Deus, para nossa salvação, quis que fosse consignada nas sagradas Letras” (DV 11). Desse modo, a aproximação à Sagrada Escritura é o caminho seguro para entrar em contato com a Palavra de Deus que, mesmo escrita há tanto tempo, é sempre atual, pois contém a verdade de Deus. “Encontra na liturgia seu lugar privilegiado, em que Deus continua hoje a se comunicar com seu povo que escuta e responde. Cada ação litúrgica, por sua própria natureza, está impregnada da Sagrada Escritura” (DSPD 86). Como “a Palavra não se exprime primariamente num discurso, em conceitos ou regras, mas nos vemos colocados diante da própria pessoa de Jesus” (VD 11), assim se reconhece no texto das Sagradas Escrituras a Palavra de Deus na pessoa de Jesus Cristo. O cristão, em contato com as Sagradas Escrituras, não está encontrando-se apenas com um texto, mas com uma pessoa com quem estabelece um diálogo e que se torna presente na vida do cristão. Assim, a proposta de ação da Animação Bíblica “tende a ajudar e ensinar ao discípulo missionário a atualizar a Palavra de Deus mediante o diálogo permanente com Jesus Cristo, e para o qual deve ser escola de comunhão e oração, isto é, de encontro com o Senhor graças aos textos bíblicos inspirados”.20 A cada encontro que se tem com a Palavra, será ela a iluminar dando significado para as situações da vida de hoje, capaz de responder às inquietações e orientar os homens para os novos caminhos que possam redimi-los e salvá-los. A Leitura Orante da Bíblia teve sua prática estimulada tanto por Aparecida quanto por Verbum Domini, tornando-se o modo privilegiado de oração centrada na Bíblia capaz de provocar uma íntima aproximação entre o fiel e a Palavra de Deus. A Bíblia continua sendo usada como instrumento de reflexão, porém passa a ser usada como fonte de oração, valorizando os textos sagrados e o crescimento da espiritualidade.21 A Lectio Divina, com seus quatro passos fundamentais (leitura, meditação, oração e contemplação), é o método mais conhecido de Leitura Orante da Bíblia. As comunidades cristãs desenvolveram vários modos de Lectio Divina sem perder a identidade fundamental que é o de ler, rezar, refletir e celebrar a Palavra. “Muitas comunidades seguem os passos da metodologia da Lectio Divina, enquanto as CEBs, os grupos bíblicos, as pequenas comunidades, não sempre as seguem de maneira estreita, mas se movem com mais liberdade e flexibilidade na oração-leitura bíblica”.22

SILVA RETAMALES, Santiago. A ‘Palavra de Deus’ na V Conferência de Aparecida. Revista Dep. de Teologia da PUC-Rio 11 (2007), p. 368. Cf. BARBOZA, Maria Aparecida. Pastoral Bíblica e Animação Bíblica no Brasil. I Congresso Brasileiro de Animação Bíblica no Brasil, 08 a 11 de outubro de 2011, Goiânia-GO. Disponível em: , nº. 39. Acesso em: 07 de outubro de 2014. 22 PASTORE, Corrado. La Bibbia in America Latina Oggi. In: Linee per l’animazione biblica dell apastorale. Leumann: Elledici, 2010, p. 291. 20 21

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Atenta a essa situação, a proposta da Animação Bíblica da Pastoral consiste em apresentar a Sagrada Escritura como local em que uma comunidade entra em diálogo constante com Jesus Cristo. Esse mesmo diálogo que a pessoa hoje começa a ter por meio das Sagradas Escrituras é capaz de inseri-la numa dimensão comunitária da vida. “O Filho de Deus torna possível a recuperação e vivência sincera da fraternidade como valor indispensável do nosso ser discípulo missionário”.23

A relação criada entre Jesus Cristo e a pessoa é geradora de uma vida que se baseia em relações de solidariedade; a primeira delas, a Trinitária, é exemplo de amor e de serviço. “Portanto, a Bíblia vive na comunidade e, ao mesmo tempo, ela faz a comunidade ser povo de Deus, corpo de Cristo e templo do Espírito. Portanto, a relação entre Bíblia e Cristo é essencial”.24 O encontro direto e pessoal com Jesus Cristo é o elemento fundante para que a pessoa seja capaz de reorientar a própria vida a partir dEle dando um sentido de vida profundo para a própria existência. Essa re-significação existencial, resultado do encontro íntimo com Jesus Cristo, “leva o ser humano a afastarse da superficialidade e do relativismo, que promovem o desinteresse e deterioram a convivência”.25 Ativar a sensibilidade da pessoa para a existência e as necessidades do outro promove um processo interno, que exige a assimilação e interiorização da Palavra de Deus e leva a pessoa a testemunhar que fazemos parte da mesma família unida a Cristo, interagindo e fazendo comunidade. “Uma verdadeira dimensão dialogal ou de comunhão, uma leitura eclesiológico-espiritual. Mediante sua Palavra, Deus sai ao encontro dos homens e revela seu mistério, convidando-os ao diálogo e à comunhão com ele”.26 Assim, a Animação Bíblica da Pastoral apresenta as seguintes linhas de ação em seu serviço que educa para viver em comunhão orante com o mistério trinitário, apresentada pelo bispo Dom Santiago Silva Retamales:27 - clara e adequada proclamação da Palavra na liturgia por parte dos leitores; pautas de interpretação para homilias dominicais e para liturgia de sacerdotes; - gestos que devolvam à Sagrada Escritura seu caráter de livro sagrado: procissão com a Palavra, ambão bem situado e somente para a Palavra; proclamação a partir da própria Bíblia ou do Lecionário (e não de folhetos litúrgicos); - Lectio Divina (leitura orante da Bíblia) e workshops; - celebração da Palavra bem-feita e que não pareçam simplesmente missas incompletas;

SILVA RETAMALES, Santiago. A Animação Bíblica da Pastoral. São Paulo: Paulus, 2011, p. 33. CEC. Orientaciones para la animación bíblica de la pastoral. Santiago de Chile: San Pablo, 2007, n. 122. 25 PONTIFICIA COMMISSIONE BIBLICA. L’interpretazio nedella Bibbia nella Chiesa. Cittàdel Vaticano: LEV, 1993, n. 64. 26 SILVA RETAMALES, Santiago. A Animação Bíblica da Pastoral. São Paulo: Paulus, 2011, p. 41. 27 Ibid., p. 43. 23 24

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- celebração dos sacramentos (batismo, reconciliação, matrimônio) com a devida proclamação e pregação da Palavra;

- subsídios operacionais e contextualizados de espiritualidade bíblica, para leitura, oração e temas de comunidades de vida cristã e círculos bíblicos; - exercícios espirituais paroquiais centrados na compreensão da Palavra; - guias temáticos, cantos e vídeos bíblicos; - realização de encontros ecumênicos: a Bíblia favorece questões supra ecumênicas (solidariedade, pluralismo, direitos humanos, serviço à sociedade). 2.3 Evangelização inculturada ou de proclamação da Palavra A terceira tarefa a que a Animação Bíblica da Pastoral se propõe é ser a alma da própria evangelização inculturada e do anúncio de Jesus a todos. Nesse processo é importante a Palavra de Deus ser anunciada de modo que as pessoas de hoje possam compreendê-la e vivenciá-la na própria vida, assimilando e configurando os cristãos ao jeito de ser de Jesus Cristo, para haver “em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus” (Fl 2,5). A resposta/ação do cristão que escuta a Palavra do Senhor é a caridade, pois “é a própria Palavra que nos impele para os irmãos: é a Palavra que ilumina, purifica, converte; nós somos apenas servidores” (DSPD 88). O esforço da Animação Bíblica da Pastoral consiste em fazer que o encontro com a Palavra seja cada vez mais profundo e fascinante, despertando a vontade interna de testemunhar a maravilha que o Senhor é capaz de fazer na própria vida. Desse modo, educam-se “os discípulos missionários a proclamar a Palavra e a atuá-la, isto é, concretizá-la em motivações, práticas e condutas que respondam aos sentimentos de Jesus”.28 Por isso, a Palavra lida e celebrada torna-se vida na pessoa, que, por sua vez, será sinal e portadora da Boa Nova no local onde vive e junto àqueles com quem se relaciona. As experiências de uma evangelização inculturada sempre estiveram presentes nas pastorais da Igreja como nas CEBs, com o ‘jeito novo de ser Igreja’, delinearam o esqueleto da inculturação do Evangelho e da Liturgia nas comunidades do Brasil e da América Latina. Sobretudo após a Conferência de Medellín, em 1968, as CEBs vão sempre exigir criatividade, contextualização bíblica e litúrgica da parte da hierarquia da Igreja, dos teólogos, liturgistas e pastoralistas. Os Encontros Eclesiais continuam acontecendo na esfera nacional reunindo uma imensa quantidade de pessoas que atuam na comunidade eclesial nos mais diversos ministérios pastorais. Os encontros revestemse de um Kayrós para a Igreja do Brasil. As celebrações das CEBs valorizam os símbolos, as dramatizações, os cantos religiosos.

SILVA RETAMALES, Santiago. A ‘Palavra de Deus’ na V Conferência de Aparecida. Revista Dep. de Teologia da PUC-Rio 11 (2007), p. 368.

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O caminho da inculturação que mais se alarga em nossa experiência é, provavelmente, o da Música Litúrgica. Após o Concílio, muitos compositores iniciaram a produção da música para a celebração, tendo em conta a nossa rica tradição melódica e percussiva. Hoje, podem-se cantar Salmos, Hinos e os Cantos do Ritual nos ritmos de nossa cultura: baião, xote, xaxado, maxixe, boi-de-matraca, maracatu, frevo, guarânia, samba. O surgimento das Louvações Populares (como prefácios) com diversos textos e tons, sobretudo nas Celebrações da Palavra, foram de grande importância. Na década de ‘60, o P. Jocy Rodrigues cunhou uma coleção original chamada ‘Evangelho em Ritmo Brasileiro’. A compilação e publicação dos Hinários Litúrgicos da CNBB, com cantos para os diversos tempos celebrativos, são um sinal claro do esforço de uma educação e formação para os cantos próprios do Tempo Litúrgico. A tentativa de descobrir a beleza musical, teológica e litúrgica dos nossos benditos, das nossas incelências, das nossas cantigas, das nossas toadas que brotam de corações que se relacionam com o Divino na simplicidade da vida diária, ajuda cada vez mais nosso povo a se identificar com algo que é seu, da sua cultura e, assim, pode transformar a própria vida em oração e louvor a Deus. Em nossa realidade brasileira, a pergunta a que somos chamados a responder é: como a Igreja pode assumir os rostos que se apresentam para a celebração da fé – afroamericanos, ameríndios, asiáticos, europeus? Somos uma nação mesclada por diversas raças e cores, gingas e gostos, acentos linguísticos e culturais diferenciados. Somos uma nação continental que quer louvar a Deus com base em nosso contexto multicultural e pluriétnico. Para se proclamar a Palavra na sociedade, é necessário ter presentes os elementos da piedade popular, expressão privilegiada de inculturação de fé. A Palavra é capaz de dar sentido ao sofrimento do homem, de relacionar-se com seus afetos, consigo mesmo e com a realidade da morte. Desse modo, a Palavra é assimilada, pois ajuda a pessoa a fortalecer sua identidade em sua comunidade. O Evangelho dá sentido e cristianiza a religiosidade popular, fazendo-a tornar-se piedade popular, expressão da encarnação de Cristo. Celebrar a Palavra é proporcionar aos fiéis um encontro com Jesus Cristo que se dá na realidade da pessoa, valorizando os temas penitenciais e os momentos de provação e de sofrimento. Dessa forma, a evangelização inculturada na celebração da Palavra “possibilita o encontro de comunhão afetivo e efetivo entre Deus e as pessoas, e seja capaz de penetrar as dimensões mais profundas da vida. Por isso, a celebração deve respeitar a dinâmica dialogal que tem início em Deus e que provoca a resposta dos fiéis reunidos em assembléia”.29 Assim, a Animação Bíblica da Pastoral apresenta as seguintes linhas de ação em seu serviço que educa para a conversão e o anúncio inculturado e transformador da Palavra na sociedade, apresentada pelo bispo Dom Santiago Silva Retamales:30 - conhecimento e prática do arquétipo do evangelizador segundo a Sagrada Escritura, presente nos encontros do Messias com diferentes personagens;

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CNBB. Orientações para a Celebração da Palavra de Deus. Documentos da CNBB 52. São Paulo: Paulinas, 1994, n. 56. SILVA RETAMALES, Santiago. A Animação Bíblica da Pastoral. São Paulo: Paulus, 2011, p. 44.

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- pequenas comunidades eclesiais insertas em sua realidade, cujo eixo estruturante e dinamizador seja a Palavra de Deus, fonte de fraternidade, discernimento e compromisso evangelizador; - Lectio Divina de caráter comunitário no início de qualquer atividade pastoral; - slogans e textos bíblicos em santuários e celebrações de piedade popular; - equipe nacional de pastoralistas e biblistas que ofereçam subsídios pedagógicos para os tempos litúrgicos, os momentos pastorais fortes da Igreja e os novos problemas dos cristãos na sociedade pós-moderna; - uso frequente e adequado da Bíblia na catequese, que ensine e pratique a leitura orante da Bíblia. Não se pode esquecer que a Bíblia era o manual de catequese dos primeiros cristãos; - promoção da Celebração da Palavra com o Ofício Divino das Comunidades; - tradução da Bíblia em linguagem popular e nas línguas indígenas; - valorização dos cantos e cantigas populares como meio de anúncio de Cristo.

3 RELAÇÃO ENTRE PASTORAL BÍBLICA E ANIMAÇÃO BÍBLICA DA PASTORAL Como fonte para estabelecer a relação entre a Pastoral Bíblica e a Animação Bíblica da Pastoral, buscaram-se em Pastore31 algumas indicações que permitiram um correto desenvolvimento deste argumento. O primeiro ponto é a necessidade de esclarecimento terminológico, identificando bem tanto a Pastoral Bíblica quanto a Animação Bíblica da Pastoral a fim que não se confudam entre si. César Mora Paz faz o seguinte questionamento sobre essa tentação e ele mesmo fornece uma resposta: “Se em cada pastoral deve estar presente a Sagrada Escritura como sujeito de evangelização, não deve mais existir a Pastoral Bíblica como pastoral específica? Não, pois é indispensável uma pastoral especializada que ofereça todos aqueles serviços que tornam a Sagrada Escritura a alma da evangelização”.32 Em Aparecida, a frase “a pastoral bíblica entendida como animação bíblica da pastoral’, a expressão ‘entendida como’ parece identificar a pastoral bíblica e a animação bíblica da pastoral. Se fosse assim não seria totalmente exato, porque a animação bíblica

31 Cf. PASTORE, Corrado. La animación bíblica de la Pastoral a la luz de la Exhortación apostólica Verbum Domini. Revista Iter 57-58 (2012), p. 207-226. 32 MORA PAZ, César. Nuevas formas de leer la Biblia. Animación bíblica de la pastoral. Ciudad de México: San Pablo, 1998, p. 118.

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da pastoral supõe a pastoral bíblica, e essa deve favorecer a presença da Bíblia em todas as pastorais”.33 Uma pastoral não elimina a outra, ou seja, a Animação Bíblica da Pastoral não exclui necessariamente a Pastoral Bíblica, mas torna-se a maior expressão da própria Pastoral Bíblica. Jorge Blunda apresenta a seguinte síntese: Hoje estamos em uma etapa, na qual a Palavra de Deus procura uma presença transversal em todas as ações pastorais. É certo que as tarefas de uma pastoral bíblica continuam a ser indispensáveis, porque tem e sempre terá muita gente que não conhece suficientemente a Bíblia, que não encontra ocasião de rezar com a Bíblia e nem possui uma tradução adequada. Mas a sua presença na missão da Igreja não se entende mais somente como aquele de um instrumento útil, ou objeto de uma ação pastoral específica, mas como a fonte de inspiração e a referência constante de todas as ações. Passa-se deste modo da pastoral bíblica à animação bíblica de toda a pastoral.34

CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste artigo, buscou-se fazer uma apresentação dos princípios e critérios da Pastoral Bíblica e da Animação Bíblica da Pastoral. A intenção era proporcionar o horizonte informativo, no qual se mostra a formação, definição e atuação da Pastoral Bíblica e da Animação Bíblica ao longo da história chegando a sua consolidação como pastoral indispensável ao interno da Igreja. Nesta apresentação, verificou-se o pioneirismo da Igreja latino-americana, em especial a Igreja no Brasil, com uma riqueza nas reflexões e desenvolvimentos teóricos e práticos da Pastoral Bíblica e da Animação Bíblica da Pastoral nas dioceses e paróquias. Por fim, apresentam-se características e conteúdos da Animação Bíblica da Pastoral.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS - Documentos Pontifícios e Eclesiais BENTO XVI. Exortação Apostólica Pós Sinodal Verbum Domini. 30 de setembro de 2010, in AAS 102 (2010). CEC. Orientaciones para la animación bíblica de la pastoral. Santiago de Chile: San Pablo, 2007. CELAM. Documento de Aparecida. V Conferência Geral do Episcopado LatinoAmericano e do Caribe. São Paulo: Paulus, 2012.

CAPUTO, Ángel; FERNÁNDEZ, Lauren. Lectura comunitaria de la Biblia y Lectio Divina. In: Fundación Amerindia. Bogotá: Indo-American PressService, 2007, p. 155. 34 BLUNDA GRUBERT, Jorge. La Palabra en la vida y el ministerio del pastor. In: Verbum Domini. Studi e commenti sull'Esortazione Apostolica postsino dale di Benedetto XVI. Città del Vaticano: Lateran University Press, 2011, p. 64. 33

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ÊXODO: UMA SAÍDA PARACRER EM DEUS

EXODUS: ADEPARTURE POINT FOR BELIEVING IN GOD

Cézar Teixeira  José Ulisses Leva 

RESUMO: A leitura do Livro do Êxodo coloca-nos frente a frente com um chamado misericordioso de Deus e uma resposta incondicional da Humanidade. Deus amorosamente propõe Aliança e Fidelidade absolutas. O povo judeu amou e creu no Absoluto. O Livro do Êxodo, particularmente hoje, quer ser, também, uma saída para crer em Deus na sincera confiança e entrega ao Eterno. Palavras-chave: Deus. Êxodo. Crer. Saída. ABSTRACT: Reading through the Book of Exodus puts us face to face with a merciful call from God and an unconditional response of humanity. God lovingly offered to makea Covenant and promised everlasting faithfulness. The Jewish people loved and believed in the Absolute. The Book of Exodus, especially today, provides a departure point for believing in God with sincere trust and surrender to the Eternal. Keywords: God. Exodus. Belief. Departure Point.

INTRODUÇÃO O Artigo, “Êxodo: uma saída para crer em Deus”, quer ser um itinerário de compreensão de um Povo que buscou entender a vida além dos próprios olhos. Saiu em marcha à procura de uma terra na confiança além das próprias forças. É um belíssimo Livro da Sagrada Escritura que narra a epopeia de um povo errante e marca a vida dessa gente protegida pelo Altíssimo.

 Doutor em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Santo Tomás de Aquino, Roma (1998). É Professor no Instituto de Teologia de Aracaju-SE. Faz parte do grupo de pesquisa: Verdade, Ética e Educação em Direitos Humanos, pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS/CNPq.  Doutor em História Eclesiástica pela Pontifícia Universidade Gregoriana, Roma (2000). Concurso Interno – Seleção Carreira Docente – 02.05.2008. É Professor na PUCSP desde 09.02.2009, no Departamento de Teologia Sistemática. Faz parte do grupo de pesquisa: As Dimensões Proféticas da Religião do Antigo Israel (DIPRAI), pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

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Como posso contribuir para a leitura do Livro do Êxodo como uma via do conhecimento de Deus? Como entender a Revelação? Como explicar a oralidade de um povo? Como confiar na Sagrada Escritura? Como entender a Aliança firmada por Deus com um povo? Até onde a Palavra é Revelada e até onde é interpretação é humana? Aliança é um pacto de amor e fidelidade? A aliança é graça e liberalidade? A Palavra de Deus manifestou-se na História? O discurso de Deus inseriu-se na História? Êxodo significa escutar e entender o desígnio de Deus ou ficar a serviço dos ídolos ou déspotas. O povo judeu ouviu e aceitou Deus em suas vidas e marchou pelo deserto até encontrar a Terra da bonança e da prosperidade.

1 A SAÍDA DO EGITO O segundo livro do Pentateuco recebe o título de Êxodo ou ’ellehsemeôt, que em hebraico significa: estes são os nomes. Tais nomes apontam para os patriarcas que penetraram no Egito. Quanto à origem do título hebraico, trata-se de um modo primitivo de se classificarem os manuscritos com as palavras iniciais do livro. A palavra Êxodo, contudo, do ponto de vista literal, significa saindo (do Egito).1 A saída do Egito está repleta de circunstâncias que levaram o povo a optar por uma decisão de fuga. Opressão e crueldade, por parte de um Faraó, certamente tinham sido suficientes para provocar essa saída. Entretanto essa mesma saída coloca também em discussão o passado, o presente e o futuro da vida do povo em marcha.2 O passado, marcado pela promessa da descendência e da terra aos patriarcas, foi desde então guiado pelo cumprimento de Javé. As histórias sobre Abraão possuem uma estrutura, segundo a tradição rabínica, de provas e bênçãos na qual se reitera descendência e posse da terra (Gn 12,2-3.7; 13,14-17; 15).3 Descendência e terra eram os elementos comuns entre o desejo de Abraão para viver e a realização da promessa de Javé, que culmina na origem do povo de Deus e de uma nova humanidade. Nesse momento, todo aquele que acredita no Deus da promessa participa da sua bênção, que é vida e plenitude dos bens.4 O presente é marcado por numerosos descendentes de Israel abençoados pela fertilidade prometida aos patriarcas (Gn 12,1-3; 28,13-15). O povo cresceu a ponto de ameaçar o próprio Faraó do Egito, que temia o crescimento dos judeus em maior número. Certamente, a promessa serviu de grande incentivo para fazer emergir a concretização final da saída do Egito entre 1.234 e 1.230 a.C. O êxito da saída também foi favorecido pelo declínio dos egípcios, ameaçados pelos ataques externos.

1 Cf. CLIFORD, Richard J. Êxodo. In: BROWS, R. E. et al. Novo Comentário Bíblico São Jerônimo. Antigo Testamento. São Paulo: Paulus, 2007, p. 129. 2 Cf. Ibid., p. 129-130. 3 “A Escritura intenciona nos oferecer aqui, através da conquista simbólica de Abraão, um antegozo do que iria acontecer aos seus descendentes”. CLIFORD, R. J. Êxodo. In: BROWS, R. E. et al. Novo Comentário Bíblico São Jerônimo. Antigo Testamento. São Paulo: Paulus, 2007, p. 82. 4 Cf. BORTOLINI, J. Roteiros Homiléticos. 5. ed. São Paulo: Paulus, 2010, p. 61.

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O passado e o presente forjaram um futuro marcado pela criação de uma nova religião, o javismo, cujo sucesso foi atribuído ao Deus Javé. A saída vai ser compreendida, então, como uma grande experiência miraculosa, a libertação, e como uma ação originária de Javé, em favor do seu povo. Por todos os séculos seguintes, todo o Israel foi juntando sua própria interpretação desse evento, glorificando ao Deus que, desse modo, tinha demonstrado que Israel era o seu povo e que tinha quebrado o poder egípcio e provado que era mais poderoso que os outros deuses.5

O futuro do povo de Israel, portanto, vai sendo construído sob a égide da nova religião javista, tendo como ponto de partida a saída do Egito pela mão de Javé, o Deus libertador. O sucesso desse Deus fez da religião javista não apenas uma variante entre as religiões de clã, mas também um referencial poderoso nas relações do povo de Israel com o seu Deus Javé, o libertador, que aglutinou a força do “Deus dos vossos pais”, isto é, o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó. O mesmo sucesso também pode ser atribuído aos agentes receptores da revelação, os patriarcas, no passado, e sobretudo o grande líder do presente, Moisés, que alcançou apoio para a nova religião.6

2 MONTE SINAI Depois da saída do Egito, o grupo de Moisés dirigiu-se para o oásis de Cades, conforme Ex 15,22ss; Jz 11,16. Esse poderia ser um local de base para a futura penetração na Palestina, se não fossem os amalecitas que impediram sua instalação. Mas o pouco em que o grupo ali esteve foi suficiente para a adesão de sacerdotes levitas,7 os quais formaram uma espécie de articuladores, com Moisés, para enfrentarem os inimigos de Javé, devido aos seus conhecimentos para lidar com a relação entre a divindade e o povo, sobretudo na difusão do javismo.8 O grupo de Moisés partiu para outro lugar. O antigo testamento aponta para o Horeb, mais conhecido como a montanha de Javé, onde finalmente esse grupo será conhecido como os adoradores de Javé. O sucesso, que foi atribuído a Iahweh, constituiu-se na maior razão para que o javismo mosaico não permanecesse como mera variante das religiões de clã. Na libertação do Egito, que mais tarde sempre desempenhará um papel crucial em toda discussão sobre o relacionamento entre Iahweh e Israel, houve uma percepção daquele elemento irracional que permitiu ao javismo transformar-se de religião de um grupo de nômades numa religião mundial.9

FOHRER, Georg. História da Religião de Israel. São Paulo: Paulus, 2012, p. 89. Ibid., p. 89. 7 Ibid., p. 90, nota 23: [...] Os levitas eram associados com Moisés por apresentá-lo como descendente de levitas (Ex 2,1) e como ancestral dos sacerdotes levitas (Jz 18,30). [...] Meek pensa que Moisés era membro da tribo de Levi. 8 Ibid,. p. 90. 9 Ibid., p. 91-92. 5 6

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Sem sombra de dúvida, o êxodo e o javismo estiveram sempre ligados à figura de Moisés, daí sua grande importância nos eventos do monte Sinai e em toda história do povo Israelita. Mais do que profeta ou outra atribuição fora de eixo que o nome recebeu, é justo denominar Moisés como o “receptor da revelação, fundador de um culto e líder inspirado de um grupo seminômade”. Ele fundou o javismo cuja divindade era entendida como o deus da montanha.10

Deus manifesta-se em terríveis fenômenos e serve-se da Criação para falar e se comunicar com os homens e mulheres. A linguagem de Deus torna-se compreensiva nas atitudes e pequenos gestos que dispõem a natureza. O Monte, como lugar de Deus, e os fenômenos, como linguagem de Deus. “Moisés respondeu: ‘Não temais, pois Deus veio para vos provar, para que tenhais sempre presente o temor de Deus e não pequeis’”. (Ex 20,20). Sinai, portanto, significa o sinal e presença amorosa de Deus.

3 ESTABELECER A ALIANÇA “Com eles estabeleci a minha aliança, para dar-lhes a terra de Canaã, a terra em que viveram como migrantes e estrangeiros” (Ex 6,4). Deus convoca a Aliança. Ele faz o chamamento para a conquista da Vida, sem espoliações e sofrimentos. Somos estrangeiros nesse mundo, mas Deus quer que as pessoas vivam na felicidade e na paz. Deus convoca, estabelece a Aliança e proporciona a Terra. A Aliança no Sinai entre Javé e o seu povo deve ser compreendida na medida em que se aprofunda a particularidade do Deus Javé e o seu relacionamento com o homem. Os traços característicos dessa divindade diferenciam-na dos deuses do antigo Oriente voltados para o ciclo da natureza. O Deus Javé, por sua vez, é compreendido na relação e destino de todos os homens e nações. É na relação do homem com a natureza, consigo mesmo e com o transcendente que Deus aparece. Nesse acontecimento, Deus não se torna objeto, coisa ou ídolo, mas sujeito, ou seja, um “Deus de exigências éticas e decisão pessoal”.11 É dentro desse universo de relações que se pode compreender e aprofundar a noção de Aliança que, segundo a tradição, foi consumada na montanha de Deus. Fazer uma berît, uma Aliança, não é simplesmente fazer um tratado ou fechar um contrato, mas um estabelecer um relacionamento profundo. Os parâmetros desse relacionamento fundamentam-se em traços próprios desde os tempos do Israel clânico, familiar, que marcaram a estrutura de relacionamento entre Javé e o seu povo. A estrutura de um relacionamento pessoal, bem presente no movimento profético de Israel; a estrutura do domínio de Javé sobre o seu povo, os indivíduos e as nações; a estrutura da relação entre Javé e o homem, no tocante às decisões de ambos.12

FOHRER, Georg. História da Religião de Israel. São Paulo: Paulus, 2012, p. 92-93. Ibid., p. 99. 12 Ibid., p. 100-102. 10 11

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4 JAVÉ ESTABELECE A ALIANÇA COM ISRAEL

“Moisés pegou, então, o sangue, aspergiu com ele o povo e disse: ‘Este é o sangue da aliança que o Senhor fez convosco, referente a todas estas cláusulas’”. (Ex 24,8). Aliança é pertença dialogada. Tendo Moisés respondido ao chamado e convocado o povo à aspersão do sangue, a Aliança recebe validade de ambas as partes. Sendo o sangue a própria Vida, Moisés entendeu que Deus estava proporcionando o resgate da escravidão para a plena liberdade, não entendida como liberdade vigiada e sufocada, mas como plenitude e Amor Eterno. Javé manifestou no monte sagrado, sob terrificantes fenômenos da natureza (Ex 19,19; 20,18; 24,16s), as suas prescrições a Israel (19,19; 2018-21). Depois concluiu-se a aliança confirmada pela aspersão do sangue sacrifical e por uma refeição (Ex 24,1s.9-11). As determinações da aliança foram as “palavras” (Ex 24,3.7s) ou as “dez palavras” de Javé (20,1s; 23,28). [...] Em êxodo o “Livro da Aliança” (20,22-23,19) e uma coleção de doze leis rituais (Ex 34,1326; cf. as doze fórmulas de maldição em Dt 27,15-26) estão ligados com o decálogo. Provavelmente não pertenceram, originariamente, à aliança do Sinai. Ex 19,3-6 explica o sentido dessa aliança; Javé, tendo mostrado a Israel sua poderosa proteção pela libertação do Egito, quer adotar agora esse povo como propriedade particular, com a condição de que Lhe obedeça e observe a sua aliança. Doravante Javé seria o rei (Dt 33,5) das tribos de Israel que (Ex 17,15s) e eram continuamente guiadas e protegidas por ele (13,17s.21); 33,14-17; Num 10,35s.13

A crença de Israel no poder de Javé, por meio de uma aliança, levou-o à certeza de que esse mesmo Deus o havia constituído como seu povo. Nessa perspectiva, Israel sempre se considerou o povo escolhido e agraciado por Deus e seus inúmeros favores especiais. Essa crença era constitutiva da própria fé do povo de Israel que elegera o seu Deus-Rei, numa escolha livre e libertada. A Aliança era o fundamento dessa sociedade, que “exigia obediência para ser mantida, bem como a renovação contínua de uma livre escolha moral por parte de cada geração”. Uma exigência que colocava o domínio de Deus como aceitação livre para a exclusividade desse Deus e a obediência às suas leis, perante os outros deuses e os outros soberanos.14

5 LIBERDADE HUMANA NA ALIANÇA COM DEUS O povo respondeu com uma só voz tudo o que o Senhor dissera e Moisés logo transmitiu a resposta do povo ao Senhor. Quando ocorre a convocação por parte de Deus há sempre o respeito e a liberdade de resposta. Quando conscientemente o povo responde “sim”, Deus age copiosa e abundantemente (Ex 19,3-8). O ser humano é um ser social, logo alianças sempre existirão. Como ser de relação, para que isso aconteça será necessário, primeiramente, o devido esclarecimento IMSCHOOT, P. Van, verbete “Aliança” in: Dicionário Enciclopédico da Bíblia. A. Van Born (Red.). 2. ed. PetrópolisRJ: Vozes, 1977. col. 40. 14 BRIGHT, J. História de Israel. 4. ed. São Paulo: Paulinas, 1980, p. 190-199. 13

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e, em seguida, a aceitação. Aliança é justamente isto: “um relacionamento no qual o elo moral entre as partes envolvidas é definido e depois aceito”. Entretanto a aliança com Deus não supõe um parceiro igual, mas superior. No caso de Israel, o seu Deus é superior, espera obediência. O elemento constitutivo do elo entre ambas as partes é a palavra de Israel, os termos do relacionamento como elemento fundamental que garante sua existência como povo escolhido de Deus. “A vida da aliança é o desafio constante à fidelidade contínua”.15 A aliança do Sinai foi o ponto mais alto do relacionamento do povo com Deus. Foi uma relação profunda pela qual o povo passou a ser o povo de Deus. A existência de várias tradições reflete a tentativa de interpretar o verdadeiro relacionamento entre Israel e Deus. Para além do conservadorismo dessas tradições, Israel nunca se contentava em empregar uma tradição e depois descartá-la, mas preferiu sempre manter todas as tradições, a fim de que cada uma pudesse preservar um valor diferente.16 Em meio às características das tradições da aliança de Israel, há também certo esquema válido para a maioria delas. Primeiro, há o encontro com o Senhor que intimida seu povo. Segundo, há a expressão da vontade do Senhor para seu povo. Aqui, Moisés é o destinatário dos termos da existência da aliança. Terceiro, Moisés comunica ao povo a vontade do Senhor, como a recebeu. Esse esquema básico é também testemunho da posição única de Moisés como mediador da aliança.17

Fica claro, portanto, que a aliança do deserto entre Israel e Deus é própria de Deus, isto é, “é minha aliança” (Ex 19,5) e Israel é o povo seu, sua propriedade, povo santo e sacerdotal (Ex 19,6). Contudo, Israel não é forçado a aceitar os termos dessa aliança, desse relacionamento com Deus com o objetivo de controlar os comportamentos humanos. Não! Deus quer somente uma resposta livre, pois foi para isso que ele fez Israel o seu povo para viver na liberdade dos filhos e filhas de Deus.18

6 ISRAEL TORNA-SE O POVO DE JAVÉ E ESTE, SEU DEUS A Aliança nasce da iniciativa e da eleição de Javé e não dos méritos de Israel.19 Foi por amor que Deus convocou Israel para ser seu povo, escolhendo-o como referência a todos os povos da Terra. Uma eleição que partiu do Deus Altíssimo. Assim, Deus disse: “Eu vos tomarei como meu povo e serei o vosso Deus. Assim sabereis que eu sou o Senhor, vosso Deus, que vos liberta dos trabalhos impostos pelos egípcios” (Ex 6,7). Ao mesmo tempo Deus escolheu Israel e o livrou de todas as suas tribulações. Deus escolheu Israel e este o aceitou como Único e Verdadeiro Senhor. Quanto à eleição, não encontramos nenhum período na história de Israel em que ele não tenha acreditado que fosse o povo escolhido de Iahweh e que sua vocação não tivesse sido assinalada pelos CRAGHAN, John F. “Êxodo”. Comentário Bíblico I. São Paulo: Loyola, 1999, p. 107. Ibid., p. 107. 17 Ibid., p. 108. 18 Ibid., p. 108. 19 MCKENZIE, J. L. Dicionário Bíblico. Tradutor: Álvaro Cunha et al. 7. Ed. São Paulo: Paulus, 1984, p. 25. 15 16

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misericordiosos feitos deste deus para como com ele, na libertação do Êxodo. Nos períodos posteriores, esta crença é tão óbvia que não necessita ser enfatizada. Basta que nos lembremos de como os profetas e os escritos do Deuteronômio – para não se falar da literatura bíblica posterior, que é virtualmente unânime sobre o assunto – se referem continuamente ao Êxodo como exemplo inesquecível do poder e da graça de Iahweh, ao escolher um povo para si.20

7 MANDAMENTOS O Código com os Mandamentos orienta o povo de Israel para a felicidade e, também, para a fidelidade. Aliança pressupõe reciprocidade. É preciso manter a Aliança. Deus pronunciou todas estas palavras: ‘Eu sou o Senhor teu Deus, que te tirou do Egito, da casa da escravidão’. Não terás outros deuses além de mim. Não farás para ti imagem esculpida, nem figura do que existe em cima, nos céus, ou embaixo, na terra, ou do que existe na água, debaixo da terra. Não te prostrarás diante de ídolos, nem lhes prestarás culto, pois eu sou o senhor teu deus, um Deus ciumento. Castigo a culpa dos pais nos filhos até a terceira e quarta geração dos que me odeiam, mas uso de misericórdia por mil gerações para com os que me amam e guardam os meus mandamentos. Não pronunciarás o nome do Senhor teu Deus em vão, porque o Senhor não deixará sem castigo quem prenunciar seu nome em vão. Lembra-te de santificar o dia do sábado. Trabalharás durante seis dias e farás todos os trabalhos, mas no sétimo dia é sábado, descanso dedicado ao Senhor teu Deus. Não farás trabalho algum, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem teu escravo, nem tua escrava, nem teu gado, nem o estrangeiro que vive em tuas cidades. Porque o Senhor fez em seis dias o céu e a terra, o mar e tudo o que eles contêm; mas no sétimo dia descansou. Por isso o Senhor abençoou o dia do sábado e o santificou. Honra teu pai e tua mãe, para que vivas longos anos na terra que o Senhor teu Deus te dará. Não matarás. Não cometerás adultério. Não furtarás. Não darás falso testemunho contra teu próximo. Não cobiçarás a casa do teu o próximo, nem seu escravo, nem sua escrava, nem seu boi, nem seu jumento, nem coisa alguma que lhe pertença (Ex 20, 2-17).

Os mandamentos da Lei serviam para obter os favores de Deus e assegurar a sua graça. Observar a Lei era, sem dúvida, uma bênção divina; transgredi-la, porém, era uma maldição. As Leis comuns estavam a favor do próximo, definindo-se como amor ao próximo (Lv 19,18), como o espírito da Lei acima da letra da Lei. Não menos era a inclusão da ajuda aos fracos e oprimidos, não prevista na Lei, mas que exorta a atitude de amor. O homem, com o seu comportamento, procurava promover a soberania divina e obter para si a graça de Deus por meio de sua fidelidade à Lei. Tal esforço levava-o a

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BRIGHT, J. História de Israel. 4. ed. São Paulo: Paulinas, 1980, p. 190-191.

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traduzir a vontade divina em sua própria existência. É com a ajuda da Lei que o homem apoderava-se de Deus mediante suas obras de fé.21

8 MEMÓRIA DA ALIANÇA (KUTSCH) “Depois do Exílio, a Festa de Pentecoste tornou-se o dia da Memória do estabelecimento da Aliança”.22 Somada aos Mandamentos, a Memória faz lembrar o juramento de Israel ao Verdadeiro e Único Senhor. Quando se esquece da Memória, a Aliança, também, pode ser esquecida. É preciso permanentemente viver os Mandamentos, para que Deus continue a guiar o povo de Israel, afastando-o de toda cilada, à Terra Prometida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS O crente crê que éramos amados por Deus antes mesmo de virmos ao mundo. O crente acredita ver além dos olhos e enxergar além do horizonte. Quando deixamos a nossa casa, saímos para lutar e vencer. A saída do povo de Israel foi marcada pela expectativa numa vida nova e entrega absoluta em Deus, para que Ele garantisse a Vida e a Descendência. O discurso de Deus e a Aliança por Ele proposta revestiu-se de linguagem humana na cultura judaica, linguagem que foi sendo maturada e construída ao longo de um itinerário. A Revelação é dom de Deus e descoberta do Homem. É uma resposta dialogante entre o Eterno e o finito. O Monte Sinai é o lugar onde Deus fala e a terra é o lugar onde o Homem e a Mulher vivem e cultuam o único e verdadeiro Deus. A hermenêutica bíblica não substitui nem muda o texto, mas o deixa mostrar o projeto de Deus. A oralidade é entendida como respeito e confiança. A oralidade é a palavra falada solene que produz o ritual de pertencença. É um querer bem da parte de Iahweh e um bem responder da parte da humanidade. A Palavra de Deus manifestou-se na História e o seu discurso foi inserto e situado no contexto humano. Revestiu-se de uma linguagem e assumiu a cultura judaica. A Fé hebraica mostra-nos que Israel presta culto a Iahweh. Há um pacto (hesed) de amor e fidelidade entre Deus e o povo eleito.

FOHRER, Georg. Estruturas Teológicas Fundamentais do Antigo Testamento. São Paulo: Paulinas, 1982, p. 96-97. BAUER, J. B. Dicionário de Teologia Bíblica. Tradutor: Helmuth Alfredo Simon. Vol. I. 4. ed. São Paulo: Loyola, 1988, p. 35. 21 22

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CLIFORD, Richard J. Êxodo. In: BROWS, R. E. et al. Novo Comentário Bíblico São Jerônimo. Testamento. Paulo: Paulus, CLIFORD,Antigo Richard J. Êxodo. São In: BROWS, R. E. 2007. et al. Novo Comentário Bíblico São BAUER, J. B. Dicionário de Teologia Bíblica. Tradução: Jerônimo. Antigo Testamento. São Paulo: Paulus, 2007.Helmuth Alfredo Simon. Vol. I. 4. ed. São Paulo: Loyola, 1988. BAUER, J. B. Dicionário de Teologia Bíblica. Tradução: Helmuth Alfredo Simon. Vol. I. 4. ed. São Paulo: Loyola, 1988. BORN, Van Den. Dicionário Enciclopédico da Bíblia. Tradução: Frederico Stein. 5. ed. Petrópolis: 1992. BORN, VanVozes, Den. Dicionário Enciclopédico da Bíblia. Tradução: Frederico Stein. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1992. BORTOLINI, J. Roteiros Homiléticos. 5. ed. São Paulo: Paulus, 2010. BORTOLINI, J. Roteiros Homiléticos. 5. ed. São Paulo: Paulus, 2010. BRIGHT, J. História de Israel. 4. ed. São Paulo: Paulinas, 1980. BRIGHT, J. História de Israel. 4. ed. São Paulo: Paulinas, 1980. CRAGHAN, John F. “Êxodo”. Comentário Bíblico I. São Paulo: Loyola, 1999. CRAGHAN, John F. “Êxodo”. Comentário Bíblico I. São Paulo: Loyola, 1999. FOHRER, Georg. História da Religião de Israel. Trad. Josué Xavier. São Paulo: Paulus, 2012. FOHRER, Georg. História da Religião de Israel. Trad. Josué Xavier. São Paulo: Paulus, 2012. ______. Estruturas Teológicas Fundamentais do Antigo Testamento. São Paulo: Paulinas, 1982. ______. Estruturas Teológicas Fundamentais do Antigo Testamento. São Paulo: Paulinas, 1982. IMSCHOOT, P. Van, verbete “Aliança” in: Dicionário Enciclopédico da Bíblia. A. Van Born (Red.). 2. ed. P. Petrópolis-RJ: IMSCHOOT, Van, verbeteVozes. “Aliança” in: Dicionário Enciclopédico da Bíblia. A. Van Born (Red.). 2. ed. Petrópolis-RJ: Vozes. MCKENZIE, J. L. Dicionário Bíblico. Tradução: Álvaro Cunhaet al. 7. ed. São Paulo: Paulus, 1984.J. L. Dicionário Bíblico. Tradução: Álvaro Cunhaet al. 7. ed. São Paulo: MCKENZIE, Paulus, 1984.

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O ALEGRE ANÚNCIO DA PALAVRA: ESQUEMAS CATEQUÉTICOS EM LUCAS-ATOS

THE JOYFUL PROCLAMATION OF THE WORD: CATECHETICALSTRUCTURES IN LUKE-ACTS Valmor da Silva

RESUMO: O artigo expõe o crescimento da Palavra de Deus, através de textos selecionados da obra de Lucas, Evangelho e Atos dos Apóstolos. A ideia norteadora é a afirmação, segundo a qual, “Os que haviam sido dispersos anunciavam de lugar em lugar a Palavra de Deus” (At 8,4). A partir daí se expõe a catequese do eunuco etíope, realizada por Filipe, na Samaria (At 8,26-40). O segundo texto perfaz os passos da vocação de Paulo como discípulo missionário (At 9,1-22). No terceiro item é explicada a importância da oração, na vida de Jesus e de catequistas, conforme Lucas, Marcos e João. Em quarto lugar é apresentado o esquema missionário de Paulo em suas comunidades, com o exemplo de Tessalônica (At 17,1-9). Segue-se, como quinto item, a metodologia para uma leitura da Bíblia, através da narrativa dos Discípulos de Emaús (Lc 24,13-35). Em sexto lugar se apresenta Maria, a discípula missionária (Lc 1,26-38). No sétimo item aparece o crescimento da Palavra, conforme a sequência de anotações da obra Atos dos Apóstolos. O oitavo demonstra o esquema geográfico catequético no mesmo livro Atos dos Apóstolos. Palavras-chave: Bíblia e Catequese. Catequese. Discípulo Missionário. Lucas-Atos. Palavra de Deus.

ABSTRACT: This article examines the development of the proclamation of the Word of God through selected texts fromthe Gospel of Luke and the Acts of the Apostles. The guiding ideapresented in the first partbegins with an affirmation expressed inthe passage,"Those who had been scattered preached the Word of God wherever they went (Acts 8:4). It then goes on toexplore Philip’s catechesis of the Ethiopian eunuch in Samaria (Acts 8:26-40). The second parttraces the steps of Paul's vocation as a missionary disciple (Acts 9:1-22). The third part explains the importance of prayer in the life of Jesus as well as in the life of catechists, in accord with Luke, Mark and John. The fourth partconsiders the missionary methodused by Paul in their respective communities, highlighting the example of Thessalonica (Acts 17:1-9). The fifth part proposes a method for reading the Bible reading based on the narrative of the disciples of Emmaus (Lk 24:13-35). The sixthpartreflects upon Mary as a missionary disciple (Lk 1:26-38). The seventh part illustrates the development of the proclamation of the Word of God according to a series of references noted in the Acts of the Apostles. The eighth and final partdiscusses the geographical and catechetical structure of the Acts of the Apostles. Keywords: Bible and Catechesis. Catechesis. Missionary Disciple. Luke-Acts. Word of God.



Professor da PUC Goiás, pesquisador bolsista da FAPEG/CAPES.

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ARTIGOS INTRODUÇÃO

Este artigo nasceu como conferência no I Congresso Bíblico-Catequético do Regional Nordeste I, Ceará, realizado em Itapipoca, de 27 a 30 de agosto de 2015. O tema do Congresso foi: “A Palavra de Deus: fonte e inspiração do caminhar catequético”. E o lema: “Os que haviam sido dispersos anunciavam de lugar em lugar a Palavra de Deus” (At 8,4).1 A partir do lema do Congresso, são propostos aqui alguns esquemas bíblicocatequéticos, selecionados da obra de Lucas (Evangelho) e Atos dos Apóstolos. É reconhecido o fato que o terceiro Evangelho e Atos fazem parte de uma obra em dois volumes, atribuída ao Evangelista Lucas. “O evangelho apresenta o caminho de Jesus, Atos apresenta o caminho da Igreja e, juntos, formam o caminho da salvação”.2 O autor, Lucas, é identificado como discípulo de Paulo, também apóstolo e evangelista, historiador, médico, santo, nascido em Antioquia da Síria, de cultura grega.3 Pelo que escreve, Lucas demonstra ser uma pessoa estudada e crítica, conhecedor da história, testemunha viva dos fatos, dedicado às Escrituras e pessoa de fé. Escreve de maneira crítica, como quem faz o raio X, para revelar o que está por trás das fotografias.4 Entre os quatro evangelistas, Lucas destaca-se por alguns temas preferidos, como conversão, misericórdia, pobreza, salvação, cotidiano, oração, Espírito Santo, mulheres discípulas, Maria.5 A obra de Lucas reflete a situação das Igrejas na década de 80, passados já uns quarenta anos da morte de Jesus Cristo. Era uma época difícil para as Igrejas, que sofriam com muitos problemas, mas era também uma época de muita expansão, graças ao espírito missionário de muitas discípulas e discípulos que abraçavam a causa do Evangelho com entusiasmo.6 Lucas é exímio catequista, o que se pretende destacar neste artigo. Concentra sua obra no anúncio de Jesus Cristo, chamado querigma. A lição que pretendemos

A todas aquelas pessoas apaixonadas pela catequese, do Nordeste I, dedico este artigo. STORNIOLO, Ivo. Como ler o Evangelho de Lucas: os pobres constroem a nova história. São Paulo: Paulus, 1992, p. 7. 3 Para conhecer melhor “quem é Lucas”, veja: WENZEL, João Inácio. O caminho do seguimento no Evangelho de Lucas. São Leopoldo: CEBI, 1998, p. 9. 4 Para uma apresentação popular e didática da leitura que Lucas faz sobre “o sentido profundo da história”, consulte: LOPES, Eliseu Hugo. O caminho feito pela palavra: para ajudar na leitura dos Atos dos Apóstolos. São Paulo: Paulinas, 1984, p. 8-13. 5 Para conhecer os “eixos principais na obra da comunidade de Lucas”, pode-se consultar: VASCONCELLOS, Pedro Lima. A Boa Notícia Segundo a Comunidade de Lucas: “O espírito me ungiu para evangelizar os pobres”. São Leopoldo: CEBI, 1998, p. 30-8 (Série: A Palavra na Vida, n. 123/124). 6 Para uma análise panorâmica do Evangelho de Lucas, pode-se ler: RICHARD, Pablo. O evangelho de Lucas – estruturas e chaves para uma interpretação global do evangelho. Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana (RIBLA), Petrópolis, n. 44, 2003, p. 7-36. Para um comentário de todo o livro de Atos, pode-se consultar o livro do mesmo autor: RICHARD, Pablo. O movimento de Jesus depois da ressurreição: uma interpretação libertadora dos Atos dos Apóstolos. São Paulo: Paulinas, 1999. (Coleção: Estudos Bíblicos). Para uma contextualização literária e histórica de Atos, pode-se conferir: CORREIA JÚNIOR, João Luiz. Atos dos Apóstolos: texto e contexto. Estudos Bíblicos, Petrópolis, n. 70. 1 2

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aprender aqui, além de tudo, é sua metodologia catequética, para apresentar a mensagem de maneira clara e didática.

O terceiro Evangelho perfaz o caminho de Jesus, de Nazaré até Jerusalém. Atos dos Apóstolos mostra a expansão da Palavra de Deus, para formar discípulos/as missionários/as e construir a Igreja em expansão. Alguns passos dessa dupla caminhada são destacados aqui, de maneira esquemática e pedagógica. A constância na repetição de sete passos, em cada texto, seria coincidência ou intenção de Lucas? Certamente, não deve ser sem sentido a insistência num número tão significativo na Bíblia, como símbolo de completude e perfeição.

1 OS QUE HAVIAM SIDO DISPERSOSANUNCIAVAMDE LUGAR EM LUGAR A PALAVRA DE DEUS (AT 8,4) A citação evocada como lema do Congresso Bíblico-Catequético é extraída de um contexto muito particular do livro de Atos, porque brota de um ambiente cheio de conflitos. O contexto que precede a citação descreve um cenário difícil, porque apresenta a execução de Estêvão, seguida da perseguição de Paulo às comunidades cristãs, com a prisão de homens e mulheres (At 8,1-3). Já o contexto seguinte, em contraste, é de expansão missionária, com a atividade de Filipe na Samaria (At 8,5-8), com os apóstolos Pedro e João (v. 14), os quais, após esclarecer ao mago Simão que evangelização não é objeto de lucro, “voltando a Jerusalém, anunciavam a Boa-Nova em muitos povoados dos samaritanos” (v. 25).7 A ação missionária continua com a catequese de um africano, “um eunuco etíope, alto funcionário de Candace, rainha da Etiópia” (v. 27), por Filipe. O texto de At 8,26-40 que narra toda a catequese do negro africano, escravo eunuco, apresenta um roteiro de iniciação cristã, com os vários passos bem definidos, isto é, primeiro ir ao encontro das pessoas (v. 26-29); segundo, interessar-se e dialogar (v. 30-31); terceiro, fazer a catequese bíblica (v. 32-35); quarto, ministrar o batismo (v. 36-38):8 1. o apóstolo Filipe, movido pelo anjo do Senhor, caminha ao encontro do eunuco etíope e aproxima-se do carro dele (At 8,26-29); 2. Filipe pergunta ao eunuco, para início de conversa: “Tu compreendes o que estás lendo?” (At 8,30); 3. segue com a escuta da resposta, que é uma outra pergunta: “Como poderia, se ninguém me orienta?” (At 8,31); 4. depois se realiza a catequese bíblica, com o “sentar-se junto dele” para lerem a Escritura (At 8,31-33);

7 As citações bíblicas, neste artigo, são feitas normalmente da Bíblia Sagrada: Tradução da CNBB. 3.ed. Brasília: CNBB, 2006. 8 STORNIOLO, Ivo. Como ler os Atos dos Apóstolos: o caminho do evangelho. São Paulo: Paulus, 1993, p. 83-7. Nossa apresentação baseia-se no mesmo esquema do autor aqui citado, mas detalha mais o processo catequéticopedagógico do texto bíblico.

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5. Filipe interpreta a Bíblia e anuncia o querigma: “partindo dessa passagem da Escritura, anunciou-lhe Jesus” (At 8,35);

6. a ação catequética termina com o batismo do eunuco (At 8,38); 7. o eunuco prossegue sua viagem “cheio de alegria” (At 8,39), enquanto Filipe, “passando adiante, anunciava a Boa-Nova em todas as cidades até chegar a Cesareia” (At 8,40). Observa-se, assim, uma transformação da realidade que, no início da narrativa, era de perseguição e morte, e no final é de alegria e anúncio do Evangelho. A seguir, no capítulo 11 de Atos, há outra situação catequética marcante, com repetição da mesma frase: “Os que se haviam dispersado por causa da perseguição que se seguira à morte de Estêvão chegaram à Fenícia, à ilha de Chipre e à cidade de Antioquia, mas não anunciavam a Palavra a ninguém que não fosse judeu” (At 11,19). A situação conflitiva agrava-se, como consequência da perseguição, mas a Palavra expande-se por regiões cada vez mais distantes. Trata-se, nesse contexto, de levar o anúncio do Evangelho para além da cultura judaica. Essa expansão da Boa-Nova para o mundo dos gentios, isto é, das gentes ou de outros povos, confirma-se pelo episódio anterior, da visita de Pedro à casa de Cornélio e, principalmente, pelos episódios posteriores, quando “uma grande multidão aderiu ao Senhor” (11,24). O fato mais marcante, contudo, nessa sequência, é a ação missionária de Barnabé que vai a Tarso à procura de Saulo. Tem sequência, então, a ação catequética que transforma em apóstolo de Jesus o perseguidor. “Passaram um ano inteiro trabalhando juntos naquela Igreja, e instruíram uma numerosa multidão. Em Antioquia, os discípulos foram, pela primeira vez, chamados com o nome de ‘cristãos’” (v. 26).

2 SAULO: “ESTE HOMEM É UM INSTRUMENTO QUE ESCOLHI PARA LEVAR O MEU NOME ÀS NAÇÕES PAGÃS E AOS REIS, E TAMBÉM AOS ISRAELITAS” (AT 9,15) Atos dos Apóstolos relata, com mais atenção, o trabalho missionário do apóstolo Paulo, de quem Lucas é o companheiro fiel e o colaborador ardoroso. Tudo começa pela vocação, por intermédio de um encontro chocante com Jesus ressuscitado. A vocação de Paulo é tão importante, que Lucas a narra três vezes, sob a forma de relato de conversão (At 9,1-22; 22,5-16; 26,9-18). Com pequenas variações, o esquema do relato é o mesmo nas três narrativas. Detalhamos a seguir, os passos da vocação de Paulo, conforme a primeira narrativa, de At 9,1-22.9

Para uma leitura teológica e espiritual sobre “Paulo: de perseguidor a apóstolo”, pode-se consultar FRANÇA, Agda. A cruz de Paulo: um sentido para o sofrimento. São Paulo: Paulinas, 2010, p. 9-35 (Coleção Espiritualidade Bíblica). Para um estudo aprofundado sobre esse texto, consulte: FABRIS, Rinaldo. Os Atos dos Apóstolos. São Paulo: Loyola, 1991, p. 183-92. Esse comentário é útil para o estudo exegético de todo o livro de Atos dos Apóstolos.

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1. Saulo persegue os cristãos (At 9,1-2);

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2. Saulo cai, envolvido por uma luz e ouve o apelo de uma voz (At 9,3-4); 3. Jesus chama Saulo e dialoga com esse (At 9,4-6); 4. Saulo levanta-se, com a visão ofuscada e vai até Damasco (At 9,8-9); 5. Ananias recebe o chamado para catequizar Saulo (At 9,10-17); 6. Ananias impõe as mãos sobre Saulo, abre-lhe os olhos e o batiza (At 9,18-19); 7. Saulo permanece com os discípulos e anuncia o querigma: “logo começou a pregar nas sinagogas, afirmando que Jesus é o Filho de Deus” (At 9,20). A vocação de Paulo adquire significado mais impressionante, porque se trata de uma conversão fundamental. A radicalidade com que ele vivia o judaísmo continuou no cristianismo, porém com visão totalmente nova, com base em Jesus Cristo crucificado e ressuscitado. A sua conversão caracteriza-se por uma transformação de vida, quando, de perseguidor de cristãos, ele passa a ser divulgador do Evangelho, numa atitude de verdadeiro discípulo missionário.10

3 “JESUS FOI À MONTANHA PARA ORAR. AO AMANHECER, CHAMOU OS DISCÍPULOS” (LC 6,12-13) A oração é certamente o elemento principal na missão de catequista. Não há trabalho catequético e missionário, sem esse contato com Deus. Trata-se do conhecido adágio: “ninguém dá o que não tem”. Trata-se também de beber água da fonte. Não apenas Lucas prioriza esse aspecto, mas também os demais evangelistas o realçam, como aqui apresentamos. Lucas sublinha a prática da oração de Jesus, como um traço fundamental e caríssimo a esse evangelista. Nos momentos decisivos da sua missão, Jesus reza. Ele reza no momento do batismo, no Jordão (Lc 3,21-22). Reza antes de escolher os doze apóstolos: “Naqueles dias, Jesus foi à montanha para orar. Passou a noite toda em oração a Deus. Ao amanhecer, chamou os discípulos e escolheu doze entre eles, aos quais deu o nome de apóstolos” (Lc 6,12-13). Reza antes da transfiguração (Lc 9,28-29). Reza por Pedro, para que não fosse tentado por Satanás (Lc 22,31-32).11

10 Há muitos relatos de vocação na Bíblia, para demonstrar que Deus chama pessoas continuamente, ao longo da história. Alguns exemplos podem ser citados, como as vocações de Moisés (Ex 3,1-6), de Samuel (1 Sm 3,1-21), de Isaías (Is 6,1-10), de Jeremias (Jr 1,4-10) e de Maria (Lc 1,26-38), entre tantas. A vocação de Maria será apresentada logo adiante. Para os vários exemplos de vocação na Bíblia, consulte: CORREIA, João Alberto Souza. Figuras bíblicas da vocação. In Theologica, 2.ª Série, 40, 2, p. 265-292 (2005). Disponível em http://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/12785/1/correia.pdf . Acesso em 27.02.2016. 11 Sobre a importância da oração em Lucas, veja: PAGOLA, José Antônio. O caminho aberto por Jesus: Lucas. Petrópolis: Vozes, 2012, p. 195-201.

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Marcos (Mc 3,13-15) narra o chamado dos Doze, por Jesus. O texto começa mostrando que “chamou os que ele quis” (v. 13) para dizer que a vocação é vontade de Jesus, para exercer qualquer ministério, seja de apóstolo, seja de catequista. Jesus constitui, então, os discípulos, com três finalidades específicas.12 1. “Ficar com Ele” (Mc 3,14). A primeira finalidade da catequese é fazer companhia com Jesus, partilhar da sua vida e seu discipulado. O mais importante, antes de sair pregando, é colocar-se no caminho do seguimento a Jesus. Significa partilhar da intimidade de Jesus. 2. “Anunciar a Boa Nova” (Mc 3,14). O anúncio da Boa Nova é a dimensão missionária do discipulado. Brota como consequência espontânea do “ficar com Jesus”. Significa partilhar da missão de Jesus. 3. “Expulsar os demônios” (Mc 3,15). Quem assume a missão de discípulo missionário de Jesus expulsa os demônios, elimina os males do mundo, purifica o ambiente em que vive. Significa partilhar do poder de Jesus.

No Evangelho de João, temos outra narrativa, com a mesma Teologia da vocação (Jo 1,35-39). Jesus volta-se para os discípulos que o seguiam e pergunta: “Que procurais?” (v. 38). Trata-se da primeira palavra de Jesus, no quarto Evangelho. É a pergunta eterna do Mestre, que ecoa ainda aos nossos ouvidos. E a resposta é outra pergunta, que traduz o anseio de toda a humanidade: “Rabi, onde moras?” (v. 38). Jesus responde com o que todas as pessoas gostariam de ouvir: “Vinde e vede!” (v. 39). O Evangelista, que talvez esteja narrando a sua própria vocação, conclui: “Foram, viram onde morava e permaneceram com ele aquele dia” (v. 39). Para que fique claro, explica: “Era por volta das quatro horas da tarde” (v. 39). Ora, como para os judeus o dia começa com o entardecer, significa que passaram aquela noite e o dia seguinte com o Mestre. É possível imaginar os diálogos que animaram aquela primeira conversa com Jesus?

4 PAULO: “O CRISTO É JESUS, QUE EU VOS ANUNCIO” (AT 17,3) O apóstolo Paulo possui um método eficaz para catequizar, mas, sobretudo, uma convicção absoluta de ser o evangelizador de Jesus. Isso é demonstrado não só pelo êxito de sua missão, mas também pelos conflitos gerados por sua atuação. Lucas capta muito bem essa convicção de Paulo, e apresenta, nos Atos dos Apóstolos, o seu esquema de evangelização, que se repete, mais ou menos com os mesmos passos, em cada comunidade que ele funda. Podemos verificar esses passos na fundação da igreja de Tessalônica (At 17,1-9).13

12 Os demais Evangelhos sinóticos relatam o chamado dos discípulos, mas com finalidades teológicas diferentes. Mateus acentua o poder de expulsar espíritos impuros e curar doenças (Mt 10,1). Lucas sublinha o mesmo poder de expulsar demônios e curar doenças e acrescenta “para anunciar o Reino de Deus” (Lc 9,1-2). 13 Para um comentário a esse texto, ilustrativo da missão em Tessalônica, leia: COMBLIN, José. Atos dos Apóstolos: Vol. II:13-29. Petrópolis/São Bernardo do Campo/São Leopoldo: Vozes/Metodista/Sinodal, 1989, p. 69-72. (Comentário Bíblico, NT).

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1. Paulo viaja com outros missionários, hospeda-se nas casas, de cidade em cidade. Com Silas (Silvano), chega a Tessalônica (At 17,1 e capítulo anterior, At 16); 2. Paulo prega na sinagoga, dirige-se aos judeus, a cada sábado, proclamando o querigma: “O Cristo é Jesus, que vos anuncio” (At 17,2-3); 3. algumas pessoas aderem à pregação, judeus, gregos e mulheres (At 17,4); 4. os judeus reagem contra a pregação, o conflito agrava-se (At 17,5-8); 5. acusam os apóstolos de transtornar o mundo inteiro e de proclamar outro rei Jesus, no lugar do imperador César (At 17,6-7); 6. ante as perseguições, os apóstolos dirigem-se às casas dos gentios (At 17,5); 7. libertos, prosseguem a missão (At 17,9).

5 OS DISCÍPULOS DE EMAÚS: “ENTÃO OS DOIS CONTARAM O QUE TINHA ACONTECIDO NO CAMINHO, E COMO O TINHAM RECONHECIDO AO PARTIR O PÃO” (LC 24,35) A narrativa dos Discípulos de Emaús (Lc 24,13-35) faz parte dos relatos que Lucas situa após a ressurreição, para confirmar a presença de Jesus nas comunidades. Nessas aparições do ressuscitado, os discípulos não o reconhecem imediatamente, porque agora sua presença é gloriosa, para animar a caminhada de sua igreja. Para além da leitura teológica do texto evangélico, podemos identificar, na sequência da narrativa, um método para ler a Bíblia, com os vários passos catequéticos. Os passos metodológicos dessa passagem têm sido comparados com o texto da catequese do eunuco, em At 8,26-40, apresentado no primeiro item deste artigo. A leitura aqui exposta, de maneira esquemática, dos passos metodológicos para a leitura da Bíblia, por meio do texto dos discípulos de Emaús, possui um desenvolvimento amplo e bem aplicado à educação popular, num estudo assinado por Carlos Dreher, cujos sete passos retomamos: 14

1. há uma cultura do silêncio estampada na tristeza dos discípulos (Lc 24,13.14.16.17); 2. Jesus põe-se a caminho com os discípulos (Lc 24,15);

14 (Série: DREHER, Carlos Artur. A caminho de Emaús: leitura bíblica e educação popular. São Leopoldo: CEBI, 1993 .(Série: A Palavra na Vida, n. 71/72).

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3. Jesus pergunta sobre a vida e insiste na pergunta, para que os discípulos falem da realidade (Lc 24,17); 4. Jesus traz a Bíblia para interpretar a realidade que estão vivendo (Lc 24,27); 5. celebram juntos, “partem o pão” e “seus olhos se abriram e eles o reconheceram” (Lc 24,30-31); 6. “Ele, porém, desapareceu da vista deles”, para continuar presente na ação dos discípulos (Lc 24,31b); 7. “Levantaram-se e voltam a Jerusalém”, para contar o que tinha acontecido, e assim expressar o testemunho da vida nova da ressurreição (Lc 24,33).

6 MARIA, A DISCÍPULA MISSIONÁRIA FIEL: “FAÇA-SE EM MIM SEGUNDO A TUA PALAVRA” (LC 1,38) No âmbito da Teologia de Lucas, diversas vocações são relatadas, mas nenhuma possui tanto destaque quanto a vocação de Maria, com a resposta-modelo: “Eis aqui a serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38). Lucas destaca a presença e atuação de mulheres: Maria, Isabel, Ana, sogra de Pedro, viúva de Naim, a que unge com perfumes, as que seguem Jesus, Marta e Maria, a que declara feliz o seio, a encurvada, a pobre viúva, as que seguem ao Calvário, ungem, anunciam. Há pelo menos oito acontecimentos exclusivos de Lucas, protagonizados por mulheres. As mais belas orações, que repetimos ainda hoje, são do Evangelho de Lucas, como a prece da Ave Maria, o cântico de Maria, conhecido como Magnificat, a oração de Simeão, dita Nunc Dimittis.15 Nos Atos dos Apóstolos não é diferente, com as protagonistas Maria, Safira, a discípula Tabita, Lídia, a filósofa Dâmaris, a missionária trabalhadora Priscila, entre tantas outras.16 O especial destaque dado por Lucas a Maria deve-se à sua fidelidade à vocação e à missão de ser discípula missionária. Entre tantos valores e qualidades da Virgem Maria, esse aspecto foi retomado com ênfase na V Conferência do CELAM, em Aparecida.17

15 Para conferir, no Evangelho de Lucas, como “as mulheres tomam a frente”, pode-se consultar: CNBB. Hoje a salvação entra nesta casa: o Evangelho de Lucas. São Paulo: Paulinas, 1997, p. 48-49. 16 Para um “levantamento das passagens que mencionam mulheres”, em Atos, veja: RICHTER REIMER, Ivoni. Vida de mulheres na sociedade e na igreja: uma exegese feminista de Atos dos Apóstolos. São Paulo: Paulinas, 1995, p. 11-14. 17 Para conhecer “os fundamentos bíblicos e teológicos do ser discípulo missionário, ideal este concretizado por Maria...”, leia: IWASHITA, Pedro K. Maria, discípula missionária. Revista de Cultura Teológica, São Paulo, v. 18, n. 72.

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A anunciação do anjo a Maria segue o esquema de vocação de outros personagens bíblicos (Lc 1,26-38).18 1. O anjo saúda: “Alegra-te, cheia de graça” (Lc 1,28); 2. Maria reage perturbada (Lc 1,29); 3. O anjo anuncia o nascimento de Jesus (Lc 1,30-33); 4. Maria interroga o anjo: “Como?” (Lc 1,34); 5. O anjo responde: “O Espírito Santo te cobrirá” (Lc 1,35); 6. O anjo comunica a gravidez da prima Isabel (Lc 1,36); 7. Maria responde: “Eis aqui a serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38).

7 “A PALAVRA CRESCIA”, CONFORME O PLANO DOS ATOS DOS APÓSTOLOS Os Atos dos Apóstolos anotam o contínuo crescimento da Palavra, pelo aumento de pessoas que aderiam a ela. Há uma espécie de refrão para repetir que a palavra crescia e que o número de discípulos/as aumentava. Esse crescimento contínuo pode ser visto do início ao fim do livro, como segue.19 1. os doze apóstolos escolhidos (At 1,2.6.9) na ascensão de Jesus e promessa do Espírito Santo; 2. os doze nominados, com algumas mulheres, Maria e irmãos (1,13-14) reunidos no cenáculo; 3. cento e vinte pessoas, mais ou menos (1,15), no contexto da substituição de Judas; 4. três mil pessoas, mais ou menos (2,41), no Pentecostes; 5. o Senhor acrescentava a seu número mais pessoas (2,47) testemunho da vida em comum;

18 Para um estudo sobre esse texto, confira: REUMANN, J. Maria no Evangelho de Lucas e nos Atos dos Apóstolos. In: BROWN, R. E.; DONFRIED, K. P.; FITZMYER, J. A.; REUMANN, J. (Orgs.). Maria no Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 1985, p. 116-191 (Temas Bíblicos). Conforme o título, a obra apresenta Maria nos diversos escritos do Novo Testamento. 19 Sobre “a prioridade da palavra sobre a instituição”, em Atos, pode-se consultar: COMBLIN, José. Atos dos Apóstolos: Vol. I:1-12. Petrópolis/São Bernardo do Campo/São Leopoldo: Vozes/Metodista/Sinodal, 1988, p. 39-44 (Comentário Bíblico, NT). Para efeito catequético, apresentamos aqui um levantamento de todas as passagens, na sequência, para evidenciar melhor o fenômeno mencionado.

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6. chegaram a uns cinco mil (4,4) no contexto da prisão de Pedro e João; 7. crescia sempre mais o número de homens e mulheres (5,14) testemunho síntese; 8. o número dos discípulos tinha aumentado (6,1), por isso foi necessário instituir sete diáconos;

9. o número dos discípulos se multiplicava (6,7) no contexto dos sete diáconos; 10. a Igreja crescia em número (9,31); relato-síntese; 11. muitas pessoas acreditaram na Boa-Nova e converteram-se (11,21); fundação da Igreja de Antioquia; 12. uma grande multidão aderiu ao Senhor (11,24) em Antioquia; 13. a palavra do Senhor crescia e espalhava-se cada vez mais (12,24) após a morte de Herodes, primeira missão; 14. a palavra do Senhor espalhava-se por toda a região (13,48-49); primeira missão, de Paulo e Barnabé aos gentios; 15. as Igrejas fortaleciam-se na fé e, de dia para dia, cresciam em número (16,5) em Listra, chamado de Timóteo; 16. apalavra do Senhor crescia e se firmava com grande poder (19,20) em Éfeso após a queima dos livros dos exorcistas. A comparação entre a palavra de Deus e o atleta que corre veloz está em toda a Bíblia. A imagem é clara e inequívoca. A palavra de Deus é um mensageiro com forma atlética de corredor de velocidade. “Manda à terra a sua mensagem, sua palavra corre veloz” (Sl 147,15). No Novo Testamento, encontra-se a maravilhosa afirmação segundo a qual “a palavra de Deus não está acorrentada” (2Tm 2,9). A franqueza e liberdade em proclamar a palavra é outro tema que nos levaria longe demais. Paulo pede à comunidade de Tessalônica que ore, “para que a palavra do Senhor continue sua corrida” (2Ts 3,1).20 A corrida dos atletas nos estádios é bem conhecida no Novo Testamento, e o apóstolo Paulo, com frequência, compara a difusão da palavra à atividade desses competidores (1Cor 9,24; Gl 2,2; 5,7; Fl 2,16). 8 EXPANSÃO GEOGRÁFICA DO ANÚNCIO EM ATOS DOS APÓSTOLOS O livro de Atos é organizado segundo a expansão geográfica, numa espécie de mapa do crescimento do anúncio da Palavra, que vai de Jerusalém até Roma, a capital 20 Observe-se que a tradução “para que a palavra do Senhor se espalhe rapidamente” (Bíblia Sagrada CNBB) corresponde ao sentido, mas diminui a força da metáfora.

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do Império. Esse plano de expansão é, de fato, coerente com o primeiro volume de Lucas, cujo plano ia de Nazaré até Jerusalém.

Com a chegada da Palavra à capital, Lucas entende, certamente, que o Evangelho chegara ao centro político do Império, e daí atingiria todo o mundo. Esse plano está explícito em At 1,8, como uma espécie de primeiro plano de pastoral da Igreja:21 “Mas recebereis o poder do Espírito Santo que virá sobre vós, para serdes minhas testemunhas em Jerusalém, por toda a Judeia e Samaria, e até os confins da terra”. Um mapa mais detalhado consta em Pentecostes, em que Lucas elenca praticamente todo o mundo conhecido de então (At 2,9-11)22: Jerusalém, ano 30 (At 1-5) - ascensão, Pentecostes, os doze, primeira comunidade e primeiras perseguições; Samaria, ano 33 (At 6-10) - eleição dos sete, martírio de Estêvão, dispersão, Filipe em Samaria, vocação de Paulo, Pedro em Cesareia; Antioquia, ano 37 (At 11) - fundação da Igreja de Antioquia; Ásia Menor, ano 47 (At 13-15) - primeira missão, Paulo e Barnabé, Concílio de Jerusalém; Europa, anos 49-60 (At 16-28) - segunda missão de Paulo, Silvano e Timóteo; terceira missão, Paulo cativo em Cesareia. Roma, capital do Império Romano, anos 61-63 (At 28,30-31, últimos versículos).

CONSIDERAÇÕES FINAIS O Regional Nordeste I de Catequese respondeu ao desafio de aprofundar a compreensão da Palavra de Deus como fonte e inspiração do caminhar catequético. Já é uma convicção, na caminhada catequética do Brasil, aquilo que o Diretório Nacional de Catequese tão bem exprime, que “a fonte na qual a catequese busca a sua mensagem é a Palavra de Deus” (DCN, n. 106).23 Não poucos grupos fazem da Bíblia o seu Manual de Catequese, utilizando-a como fonte, catecismo e metodologia para a iniciação e cultivo da fé. Neste artigo quisemos apresentar algumas possibilidades, no sentido de explicitar esquemas bíblico-catequéticos. Naturalmente, trata-se de uma proposta

21 Ouvi essa expressão diversas vezes, vinda de Dom Antônio Ribeiro de Oliveira, arcebispo emérito de Goiânia, citando um seu antigo Professor de Teologia. 22 Entre várias obras que mencionam “crescimento numérico e expansão geográfica” e “o avanço irresistível e transformador da Palavra de Deus” em Atos, pode-se conferir: MOSCONI, Luís. Atos dos Apóstolos: como ser igreja no início do terceiro milênio? São Paulo: Paulinas, 2001, p. 59-60; 76-80. 23 Para ampliar e aprofundar essa compreensão, pode-se conferir: CNBB. A Palavra de Deus, fonte da Catequese. Brasília: CNBB, 2014 (Coleção Catequese à luz do Diretório Nacional de Catequese, n. 6).

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sintética, didático-pedagógica. Essas sínteses devem ser preenchidas e expandidas com a leitura do próprio texto bíblico, além da aplicação à própria atividade catequética. A proposta concentrou-se sobre a obra específica de Lucas, Terceiro Evangelho e Atos dos Apóstolos. Essa proposta pode-se desdobrar e estender-se a outros livros bíblicos. Possa a Palavra de Deus crescer e espalhar-se cada vez mais, conforme At 12,24!

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Bíblia Sagrada: Tradução da CNBB. 3.ed. Brasília: CNBB, 2006. CNBB. A Palavra de Deus, fonte da Catequese. Brasília: CNBB, 2014. (Coleção Catequese à luz do Diretório Nacional de Catequese, n. 6). CNBB. Hoje a salvação entra nesta casa: o Evangelho de Lucas. São Paulo: Paulinas, 1997. COMBLIN, José. Atos dos Apóstolos: Vol. I:1-12. Petrópolis/São Bernardo do Campo/São Leopoldo: Vozes/Metodista/Sinodal, 1988. (Comentário Bíblico, NT). ______________. Vol. II:13-29. Petrópolis/São Bernardo do Campo/São Leopoldo: Vozes/Metodista/Sinodal, 1989. (Comentário Bíblico, NT). CORREIA, João Alberto Souza. Figuras bíblicas da vocação. Theologica, Lisboa, 2. série, 40, 2, p. 265-292 (2005). Disponível em: http://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/12785/1/correia.pdf. Acesso em 27.02.2016. CORREIA JÚNIOR, João Luiz. Atos dos Apóstolos: texto e contexto. Estudos Bíblicos, Petrópolis, n. 70, 2001. DREHER, Carlos Artur. A caminho de Emaús: leitura bíblica e educação popular. São Leopoldo: CEBI, 1993. (Série: A Palavra na Vida, n. 71/72). FABRIS, Rinaldo. Os Atos dos Apóstolos. São Paulo: Loyola, 1991. FRANÇA, Agda. A cruz de Paulo: um sentido para o sofrimento. São Paulo: Paulinas, 2010. (Coleção Espiritualidade Bíblica). IWASHITA, Pedro K. Maria, discípula missionária. Revista de Cultura Teológica, São Paulo, v. 18, n. 72. LOPES, Eliseu Hugo. O caminho feito pela palavra: para ajudar na leitura dos Atos dos Apóstolos. São Paulo: Paulinas, 1984. MOSCONI, Luís. Atos dos Apóstolos: como ser igreja no início do terceiro milênio? São Paulo: Paulinas, 2001. São Paulo, ano 39, n. 147, pp. 65-77 jan./jun. 2016

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PAGOLA, José Antônio. O caminho aberto por Jesus: Lucas. Petrópolis: Vozes, 2012.

REUMANN, J. Maria no Evangelho de Lucas e nos Atos dos Apóstolos. In: BROWN, R. E.; DONFRIED, K. P.; FITZMYER, J. A.; REUMANN, J. (Orgs.). Maria no Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 1985. (Temas Bíblicos). RICHARD, Pablo. O evangelho de Lucas – estruturas e chaves para uma interpretação global do evangelho. Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana (RIBLA), Petrópolis, n. 44, 2003. _______________. O movimento de Jesus depois da ressurreição: uma interpretação libertadora dos Atos dos Apóstolos. São Paulo: Paulinas, 1999. (Coleção: Estudos Bíblicos). RICHTER REIMER, Ivoni. Vida de mulheres na sociedade e na igreja: uma exegese feminista de Atos dos Apóstolos. São Paulo: Paulinas, 1995. STORNIOLO, Ivo. Como ler o Evangelho de Lucas: os pobres constroem a nova história. São Paulo: Paulus, 1992. ________________. Como ler os Atos dos Apóstolos: o caminho do evangelho. São Paulo: Paulus, 1993. VASCONCELLOS, Pedro Lima. A Boa Notícia segundo a comunidade de Lucas: “O espírito me ungiu para evangelizar os pobres”. São Leopoldo: CEBI, 1998 (Série: A Palavra na Vida, n. 123/124). WENZEL, João Inácio. O caminho do seguimento no Evangelho de Lucas. São Leopoldo: CEBI, 1998.

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ARTIGOS

A OBRA DE LUCAS: EVANGELHO DO ESPÍRITO AOS JOVENS

THE WORK OF LUKE: THE GOSPEL OF THE SPIRIT ADDRESSED TO YOUTH

José Rodolfo Galvão dos Santos

RESUMO: O artigo reflete sobre a importância e a presença dos jovens na obra de Lucas (Evangelho e Atos dos Apóstolos). Procura encontrar o espaço juvenil e a sua relação com o Espírito Santo, protagonista condutor da missão de Jesus e da comunidade. Os jovens, reconhecidos como vitrine e coração da sociedade, são responsáveis por continuar a renovar a tradição de seu povo, por perpetuar sua cultura e identidade. Especial importância têm a educação (Paideia) e a literatura. O estudo parte do contexto lucano, perpassa as compreensões de jovem no mundo grego, romano e judeu, o valor da educação e da literatura, e, por fim, faz uma análise do jovem no texto de Lucas. Palavras-chave: Lucas. Espírito Santo. Jovem. Educação (Paideia). Literatura. ABSTRACT: This article reflects on the importance and the presence of young people in the work of Luke (the Gospel and Acts of the Apostles). It seeks to situate the space occupied by young people and their relationship with the Holy Spirit, the primary protagonist of the mission of Jesus and the community. Youth, recognized as the showcase and heart of society, are responsible for the ongoing renewal of the tradition of their people, in order to preserve their culture and identity. Education (Paideia) and literature are given special importance. The study sets forth the Lucan context, permeated as it is with young people’s understandings of the world of the Greeks, Romans and Jews, along with the value placed on education and literature. Finally, the article provides an analysis of the young man in Luke's gospel. Keywords: Luke. Holy Spirit. Youth. Education (Paideia). Literature.

INTRODUÇÃO O texto lucano é uma obra muito interessante por caracterizar-se como movimento de abertura ao mundo helênico e gentio. Sua escrita data do final do primeiro século; provém de alguma grande cidade do Mediterrâneo, provavelmente Antioquia da Religioso salesiano de Dom Bosco. Licenciado em Filosofia e graduando em Teologia no Centro Universitário Salesiano de São Paulo/Pio XI. Contato: [email protected]



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Síria, e é direcionada a uma comunidade nascente buscando sua identidade. Lucas compõe uma obra culturalmente muito rica, pois relaciona o mundo helênico e o judaico, insertos no contexto de dominação romana.

Um aspecto que chama a atenção é a forma específica com que Lucas trata Paulo na narração do martírio de Estêvão: chama-o de “jovem Saulo” (At 7,58). A partir disso, nasceu o questionamento sobre a possibilidade de a juventude ser um tema específico lucano, assim como o Espírito Santo, Maria, a misericórdia, as mulheres, os pobres, a missão. Se a obra lucana contém muitos temas, por que não seria também o Evangelho dos jovens? Ou, até mesmo, seria melhor um Evangelho aos jovens? Uma característica que marca o texto lucano em relação ao Novo Testamento é o protagonismo do Espírito Santo. Lucas pode ser considerado o Evangelho do Espírito, pois todo seu texto é perpassado pela ação do Espírito Santo que conduz a missão de Cristo e da comunidade cristã. Haveria, portanto, alguma relação entre o protagonismo do Espírito e o mundo juvenil? Seria possível tal afirmação? Poderíamos ressaltar a ação do Santo Espírito especificamente nos jovens? Notadamente os jovens, que expressam novidade e abertura na sociedade? A juventude era um tema muito caro ao mundo grego, e constantemente presente na literatura, fosse ela grega, judaica, fosse romana. Leonardo Boff destaca a jovialidade de nosso Deus em Jesus: “Olhemos bem fundo nos olhos do Menino: nele sorri a humanidade, a jovialidade e a eterna juventude de nosso Deus”1. O Evangelho segundo Lucas é o único que narra algo da adolescência de Jesus. Seria isso por acaso? Procuraremos responder a essas questões ao longo do artigo. Num primeiro momento, caracterizaremos o contexto da obra lucana. Faremos uma reflexão sobre o jovem grego, romano e judeu: a educação e a literatura. E, por fim, refletiremos sobre a presença específica juvenil e seu papel no corpus lucano.

1 CONTEXTO DA OBRA LUCANA O Evangelho segundo Lucas e os Atos dos Apóstolos formam uma única obra, escrita entre 80 e 100, possivelmente 85 d.C.,2 dividida pela organização do cânon bíblico. Seu escritor, historiador, organizou diversas fontes pelas quais redigiu seu texto, procurou testemunhas oculares e ministros da Palavra (Lc 1,1-4).

BOFF, Leonardo. Natal: a humanidade e a jovialidade de nosso Deus. Petrópolis: Vozes, 1976, p. 65-66. Está distante da destruição do Templo de Jerusalém (70 d.C.). É citado por Marcião (cerca de 140 d.C.), e os Atos, por Justino (150 d.C.). Procura fontes para sua obra, mas não há nenhuma referência ao Evangelho de Mateus; talvez tenham sido escritos mais ou menos no mesmo período. Robert J. Karris, no Novo Comentário Bíblico de São Jerônimo, afirma: “Lucas-Atos não demonstra ter conhecimento da terrível perseguição aos cristãos no final do governo de Domiciano (81-96 d.C.). Lucas-Atos não reflete a forte controvérsia que existia entre a igreja e a sinagoga depois da reconstrução do judaísmo pelos fariseus em Jâmnia (85-90 d.C.)”. (KARRIS, Robert J. O Evangelho Segundo Lucas. In: Novo Comentário Bíblico de São Jerônimo: Novo Testamento e artigos sistemáticos/ São Jerônimo; Trad. Celso Eronides Fernandes. São Paulo: Ed. Academia Cristã Ltda./Paulus, 2011, p. 218). Provavelmente, portanto, o texto tenha sido escrito entre 80-85 d.C. 1 2

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Provavelmente Lucas fosse pagão, de Antioquia na Síria,3 talvez um temente a Deus, isto é, simpatizante do judaísmo e das orações nas sinagogas.4 A tradição da Igreja identifica-o com o médico Lucas (Cl 4,14), que prestou assistência a Paulo na prisão em Roma (2Tm 4,11). Num certo momento do texto dos Atos dos Apóstolos (At 16,10ss), há a passagem da narração de terceira pessoa do singular para primeira pessoa do plural, evidenciando a possível participação de Lucas em alguma viagem de Paulo, de quem derivou seu Evangelho5.

A introdução da Bíblia de Jerusalém afirma que, “segundo seus escritos, o autor deve ser cristão da geração apostólica, judeu bem helenizado, ou melhor, grego de boa educação, conhecendo a fundo as realidades judaicas e a Bíblia grega”6. Ainda destaca a complexidade de seus escritos, diferente dos aramaizantes Marcos e Mateus. Lucas escreve com “excelente qualidade quando depende apenas de si mesmo, aceita ser menos bom com respeito para com as fontes [...]; por fim, imita voluntariamente e de forma maravilhosa o estilo bíblico da Setenta”.7 O destinatário de sua obra é Teófilo, provavelmente um alto funcionário romano (At 23,26; 24,2; 26,25), ou simplesmente é escrita ao amigo de Deus, como denota a etimologia da palavra. Karris aponta que Lucas escreveu para um “público formado principalmente por gentios, com membros prósperos que estão repensando dolorosamente suas iniciativas missionárias em um ambiente hostil”8. Escreve a comunidades que se organizam cada vez mais desligadas da tradição judaica e buscam com firmeza a identidade cristã. O texto pode ter sido escrito em Antioquia ou em Roma. As cenas e a preocupação da obra denotam ao menos que foi escrito em alguma grande cidade do mundo mediterrâneo. A obra lucana percorre um caminho geográfico-teológico. Lucas dá grande destaque à subida de Jesus para Jerusalém (Lc 9,51-19,44), de onde deve partir a evangelização do mundo. Há um caminho da Galileia para Jerusalém e daí para Roma. Teologicamente Jerusalém é o centro, o lugar em que se realiza a salvação, anuncia-se e parte em missão; é o ponto de chegada e de partida. Há, assim, uma teologia do caminho na composição lucana. Em Atos, vemos bem traçado o seu percurso: “Sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e a Samaria, e até os confins da terra” (At 1,8). Interessanos a estruturação do texto para uma visão de conjunto da obra lucana. Pablo Richard propõe-nos:9 Prólogo histórico (Lc 1,1-4) a toda obra Lc-At

Cf. A Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2012, p. 1896. E cf. KARRIS, Robert J. O Evangelho Segundo Lucas, p. 217. 4 Cf. THEISSEN, Gerd. O Novo Testamento. São Paulo: Vozes, 2007, p. 86. 5 Cf. KARRIS, Robert J. O Evangelho Segundo Lucas, p. 217. 6 A Bíblia de Jerusalém, p. 1896. 7 Ibid., p. 1700-1701. 8 KARRIS, Robert J. O Evangelho Segundo Lucas, p. 219. 9 RICHARD, Pablo. O Evangelho de Lucas – estrutura e chaves para uma interpretação global do Evangelho. São Paulo: Vozes, 2003. RIBLA 44, p. 8. 3

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Prólogo teológico (Lc 1,5-4,13) a toda obra Lc-At a) Ministério de Jesus na Galileia (Lc 4,14-9,50) b) Subida de Jesus da Galileia a Jerusalém (Lc 9,51-19,44) c) Ministério de Jesus no Templo de Jerusalém (Lc 19,45-21,38) Centro: 1. 2. 3. 4.

Paixão e morte de Jesus (Lc 22-23) Ressurreição de Jesus (Lc 24,1-49) Testamento de Jesus (Lc 24,44-49 + At 1,6-8) Exaltação de Jesus: ascensão (At 1,9-11)

d) O movimento de Jesus em Jerusalém (At 1,12-5,42) e) O movimento de Jesus de Jerusalém a Antioquia (At 6,1-15,35) f)) O movimento de Jesus de Antioquia a Roma (At 15,36-28,31) Vale ressaltar o centro do relato da viagem de Jesus (Lc 9,51-19,44), parte importantíssima do texto, se levarmos em consideração toda a teologia do caminho da obra lucana, na qual encontramos as três parábolas sobre aquilo que foi perdido, culminando com a parábola do Filho Pródigo (Lc 15,11-32). A narrativa “contém o ponto central de sua teologia: o carinho de Deus para com todas as pessoas que se convertem”,10 e não poderíamos deixar de destacar que no centro da teologia lucana encontra-se um jovem, o mais moço dos filhos, e um Pai misericordioso e acolhedor. A partir de Jesus, especialmente nos Atos dos Apóstolos, Lucas “manifesta narrativamente [...] que o tempo é determinado por uma penetração da eternidade. Esta penetração ocorreu por meio do Espírito”,11 que conduziu o Cristo e agora conduz sua Igreja. É, nesse sentido, o Evangelho do Espírito. Na prática, Lucas escreve para comunidades que enfrentavam algumas questões prementes na relação entre judaizantes, judeus helenistas e pagãos. Basta analisarmos o descuido com as viúvas dos helenistas (At 6,1-7), a submissão dos Sete diáconos aos Doze apóstolos (At 8,14-19), a eloquência do discurso de Estêvão e a sua interpretação da história de Israel (At 7,1-54). Há, por isso mesmo, essa forte presença do Espírito que se abre para o novo, e também uma preocupação com o destaque da conversão e do evangelho anunciado até os confins da terra. Assim, é visível a influência grega em seu texto. “Desde o Jesus da história até a redação do evangelho de Lucas há um lapso de mais de 55 anos e um salto

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THEISSEN, Gerd. O Novo Testamento, p. 90. Ibid., p. 90. THEISSEN , Gerd. O Novo Testamento, p. 90.

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cultural da cultura galilaico-judaica para a cultura helenista, da cultura do campo para a da cidade”.12

A partir desses aspectos característicos da obra lucana, podemos perceber sua forte influência helênica e questionar: se sua preocupação é com a abertura aos pagãos e a identidade cristã, do ponto de vista helenístico, teria sentido o destaque da presença dos jovens no seu texto? É ocasional ou traz algum significado mais profundo a parábola do Filho Pródigo no centro do caminho de Jesus para Jerusalém? Para entendermos, é necessário respondermos em primeiro lugar: como possivelmente se caracterizaria o jovem no período do contexto lucano? Como Lucas enxergaria essa presença?

2 OS JOVENS GREGOS, ROMANOS E JUDEUS: EDUCAÇÃO E LITERATURA Werner Jaeger, no seu texto Lugar dos Gregos na história da educação,13 torna bastante significativa, ainda que de forma latente, a ideia de um domínio territorial do Império Romano e um domínio cultural do mundo grego sobre Roma14. No contexto da obra de Lucas, as sociedades grega, romana e judaica estão profundamente relacionadas.15 Roma dominava territorialmente toda a região da Palestina e era culturalmente dominada pelos gregos, haja vista os textos do Novo Testamento, ao menos os que chegaram até nós, terem sido escritos em grego e não em aramaico, hebraico, ou latim. Tais relações transformavam significativamente os valores de cada uma dessas sociedades. A possível origem de Lucas em Antioquia da Síria, sua formação helênica, o conhecimento do texto da Septuaginta, sua preocupação com os pagãos, gentios e helenistas e a destinação de sua obra à formação de uma identidade cristã apontam-nos esse caldo cultural com grande destaque à cultura helênica. Jaeger recorda-nos que “todo povo que atinge um certo grau de desenvolvimento sente-se naturalmente inclinado à prática da educação”,16 sente necessidade de passar adiante os seus valores culturais e suas tradições. Desse modo, “antes de tudo, a educação não é uma propriedade individual, mas pertence por essência à comunidade”.17 É a própria comunidade a procurar uma forma de continuidade, de perpetuar seu modo de existir. A cultura grega desenvolveu fortemente um modelo de transmissão chamado Paideia, cujo centro era a educação da juventude. Mais do que simplesmente educação RICHARD, Pablo. O Evangelho de Lucas, p. 9. WERNER, Jaeger. Paideia: a formação do Homem Grego. São Paulo: Martins Fontes, 2001. É uma ideia implícita no texto de Jaeger, presente na sua reflexão sobre a cultura. Jaeger demonstra que a influência maior na formação da nossa sociedade, por ser cultura de modo consciente, foi a helênica. Recorda que também os romanos foram dominados culturalmente pelos gregos. 15 O Império Macedônico expandiu-se e desenvolveu-se com Alexandre, o Grande. Ele conquistou Jerusalém por volta de 332 a.C. Em 164 a.C., iniciou-se um período de independência, obtido pelos Macabeus. Depois de mais ou menos 100 anos, houve o domínio e a expansão do Império Romano nessa região. 16 WERNER, Jaeger. Paideia, p. 3. 17 Ibid., p. 4. W ERNER, Jaeger. Paideia, p. 4. 12 13 14

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dos jovens, ou transmissão de valores e tradições, designa cultura de modo consciente, é a busca da “formação de um elevado tipo de Homem”.18 “A Paideia diz respeito tanto à educação do corpo como à do espírito”,19 é “a distinção que permite o acesso dos jovens a um saber partilhado, sem o qual a cidade não poderia existir”20. Por isso mesmo é, como nos diz Schnapp, “a coluna vertebral da vida em sociedade [...]”.21

A Pólis, a cidade, era de extrema importância para o mundo grego; entendida como expressão da comunidade, onde o ζῶονπολιτικόυ, o animal político, exercia sua cidadania. Assim, “Quer se trate do treinamento, de regime militar ou de aptidão para a vida coletiva, a cidade cuida do mundo juvenil como se cuidasse de seu próprio coração”.22 A sociedade grega desenvolveu processos iniciáticos em que se criavam microssociedades juvenis23 para o treinamento na caça, na corrida, nos simulacros de combate24 e nos serviços militares; exercia-se também o estudo das artes musicais e literatura. Essas microssociedades tinham o intuito de educar e formar o homem grego, na cultura e modelo de convivência social de seu povo. Jaeger recorda-nos que “Em nenhuma parte o influxo da comunidade nos seus membros tem maior força que no esforço constante de educar, em conformidade com o seu próprio sentir, cada nova geração”25. A sociedade grega tinha consciência da importância de seus jovens e de sua educação, não transferiu tal responsabilidade, mas tornou-a o centro de sua realidade social. Outros aspectos importantes a serem destacados são as iconografias juvenis, presentes nas cerâmicas e nas tragédias e comédias gregas. Os próprios deuses eram retratados de forma juvenil, ou tinham fortes relações com o mundo da juventude. A história do centauro Quíron, que está entre natureza e cultura, é simbolicamente uma versão mitológica da própria iniciação juvenil26. No desenvolvimento da filosofia, inclusive, há uma preocupação com o mundo da juventude. “Sabemos todos que Sócrates, filósofo, enterrado numa das cavernas perto da Acrópole, foi condenado a beber cicuta. Um dos motivos para tal condenação era que corrompia a juventude”.27 Platão, na República, preocupou-se com a reforma da antiga Paideia e com a educação no Estado justo. Aristóteles escreveu sobre a juventude no Livro da Arte Retórica. Com a expansão da civilização romana, as cidades gregas foram conquistadas, porém sua cultura dominou o Império Romano. A Grécia clássica tornou-se modelo Werner, Jaeger. Paldeia, p. 7. Ibid., p. 7. SCHNAPP, Alain. A imagem dos jovens na cidade grega. In: LEVI, Giovanni; SCHMITT, Jean-Claude. História dos jovens. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 49. 20 Ibid., p. 19. 21 Ibid., p. 19. 22 Ibid., p. 31. 23 Em cada pólis grega, essas microssociedades tinham uma definição e atividades próprias. Os agelaie os couroiem Creta; os efebos em Atenas. 24 Cf. DICK, Hilário. Gritos silenciados, mas evidentes: jovens construindo juventude na História. São Paulo: Loyola, 2003, p. 19. 25 WERNER, Jaeger. Paideia, p. 4. 26 Cf. SCHNAPP, Alain. A imagem dos jovens na cidade grega, p. 38. 27 DICK, Hilário. Gritos silenciados, mas evidentes, p. 58. 18 19

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formal e protótipo de arte, ética e educação, pois sua própria compreensão de mundo “[...] considera o espírito uma região de verdade e de beleza eternas, acima do destino e das vicissitudes dos povos”.28 Os escritores romanos Varrão (116–27 a.C.) e Cícero (106–43 a.C.) transportaram a filosofia grega para o mundo romano. Desenvolveram o termo Humanitas com um sentido mais nobre e rigoroso: “Significou a educação do Homem de acordo com a verdadeira forma humana, com o seu autêntico ser. Tal é a genuína Paideia grega, considerada modelo por um homem de Estado romano”.29

Augusto, fundador do Império Romano, que reinou entre 27 a.C. e 14 d.C., e fora citado por Lucas (Lc 2,1) na narrativa do nascimento de Jesus Cristo, “concebeu a missão do Império Romano em função da ideia de cultura grega”.30 Todavia Roma ainda tinha suas peculiaridades. Apesar de tentar formular uma Paideia romana, não admitia conceber a juventude como o centro de sua sociedade. Segundo Varrão, a infância (puer) compreendia o período até os quinze anos, a adolescência (adulescentia) dos quinze aos trinta e a juventude (iuventa) dos trinta aos quarenta e cinco.31 “Na tentativa de esclarecer o excessivo prolongamento em Roma, tanto da adolescência quanto da juventude, recorremos à instituição tipicamente romana do patriapotestas, o pátrio poder”.32 O pai tinha plenos poderes sobre os filhos, direito de vida e de morte, de prolongar o período da adolescência e juventude, até que, após sua morte, o próprio filho se tornasse um pai de família.33 Podemos afirmar, portanto, que “O pai era dono e artífice de seus filhos, desde o seu nascimento”.34 Somente no início da juventude com o ato formal do recebimento da toga viril, vestimenta própria do cidadão romano, o jovem parcialmente tinha direito sobre si. Em geral ocorria entre os quinze e dezesseis anos. A cerimônia acontecia na casa da família e com a entrada no Capitólio. “[...] essa cerimônia de mudança de hábito introduzia de pleno direito o jovem romano enquanto cidadão livre – claro que sempre sob o vínculo do patriapotestas – no interior de sua cidade”.35 Com relação às meninas (puellae), o matrimônio era o único rito de passagem após atingir a puberdade.36 Na formação do cidadão romano, procurava-se desenvolver a coragem, o gosto pela glória, a lealdade e o respeito aos deuses. Sua educação objetivava cinco aspectos: (a) preparar as crianças para a vida pública; (b) infundir-lhes a moral romana; (c) WERNER, Jaeger. Paideia, p. 16. Ibid., IBID., p. p. 14. 14.Cícero percebeu a força da cultura grega e a sua perpetuidade baseada na Paideia, na educação dos jovens, vitrine e coração da antiga sociedade helênica, e intuiu um modelo de educação Humanitas romana. 30 WERNER, Jaeger. Paideia, p. 7. 31 Cf. FRASCHETTI, AUGUSTO. O mundo romano. In: LEVI, Giovanni; SCHMITT, Jean-Claude. História dos jovens. São Paulo: Companhia das Letras, 1996 p. 70. 32 Ibid., p. 71. 33 “A ambiguidade de relação entre jovens e anciãos em Roma situa-se bem no interior desse regime: relação eminentemente estruturada na base da tradição e das leis, mas também relação potencialmente muito conflitiva numa cidade onde, por tradição e segundo as leis, parece que os anciãos deveriam prevalecer sempre”. FRASCHETTI, Augusto. O mundo romano, p. 85-86. 34 DICK, Hilário. Gritos silenciados, mas evidentes, p. 75. 35 FRASCHETTI, Augusto. O mundo romano, p. 73. 36 Cf. Ibid., p. 77. 28 29

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amadurecer as crianças para o ideal de vida de família; (d) educar a piedade romana; (e) dar-lhes uma formação profissional.37

O amor pela pátria estava acima da família, e somente após a morte do pai o jovem tornava-se inteiramente autônomo. Um fato importante a destacarmos é, segundo Fraschetti: “O que distinguia a escola grega da escola romana era a presença do esporte na educação e o fato de o romano estudar o grego, e o grego não estudar o romano...”.38 Nessa relação, podemos entender a força da cultura grega e a importância da educação da juventude, que se sobrepunha mesmo sendo dominada pelo Império Romano. Insere-se nesse contexto o mundo palestino e a concepção judaica de educação e formação da juventude. Não há muitos dados sobre os jovens desse período. Basicamente sabemos que aos treze anos o menino passava a ter responsabilidade jurídica diante da nação e da religião, o que torna intrigante a única narração sobre a adolescência de Jesus ocorrer no Templo quando o menino completara doze anos (Lc2, 41-52).39 Hilário Dick propõe a utilização de alguns textos do Primeiro Testamento40 para nos ajudar a perceber a importância do jovem na tradição judaica, na construção da história e das tradições de um povo. Dick faz leituras muito interessantes sobre a figura de Diná, filha de Lia e Jacó; as filhas de Ló; Isaac e Rebeca; José do Egito; Moisés; Rute; Samuel; Davi; Ester; Tobias; a mãe dos Macabeus; Daniel, entre outros. Todos estão presentes na construção da história do povo de Israel, descrevem o modelo de hebreu, constroem valores, são rodeados de conflitos, mas sempre abertos ao novo sem negar a importância dos valores passados. Muitas vezes até são símbolos de reafirmação dos antigos valores, força vitalizadora das convicções religiosas e culturais de seu povo. Sejam essas figuras juvenis “reais, históricas, ou fruto da imaginação de um povo – exercem um papel importante na sociedade, mesmo que esta tenha medo, receio ou vergonha de dizê-lo”.41 É interessante ainda notarmos que, apesar das distâncias entre gregos e judeus, há uma grande proximidade. “A trindade grega do poeta (ποιητής), do Homem de Estado (πολιτιχός) e do sábio (σοφός) encarna a mais alta direção da nação”.42 Da mesma forma, os livros do Pentateuco, os Históricos e os Proféticos, e os Poéticos e Sapienciais dirigem a nação judaica. A Tanach (‫)תנך‬, a Bíblia hebraica, compõe-se pela Lei (‫)תורה‬, pelos Profetas (‫ )נביאים‬e pelos Escritos (‫ ;)כתובים‬é altamente jurídica, política, sapiencial e poética. Sua tradução, a Septuaginta (LXX), ainda contém textos próprios como Macabeus que descreve o conflito greco-judaico do século II a.C. O texto macabaico, ainda do período de dominação helênica, cita que, em Jerusalém, Antíoco Epífanes com uma forte política de helenização e unificação do Império, construiu um ginásio de esportes (1Mc 1, 14-15), onde muitas vezes jovens DICK, Hilário. Gritos silenciados, mas evidentes, p. 75-76. FRASCHETTI, Augusto. O mundo romano, p. 98. 39 Refere-se, possivelmente, a uma interpretação midráshica de Lucas, comparando-o com Samuel. 40 Cf. DICK, Hilário. Gritos silenciados, mas evidentes, p. 29-48. 41 Ibid., p. 47. 42 WERNER, Jaeger. Paideia, p. 17. 37 38

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sacerdotes esqueciam suas responsabilidades com a religião judaica para participar das competições (2Mc 4,14).43 Era um local de apostasia, pois organizavam-se cultos a Héracles e Hermes, deuses gregos, além de jovens judeus, ao se sentirem incomodados com a circuncisão, já que os jogos eram realizados com os atletas despidos, chegarem a fazer cirurgias para disfarçar o sinal da aliança.44

O encontro entre as três culturas, judaica, grega e romana, gerou até mesmo um gênero literário presente no final do Antigo e no Novo Testamento, o apocalíptico. Foi, sem dúvida, um encontro conflitivo, mas extremamente criativo. Os próprios cristianismo e judaísmo rabínico nasceram desse encontro. Tal construção do Primeiro Testamento é a base do Segundo, no qual Jesus vem dar realização, confirmar e reinterpretar, apresentar e revelar o rosto do próprio Deus. No tempo de Jesus, Hilário Dick ressalta a ameaça, principalmente através dos jovens, que o mundo greco-romano representava para o judaico. “Os jovens viviam fascinados - como hoje - pelas benesses (para uns, boas e para outros, más) de um império que se caracterizava pela opressão em todos os sentidos, também na questão dos valores”.45 Na prática, “O jovem era pobre, sem dignidade, utilizado de mil formas. Ser jovem era fazer tarefas servis, humilhantes e indignas”46, mas, ao mesmo tempo, “o jovem é fonte de novidade, de estímulo e de esperança para um povo que sofre”.47 Por isso mesmo, ao interpretar alguns textos com a presença dos jovens: o jovem rico, o jovem que noticia a ressurreição de Jesus (no evangelho de Marcos), o Filho Pródigo, a filha do chefe da sinagoga, o rapaz epiléptico, o filho único da viúva, Hilário Dick propõe-nos que, “Para Jesus, o jovem deve ter a capacidade de ‘voltar’ para casa, isto é, ser ele mesmo na vivência da autêntica tradição herdada dos antepassados”,48 deve levantar-se e assumir a vida49, construí-la por si mesmo e partilhá-la.50 Dessa forma, ainda que não haja muitos dados específicos sobre a juventude judaica nesse período, podemos destacá-los dos textos fundantes da própria religião judaica e cristã. Como nos aponta Dick no final de seu texto sobre a juventude na Grécia antiga: “O protagonismo juvenil não existe, na prática; ele se expressa, contudo, nas manifestações artísticas – assim como no mundo judaico vetero-testamentário”.51 A arte e a literatura são meios riquíssimos para compreendermos aspectos e situações específicas de uma sociedade. Da mesma forma que a literatura das tragédias e comédias gregas expressava a própria Paideia, os textos bíblicos expressam a construção e a tradição do povo de Israel, e são a base, com a Tradição oral, do 43 Muitas pessoas do povo aceitavam com tranquilidade e aprovavam o processo de helenização, deixando de lado seus costumes e a lei, o que as levava ao afastamento de Deus e suas consequências. “Antíoco subia até as alturas em seu pensamento, não percebendo que era por causa dos pecados dos habitantes da cidade que o Senhor estava irritado por um tempo, e que era por isso que se verificava essa sua indiferença para com o Lugar.” (2Mc 5,17). 44 MCELENEY, Neil J. 1 e 2 Macabeus. In: Novo Comentário Bíblico São Jerônimo: Antigo Testamento. Trad. Celso Eronides Fernandes. São Paulo: Ed. Academia Cristã Ltda/Paulus, 2007, p. 844. 45 DICK, Hilário. Gritos silenciados, mas evidentes, p. 89. 46 Ibid., p. 90. 47 Ibid., p.90. 48 Ibid., 91. Gritos silenciados, mas evidentes, p. 91. DICK, p. Hilário. 49 Ibid., p. 93. 50 Ibid., p. 95. 51 Ibid., p. 67.

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cristianismo e do próprio judaísmo. Os textos apresentam-se como fundamento histórico e ideal de construção do Homem, seja grego, hebreu, seja cristão. Werner Jaeger ressalta na introdução da Paideia: Os antigos estavam convencidos de que a educação e a cultura não constituem uma arte formal ou uma teoria abstrata, distintas da estrutura histórica objetiva da vida espiritual de uma nação; para eles, tais valores concretizavam-se na literatura, que é a expressão real de toda cultura superior. E é deste modo que devemos interpretar a definição do homem culto apresentada por Frínico (cf. φιλόλογος, p. 483 Rutherford): Φιλόλογος ὁ φιλῶν λόγους καὶ σπουδάζων περὶ παιδείαν.52

Como dissemos, Lucas provavelmente era grego com boa educação e conhecia profundamente as realidades judaicas e a Septuaginta53. Pelo seu estilo aprimorado, podemos reconhecê-lo como alguém culto, e desejoso de transmitir os ensinamentos do evangelho, de levar adiante a própria mensagem evangélica54. Do mesmo modo como a Paideia tinha forte identificação com a cultura, por que Lucas não escreveria a sua literatura sobre Jesus também com o intuito de formar o Homem cristão? É uma pergunta que nos leva a estudos mais profundos, de comparação do estilo lucano com as historiografias, comédias, tragédias e a literatura grega. O que nos interessa neste momento é percebermos a importância do jovem nessas sociedades, como garantia de continuidade das tradições e cultura, e a importância da própria literatura para a formação da identidade de um povo. A Paideia grega, a Humanitas romana e a formação do jovem hebreu eram fundamentais nas sociedades grega, romana e judaica. Ainda que os jovens não fossem reconhecidos, na maioria das vezes, como protagonistas da história, foram os que de fato construíram e continuaram a história de seus próprios povos, e tiveram grande ascendência na literatura. Diante dessa caracterização da significância do jovem nesses contextos, podemos agora olhar com maior profundidade para o texto de Lucas e procurar encontrar sinais da importante educação e formação do jovem cristão, seja ele judeu, grego ou romano. Talvez o jovem não seja o protagonista em sua obra, que de fato é o Espírito Santo, mas pode ser que tenha um relevante espaço.

52 WERNER, Jaeger. Paideia, p. 1. Tradução livre da frase de Frínico: “O filólogo: aquele que é afeito a palavras e se ocupa com a educação”. 53 Nota n. 4. A Bíblia de Jerusalém, p. 1896. 54 Vale relembrar aqui o discurso de Paulo em Atenas (At 17,22-31). Os discursos no texto de Lucas remetem claramente a sua teologia; são construções suas com base nas tradições e em suas pesquisas. Lucas cita um poeta da Cilícia do séc. III a.C., os Fenômenos de Arato, que também havia sido utilizada pelo estoico Cleanto, no seu Hino a Zeus. Cf. A Bíblia de Jerusalém, p. 1935.

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3 O JOVEM NA OBRA DE LUCAS

A Concordância Analítica Bíblica de Robert Young55 auxilia-nos a ter uma visão de conjunto da presença juvenil nos textos evangélicos. No quadro seguinte, busca-se traçar uma comparação entre os textos de Marcos, Mateus, Lucas e João em relação às citações referentes aos jovens. Os versículos em negrito são específicos da obra lucana:

Lucas (At):

YOUNG (JOVEM): children, maiden, man, one, woman, younger Νεανίας: a Young person (uma pessoa jovem)

7,58: “As testemunhas depuseram seus mantos aos pés de um jovem chamado Saulo”. 20,9: “Um adolescente chamado Êutico, que estava sentado no peitoril da janela, adormeceu profundamente enquanto Paulo alongava sua exposição”. 23,17: “Leva o rapaz ao tribuno, porque tem algo a lhe comunicar” 23,18: “O prisioneiro Paulo chamou-me e pediu que te trouxesse esse jovem, o qual tem algo a te dizer”. 23,22: “O tribuno despediu o rapaz, tendo antes recomendado: ‘Não digas a ninguém que me trouxeste estas informações’”. Νεανίσκος: a Young man in the prime of life (um jovem no auge da vida). Marcos: 14,51: “Um jovem o seguia, e a sua roupa era só um lençol enrolado no corpo”. 16,5: “Tendo entrado no túmulo, elas viram um jovem sentado à direita, vestido com uma túnica branca, e ficaram cheias de espanto”. Mateus: 19,20: “Disse-lhe então o moço: ‘Tudo isso tenho guardado. Que me falta ainda?’”. 19,22: “O moço, ouvindo essa palavra, saiu pesaroso, pois era possuidor de muitos bens”. Lucas (Ev): 7,14: “Disse ele, então: ‘Jovem, eu te ordeno, levanta-te!’”. Lucas (At):

55 ROBERT YOUNG, LL. D. Analytical Concordance to the Holy Bible.8.ed. United Society for Christian Literature. Lutterworth Press: Guildford and London: 1975. Firstpublished: 1879; Eightedition, revised: 1939; Thisreprint: 1975. Os termos procurados são da concordância analítica de Young, porém os textos dos versículos são da Bíblia de Jerusalém. O texto é em inglês e por isso preferimos não utilizar uma tradução livre. Acrescentamos os termos Θυγάτηρ (filha), Παιδίον (um pequeno jovem) e Παιδιόθεν (da infância, da juventude) e alguns versículos no termo Παῖς (uma criança, um servo garoto), pois entendemos que se referiam à juventude. Não expusemos situações específicas de crianças.

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2,17: “Sucederá nos últimos dias, diz Deus, que derramarei do meu Espírito sobre toda carne. Vossos filhos e vossas filhas profetizarão, vossos jovens terão visões e vossos velhos sonharão”.

5,10: “No mesmo instante ela caiu a seus pés e expirou. Os jovens, que entravam de volta, encontraram-na morta; levaram-na e a enterraram junto de seu marido”. Νέος, νεώτερος: new, Young (novo, mais jovem). Lucas (Ev): 15,12: “O mais jovem disse ao pai: ‘Pai, dá-me a parte da herança que me cabe’”. 15,13: “Poucos dias depois, ajuntando todos os seus haveres, o filho mais jovem partiu para uma região longínqua e ali dissipou sua herança numa vida devassa”. 22,26: “Quanto a vós, não deverá ser assim; pelo contrário, o maior dentre vós tornese como o mais jovem, e o que governa como aquele que serve”. Lucas (At): 5,6: “Os jovens, acorrendo, envolveram o corpo e o retiraram, dando-lhe sepultura”. João: 21,18: “Em verdade, em verdade, te digo: quando eras jovem, tu te cingias e andavas por onde querias”. Παῖς: a child, boy servant (uma criança, um servo garoto). Mateus: 17,18: “E o menino ficou são a partir desse momento”. Lucas (Ev): 2,43: “Terminados os dias, eles voltaram, mas o menino Jesus ficou em Jerusalém, sem que seus pais o notassem”. 8,54: “Criança, levanta-te!”. 9,42: “Jesus, porém, conjurou severamente o espírito impuro, curou a criança e a devolveu ao pai”.Especificidade: “porque é meu filho único”. Lucas (At): 20,12: “Quanto ao rapaz, reconduziram-no vivo, o que os reconfortou sem medida”. Παιδίον: a littleor Young lad (um pequeno ou jovem moço). Marcos: 7,28: “É verdade, Senhor; mas também os cachorrinhos comem, debaixo da mesa, as migalhas dos filhos!” 9,24: “Imediatamente, o pai do menino gritou: ‘Eu creio! Ajuda a minha incredulidade!’”. 89

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1,80: “O menino crescia e se fortalecia em espírito”. Παιδιόθεν: fromboyhood (da infância ou da juventude). Marcos: 9,21: “Desde pequenino, respondeu”. YOUTH, YOUTHFUL (juventude). Νεότης: youth (juventude). Marcos: 10,20: “Então ele replicou: ‘Mestre, tudo isso eu tenho guardado desde a minha juventude’”. Lucas (Ev): 18,21: “Ele disse: ‘Tudo isso tenho guardado desde a minha juventude’”. Lucas (At): 26,4: “O que foi o meu modo de viver, desde a mocidade, como transcorreu desde o início, no meio do meu povo e em Jerusalém, sabem-no todos os judeus”. Θυγάτηρ: daughter (filha). Marcos: 5,34: “Minha filha, a tua fé te salvou; vai em paz e fique curada desse teu mal”. 5,35: “Tua filha morreu. Por que perturbas ainda o Mestre?”. 6,22: “E a filha de Herodíades entrou e dançou”. 7,26: “e lhe rogava que expulsasse o demônio para fora de sua filha”. 7,29: “o demônio saiu da tua filha”. Mateus: 9,18: “Minha filha acaba de morrer. Mas vem, impõe-lhe a mão e ela viverá”. 9,22: “Ânimo, minha filha, tua fé te salvou”. 14,6: “a filha de Herodíades dançou ali e agradou a Herodes”. 15,22: “a minha filha está horrivelmente endemoninhada”. 15,28: “E a partir daquele momento sua filha ficou curada”. Lucas (Ev): 8,42: “porque sua filha única, de mais ou menos doze anos, estava à morte”.

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8,48: “Minha filha, tua fé te salvou; vai em paz”.

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8,49: “Tua filha morreu; não perturbes mais o Mestre”. 13,16: “E esta filha de Abraão que Satanás prendeu há dezoito anos, não convinha soltá-la no dia de sábado?”. Lucas (At): 21,9: “Ele [Filipe, o evangelista, que era um dos Sete] tinha quatro filhas virgens, que profetizavam”.

Essa tabela ajuda-nos a encontrar com mais facilidade e melhor analisar a presença da juventude nos evangelhos. Permite-nos comparar os diversos textos e perceber as características próprias de Lucas. Algo que logo nos chama a atenção é a quantidade de versículos referentes aos jovens no texto lucano. Há mais versos na obra lucana do que nos outros três evangelhos somados: são 24 apenas no texto de Lucas enquanto somam20 nos textos de Marcos, Mateus e João. Se contarmos apenas o Evangelho, são 11 versículos de Marcos, 8 de Mateus, 1 de João e 13 de Lucas. Os textos de Marcos e Lucas quase se igualam. Outro fato interessante é a quantidade de textos próprios de Lucas: 18 versículos. 6 versos pertencem aos sinóticos, ou a fonte Q. Claro que isso se deve especialmente à originalidade do texto dos Atos dos Apóstolos; do Evangelho propriamente dito são apenas 8 versículos específicos de Lucas. Evidentemente, o texto segundo Lucas destaca mais a presença dos jovens do que os outros textos do mesmo gênero literário. Ainda que em relação aos evangelhos praticamente Lucas se iguale a Marcos, há 8 versículos específicos, ou com características próprias lucanas, diferente dos sinóticos e da fonte Q. Nesse sentido, podemos relacionar esses textos lucanos e procurar suas semelhanças e dessemelhanças. Aspectos interessantes são as ressurreições e as curas. Três jovens são ressuscitados: o filho único da viúva de Naim (Lc 7,11-17), a filha única de Jairo, o chefe da sinagoga (Lc8, 40-56), e o jovem Êutico que caiu do terceiro andar ao adormecer no parapeito da janela ouvindo Paulo falar (At 20,7-12). Nos dois primeiros casos, a ordem de Jesus é clara: “Jovem, levanta-te!”. Como Hilário Dick nos propõe, há um chamado de Jesus para que o jovem se levante, assuma sua história. São “sacramentos de vida”,56 sinais de vida para sua família, sociedade e tradição cultural. Nas duas ressurreições e na cura do epilético endemoninhado (Lc 9,37-43), Lucas faz questão de dizer que eram filhos únicos. São os filhos de uma viúva, de um chefe da 56 INSTITUTO PASTORAL DE JUVENTUDE. Org.: DICK, Hilário. O jovem na Bíblia. Porto Alegre: Evangraf, 1992, p. 39-43. “No contexto de uma sociedade patriarcal, uma viúva perder seu único filho significava perder qualquer auxílio masculino. Seu destino seria horrível” horrível.”(Karris, (KARRISp.258). , p. 258).

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sinagoga e de um homem da multidão. Talvez denotem justamente a necessidade de cuidar das tradições que têm continuidade nos jovens do povo.

Valem destacar ainda as duas curas: da hemorroíssa, presente no meio do texto da ressurreição da filha de Jairo e a cura da mulher encurvada em dia de sábado (Lc 13,10-17). A menina ressuscitada tinha 12 anos e a hemorroíssa sofria há 12 anos com sua doença.57 Interessante essa especificidade, pois essa é a idade da maioridade religiosa das meninas no mundo judaico.58 A mulher encurvada é curada na sinagoga em dia de sábado após 18 anos de doença59. Relacionando os dois relatos, percebemos que a lei é mantida, mas não pode ser opressora.60 Como vimos, Lucas respeita as antigas tradições, inserindo a novidade da abertura.61 O relato da mulher encurvada é inserto justamente entre os textos da figueira estéril, a árvore que com seus frutos antes deliciava Israel, e da parábola do grão de mostarda. A menor das sementes, a menor das aberturas do coração (da Lei) expande o Reino de Deus. Essa abertura é ação própria do coração juvenil, simples que louva a Deus. Mas, abertura para o quê? Após as parábolas do grão de mostarda e do fermento, Jesus fala sobre a porta estreita, sobre a rejeição dos judeus infiéis e o chamado aos pagãos: “Eles virão do oriente e do ocidente, do norte e do sul, e tomarão lugar à mesa no Reino de Deus” (Lc 13,29). Abertura ao mundo gentio, a própria necessidade de o Evangelho alcançar todas as nações. Outros contextos juvenis a serem destacados na obra lucana são os jovens exemplos: a jovem Maria de Nazaré (Lc 1,26-38); Jesus aos 12 anos no Templo entre os doutores (Lc 2,41-50), jovem que “crescia em sabedoria, em estatura e em graça, diante de Deus e dos homens” (Lc 2,52); o jovem João que “crescia e se fortalecia em espírito” (Lc 1,80); o jovem Saulo sobre cujos pés depuseram os mantos de Estêvão (At 7,58). Poderíamos citar ainda os Sete helenistas instituídos diáconos (At 6,1-7),62 cujo líder, Estêvão, era um “homem cheio de fé e do Espírito Santo” (At 6,5); as quatro filhas virgens profetizas de Filipe, o evangelista, um dos Sete (At 21,8-9); e o sobrinho de Paulo (At 23,26). Além do Filho Pródigo (Lc 15,11-32),63 símbolo do retorno à casa do Pai misericordioso, presente no centro da caminhada de Jesus para Jerusalém. Tais exemplos juvenis concretizam o pedido de Jesus: “[...] o maior dentre vós torne-se como o mais jovem” (Lc 22,26).64 São exemplos porque foram livremente abertos à ação do Espírito, que os impulsionou em missão.

57 “Tanto a mulher jovem que começa a menstruar quanto a mulher mais velha que vivencia a menstruação como uma patologia recebem nova vida”. KARRIS, Robert J. O Evangelho Segundo Lucas, p. 263-264. 58 Cf. KARRIS, Robert J. O Evangelho Segundo Lucas, p. 264, a menina estava em idade de se casar. 59 Interessante percebermos aqui a oposição presente entre a mulher que louva, também filha de Abraão, e a atitude do líder religioso. Cf. KARRIS, Robert J. O Evangelho Segundo Lucas, p. 276. 60 “O que Jesus faz no sábado é, na verdade, uma celebração de seu sentido profundo, isto é, libertar as pessoas dos efeitos da ordem decaída. A finalidade do sábado, como Jesus o entende, é cumprida não proibindo obras de compaixão, mas incentivando-as”. KARRIS, Robert J. O Evangelho Segundo Lucas, p. 276-277. 61 Cf. KARRIS, Robert J. O Evangelho Segundo Lucas, p. 219. 62 A Bíblia de Jerusalém, p. 1911, nota de rodapé d. Os Sete designam o número das nações pagãs (At 13,19). 63 Com as parábolas da ovelha e da moeda perdidas e reencontradas forma um capítulo central na teologia do caminho no Evangelho de Lucas. Os textos descrevem a acolhida dos convertidos e são perpassados pela alegria. Cf. KARRIS, Robert J. O Evangelho Segundo Lucas, p. 280. 64 “Talvez aqui haja uma referência aos dirigentes da Igreja. Veja At 15,22 e Hb 13,7.17.24”. (KARRIS, Robert J. O Evangelho Segundo Lucas, p. 297).

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As juventudes de Maria e Jesus, e paralelamente João Batista, mereceriam um artigo específico, pois pertencem ao início do Evangelho de Lucas, um texto muito profundo e rico em símbolos, interpretações midráshicas, paralelos - teologia lucana. O modo como Lucas descreve Maria: “uma virgem” (Lc 1,27) reporta-nos ao texto de Is 7,14: “Eis que a jovem está grávida e dará à luz um filho e dar-lhe-á o nome de Emanuel”, cuja palavra jovem (‫ )עלמה‬foi traduzida na Septuaginta como virgem (παρθένον). Presente unicamente no texto lucano, a adolescência de Jesus aparece no Templo entre os doutores, ligando-a ao início do profetismo de Samuel aos 12 anos de idade65. O menino crescia em sabedoria, estatura e graça.

Quanto a Estêvão, aos Sete helenistas e ao jovem Saulo há uma relação muito forte pela abertura ao Espírito refletida na abertura aos gentios. Estêvão, cheio do Espírito é o líder martirizado dos helenistas que expandem o anúncio do Evangelho. Seu martírio toca profundamente Saulo e o faz ir à Arábia e a Damasco, para reler as Escrituras e, assim, encontrar-se com o Cristo (Gl 1,12-17). Os textos da narração da conversão de Paulo (Lc 9,1-19) e da instituição dos Sete helenistas e o martírio de Estêvão encontram paralelo com o Livro dos Macabeus: a conversão de Saulo que devastava a Igreja (Lc 8,3) assemelha-se à de Heliodoro (2 Mc 3,24-36),66 e os Sete, com o martírio de Estêvão, lembram o martírio dos sete irmãos (2 Mc7,1-42),67 além de encontrarem ressonância na ressurreição dos três jovens do texto de Lucas. Os textos são muito ricos e profundos, descrevem a ação de Deus por meio de seu Espírito na vida dos jovens e, assim, na vida do povo eleito: judeus, helenistas e pagãos. Os jovens, abertos ao novo, são sacramentos de vida, revitalização e renovação das tradições, exemplos de seguimento, modelos de cristão. Um último aspecto que gostaríamos de destacar, para retomar a questão inicial e concluir este estudo, é a possível relação etimológica existente entre Νεανίας (jovem) eἊγιονΠΝΕῦΜΑ (Espírito Santo).68 A palavra νεανίας (jovem) etimologicamente é o substantivo do adjetivo νέος (novo, jovem, próprio ou conforme à juventude), do qual deriva o advérbio νέως (novamente, recentemente). O substantivo πνεῦμα (sopro, vento, respiração, espírito) torna-se ação no verbo πνέω (soprar, respirar, respirar com força, inspirar). Claramente as palavras são relacionáveis, basta percebermos a letra π acrescentada a νέως. Inclusive, o próprio ato de soprar ou respirar designa o ar que é renovado, que mantém a vida, vida esta que está presente de maneira sempre nova no jovem. Em sentido mais abstrato, inspirar designa a ação de deixar-se mover pelo novo, deixar-se tocar para criar. Há uma forte relação criativa entre sopro e novidade. A partir de uma concepção mais profunda, ἊγιονΠΝΕῦΜΑ (Espírito Santo) é a graça, a força vitalizadora, movente de toda a vida cristã, além de ser a grande protagonista do texto lucano: aparece cerca de 54 vezes na obra de Lucas.69 O Espírito KARRIS, Robert J. O Evangelho Segundo Lucas, p. 235. “Ele contém alguns elementos de uma epifania punitiva que dissuade o inimigo da religião (p. ex., Heliodoro, 2 Mc 3,27-29)”. (KARRIS, Robert J. O Evangelho Segundo Lucas, p. 351). Além de conter algo que é mais próprio da literatura helênica do que judaica: a visão. 67 INSTITUTO PASTORAL DE JUVENTUDE. O jovem na Bíblia, p. 73-87. 68 Utilizamos o Dicionário de PEREIRA, Isidro. Dicionário grego-português e português-grego. Porto: Livraria apostolado da imprensa, 1951. 69 Segundo ROBERT YOUNG,LL. D. Analytical Concordance to the Holy Bible, p. 488: Lc 1,15; 1,35; 1,41; 1,67; 2,25; 2,26; 3,10; 3,22; 4,1; 11,13 12,10; 12,12. At 1,2; 1,5; 1,8; 1,16; 2,4; 2,33; 2,38; 4,8; 4,31; 5,3; 5,32; [6,3]; 6,5; 7,51; 7,55; 8,15; 8,17; [8,18]; 8,19; 9,17; 9,31; 10,38; 10,44; 10,45; 10,47; 11,15; 11,16; 11,24; 13,2; 13,4; 13,9; 13,52; 15,8; 15,28; 16,6; 19,2; 19,2; 19,6; 20,23; 20,28; 21,11; 28,25. 65 66

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é o responsável pela condução do Filho e de sua missão que continua presente na Igreja nascente, é quem a conduz aos confins da terra. É a força criativa e aberta que mantém a identidade de cada povo e os faz pertencentes ao povo eleito. Essa grande novidade está muito próxima dos jovens, abertos a sua ação; eles são força vitalizadora de continuidade das tradições e de renovação. Como vimos na reflexão sobre o jovem grego, romano e judeu, a educação e a literatura, ainda que não sejam protagonistas, são os modelos literários pelos quais sua cultura continua viva e sempre renovada. Os jovens modelos e ressuscitados do texto lucano descrevem a maneira de ser cristão. Identificam-se, portanto, com a ação do Espírito, pois, por sua abertura, são capazes de tornar sempre nova a história e servirem de modelos para o seu povo; são caminho de perpetuação de uma identidade. Com isso, ainda que necessitássemos de um estudo mais profundo, mais exegético-comparativo, histórico-crítico, podemos afirmar que se a obra lucana não for um Evangelho dos jovens, se não tiver os jovens como protagonistas primeiros, é ao menos o Evangelho do Espírito aos jovens.

CONSIDERAÇÕES FINAIS O desenvolvimento deste estudo tomou rumos um tanto quanto inesperados. Inicialmente esperava encontrar certo protagonismo juvenil na obra lucana, não como o protagonismo do Espírito Santo, mas algo que pudesse ser destacado. Esperava encontrar um tema a mais pelo qual pudéssemos discorrer, assim como os marginalizados, as mulheres, os pobres. Todavia o estudo tomou outros rumos e abriu mais janelas para a pesquisa. O segundo item do trabalho, decorrente da influência grega em Lucas, foi essencial para essa constatação. A Paideia, a formação cultural educativa do homem grego era algo essencial na sociedade helênica e tinha especial ascendência na literatura. Pela concepção grega de educação, os jovens ocupavam lugar central; eram a vitrine e o coração da tão importante Pólis grega. O mundo helênico compreendia que a perpetuidade de seu existir, a expansão de sua cultura só seria possível pelo cuidado do mundo juvenil. Encontramos tais aspectos presentes também no Império Romano, sob a própria influência dos gregos, pela da Humanitas, embora totalmente dependente do pátrio poder. Essa realidade, de certo modo, está também presente no mundo judaico, haja vista a quantidade de textos presentes no Antigo Testamento referentes ao mundo juvenil. Muitas vezes os jovens eram representados como os responsáveis por manter e dar continuidade à tradição do povo judaico e por sua renovação. As próprias categorias de poeta (ποιητής), do homem de Estado (πολιτιχός) e do sábio (σοφός), como dirigentes da nação grega, encontram correspondentes nos livros da Bíblia hebraica composta pela Lei (‫)תורה‬, pelos Profetas (‫ )נביאים‬e pelos Escritos (‫)כתובים‬, sendo altamente jurídicos, políticos, sapienciais e poéticos, responsáveis pela direção da nação judaica.

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Essas tradições influenciam diretamente o Novo Testamento e o desenvolvimento do cristianismo, em especial a obra lucana, escrita por um grego de boa educação, que conhecia a Septuaginta e as tradições judaicas, imerso no contexto de dominação territorial romana. Nesse sentido, encontramos na obra lucana não o protagonismo específico juvenil, já que esse pertence ao Espírito Santo, mas o ideal de formação educativo-cultural da identidade do povo cristão, cuja continuidade está nas mãos dos jovens: “[...] o maior dentre vós torne-se como o mais jovem” (Lc 22,26).

Assim como a Paideia ascendia na literatura, o texto lucano pode ser a expressão do ideal da comunidade cristã, do ideal de cristão que formava a “sociedade” cristã. Da mesma forma que o jovem era a vitrine e o coração da sociedade grega, reconhecido como símbolo significativo de continuidade da cultura helênica, o jovem cristão, aberto à ação do Santo Espírito, como Maria, o próprio Jesus, Estêvão, Paulo, é reconhecido como continuidade e expressão da identidade cristã. Essa identidade origina-se da vida e da ação de Jesus Cristo. A obra lucana pode ser lida, portanto, como o Evangelho do Espírito aos jovens.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BLÍBLIA: A Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2012. BOFF, Leonardo. Natal: a humanidade e a jovialidade de nosso Deus. Petrópolis: Vozes, 1976. DICK, Hilário. Gritos silenciados, mas evidentes: jovens construindo juventude na História. São Paulo: Loyola, 2003. DILLON, Richard J. Atos dos Apóstolos. In: Novo Comentário Bíblico de São Jerônimo: Novo Testamento e artigos sistemáticos/ São Jerônimo; Trad. Celso Eronides Fernandes. São Paulo: Ed. Academia Cristã Ltda./Paulus, 2011. FRASCHETTI, Augusto. O mundo romano. In: LEVI, Giovanni; SCHMITT, Jean-Claude. História dos jovens. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. INSTITUTO PASTORAL DE JUVENTUDE. Org.: DICK, Hilário. O jovem na Bíblia. Porto Alegre: Evangraf, 1992. KARRIS, Robert J. O Evangelho Segundo Lucas. In: Novo Comentário Bíblico de São Jerônimo: Novo Testamento e artigos sistemáticos/ São Jerônimo; Trad. Celso Eronides Fernandes. São Paulo: Ed. Academia Cristã Ltda./Paulus, 2011. LOCKMANN, Paulo. Lucas – um exercício de leitura política. In: SCHWANTES, Milton; Lockmann, Paulo; Cavalcanti, Tereza, et al. Novos Rumos da Teologia Bíblica. Imprensa Metodista: São Bernardo do Campo, 1989.

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MCELENEY, Neil J. 1 e 2 Macabeus. In: Novo Comentário Bíblico São Jerônimo: Antigo Testamento. Trad. Celso Eronides Fernandes. São Paulo: Ed. Academia Cristã Ltda/Paulus, 2007. PEREIRA, Isidro. Dicionário grego-português e português-grego. Porto: Livraria apostolado da imprensa, 1951. RICHARD, Pablo. O Evangelho de Lucas – estrutura e chaves para uma interpretação global do Evangelho. São Paulo: Vozes, 2003. RIBLA 44.

ROBERT YOUNG, L. D. Analytical Concordance to the Holy Bible.8.ed.United Society for Christian Literature. Lutterworth Press: Guildford and London: 1975. First published: 1879; Eight edition, revised: 1939; This reprint: 1975. SCHNAPP, Alain. A imagem dos jovens na cidade grega. In: LEVI, Giovanni; SCHMITT, JeanClaude. História dos jovens. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. THEISSEN, Gerd. O Novo Testamento. São Paulo: Vozes, 2007. WERNER, Jaeger. Paideia: a formação do Homem Grego. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

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ORIENTAÇÕES PARA PUBLICAÇÃO NA REVISTA DE CATEQUESE

A Revista de Catequese está aberta para a contribuição de todos os pesquisadores na área de Teologia, particularmente de catequética e teologia pastoral em geral. Os textos podem ser artigos, comunicações, traduções, resenhas, experiências, documentos, entre outros. Os textos, de inteira responsabilidade dos autores, devem ser inéditos, reservando-se à Revista a prioridade de sia publicação. Os autores que tiverem seus textos publicados receberão três exemplares daquela edição da Revista. 1 Os textos deverão ser escritos em português, espanho, italiano ou inglês. 2 Os textos submetidos receberão a avaliação de dois examinadores (neutros), cabendo ao Conselho da revista o direito de publicação ou rejeição do trabalho. 3 Para a apresentação de artigo, devem ser observadas as seguintes orientações técnicas: formato A4, fonte Times News Roman 12; espaçamento entre linhas 1,5; espaçamento simples entre parágrafos, total de 8 a 10 páginas. Margens: superior e esquerda, 3cm; inferior e direita, 2 cm. 4 As citações diretas no texto, com até três linhas, devem ser contidas entre aspas. As citações diretas no texto com mais de três linhas, devem ser destacadas com recuo de 4 cm da margem esquerda com fonte 11, sem aspas. 5 As referências bibliográficas deverão ser clocadas em notas de rodapé (fonte 10), com dados bibliográficos completos das obras citadas (inclusive com numeração das páginas), isso em cada nova obra 5.1 Citação de livros CODA, Piero. O evento pascal: Tirndade e história. São Paulo: Cidade Nova, 1987, p.10. 5.2 Citação de periódicos (revistas, jornais, etc.): Alves de Lima, Luiz. A situação da catequese hoje no Brasil. Revista de Catequese 37 (2014)143, .-21. [37 é o volume da revista; 146 é o númeor]. Forma Alternativa: NERY, José Israel. Formaçãode catequistas: uma urgência no Brasil. Revista de Cateuqese 121 (2008) 6-18, p.2. [121 é o número da revista]. 5.3 citação de monografia, livros e afins: CALIMAN, Cleto. A eclisiologia do Concílio Vaticano II e a Igreja no Brasil. In: GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes; BOMBANATTO, Vera Ivanise (org.). Concílio Vaticano II: análise e prospectivas. São Paulo: Paulinas, 2004, p 229-248. 6 A numeraçãodas seções segue o sistema decimal, em algarismos arábicos (como na descrição destas normas). 7 Os artigos deverão apresentar, obrigatoriamente: título ( com tradução para o inglês), resumo (de 100 a 150 palavras) e abstract, palavras-chave (no total de 5) e keywords, introdução, corpo (com subdivisões), considerações finais e referências bibliográficas. 8 Os seguintes dados do autor deverão ser enviados: a última titulação (com indicação da instituição), bem como, atualmente, em qual área atua e onde (instituição ou organização). 9 Os autores serão avisados por e-mail da decisão dos membros da comissão editorial sobre a publicação do texto proposto. 10 Os textos devem ser enviados aos seguinte endereço: [email protected]

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Page 2 of 14. B. 2. alance. G. e ne ralEsp. e cial. B. oxe o. Page 2 of 14. Page 3 of 14. 3. Balance Ge ne ral. Espe cialBoxe o. Maidana vs Broner: ElCorazón vs ...

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DESCARGUE LA. APLICACIÓN MISHA. ÍNDICE GENERAL. 04. PORTADA. EDITORIAL. 05. SECCIÓN LEGAL. NORMAS LEGALES. 10. SECCIÓN LABORAL.

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Page 2 of 28. ENCONTRE. SUA NUMERAÇÃO. Baby - Numeração: 17 a 25. TODOS OS MODELOS ESTÃO. DISPONIVEIS CONFORME. ABAIXO: Teen - Numeração: 26 a 32. Adulto - Numeração: 33 a 40. Page 2 of 28. Page 3 of 28. Ref. 2017-TOEPRETO. PEEP TOES. NOVOS

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Page 1 of 12. ISSUES OF WOMEN-OWNED BUSINESSES: LESSONS FROM THE U.S.. Barbara K. Mistick and Deborah Cain Good. Abstract. Women-owned businesses are a growing economic force worldwide. Despite their obvious economic impact, few. studies have examine

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Competencia de Cohetes. 2014? ¡No te preocupes! Pág. 5. Edición N° 1. 3er Trimestre 2014. ¿Conoces la historia del. equipo ISYS en la Liga 10? Pág. 10.

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(CARINA NEBULA). Clarissa Vázquez Colón, Milennys Velázquez Flores, Milzaida Merced Sanabria,. Grace Fontánez Santana. Advisors: Juan C. Cersosimo ...

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de l‟Arxiu Històric de Roquetes-Nou Barris, Arnaldo Gil. També van assistir personalitats com el tercer tinent. d‟alcalde, Antoni Vives, l‟arquitecte en cap de.

Floresta revigorada - Revista Pesquisa Fapesp
conhecido como transição florestal, quando há uma mudança nas características de uso da terra, saindo de um período de constante redução da vegetação ...

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Edición 1. Revista Contable MISHA pertenece a: NOTICIERO DEL CONTADOR SAC. Calle Joaquín Capello 547 – Miraflores. MISHA 2. EDICION GENERAL.

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Roberto Lahuerta. Josep M. Babí. Col·laboradors/es d'aquest número. Josep M. Babí. Jordi Sànchez. Ricard Fernández. Roberto Lahuerta. Antonio Herrera.

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Luis Pomales, Melissa Davila-Santana, Omar Vega, Mirna Rivera-Claudio. Mentor: Josee Vedrine-Pauleus. 17. A Computational Simulation of a Radiotherapy ...